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Memória Roda Viva

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Tom Stoppard

14/7/2008

O famoso roteirista inglês diz que, em geral, o teatro tenta passar informações às escondidas, tenta comunicar através de subterfúgios e embustes, fato relacionaodo à arte de contar uma história

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[Programa gravado na 6ª Festa Literária Internacional de Parati - Flip/2008]

Lilian Witte Fibe: Boa noite. Roda Viva Flip 2008. Nós voltamos a falar da Festa Literária Internacional de Parati. Um evento que já faz parte da agenda literária mundial e que, em sua sexta edição, reuniu importantes escritores de vários países. Em nosso segundo especial, Flip 2008, entra em cena, aqui na nossa cena, aquele que é considerado o autor de algumas das melhores peças de teatro da nossa geração. Ele se tornou referência da dramaturgia na Europa e nos Estados Unidos, o inglês Tom Stoppard. Roteirista com trabalhos no rádio, TV, cinema, mas principalmente no teatro. Seu texto mais conhecido entre a gente é Shakespeare apaixonado. Depois de ser encenado nos palcos, o roteiro foi adaptado para o cinema, faturou uma bela bilheteria também por aqui e, de quebra, deu a ele um Oscar. O dramaturgo Tom Stoppard aborda conceitos filosóficos e temas do nosso cotidiano, sem fazer economia no humor. E usando sempre muito sarcasmo e boas doses de ironia. Das sete vezes em que ele foi indicado ao prêmio Tony, o mais importante do teatro americano, ganhou quatro. E tem também um Oscar pelo roteiro do filme Shakespeare apaixonado.

[Comentarista Valéria Grillo]: O que destaca Tom Stoppard de outros dramaturgos e roteiristas? Muitos vão dizer que, acima de tudo, é o fato de ele ser o mestre do diálogo. Para o escritor brasileiro Luis Fernando Veríssimo, é também a inteligência, o uso do humor e audácia intelectual. Tido como o mais importante dramaturgo vivo na Europa, é nessa condição que ele veio a Parati. Principal destaque da festa literária, participou, com a mediação de Veríssimo, de uma concorrida mesa de debates na tenda dos autores. Falou da profissão, da ligação entre literatura, cinema, teatro e de seus trabalhos, em especial, o recente Rock’n’roll [escrita em 2006], uma peça de teatro sobre uma banda de rock, em Praga, na antiga Tchecoslováquia, cujo comportamento simboliza a resistência ao comunismo. Tcheco, naturalizado inglês, 71 anos de idade completados durante a Flip 2008, Tom Stoppard acumula cinqüenta anos de carreira, iniciada como jornalista e especializado em teatro. Começou a escrever suas primeiras peças no começo dos anos 60, quando também estreou na TV. Em 1990, o primeiro sucesso Rosencrantz e Guildenstern estão mortos, uma comédia com dois personagens secundários de Hamlet, a tragédia clássica de William Shakespeare. Roteiro inteligente e hilário, mostra dois trapalhões tentando fugir de seus próprios destinos. A peça depois virou filme dirigido pelo próprio Stoppard, em sua primeira e única experiência como cineasta. Em 1968, montou O legítimo inspetor Perdigueiro, encenado em São Paulo, no teatro Nelson Rodrigues, em 1992. Em 1999, foi editado no Brasil o livro de Stoppard com o roteiro de Shakespeare apaixonado, uma comédia romântica que começou no teatro e também foi levada depois ao cinema, onde o autor colocou sua marca de roteirista em outras produções como: Brasil, o filme e o Império do sol, de Steven Spielberg. Mas está no palco, e não nas telas, seu principal triunfo. Ao longo da carreira, são mais de vinte peças. Uma ebulição de personagens e idéias com humor inteligente, ironias, contradições e brincadeiras. Para os que vêem nisso falta de engajamento político, Stoppard costuma responder que ele é capaz de tratar de questões sérias e profundas, em duas horas de comédia pastelão.

Lilian Witte Fibe: Para entrevistar o dramaturgo e escritor britânico Tom Stoppard, convidamos: Ubiratan Brasil, subeditor do Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo; Michel Laub, jornalista e escritor; Mona Dorf, apresentadora do programa Letras e Leituras da rádio Eldorado e do canal Ideal, e Marcos Strecker, repórter de livros dos cadernos Mais Ilustrada do jornal Folha de S.Paulo. É claro que o cartunista Paulo Caruso também está aqui presente com a gente, tinta e pincel para registrar os momentos do nosso programa. Boa noite, senhor Tom Stoppard. Obrigada pela sua presença. Eu queria lhe dizer, inicialmente, que eu admiro muito o seu respeito à liberdade individual, compreendo inteiramente o seu agradecimento à Inglaterra por ter sido adotado pelo país etc. Nesse contexto eu queria lhe perguntar como o senhor viu, ou o que o senhor sentiu quando soube que a Scotland Yard [Polícia Metropolitana de Londres] tinha matado, assassinado uma pessoa no metrô de Londres, que por acaso era brasileiro, por azar do Brasil, era brasileiro. Um eletricista, sem que ele fosse terrorista e sem que isso tivesse gerado nenhuma conseqüência para quem atirou, para quem matou o rapaz que era um inocente. É assim que se dá a liberdade individual na Inglaterra?

Tom Stoppard: Não, sem dúvida, é deplorável. Qualquer pessoa do país, sentada nesta cadeira, certamente diria que é deplorável. A propósito, não foi a Scotland Yard, mas um destacamento especial de unidades policiais. Sua pergunta, na verdade, é um pouco controversa, porque você sabe, assim como eu também sei, que ninguém assassinou ninguém, se alguém usar a palavra assassinar como eu usaria, indicando intenção. O fato a que você se refere foi um acidente trágico e terrível que, se você quiser, resultou de séria incompetência que se pode punir e criticar com veemência, de todas as maneiras. Mas certamente não foi algo direcionado a um determinado indivíduo, com a intenção de matá-lo. Foi uma confusão. Todo mundo sabe que foi uma confusão. Sua pergunta, basicamente, foi uma pergunta sobre a punição do culpado. Acho que você está me perguntando como me senti por ninguém estar hoje na prisão por ter feito isso, não? Acho que a minha reação é a mesma que a sua. Eu também gostaria de viver em uma utopia em que todo malfeitor, na minha própria percepção da palavra, acabasse na cadeia. Acho apenas que você tem de fundamentar sua própria percepção em uma realidade mais ampla. Veja o que está acontecendo aqui, agora, neste exato momento. Estou aqui no Brasil porque escrevi peças, na maior parte comédias. Eu levantei esta manhã, ainda estava só meio acordado, ainda não tinha vestido uma camisa, nem me barbeado, e alguém me disse: “Não esqueça que você tem aquele programa de televisão às 11 horas.” E agora, às 11:20 horas, você está me perguntando como eu me sinto por um policial não estar na prisão por ter assassinado um cidadão brasileiro. Bem, o que eu acho é que seria uma tragédia, do seu ponto de vista, se você tivesse de contar, para sua informação, com dramaturgos ingleses visitantes. Nesse caso, um que está no Brasil há cinco dias, até agora. Estes últimos poucos minutos foram para mim uma experiência bastante inusitada, porque eu sou uma pessoa bastante amigável, afável. “Ah, é mesmo? Oh, Deus, onde é?” E aqui estou eu, de repente, com pó compacto no rosto. Tenho a impressão de que vocês são um programa muito importante sobre artes. Então eu pensei, “tudo bem”, eu não gosto muito de conversar sobre mim mesmo e meu trabalho, para ser franco, mas é um prazer estar aqui e não se pode ser muito indelicado. Cheguei aqui, tomei um copo d’água, sentei-me, disse “oi”. E a primeira coisa que você me pergunta é como eu me sinto por a polícia na Inglaterra não ter sido punida por ter matado um brasileiro...

