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Memória Roda Viva

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Mário Covas

29/11/1999

O então recém eleito governador de São Paulo fala da primeira gestão do seu companheiro de partido, FHC, na Presidência e dos problemas de rebelião na antiga Febem

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Paulo Markun: Boa Noite. Ele se firmou como um dos mais importantes líderes políticos no Brasil e seu nome tem presença certa em qualquer projeto político que seu partido, PSDB, tenha para o futuro, o Roda Viva entrevista esta noite, o governador de São Paulo Mário Covas.

[vídeo narração Paulo Markun]: Reeleito em 1998, o governador Mário Covas assumiu o segundo mandato em meio à luta contra um tumor maligno. Passou por uma cirurgia e sessões de quimioterapia que o deixaram abatido. A doença foi vencida e Covas tomou posse, mas não pode “pisar fundo no acelerador” contratando novas obras por causa da arrecadação em queda. No plano político, assumiu um novo comportamento colocando-se no centro dos principais conflitos em São Paulo. Interferiu pessoalmente na greve dos caminhoneiros que bloquearam rodovias em Paulínia e Jacareí. E, recentemente, na pior rebelião de internos da Febem (1999), Covas pegou nas próprias mãos o controle da entidade, repreendeu funcionários, criticou a falta de modernização e anunciou uma nova Febem, descentralizada e com novas propostas de tratamento para crianças e adolescentes infratores.

Paulo Markun: Para entrevistar o governador Mário Covas, nós convidamos Nirlando Beirão da revista República; Ricardo Noblat, diretor de redação do jornal Correio Brasiliense; Maria Tereza Cruvinel, colunista de política do jornal O Globo; Ana Maria Tahan, sub-editora de política da revista Época; Fernando Rodrigues, colunista e repórter do jornal Folha de S. Paulo; e Pablo Pereira, editor de política do jornal Gazeta Mercantil [...] Boa noite, governador.

Mário Covas: Boa noite.

Paulo Markun: Governador, nesse episódio da Febem que culminou, na semana passada, na substituição da secretária [de Assistência e Desenvolvimento Social] Marta Godinho, o senhor diria que o governo demorou para agir?

Mário Covas: Se tomarmos o período de cinco anos demorou sim. Em algumas coisas até não demorou muito, até tentou agir com mais rapidez como, por exemplo, no fenômeno da descentralização, mas até hoje, mesmo diante de uma crise que atingiu proporções muito grandes, a reação das instâncias públicas é muito significativa para você levar uma instalação da Febem para um município, a Câmara reage, o prefeito reage... A instalação da Febem, usando um mau exemplo, é como uma feira: todo mundo quer perto de casa, mas ninguém quer em frente de casa. Então, você encontra uma resistência muito grande para fazer uma instalação em qualquer cidade, porque as autoridades refletem o sentimento popular e nós temos um preconceito muito grande com relação a isso. Preconceito que, aliás, vai para toda essa área. Eu conheço muito pouca gente que é capaz de dar um emprego para um ex-preso, como conheço muito pouca gente capaz de dar um emprego para alguém que saiu da Febem. Uma vez que isso tudo generaliza e torna mais difícil. Com isso, você acabou centralizando demais. Nós tínhamos duas unidades aqui em São Paulo, a de entrada em São Paulo, na [rodovia] Imigrantes, com quase 1400 crianças e a de Tatuapé, que ainda existe, com 1300 crianças

Paulo Markun: Não tem solução...

Mário Covas: Tem solução sim, solução tem, é uma solução que hoje se torna, eu diria, mais fácil pelo fato de que a crise acabou por extrapolar... Hoje é mais fácil você conseguir autorização para instalar, se é que precisa autorização. Se o terreno for municipal, por exemplo, você tem que ter um convênio com o município para ele poder ceder o terreno, se o terreno for do Estado, eu acho que você não tem nem que pedir, mas é sempre uma crise que se você puder evitar é melhor porque a população se levanta, dificulta e, portanto, você...

Nirlando Beirão: Existe uma rebelião anunciada para essa época de Natal e tal, como o governador do estado vai lidar com isso, quer dizer, é fatal, não há saída?

Mário Covas: Olha, esse fato não é novo. Historicamente, seja nos presídios, seja na Febem, a época que vai do Natal até o Carnaval é uma época de extrema turbulência, porque é uma época, sobretudo para criança, em que se acirra muito o sentimento de liberdade e, portanto, é muito natural que as rebeliões cresçam nessa época. Isso não é este ano, historicamente é assim. E decorre de alguns fatos que são notórios. Não sei se você reparou, mas o menino que durante a fuga acabou por decepar o outro menino, [quando] foi interrogado na delegacia, ele disse o seguinte: “você tem pena do rapaz?” “Não, pena dele eu não tenho, eu tenho pena da mãe dele.” Esse sentimento ainda é o sentimento mais forte que predomina no adolescente, é o sentimento da relação com a mãe e, portanto, períodos como esse são períodos em que, normalmente, a vontade de voltar à liberdade é uma vontade que se acirra demais. Então, isso não é novidade, não acontece neste ano. Agora, como a gente vai se prevenir? Da mesma maneira que se preveniu até agora. A vida da Febem vai continuar com o seu pessoal, mas a polícia vai intervir.

Fernando Rodrigues: Governador...

Ana Maria Tahan: Só um minutinho, Fernando, só para pegar aqui a direção, o senhor disse que a polícia vai interferir. Não tem uma maneira de agir que evite, por exemplo, que se chegue a essa coisa da intervenção da polícia?

Mário Covas: Tem uma maneira de agir, só que essa maneira de agir não acontece porque... Vai acontecer na medida em que todo o projeto que foi dimensionado agora possa estar em curso. Isto é, que você tenha descentralização geral, não é descontenção, não é pulverizar a Febem, é dar um tratamento diferenciado para isso, uma nova visão da coisa. A criança vai passar por um processo – as moças da Febem vivem reclamando porque eu falo criança, não falo adolescente – então, o adolescente vai passar por um processo sócio-educativo, ele vai aprender não só as coisas da escola, ele vai aprender a viver em sociedade.

Fernando Rodrigues: Governador, o senhor está falando tudo isso, me permite dizer, pegando um gancho nessa pergunta, a sua primeira resposta ao Markun [sobre] se havia uma demora o senhor disse: “se considerar uns cinco anos...” E agora, quando a gente vê o senhor expondo essas propostas sobre esse processo sócio-educativo, fica a pergunta: por que demorou tanto?

Mário Covas: Por que não se fez isso antes? Eu já lhe disse algumas razões. Por exemplo, não foi fácil vencer a resistência dos municípios. Hoje, é mais fácil vencer isso porque o problema ganhou latitude de tal maneira, que hoje a resistência começou a ser minada.

Pablo Pereira: Resistência de quem, governador?

Fernando Rodrigues: É necessário uma crise dessa ordem para que se vença todas as resistências?

Mário Covas: Não, não precisa de uma crise dessa ordem. Queira Deus que, independente de crise, todos os problemas pudessem ser resolvidos neste país. Eu só estou lhe dizendo que hoje é mais fácil isso... Eu já lhe disse que nesse terreno, aliás, disse isso no primeiro dia. Eu fui lá na porta da Febem e disse: “nesse setor o meu governo falhou, ou melhor, ele não fez aquilo que devia fazer, já podia ter avançado muito mais”. Mas como aqui no Brasil a gente não está acostumado com esta coisa...

Tereza Cruvinel: Com a autocrítica?

Mário Covas: Ah! Com a autocrítica, entende, as pessoas estranham...

Ricardo Noblat: É por isso que a gente quer que o senhor repita...

Mário Covas: Não tem problema, posso repetir à vontade.

Tereza Cruvinel: Governador, o senhor deu uma informação pelo jornal que cada interno da Febem custa 1.700 reais, se eu não me engano, o número é esse mesmo?

Mário Covas: É isso mesmo, 1.700 reais.

Tereza Cruvinel: Eu queria saber que inovações, além de submeter o adolescente a um processo sócio-educativo, como prevenir no futuro crianças infratoras? Porque a população do Brasil, a população de meninos de rua e de meninos, em suma, que seus pais não têm condições de cuidar aumenta sim.

Mário Covas: Não, senhora, em São Paulo, não aumentou não. O problema da criança na rua não aumentou, pelo contrário, diminuiu. E esse setor até funciona bem, mas essa criança sofre situação de risco, não é criança infratora.

Tereza Cruvinel: Sim, mas para que a gente não tenha Febem no futuro, o que o senhor vai deixar do seu governo como herança, o senhor pensa em projeto para deixar como obra do seu governo?

Mário Covas: Mas eu deixei o projeto, aliás, não anunciei, eu reuni Ministério Público, reuni Tribunal de Justiça, reuni Assembléia Legislativa e expus o projeto por inteiro, isto demorou quatro horas de uma manhã. No dia seguinte, eu fiz uma audiência pública e quem quis ir estava lá. Foi imprensa, rádio, televisão, foram lideranças de organizações não governamentais. A audiência começou às duas e meia e terminou às sete e meia, possibilitou que se discutissem todos os ângulos do projeto que nós apresentamos, aliás, com aplausos gerais.

Tereza Cruvinel: E tem uma prevenção para que não tenhamos Febem no futuro, porque o importante não é cortar rebeliões, o importante é que a gente não tenha esse problema no futuro.

Mário Covas: Seria ideal que a gente também não tivesse que ter presídio, ou seja, que a gente encontrasse uma maneira de que não houvesse nenhum criminoso no país, mas é uma utopia pensar nisso.

Tereza Cruvinel: A criminalidade é um problema geral da espécie humana, já meninos infratores é uma questão social de países com problemas sociais agudos.

Mário Covas: Não é só problema social. Se a gente for elencar aqui os fatores que levam a essa violência, nós teremos que elencar uma porção deles, não só isso. A criança encontra a rua e, portanto, acaba encontrando nessa vida uma liberdade que ela não tem em casa. É muito comum as pessoas chegarem para mim: “tira as crianças das ruas!” E leva para onde, para a cadeia? Se você tiver um lugar onde a criança se sinta melhor do que na rua... Mas a rua é a liberdade para ela.

Pablo Pereira: Governador, e por que não tem esse lugar? O senhor já disse que o dinheiro não é problema para isso. Por que não se criou ainda esse espaço para que as crianças, em vez de irem para cadeia, sigam para um espaço de recuperação? O senhor explicou que o dinheiro não é o problema.

Mário Covas: Olha, é fácil dar uma desculpa, eu poderia dizer a vocês que encontrei muita dificuldade... Só em uma cidade, até agora, nestes quatro anos, nós conseguimos fazer uma instalação para setenta crianças, em São José do Rio Preto. O prefeito da cidade, que era do meu partido. Eu encontrei extrema dificuldade, mas não é isso não, o erro foi meu, o erro foi do meu governo. Nós podíamos ter avançado mais e não avançamos.

Ana Maria Tahan: Agora, governador, vários estados têm experiências bem sucedidas no trato com o menor por meio da terceirização. Que dizer, um convênio com ONGs ou com entidades específicas que tratam e cuidam desses menores.

Mário Covas: Terceirização, mas a terceirização se faz com a criança carente, se faz com a criança em perigo de risco.

Ana Maria Tahan: Não existe com o infrator?

