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Paulo Markun: Boa noite. Sim ou não ao comércio de armas de fogo? Esta é a pergunta que os brasileiros serão chamados a responder no referendo do próximo dia 23 [de outubro de 2005]. A questão provoca profunda divisão entre os brasileiros com argumentos apaixonados de ambas as partes. De um lado, estão aqueles que vêem na proibição o melhor caminho para diminuir a violência, principalmente as mortes acidentais; do outro, os que entendem que a medida não contribuirá para reduzir o índice de violência e consideram a polícia desaparelhada para fornecer segurança aos cidadãos.
[Comentarista]:
[Marcio Thomas Bastos - ministro da Justiça em depoimento em vídeo]: Isso não resolve o problema da violência no Brasil, mas é uma das muitas medidas necessárias que precisam ser tomadas para diminuir a violência. É desarmar o cidadão de bem para evitar o quê? Evitar o crime ocasional, evitar o crime doméstico, evitar a briga de trânsito, evitar a briga no campo de futebol.
Paulo Markun: Bem, o cenário do Roda Viva esta noite é a instalação Intolerância, do artista plástico Siron Franco. A obra foi inaugurada no dia 4 de julho de 2002 no Museu do Imaginário do Povo Brasileiro no antigo prédio do DOPS, a antiga polícia política de São Paulo nos tempos da ditadura. O cenário é apenas uma parte da instalação completa composta por 880 esculturas em pano. E antes que alguém diga que o cenário está tomando partido, eu levo a seguinte consideração: estes corpos são as vítimas das armas de fogo ou são as vítimas dos bandidos que estão matando mais porque não há armas de fogo nas mãos dos cidadãos. Essa é a premissa que o programa parte para a gente debater a questão reunindo duas bancadas, os que representam o sim, estão aqui: Marcelo Yuka, músico, Sérgio Adorno, professor de sociologia da USP e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência e o deputado Raul Jungmann, secretário da Frente Parlamentar Brasil sem Amas. Para defender o não, nós convidamos: Demétrio Magnoli, colunista da Folha de S. Paulo, deputado Alberto Fraga, presidente da Frente Parlamentar pelo Direito da Legítima Defesa, e o delegado Wladimir Reale, presidente da Adepol no Rio de Janeiro, Associação dos Delegados de Polícia. Também temos a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando, em seus desenhos, os momentos e os flagrantes do programa. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e para Brasília também. Eu gostaria de deixar claro que vou dar um minuto e meio de intervenção para cada um dos participantes, sem aquele o rigor, digamos, britânico, dos debates eleitorais. Isso aqui é um programa de entrevista, um programa tradicional na televisão brasileira, não se trata de um debate feito dentro das regras estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Ao mesmo tempo, levando em conta o que eu considero a arma mais importante, se é que se permite o trocadilho, neste tipo de evento, que é o bom senso. O bom senso de compreender que uma bancada não vai convencer a outra, mas o importante é expor seus argumentos para que o telespectador tome sua decisão, e a gente tem visto que essa decisão vem avançando, vem evoluindo, no sentido de mais gente estar sabendo do que é trata o reverendo e o que ele tem que decidir no próximo dia 23. E vou começar alternando as participações, começando pelo Demétrio Magnoli. Por que você defende o não?
Demétrio Magnoli: A discussão que existe não é entre aqueles que querem armar a população e aqueles que querem desarmar a população. A discussão que existe é entre aqueles que querem restringir, controlar a venda e a posse de armas de fogo. Esta restrição e este controle são bastante rígidos na legislação existente, no estatuto, e aqueles que querem proibir, não todo mundo de se armar, querem proibir a população pobre e cumpridora das leis, a população pobre e honesta de se armar. E apenas esta, os ricos podem se armar, terceirizando as armas para empresas de segurança privada, para milícias privadas que estão garantidas no estatuto, o que é estranho. Então, os ricos podem se armar e os pobres devem se desarmar ou cair na ilegalidade, ou se tornarem comparáveis aos bandidos que os assaltam, podendo ter uma pena de um ano de prisão porque compraram uma arma dentro da lei, treinaram, sabem atirar, cumpriram os requisitos de ter mais do que 25 anos, de não ter antecedentes criminais, de não serem pessoas perigosas, de maneira nenhuma, de terem profissão e residência fixa, de terem capacidade técnica e aptidão psicológica para terem arma. Mas, apesar disso, podem ficar um ano na cadeia porque não viram outra forma de defender a sua família, de defender seu pequeno patrimônio diante dos bandidos. É uma lei que atenta contra o princípio da igualdade. É uma lei que diz que existem homens bons, como se chamava na colônia, os ricos, que podem andar com milícias armadas. E existem os outros, a plebe, que deve se desarmar num país que não aceita mais os princípios republicanos onde todos são iguais perante a lei.
Paulo Markun: Marcelo Yuka, por que você defende o sim?
Marcelo Yuka: Acho que nesse país a gente já tem uma longa tradição de repressão por meio das armas de fogo. A própria polícia, ela foi fundada não para defender a todos, mas para defender uma parte da sociedade que já era a parte mais abonada. E eu acho que, quando se fala em armamento... Eu venho do Rio de Janeiro. Lá, os bandidos se armam cada vez com armas mais... de calibre mais poderoso. A polícia vai atrás disso e, nesse meio campo, no fogo cruzado, fica a população civil. Eu acho também que, falando em morador, em comunidade carente, acho que quem convive lá, e eu convivo há quinze anos em diversas comunidades do Brasil todo, a gente sabe que muda o perigo e o status quo da pessoa que porta uma arma dentro de uma comunidade carente. É totalmente diferente daquele que não porta. Ele já está no nível em que pode ser assassinado a qualquer momento, porque ele representa um perigo para o próprio crime organizado dentro da favela. Então, essa opção da população pobre ter uma arma, acho que é um equívoco tremendo. Até porque hoje, para você conseguir chegar a ter uma arma legalmente, você precisa dispor de um dinheiro que a população pobre no Brasil não tem. Então, acho que não é uma condição igualitária, muito diferente. A arma passa a ser não só um pseudo ícone de proteção, mas também um ícone de status.
Paulo Markun: Deputado, por que o senhor é não?
Alberto Fraga: Eu sou não porque trata-se exatamente da retirada de um direito. A frente do não não defende que as pessoas comprem armas ou andem armadas nas ruas, como dizem por aí. O que defendemos tão somente é que seja dado ao cidadão brasileiro, aquele exatamente que paga seus impostos, aquele que cumpre a lei, que seja dada a ele a oportunidade de escolha. Se vivemos num Estado que não tem capacidade de proteger o seu cidadão, por que retirar desse cidadão pelo menos a sua vontade de se defender? Por que dizer para o homem do campo que não vai poder comprar sua munição, que lá o Estado não vai chegar, ele não tem como ligar num telefone, uma viatura mais próxima fica a 50, 40 quilômetros, o que dizer para esse homem? O Estado se ausentou, está omisso, está ausente. Nós vamos dizer para ele o quê? Vamos levar a certeza ao marginal, que ele, ao chegar no campo ou residência, lá não vai ter uma arma para defender sua família ou propriedade. Essa é a questão principal. As armas que estão matando por aí, são tragédias que a gente vê por aí, são armas ilegais. A gente vê que a campanha do sim agora se concentra na arma nacional, mas não diz que a arma nacional é a que vai lá para fora e depois entra de uma maneira, vamos dizer assim, que o governo não faz com que as fronteiras sejam policiadas. Aí, nós temos uma entrada desordenada de arma de fogo no Brasil, mas por culpa da omissão do governo que não faz policiamento das fronteiras. Esta é a razão principal.
Sérgio Adorno: Eu vou... Eu acho que... Bom, eu sou a favor do sim pela minha história de pesquisa nessa área. Estou plenamente convencido de que a facilitação do acesso à arma aumentou em proporções escandalosas o número de homicídios no Brasil, principalmente homicídios de jovens. Todos os estudos estão mostrando isso, estudos feitos por pesquisadores da maior respeitabilidade, institutos do Rio, institutos de Brasília, institutos de São Paulo... todos eles estão, muitas vezes até com metodologias diferentes, chegando aos mesmos resultados. Então, estou convencido de que tem que haver um controle muito rigoroso, inclusive a proibição das armas. Agora, por outro lado, eu gostaria de dizer que eu discordo que seja um direito. Acho que o que está em discussão aqui, quando se fala em direito, é reivindicação de um privilégio, porque alguns vão poder ter armas, como foi dito aqui, e outros não vão poder ter armas. Isso é incompatível com a democracia. Uma democracia não pode viver com privilégios. Se vamos ter que ser democráticos, vamos ter que admitir que todos vão ter que ter acesso às armas. Eu ouvi cidadãos da periferia de São Paulo dizendo: “Por que só bacana vai poder ter arma? Por que eu não vou poder ter também?” Acho isso muito perigoso. Acho que uma questão tão fundamental como o direito à vida, não há como intransigir, não há questão de escolha. Se for uma questão de escolha, para terminar, eu diria o seguinte: “Bom, então eu posso escolher se eu quero aborto ou não, eu posso escolher se quero vacinar meu filho ou não, quero escolher se que quero mandar meu filho para escola ou não”. É tudo uma questão de direitos, então eu tenho direito a escolher isso.