Lilian Witte Fibe: Não é uma pergunta...

Tom Stoppard: Essa é uma experiência realmente surreal.

Lilian Witte Fibe: Não é uma pergunta que eu faria para o [Henry] Kissinger [foi secretário de Estado dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford e diplomata. Apesar de ter recebido o Nobel da Paz em 1973, é acusado de ter cometido crimes de guerra como, por exemplo, o apoio à invasão indonésia de Timor (1975) e aos golpes de estado no Chile e no Uruguai (1973)]. Eu que li todas as suas entrevistas, queria também acrescentar que não é a pergunta que eu faria para o Kissinger. É uma pergunta que eu fiz para o senhor apenas porque eu vi muito o seu respeito pelas liberdades individuais. Assim como eu vi também que na sua peça de trinta anos atrás, Night and day, em que o senhor, visivelmente, inspirado em Idi Amin [Dada, assumiu o poder na Uganda, em 1971, por meio de golpe militar, transformando-se em um dos maiores ditadores da África. Seu governo (1971-1979) foi marcado pela violação dos direitos fundamentais e ele foi culpado pela morte de milhares de ugandenses], exalta muito a liberdade de imprensa. Eu lhe pergunto: será que essa peça não...

Tom Stoppard: [interrompendo] Eu me senti mal quando eu li os jornais. Tudo que sei sobre o incidente, sobre o assassinato, tudo o que eu sei, eu li nos jornais. Não conheço ninguém nos bastidores. Eu li e simplesmente me senti mal.

Lilian Witte Fibe: Voltando a sua peça Night and day, de 1978, de trinta anos atrás, sobre a África, um dos maiores conhecedores de Tom Stoppard no Brasil, que é o jornalista Sérgio Augusto, do [jornal] O Estado de S. Paulo, escreve no domingo, no dia 6 de julho, que essa peça está atualíssima e que poderia, perfeitamente, ser empregada ou ser associada ao caso [Robert] Mugabe [dirigente político do Zimbábue a partir de 1980, quando o país conseguiu sua independência. Desde então, venceu todas as eleições presidências do país (de 1984 a 2002) sob forte suspeita de fraude. Em 2002, 48 horas depois de ser reeleito, promulgou uma lei que limitava a liberdade da imprensa independente no país e a liberdade da imprensa estrangeira], em  Zimbábue, e infelizmente também, aos casos recentes que o senhor não deve conhecer, mas que ameaçaram e andaram realmente restringindo a liberdade de imprensa local aqui no Brasil. Nós tivemos vários episódios recentes que não vem ao caso eu lhe contar, sobre liberdade de imprensa. E eu gostaria que o senhor falasse um pouco sobre Night and day. Ela é tão atual assim? Será que a África mudou tão pouco nesses trinta anos, a ponto de a gente ver um caso como o Mugabe tão aplicável a  sua peça, afinal, quando o senhor estava ainda no meio da sua carreira, mais ou menos em transição na sua dramaturgia?

Tom Stoppard: Eu posso falar sobre isso de modo geral, porque eu não estive no Zimbábue. Eu acho que a trama central da peça é, sem dúvida, sempre atual, porque a peça não é apenas sobre a África, mas poderia ser sobre um país do Leste Europeu antes de 1990, ou sobre lugares na América Latina. Quando nos preocupávamos, à minha maneira eurocentrista, quando estávamos preocupados com o Leste Europeu nos anos 70 e 80, costumávamos dizer que, sem liberdade de expressão, nenhuma outra forma de liberdade é possível. Porém, com a liberdade de expressão, tudo se torna possível. Difícil, talvez, mas possível. Isso é verdadeiro em qualquer continente do planeta. Na verdade, Night and day, para responder a sua pergunta de uma maneira rápida, mais simples, só funcionaria, na verdade, como um trabalho teórico, simplesmente por uma questão de narrativa. Trata-se de uma peça sobre uma máquina de telex, e não uma peça sobre pessoas com telefones por satélite nos bolsos. Você tem de contextualizar a peça para quando foi escrita, 25 anos atrás. Mas sim, como você disse, ela reflete, de certa forma, a época de Idi Amin. Minha impressão é que as coisas para os jornalistas, na fronteira entre liberdade e repressão, as coisas para os jornalistas são muito mais perigosas do que costumavam ser. Na verdade, era muito raro um repórter ser morto durante uma reportagem, naquela época. É simplesmente estarrecedor como nos acostumamos à idéia de dezenas de jornalistas sendo mortos, fazendo a cobertura dos acontecimentos. Eu me afastei do cerne da sua questão. O que sinto é que, de modo geral, Night and day teria algo a dizer sobre os dias de hoje. Mas não tenho muita convicção disso, porque a natureza da narrativa é relativa a uma determinada época.

Ubiratan Brasil: Falando em avaliação da própria obra, como é que você faz uma espécie de avaliação da obra que você já fez até agora? Ela reflete muito o momento em que ela foi produzida? Ela tem uma certa perenidade de assuntos que ainda hoje continuam atuais? Como você, revendo o seu próprio trabalho, o vê?

Tom Stoppard: Acho que eu entendo as implicações da sua pergunta. E me diga se eu não a estiver respondendo, mas acho que estou quando eu digo que não trabalho a partir de um conjunto de princípios. Eu não tenho um programa. Ou seja, as peças que escrevo não são parte de um programa pessoal para ajustar o mundo a meu redor de determinadas formas favoráveis. Absolutamente. Eu não vejo a coisa assim. Eu adoro o teatro, mas considero sua existência intelectual secundária em relação à sua existência concreta. Eu até poderia dizer que uma das coisas que eu adoro no teatro são os cheiros, por exemplo. Adoro estar nos bastidores com todos os cheiros do cenário, das tintas e tudo o mais. Eu adoro o pragmática do teatro. Ou seja, o que eu estou tentando lhe dizer é que o tipo de pergunta que estão me fazendo aqui seriam muito boas para um ensaísta, por exemplo, ou um colunista de jornal, por exemplo. Para mim, a arte em geral, e o teatro em especial, são um componente essencial de uma vida plenamente vivida. Eu não acredito que sejamos, cada um de nós, a soma de nossas moléculas e meramente definidos por nossa cidadania em uma estrutura geopolítica em especial. Não é para isso que estamos vivos. Estamos vivos para algo realmente muito maior do que isso. E apenas para não me prolongar muito... Desculpem-me, minhas respostas costumam ser muito longas. Eu gostaria de dizer que, de certa forma, eu quero que o teatro seja uma recriação. Não quero dizer um feriado, um escapismo. Mas sua função, no tipo de sociedade em que eu vivo, não é, essencialmente, mudar essa sociedade; o jornalismo, por exemplo, tem muito mais força, em especial o jornalismo televisivo. Se você quiser mudar alguma coisa até sexta-feira, faça um programa de televisão. Acho que o teatro tem uma influência extremamente importante e poderosa a longo prazo, como todas as artes têm. Elas nos mantém civilizados. Mas acho que sua pergunta talvez se baseie em alguma premissa, de certa forma falsa, de que meu propósito e minha função como dramaturgo é expressar minha opinião sobre a sociedade ao meu redor. E isso para mim é uma coisa que eu posso fazer, se eu quiser, algumas peças fazem isso, e outras não. Mas, sem dúvida, um peça não é boa se não operar no nível da narrativa. O teatro é uma arte de contar histórias e não um editorial.