Mário Covas: Quem controla o infrator e a sua presença dentro do ambiente onde ele tenha restrição de liberdade é a Justiça, não somos nós. Nós somos apenas os cumpridores dessa tarefa, mas quem prende e solta é a Justiça. Portanto, se ela determina que prenda, eu não posso terceirizar isso, eu não posso passar para terceiros, o Estado tem que responder por isso.

Paulo Markun: O ex-governador Paulo Maluf estava hoje na televisão no horário eleitoral, no horário gratuito do partido dele. Ele estava defendendo uma proposta que é muito aceita por um segmento importante da sociedade, que é a redução da idade de atribuição de responsabilidade.

Mário Covas: Não, não sou a favor disso não.

Paulo Markun: Por quê?

Mário Covas: Porque é impressionante, que país é esse aqui que para reduzir a criminalidade tem que diminuir a idade? Quer dizer, nós só queremos fazer adultos criminosos? Que bobagem é essa! Eu sou rigorosamente contra. Isso defende o ponto de vista de uma determinada categoria social, não defende o ponto de vista da sociedade. Não vejo nenhuma razão que para você resolver o problema da criança infratora, você tenha que diminuir a idade da pena de 18 anos passa a ser 16 anos...

Paulo Markun: Pois é, o argumento que se usa quando se defende isso é seguinte: um rapaz de 16 anos ou uma moça de 16 anos que pode votar em presidente, tem que ser responsável se vai e mata um pai de família no meio da rua e tem que...

Mário Covas: Tem que ser responsável sim, e tanto é responsável que é penalizado com a privação de liberdade dentro de uma instituição, é penalizado. Olha, eu não deixo de reconhecer a dificuldade de lidar com esse adolescentes, até porque eu entro lá, não falo porque eu ouvi falar, eu entro na Febem e vou lá onde as crianças estão presas, e eu sei que alguns deles não querem nem pensar em recuperação. Então, pode tirar uns 20% que não querem nem saber disso, você tem outros que decorrem da droga, você tem outros que tem problemas mentais, mas você tem 70%, 75% que são perfeitamente recuperáveis em outra dimensão... 

Tereza Cruvinel: Seu projeto prevê uma triagem? Separar quem é doente mental para que possa ser tratado, prevê isso?

Mário Covas: Sim, senhora, no projeto não é só doente mental, doente mental sem dúvida nenhuma, mas até o drogado, o drogado vai ficar numa instalação separada. E aquele que tem problemas psicológicos também é outro problema, esse daqui para frente – você me dê de seis meses a um ano – eu tenho toda essa estrutura montada.

Fernando Rodrigues: Governador, sobre prazos, recentemente o senhor propôs a cobrança de uma tele taxa de cerca de dois reais em cada conta telefônica para a segurança em geral.

Mário Covas: 2,50 reais

Fernando Rodrigues: E essa proposta que o senhor fez foi rechaçada e acabou sendo aposentada, e se considerarmos o valor em termos absolutos, ele não é muito grande. Porém, enfim, a população rejeitou completamente essa proposta. Isso significa que a população, aparentemente, parece que não confia no poder publico para resolver o problema de segurança, a que o senhor atribui a isso?

Mário Covas: Não é por causa do problema de segurança, porque ela tem razões para isso. Por exemplo, ela pagou a CPMF que era [destinada] à saúde, porém, não foi para a saúde, entrou no tesouro e foi para outro lugar. Aqui não, aqui, nós temos uma lei estadual que criou um fundo da segurança. Toda lei existe, e se as pessoas contribuíssem para controlar esse dinheiro [para que ele] não entre no tesouro...

Fernando Rodrigues: Pois é, mas as pessoas não acreditaram que isso ia acontecer.

Mário Covas: Recusaram, tudo bem, não teve.

Fernando Rodrigues: A que o senhor atribui esse descrédito da sociedade em relação ao poder constituído?

Mário Covas: Eu acho que um pouco foi esse exemplo, o cansaço que o povo tem de pagar imposto. Mas eles nem levaram em consideração que neste governo, em cinco anos, São Paulo só diminuiu imposto, não houve uma alíquota do imposto aumentado há cinco anos, só houve a diminuição.

Tereza Cruvinel: Então, cansaram de pagar imposto para o governo federal, foi isso? Então, cansaram de pagar impostos criados pelo governo federal?

Mário Covas: Pelo governo federal, é isso mesmo, pelo governo federal, em particular pelo federal.

Tereza Cruvinel: Pelo governo Fernando Henrique.

Ricardo Noblat: Em particular, pela CPMF.

Mário Covas: Em particular ao senhor Everardo Maciel [secretário da Receita Federal nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso].

Ricardo Noblat: O senhor tem uma birra com o secretário por quê?

Mário Covas: Birra? Eu amo aquele homem.

Ricardo Noblat: O senhor gosta dele?

Mário Covas: Gosto muito.

Ricardo Noblat: Sei, ele lá e o senhor cá?

Mário Covas: Não, de repente, podemos inverter a situação.

Ana Maria Tahan: Então, espera aí, governador, eu acho que a gente só precisa esclarecer uma coisa. O Everardo Maciel não tem nada a ver com a CPMF, certo? Isso é uma decisão do Congresso e o governo pressionou para ter esse imposto, se não está chegando à área da saúde, quem está deixando de cumprir isso é o governo da qual o senhor faz parte.

Mário Covas: Minha filha, isso você não precisa explicar para mim, isso você precisa explicar para o povo que votou contra.

Ana Maria Tahan: E o Everardo Maciel é outra questão?

Mário Covas: Eu estou de acordo com você, mas ele me perguntou quais eram as razões pela qual o povo tinha votado contra e eu disse: “pelo menos, a crítica que eu ouvi era que, primeiro, não se sabia se o dinheiro ia ser usado para aquela finalidade...” 

Paulo Markun: [interrompendo] O senhor acha, governador, que no caso da segurança, em relação aos índices de violência que nós temos no estado de São Paulo e até mesmo em relação aos episódios relacionados ao narcotráfico na cidade de Campinas, o governo Mário Covas está fazendo o que devia ou, de alguma forma, o senhor corre o risco de dizer no futuro....

Mário Covas: Eu quero lembrar uma coisa que muito poucas vezes é lembrada. Narcotráfico e contrabando são tarefas da Polícia Federal, pouca gente lembra isso, mas está escrito na Constituição, quem tem que combater o narcotráfico, quem tem que impedir que as armas que entram no país e que, portanto, permitem que o cidadão entre com uma bazuca dentro de um distrito policial e enfrente um delegado que está apenas armado de um revólver e liberte quem está lá dentro... Essas armas não são fabricadas aqui, elas entraram pela fronteira e entraram contrabandeadas.

Tereza Cruvinel: A propósito, o senhor é a favor do projeto do governo...

Paulo Markun: Espera só um pouquinho, espera só um pouquinho, eu acho que o governador não respondeu minha pergunta. Eu estava perguntando o seguinte: o senhor acha que, em relação à violência e em relação às medidas de segurança, o governo Mário Covas está fazendo o serviço necessário e a sensação que a população tem de insegurança é injusta?

Mário Covas: Não, não, a situação de insegurança é injusta. Porque a violência aumentou, mas a polícia melhorou e a violência aumentou, parece um paradoxo.

Paulo Markun: Por que, governador?

Mário Covas: Então, pareceria, se a polícia fosse um único instrumento de combate à violência ou se a violência só tivesse nascido a partir da ausência da polícia. Vou dar alguns números, o pessoal não gosta, diz que a gente faz estatística e tal, mas quando eu assumi, nós prendíamos, aqui em São Paulo, duas mil pessoas por mês e hoje estamos prendendo cinco mil. Quando eu assumi, nós tínhamos 31 mil pessoas presas em presídios ou em cadeias, hoje nós temos 86 mil, isso decorreu...

Paulo Markun: E a violência aumentou?

Mário Covas: E a violência aumentou, lógico que a violência aumentou. Eu não discordo disso, eu posso alinhavar para você pelo menos dez razões que explicam o aumento da violência. Inclusive, lógico, polícia é um dos fatores de contenção da violência, mas eu posso citar mais dez para vocês.

Ricardo Noblat: Cite uma ou duas, cite alguns?

Mário Covas: Alguns? Televisão, por exemplo. Outro dia, estava indo para Brasília e no avião tinha uma fita de vídeo cassete dessas que a gente aluga, e passou uma infinidade de trailers, e dos dez trailers que passaram, nove tinha gente matando gente. Bom, isso criança de sete anos de idade, oito anos de idade vê todo dia na televisão.

Fernando Rodrigues: O senhor é a favor de censurar esse tipo de cena violenta na televisão?

Mário Covas: Não, era favor de ter uma imprensa que não fizesse isso.

Fernando Rodrigues: O senhor acha que a imprensa e as televisões deveriam se auto censurar?

Mário Covas: Natural, eu acho que sim. Eu nunca vou fazer censura para ninguém. Na realidade, eu imaginava que essas coisas poderiam ser feitas através de mecanismos próprios, para que a vulgarização... Você quer violência pior que nós temos em São Paulo contra a cidade? Você conhece alguma cidade no mundo onde haja garrancho nos prédios que temos aqui, ruas inteirinhas. Isso é violência contra o coletivo, contra a cidade. Você sabe que se houver uma cidade lá no interior, em um pequeno estado brasileiro, do estado mais pobre, por exemplo, onde todo mundo é pobre naquela cidade, ali tem menos violência do que em Genebra. Em compensação, numa cidade como São Paulo, onde há uma convivência muito grande entre a riqueza e a pobreza, nesta cidade, a violência aumenta. Eu posso citar aqui vinte razões para violência. Mas te garanto e mostro numericamente que a polícia melhorou e a violência aumentou, portanto, o povo tem toda a razão de temer a violência e eu tenho toda a razão de dizer que a polícia melhorou. 

Ricardo Noblat: Governador, espera aí, só uma perguntinha. O senhor acha que o governo...

Mário Covas: Qual governo o senhor está falando?

Ricardo Noblat: Agora eu vou falar é do federal, aquele que o senhor apóia, o do seu partido.

Mário Covas: Desse eu tenho que falar bem.

Ricardo Noblat: ... Cujo responsável, em grande parte, é o presidente Fernando Henrique e que, com todo respeito, deu alguma contribuição para aprofundar, para aumentar esse grau de violência seja por um governo que questiona...

Mário Covas: Você quer perguntar se o desemprego aumenta a violência? É isso que você quer perguntar, no final é isso? É óbvio que o desemprego aumenta a violência, mas eu não estou entre aqueles que acham que a violência é apenas o resultado da pobreza, não é. Estou mostrando para vocês, é muito pior um lugar onde você tem convivência entre pobre e rico do que um lugar onde você só tem pobre. Agora, ela se exacerba pela demonstração.

Ricardo Noblat: Mas o senhor acha que essa equação econômica montada pelo governo... O senhor tem tido uma posição...

Mário Covas: Está bom, eu tenho algumas razões para criticar essas coisas, alguma razões...

Ricardo Noblat: Espera aí, eu não concluí, governador, me deixe concluir, se não, o senhor me atropela e não percebe. Eu quero saber se o senhor acha que o que faz o bom combate em relação a essa política econômica que, eventualmente, cria um quadro de desemprego tão grande...