Paulo Markun: Doutor Wladimir Reale, por o que senhor é não?
Wladimir Reale: Me parece que o próprio direito está consagrado na Constituição. Eu acho que na medida em que a própria Constituição garante inviolabilidade ao direito da vida, propriedade, igualdade, honra e sobretudo a segurança, dever do Estado e responsabilidade de todos, nos parece que... Inclusive, a grande parte dos juristas neste país e o próprio Supremo Tribunal Federal já se pronunciou dentro dessa linha, é um direito, portanto, cabe a ele decidir, trata-se de direito civil. Alguns países colocaram até como regra específica, tipo Estados Unidos, ementa número 2; O México, salvo erro de memória, artigo número 10. Significa dizer que cabe ao cidadão decidir. O que nós vemos no país? 7.281.773 armas registradas. O presidente da frente oposta, outro dia, ratificou a sua notícia de 20 milhões de armas no país. Significa que grande parte dessas armas, não se sabe porque, não tem registro. Então, ao invés de facilitar exatamente o registro de armas no país para que o próprio Estado tenha um certo controle do armamento, a tendência é exatamente oposta. Se realmente prevalecer a tese do sim, nós teremos na história do Brasil o maior contrabando que se poderá ter em todos os tempos, em que vamos ter munição indexada em dólar, armamento em dólar... Dentro do princípio da igualdade, temos também armas de posse e guarda do atual cidadão e daqueles que realmente jamais terão oportunidade. Portanto, é uma questão meramente pessoal e decisão que só o cidadão deve tomar.
Paulo Markun: Deputado Raul Jungmann, por que sim?
Raul Jungmann: Boa noite, Paulo, boa noite demais participantes desse debate. Por que sim? Em primeiro lugar, porque eu sou a favor da vida, menos armas e mais vida. Isso ficou, inclusive, claramente co-relacionado quando, em 2004, pela primeira vez em 13 anos, caiu o número de homicídios por arma de fogo. Isso caiu por dois motivos: primeiro, porque nós fizemos o Estatuto do Desarmamento, que é a primeira política pública voltada para a questão do armamento, e frente do não foi contra. É importante dizer que, nesse estatuto, nós criamos uma rigidez que proíbe que crime de bandido seja inafiançável, o que é colocar bandido na cadeia e dar instrumento para a polícia prender bandido e colocá-lo na cadeia. Eles foram contra isso.
Demétrio Magnoli: [interrompendo] Eles quem? Eu não.
Raul Jungmann: Não me referi ao senhor, por favor. A segunda questão, que eu quero deixar bem claro, é que nós somos favoráveis ao sim, porque a arma dá ilusão de segurança. Quem tem uma arma em casa precisa ter acesso a esta arma. Fica ao acesso da criança curiosa, do adolescente atrevido, da mulher humilhada e marido ciumento. Resultado, mata muito mais nossos familiares do que um eventual assaltante. E quem empunha uma arma para reagir a um assalto armado tem 180 vezes mais chance de morrer do que não. Agora, o que não é o sim, o que não é o referendo? Em primeiro lugar, nada do governo. Eu sou oposição, o prefeito dessa cidade é oposição e apóia. É uma coisa suprapartidária. É equívoco e má fé dizer que isso é um ato do governo. Segundo: a questão dos direitos como hoje o Edson Vidigal, presidente do STJ disse: “Ninguém perderá um único direito”. Não existe nada no sentido de perder direito. Então, vamos nos informar para participar do debate. Não há supressão de direitos.
Paulo Markun: Muito bem. Em depoimentos colhidos pelas emissoras educativas em diversos estados, percebe-se que a população está bastante dividida em relação ao referendo. Vamos acompanhar este vídeo que é o primeiro da série que preparamos para o programa desta noite.
[o vídeo mostra a população dividida entre aqueles que defendem o sim e o não e também os motivos que levam à decisão]
Paulo Markun: Vou colocar em discussão na segunda rodada nossa deste debate, dois pontos: a frente do não tem usado um argumento muito firme e consistente e freqüente que diz o seguinte: “Estão tirando o primeiro direito, Hitler fez isso, o que virá depois”? Enquanto que a frente do sim usa outro argumento também consciente e muito freqüente que é dizer o seguinte: “Quem vota não...” não se diz isso exatamente do jeito que eu estou dizendo “... é a morte”. Porque a arma é morte. Quem vota a favor da arma é a favor da morte, e quem vota sim, vota a favor de vida”. O eu que queria colocar em debate para as duas bancadas, é isso: trata-se de supressão, primeiro, de uma série de direitos, ou se trata de uma campanha que vai realmente melhorar a vida das pessoas?
Alberto Fraga: Bom, eu acho que se trata da retirada de um direito, isso aí é inquestionável. Quando falta argumento, aí busca-se sensacionalismo, a emoção, as tragédias, as exceções, que foi explorado pelo programa do sim, e a Justiça deu uma resposta... E o grande problema é que nós não sabemos qual é o próximo direito que poderá ser retirado do cidadão. Esta é a questão, Markun. Porque, veja só, hoje querem tirar o direito do cidadão de escolher e comprar uma arma. Acidentes automobilísticos, pelo que eu sei, agora em 2005, já estão bem na frente de arma de fogo. Amanhã, vão tirar direito do cidadão de comprar um carro, porque carro também mata mais do que arma de fogo. E por aí vai. Trata-se de um direito, e de direito não se abre mão, direito se conquista. O povo brasileiro está sabendo reagir, sim, diante de um massacre que foi feito. A gente vê, aí, até novelas para induzir, para enganar a população e, no entanto, eu acho que população já está começando a entender o que está por trás de tudo isso. Na verdade, é um desvio do foco principal no país. Eu reafirmo que é um projeto, sim senhor, do governo. Se não fosse projeto do governo, não se justificaria o ministro da Justiça [Márcio Thomaz Bastos] estar até o pescoço [coloca as mãos no pescoço] empenhado em querer aprovar o sim. Até mesmo o próprio governo já mostrou isso. O presidente Lula e todo os seus deputados da base do governo vêm fazendo esta campanha. Agora, o caso do PPS [Partido Popular Socialista], é diferente. O partido do deputado Jungman assumiu esta bandeira dentro do Congresso e por isso que está fazendo isso. Mas que há a presença maciça do governo, desse governo sim do mensalão [esquema de compra de votos de parlamentares para votarem a favor de projetos do interesse do poder executivo], para querer desviar o foco... Ninguém fala mais em corrupção, ninguém mais fala em CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito], porque o assunto é o referendo.
Marcelo Yuka: Acho que não é. Esta discussão não pode ser politizada, uma coisa de partido, da oposição. Eu...
Alberto Fraga: [interrompendo] Mas ela é, Marcelo!
Marcelo Yuka: Não é politizada. No fundo disso, no fundo de todas as guerras, e a gente está vivendo um momento difícil, no fundo disso está o poderio econômico. A gente tem que saber que as armas de fogo representam um grande lucro no mundo, é uma empresa que produz lucro absurdo. A gente pode fazer uma outra estatística: o mundo hoje está em guerra muito pelo crescimento do islamismo [uma das 4 religiões monoteístas baseada nos ensinamentos de Maomé], que é a meu ver é uma religião lindíssima, mas existe o fundamentalismo islâmico, que é o que está na base dos homens bombas, enfim, dessa guerra mais radical, que sai do ponto de vista da tolerância para combate físico. Bom, todos esses países que estão nessa guerra, eles não usam comprar armas norte-americanas, mas usam comprar armas alemães, principalmente russas. Olha, essa indústria americana de armamento é uma das maiores do mundo. Ela vem dentro da própria América do Norte, Américas Central e do Sul, vem incentivando através do narcotráfico e tudo, incentivando o que é? Negros e latinos se matarem gerando dinheiro pelo sangue. E eu estou aqui, como muitas pessoas estão aqui, sem ganhar nada por isso. Agora, já é fato que a bancada da arma é economicamente ligada às empresas de armas.
Demétrio Magnoli: [interrompendo e aumentando o tom de voz] Isso é mentira, isso é mentira.
Marcelo Yuka: Não estou falando com você.