Mona Dorf: Senhor Tom Stoppard, o senhor disse em algumas entrevistas que compra muitos jornais, lê três jornais diariamente. Adora ler a [revista] New Yorker e é um verdadeiro adicto, viciado em leitora de mídia impressa. Eu queria saber se o senhor, como o escritor Gustave Flaubert [(1821-1880) escritor francês, mestre do romance realista] que, ao escrever Madame Bovary, tirou esse argumento de um faits divers [expressão francesa para determinados tipos de notícia de jornal que literalmente significa: fatos diversos], de uma notícia de jornal, de uma mulher que tinha se envenenado, e escreveu essa brilhante obra que é Madame Bovary. O senhor busca nessa leitura, também, argumentos, assuntos para as suas peças?

Tom Stoppard: Você está 100% correta. Eu sou um completo refém dessa ilusão. Estou no Brasil há uma semana, e em mais duas semanas estou de volta a minha casa. E durante esta minha curta ausência, talvez haja cerca de trinta jornais e revistas esperando por mim. No avião para cá eu estava com 18 cópias de revistas de edições passadas, tentando me colocar em dia. Eu não ouso jogar nada fora sem virar as páginas, porque eu tenho essa ilusão e acho que é uma ilusão de que minha peça, pela qual estou procurando, está no próximo jornal. Sim, eu sou um viciado em jornais. Não estou somente procurando por material. Quando comecei a trabalhar, eu era repórter e sempre gostei de jornais. Por isso me interesso em ver como eles estão. Quanto a Flaubert, bem, aquilo foi sorte. Você tem de ler muitos jornais para escrever uma peça.

Marcos Strecker: Você acha que existem formas de artes que são superiores? Por exemplo, no teatro, se os dramas políticos podem ser mais densos, mais importantes do que musicais. Você comentou que acredita na hierarquia da qualidade, não na hierarquia da categoria de expressão artística. Eu queria que você comentasse um pouco isso.

Tom Stoppard: Sim. Na verdade, acabei de mencionar, agora mesmo, em um contexto ligeiramente diferente, que isso depende de onde você está vivendo e trabalhando. Como escritor britânico, morando em Londres, minha situação é muito diferente daquela de um dramaturgo ou romancista, em qualquer outro lugar do mundo, trabalhando sob condições políticas muito diferentes. Então, o que eu disse sobre teatro, recriação e tudo o mais se refere ao meu teatro, ao teatro com o qual eu trabalho. Na verdade, eu estive em lugares onde é bastante inadequado, e me foi dito que é bastante inadequado, sugerir que o objetivo principal do teatro, ou que o crucial em sua existência - acho que perdi meu vocabulário esta manhã – ao que me parece, só podemos falar por nós mesmos. Eu consigo ver com objetividade que, neste ou naquele país, não apenas o teatro, mas todo tipo de arte parece condescendente se não estiver tratando do problema comum. Afinal, é por isso que sociedades totalitárias, por exemplo, gostam de controlar o artista. Há uma relação bastante interessante e curiosa entre artista e as autoridades, em ditaduras. E, certamente, na ditadura marxista passada, bastante recentemente, o artista é reverenciado, ele é um membro privilegiado da sociedade. Ao mesmo tempo, é o artista fora da lei, o artista proibido que, em geral, é o mais interessante. Embora as autoridades tenham uma certa idolatria em relação à arte, elas não têm ilusão de que o artista que esteja fora de controle seja uma pessoa perigosa. Eu tenho muito pouca experiência, experiência pessoal, de viver em uma sociedade reprimida. Claro, eu nunca vivi em uma, apenas as visitei. No final, quando eu havia estado em algum lugar, como repórter, na verdade, e isso me aconteceu muito recentemente, você acaba pegando um avião da British Airways, deixando todos para trás e dizendo: “boa sorte, sinto muito por seus problemas, agora eu vou escrever meu artigo para [o jornal] The Guardian e continuar com a minha vida”. Então, no início do programa, falávamos sobre a autonomia individual, acerca da liberdade do indivíduo. Sim, isso é essencial para tudo em que eu acredito. É quase como se eu acreditasse nisso com meus ossos e sangue e não com meu cérebro. Porém a liberdade do indivíduo não é estar isolado. Mas é a responsabilidade do indivíduo que também precisa ser reconhecida.  A liberdade não vem sem propósito, sem responsabilidade. Não deveria ser desperdiçada. Falando de uma maneira muito geral agora e bastante abstrata, eu realmente culpo você. Caímos em abstrações generalizadas. Na verdade não culpo você, o problema é meu. [Lilian Witte Fibe ri sozinha] Nossa capacidade de falar sobre qualquer coisa acaba sendo limitada pela experiência pessoal. Bem, você sabe que Império do sol foi uma adaptação minha para o cinema que reclama disso. Ele diz: “veja, eu escrevo essas histórias, é isso o que faço. E como sou bem sucedido, sou perseguido o dia todo por pessoas que querem minha opinião sobre tudo, principalmente sobre as notícias no jornal. Eu não tenho paz. Como se eu devesse ter... Minha nossa, isso é interessante, eu nunca havia visto isso antes. [ri, quando vê o desenho de Paulo Caruso que, no momento, desenha o perfil de Lilian e de Michel Laub, sentados lado a lado]

Lilian Witte Fibe: É o nosso brilhante cartunista Paulo Caruso, que faz os desenhos durante o programa. Nós vamos fazer um intervalo agora, mas queremos lembrar que a memória do Roda Viva está disponível em nosso site: www.tvcultura.com.br/rodaviva. Lá você pode pesquisar o conteúdo do nosso arquivo e também mandar e-mails com críticas e sugestões.

[intervalo]

Lilian Witte Fibe: Voltamos com o Roda Viva na Festa Literária Internacional de Parati 2008. Nesta série especial, entrevistamos hoje o dramaturgo inglês Tom Stoppard. Autor de roteiros para rádio, TV, cinema, e principalmente, teatro. Ele é um recordista do prêmio Tony, o mais importante do teatro americano. Senhor Stoppard, uma curiosidade minha. Acho que assim como o senhor, eu também me lembro de alguns filmes, mais ou menos, em fragmentos, e eu gostaria de saber se a frase daquele menininho, no filme Império do sol – cujo roteiro é seu, do Spielberg – de dentro do campo de concentração, acenando para o P-51,[P-fifty one, caça norte-americano tipo Mustang] o Cadillac dos céus, em que  o piloto também acena para ele, se aquela frase é sua? Eu tenho essa curiosidade.