Mário Covas: [interrompendo] Mas também não pode passar tudo para política econômica não.

Ricardo Noblat: Não, claro que não, mas eu estou perguntando especificamente em relação à área econômica.

Mário Covas: O desemprego no Japão aumentou para 5%, o maior número que o Japão já atingiu.

Ricardo Noblat: Governador, o senhor está querendo me enrolar.

Mário Covas: Não estou querendo te enrolar nada, primeiro eu não tenho competência para te enrolar

Ricardo Noblat: Eu conheço o senhor há muito tempo e sei quando o senhor quer enrolar.

Mário Covas: Segundo, o senhor usa o mesmo barbeiro que eu, eu teria alguma razão para te enrolar?

Ricardo Noblat: O senhor tem combatido, o senhor tem apontado essas questões de políticas econômicas com desassombro, ou o fato de ser do mesmo partido lhe constrange?

Mário Covas: Ser do mesmo partido não me constrange, sendo do mesmo partido me alia.

Ricardo Noblat: Te faz co-responsável?

Mário Covas: Não tenho nenhum constrangimento em dizer que sou aliado desse governo, mas também não tenho nenhum constrangimento em achar que o governo está errado.

Ricardo Noblat: O senhor tem criticado?

Mário Covas: Até porque o governo federal tem o direito de fazer a mesma coisa comigo.

Fernando Rodrigues: O senhor tem criticado o governo federal o tanto que gostaria de criticar ou o senhor se contém um pouco?

Mário Covas: Não sei se isso se mede estatisticamente. Quanto é que se tem que criticar?

Tereza Cruvinel: Governador, o senhor disse que estava em uma idade que permitia dizer tudo o que sente.

Mário Covas: Permito e digo

Ricardo Noblat: Abra o coração, governador, desabafa.

Mário Covas: Eu permito e digo. Não preciso de desabafo. Eu digo o que eu acho que está errado, ô meu Deus do céu.

Ricardo Noblat: Eu estou achando o senhor hoje muito contido.

Pablo Pereira: Governador, o presidente cobrou militância do PSDB em discurso que fez no Rio. O senhor veste essa carapuça? O senhor se acha...?

Mário Covas: Nem nisso e nem numa série de outras coisas. Outro dia, o presidente da República falou que os estados precisavam fazer a sua lição de casa e etc. Precisava, e eu discuto isso com o governo federal, tanto que fiz isso aqui em São Paulo melhor do ninguém, fiz ajuste fiscal inigualável. E se fez só do lado da despesa, sem aumento de um imposto. O governo federal está fazendo a parte dele, inclusive, aumentando imposto. É outra metodologia e eu não tenho nenhum constrangimento em dizer isso, nenhum.

Paulo Markun: Em relação à militância do PSDB, governador, o senhor acha que o PSDB hoje é um partido, digamos assim, firme na defesa de suas teses? Porque eu acho que mais do que responsabilidade em apoiar o presidente ou o governo do presidente, é defender as teses dos partidos. Se o presidente, por acaso, estiver errado, suponho que a questão é cobrar para que o presidente siga a linha do partido. O PSDB faz isso com a eficiência e com a firmeza que deveria?

Mário Covas: Talvez não faça na dimensão em que poderia fazer, embora um episódio recente mostre um pouco a firmeza do PSDB, que foi um episodio lá do Pará onde o partido acabou saindo muito unido em torno da defesa do governador do Pará.

Tereza Cruvinel: Mas aí, infelizmente, não era uma questão programada, é uma questão fisiológica.

Mário Covas: [aumenta o tom da voz] Conversa, nada disso, você é uma mulher bem informada e não tem o direito de falar isso.

Tereza Cruvinel: Claro que o que estava em jogo era um cargo.

Mário Covas: Você sabe que o Almir Gabriel [médico, membro-fundador do PSDB e com base política no Pará, estado que governou por duas vezes, entre 1995-1998 e depois entre 2003-2006] não é homem de ficar atrás de cargos.

Fernando Rodrigues: O que estava em jogo é um cargo de terceiro escalão.

Mário Covas: O Almir Gabriel estava atrás de programa de governo para o qual aquela figura que estava lá era fundamental. O Almir Gabriel não é de andar brigando por causa de cargos, seu concorrente sim, ele não. Ele brigou para que se mantivesse no cargo alguém que já estava e que era fundamental para o projeto de transporte do estado, isso é muito diferente.

Tereza Cruvinel: Mas não deixa de ser briga de cargos, o PMDB queria...

Mário Covas: Bom, por que se trata de cargos ele deve ficar calado? A recíproca não é verdadeira?

Tereza Cruvinel: O PSDB vive dizendo que o PMDB é fisiológico, que o PFL é fisiológico e ele está fazendo a mesma coisa, nesse caso, por exemplo, disputando um cargo.

Mário Covas: Coisa nenhuma, não tem nada a ver a pergunta. Em primeiro lugar, não acho que o PFL e o PMDB são fisiológicos, eles têm lá os problemas deles e eu não tenho nada com isso. Agora, não dá para comparar uma coisa com a outra.

Fernando Rodrigues: Tanto o PMDB, o PFL e outros partidos sempre vão dizer que é fundamental possuir os cargos que eles pleiteiam para implantar as políticas que eles defendem, igual ao caso do Almir. O senhor não acha que, como eram aliados e estavam pleiteando esse cargo e receberam o cargo, mas depois tiveram o cargo retirado...

Mário Covas: Não é verdade. O cargo estava na mão. O cargo estava com alguém que apoiava a política do governador, e estavam mudando esse cidadão.

Fernando Rodrigues: Mas já tinham perdido.

Mário Covas: O senador do PMDB queria que mudasse, foi o contrário.

Fernando Rodrigues: Não, governador, o que tinha acontecido é que o governo federal já tinha prometido o cargo ao PMDB, é isso que eu estou querendo dizer.

Mário Covas: Como prometido o cargo? O cargo já estava ocupado.

Fernando Rodrigues: Estava ocupado, mas...

Mário Covas: Está bom, então, vocês acham que [o PSDB] devia dar o cargo. Pois eu estou dizendo a vocês que o PSDB brigou, e se eu puder brigar eu vou brigar mesmo.

Fernando Rodrigues: O senhor está dizendo para nós que o grande exemplo recente de união do PSDB foi em torno de um cargo de terceiro escalão no governo do Pará?

Mário Covas: Em primeiro lugar, não é o grande exemplo de união. O grande exemplo de união se deu historicamente ao longo dos quatro anos. Estou dizendo apenas que foi um fato recente que todo mundo viu e que teve um significado muito grande. Tanto teve significado que o governador ia embora do partido e quem está no governo não vai embora do partido porque quer cargo.

Fernando Rodrigues: Mais ou menos, governador?

Mário Covas: Não, não tem mais ou menos não. Eu, quando saí do PMDB para criar o PSDB, era líder na Constituinte, e deixei o partido para criar outro, deixando, inclusive, esse cargo. Portanto, não se trata de luta por cargo.

Ricardo Noblat: Se arrependeu ou não?

Mário Covas: Não, saí na hora certa, mais 15 dias...

Fernando Rodrigues: O senhor não acha que o PSDB está cada vez mais parecido com o PMDB nesse sentido, governador, com esse inchaço de deputados, como aconteceu em Brasília nos últimos anos?

Mário Covas: Não tem inchaço de deputados. Tanto não teve inchaço que o PMDB passou a ser o maior partido em número de deputados, tirou deputados do PSDB.

Fernando Rodrigues: Se o senhor me permite dizer, houve ano passado, na eleição, um movimento grande de migração de deputados de outros partidos para o PSDB.

Mário Covas: Olha, não houve não.

Fernando Rodrigues: Em 1994, o PSDB elegeu sessenta deputados e terminou com cem.

Mário Covas: Qualquer outro governo tem a maioria com trezentos, o Collor teve maioria...

Fernando Rodrigues: Então, o senhor acha que esse nível é aceitável, de sessenta para cima?

Mário Covas: Vamos devagar com isso, você está confundindo um problema relacionado ao presidencialismo com problema que está acontecendo. Enquanto tiver presidencialismo neste país vai acontecer isso sempre, porque você fica exigindo que se apóie a reforma, mas para formar a reforma precisa ter número, mas para ter número precisa acabar...

Tereza Cruvinel: O senhor não falou aí agora que num ponto programado...

Paulo Markun: Governador, Tereza! Tereza! Tereza! Desculpe.

Tereza Cruvinel: Desculpa.

Paulo Markun: Esse programa é parlamentarista, mas tem uma hora que eu tenho que ser presidencialista. A gente chama o intervalo e nós voltamos daqui a alguns instantes continuando com o Roda Vida.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva que não parou no intervalo. O governador Mario Covas não parou de responder e nem os jornalistas pararam de perguntar. Governador, há diversas perguntas de telespectadores aqui, dezenas e dezenas, mas vamos a algumas delas. O José Sebastião Prado, de Mogi Guaçu e Cláudio Guratini, que manda pela internet – sempre que mandam pela internet eu não sei de onde é –, Milton Araújo, também perguntando pela Internet, Paulo César Campione, de Campinas, São Paulo; todos eles perguntam sobre a questão do pedágio, as tarifas de pedágio e reajuste das tarifas e até Cláudio Guratini pergunta o seguinte: “qual o mecanismo que o cidadão dispõe para reclamar das concessionárias de rodovias?”

Mário Covas: Mecanismo para reclamar, ele tem todos, todinhos. Pode se dirigir à Secretaria de Transportes... Aliás, cada concessionária é fiscalizada por um conjunto de três forças distintas, três deputados estaduais, três membros da Secretaria e três membros da sociedade civil, cada concessionária é fiscalizada assim. Eu acho que isso é problema conceitual. Você tem duas maneiras de fazer uma estrada: ou se faz estradas financiadas com aqueles que a usam, ou você faz estrada com aqueles que a usam mais quem não as usa.

Paulo Markun: Muitas dessas estradas já estavam prontas.

Mário Covas: Se você queria fazer para aqueles que as usam e os que não usam, você faz com recurso do tesouro. Aí, a mulher que mora e nunca saiu de lá da divisa do Paraná vai pagar estrada que vai para Santos, onde os que têm mais posse vão passear nos finais de semanas. Segundo caso: a construção da segunda pista é financiada por um pedágio, que paga quem usa a estrada. A mim, me parece, primeiro, muito mais rápido, muito mais objetivo, oferece melhores condições e, sobretudo, faz justiça social fazendo da segunda maneira.

Paulo Markun: Mas o senhor concorda...

Mário Covas: Mas não sou eu que acho isso, a Assembléia achou isso porque aprovou uma proposta e depois disso foram feitas concorrências públicas, e hoje nós temos onze trechos em São Paulo em concorrência, que representam cinco bilhões e duzentos mil dólares em investimentos este ano, para o qual o Estado não vai ter que colocar um tostão. Bem, se a sociedade entender tal qual entendeu que não devia pagar os três reais, eventualmente, a lei pode ser mudada, basta a Assembléia mudar, mas eu acho muito mais lógico fazer assim. A tarifa é mais justa assim, a tarifa é justa.

Pablo Pereira: Governador, no caso da teletaxa, o governo fez uma pesquisa para medir a aceitação. E no caso das estradas, como vocês mediram, como o governo mediu essa...?

