Baixe o player Flash para assistir esse vídeo.
Paulo Markun: Boa noite, ela se tornou referência na historiografia brasileira. Conhecida por suas investidas contra a história oficial, vem se dedicando a resgatar a memória e os discursos dos brasileiros que ficaram às margens da sociedade. O Roda Viva entrevista esta noite a historiadora Emília Viotti da Costa. Durante 26 anos, ela foi professora de história da América Latina na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, para onde se mudou depois de ser aposentada pelo Ato Institucional número 5 - o AI5 [que permitia ao governo militar cassar os mandatos políticos; suspendia a possibilidade do recurso ao habeas corpus; colocava em recesso o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas], em 1969, quando lecionava na Universidade de São Paulo [USP], onde hoje faz parte do conselho consultivo. Sua pesquisa histórica procura reconstituir a vida e a versão dos brasileiros que interferiram na história do Brasil, mas não conseguiram contar como as coisas aconteceram, setores da sociedade que ficaram às margens da história e que, em geral, são os temas que predominam em seus livros.
[Comentarista]:
Emília Viotti: Boa noite.
Paulo Markun: Queria saber se a senhora acha que, hoje em dia, esses segmentos que ficaram à margem da história têm mais espaço na historiografia. Estão, afinal, conseguindo registrar sua versão ou não?
Emília Viotti: Hoje há uma explosão de historiografia exatamente focalizando aqueles que foram os esquecidos da história quando eu comecei a fazer história. Mas isso já vai muitos anos, mais de 40 anos. E nesses 40 anos a historiografia mudou. O interesse maior que se tem hoje é exatamente resgatar a fala e a história desses indivíduos que, até então, não tinham história.
Paulo Markun: Mas, no sistema escolar tradicional, a história que é ensinada para as crianças, para os adolescentes, já recupera essa versão?
Emília Viotti: Eu acho que depende muito de onde estamos. Aqui
Getúlio Bittencourt:O Paulo Markun alega que não se pode combinar perguntas para preservar a espontaneidade do programa. Mas eu fiz à senhora uma pergunta na sua casa da praia, que é por que o Brasil não deu certo, e por que, no hemisfério norte, onde a senhora viveu o último quarto de século, existe a tese de que o Brasil fica no lugar errado do mundo, porque só tem economias desenvolvidas onde os climas são temperados, ou frios, onde existe uma colonização anglo-saxônica, e não portuguesa ou espanhola e, finalmente, o Brasil é também um país católico. Então, para as hipóteses que existem para a colonização dar errado, o Brasil teria capitulado
Paulo Markun: A escravidão é a razão fundamental disso?
Paulo Markun: A escravidão tem um peso importante?
Emília Viotti: A escravidão tem um peso muito forte porque a escravidão, em grande parte, persiste até hoje no comportamento das nossas elites. Porque a escravidão gerou o hábito não só da exploração do trabalho, mas também o hábito do “mandonismo”. E o autoritarismo que ainda existe no Brasil, e hoje eu acredito renovado sob a fachada democrática que nós temos, esse autoritarismo também é errado.
Getúlio Bittencourt: Mas, professora, a escravidão não distingue o Brasil dos Estados Unidos. Os Estados Unidos se desnvolveram e o Brasil não.
Emília Viotti: É verdade. Mas os Estados Unidos, veja bem, o sul só se desenvolveu muito recentemente. O motor propulsor dos Estados Unidos foi o norte, a Nova Inglaterra e o Oeste. O sul veio mais tarde. E o sul tem muitas semelhanças com o Brasil. Muitas. Ele se modernizou e, modernizando-se, desenvolveu-se e desenvolvendo-se se transformou até certo ponto. Mas ainda existe muito dessa atitude do “mandonismo” e do autoritarismo no sul, mais do que existe na Nova Inglaterra.
Emília Viotti: Ah, eu falei não uma vez apenas, não foi só em uma entrevista. Nos meus livros eu defendi essa teoria de que abordar a história de uma maneira mecanicista e determinista, da qual não há um escape, é um grande erro. Porque é preciso lembrar uma expressão muito famosa, que são os homens e mulheres, evidentemente, que fazem a história, embora a façam dentro de condições mais ou menos determinadas. Existem certas condições que limitam suas escolhas. Mas dentro disso existe uma gama de escolhas possíveis.