Tom Stoppard: Bem, você sabe que Império do sol foi uma adaptação minha para o cinema de um romance de J. G. Ballard. Então, a resposta é que J. G. Ballard escreveu a frase no romance, e eu a usei no roteiro. Aquele momento não foi criação minha. E até onde me lembro, mesmo no romance, há uma leve impressão de que aquilo seja uma realidade exacerbada, que pode não ser literalmente a verdade. Então, eu acho que Jim – que é o nome do garoto – quase chega a trocar olhares com esse piloto. Na verdade, eu estava lá quando eles filmaram essa cena. Acho que esses aviões são chamados de mosquitos, não? E eu estava ali, onde a câmera estava, nessa grande plataforma elevada, quando esse piloto passou voando. O roteiro é capaz de criar momentos e, às vezes, toda uma linguagem visual, melhor do que qualquer coisa que você possa vir a escrever.

Michel Laub: Você estava falando, antes, da influência possível de jornais no seu trabalho. Agora, uma influência bastante visível é a obra do Shakespeare, em particular, me parece, o Hamlet. Você tem, pelo menos, três peças que são ou releituras, ou parte releituras e parte homenagens ao Hamlet. Eu gostaria que você comentasse sobre como sua leitura do Hamlet evoluiu ao longo dos anos, desde a primeira vez que você leu até recentemente. Não sei se você tem relido essa peça. Sua opinião sobre ela, sua visão sobre ela mudou nesses anos todos?

Tom Stoppard: É muito interessante como os textos teatrais se tornaram textos para leitores. Esse é um fenômeno bastante recente, sem dúvida, no lugar de onde venho. Quando eu comecei, líamos Hamlet apenas na escola para passar em um exame. Você seria uma criatura muito estranha se lesse Hamlet por prazer. Na verdade, eu mesmo vivia uma situação em que eu não escrevia nada para o leitor, o objetivo não era esse. Eu li Hamlet de ponta a ponta uma vez na vida, quando precisei ler para escrever minha peça sobre Rosencrantz e Guildenstern. Tenho certeza de que nunca tinha lido Hamlet até então. O que eu já tinha feito era visto inúmeras produções de Hamlet. Então, de certa forma, sua pergunta me interessa por um direcionamento surpreendentemente diferente, porque para mim, Shakespeare escreveu Hamlet para que fosse um acontecimento, antes de ser um texto. Sem dúvida, isso é um pouco confuso, porque uma peça, um texto teatral, é algo muito curioso. É uma transcrição de um acontecimento antes que o acontecimento ocorra. É isso que você está escrevendo. Quando ao próprio Hamlet,  a verdade é que há passagens e até frases na obra que, para mim, simplesmente nunca perdem seu fascínio. Elas sempre me surpreendem e me parecem novas. É uma peça atemporal. Mas, respondendo sua pergunta, eu não a leio. E talvez eu devesse ler.

Michel Laub: Mas, às vezes, a opinião muda mesmo sem ler de novo. A opinião vai mudando em relação a algo que você leu há muito tempo, né?

Tom Stoppard: Sem dúvida. Uma das coisas de que eu gosto no teatro é que ele nunca é o mesmo duas vezes. Você nunca vê o mesmo Hamlet duas vezes. Eu estava tentando dizer isto outro dia: em teatro um texto não garante muita coisa. Se o texto fosse uma garantia, você nunca teria uma noite decepcionante assistindo a Hamlet. E eu pessoalmente gosto disso. Gosto do fato de que o texto não é completo em si mesmo e não garante coisa alguma. O importante em relação ao teatro é a equipe – é uma atividade de equipe. Esse é certamente o prazer de trabalhar no teatro. Escrever peças é uma ocupação muito solitária. Que banalidade! Mas é a verdade. Algo um pouco menos banal para se dizer a respeito é que não é meramente a solidão, mas algo completo em si mesmo. Você escreve uma peça, e não há mais ninguém envolvido nisso. É como se estivesse escrevendo um poema para sua amada. É só quando você a termina que ela se transforma em uma entidade completamente diferente que só ganha uma existência quando for encenada e falada. Hamlet é a única peça...

Mona Dorf: [interrompendo] Aproveitando isso que o senhor está falando, eu queria saber se o senhor costuma ir aos ensaios, assistir às leituras dramáticas dos atores e também quando... no set de filmagem... Porque, ontem, a gente assistiu a um debate muito interessante entre o Neil Gaiman [escritor e jornalista inglês, é um dos mais famosos roteiristas de quadrinhos] e o Richard Price [escritor e roteirista norte-americano], e eles falavam o quanto pode ser frustrante para um roteirista, para um dramaturgo, enfim, para um escritor, ver um diálogo em que ele trabalhou tanto na construção, ser mal interpretado e mal lido. O senhor acostuma acompanhar de perto isso para não se frustrar?

Tom Stoppard: Não se pode responder essa pergunta da mesma maneira para o teatro e cinema. No meu caso, só escrevo para teatro. Eu adapto para o cinema. Eu nunca escrevi um roteiro original, como J. G. Ballard e outros. Como o teatro, na primeira produção e talvez na segunda, eu estou lá o tempo todo. Pessoalmente, acho isso extremamente necessário. Uma das razões é que não considero o diálogo acabado até que tenhamos um público. Adoro o pragmatismo do processo de retirar coisas, inserir outras. E aí você tem um público e, de fato, descobre o que tem, e então começa realmente a trabalhar. Nem todos os dramaturgos são assim. Alguns dramaturgos entregam sua peça e pronto, finito [usando um termo em italiano para “terminado”]. “Encenem. Não a mudem”. Mas, quanto a estar lá, isso é parte da diversão, é parte do prazer. Em filmes o escritor não tem função no estúdio de filmagem. É muitíssimo raro haver uma inter-relação adequada entre um diretor e um escritor, mas acontece. Joseph Losey [diretor e produtor de cinema norte-americano] e Harold Pinter [dramaturgo inglês] trabalharam assim anos atrás. Na verdade, meu amigo [roteirista e dramaturgo] Christopher Hampton esteve fazendo um filme com Stephen Frears [cineasta inglês] e esteve lá todos os dias pronto para trabalhar com o diretor. Nunca me pediram que fizesse isso. E invejo isso. Então o que acontece é que você chega, faz seu trabalho, é pago e vai embora. E quando eles estão filmando, você está pensando em outra coisa, está pensando em seu próximo trabalho.

Ubiratan Brasil: Nesse processo de criação, você falou que é muito solitário, imagino que você quando escreva, obviamente, tem as imagens da peça que está escrevendo, ouve as vozes até dos atores. E quando você acompanha um ensaio, por exemplo, há uma certa frustração, de repente, porque obviamente, nunca vai ser reproduzido o que você imaginou, mas não há uma aproximação, às vezes, com o que você cria. Isso lhe dá uma certa frustração ou não? Você acha que é sempre benéfico no acréscimo da sua obra?