Mário Covas: Nós fizemos um Ibope, com uma série de perguntas

Pablo Pereira: No caso das estradas?

Mário Covas: Das estradas não. Das estradas, elas nasceram do processo legal.

Pablo Pereira: Foi privatizado sem fazer pesquisa?

Mário Covas: Uma série de acesso legal sem fazer pesquisa.

Pablo Pereira: Estou perguntando porque o senhor acabou de dizer que se a sociedade não quiser, ela deixa de lado...

Mário Covas: Se não quiser também pode voltar atrás.

Paulo Markun: O senhor não acha que esse mesmo argumento, por exemplo, de alguma forma redimiria o Everardo Maciel?

Mário Covas: Redimiria do quê? Qual foi o crime que ele cometeu?

Paulo Markun: De crime nenhum, apenas da insatisfação que o senhor já manifestou aqui.

Mário Covas: Eu gosto muito dele.

Paulo Markun: Imagine se não gostasse.

Tereza Cruvinel: Governador, então, vamos para uma questão prática.

Mário Covas: Ele tomou uma atitude excepcional, aplicou uma multa de R$ 2,8 mi no Banespa sem nenhum propósito.

Tereza Cruvinel: Foi depois dessa multa que o senhor parece ter se cansado de defender o governo federal, não é?

Mário Covas: Não, não.

Fernando Rodrigues: Cansou antes?

Tereza Cruvinel: O senhor ficou menos paciente.

Mário Covas: Daqui a pouco você está dizendo... Você estava me acusando, agora há pouco, de estar contido, eu não sei, ou estou contido ou estou acusando o governo federal, não entendi.

Ricardo Noblat: Aqui, o senhor está contido.

Mário Covas: Estou contido ou não estou?

Ricardo Noblat: Aqui, o senhor está.

Fernando Rodrigues: Nessa questão do Banespa, governador, não tem um endividamento maior?

[sobreposição de vozes]

Mário Covas: Isso não implica em brigar com o governo, não estou brigando com o governo, eu sou governo, vou continuar sendo governo, não pretendo deixar o meu partido, vou continuar no meu partido, mas acho uma figura muito perigosa que está arrebentando com a reforma tributária.

Fernando Rodrigues: Quem é essa figura?

Mário Covas: O Everardo Maciel.

Fernando Rodrigues: Nesse caso, o senhor pertence ao partido do presidente Fernando Henrique, ele está destruindo a reforma tributária, ele é o secretário da Receita, e não caberia ao senhor recomendar ao presidente que o demitisse?

Mário Covas: Bom, recomendar ao presidente demissão não significa, necessariamente, que ele vai ser demitido

Tereza Cruvinel: Mas o senhor recomendou?

Mário Covas: O presidente sabe perfeitamente que não escondo os meus pontos de vista. Pelo contrário, digo pelos jornais, e eu nunca fui de esconder o que eu penso. Recebo críticas por falar o que penso.

Tereza Cruvinel: O senhor disse hoje que é perigoso deixar o dinheiro do país nas mãos do doutor Everardo. O senhor fez uma declaração hoje dizendo que é perigoso deixar o dinheiro do país nas mãos do doutor Everardo?

Mário Covas: É.

Tereza Cruvinel: Por quê?

Mário Covas: Porque é um fiscalista que só pensa em receita e que, portanto, não vai dar nenhuma contribuição para que este país cresça.

Fernando Rodrigues: O que sustenta politicamente o Everardo? Por que ele não sai do governo então?

Mário Covas: Eu não sei, eu não mando no governo. Se ele fosse secretário da Receita Federal em São Paulo, aqui no meu governo, é provável que já tivesse saído, porque aqui comando eu, mas eu não comando o governo do Fernando Henrique.

Ricardo Noblat: Governador, não é mais razoável supor, ou imaginar, que o Everardo está ali fazendo exatamente o que o presidente da República ou o que ministro da Fazenda acha que ele deve fazer?

Mário Covas: Então, se isso for verdadeiro, a crítica que eu estou fazendo ao Everardo se transfere ao presidente, mas me parece que não seja assim.

Paulo Markun: Em relação à reforma tributária, governador, o senhor apóia o relatório [do deputado] Mussa Demes?

Mário Covas: Apóio. E São Paulo perde, qualquer que for a reforma tributária que se faça neste país.

Tereza Cruvinel: Mas perde mais com qual delas: com o [projeto] Mussa ou com o projeto Everardo?

Mário Covas: Não é que perde mais com qual delas. No fim, é o que está em jogo, e o que está em jogo é se com a reforma tributária você acaba a guerra fiscal ou não, é isso que está em jogo.

Pablo Pereira: Hoje, nós temos uma guerra fiscal em andamento no país, o senhor acha isso?

Mário Covas: Eu não acho, eu tenho certeza.

Ana Maria Tahan: [interrompendo] Agora, governador, quanto São Paulo perdeu com essa guerra fiscal? Por que o senhor apóia o projeto do Mussa mesmo que São Paulo perca considerando uma guerra fiscal?

Mário Covas: Primeiro, não há projetos sobre reforma tributária que São Paulo não perca, não conheço nenhuma proposta que São Paulo não perca...

Ana Maria Tahan: Quanto ele perdeu até hoje com a guerra fiscal?

Mário Covas: Com a guerra fiscal, ele perde empresas.

Ana Maria Tahan: Sim, isso deixa de gerar emprego e deixa de gerar imposto, não é, governador?

Mário Covas: Agora vai perder um pouco mais, porque parece que colocaram um dispositivo lá que se a guerra fiscal for feita, o governo federal vai pagar as empresas, vai emprestar para as empresas, e como São Paulo contribui com 50% da receita federal, São Paulo vai dar 50%...

[Sobreposição de vozes]

Mário Covas: Mas eu não estou vendo quais são as nossas discordâncias. Vamos colocar isso claro, onde estão as nossas discordâncias para que eu possa responder. Qual é a nossa discordância?

Pablo Pereira: Não, eu lhe perguntei isso porque eu queria que o senhor dissesse... Porque a gente teve hoje algumas informações... O senador Antônio Carlos [Magalhães] disse hoje, em Brasília, que guerra fiscal é conversa fiada dos estados ricos, o senador não acha que haja guerra fiscal, por isso eu lhe perguntei assim, dessa forma, e eu quero saber o que o senhor acha dessa posição do senador Antônio Carlos?

Mário Covas: Eu acho inteiramente equivocado, inteiramente equivocado e ele sabe que é equivocado. A guerra fiscal, até o governo federal fez quando deu vantagens fiscais para a Ford que esta lá na Bahia. A guerra fiscal não é você diminuir alíquota do imposto, é você devolver para a empresa, e não para o consumidor, uma parte do que ele paga como imposto, ele paga como imposto e recebe o dinheiro de volta. E quem paga é quem consome mercadoria, portanto, quem financia essa coisa, no final, é o consumidor.

Pablo Pereira: Por que o senhor acha que ele está com essa posição?

Mário Covas: Porque a Bahia é um dos estados que mais faz guerra fiscal, e é natural que ele diga isso.

Fernando Rodrigues: Governador, o senhor comanda o estado mais rico da federação. O senhor está frontalmente contra a proposta defendida pelo secretário da receita, o senhor Everardo Maciel. Eu queria que o senhor dissesse aqui qual é o seu prognóstico para o desfecho desse embate que se está dando em Brasília a respeito disso, e o que o senhor acha que vai acontecer?

Mário Covas: Isso, não é questão de natureza pessoal, eu estou contra porque o processo dele é extremamente concentrador, o dinheiro todo vai para a área federal e só depois volta para os estados.

Fernando Rodrigues: Sim, o que eu estou perguntando é outra coisa.

Mário Covas: Sim, mas eu queria esclarecer isso, o que você está perguntando?

Fernando Rodrigues: Com a sua experiência política, o senhor acha que vai acontecer o quê? 

Ana Maria Tahan: Quem vai vencer esse embate?

Mário Covas: Não tenho grande expectativa de que isso possa ter curso não.

Ana Maria Tahan: O senhor não acredita em reforma tributária agora?

Mário Covas: No meu modo de entender neste ano não haverá mais aprovação para reforma tributária.

Ricardo Noblat: Governador, talvez fosse interessante o senhor se colocar, porque a gente está partindo do pressuposto que todo mundo está mais ou menos informado sobre quais são as críticas que o senhor faz ao projeto de reforma tributária do Everardo. Então, o senhor poderia, em linhas gerais, dizer o que o senhor acha de ruim nesse projeto do Everardo e por que o senhor apóia esse outro?

Mário Covas: O projeto do Everardo que, aliás, foi exposto por ele mesmo, quando veio aqui em São Paulo me dizer que estava multando o Banespa em R$ 2,8 mi – e ele tinha que dizer isso para mim porque o Banespa é do governo estadual – então eu ouvi dele, eu não li em jornal, foi ele que me trouxe a notícia de que o seu projeto criava um imposto totalmente arrecadado pelo governo federal, só depois de arrecado pelo governo, uma parte voltava para os estados. Ou seja, há uma concentração no arrecadador ao meu modo de entender inteiramente inconveniente. Isso aí não é por conta do Everardo, eu acho isso um tipo de concentração que já estava acontecendo neste país e contra a qual eu lutei. Lutei até as últimas instâncias, inclusive, fui cassado por isso.

Ricardo Noblat: E a do deputado Mussa Demes?

Mário Covas: A do deputado Mussa Demes, ao contrário, cria um imposto em que uma parte é federal e outra parte é estadual, até a tarefa da arrecadação cumpre ao estado e não a União. Mas ele elimina as tarifas entre os estados, e é a tarifa entre os estados que possibilita a guerra fiscal.

Ricardo Noblat: O senhor disse que tanto num caso como no outro São Paulo perde, e São Paulo perde quanto num caso e quanto no outro?

Mário Covas: Eu sei quanto perde no projeto do Mussa Demes que nós fomos à exaustão na discussão. Então, dependendo da circunstância, a simples mudança da cobrança do ICMS da origem para o destino representa para São Paulo quatro bilhões e meio de reais por ano.

Ana Maria Tahan: Ou seja, de perda?

Mário Covas: De perda. E, por outro lado, se você introduzir na base de cálculo o imposto sobre serviço, você pode descer isso em torno de R$ 1,8 bi, mas o simples fato de terminar com a guerra fiscal nos permite sonhar que a gente recupere isso em médio prazo.

Ricardo Noblat: Por que o governo estaria interessado em apoiar uma proposta que, em sua opinião, aumenta a guerra fiscal ou mantém?

Mário Covas: Eu não sei dizer, porque a proposta do senhor Demes, que foi aprovada na comissão, é rigorosamente a mesma proposta que o governo mandou há cinco anos para o Congresso.

Ana Maria Tahan: Então, por que o governo mudou as idéias?

Mário Covas: Eu não sei, porque eu não sou governo. Só sou governo aqui em São Paulo. Eu não vou perguntar para o presidente quando eu mandei determinada coisa para a Assembléia e nem o presidente da República não me telefona todos os dias dizendo: “olha, eu vou mandar uma coisa...” ou então “olha, eu estou lhe dando satisfação...” 