Francisco Alembert: E a senhora acha que o Brasil não está fazendo todas as escolhas que podia?
Emília Viotti: Não, eu acho o contrário. Eu acho que as escolhas que podiam ser feitas não estão sendo feitas, porque se justifica a falta dessas escolhas nomeando supostamente forças incontroláveis. E essas forças incontroláveis não são verdadeiras, porque existe o poder político que faz mudar, até certo ponto, essas condições.
Paulo Markun: Mas a senhora vê algum tipo de exemplo de nação que atue dessa maneira? Salvo os Estados Unidos.
Paulo Markun: Mas, num país como o nosso, onde nós temos eleições supostamente livres, um governo eleito democraticamente, com maioria dos votos e ampla discussão na imprensa de todas as questões. Essa opção não é feita pelo eleitor que vota?
Emília Viotti: Eu tenho que contestar uma por uma das coisas que você falou. Eu tenho que contestar a noção de democracia, a noção de voto livre e consciente, e a noção de imprensa livre. Eu acho que esses são os grandes mitos do nosso tempo. Não só nosso no Brasil, mas em outros países. Fala-se
Getúlio Bittencourt: Mas, professora, se a gente olha para os países, alguns de má reputação, que a senhora citou, e tenta ver qual é a participação popular que existe lá. Se a gente pensa, por exemplo, nos curdos do Iraque, ou nesses religiosos da China, também não têm...
Emília Viotti: Não, mas nós não estamos discutindo esses países. Nós estamos discutindo a democracia. Não é isso? Se vamos discutir esses países, aí é outra coisa. E nós vamos discutir o que é o regime que eles criaram e visaram criar. Isso é uma outra história. Nós estamos discutindo a democracia liberal. E estamos discutindo os problemas que a democracia liberal tem, mas que não são geralmente reconhecidos porque se assume que a democracia existe, quando a democracia é um ideal. Mas, pra ser realizada, é preciso que se tenha noção de quais são os problemas que afetam essa democracia para que a gente possa tentar resolver e atingir esse ideal.
Silvia Colombo: Numa edição recente do seu livro Brazilian Empire [Brazilian Empire: myths and histories. 2000], a senhora incluiu um capítulo sobre a imagem da mulher no século XIX. É necessário fazer uma revisão da perspectiva historiográfica da mulher nesse período?
Emília Viotti: Eu acho que sim. O Brasil já está fazendo, há vários trabalhos importantíssimos sobre mulheres. De fato, meu trabalho não é original. O que é original é a interpretação que eu dei aos processos de transição que ocorreram no século XIX em relação à mulher. Mas as informações todas eu colhi em livros publicados no Brasil, alguns pela Unesp, como a História das Mulheres [História das mulheres no Brasil, organizado por Mary Del Priore em 1996], que são livros excelentes, de primeira ordem e que tratam dessas transformações.
Mário Chaer: Professora, a senhora está lançando agora um livro sobre o Supremo Tribunal Federal, algo que estava fazendo muita falta, porque nós temos poucas obras não-jurídicas mais históricas sobre o judiciário brasileiro. Em 1933, o João Mangabeira [(1880-1964), advogado, foi deputado federal que atuou junto com Rui Barbosa], celebrando o 10º aniversário da morte do Rui Barbosa, não sei se celebrando é a melhor palavra, mas ele disse algo como “...que de todas as instituições, aquela que mais falhou na República no Brasil foi o STF”. A senhora concorda com isso?