Tom Stoppard: Quando você é jovem e tolo, você acha que os atores existem para concretizar o que você escreveu. Que eles se reúnem e fazem o melhor possível para reproduzir perfeitamente os sons e os movimentos que você imaginou em sua mente. E então, quando você fica um pouco mais velho e menos tolo, você compreende que essa não é realmente a melhor maneira de fazer as coisas. A melhor maneira é manter as coisas muito mais orgânicas e ver o que conseguimos. Na verdade, a visão de cena de um dramaturgo é um bom ponto de partida. É provavelmente um bom lugar por onde se começar, um bom lugar para começar a explorar. Mas eu não deveria ser modesto demais ao responder essa pergunta, porque, na verdade, eu sei mais sobre a cena do que qualquer outra pessoa naquele primeiro dia. Outra coisa interessante é que não importa quantos anos se passem e quantas peças, eu ainda chego com a ilusão de que o que escrevi está perfeitamente claro para o leitor, para o ator, o diretor, para quem quer que leia o texto. E a principal razão para você estar lá é que não está totalmente claro. Eu uso uma caneta tinteiro. O teclado não lhe permite fazer anotações para transcrever a peça que você tem em mente, mas apenas uma versão rascunhada do que você tem em mente. Atores e diretores podem lhe trazer algo melhor do que o que você lhes dá. E você precisa ter a percepção e saber se afastar e deixar acontecer. E talvez você odeie a maior parte daquilo, mas então surgirá uma coisa muito melhor do que você imaginara. E você então usa aquilo.

Marcos Strecker: Eu queria perguntar a respeito da clareza disso para o expectador. O seu teatro é cheio de referências, referências históricas e referências também de autores. E parece que o [..] por exemplo, do [jornal norte-americano] The New York Times, se não me engano, disse que o expectador precisaria ter lido muitos livros para poder entender a sua peça. O teatro precisa ser didático? Até que ponto vai a sua preocupação em ser claro e não fazer uma obra cifrada para o expectador?

Tom Stoppard: Apenas para esclarecer isso a respeito do The New York Times, você está totalmente certo. Alguém publicou um artigo no qual listava oito ou 12 livros que as pessoas deveriam ler antes de ir assistir à minha peça, The cost of utopia. Eu fiquei espantado e achei graça. Eu escrevi para o jornal e disse: “Essa é uma lista muito boa de livros, se você estiver interessado em ler depois de assistir à peça. Mas, na verdade, você não precisa ler coisa alguma para assistir à peça”. A peça precisa ser auto-explicativa à medida que se desenvolve. Isso é óbvio. Só um louco escreveria uma peça que exigisse que o público lesse um livro que fosse antes de assisti-la. As peças não são para isso. Eu acho que minhas peças não exigem muito. Absolutamente. Na verdade, eu espero que elas sejam algo que traga alegria, de uma maneira ou de outra. Eu não quero dizer felicidade, mas algum tipo de liberação. Apenas venha como você é, e tudo bem.

Lilian Witte Fibe: Ok. Nós vamos fazer mais um intervalo e voltamos daqui a pouquinho com a entrevista com o Tom Stoppard.

[intervalo]

Lilian Witte Fibe: Roda Viva na Festa Literária Internacional de Parati 2008. Nós estamos entrevistando o roteirista inglês Tom Stoppard. Conhecido nos palcos de Nova Iorque e de Londres como um dos mais importantes dramaturgos vivos da língua inglesa. Senhor Stoppard, eu notei que o senhor anda falando muito em morte, em velhice. Parece que quando o senhor aceitou o convite para vir ao Brasil, que é uma coisa que o senhor não costuma fazer, pois geralmente recusa os convites para viagens e tudo, o senhor falou: “Ah, mas de repente eu morro e não conheço a América do Sul”. Enfim, o senhor anda um pouco preocupado com velhice e com morte? Será que virá disso sua inspiração para sua próxima peça que parece que também está para nascer. É isso?

Tom Stoppard: Eu não estou realmente preocupado, eu pretendo viver por muito tempo. Mas o que lhe disseram está totalmente certo. Eu recebi esse convite e, para ser franco, eu realmente não gosto de viajar. Não gosto de toda essa coisa de aeroporto e tudo o mais. Além disso, eu quero trabalhar, e não interromper meu trabalho. Então eu disse: “Não, acho que não”. E depois de alguns minutos, eu realmente disse para mim mesmo: “Isso é tolice, essas pessoas legais estão me convidando, eu posso morrer e nunca visitar o Brasil”. O que não significa que eu espere morrer logo. Não. E não me preocupo com isso. E, na verdade, creio que eu não tenha nenhum interesse especial em escrever sobre a morte.

Lilian Witte Fibe: E qual é a sua impressão do Brasil até agora? O senhor deixa o Brasil daqui a algumas semanas. O que o senhor tem achado? O que o senhor achou do Brasil, por enquanto?

Tom Stoppard: Eu gostaria de ter estado aqui por algumas semanas. Na verdade, estou aqui há seis dias, e minha impressão do Brasil até agora... A viagem do aeroporto de São Paulo até aqui é extremamente bonita. E, então, chega-se a essa cidadezinha incrível. Eu dizia para alguém ontem que ela o recebe como que com um grande sorriso. Eu sou uma pessoa muito chata, que gosta de estar na sua biblioteca trabalhando e tudo o mais. De certa forma, esses últimos seis dias foram os mais agradáveis, algo como as melhores férias que eu já tive. Até mesmo ser entrevistado é agradável. E, sem dúvida, as cores aqui, e o rio. É como se fosse uma Disneylândia diferente, onde um peixe pula para fora da água e então volta para lá. Você está olhando para a água, e um peixinho sai pulando para fora. Desculpem-me, estou divagando um pouco agora, mas estou tentando explicar que tenho estado muito feliz, tive conversas maravilhosas e também descobri essa bebida maravilhosa que vocês têm aqui, cujo nome eu esqueci, mas que tem muito limão, açúcar e gelo. Eu fico bêbado muito facilmente, por isso eu realmente não bebo.

Mona Dorf: De alguma forma essa visita à cidade de Parati, esse convívio com outros escritores em um festival literário como este podem impactar a sua próxima peça? Em várias entrevistas o senhor disse que gostaria de estar escrevendo uma peça, mas não está, e também não disse por quê: se é por falta de tempo ou por falta de assunto. O senhor é muito exigente consigo mesmo em relação aos diálogos, ao refinamento dos temas, à escolha dos personagens. De alguma forma, então, essa visita a Parati, à Flip, podem impactá-lo?

Tom Stoppard: Acho que de certa forma, sim. Em parte é simplesmente encontrar outros escritores. Eu me esqueço o quanto isso pode ser estimulante. Eu estava pensando: “Oh, meu Deus, eu não posso me dar ao luxo de sair e jantar com alguém, tenho de estar aqui, na minha escrivaninha, e tudo o mais”. Mas, na verdade, isso está errado. Você precisa conhecer outras pessoas, atores, escritores, quem quer que seja. E eu me sinto muito mais... Eu vou lhe dizer uma coisa, eu não sei se isso está me ajudando, de alguma forma, a encontrar minha peça a ser escrita, mas certamente está me fazendo sentir muitíssimo mais feliz por não a estar escrevendo. Eu simplesmente me sinto mais tranquilo acerca do que quer que seja.