Fernando Rodrigues: Quando foi a última vez que o presidente falou com o senhor a respeito desse tema? 

Mário Covas: Uma vez ficou decido, pelo menos era o que parecia, talvez há uns dois meses... Pelo menos a idéia era a de que a posição do governo estava favorável à proposta do Mussa Demes.

Fernando Rodrigues: Depois não falou mais a respeito?

Mário Covas: Não, e eu também não procurei mais.

Fernando Rodrigues: Mas o senhor acha correta essa posição, então, do presidente Fernando Henrique, que deu a entender que era favorável a proposta do Mussa e depois não foi?

Mário Covas: A proposta do Mussa era a proposta que tinha nascido dentro do Congresso e que reproduzia...

Fernando Rodrigues: Por que o presidente fez isso com o senhor?

Mário Covas: Filho, espera um pouquinho, deixa eu responder, caso contrário não dá. A proposta [do Mussa], no final, reproduzia aquilo que o governo mandou para o Congresso há cinco anos.   

Fernando Rodrigues: Então, o senhor disse que o presidente ligou para o senhor ou senhor ligou...

Mário Covas: Não, o presidente não liga pra mim! Sou eu que ligo para ele, é uma questão de hierarquia.

Fernando Rodrigues: O senhor ligou para o presidente e ele disse...?

Mário Covas: Como eu nunca vou ser presidente, isso não vai acontecer de maneira inversa, de forma que sempre sou eu que vou ligar.

Ricardo Noblat: O senhor está dizendo isso e depois eu ia perguntar se o senhor ia ser candidato.

Fernando Rodrigues: Calma, me deixa concluir. Há cerca de dois meses vocês conversaram?

Mário Covas: É.

Fernando Rodrigues: O presidente deixou claro para o senhor?

Mário Covas: Deixou claro não, eu saí com a certeza e convicção de que a proposta...

Fernando Rodrigues: Aí, nesse caso, ele não fez isso? 

Mário Covas: São várias razões e não precisa perguntar para ele isso. Afinal, se aquela proposta reproduzia o que o governo tinha mandado há cinco anos, era natural que essa proposta...

Nirlando Beirão: Agora, nesse momento, pelo que eu entendi bem, o governo federal aprova e apóia um projeto que caberia bem a uma ditadura.

Mário Covas: Ele não aprova nenhum projeto, ele é contra o projeto do Mussa Demes.

Ana Maria Tahan: Mas ele não apóia?

Mário Covas: A nota que você viu exarada no dia em que foi votado pelo ministro [Pedro] Malan [ministro da Fazenda do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)] e pelo Everardo era uma nota contra...

Tereza Cruvinel: Por que só no dia de votar? Aquilo foi uma tentativa de atropelar a votação...

Mário Covas: E conseguiu.

Tereza Cruvinel: Não, mas a votação ocorreu e a comissão aprovou na comissão.

Mário Covas: Aprovou na comissão porque houve concessão nas comissões...

Tereza Cruvinel: É, mas aprovou.

Mário Covas: Aprovou e foi obrigado a fazer uma coisa que você sabe muito bem que tem, mas depois que a comissão votou, não merece uma comissão extra Congresso para discutir emendas novamente.

Tereza Cruvinel: É uma emenda continuativa que o regimento não prevê, mas vão tentar fazer atropelando o regimento.

Paulo Markun: Governador, vamos virar o jogo aqui, porque é o seguinte: eu acho que a gente está transformando esse debate em uma discussão que interessa somente aos jornalistas e aos políticos que participam da  briga parlamentar, do processo parlamentar.

Mário Covas: Eu não transformo a discussão, só estou respondendo.

Tereza Cruvinel: Somos nós mesmos.

Paulo Markun: Não, o senhor está respondendo, somos nós, governador. Então, eu aproveito a pergunta do Arnaldo Ribeiro, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul que diz o seguinte: “os tecnocratas de Fernando Henrique e o próprio presidente não admitem, mas os índices vêm apontando uma acentuada tendência de progressão da inflação e isso pode contribuir – na opinião dele – para o maior desgaste político do governo federal”. Eu pergunto se o senhor concorda com isso, se a inflação é uma ameaça, é um risco que a gente realmente pode...

Mário Covas: A inflação é uma ameaça permanente, é uma ameaça que tem que ser evitada. O problema é saber se nós corremos o risco hoje de uma exacerbação da inflação.

Paulo Markun: O que o senhor diria?

Mário Covas: Eu acho que não, acho que nós vamos chegar a valores em torno de 9% neste ano, no máximo. Embora, no final do ano, houve acréscimo muito grande e isso se deve fundamentalmente ao preço do combustível. Eu fiz uma reunião aqui em São Paulo com o pessoal do álcool, fizemos uma longa negociação e, terminado isso, entrou a indústria automobilística, e enfim, aumentaram o preço do álcool de uma maneira que contaminou até a gasolina, e isso deve ser freado.

Paulo Markun: Mas isso é uma decisão de governo.

Mário Covas: Mas isso contribuiu decisivamente para que nesses dois meses o aumento da inflação fosse maior. Eu acho que isso está sob controle e não representa nenhum tipo de descontrole, acho que a economia tem até dado respostas melhores que a política.

Paulo Markun: O governador respondeu tão taxativamente a questão que ficamos aqui perplexos. Inflação não o preocupa o senhor?

Mário Covas: Lógico que a inflação me preocupa, é que eu não acredito...

Tereza Cruvinel: [interrompendo] O que o senhor que dizer [quando afirma] que a economia tem respondido melhor que a política? Na [área da] economia temos desempregos, temos empresas falindo, fechando...

Mário Covas: E, na [área da] política, está tudo bem?

Tereza Cruvinel: Não, não está tudo bem.

Ricardo Noblat: Não, o que ela quer dizer é que a economia também está mal, é isso que ela que dizer.

[Sobreposição de vozes]

Ana Maria Tahan: Eu queria entender essa comparação.

Mário Covas: A economia já esteve muito pior, mas teve uma recuperação muito rápida e eu sei disso porque quando dão cinco horas da tarde e entrou, no meu gabinete, a receita do dia, eu vejo que...

Tereza Cruvinel: Sua arrecadação subiu?

Mário Covas: Sim, senhora. Eu sei como se comporta essa coisa. Eu tenho um termômetro melhor que todos porque eu [tenho] os valores do ICMS sobre a produção industrial...

Fernando Rodrigues: [interrompendo] A arrecadação em comparação com o mesmo período do ano passado?
Mário Covas: Melhorou bastante. Nós tínhamos dois fatores de medição... A medição com o ano passado não é a melhor medição, a melhor medição é aquela que é feita com a expectativa que você tinha em relação ao orçamento e com a redefinição do orçamento nos primeiros meses do ano, quando você, no auge da crise que se abateu no final do ano [crise asiática], foi obrigado a reduzir aqueles valores como expectativa. E eu recebo diariamente a arrecadação comparada com aquilo que estava no orçamento do ano passado e com aquilo que estava...

Fernando Rodrigues: Sim, mas uma boa comparação sempre é em relação ao mesmo mês do ano passado.

Mário Covas: Não necessariamente.

Fernando Rodrigues: O senhor tem de cabeça esses números só para...

Mário Covas: Às vezes, você vende um imóvel, um bem, por exemplo, privatiza alguma coisa, você torna essa equação literalmente... Mas em média, no segundo semestre, nós recebemos mais do que no ano passado. No primeiro semestre, recebemos menos e muito menos.

Tereza Cruvinel: Mas como é isso? Tudo bem, segundo a sua avaliação, a economia está melhorando, o ano está terminando e melhorou do que [quando] começou.

Mário Covas: Está melhorando e acho que o governador atuou em algumas coisas com muito critério, por exemplo, com a diminuição da taxa de juros.

Tereza Cruvinel: Mas que voltou a subir.

Mário Covas: Mas espera um pouquinho, está à metade do que estava há seis meses.

Tereza Cruvinel: Tudo bem. Queria que o senhor respondesse por que a política está pior do que a economia?

Mário Covas: Porque a política está muito confusa.

Tereza Cruvinel: Por quê?

Mário Covas: Por todas as razões. A política está muito confusa. Há uma articulação que já está sofrendo os efeitos de uma eleição que será feita no próximo milênio, daqui a três anos, mas que já ocupa a preocupação dos acontecimentos políticos e, portanto, isso gera contradições grandes...

Tereza Cruvinel: [interrompendo] A aliança vai mal?

Mário Covas: Se você chama de aliança a articulação para efeito de votação no Congresso, os resultados...

Nirlando Beirão: O senhor não acha que um dos sintomas disso... O senhor acredita que o presidente da República falar com o governador de São Paulo uma vez de dois em dois meses...

Mário Covas: Filho, não falo com ele uma vez de dois em dois meses. Ele me perguntou a respeito desse assunto quando eu falei com ele, depois disso eu fui lá.

Nirlando Beirão: O senhor fala com ele freqüentemente?

Mário Covas: Não falo freqüentemente. Eu tenho um governo para tratar...

Ricardo Noblat: Você tem mais o que fazer?

Nirlando Beirão: A impressão que dá é que o presidente está sozinho lá.

Mário Covas: Eu também estou sozinho aqui.

Nirlando Beirão: Mas isso não é mau para a política?

Mário Covas: Todas as crises que o governo passou eu estive presente, em todas, e eu não preciso mais falar de lealdade. Se há uma coisa que eu não preciso provar mais na vida é isso. Não há companheiro meu que possa reclamar disso. Não há um companheiro meu que tenha se metido em uma briga, com quem quer que seja, que eu não tenha saído em sua defesa, e com o presidente da República então, nem se fale. Nem eu estou falando aqui de uma profissão de fé em apoio a ele. Pelo contrário, continuo amigo dele, somos companheiros de partido e etc, só que a minha idade, o meu sangue de espanhol, já não me permite deixar de falar o que eu acho, então, eu falo.

Ana Maria Tahan: Houve reciprocidade dessa lealdade que o senhor deu ao governo? O senhor não acha que recebeu, no mesmo grau, essa lealdade no momento em que precisou?

Mário Covas: Ah bom, isso é uma pergunta capciosa, não vou lhe responder essa pergunta não. Você quer que eu responda que não. Apenas pelo fato que o [Paulo] Maluf o apoiou e, portanto, para mim, era mais importante a eleição dele do que a minha.

[sobreposição de vozes]

Ricardo Noblat: Deixa eu lhe fazer uma pergunta, governador: de zero a dez, que nota o senhor dá para esse governo no segundo mandato?

Mário Covas: Não dou nota nenhuma

Ricardo Noblat: [interrompendo] Então, o senhor não quer falar de nada, o senhor não quer responder...

Mário Covas: Eu sei lá, isso é uma especulação sem lógica. Se eu dou dez, vocês vão dizer que estou dando uma nota disparatada, se eu der zero, vocês vão dizer que eu virei inimigo do Fernando Henrique. Não tem essa história de nota, não dou nota nenhuma.

Ricardo Noblat: Eu estou perguntando o que o senhor acha do desempenho do governo. O senhor acha que [o governo] está tendo um bom desempenho?

Ana Maria Tahan: [interrompendo] O senhor não disse que o senhor fala tudo o que pensa?