Demétrio Magnoli: [interrompendo] Não aceito esse tipo de coisa, eu estou aqui sem ganhar nada.
Marcelo Yuka: Não quero dizer que são todos vocês.
Demétrio Magnoli: Isso não, isso é calúnia.
Paulo Markun: Só um pouquinho.
Marcelo Yuka: Outra coisa, outra coisa.
Paulo Markun: Seu tempo terminou, Marcelo.
Marcelo Yuka: Se eu tivesse uma arma, vivendo na minha condição de deficiente físico, muitas vezes humilhado e muitas vezes com preconceito, por exemplo, eu não sei se eu teria a calma suficiente para achar, olhar assim para a cara de alguém e achar que ele está sendo prepotente e tal e não sacar uma arma e de agir com uma atitude inconseqüente. Eu que tenho estereótipo de um cara pacifista.
Demétrio Magnoli: Você parte da premissa de que todo mundo é irresponsável. Não, não, eu queria falar sobre isso, porque...
Marcelo Yuka: [interrompendo] Outra coisa... seguinte... Não chama de mentira. Você pode dizer que estou equivocado, mas falar que eu estou mentindo, não [todos falam ao mesmo tempo]. Porque aí passa do respeito. Vamos ter respeito
Demétrio Magnoli: A discussão de idéias não pode ser uma discussão baseada em calúnias. Eu estou aqui sem ganhar nada e sou contra que as pessoas se armem. Eu vou deixar bem claro: sou contra que as pessoas se armem. Eu acho errado as pessoas se armarem...
Marcelo Yuka [interrompendo] Vamos começar pelo fato... Pode falar que eu estou mentindo, pode até falar que eu estou equivocado.
Demétrio Magnoli: Marcelo, agora é a minha vez. Veja, eu apoio todas as restrições do Estatuto do Desarmamento. Eu apoio todos os requisitos do Estatuto do Desarmamento para as pessoas poderem comprar armas, e são restrições extremamente limitantes, é bom que sejam. Eu sou contra apenas um ponto que é a proibição dos pobres, daqueles que não têm posses para comprarem armas, que se dá ao mesmo tempo que se permite que milícias privadas proliferem no país. Os proponentes do sim não falam isso. O primeiro proponente do sim é ministro da Justiça, que foi quem lançou campanha e inclusive chamou esta campanha de referendo do desarmamento.
Alberto Fraga: [interrompendo] Isso é um equívoco.
Demétrio Magnoli: Lançou um discurso dizendo: “Agora vamos ganhar o referendo do desarmamento”.
Alberto Fraga: Imagina.
Demétrio Magnoli: O ministro da Justiça devia estar preocupado com alguns outros assuntos, por exemplo: ele deveria estar preocupado em reformar profundamente a polícia para impedir que os policiais corruptos sejam uma fonte de armamento dos bandidos, uma das principais fontes pelos quais as armas chegam aos bandidos, tanto as armas da própria polícia, como as apreendidas. É uma das principais fontes.
Alberto Fraga: Campanha mesmo.
Demétrio Magnoli: Entretanto, a reforma da polícia, que foi uma promessa de campanha do presidente Lula, foi abandonada. A polícia continua vendo as favelas do Rio de Janeiro como territórios inimigos a serem invadidos. A polícia não instala delegacias permanentes no interior das favelas...
Marcelo Yuka: [interrompendo] Concordo plenamente.
Demétrio Mahgnoli: Ela invade favelas como quem invade um país inimigo e diz para o dono do bar da periferia que ele está proibido de ter a sua arma, que pode ser a única defesa do bar dele. E está dizendo que ele, se tiver uma arma, pode ser preso junto com o bandido que o assaltou.
Marcelo Yuka: [interrompendo] Isso é uma visão de ar condicionado, não é a visão da comunidade.
Paulo Markun: Raul Jungman.
Raul Jungmann: Em primeiro lugar, é preciso dizer o seguinte, vou repetir: Eu não sou governo, não votei neste governo e não tenho no ministro, a quem respeito, o meu líder. Eu gostaria de dizer que Fernando Henrique Cardoso [presidente do Brasil por dois mandatos consecutivos: de 1995 a 2002. Desde 2001 é presidente de honra do Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB], que é oposição ao governo, é a favor do sim e apoiou. Esta questão toda começa em 1997, e até antes, com a sociedade civil. Jogar nas costas do governo é uma profunda desinformação e má-fé que não dá para agüentar. Sobretudo porque nós tivemos problemas com o governo durante o processo de aprovação em que o governo queria, à época, aprovar a CPI oficial da compra de votos. Eu sei a luta que nós tivemos que travar lá dentro para ouvir aqui me dizer que o governo está por trás disso, quando nós lutamos duramente contra o governo para poder aprovar isso. É muita desinformação. Democracia é debate informado. E, segundo lugar, quero deixar e reiterar mais uma vez aqui: não existe perda de qualquer direito. Qual o debate que estamos travando? Se alguém está travando debate aqui de supressão de direito, é outro debate e não é este. Porque, efetivamente, o estatuto dá um direito adquirido para quem, tendo sua arma legal ou tendo seu porte legal, ele continue garantido. Isso não muda de forma nenhuma. Volto a dizer: hoje o presidente do Supremo Tribunal Federal disse exatamente isso que eu estou dizendo, portanto, não há supressão de direitos de forma nenhuma.
Alberto Fraga: [interrompendo] É a interpretação dele.
Raul Jungmann: Em terceiro lugar, quero me solidarizar com Marcelo Yuka. Acho que ele foi desrespeitado, pode ter dito a opinião que disse, mas foi desrespeitado. Acho que ele tem muita razão. Notícia publicada recentemente dá conta que o vice-presidente da frente do não, do Rio de Janeiro foi achado com armas ilegais, armas raspadas. O deputado estadual José Nader, ele não foi punido e não foi expulso da frente do não.
Alberto Fraga: [interrompendo] Nem pode ser, você sabe que não pode.
Raul Jungmann: Então, é o que eu estou dizendo. Está aqui. O que eu quero deixar claramente, está aqui e não foi [punido].
Alberto Fraga: [interrompendo] Isso é desvio de conduta individual.
Raul Jungmann: Estava com armas ilegais e raspadas. Evidentemente, sim, existem interesses no que disse respeito a isso [sendo interrompido], está certo? Portanto, para nós, é muito claro que aqui existe a defesa de conceitos. Certo ou errado é questão que o público vai definir. Outra coisa: este evento é a terceira consulta popular do país. Mais um detalhe da desinformação aqui: a questão do custo da arma vem do Estatuto do Desarmamento, não é do referendo, é anterior, de 2003. Se elogia o estatuto do desarmamento, custo do armamento do lado de cá e vem se falar que oposição é pobre e rico como se fosse uma questão de referendo. Qual é? Vamos ler.
Paulo Markun: Uma das entidades empenhadas na defesa de proibição de armas ou do uso de armas é o instituto Sou da Paz, seu diretor Denis Mizne tem uma mensagem sobre o assunto, vamos ver.
[depoimento gravado em vídeo]
Denis Mizne: Eu voto sim, defendo que as pessoas votem sim por dois motivos fundamentais: o primeiro é que a primeira causa da morte no nosso país, primeiro motivo de morte, é homicídio pelas pessoas que se conhecem, não são criminosos e estão se matando à toa: é briga de bar, criança, discussão porque um mexeu com a mulher do outro... tudo porque tem uma arma disponível. Essa discussão vira tragédia. Essa arma, se o sim ganhar, vai sair de circulação. Esses crimes com certeza vão diminuir. Segundo ponto que me faz votar sim é que as armas que são usadas pelos bandidos, na sua grande maioria, são roubadas de pessoas comuns. Ninguém que está assistindo ao Roda Viva agora, foi assaltado por um fuzil AR15 ou por uma K47 [tipos específicos de armas de fogo], foi assaltado por um revólver [calibre] 38, da Taurus, a empresa que financia os deputados do não, e que está tentando convencer o Brasil inteiro de que ter armas e alimentar a indústria da morte é, agora, um direito. Para evitar isso, para evitar estas mortes e para dificultar o acesso do bandido à arma, eu voto sim. Até porque se votar não, não muda nada, tudo fica exatamente do jeito que está.
Paulo Markun: [todos se manifestam] Só um minutinho.