Michel Laub: Eu queria só voltar ao assunto que foi mais ou menos tratado aí no início do programa. Você falou ontem a respeito de um sentimento de gratidão que você tem pela Inglaterra, por ter ido muito criança para lá e ter sido um país que o acolheu com liberdade e tal. Ontem você disse que isso teria, de alguma maneira, influenciado até a sua visão política do mundo. Eu queria saber se você sente, se é possível sentir que isso influenciou de alguma maneira o seu trabalho, essa relação de gratidão com o país em que você está, com o lugar em que você está. Você não seria um dramaturgo out sider [expressão em inglês que designa uma pessoa que não se encaixa em determinado grupo], digamos assim, no contexto do teatro inglês.

Tom Stoppard: Não sou considerado um estrangeiro, no sentido normal da palavra. Eu me considero... Eu não sinto isso em relação ao que eu escrevo. Acho que realmente não me enquadro em nenhuma escola. Mas essa história de se sentir grato à Inglaterra e tudo o mais, assim como a maioria das coisas, é algo, no geral, verdadeiro. E eu escrevi isso em um contexto especial, em que estávamos pensando sobre nós mesmos em 1968, quando muitas coisas importantes estavam acontecendo no mundo ao nosso redor. Na Europa, sem dúvida. E isso foi o que eu escrevi. Então, por alguma razão, esse comentário permaneceu. E agora pareço ter a reputação de alguém que vive em uma situação de grande gratidão em relação ao país que me adotou. E não é isso. Quando eu penso a respeito... Se alguém olhar para meu comportamento e para o que tenho dito, e se pensar na minha situação pessoal, então é muito fácil concluir que inconscientemente haja um comportamento de gratidão. Mas eu não fico pensando nisso. Toda a questão do que escrever depois, e por que escrever, é um mistério para mim.

Michel Laub: Até perguntei isso porque você, repetidamente, afasta qualquer injunção sobre o que significa a sua obra, como você vê a sua obra. Você não pensa muito a respeito do sentido do seu trabalho? Se a sua obra tem uma coerência desde o início ou não, coisas do gênero?

Tom Stoppard: Você está perguntando se meu trabalho é coerente?

Michel Laub: Não, não. Se você vê algum sentido uniforme na sua obra? Se você poderia interpretar a sua obra de uma maneira, ou você não pensa nisso nunca?

Tom Stoppard: Eu escrevi muitas peças, e para mim elas parecem ter menos coisas em comum do que aquilo que as separa. Não existe uma linha invisível unindo todas as minhas peças, como se elas fossem parte de um todo e você as pudesse pegar por uma extremidade e ter toda uma linha até o final. Elas parecem surgir de lugares diferentes, ter vozes diferentes, algumas mais sérias do que outras. Sim, elas são coerentes no sentido de que você não pode fugir daquilo que você mesmo escreve. Nós somos aquilo que escrevemos. Ou a coisa não faria sentido. Mas, claro, e você pode ver a lógica disso, pois à medida que eu mudo, meu trabalho muda. Nada é imutável. O que estou dizendo é que eu não estou tentando encontrar meu trabalho naquilo que eu penso. Estou tentando descobrir o que eu penso através do meu trabalho. Ou seja, as pessoas sempre supõem que em determinados tipos de teatro uma peça é o produto final de uma idéia. No caso de muitos dramaturgos, isso pode ser verdade, mas não é sempre verdade. Acho que uma boa peça é aquela em que a idéia é o produto final da peça. Você não sabe o que está pensando. Você está descobrindo o que pensa. Você tem uma voz aqui e outra voz ali discutindo, e isso o ajuda a chegar a uma terceira voz. Quando eu era jovem, eu costumava pensar que eu não conseguiria escrever minha peça, fosse ela qual fosse, a não ser que eu tivesse tudo em um pedaço de papel, como que um mapa de navegação. E, hoje, eu não acredito que seja assim que a coisa funcione. Não é o que eu faço hoje. Hoje o que eu faço é simplesmente mergulhar cegamente no desconhecido, esperando que isso funcione. E se funciona, o resultado é realmente muito melhor do que o de uma peça previamente pensada. Porque quando você segue as instruções em uma embalagem, digamos assim, você pode estar fazendo algo muito inteligente. Mas, na verdade, acaba sendo alguma coisa muito frágil, que pode acabar se perdendo.

Lilian Witte Fibe: Por falar em instruções de embalagem, eu queria presentear o nosso telespectador com aquela breve aula que o senhor deu ontem na encantadora conversa que teve com o Luis Fernando Veríssimo [escritor brasileiro conhecido principalmente por suas crônicas e textos de humor], sobre como começa a escrever uma peça e como termina. Aquelas quarenta, cinqüenta, versões na primeira folha, com a sua caneta tinteiro, que afunilam para uma única folha. Eu queria que o senhor contasse para o nosso telespectador que não teve a sorte de ver esse diálogo, como nós tivemos.

Tom Stoppard: Sim, claro. Foi-me perguntado simplesmente como é esse processo. E eu gosto dessa pergunta, porque é o que eu sempre gosto de perguntar a outros escritores. Eu não quero lhes perguntar sobre... Você usa um lápis ou um computador? Essa é uma boa pergunta. No meu caso eu uso uma caneta-tinteiro. E eu reescrevo à medida que vou avançando. Eu nunca faço um rascunho rápido, como se fosse um resumo da peça, e depois volto ao começo. Você pode chamar isso de um método, uma técnica ou meramente uma neurose. Mas eu quero sentir que a primeira fala está perfeita antes que eu possa escrever a segunda. E a outra neurose da qual eu realmente não me envergonho é que eu quero que a folha esteja limpa. No final eu quero essa fala em uma página limpa e não bagunçada. E o que eu estava dizendo ao senhor Veríssimo é que, quando você escreve dessa forma, reescrevendo à medida que avança, o que você tem no final é a página número um pronta, feita quarenta ou cinqüenta vezes, e a última página feita apenas uma vez. É um padrão interessante, um processo interessante. Porque à medida que você encontra seu caminho ao longo da peça, cada vez mais portas se fecham, e finalmente há apenas uma porta e apenas uma formulação possível para aquele último momento. É, na verdade, bastante agradável. Mas receio que não tenhamos muito tempo para a pergunta que você me fez.

Ubiratan Brasil: Falando um pouco mais precisamente disto: escrever um diálogo. O senhor já disse que se sente muito à vontade para escrever diálogos. Nessa palestra aqui o senhor se lembrou de uma fala do Orson Welles  em O terceiro homem, o senhor lembrou também do Harrison Ford [ator norte-americano, interpretou o personagem principal do filme O fugitivo] no Fugitivo. Na sua opinião, no seu trabalho, o que é necessário para escrever um bom diálogo? É bom ter um bom ouvido para estar conectado a sua realidade? É ter uma pesquisa muito boa, que o faça sentir à vontade para...