Emília Viotti: Não, eu não concordo. De fato, no meu livro, eu me opus diretamente a essa afirmativa. Eu acho que é o contrário. Eu acho que, no caso do João Mangabeira, é muito compreensível o porquê dessa relação. Porque ele foi vítima de várias injustiças que o Supremo não pôde resolver. Ele esteve preso, ele fez pedido de habeas corpus várias vezes, em nome dele, em nome de outras pessoas, e ele perdeu todos os pedidos de habeas corpus. Nesse sentido o senhor entende por que ele fez esse comentário. Mas quando você olha na história brasileira várias coisas se notam. Primeiro, a ausência de referências ao judiciário. Na história, em qualquer história do Brasil que se leia hoje, de comum, fala-se muito dos executivos. Primeiro, o executivo é o foco principal de atenção. Depois o legislativo e o judiciário são apenas mencionados. Ele existe, mas ele não aparece na história. E não só ele não aparece na história, como durante muito tempo, no Brasil, não se noticiava nos jornais nada a respeito do judiciário. Só quando havia um conflito entre o executivo e o judiciário é que apareciam notícias na imprensa. Atualmente, temos tidos várias notícias na imprensa exatamente porque o judiciário tem se oposto a desígnios do executivo, provocando, portanto, uma movimentação política que chama a atenção para o judiciário. Agora, não é razoável, porque a democracia liberal se assenta sobre três poderes, três poderes que, de certa forma, circunscrevem uns aos outros. Então, são equivalentes em termos de poder. E deveriam ter ou merecer, do público, a mesma atenção. De fato, me parece que o judiciário é, dos poderes, na história do Brasil, o que mais contribuiu, apesar de todos os problemas que nós vamos comentar aqui hoje, para a construção da cidadania no Brasil.
Emília Viotti: Quais são esses planos, que eu não sei?
Marcio Chaer: [risos] Então, nenhum conseguiu, mas se diziam assim, e os ministros do Supremo entenderam que eram assim porque, ao serem questionados, eles resolveram ser patrióticos e deixar a Constituição de lado para atender ao governo. De cinco anos para cá, o Supremo mudou de opinião, ou alguns deles mudaram de opinião e têm rechaçado, têm cobrado ao executivo os danos que eles provocaram à população. Qual é o Supremo que predominou durante a República? Esse Supremo que está se opondo aos desígnios do executivo e bancando a Constituição ou aquele outro que bancou os planos de salvação nacional?
Marcio Chaer: O ministro Nelson Jobim [(1946-) jurista, foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. No governo Lula, foi nomeado ministro da Defesa] é um personagem típico do século ou é uma exceção?
Emília Viotti: Eu acho que há ministros que são profissionais, para se dizer, que põem a Justiça acima das quizilas políticas. Há outros que se deixam levar pelas quizilas políticas, mas acho que predomina a fidelidade à Constituição e não a fidelidade a conchavos. Quer dizer que todos são homens, não há mulheres ainda, no Supremo Tribunal Federal.
Emília Viotti: Ah, é! Nomeada pelo Fernando Henrique, não é? É verdade. Mas só recentemente que as mulheres começam a aparecer. Mas homens ou mulheres são passíveis de tentações e falhas. Mas a nota predominante, no meu entender, depois de analisar o desempenho do Supremo, é que o Supremo é a instituição que mais têm defendido a cidadania e o direito, apesar dos regimes militares que é preciso lembrar que o Brasil teve. O Estado de Direito [quando uma sociedade decide viver sob a proteção de determinadas regras sociais (ou leis) organizadas e estabelecidas por ela mesma no momento de formação] foi interrompido tantas vezes, que não se pode responsabilizar o Supremo por essa falta, não se pode exigir do Supremo que barre governos autoritários e arbitrários que põem as tropas nas ruas e que declaram estado de sítio [ou estado de emergência, ocorre sempre que as autoridades acreditam que o Estado de Direito (ou o Estado estabelecido) se vê ameaçado. Decretado o estado de sítio, as garantias individuas previstas na Constituição (ou no contrato social de um povo) são suspensas para se restabelecer a ordem social], ou que vivem em estado de emergência, como foi o caso do Getúlio.
Emília Viotti: Na sua opinião. Agora, na opinião do historiador, que vê a totalidade do processo histórico, vê o executivo como agiu na história do Brasil, os inumeráveis golpes que foram dados, o desprezo total da lei, a ponto de Getúlio dizer: “a lei, ora, a lei”. Ficou sintomático.
Dalmo Dallari:E o Supremo Tribunal aceitava “a lei, ora,
Emília Viotti: Não, não aceitou, tanto que o Getúlio botou para fora do Supremo cinco...
Dalmo Dallari: Isso em 1931...