Alberto Fraga: Eu, como presidente da frente, só queria dizer o seguinte: ele, este instituto Sou da Paz foi retirado da campanha porque recebeu 68 mil dólares da Fundação Ford [organização privada e sem fins lucrativos, criada em 1936, que apóia campanhas sociais voltadas para a promoção da paz], e ele, estrangeiro, quer dizer, e acusa os deputados. Os deputados que receberam doações declararam isso no TSE [Tribunal Superior Eleitoral]. A lei permite isso, que qualquer empresário ao conceder... O ilegal seria se os deputados não tivessem doado. Agora, é bom dizer aqui e esclarecer que os deputados, os 11 deputados, inclusive o presidente Lula, receberam e totalizaram 410 mil reais. 410 mil reais, só a ONG Viva Rio [organização não governamental que surgiu em 1993 com o objetivo de conscientizar a população e membros da sociedade para a campanha da paz. Desenvolve projetos voltados para adolescentes e jovens de comunidades pobres do Rio de Janeiro para evitar a violência] recebeu 94 milhões nos últimos quatro ou cinco anos. Inclusive, o Sou da Paz, neste ano, recebeu 68 mil dólares, por isso que estão fora da campanha. Então, por isso, eu acho que é muito feio acusar os outros quando, na verdade, o seu telhado é de vidro.
Paulo Markun: Só queria chamar outro VT que iria exibir antes que o senhor interrompesse...
Alberto Fraga: [interrompendo] Se acusaram o Jungman, ele tem direito de resposta. Agora, eu, como presidente da frente, não posso ouvir isso do Denis que...
Paulo Markun: [interrompendo] Só quero exibir os dois VT’s, porque um é uma posição e outra, uma outra posição
Alberto Fraga: Mas com certeza, a nossa não vai acusar ninguém de receber dinheiro ou de...
Paulo Markun: [interrompendo] Só se o senhor tiver o dom de imaginar. O senhor nem sabe, nem eu sei o que é o VT.
Alberto Fraga: Eu imagino.
Paulo Markun: Bom, a intuição é um instrumento da mentalidade humana. Muito bem, vamos ouvir agora a opinião do advogado e professor de direito Arthur Rollo, que também gravou participação para nosso programa.
[Depoimento gravado em vídeo]
Arthur Rollo: Na minha opinião, o comércio de armas de fogo e munição deve continuar sendo permitido no Brasil, havendo uma restrição maior no que diz respeito à obtenção do porte de armas. Isso porque a simples proibição é típica de regimes ditatoriais e, sem dúvida nenhuma, vai estimular ações mais violentas e freqüentes dos criminosos.
Paulo Markun: Pergunta de Valter Melo, de Pirituba em São Paulo, que é administrador de empresas e eu acho que é muito mais voltada para a bancada do sim, e em seguida vou fazer perguntas para a bancada do não. O único objetivo que tem este programa aqui é tentar esclarecer as coisas, não estamos partindo...
Alberto Fraga: [interrompendo] Um pouco diferente a mensagem, né?
Paulo Markun: Que bom para o senhor, fico feliz [risos]. A insinuação de que trata-se de um primeiro passo para ditadura está dito ali ou não? Acho só que se a gente não perder o senso, acho que a gente chega até o final muito bem. A pergunta é para a bancada do sim, Valter Melo pergunta se o Estado está preparado para defender a população? Pergunta de Felipe Iakatai, estudante, de São Paulo, que pergunta o seguinte para a bancada do não: “ O que acontece se o não não ganhar. O Estatuto continua o mesmo? O Estado está preparado, afinal para...
Raul Jungmann: Veja, o Estado hoje tem uma política de segurança que é falha. É uma política de segurança que nos deixa, sem sombra de dúvida, muito angustiados, quando não com medo. Entretanto, a política e a posição do sim é melhorar exatamente este estado, ou seja, melhorar as políticas públicas. O não fica na denúncia, fica exatamente em dizer: “Nada funciona, nada presta” etc e etc por quê? Ele vai criar um pavor, vai criar um medo, que vai paralisar as pessoas e jogar as pessoas na busca de uma saída individual para um problema que é coletivo. Quando nós fizemos o estatuto do desarmamento [pega nas mãos o estatuto do desarmamento], a gente queria exatamente dar condições para que a política pública e as policiais melhorassem a sua capacidade de intervenção. Foi o que nós fizemos, está certo? Já exatamente o pessoal do não votou contra por quê? Porque, em larga medida, entende que deve-se dar direitos que na verdade levam a supressão dos direitos dos outros. Por exemplo, é direito um marido embriagado tirar a vida de uma mulher com uma arma? É direito alguém numa briga de trânsito tirar a vida de outro? É direito deixar uma arma em casa ao alcance de uma criança para que isso possa acontecer? Evidentemente que esse direito tem que ser restringido. No nosso caso, volto a dizer: Não estamos aqui mexendo em nada inconstitucional. Na Constituição não existe o direito ao uso de arma, mas existe, sim, o direito ilimitado e irrestrito à vida. Agora, se o cidadão vai se defender dessa ou daquela maneira e se ele vai se defender com este ou aquele meio, é questão que efetivamente cabe discussão e cabe modificação, mas não [faz gesto de negativo com os dedos] tocamos na Constituição nem direitos seja de quem quer que for.
Paulo Markun: Queria propor, só para procedimento, que a gente esgotasse esta questão e em seguida passasse para outra. Porque se eu passar para cá, depois a réplica fica muito distante.
Wladimir Reale: Me parece que, com todo respeito ao deputado Jungman, ele trouxe à baila 1997. Em 1997, quando houve a primeira lei, logo a seguir o Plano Nacional de Segurança, proibiu-se o registro de arma no país. E o Supremo Tribunal Federal, por [votos] onze a zero, derrubou o dispositivo. Nós derrubamos, até porque eu fui advogado dessa causa também. Qual o argumento do Supremo? Porque na realidade [sendo interrompido], só para fechar o...
Raul Jungmann: [interrompendo] Como? Proibiu-se o registro?
Wladimir Reale: O Plano Nacional de Segurança suspendeu exatamente o registro de armas no país entendendo que isso contribuiria com a segurança pública.
Raul Jungmann: [interrompendo] Desculpe, suspendeu?
Wladimir Reale: Suspendeu.
Raul Jungmann: [interrompendo] Nos estados?
Wladimir Reale: Os registros de armas no país. Por inteiro.
Raul Jungmann Tudo bem.
Wladimir Reale: E daí, qual foi o ponto? Foi o ponto exatamente que isso não era um instrumento eficaz para combate da própria criminalidade e segurança pública. Portanto, em nada ajudava a segurança pública. Então, quando se vê, e um pouco mais adiante, no estado do Rio de Janeiro do nosso companheiro Marcelo Yuka, a lei proibiu a comercialização de armas e munições, também fomos ao Tribunal Federal e também por [votos] onze a zero entendeu que era atividade ilícita e, portanto, não poderia ter qualquer solução radical. E mais, jamais proximamente, com este Estatuto do Desarmamento, que há rigor, me permita, acho que nem era necessário, porque era uma lei boa, que era a lei de 1997. E quando se verifica todas as letras, e há pouco nosso eminente presidente do Supremo Tribunal de Justiça dizia que há para todos um direito adquirido, para 7.773 milhões de armas registradas, dados da polícia federal, eles vão comprar munição aonde?
Paulo Markun: Se o comércio está proibido.
Wladimir Reale No Paraguai, já começamos o quê? Armas em promoção e munição também. O que significa? Existe uma questão real e existe uma questão imaginária. E pior, dentro das entidades é proibida a comercialização, se prevalecer o sim, salvo as entidades previstas no artigo sexto, que são integrantes das forças armadas e todos elencam, a segurança etc etc etc... nem os policiais, para suas armas particulares, terão onde comprar a sua munição. Por quê? Porque a lei fala em entidades [sendo interrompido], só para fechar um pensamento. Não se diga que isso possa ser regulamentado, porque data vênia, não há nenhuma referência de regulamentação no ponto e nem tem como, me permita.
Paulo Markun: Acabou seu tempo. Sérgio Adorno.
Sérgio Adorno: Em primeiro lugar, eu acho que é importante ressaltar que uma das características fundamentais do Estado moderno é o monopólio que o Estado tem do uso legítimo da violência. Quer dizer, ao considerar que o cidadão tem o direito de ter uma arma, de alguma maneira eu estou delegando aos particulares um monopólio, uma reivindicação que é exclusiva do Estado. Acho que começa por aí. Segundo lugar, eu quero dizer o seguinte: Eu acho que não há supressão de direitos. Quando se fala isso, você está se esquecendo que sociedade brasileira é esta hoje... Nós temos uma imprensa hoje extremamente atuante, nós temos uma sociedade civil extremamente atuante e, se nossos governos são o que são, eles também respondem a esta sociedade. Então, eu não acredito que vai haver supressão de direitos nenhum. Acho absurdo comparar isso com o nazismo, com coisa... Porque as conjunturas são completamente diferentes e os períodos históricos completamente diferentes. Segundo: reivindicamos é que isso deixe de ser uma medida exclusiva de governo. Isso tem que ser uma política de Estado [gesticulando]. Proteger a vida é política de Estado. Os governos que virão, não importa se são de direita, esquerda, de centro, eles deverão fazer o melhor para proteger a vida do cidadão. Terceiro lugar: Nós não estamos dizendo aqui que a política de segurança vai se reduzir a este referendo. O que nós dizemos é que isso aqui é um dos elementos de uma política de segurança que precisa ser aperfeiçoada e melhorada. Por fim, eu quero dizer que é um equívoco acreditar basicamente no seguinte... é que você resolve problemas de segurança, exclusivamente com uma reforma, com a revolução de uma polícia, na justiça e no sistema penitenciário. Em todos os países do mundo onde houve avanços, as políticas foram pontuais, cumulativas e houve resultados e efeitos de médio e longo prazo.