Tom Stoppard: Não.

Ubiratan Brasil: O que seria?

Tom Stoppard: Eu estava conversando sobre isso com outro escritor aqui. Nada. Não há nada que o ajude a escrever um bom diálogo. Ou você consegue escrevê-lo ou não consegue. E é isso, acabou. Eu tenho uma enorme dificuldade para criar estrutura, personagem, enredo, tudo. Mas os diálogos simplesmente se escrevem sozinhos. Não é nem ao menos uma coisa que eu aprendi. E pessoalmente creio que estou bagunçando essa resposta, porque estou tentando evitar dizer o que estou tentando não dizer: que os diálogos são fáceis para mim. São um enorme prazer. Claro que tenho de fazer mudanças e tudo o mais, mas muitas vezes... É o caso da tradução. Quando se traduz uma peça, é melhor que isso seja feito por um dramaturgo do que por um lingüista, que não vai escrever um diálogo bom. É realmente interessante ou talvez, quem sabe, nada interessante, mas eu vou lhes contar assim mesmo. Quando você escreve sua própria peça, você sabe, sem sombra de dúvida, quando seu diálogo chegou à sua forma final. Quando está correto e não vai mudar. Ao traduzir uma peça, você acha que fez isso e vai para cama satisfeito, pensando: “nada mal, amanhã eu continuo”. E, de manhã, você olha para aquilo e é como se uma babá polonesa o tivesse reescrito durante a noite. Você simplesmente não consegue acreditar, nem mesmo se parece mais com inglês. Porque o processo da tradução contamina sua própria sensibilidade em relação à sua própria língua, e você perde o contato com a sua própria língua. E isso só acontece em tradução. Eu me distanciei do assunto. Mas não se aprende a escrever diálogos. Não creio que se possa aprender a escrever diálogos. Ou você escreve bons diálogos ou não escreve.

Lilian Witte Fibe: Nós vamos fazer mais um intervalo e voltamos já, já.

[intervalo]

Lilian Witte Fibe: Voltamos com o Roda Viva e a Festa Literária Internacional de Parati, edição 2008. Você acompanha no programa de hoje a entrevista com o dramaturgo inglês Tom Stoppard. Autor de vários roteiros premiados, ele também tem trabalhos no cinema, muitos deles conhecidos do público brasileiro, como o Império do sol e a comédia romântica Shakespeare Apaixonado. Senhor Tom Stoppard, uma curiosidade minha também como jornalista. O senhor disse que no teatro se aprende muito a ser mais compreendido pelo público. Um problema que nós jornalistas – o senhor já foi jornalista sabe –  temos também em nos comunicar melhor com o público, fazer passar exatamente  a mensagem que achamos necessário passar. Principalmente nós, os jornalistas de televisão, que misturamos o texto com a imagem, no noticiário. Eu queria saber se o senhor pode nos ensinar ou nos passar um pouco da sua experiência de aprendizado no aperfeiçoamento dessa comunicação, até com os atores. Pelo que o senhor relata, às vezes, o senhor escreve um diálogo, pensa que está claro e quando ouve os atores falarem, percebe que eles não entenderam a sua mensagem. O que o senhor aprendeu de muito importante na eficiência da comunicação textual para que ela verbalmente seja realmente eficaz, competente, boa?

Tom Stoppard: Você está se referindo à comunicação entre a peça e seu público?

Lilian Witte Fibe: Entre o teatro e a platéia, porque no teatro a gente põe o texto escrito diante de uma imagem que é o palco, a encenação. Nós jornalistas de televisão também nos deparamos com esse dilema com frequência. A gente escreve e precisa por isso na televisão, ilustrando com imagens ou exemplificando. Como é que o senhor foi aprendendo a ser mais compreendido, a escrever a sua mensagem na sua caneta-tinteiro, de uma maneira que essa etapa fosse mais breve, a etapa entre o senhor escrever e o seu texto ser compreendido?

Tom Stoppard: É interessante... Como você trabalha em televisão, a comunicação, a importância da comunicação, e a transmissão bem sucedida da comunicação é seu propósito essencial, e muito acertadamente. Muitas vezes tenta-se criar uma mise-en-scène  [expressão de origem francesa que se refere à disposição de cenários no palco, em uma produção teatral, pode significar também simulação] para se chegar a isso. Não estou certo de que se possa falar em comunicação no teatro da mesma forma, pois em uma peça, no teatro, a mensagem – e eu odeio essa palavra – que está sendo comunicada está provavelmente tentando ser transmitida por meio de metáforas e não através de polêmica. Na verdade, essa questão me fascina, e eu poderia ter gastado, e agradeço por não ter me permitido isso, mas eu poderia ter gastado oitenta minutos falando a respeito. Acho que o segredo das peças, do teatro está ligado ao controle do fluxo de informações do palco para o público. É como se fosse possível desfazer o texto teatral assim como desmontamos um motor. Trata-se de qual informação flui para o público e em que ordem a informação está chegando. Às vezes, a ordem correta é simplesmente banal. E você precisa confundir as pessoas e então dar a informação correta, o que, na verdade, irá fazer sentido. Todo esse planejamento é instintivo. Mas, sim, esse é apenas um aspecto dessa questão importante que você levantou. O outro é o que eu mencionei. Muitas vezes o teatro, o contar uma história se dá através de metáforas. Além disso, ao contrário do mundo no qual você trabalha, em geral o teatro tenta passar informações às escondidas. Tenta comunicar através de subterfúgios, através de embustes. E isso se relaciona novamente, e eu estou em uma área complicada aqui, nesta última hora, mas se relaciona com o que eu disse anteriormente sobre ser uma arte de contar história, e não um editorial. Claro que eu estou generalizando, porque não consigo imaginar uma peça maravilhosa sendo puramente polêmica e editorial. Talvez. Mas o teatro sobre o qual eu me sinto confortável para falar a respeito não é, sem dúvida, o teatro da comunicação direta: “aqui está o que eu quero que você saiba. Você ouviu? Você entendeu? Muito bem. Agora pode ir para casa”. Isso não é o que estamos fazendo.

Lilian Witte Fibe: [interrompendo] Eu pensei sobre a clareza do texto. Eu pensei que o senhor talvez pudesse nos passar alguma informação sobre a clareza do texto. É o texto que precisa ser cada vez mais claro? Mas não é isso, né?

Tom Stoppard: Imagine que seu personagem seja o de um ser humano não articulado. Mais uma vez temos outra versão poetizada de comunicar alguma coisa. A comunicação da incapacidade de comunicar alguma coisa. Acho que é preciso se permitir esse tipo de consideração a fim de acompanhar o que o teatro é em essência, o que uma peça essencialmente é. Considerações acerca de comunicação e tudo o mais se tornam pertinentes ou não. Mas não creio que sejam centrais. Não no teatro.

Michel Laub: O senhor está falando da diferença da linguagem do teatro para a televisão. Falando sobre as diferenças da linguagem do teatro para o cinema, você falou antes que tem muito mais facilidade para escrever diálogo do que pensar em estrutura de uma peça, por exemplo. E tanto o cinema quanto o teatro usam essa relação entre diálogo e estrutura de maneiras diferentes. Um talvez use mais o diálogo, outro menos. Enfim, eu tenho impressão até que o cinema se apóia menos no diálogo do que o teatro – se eu não estou certo, você me corrija. Então, eu queria saber se você tem mais facilidade ou menos de escrever roteiros para cinema em relação a peças de teatro, mesmo que sejam roteiros adaptados.