Mário Covas: [bastante exaltado] Tudo o que eu penso, mas eu não estou perguntando nada, então eu não falo. Mas eu falo tudo o que penso quando eu quero falar, mas não vou sair pela rua dizendo o que eu penso.

Paulo Markun: Noblat, eu queria só esclarecer uma coisa que eu acho que todos aqui sabem e estão esquecendo. Toda vez que três ou quatro pessoas falam simultaneamente não podemos dar nota dez, nota zero, nota cinco. Ninguém ouve que nota foi dada, então, eu pediria, eu sei que é entusiasmo, é vontade de conseguir a melhor declaração do governador, mas eu peço aos nossos companheiros que se lembrem disso. Eu tenho uma porção de coisas que eu gostaria também de interferir, mas se eu fizer isso o telespectador em casa não ouve.

Ricardo Noblat: Está vendo? Por causa do senhor a gente está levando esse “sabão” aí.

Paulo Markun: Não é sabão, vamos para o nosso intervalo.

Mário Covas: Isso era reservado para mim.

[risos]

Paulo Markun: Vamos para o nosso intervalo então e depois do intervalo a gente volta.

[Intervalo]

Paulo Markun: Bem, estamos de volta com o Roda Viva que hoje está entrevistando o governador de São Paulo Mário Covas [...] Governador, o senhor mencionou seu sangue de espanhol e quem o conhece sabe que o senhor sempre foi de falar as coisas, só que eu acho que hoje em dia o senhor está falando mais do que falava antigamente, ou é o contrário?

[risos – sobreposição de vozes]

Paulo Markun: A pergunta que eu faria é a seguinte: ninguém passa pelo que o senhor passou, pela doença do câncer que o senhor teve e toda essa “trombada” impunemente – eu, felizmente, nunca passei por isso, mas a gente aprende com a experiência dos outros – quem era o Mário Covas de antes e o que mudou depois da doença?

Mário Covas: Em relação à conduta, nada. É que antes... Talvez, depois de ter ganhado as eleições em uma circunstância extremamente difícil, você lembra bem que o primeiro turno foi ganho nas últimas urnas apuradas, o segundo turno foi na última semana e isso coloca você em evidência, sob um holofote que você não estava antes. Mas eu não mudei em nada nas atitudes, em nada. As atitudes hoje são completamente iguais às que eu praticava.

Tereza Cruvinel:  Sua vida interior não mudou?

Mário Covas: Isso é outra coisa. Do ponto de vista político, as coisas continuam exatamente como eram. Na vida interior a gente muda muito, porque você começa a dar importância para coisas que antes não dava, e começa a deixar de lado certas coisas para a qual você dava extrema importância.

Paulo Markun: Por exemplo?

Mário Covas: Passa um pouco pela eliminação de grande parte da vaidade, grande parte do heroísmo, passa pela certificação de que a qualquer momento essas coisas podem acontecer com você. Isso é uma coisa que você sempre pensa que pode acontecer com os outros, e um belo dia entram os médicos na sua casa e falam: “nós acabamos de fazer os exames e você está nessas condições. Nós vamos ter que tirar material para examinar, mas você corre risco de estar com um tumor maligno”. É um susto tremendo para você, para a família toda e para todo mundo, mas tudo bem, você acaba tendo que enfrentar as coisas. Graças a Deus, para mim, a dose de solidariedade que eu recebi nesse estágio foi de tal ordem, uma coisa tão comovente que hoje estou convencido de ainda estou aqui por conta dessa solidariedade. Os médicos contribuíram muito com a competência e o talento, afinal, são médicos formados pela Universidade de São Paulo, que operam no hospital pago pelo povo de São Paulo e eu acho que tudo isso teve uma grande influência, portanto, eu acabei tendo, até surpreendentemente, uma recuperação muito rápida.

Paulo Markun: Dizem os médicos, governador, que em qualquer doença pesa muito a vontade do doente de ganhar aquela briga.

Mário Covas: É, eu acho que pesa a vontade. Eu não sei se a [palavra] vontade é uma expressão boa que a gente possa usar em relação isso. Mas uma coisa que aconteceu no meu caso – e eu não sei o porquê – eu fiquei com muito medo, com muito medo do desconhecido, de morrer, fiquei com muito medo. Não porque eu achasse que não tinha terminado a minha obra, mas eu passei a olhar essas coisas de uma forma diferente. Então, eu acho que, sobretudo, sua visão de mundo, a sua visão da vida, sua visão do sentimento, dos valores que você pregou a vida toda sofrem um abalo, e você tende a fixar-se em valores mais condizentes com as circunstâncias como esta, que só aprende quando tem.

Tereza Cruvinel: Essa relativização de valores determinada por essa experiência que o senhor passou, que o senhor viveu, tem a ver com a sua anunciada decisão de não disputar mais a presidência?

Mário Covas: Não.

Tereza Cruvinel: Porque antes o senhor disse: “não digo que não sou candidato”. O senhor passou a considerar que chegar ao topo da carreira política, que é a presidência da República, é uma coisa menos relevante?

Mário Covas: Não, não é que ela seja menos relevante, nunca desvalorizei esse fato. Simplesmente, eu vou terminar o meu mandado com 72 anos de idade e eu acho que já fui muito mais longe do que pretendia ir, do que me achei capaz de ir. Portanto, acho que, nesse instante, é hora de me dedicar um pouco aos netos etc.. Eu fui deputado com trinta anos idade. Durante muito tempo eu ia para Brasília segunda-feira e voltava na sexta-feira, e minha família estava em Santos. Portanto, eu não vi meus filhos crescerem. Depois, fui cassado e tive um pouco de convívio com eles, aí voltei para a política e nasceram meus netos, e eu quero poder agora ter o beneficio de poder viver um pouco junto dos meus netos.

Fernando Rodrigues: Tem uma pergunta objetiva sobre a sua saúde. O que dizem os médicos para o senhor sobre o seu estado? O senhor está totalmente recuperado da sua doença e apto, se for necessário, [para] enfrentar o baque físico que é uma campanha eleitoral no ano 2002? O que eles dizem objetivamente?

Mário Covas: Nós fizemos uma combinação desde o primeiro dia em que entrei no hospital, o que acho que deixou [os médicos] muito à vontade, que era para que eles dissessem toda a verdade a respeito do que estava acontecendo, boa ou ruim. Porque eu achava que vinha de uma eleição muito recente em que o povo me elegeu e por isso ele tinha direito de saber das coisas. Eu não sabia se eu ia à praia ou não, porque isso era problema meu, mas numa doença que, no final, implicava um mandato que eles acabaram, inclusive, de me dar, eles tinham o direito de saber. Portanto, tudo que eles falaram foi verdade, tanto que houve até uma relação boa entre a equipe médica e a imprensa, porque a imprensa começou a ver que o que eles estavam dizendo correspondia à verdade. E o que eles me falam é que estou inteiramente curado. Depois disso, vieram dois médicos americanos, dois cancerologistas, e acabei fazendo tratamento quimioterápico, que era para fazer quatro vezes, fiz três vezes, acharam desnecessário fazer a quarta. E agora faço exames periódicos que têm demonstrado absoluta ausência de qualquer conseqüência, portanto, o que eles dizem para mim e o que eles dizem para o público é totalmente a verdade.

Nirlando Beirão: O senhor voltou a comer pastel de feira, governador?

Mário Covas: Sim, senhor, com toda intensidade possível.

Ricardo Noblat: Governador, governador, o senhor me permite? Eu estou tentando ser educado e respeitar a ordem, depois que o Markun fez...

Paulo Markun: O coitado aqui leva o pato.

Ricardo Noblat: Eu não duvido que o senhor tenha vontade de acompanhar os seus bisnetos agora, já que não acompanhou o crescimento dos filhos, não é isso? Mas eu tenho dificuldade de acreditar no que o senhor está dizendo, que não será candidato a presidente ou não pretende ser, porque eu acreditei, num certo momento, diante de tanta insistência sua [em afirmar] que o senhor não seria candidato à reeleição ao governo de São Paulo e o senhor acabou sendo. O senhor colocaria com a mesma ênfase que não será candidato a presidente ou seria melhor ser prudente e não dizer com tanta veemência?

Mário Covas: Depende do que você necessita para acreditar. Se a mesma época anterior for suficiente para você acreditar, eu estou satisfeito.

Ricardo Noblat: Da vez anterior, o senhor ficou repetindo e eu acreditei.

Mário Covas: Você tem toda razão, eu cansei de falar que não ia ser candidato a governador na eleição, não gosto da reeleição e continuo não gostando. No entanto, fui candidato.

Ricardo Noblat: Então, dizer agora que não será presidente, também não significa grande coisa?

Mário Covas: Tá bom, eu não peço que signifique, eu nunca saí dizendo que não seria candidato. Eu sempre respondia a quem me perguntava.

Paulo Markun: O senhor imagina que o PSDB tenha bons candidatos para essa eleição? Porque o fato é o seguinte: o senhor já disse aqui, deixou claro aqui, que acha que essa discussão toda não deveria estar acontecendo agora.

Mário Covas: Para eleição de presidente, lógico.

Paulo Markun: Está muito cedo. Mas o fato é que há, não apenas especulações colocadas pela mídia, como também partidos se organizando no sentido de estabelecer seus candidatos, e fica um ponto de interrogação toda vez que se fala do PSDB. Menciona-se o nome do senhor, mas se acrescenta: “não, mas o governador Mario Covas não quer ser candidato”. E, ao mesmo tempo, há outros nomes citados, mas nenhum deles tem, digamos assim, a visibilidade suficiente para disputar a eleição.

Mário Covas: Não acho isso. Acho que o partido tem nome bom. Mas essa discussão fica um pouco ociosa porque, no final, não querendo ser candidato, até se as suas considerações fossem inteiramente verdadeiras, a única afirmação possível para mim era essa, mas eu acho que o partido tem realmente bons nomes.

Ana Maria Tahan: Bom, governador, se o senhor tivesse que defender hoje um nome dentro do PSDB para ser candidato, já que o senhor não vai ser, quem o senhor defenderia?

Mário Covas: Acho que os dois melhores nomes.

Ana Maria Tahan: Não, um.

Mário Covas: Um, não. Eu brigo aqui a vida inteira para não se falar em  candidatura agora, e você vem com essa conversa de um.

Ricardo Noblat: Cite dois.

Mário Covas: Por que eu tenho que escolher um?

Ricardo Noblat: Dois já é uma coisa boa.

Mário Covas: Eu acho o [José] Serra um excelente candidato e acho o Tasso [Jereissati (PSDB-CE)]  um excelente candidato.

Ricardo Noblat: Você acha que o Serra seria melhor para presidente ou para governador?

Mário Covas: Tanto faz. O Serra é daquelas figuras que, certamente, tem futuro político assegurado e podia citar para você dez pessoas neste país que têm futuro político assegurado. Eu disse isso do Ciro Gomes quando ele apareceu na política, e achei um desastre o partido se dar ao luxo de perder o Ciro Gomes [Foi governador do estado do Ceará pelo PSDB em 1990. Em 1994, renunciou ao cargo para assumir o Ministério da Fazenda. Em 1996, filiou-se ao recém-criado PPS (Partido Popular Socialista) para concorrer à presidência da República em 1998]. Mas aquele menino do Rio Grande do Sul é excelente, é um menino novo, o Tarso Genro [foi prefeito de Porto Alegre por duas vezes pelo PT] é excelente. Isso não é o problema de quadro, é apenas partidário, é de vocação a política que você identifica e, portanto, não tenho a menor dúvida de que são jovens de futuro.