Demétrio Magnoli: Bom, eu queria contestar a idéia de que a permissão, regulamentada e irrestrita da compra de armas, significa que o Estado não tem monopólio à violência legítima, porque em praticamente o mundo inteiro, os Estados existem, tem monopólio da violência legítima e existe comércio regulamentado e limitado de armas. O que se faz ao proibir o comércio de armas e munições, não é eliminar as armas, porque se isso fosse feito, eu seria a favor. O que se faz é ilegalizar as armas, o que se faz é produzir mercado negro, o que se faz...
Sérgio Adorno: [interrompendo] Mas ele já existe...
Demétrio Magnoli: Estou no meu um minuto e meio, Sérgio. É aumentar subsídios. É produzir aquilo que os Estados Unidos produziram na lei seca, que é um imenso mercado negro de armas e munições. É, na verdade, criar uma renda extra para aqueles que têm o monopólio das armas poderem comercializá-las ilegalmente, ou seja, a polícia, exército, os contrabandistas, bandidos, passam a ter uma nova fonte de renda, enquanto uma parte dos cidadãos honestos se tornam, por uma nova lei, pessoas fora da lei. É criar um mundo novo de pessoas fora da lei, é criar penitenciárias para o posseiro que tem a sua arma para defender a sua terra, para o dono de um pequeno bar na periferia que tem sua arma e treinou, registrou sua arma, treinou tiro, para se defender. É colocar essa gente no mesmo plano dos bandidos. Este é o problema da campanha do sim: responsabilizar a população pela violência do Brasil. É dizer que a população, por ter armas, está criando um depósito para o roubo dos bandidos. É tirar da polícia, do caos na segurança pública, do Estado, a responsabilidade que eles têm pelo caos e colocar na população.
Paulo Markun: Acabou seu tempo. Marcelo.
Marcelo Yuka: Bom, primeiro, eu devo comentar aqui uma coisa que foi dita. Eu acho até vergonhoso eu ter que comentar isso, mas foi dito, então tem que ter contraponto. Se falou em comparar os acidentes de automóveis com a coisa das armas de fogo. Olha, as armas de fogo, elas são feitas para matar, os automóveis são feitos para você se mover, se deslocar da melhor maneira possível. Então, acho que essa comparação, eu tenho até vergonha de falar isso aqui de tão ruim que ela é, mas é um direito e é meu direito também de dar contrapartida a isso. Outra coisa, que eu acho, é que a gente tem que tentar uma coisa mais sensível, mais inteligente de combate à violência. Eu acho que a gente não está tirando o poder do Estado não, todo mundo sabe que o Estado é falho nisso. Eu só acho o seguinte: Cada vez mais a gente precisa de uma sociedade que seja atuante, que possa cobrar seus direitos, agora, se você for atuar nisso com uma arma de fogo, qualquer discussão vai ficar mais acirrada e pode levar à morte. Outra coisa é o seguinte: Existem armas que não são letais, armas que não são fatais. O caso do Jean Charles [Jean Charles de Menezes (1978-2005) imigrante brasileiro que foi confundido com um homem-bomba e morto no metrô de Londres por forças especiais da polícia britânica, a Scotland Yard] na Inglaterra. A polícia da Inglaterra matou um brasileiro. Cada vez mais estamos vendo que foi de uma maneira absurda, foi assassinato. Logo menos de uma semana depois, não sei a data certa, eles pegaram as pessoas realmente responsáveis por aquilo, com armas de munição elétrica, paralisantes, e não mataram. Então, por que tem que ter esta saída fatal? Eu acho até que, quando a gente está em momentos de crise, todas estas saídas, como pena de morte, população armada ou redução da idade penal, parecem ser uma coisa fácil de serem adotadas, mas isso beira ao fascismo e a gente tem que ter um certo cuidado.
Paulo Markun: Obrigado. Deputado Alberto.
Alberto Fraga: Primeiro, eu quero dizer que não vejo nenhum contra-senso. Para mim, é a vida humana que estamos discutindo aqui. Quando se fala em morte, para mim, não interessa se ela foi provocada por arma de fogo, carro, faca, porrete, machado, qualquer coisa para mim é morte.
Marcelo Yuka: [interrompendo] Você já bateu de carro?
Alberto Fraga: Várias vezes.
Marcelo Yuka: Então, não morreu, também tomei nove tiros e não morri, mas...
Alberto Fraga: Como já tomei tiro e não morri, qual o problema? Sua comparação não tem fundamentação. Portanto, eu acho que... Veja que é sempre busca do emocionalismo. Não é isso, nós temos...
Marcelo Yuka: [interrompendo] Nós temos que sensibilizar, não existe consciência sem sensibilização.
Alberto Fraga: Marcelo, você não deixa a gente falar. Você não falou? Então, não vejo contraponto nenhum. Não vejo contra-senso nenhum... Armas, ela matam? Matam, mas também salvam e muito, porque as autoridades do nosso país ou artistas não vão dispensar sua segurança armada, seus carros blindados.
Marcelo Yuka: Não tenho segurança, não sei.
Alberto Fraga: Não estou falando de você, mas outros artistas.
Marcelo Yuka: Então, veja que um governo que nos dois anos e dez meses investiu na segurança pública 379 milhões e agora, para 2005, tem uma perspectiva de 169 milhões, e até hoje, nós estamos em outubro, foram liberados 8 milhões e 700 mil reais. Isso é brincar e achar que a culpa da insegurança pública é do cidadão de bem, do cidadão honesto?
Marcelo Yuka: Então o certo é eu me tornar um policial, eu me proteger com arma de fogo, é isso?
Alberto Fraga: Não é isso que nós defendemos. Nós defendemos que, se você não quiser, não precisa comprar. A frase, para encerrar, é a seguinte, isso foi dito por uma senhora na sua sabedoria dos seus cabelos brancos. Ela disse: “Não quero arma de fogo, mas não quero perder meu direito de ter uma”. É só isso. O que isso amedronta tanto a bancada do sim? Qual a questão? Quem é da paz não compre. Quem é da paz, acha que não vai resolver, não compre. Agora, não vamos tirar pelo menos a chance de alguém que acredita nisso, já que governo é incompetente, não dá segurança pública, que não tire a chance do cidadão.
Marcelo Yuka: O senhor possuiu arma?
Alberto Fraga: Possuo, claro.
Marcelo Yuka: Mas para mim, o senhor é uma pessoa de paz.
Alberto Fraga: Eu sou de paz.
Marcelo Yuka: Não é só de paz quem tem arma e quem não tem.
Alberto Fraga: Eu tenho arma há 30 anos na minha cabeceira e nunca meu filho teve problema.
Marcelo Yuka: Eu posso ser pessoa de paz e ter arma.
Alberto Fraga: Eu também defendo a vida.
Marcelo Yuka: As armas não estão sendo acessadas por pessoas de bem, é coisa que é acessada por pessoas de bens [referindo-se a bens materiais], principalmente.
Alberto Fraga: Mas quem usa uma arma é pessoa de bem.
Demétrio Magnoli: Esta é a proposta, que só os que têm muitos bens poderão ser armados por milícias privadas. Queria que a bancada do sim me explicasse por que as milícias privadas, empresas privadas de segurança [sendo interrompido], segundo a lei que vocês defendem, vão poder ter armas? Por que fazendeiro pode ter armas e os posseiros não? Por que o grande posseiro pode ter armas e a pessoa sem posse não? Por que pode terceirizar sua segurança.
Sérgio Adorno: [interrompendo] Você está defendendo que a população se arme?
Demétrio Magnoli: Não, não. Veja, a população peruana, nos anos de 1980...
Sérgio Adorno: [interrompendo] Acho que seja claro o debate.
Demétrio Magnoli: Sérgio, é um dado histórico e você conhece... a população peruana nos anos de 1980, no interior, se armou para combater os crimes cometidos pelo Sendero Luminoso [organização guerrilheira, fundada na década de 1960 com objetivo de combater as instituições consideradas burguesas por meio de um regime revolucionário e comunista] e o alto armamento dos camponeses no Peru, numa situação particular de guerra civil, foi o caminho para pacificar o país. Eu sou contra que a população se arme no Brasil.