[intervalo]
Emília Viotti: Eu acho que o caminho norte-americano não é nunca exemplo para o Brasil. Acho que o Brasil tem que encontrar os seus próprios caminhos. Mas há uma coisa que não é típica apenas do americano. É típica de todos os povos. Isto é, um indivíduo que não se organiza, não se mobiliza para lutar pelos seus direitos não consegue direito algum. Direito não se ganha, não cai do céu. Direito se conquista. Então, o reconhecimento da sociedade tem que ser conquistado por movimentos organizados. Nesse sentido, é necessário que os negros se organizem, como é necessário que todas as minorias sociais, quaisquer que sejam elas, se organizem para defenderem os seus interesses. Haja vista o que os índios estão fazendo aqui, por exemplo, que têm se organizado para defender os seus interesses. E a luta pelo reconhecimento é uma luta que dura muitos séculos, não apenas só os negros, mas também os índios, mulheres e muitos outros grupos. O que não exclui a ação organizada de todos os grupos coletivamente. Porque o sistema americano, por exemplo, os grupos se organizam coletivamente para conquistarem os seus interesses. Eu acho que os grupos devem se organizar na sua totalidade. Devem ter um grande guarda-chuva que reúne todos os grupos que lutam por seus direitos, porque quando se dividem, se enfraquecem e acabam lutando uns contra os outros.
Paulo Markun: Não, mas interessa para o público brasileiro saber por que uma historiadora brasileira demorou tanto para voltar para o Brasil...
Emília Viotti: Eu acho que não, mas acontece que, agora, na fase em que eu estou, pouca diferença faz.
Isabel Loureiro: Emília Viotti, quero fazer uma pergunta ainda que engancha com essa sua experiência nos Estados Unidos, uma curiosidade minha. Você dá aula de história da América Latina em Yale. O que você considera que é a sua melhor contribuição para os seus alunos, lá? No que a sua maneira de ensinar história se distinguiria da dos seus colegas norte-americanos?
Emília Viotti: Essa pergunta é muito interessante porque ela corresponde às dúvidas de perplexidades que eu tive quando fui para lá. Quando eu fui para lá, ficou óbvio, de imediato, que eu não poderia ensinar história como ensinava aqui. Que não interessava aos alunos... Porque você falava de Machado de Assis [Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), foi o maior escritor brasileiro do século XIX e, talvez, de todos os tempos. Autor de D. Casmurro e Brás Cubas], mas ninguém sabia quem era Machado de Assis. Nunca ouviram falar em Machado de Assis. E aqui no Brasil, naquela época, pelo menos, os alunos sabiam quem era Machado de Assis. Hoje, não sei. Então, eu fui obrigada a reformular. E a maneira que eu reformulei foi o seguinte: eu precisava ensinar aos meus alunos por que a América Latina tinha tanta instabilidade política, segundo eles. A idéia deles é que, na América Latina, tinha só revoluções. Então eu precisava explicar a eles as origens do que se chamava lá radicalismo. E eu organizei um curso que a partir desse momento que... quando foi organizado, fez um grande sucesso com os alunos, que já estavam determinados a se interessar com os problemas da América Latina. Porque a vantagem dos cursos lá é que o aluno assiste se quer. Então, você não tem alunos que são obrigados a assistir a seu curso. E há muitos estudantes americanos que estão interessados na América Latina. Então, a tentativa de explicar o porquê do radicalismo, isto é, analisar as mudanças, a situação econômica dos países da América Latina, a situação em que vive o povo, o movimento operário da América Latina, a situação dos camponeses e dos trabalhadores da terra, a situação das mulheres, a situação da igreja na América Latina, os problemas da igreja militante, da teologia da libertação [movimento formado dentro da Igreja Católica, nos anos de 1970, principalmente na América Latina, em que se procura dar ênfase para a situação social humana. O pensamento deu origem às comunidades eclesiásticas de base, que tiveram forte atuação no interior do Brasil e contestaram o regime militar. Seus principais representantes são Leonardo Boff, no Brasil, e Gustavo Gutierrez no Peru], isso tudo... E o problema das guerrilhas na América Latina, isso tudo atraiu muito o interesse dos alunos. E é uma coisa que, no Brasil, não teria tido condições de ensinar naquela época. Exatamente na época do governo militar.