Fernando Rodrigues: O senhor está confortável com o PMDB dentro da aliança nacional para daqui para frente? O senhor acha natural, daqui pra frente, que o PMDB continue junto ao PSDB?

Mário Covas: Não vai acontecer isso, gente.

Fernando Rodrigues: Por que não vai acontecer?

Mário Covas: O que vai acontecer é que, na hora da eleição, cada partido vai lançar o seu candidato.

Fernando Rodrigues: O senhor está convencido disso?

Mário Covas: Mas é óbvio, eu estou convencido e ouço isso todo dia.

Fernando Rodrigues: Mas aí é suicídio, governador, porque se todos lançarem candidatos, possivelmente, não vai conseguir somar os votos como ocorreu na ultima eleição, agora em 1998, quando o presidente Fernando Henrique tinha um arco de alianças e que deu a ele a vitória no primeiro turno, não é isso?

Mário Covas: Nem sei se foi isso, mas de qualquer maneira, aceitando que seja isso, eu hoje não vejo e nem acho inevitável que o PFL e o PMDB queiram não ter candidatos.

Fernando Rodrigues: Qual é o momento certo para interromper aliança?

Mário Covas: Isso não decorre de interromper a aliança, a aliança vai ser interrompida por conta disso, você não vai interromper a aliança e, a partir daí, vai sair candidato, você vai fazer aliança e a partir daí sai candidato.

Fernando Rodrigues: Se diz em Brasília que há uma ala do PSDB, com a qual o senhor teria afinidade, que gostaria de ver o PMDB fora do governo mais rapidamente possível, isso é verdade?

Mário Covas: Para mim não faz diferença se ele fica mais ou menos tempo, faz diferença que regra do jogo o governo tem com ele. Quando vejo, por exemplo, pedirem uma CPI a respeito do Banco Central [CPI Banco Central] nitidamente como contraponto a outra CPI, aquela a respeito do sistema judiciário [CPI do Judiciário], eu não estou vendo nenhum apoio ao presidente por conta disso.

Fernando Rodrigues: Mas o senhor propugna o quê?

Mário Covas: Eu não propugno nada, eu compreendo que o presidente da República queira [aprovar] medidas no Congresso e para isso tenha que ter a maioria no Congresso, eu compreendo isso. E, pessoalmente, eu fiz muita concessão para isso, eu compreendo isso. Apenas estou constatando aquilo que me parece uma inevitabilidade. Vai chegar um instante em que esses partidos vão querer ter candidato, e até agora não tiveram porque a eleição, da última vez, se definiu quando fizeram a reeleição, o dia em que se votou a reeleição já sabiam que o presidente da República ia ser reeleito.

Ana Maria Tahan: Governador, o senhor não acha é um risco político para esses políticos que têm tarimba e [quando decidirem ir] cada um para o seu lado não haverá a possibilidade de o PT e o Ciro irem para o segundo turno e nenhum desses representantes, nenhum desses partidos, irem para o segundo turno, se cada um lançar o seu?

Mário Covas: Esse raciocínio não vale para o Ciro e para o Lula?

Tereza Cruvinel: De eles se dividirem?

Mário Covas: Não, de se unirem. Eu só acho que vai acontecer isso porque eu vejo o PFL muito envolvido numa idéia de ter um candidato a presidente e vejo o PMDB igualmente envolvido na idéia de ter um candidato a presidente e acho...

Tereza Cruvinel: Vamos examinar os nomes deles. O senhor vê algum candidato viável do PFL?

Mário Covas: Eu vejo. Eu só falo de candidato do meu partido. Vou fazer propaganda dos candidatos do PFL?

Tereza Cruvinel: Não precisa fazer propaganda. Nós estamos analisando o quadro. O senador Antonio Carlos disse que não trocaria o mandato seguro de senador por uma aventura.

Mário Covas: Isso ele diz agora. Outro dia, ele dizia outra coisa na convenção do PFL e não tem nada de extraordinário, ele tem todo direito de ser candidato, não vejo nada de extraordinário nisso. Agora, se não tiverem candidato, aí sim é possível fazer, eventualmente, aliança. Mas imaginar que vão fazer aliança e, com isso, evitar que tenha candidato, não.

Fernando Rodrigues: Você acha que o PSDB tem que ter candidato na cabeça de chapa de novo?

Mário Covas: Óbvio. Você acha que alguém que tenha a Presidência da República não vai ter ninguém na cabeça, é óbvio que tem.

Fernando Rodrigues: E o senhor acha que a condição fundamental para o PSDB ter o candidato a presidente é a de que seja filiado ao PSDB, não pode fazer uma aliança com o candidato, digamos, do PMDB ou do PFL?

Mário Covas: A menos que ele não tivesse nenhuma possibilidade de ter um candidato próprio, aí pode, não é um problema de hegemonia. Você acha possível não ter nenhum candidato do PSDB quando chegar a eleição de governador em São Paulo?

Fernando Rodrigues: Não sei.

Mário Covas: Tem que ter um candidato a governador do PSDB. O PSDB tem um governo de Estado! Como não vai ter um candidato a governador?

Tereza Cruvinel: Governador, contra a sua certeza de que a aliança não será reeditada, fala-se muito em Brasília também que depois de seu anúncio de que não seria candidato, a perspectiva de reedição da aliança voltou a ser discutida entre os três partidos em torno do governador Tasso Jereissati. Ele viria para Brasília ser ministro no futuro, e aí o PMDB não tem candidato, a não ser o Itamar [Franco] e tal...

Mário Covas: Tudo bem, sobre essa circunstância pode acontecer. Se o PMDB não tiver candidato, pode acontecer, se o PFL não tiver candidato, pode repetir. Eu estou raciocinando com base...

Tereza Cruvinel: O senhor apoiaria um candidato tucano de novo com a mesma aliança, essa aliança?

Mário Covas: Eu apóio candidato tucano sempre.

Tereza Cruvinel: Mesmo em coligação com o PFL e com o PMDB, os quais o senhor tem tantas restrições?

Mário Covas: Olha, quando fui candidato a governador e o Fernando Henrique foi candidato a presidente – não dessa vez, na anterior – eu disse: “eu sou contra essa aliança”. No entanto, se ela for feita nacionalmente eu a reproduzo em São Paulo e reproduzi, e o PFL teve posição no meu governo, e isso não foi feito às escuras, foi feito às claras.

Tereza Cruvinel: Sim, saíram quando resolveram apoiar o Celso Pitta [Foi prefeito de São Paulo (1997-2000) pelo Partido Progressista Brasileiro (PPB). Foi acusado de corrupção no escândalo dos precatórios em 2000].

Mário Covas: Não teve problema nenhum. Agora, não é problema de querer ou não querer.

Tereza Cruvinel: E na aliança nacional, o senhor apoiaria novamente essa aliança, mesmo dando a entender que no governo Fernando Henrique o seu partido, o PSDB, teve mais prejuízo do que lucro? O senhor já deu isso a entender.

Mário Covas: Eu não colocaria mais prejuízo do que lucro. Eu acredito que o partido teria posição não de cargos, mas ele podia ter uma consideração enquanto governo.

Tereza Cruvinel: Ele perdeu consistência, na verdade, nitidez, não é?

Mário Covas: Não, ele não perdeu nitidez porque decaiu, ele perdeu nitidez exatamente por essa contradição.

Nirlando Beirão: Governador, nós estamos discutindo aqui o quê? O PSDB vai disputar uma eleição para exprimir os anseios do setor conservador da sociedade brasileira, é isso? Ou o PSDB pode apresentar um candidato de mudança?

Mário Covas: Não, o partido é um partido de mudança.

Nirlando Beirão: Onde está essa mudança?

Mário Covas: Talvez seja a aliança que tenha obrigado o presidente da República a tomar posições mais conservadoras. Mas aliança não é uma coisa condenada em si, porque nós vivemos um tipo de regime que obriga a isso e, portanto, se o meu partido tiver um candidato e tiver um vice ou uma aliança que o apóie, eu o apóio, eu voto nele.

Tereza Cruvinel: Na mesma aliança, o senhor será capaz de apoiar de novo a mesma aliança?

Mário Covas: Sou.

Tereza Cruvinel: Mesmo que ela tenha levado o presidente a tomar posições conservadoras, mesmo que ela tenha contribuído para a perda de nitidez do PSDB?

Mário Covas: Sim, senhora, é isso mesmo, aprendeu bem.

Tereza Cruvinel: Eu não acredito muito.

Mário Covas: Por quê? Qual é a razão pela qual a senhora não acredita?

Tereza Cruvinel: Eu não compreendo que um político que fundou um partido e que viveu tantas frustrações neste governo...

Mário Covas: Tem um jeito, é sair do partido e eu não vou sair. Eu vou continuar sempre brigando pelo PSDB ser o que eu quero que seja.

Tereza Cruvinel: Pode trabalhar para que não se repita a mesma aliança.

Ana Maria Tahan: Exatamente, porque o senhor, a priori, tem que aceitar, se ele tiver que fazer isso?

Mário Covas: Meu Deus, isso não acontece porque nós aqui resolvemos. Isso acontece porque é um processo político em curso que vai demandar uma série de coisas e que vai ou não desaguar nessa situação. Se desaguar nessa situação, tem o meu apoio.

Fernando Rodrigues: Governador, vou dar um exemplo aqui que tem aliança.

Ricardo Noblat: Deixa eu fazer uma perguntinha?

Fernando Rodrigues: Só terminando aqui, porque ele está falando da inconveniência das alianças. Tem um partido que está na aliança já há algum tempo, que é o PMDB, e que volta e meia se atrita com o governo e com algumas coisas. Tem um caso clássico recente, que o senhor ficou irritado na época, o senhor ficou muito irritado, o ex-ministro Renan Calheiros, da Justiça, no dia 19 de julho deixou esta carta [mostrou a carta] aqui ao sair do governo, para o presidente Fernando Henrique fazendo sérias acusações contra o senhor. Na época o senhor apenas o criticou...

Mário Covas: Eu entendi correto? O senhor falou “apenas”?

Fernando Rodrigues: O senhor o criticou duramente, vamos dizer assim, e abriu um processo contra ele e pediu licença no Supremo para processá-lo, mas o senhor não falou especificamente de alguns pontos da carta. Passado algum tempo, agora que a poeira baixou, tem umas coisas que ele escreveu na carta que são gravíssimas e que foi para o presidente da Republica, que era ministro de Estado da aliança da qual o senhor participa, dizendo coisas do seguinte nível: a irritação do senhor ficou maior quando ele, Renan Calheiros, cancelou uma licitação de alguns milhões de reais da Polícia Federal para impressão de passaporte e de interesse da empresa Tejofran muito ligada a ele e a seu filho Zuzinha – escreve o ex-ministro Renan Calheiros, que detinha 20% do consórcio. O que o senhor tem a dizer sobre esse tipo de coisa que o ex-ministro Renan Calheiros, da aliança do governo federal do qual o senhor participa, escreveu?

Mário Covas: Isso é uma coisa difícil da gente responder na televisão.