Sérgio Adorno: Na Colômbia também?
Demétrio Magnoli: Não, na Colômbia é outra situação. Eu sou contra que a população se arme no Brasil. Eu acho muito imprudente que pessoas não treinadas se defendam com armas, mas a situação de cada um é a situação de cada um. Existe a pessoa treinada e que não tem o Estado por perto. O que ela faz? Ela abdica de se defender? Agora, quero que você me explique por que as empresas privadas de segurança podem...
Paulo Markun: [interrompendo] Nós vamos explicar tudo isso depois do intervalo. Antes, vamos para a opinião da população de Belo Horizonte ouvida pela Rede Minas. E fica evidente, mais uma vez, que as opiniões se dividem.
[é exibido mais um vídeo com opiniões da população]
Paulo Markun: A seqüência de depoimentos que você vai ver agora foi colhida em duas capitais: Florianópolis e Porto Alegre, graças ao trabalho das emissoras educativas locais. Vamos ver a opinião da população.
[mais um vídeo é exibido e mais respostas divididas sobre o referendo são apresentadas]
Paulo Markun: Bom, a pergunta, então, que está colocada desde o bloco anterior é: “como fica o Estatuto caso o não vença este referendo”?
Alberto Fraga: Vai ficar como está, evidentemente, com esses rigores, com esses requisitos já existentes na lei, no Estatuto do Desarmamento. A população não vai ter o acesso à arma da maneira como se coloca, com facilidade. Eu insisto em dizer que o cidadão civil, no Brasil, em 2004, comprou tão somente 1.044 armas. Inclusive, estamos entrando com direito de resposta. No programa do sim se coloca uma quantidade de armas que não são verdadeiramente destinadas ao cidadão comum, civil. O Sinarme [Sistema Nacional de Armas] coloca um número de armas, inclusive, no mesmo contexto das armas vendidas para policiais militares, empresas de segurança privada, enfim, tentando mostrar um volume que na verdade não existe, basta ver a quantidade de porte de armas expedidas. Eu quero citar São Paulo. Em 2005, foram apenas 2 portes de armas, portanto, o Estatuto vai permanecer. Se o não ganhar, o policial vai poder comprar munição, o homem do campo vai poder se defender e outras coisas mais. Evidentemente que essas coisas... E ver uma pessoa, como argumento, dizer o seguinte: “Eu vou votar sim porque eu sou contra as armas”, mas não dá uma razão. O outro está dizendo que vai desarmar os bandidos? Está chamando cidadão de bem de bandido? Porque quem compra arma legalmente é um cidadão de bem, sim, é um cidadão que cumpre todas os requisitos que a lei exige, e é chamado de bandido? Como se a violência estivesse na casa da gente. A violência está na rua.
Raul Jungmann: Em primeiro lugar, eu queria, até por questão de obrigação, de resgatar que o Sou da Paz é uma ONG séria e quando recebe recursos internacionais é exatamente para promover programas voltados para a paz. Em segundo lugar, gostaria de dizer o seguinte: O que me chama muita atenção na argumentação do Demétrio é o seguinte: É como se, após o estatuto, nós tivéssemos declarado a sociedade de classe no Brasil, ou seja, só rico pode comprar ou só rico pode ter segurança. Imagine você como seria o poder de um estatuto do desarmamento de promover uma sociedade de classe onde o rico pode e o pobre não pode. Quer dizer, antes não podia? Claro que sempre pôde. Agora, evidentemente, que você tem que restringir. E depois, gostaria que o Demétrio também, em outra intervenção, explicasse o seguinte: ele é pendular, ora ele aprova o estatuto e ora ele nega o estatuto. A verdade é que o estatuto é uma política pública que nós construímos para exatamente melhorar as condições de segurança pública. Nós estamos avançando neste processo. Outra coisa que eu quero falar, a questão da regulamentação. Eu quero deixar bem claro o seguinte: Se passar o sim, os direitos continuarão valendo, os que estão aí, inclusive no estatuto. Agora, o gozo, o exercício, o acesso ao direito vai mudar. Não vai ser através do comércio, será, por exemplo, através de regulamentação, até porque você não poderia prever isso antes, você vai ter que fazê-lo depois. Você pode obter esta arma no exército, na polícia federal ou órgão designado, não através do comércio comum. E volto a dizer, o ministro Vidigal [Edson Vidigal, ministro do Superior Tribunal de Justiça de 2004 a 2006] acaba de ter esta mesma posição a nosso respeito.
Alberto Fraga: Mas essa não é a verdade absoluta.
Raul Jungmann: Claro que não. Estou apenas querendo dizer outra coisa. Agora, seguinte, mercado negro. Eu voto no oposto. Tenho uma visão de cidadania, como se a cidadania tendo uma legislação dura, fosse exatamente igual ao mercado negro.
Paulo Markun: Já passamos do seu tempo.
Raul Jungmann: Acho o contrário. O cidadão de bem vai procurar cumprir a lei efetivamente e o preço de arma vai efetivamente desabar no nosso país e, por fim, lembrar que existe outra violência, Paulo, que é a violência doméstica, que é a violência que alcança pessoas que não são conhecidas, por motivos fúteis... Aqui todo debate é em cima de mocinho e bandido. E as mortes invisíveis? Daqueles que são pretos, que são pardos, que não têm emprego e não têm essa visibilidade que aí está. Para isso, estamos construíndo, aos poucos, uma segurança pública. E não ficamos apenas na denúncia [gesticulando]. A gente também busca fazer um anúncio das mudanças e trabalha nesse sentido.
Paulo Markun: Demétrio.
Demétrio Magnoli: Ele fez uma pergunta, se eu sou pendulário [pendular?]. Não sou pendulário [pendular] e é por isso que existe o referendo. O Estatuto disse que, para ter arma, a pessoa tem que ter mais de 25 anos, não pode ter antecedentes, processo, inquérito, precisa ter profissão, residência fixa, declarar sua arma, precisa ter capacidade técnica e aptidão psicológica. Sou a favor disso.
Raul Jungmann: Claro.
Demétrio Magnoli: Essas restrições que são maiores do que na maioria dos países do mundo, são restrições que vão continuar existindo e que vão levar, como já estão levando, a uma redução do comércio de armas do Brasil.
Raul Jungmann: [interrompendo] O que quer dizer...
Demétrio Magnoli: [interrompendo] Agora é minha vez, meu minuto e meio.
Raul Jungmann: [interrompendo] Você também me interrompeu. Você me permita.
Demétrio Magnoli: O que quer dizer que estamos na condição correta.
Demétrio Magnoli: Agora estou no meu minuto e meio e você me fez uma pergunta.
Raul Jungmann: Por favor, lhe darei direito, você está dizendo: “Menos arma mais vida”. É isso que estamos dizendo, por isso que fizemos isso.
Demétrio Magnoli: Claro, posso continuar? Menos arma mais vida, sou a favor disso. Mais regulamentação do Estado, menos arma, mais vida, sem proibição. Porque a proibição, a proibição, ela atinge em primeiro lugar um direito.
Raul Jungmann: Os lucros da indústria armamentista e do comércio.
Demétrio Magnoli: [interrompendo] A verdade é só do lado de lá. Só eles que falam. Por favor, Raul!
Paulo Markun: Só um minutinho.
Demétrio Magnoli: Indústrias e comércio de armas.
Paulo Markun: Só um minutinho. Desde o início do programa eu ponderei que nós poderemos fazer um debate com réplicas e tréplicas. Quem discordou disso, e manteve-se comportado, foi o deputado Raul Jungman Do seu lado, Demétrio, já haviam interrompido.. Então, não estou aqui dormindo, estou olhando, está certo? E se eu [sendo interrompido] ... só um pouquinho. Se eu achar que tenho que estabelecer regra rigorosa de um minuto e meio para cada um, quem estabelece sou eu. Complete seu pensamento.
Demétrio Magnoli: Obrigado. Então, eu sou a favor dessas restrições e contra a proibição absoluta do comércio de armas. Absoluta não. A proibição do comércio de armas e a proibição do armamento para o cidadão sem posses. O que ainda não foi explicado, para mim, é por que que os defensores dos sim defendem que as empresas de segurança privada possam continuar existindo e servir como milícias particulares dos ricos, de acordo com a lei, produzindo dois tipos de cidadãos no Brasil. Veja, na Jamaica foi feita uma proibição, um veto absoluto à posse de armas, em 1974. Deu tempo para ver o que aconteceu. São 30 anos de lá para cá. Nestes 30 anos, o índice de homicídios na Jamaica aumentou. Já era grande, aumentou, é maior do que no Brasil e o mercado negro de armas é fantástico, extremamente desenvolvido, embora a Jamaica seja uma ilha. O Brasil tem milhares e milhares de quilômetros de fronteiras e a proibição absoluta significa um pedido para o aumento extraordinário do mercado negro e do contrabando. Então, veja, meu problema principal é político, quando o Estado... este Estado lança uma campanha que desarma apenas os pobres honestos, eu acho que o princípio da igualdade foi atingido. Quando este Estado proclama por aí que a culpa da violência é do cidadão que comprou uma arma legalmente, e não do desaparelhamento da polícia, da corrupção policial, não é sua culpa, aí nós estamos com um problema político.