Francisco Alembert: Por falar nisso, professora, vamos continuar falando dessa questão de ensinar história, e o que se ensina na história. Eu não sei se a senhora concorda, mas eu vejo que, no geral, na historiografia brasileira, baseada em pressupostos distintos, há um processo revisionista, digamos assim, em andamento muito forte. É fácil encontrar hoje manuais de história que, em larga medida, retomam uma certa história narrativa, por exemplo, muito parecida com a história que se fazia muito antes da senhora mesmo se tornar historiadora, temas como...
Getúlio Bittencourt: Todas. Segundo ele, todas.
Getúlio Bittencourt: Mas, no artigo, ele diz isso, professora. Ele se mostra perplexo. E pergunta... [sendo interrompido]
Paulo Markun: Talvez ajudasse a ter ali um contraponto, não era um mau negócio. Embora não concordassem, ter um outro bloco que pensasse diferente...
Emília Viotti: Mas sempre teve. O outro bloco sempre foi hegemônico. Essa história de que a esquerda é hegemônica é um mito. O grande volume de interpretação... Quantos Caio Prado [Caio Prado Junior (1907-1990), historiador, geógrafo e político, autor de A formação do Brasil contemporâneo, livro que, ao lado de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, e Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre, foi pioneiro na explicação da trajetória do país] você conhece? Quantos marxistas você conhece? Que eram marxistas. E, quando você conhece um marxista, você compara com outro e vê que são bem diferentes. Quer dizer, a dialética não te dá um receituário. Muito poucos foram os marxistas que obedecem a uma receita. Basta comparar. Você compara E. P. Thompson [Edward Palmer Thompson (1924-1993), formado em Oxford. Juntamente com Eric Hobsbawm e Cristopher Hill, forma um novo pensamento historiográfico, intitulado "história social", que se propõe a discutir o chamado marxismo estruturalista. No livro A formação da classe operária inglesa, Thompson atribui um novo significado para o termo classe social] na Inglaterra, o Hobsbawm, e Raymond Williams [(1921-1988), outra figura bastante influente dentro da nova esquerda britânica. Escreveu Cultura e sociedade e participava de um programa de educação para operários, juntamente com Thompson, Hill e Hobsbawm nos anos 1960], que é um crítico literário. Compare os três. Cada um faz um marxismo de uma maneira específica. A dialética não tem aquela rigidez que os críticos da dialética atribuem a ela.
Emília Viotti: É polifônico... Ah, se você olhar aquele livro, você vai observar um truque, é um verdadeiro truque. Tudo o que eu falei no Da senzala à colônia, que foi considerado um livro escrito por um marxista, está ali, nas Coroas. Exatamente tudo. A única diferença é a maneira de expor que é diferente. A maneira de expor é diferente porque os documentos também eram diferentes. Mas se você for...
Emília Viotti: Não, um não é um tratado sobre a escravidão [referindo-se ao livro Da senzala à colônia]. Um é uma análise da desagregação do sistema escravista e da abolição. Então se estuda isso em vários níveis: no nível ideológico, no nível econômico e no nível político. Como é que se processou e como é que esses níveis interagem? Como é que as transformações econômicas afetam a ideologia e como é que a ideologia se traduz em termos políticos e como é que a política faz avançar o processo da abolição?
Paulo Markun: Sim, mas vamos dizer, no geral, abordando questões gerais.
Emília Viotti: Sim, era em São Paulo, nas áreas gafieiras, e no período do Império. O outro é um estudo de um episódio. Mas esse episódio está colocado dentro de um processo global. O episódio é o quê? Uma revolta de escravos. É uma revolta de escravos que acontece na Guiana. A Guiana é uma colônia da Inglaterra. E isso me deu a possibilidade de estudar o fenômeno do colonialismo. Como é que as ideologias operam na metrópole e na colônia? Como os escravos se apropriaram da ideologia da metrópole, para usar, em função de seus próprios interesses, para lutar contra os senhores? Qual é a perspectiva dos senhores em relação à metrópole? Então, todo esse esquema está lá. Só que a maneira pela qual o livro foi escrito dá a impressão que é uma outra história. Mas não é uma outra história. É uma análise dialética também, só que tem uma diferença. Os historiadores marxistas de 30, 40 anos atrás — e nunca foi o meu caso, se você olhar o meu livro você vai ver que nunca foi o meu caso—, muitos deles, inclusive o Nelson Werneck Sodré [1911-1999, historiador brasileiro do ISEB (Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política). Escreveu As raízes da independência, História nova do Brasil entre outros] diziam que o indivíduo não cabia na dialética. A dialética não se interessava pelos indivíduos.