Fernando Rodrigues: Por quê?

Mário Covas: Porque eu tenho caráter, portanto, a maneira que eu gostaria de tratar isso não é do jeito que vou ser obrigado a responder aqui. Talvez isso até contribua mais para essa decisão do que os netos. Eu nem sei desses contratos, mas alguém que tem coragem de enfrentar a gente desonrando o filho tinha que ter a coragem de pedir ao Senado para me processar. Eu fiz o que me era possível. Eu pedi para que ele respondesse na Justiça o que ele tinha dito e me confirmasse, e ele não foi, isso me deu o direito a pedir ao procurador geral da República para processá-lo. Ele era ministro da Justiça e o máximo que ele faz é escrever uma carta quando vai embora do governo? Por que ele não me pôs na cadeia? A mim, ao meu filho ou a quem ele mais queira? Eu posso dizer desse cidadão algumas coisas: aqui, em São Paulo, nós fizemos 22 penitenciárias, são 17 mil vagas. Não há na história de São Paulo quem tenha feito isso nem na história do Brasil. Pois bem, essas penitenciárias são para 850 presos, todas elas custaram, na média, dez milhões e meio. Esse cidadão fez uma em Alagoas para 250 presos, não para 850, para 250 e está custando 17 milhões, por enquanto. Por enquanto.

Fernando Rodrigues: Mas parece que essa penitenciária de Alagoas foi licitada no governo retrasado.

Mário Covas: Nada disso, foi licitada por ele mesmo. Ele mesmo que fez isso. Por outro lado, eu estou dando a chance dele provar isso na Justiça. Meu Deus, se alguém faz acusações...

Fernando Rodrigues: Tem um fato aqui que o senhor telefonou para ele duas vezes para interceder sobre isso.

Mário Covas: Eu poderia telefonar até dez, qual é o problema? O que ele diz que eu defendo, eu defendo até hoje e não existe no país porque ele queria fazer uma única coisa para o país inteiro, e a inspeção veicular só tem lógica de ser feita num interesse do senhor, que tem carro, junto com a inspeção que tem que ser feita também a inspeção do meio ambiente, e, portanto, as duas coisas têm que ser feitas no mesmo lugar. Se uma for feita pelo governo federal e outra pelo governo estadual a coisa fica mal. Agora, eu não tinha concorrência feita, não sei quem ganhou, mas ele tinha e mudou a lei para ser federal. E ele tem toda a razão, não quero nem discutir. Aqui não é lugar para discutir se eu sou sério ou se não sou sério, se eu não fosse sério, não seria convidado para estar aqui, não estava enfrentando vocês. O que me irrita, nesse negócio, é ele falar do meu filho, porque isso é uma canalhice inaceitável. Ele pode provar isso na Justiça, eu pedi ao Senado para liberar e sabe qual foi a resposta dele para o jornalista? Ele não é dono da inviolabilidade do mandato, portanto, ele não pode pedir. Pode pedir sim, se eu estivesse lá e ele fizesse isso eu pediria, mas para isso precisa ter caráter, precisa ter vergonha na cara.

Fernando Rodrigues: O senhor acha bom que seu partido tenha aliança com o partido como o PMDB, que faz acusações desse nível?

Mário Covas: Não, mas não foi o PMDB quem fez [a acusação], foi esse cidadão.

Fernando Rodrigues: Do PMDB, senador.

Mário Covas: Do PMDB, grande coisa, outros teriam feito... Mas eu sou criticado porque falo que não vai acontecer aliança e sou criticado porque falo que vai ter aliança, eu não sei, vocês estão quebrando a minha resistência, já não sei no que eu devo acreditar.

Ricardo Noblat: O senhor não sabe mais o que disse?

Mário Covas: O que eu disse eu sei, eu não consegui explicar o que você acredita.

Ricardo Noblat: Deixa eu fazer uma pergunta. O senhor falou várias vezes da questão...

Mário Covas: Olha, vou acrescentar mais uma coisa: neste terreno, eu não brinco com ninguém, eu posso ser incompetente, posso ser incapaz, eu posso ser o que quiser, agora, em matéria de seriedade, eu comecei a minha vida política com trinta anos, eu fui cassado... Você acha que se tivessem alguma coisa contra mim já não tinham me posto na rua? Eu lá sou homem de defender empresa? Eu lá sou homem de defender alguma coisa? Meu filho lá é homem disso? Você sabe que publicaram no jornal? Disseram que um rapaz que corre de automóvel como meu filho... Pegaram o rapaz em Campinas e estão acusando esse rapaz de estar metido nesse negócio. O rapaz tinha uma carteirinha em que aparece lá o telefone do meu filho e do presidente da federação e já saiu no jornal que meu filho estava junto nesse negócio. Por conta desse cara. Agora, esse cara vai lá à Justiça e me ponha na cadeia, eu estou dando a chance para ele fazer isso, a chance que ele não teve coragem de fazer como ministro. Mas não, ele está se escondendo atrás da imunidade e não vão deixar passar mesmo, eu sei que não vão deixar passar.

Ricardo Noblat: Governador...

Tereza Cruvinel: O senhor vai trabalhar junto aos seus aliados no Congresso para que se conceda a licença suprema?

Mário Covas: Não vou fazer isso não, você me conhece, menina, você acha que eu faço isso?

Tereza Cruvinel: Não sei se o senhor faz, ué, eu, por exemplo, faria se o senhor deseja vê-lo...

Mário Covas: Sabe sim, senhora, sabe sim. Nós temos convivência para você dizer uma coisa dessas. Você sabe que eu não faço mesmo.

Ricardo Noblat: Deixa eu fazer uma pergunta que não tem nada a ver com isso para ver também se o senhor se acalma um pouco. Eu entendo a sua indignação, não estou discutindo. O senhor falou no programa de parlamentarismo muito rapidamente quando discutiu os defeitos do regime presidencialista etc e tal, o senhor acha que era o caso de reintroduzir essa discussão do parlamentarismo ainda no atual mandato do presidente Fernando Henrique?

Ana Maria Tahan: Até lembrando que parlamentarismo faz parte do programa do PSDB.

Mário Covas: Quem entra no PSDB se define como parlamentarista, é obrigatório, assina o estatuto. No programa [do estatuto do partido] está [escrito] isso, nós somos parlamentaristas programaticamente...

Ricardo Noblat: O senhor acha que deve discutir o parlamentarismo agora ou mais adiante, quando se deve colocar essa discussão?

Mário Covas: Eu sentiria um certo constrangimento em retomar esse assunto exatamente neste instante, porque nós temos uma medida da opinião pública muito recente. Por outro lado, a última coisa que eu gostaria é que o parlamentarismo viesse num instante de crise, e se ele vier num instante de crise dura exatamente o tempo da crise, e aí morre. Mas é lógico que o parlamentarismo vai crescer... E eu fiquei até surpreso com o resultado da votação do parlamentarismo em cidades grandes, aqui, em São Paulo, o parlamentarismo ganhou, mas ele sofreu o problema de ser muito identificado com a monarquia. Na realidade, a opinião pública passou dessa maneira, mas eu acho que se a gente quiser partido neste país e se a gente quiser maioria de objeto de captação, só com o parlamentarismo. Porque o parlamentarismo é o governo da maioria e quando tem maioria tem o governo, e quando não tem a maioria, não tem o governo. Portanto, você não precisa ser eleito e sair correndo para obter maioria. Nós temos exemplo recente: o Collor é um exemplo claríssimo disso, ele não tinha nenhum partido, no entanto, ganhou a maioria no Congresso porque não é difícil ganhar a maioria no Congresso, mas leva uma relação entre o executivo e o legislativo altamente deteriorante.

Paulo Markun: Nosso tempo está acabando, governador, mas eu queria fazer uma última pergunta. Sem dúvida nenhuma o presidente Fernando Henrique está vivendo um momento complicado, do ponto de vista de popularidade, talvez, o mais complicado desse tempo todo, mas eu vou fazer duas perguntas que nunca é bom um jornalista fazer. Número um: o senhor acha que teria sido melhor se o presidente não fosse candidato à reeleição e a número dois: o senhor acha que, neste segundo mandato, o presidente tem condições de reverter esse quadro e terminar o governo como um presidente popular, reconhecido e respeitado?

Mário Covas: Olha, a primeira pergunta eu tenho uma posição muito pessoal a respeito disso. Eu sempre fui contra reeleição, acho a reeleição um desastre.

Tereza Cruvinel: O senhor se arrepende de ter sido reeleito?

Mário Covas: Não é que eu me arrependo de ser eleito. Você entra na briga e vai até o fim e não tem problema, mas eu acho que a reeleição... E sabe por quê? Porque a reeleição é “pão amanhecido”. As pessoas que trabalham com você entram como se já soubessem tudo, elas não vêem com aquele afã que elas têm no primeiro governo. Elas vêm imaginando que já sabem tudo e, portanto, entram numa certa rotina e a criatividade não tem mais lugar. No passado, você não tinha reeleição e todas as figuras que foram eleitas depois, saíram mal no governo, e eu sempre atribuí a esse fato. Agora, acho que é uma questão pessoal que vale para mim e lógico que tenho que pensar o que vale para os outros também, e eu acho que o Fernando, o presidente, foi reeleito num processo indiscutível: foi eleito no primeiro turno na sua segunda eleição. Mas eu tenho uma posição conceitual contra a reeleição. Por outro lado, eu acho que não há nada que impeça o governo de dar a volta por cima, nada, eu acho que isso acontece com todo e qualquer governo. Você tem ciclos.

Paulo Markun: Falta o quê?

Mário Covas: Olha, é difícil você dizer. Eu acho que falta uma presença pessoal maior do presidente, eu acho que falta uma presença física mais direta com o setor, sobretudo, com setores mais carentes, uma presença muito mais direta. Não é o discurso, não é o respeito que internacionalmente ele tem. Fernando Henrique a cada viagem que faz, recebe a consagração de presidente de país de primeiro mundo, é absolutamente respeitado. Não é a seriedade do governo dele ou a falta de seriedade do governo dele, mas nenhuma dessas razões que levaram a isso, o que levou a isso foi uma série de circunstâncias que aconteceram concomitantemente logo após a eleição. E da mesma maneira que aconteceram, elas foram superadas. Eu não vejo razão para que essa coisa não tenha um ciclo e, portanto, não volte a retomar a posição e também não chega ao índice de 70% que teve em certas ocasiões, mas sem dúvida nenhuma, ele termina o governo bem.

Paulo Markun: Governador Mário Covas, muito obrigado pela sua entrevista. O senhor sabe que o Roda Viva tem 14 anos de idade e eu estou um pouco mais de um ano aqui, e hoje, o senhor não sabe, mas todos aqui vão saber, é um dia meio complicado para quem está fazendo o Roda Viva porque a televisão é um trabalho de equipe e neste sábado, nós perdemos o nosso produtor. Era um rapaz de 27 anos, o Wagner Freitas, estava pouco tempo no programa, mas já era umas das peças importantes desta equipe. Então, esse fim de programa fica uma homenagem ao Wagner que já não está aqui com a gente fisicamente e eu espero que a gente continue fazendo o programa em homenagem a ele e a você que está em casa e que nos assiste toda semana. Uma boa noite e uma boa semana. E até segunda-feira.

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