Sérgio Adorno: Acho que há uma distorção neste debate, porque eu acho que nenhum de nós aqui está dizendo que a culpa da violência, está certo?, é do cidadão que está lá na periferia, que está desarmado ou coisa parecida. Temos muito claro que as raízes e as causas são muito mais complexas. Então, quem está distorcendo não somos nós. Estou tendo muita clareza aqui... eu tenho muito claro, e estamos sendo claros aqui, que essa é uma política entre outras. Nós sabemos, evidentemente, que essa política só vai ser... Eu acho que é o seguinte: que se o sim for vitorioso, no dia seguinte começa outra batalha, a implementação efetiva da lei, que significa o quê? Vamos ter que reaparelhar as polícias.
Alberto Fraga: Por que não se deu tempo ao Estatuto de aplicar o referendo depois de dois ou três anos para ver se a lei ia dar certo?
Sérgio Adorno: Porque já estava previsto isso.
Alberto Fraga: [interrompendo] Não, estava previsto por força lá...
Sérgio Adorno: [interrompendo] Por aprovação que...
Alberto Fraga: [interrompendo] Para ver se a lei do Estatuto... se tinha resultado.
Sérgio Adorno: Olha, esta luta é muito mais antiga. Estou trabalhando nessa área desde meados dos anos de 1980 e me lembro que nós, desde os anos de 1990, estudávamos as estatísticas estrangeiras, sobretudo na França, estatísticas na Inglaterra e estávamos convencidos de que restrição à arma era medida fundamental. Então, eu, como pesquisador, estou convencido, quer dizer, se vocês me apresentarem pesquisas efetivamente publicadas, está certo? Eu vou dizer: “Bom, temos que reolhar essa questão”, mas todas as pesquisas que eu estou lendo elas me convencem nessa direção.
Alberto Fraga: Mas não é esta da Jamaica...
Marcelo Yuka: O caso da Jamaica... Em 1974 a Jamaica estava em guerra civil.
[...]: É política de governo.
Demétrio Magnoli: Hoje ainda está não declarada.
Marcelo Yuka: Estava declarada.
Sérgio Adorno: Por favor, mais uma coisa, é o seguinte: Eu acho que esta história de dizer que: eu acho que a responsabilização de situação de violência é uma situação muito mais complexa e tem a ver com o papel do Estado mesmo. Não tenho nenhum dúvida. Tem a ver com sucessivos governos que são não capazes de formular medidas com conseqüências, mas esta é uma política que nasce da sociedade, organizada pela sociedade e, de alguma maneira, obrigou o governo a dar resposta. Culminou neste governo, mas começou no governo anterior. E outra coisa que eu queria dizer que é o seguinte: O bar não é bem assim, o bar tem vários estudos mostrando que é um lugar de confrontação masculina, movido a álcool e movido a arma.
Alberto Fraga: Aí é porte, doutor.
Sérgio Adorno: Grande parte das mortes...
Demétrio Magnoli: [interrompendo] Mas é proibido.
Sérgio Adorno: [interrompendo] Finalmente, bares. Este debate não está levando em consideração...
Alberto Fraga: [interrompendo] A confusão está aí. Aí é porte de arma: no bar, no trânsito, aí é porte de arma. Não é o que nós defendemos. O porte de arma está proibido.
Sérgio Adorno: Mas eu só quero terminar, só quero terminar dizendo que... quero dizer o seguinte, só para terminar: por que a pessoa está com porte? Porque ela tem acesso fácil. De alguma maneira, ela tem acesso fácil.
Alberto Fraga: Mas é ilegal.
Sérgio Adorno: Aí precisa me explicar o trânsito dessa armas. Finalmente, o que eu quero dizer é o seguinte: O que não está escrito claro aqui é divisão desigual de cidadão na sociedade. Cidadão que mora na periferia é 30, 40 vezes mais vulnerável ao cidadão que mora nos bairros centrais onde tem mais proteção. Isso não está sendo discutido.
Paulo Markun:Eleitores de Tocantins foram ouvidos graças à contribuição da TV Palmas que atendeu nossa solicitação. Vamos ver a opinião do povo de Tocantins.
[mais um vídeo com a opinião dos cidadãos é exibido]
Paulo Markun: Bom, na rodada final, cada um dos participantes têm um minuto e meio para tentar convencer os telespectadores e eleitores ainda em dúvida sobre as vantagens do seu ponto de vista. Marcelo Yuka começa.
Marcelo Yuka: Bom, eu realmente não quero convencer ninguém. Eu acho que estou aqui fazendo meu papel, não como artista, nem como cadeirante, em função das armas de fogo. Estou cumprindo meu papel de cidadão. Quero agradecer a oportunidade aqui e dizer também... eu vou falar mais uma vez sobre o Sou da Paz. Porque não acredito que ele receba dinheiro da Ford para ser contra o desarmamento. Eles têm uma série de ações no ponto de vista mais pacificador do que isso. Por outro lado, deputados, senadores, não sei o que, recebem uma contribuição diretamente das empresas de armas de fogo, acho que isso já compromete, realmente, o ponto de vista. Eu acho que, sendo uma contribuição legal ou não, acho que isso realmente compromete. Outra coisa que eu queria dizer é que as mães, mesmo as mães dos bandidos que portam arma de fogo, elas vão sofrer. É uma parte da população que sofre. Existem mais deficientes, a violência é muito maior nas comunidades mais carentes. E, sinceramente, eu nunca ouvi falar que você se armar nessas comunidades possa ser o fim disso. Eu nunca ouvi. E eu gostaria de agradecer às pessoas que conseguiram exercer aqui um convívio pacífico, um diálogo, porque acho que isso que a gente faz... é com tolerância que a gente vai para frente. Arma de fogo a gente teve 500 anos e não resolveu.
Paulo Markun: Demétrio.
Demétrio Magnoli: Eu acho que no fundo, embora a discussão seja boa numa democracia, o tema em discussão é errado. Nós fizemos uma boa parte do trajeto, a parte importante do trajeto legal, que é restringir a posse de arma de fogo e, virtualmente, proibir que as pessoas possam portar arma de fogo na rua, isso está feito. A proibição, ela vai contra esse avanço porque ela retira do Estado condições de saber quem tem arma de fogo. Ela aumenta o mercado negro, ela cria uma cortina de desconhecimento sobre a posse de armas de fogo e ela empurra para ilegalidade cidadãos de bem. Que podem estar tomando uma atitude mais prudente, menos prudente... Eu não sou juiz para dizer se o cidadão que resolveu se defender com arma de fogo está agindo corretamente ou não, cada caso é um caso. Eu não julgo os outros. Eu acho que nós, entretanto, estamos perdendo tempo, porque o governo poderia, neste momento, ter apresentado as propostas que disse que ia apresentar alguns anos atrás para reforma radical da segurança pública no Brasil, para unificação das policiais, para limpeza das polícias dos seus elementos de corrupção, para adoção de uma série de políticas públicas que partam, por exemplo, de não tratar favela como território inimigo, de não invadir favelas, mas incorporá-las à cidade. Mas isso não está em discussão, isso foi retirado da discussão porque não interessa ao governo fazer esta discussão. Esta discussão interessa ao povo.
Marcelo Yuka: Só queria colocar aqui que o senhor julga, sim, porque o senhor me chamou de mentiroso. Então o senhor julga, sim, julga as pessoas.
Demétrio Magnoli: Eu falei que você me caluniou.
Marcelo Yuka: Está gravado. É só ver, está gravado.