Paulo Markun: Não tinha nada a fazer a não ser aquilo que mandava a mestra história...
Emília Viotti: Não, que o indivíduo não era o tema da história. E, nesse livro, os indivíduos aparecem fazendo história, mas dentro daquela frase que eu citei no início, que os homens fazem, homens e, agora, mulheres fazem história dentro das condições que lhes são dadas. E é exatamente isso que o livro passa. Eu não perdi um momento sequer, na elaboração desse livro, essa perspectiva de uma totalidade, de um movimento capitalista, que abrange colônia e império, ou periferia e centro, e situei os indivíduos que estão fazendo história dentro dessas condições que lhes foram dadas. E, de fato, acho que é o mais dialético dos meus livros.
Emília Viotti: Brasileiros e estrangeiros. Porque os estrangeiros, como já falei... os que mais me influenciaram foram o Hobsbawm, que até hoje é o meu ponto de referência principal, acho que ele é um historiador magnífico. Estou falando dos estrangeiros. O E. P. Thompson também tem livros maravilhosos. Ele e seus discípulos, que são vários, e o Raymond Williams, como crítico. Esses eram, naquela época, os meus pontos de referência. No Brasil, são vários. O Nelson Werneck Sodré, apesar dos esquematismos eu acho que foi muito importante, o Caio Prado, evidentemente, em todas as suas obras, me influenciaram muito. O Florestan [Florestan Fernandes (1920-1995), sociólogo e deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores. Escreveu A integração do negro na sociedade de classes (1964)] e os diálogos que o Florestan propiciou foram muito importantes na minha formação, o Sérgio Buarque [Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), historiador e jornalista. Escreveu Raízes do Brasil em 1936, considerado um clássico da história brasileira], que foi meu colega e grande amigo de bate-papo. E depois, na França, tinha vários porque eu fui bolsista do governo francês, coisa que foi muito útil. Isso foi influência do grupo dos Annales. Quer dizer, o método histórico que eu construí foi influenciado por essas três vias.
Emília Viotti: Não, Fernando Henrique, ele é meio contemporâneo, nós éramos... somos da mesma idade, ou quase da mesma idade, se bem que cronologicamente não aparece sendo, mas somos [risos]. Somos praticamente da mesma geração. Publicamos um livro na mesma época, ele publicou alguns meses antes. Ele escreveu sobre a escravidão, eu escrevi sobre a escravidão. Mas ele tinha uma influência sartriana [Jean Paul Sartre. 1905-1988. Filósofo existencialista francês. Parte de questões do cotidiano para se aprofundar em tema relacionados a filosofia clássica. Escreveu em 1960 A crítica da razão dialética] que eu não tinha. Então, eram diferentes os caminhos. Depois ele foi para a Teoria da Dependência, eu era crítica da Teoria da Dependência, em 1973 já. E os nossos caminhos, desde então,tomaram direções bem diferentes.
Emília Viotti: Acho que sim. Acho que sim. Mas isso merece uma análise específica. Você querer fazer a análise dos livros, da obra dele, em que medida ele deu continuidade àquela obra, eu acho que você ficará surpreso, porque há uma certa continuidade que as pessoas não perceberam. Mas que existiam. Eu acho que o Fernando Henrique não é tão diferente hoje do que ele diz ser.
Paulo Markun: Nós vamos fazer mais um intervalo e voltamos em seguida.