Tom Stoppard: Eu não sou verdadeiramente um escritor para cinema. Há alguns tipos de cinema que condizem comigo. Mas, na verdade, eu uso palavras demais, o que funciona no teatro. É o que ele é. Eu admiro quem escreve para cinema. Eu não tenho um instinto natural para isso. Sou melhor no cinema quando se trata de cinema no qual as pessoas precisam usar a linguagem para comunicar o que quer que seja. É uma identidade diferente para mim. Eu nem ao menos penso em mim mesmo. Escrever para o cinema é uma arte técnica interessante para mim. Raramente ele lhe permite um momento de pura criação, pois estou adaptando alguma coisa.

Michel Laub: E isso faz ser mais fácil ou mais difícil para o cinema, escrever para o cinema.

Tom Stoppard: O primeiro rascunho você escreve para si mesmo e, de certa forma, é fácil. Não importa o quanto seja difícil. Paradoxalmente, torna-se mais difícil, sem dúvida, quando se faz pela segunda, terceira vez e levam-se em conta as considerações e os desejos de outras pessoas. Um dramaturgo serve ao filme e ao diretor, e a tudo o mais, a todos. E fica mais difícil, como qualquer um nessa situação pode lhe dizer.

Mona Dorf: Tom, dentro do que você falava antes, de contar uma história, eu me lembrei do seu conterrâneo, Peter Greenaway, artista performático, multimídia, cineasta que escreve peças e se aproveita muito das novas tecnologias para o palco e para o cinema. E, inclusive, defende uma nova estética no sentido de que se aproveitem mais as novas tecnologias para se narrar uma história com várias possibilidades de simultaneidade, como a internet, o celular com as novas mídias. Que sinergia você vê possível dessas novas tecnologias com o teatro?

Tom Stoppard: No futuro? Qualquer futuro imaginário que eu pudesse produzir seria, sem dúvida, logo superado pelos avanços futuros de tecnologias possíveis. É uma pergunta bastante interessante para se fazer a Peter Greenaway.

Mona Dorf: Mas eu pergunto mais no sentido de mudar a narrativa, a linearidade da narrativa; de você poder aproveitar a simultaneidade dos vários meios para se narrar várias histórias ao mesmo tempo. Nesse sentido do que a gente falava ontem, contar uma história. Anteriormente.

Tom Stoppard: Tenho um temperamento conservador. Eu não me identifico com essa visão. Muitos anos atrás eu estive no Irã. Na verdade, tantos anos atrás que era ainda a Pérsia. E no canto de um pátio havia um contador de histórias. Havia um grupo de pessoas, trinta, quarenta pessoas, e eu fui dar uma olhada e vi que havia ali um contador de histórias. Eu não entendia a língua, mas fiquei em pé ali e consegui entender do que se tratava. E então, claro, comecei a entender que não era uma história nova. Não era a primeira vez que aquele público ouvia a história. Era uma história famosa que se renovava quando era contada. Uma experiência como essa me toca profundamente. Se um sujeito entrasse aqui e me dissesse: “Ei, Tom, podemos fazer telas divididas, dar óculos especiais para o público, podemos lhe dar todo tipo de possibilidades extraordinárias de dimensões de realidade diferentes para sua próxima peça”. Acho que eu provavelmente desmaiaria por puro tédio. Isso, com certeza, não me inspira a escrever o que quer que seja. Ainda temos um minuto? [Lilian Witte Fibe diz que sim] Eu adoraria escrever uma peça para artistas de circo. O que estou dizendo é que eu gostaria de escrever uma peça na qual as únicas pessoas que pudessem atuar fossem um lançador de facas e um equilibrista. Mas minha peça teria uma discussão em família, na cozinha, e uma faca de pão passa voando de raspão pela orelha da esposa, e então alguém tenta escapar através de uma corda. Esse seria um teatro realmente mágico para mim, porque seria como um teatro de verdade.

Lilian Witte Fibe: Por que o senhor não escreve essa peça?

Tom Stoppard: Obrigado. Acho então que já vou indo e vou escrevê-la agora, tudo bem?

[risos]

Marcos Strecker: Já que a gente está com pouco tempo, eu queria perguntar rapidamente: o humor é importante? Até quanto o humor é importante no teatro?

Tom Stoppard: Eu vou lhe dar uma resposta de sabichão. Não é nada importante, e eu não consigo me livrar disso. Ou seja, isso não é uma escolha. Acho que eu nunca escrevi nada, absolutamente nada, que não tivesse ao menos um componente de comédia, em algum momento ela deveria fazê-lo rir. Ainda que eu escreva sobre dissidentes russos, presos em hospitais psiquiátricos, ainda assim eu escrevo e é uma comédia. Então, sem dúvida, é importante para mim no sentido de que, se você é um médico metafísico e me abre para examinar [faz um gesto como se estivesse abrindo o peito], você dirá: “Ah, sim, humor é muito importante para esse paciente.” Mas não é importante para mim no sentido de eu ter escolhido o humor como componente essencial através do qual eu deseje me comunicar. Eu estou preso ao humor. Eu gostaria de dizer – e isso provavelmente não é verdade – mas eu gostaria de escrever uma tragédia e saber como é escrever uma tragédia. Eu gostaria de escrever uma peça como a que Ésquilo [poeta da Grécia Antiga, é considerado o criador da tragédia, cuja obra destaca o sofrimento, narra as sagas dos deuses e dos mitos] poderia ter tentado escrever se estivesse vivo hoje. Isso seria interessante. Mas toda a tecnicidade e as técnicas que me fascinam não são tecnológicas. Eu gostaria de escrever uma peça rimada, por exemplo. Ou eu gostaria de escrever diálogos para dançarinos de balé, por exemplo. Acho esse tipo de exploração muito prazeroso. Eu escrevi uma peça uma vez para um público inglês, na qual a primeira cena era só de frases em língua estrangeira. Na verdade, como você pode imaginar, há para um inglês cerca de quinhentas frases de idiomas estrangeiros, do francês, latim, espanhol, que são parte da língua franca, da língua inglesa. E eu descobri que eu podia escrever várias páginas nas quais ninguém falasse inglês, mas se comunicasse perfeitamente. E você pode dizer que essa é uma característica forte, que minha maneira de ousar ou fazer algo interessante é, na verdade, bastante introvertida. Eu estou ignorando o grande, maravilhoso e amplo mundo de sistemas de comunicação alternativos. E a resposta é: sim, sim, culpado do que me acusam.

Lilian Witte Fibe: Muito obrigada, senhor Tom Stoppard, pela sua presença aqui. Nós agradecemos também os nossos colegas, a nossa bancada de entrevistadores. Agradecemos ao Paulo Caruso, que abrilhantou o programa e encantou também o teatrólogo – não sei se você percebeu, Caruso. Agradecemos a sua atenção, telespectador.

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