Sérgio Adorno: Queria dizer que minha experiência é experiência de pesquisa e estou convencido de que o livre acesso às armas, inclusive livre acesso facilitado pelo comércio, ele agrava o controle da violência e resulta em muitas mortes. Tanto que, agora, o que estamos vendo é uma redução dos homicídios e tudo indica, pelos primeiros levantamentos, que é uma correlação estatisticamente confiável entre as campanhas, a discussão que vinha vindo, ou a entrada do Estatuto em vigor e, provavelmente, efeitos que estão sendo verificados dessa queda das taxas de homicídio. Eu acho que há um lado muito positivo nisso, houve avanços na discussão. Eu acho que só da sociedade brasileira estar discutindo políticas de segurança e estar assumindo seu papel de responsabilidade neste debate, eu acho extremamente importante, acho um avanço muito grande. Acho, estou aqui de acordo, que o Estatuto tem avanços enormes, que as conquistas foram muito grandes, mas eu acho que é preciso avançar mais, por isso que eu estou defendendo o sim. Acho, finalmente, que não é questão apenas de governo, eu discordo dessa história, porque é como se dissesse que é privilégio desse governo ter colocado. Isso é uma longa luta que vem vindo, encontrou-se condições favoráveis no governo anterior e está se encontrando condições favoráveis para poder também avançar neste novo governo. Eu acho que é uma questão de Estado. Eu estou defendendo a vida, o direito igual à vida. Não acho que tem que haver essa desigualdade e, finalmente, eu queria, aqui, também dizer que eu me senti muito incomodado com a afirmação a respeito dos apoios da fundação Ford. Eu tive a oportunidade de fazer uma análise da participação da Fundação Ford na promoção dos direitos humanos no Brasil e estou convencido que a Fundação Ford teve um papel muito importante. Quero deixar aqui meu protesto por esse tipo de insinuação e recomendaria ao deputado que posso até lhe mandar o livro que contém a análise.
Paulo Markun: Seu tempo. Alberto Fraga.
Alberto Fraga: Bem, primeiro eu quero contestar, também. Eu acho que as doações, elas existem, mas não existe só uma verdade, existe verdade dos dois lados. Assim como são feitas acusações dos deputados que recebem, os deputados que recebem declararam para onde foi esse dinheiro, ou doações que receberam. Essas ONGs, infelizmente, não têm declarado, portanto, não me considero à vontade ou até mesmo ficar sossegado de alguém receber dinheiro. ONGs recebem 84 milhões sem nenhum controle, como se isso não fosse absolutamente nada. Continuo dizendo que, nesta campanha, está faltando informação e sobrando sensacionalismo. É isso que está sobrando nesta campanha. Agora, quero dizer: Estamos insistindo, aqui, na palavra desarmamento. Isso é uma jogada, exatamente do programa do sim. Desarmamento já foi votado no dia 22 de dezembro de 2003. Os resultados desse desarmamento é que são questionáveis. O que vamos votar é a retirada do direito de um cidadão e apenas isso. Não temos que falar aqui em desarmamento, o programa todo foi falado em desarmamento quando na verdade muda o foco. Não haverá desarmamento. A prova é que aquele que possuiu uma arma de fogo não vai precisar devolver se, porventura, o sim ganhar. O direito adquirido, eu quero aqui dizer, que não concordo de nenhuma forma com as palavras hoje ditas num jornal de grande repercussão pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça. Eu prefiro ficar com os ministros que decidiram a liminar pelo não, e pela bancada do não ou pelo frente do não, quando na verdade contestou uma forma de que a frente do sim estava mentindo, induzindo à sociedade ao erro. E o ministro do TSE, vamos dizer assim, colocou as coisas no devido lugar. E não é opinião isolada do ministro Vidigal e nós temos que concordar com isso, então isso é discutível.
Paulo Markun: Raul Jungman.
Raul Jungmann: O outro lado, para não falar da bancada, usa muito facilmente a palavra mentira. A palavra mentira é um desrespeito muito grave e séria. E aqui eu vou, agora, acusar este outro lado que desrespeitou quem está aqui fazendo um debate democrático, porque eu também fui desrespeitado agora, mas isso tem a ver com a extirpe dele e com o que eles querem, resposta selvagem e violenta. E são contrário à vida, sim, são a favor dos armamentos, a favor do comércio de armamentos. Eu acuso-os exatamente de não defender os interesses da vida, mas o interesse dos armamentos. Agora, eu quero dizer o seguinte: a revista Época, 67% das armas utilizadas em estupro, armas legais que vieram dos cidadãos, 50% de roubos, armas legais que vieram dos cidadãos e foram roubadas e utilizadas lá dentro, 46% dos latrocínios, exatamente armas legais. Portanto, eu reitero aqui o que eu disse, fica muito claro...
Alberto Fraga: [interrompendo] Agora é a revista Época, é?
Raul Jungmann: Fica muito claro, por favor, um pouquinho de educação para eu terminar, me permita... aí eu peço.
Alberto Fraga: [interrompendo] As fontes agora são da revista Época?
Raul Jungmann: Por favor, por favor. Por favor, respeito. Então, o que eu quero dizer é o seguinte: Portanto, fica muito claro que quando nós queremos a proibição do comércio é porque nós não queremos que essas armas... Fizemos Estatuto do Desarmamento, sim, é conquista nossa e não deles. Queremos o fim do comércio para que essas armas compradas pelos homens de bem, mulheres de bem, não resulte no crime. [jornal] O Estado de S. Paulo de domingo. Veja claramente aqui: “Arma não assusta bandido. Palavra de bandido”. E eles, inclusive, dizem que não é a posse de porte de arma que vai fazer com que eles não agridam e não matem. Portanto, eu saio daqui com uma convicção reforçada, Paulo, que quem defende a vida, vota sim. Quem é a favor da redução das mortes e da violência, vota sim e isso é uma construção de uma política pública e não tira direito de ninguém. Portanto, concluo dizendo o seguinte: Não temos nenhum direito a perder, e a Justiça vai confirmar isso. Temos, sim vidas a conquistar.
Paulo Markun: Wladimir.
Wladimir Reale: Não. E por que não mais uma vez? Porque, paradoxalmente, quem defende o não é pessoal da segurança pública. Nós que estamos há mais de 40 anos, exatamente atuando na área, é que conhecemos o dia-a-dia da bandidagem, compreendemos a agonia daqueles que, realmente, são vítimas da sanha da bandidagem. Então, paradoxalmente, e aí, nós...
Demétrio Magnoli: [interrompendo] E nós entendemos, delegado.
Wladimir Reale: E, curiosamente, o pessoal da segurança está defendendo o cidadão, exatamente através do não. Enquanto outras correntes, também respeitáveis, entendem exatamente o sentido oposto. Diria mais, nosso presidente Lula fala em mais vidas, menos armas, que todos vêem repetindo aí, mas o que estamos fazendo é um cavalo de batalha quando se sabe que domicílios com armas, nós temos apenas em 3,5%, enquanto nos Estados Unidos, 52%, em homicídios 27 a cada cem mil habitantes no Brasil e 6 nos Estados Unidos e no Canadá 3 para cada 30% de homicídios de arma. Então, a tese é exatamente oposta [sendo interrompido]. Quem fala está há 40 anos no sistema de segurança pública, e no Rio de Janeiro que é área conflagrada. Trago aqui um documento, firmado pela Universidade Fluminense, Núcleo de Estudos Estratégicos, órgão absolutamente insuspeito, que demonstra que, ano a ano, de 1995 para cá, vem diminuindo a criminalidade e não exatamente depois do Estatuto do Desarmamento, por quê? Exatamente em função da ação de segurança. Nada a ver com o Estatuto do Desarmamento.
Alberto Fraga: Mas depois do Estatuto, caíram as mortes.
Wladimir Reale: Não, não.
Paulo Markun: Só um pouquinho. Alberto Fraga, por favor. Eu queria lembrar aos telespectadores que você tem em casa a arma mais importante de todas, e não estou fazendo demagogia. Nunca fui de acreditar em arma de nenhum tipo e não estou defendendo nem o sim nem o não. Não é essa a minha função, aqui. A arma que a gente tem em casa que temos que usar dia 23 é o voto, é o título eleitoral. Acho que se este referendo tem seus graves problemas, e esta é minha impressão como mero telespectador. Se campanhas são emocionais e são sensacionalistas, ambas, e se o debate muitas vezes não acontece nos meios de comunicação com a profundidade que deveria acontecer, e não é o caso aqui na TV Cultura, por todas as razões, pelo que o departamento de jornalismo, o Roda Viva e outra iniciativas, quem decide esta parada é o eleitor. A principal a tarefa é informar sobre o que é esta questão, e ainda dá tempo, ponderar os pontos de vista dos dois lados, e votar conscientemente. Estamos inaugurando um expediente que nem sei se é um grande avanço, eu tenho lá minhas dúvidas, mas está incorporado à nossa regra, é parte da nossa democracia e é fundamental que funcione bem. Portanto, eu espero que no dia 23 você faça bom uso desse instrumento da democracia que é o voto. Agradeço a participação dos debatedores, relevo obviamente os momentos de embate que aconteceram, acho que são naturais. Eu agradeço a você que está em casa e convido para estar aqui na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite, com mais um Roda Viva em que será entrevistado o deputado federal José Dirceu. Boa noite e até segunda.