[intervalo]
Emília Viotti: Bom, eu vou dizer que para mim é muito difícil julgar o governo Collor e o Fernando Henrique porque eu não estava no Brasil. E acompanhei de longe, mas não tenho a mesma competência de quem viveu nos dois períodos no Brasil. De qualquer forma, eu acho que há mais semelhanças do que diferenças em algumas coisas, por exemplo, a abertura do Brasil. No entanto, eu tenho a impressão, ou pode ser mera impressão, provocada por um discurso que o Collor fez na Universidade de Yale, onde eu estava. E ele foi o único presidente brasileiro, que eu saiba, que fez um discurso em português, embora ele fale inglês perfeitamente, fez um discurso em português, o que era uma afirmação nacionalista. Coisa que eu tenho impressão que o presidente Fernando Henrique Cardoso não faria. Eu acho que ele falaria em inglês. O nacionalismo no Brasil passou a ser fora de moda. E os nacionalistas são tachados de burros. E a oposição é tachada de burra. Eu acho isso sério. Eu não sei se o Collor fazia isso, por exemplo, pra dizer que é a mesma coisa ou que é diferente. Eu acho muito importante a falta de diálogo com o povo. Eu acho que não existe, neste governo, o que deveria existir, que é uma maior atenção aos problemas do povo. Do dia-a-dia do povo, do cotidiano do povo, as aflições do povo, eu acho que o governo se distanciou muito dos problemas sociais brasileiros que eu falei agora há pouco. Problemas de educação e saúde, que deveriam ser prioritários, não foram. Certamente, o governo terá suas respostas e uma das respostas que o governo dará é que não temos recursos e temos que pagar a dívida e é muito fácil pedir que se dê atenção aos trabalhadores, pra quem está na oposição, mas quando você vai ao governo, você percebe que tudo isso é verdade. Mas as escolhas das alianças, desde o início, foram contrárias ao que eu esperava. Eu, quando o Fernando Henrique foi candidato à presidência, eu esperava que ele viesse fazer um governo com outro tipo de alianças. Ele se aliou ao PFL, que era sabidamente um partido de direita. Isso, pra mim, não é uma coisa que me agrade, mas que importância tem a minha opinião... [sendo interrompida. Todos fala ao mesmo tempo]
Emília Viotti: Há muitos brasileiros que pensam como eu e há muitos brasileiros que pensam diferentemente. Aliás, isso é muito bom. O que está faltando é um diálogo, o que está faltando é que as pessoas troquem idéias, que os que se opõem sejam ouvidos porque se não chegam à presidência da República as opiniões dos inimigos ou dos opositores ou dos que são contra ele e se eles também não ouvem respostas, não se pode construir um Brasil. Não existe um país a ser construído por um grupo ou por outro. Tem que ser construído pelos brasileiros. E, para que os brasileiros possam construir um país, é preciso haver diálogo e oposição. A democracia se baseia na persuasão. Quem é capaz de persuadir melhor é aquele que deve ganhar a parada.
Emília Viotti: Eu acho que há vários problemas relacionados com a pesquisa histórica hoje, que não é culpa de ninguém e é conseqüência desse sistema que a Isabel falou há pouco, que exige que as pessoas façam teses uma atrás da outra em um prazo curto. Ninguém pode fazer uma grande síntese em prazo curto. Não só exige o trabalho histórico e exige reflexão, que exige tempo, mas exige coleta de material, de pesquisa. E ninguém mais consegue fazer isso, porque, como ela bem notou esse livro levou dez anos, também levou dez anos Da senzala à colônia. Também levou dez anos o outro. Se você olhar a data que os artigos foram publicados, foram publicados num período maior que dez anos. Então, se você tiver que publicar rapidamente um monte de coisas você vai escolher um “teminha pequeno”, que você pode manejar em tempo limitado. Aí ficam excluídas - de saída - as grandes sínteses. Esse é um dos problemas. Depois, tem a questão de moda, que aí fica na moda e depois sempre há um problema de rivalidade de gerações, como se fazia história assim, no passado, já não se faz no presente mais, o que é um erro. Eu aprendi que gerações sobem nos ombros de gerações anteriores para enxergar mais longe. Hoje em dia já se acredita que não se enxerga nem mais longe nem mais perto e que nós somos todos subjetivos e só temos a dar a nossa opinião. Então, se é assim...
Emília Viotti: Não, eu sou contra. Eu disse a você que eu fiz um abaixo-assinado na universidade, em 1968, se não me engano, contra o projeto MEC-Usaid, contra o pagamento da universidade. Eu acho que a universidade não dever ser paga. Há maneiras de se taxar. Quer taxar o burguês, faça um imposto progressivo. Faça os ricos pagarem o ensino, taxando através de imposto progressivo. Não precisa fazer uma universidade paga. A universidade paga é barrar a universidade. E não há razão nenhuma para se fazer universidade paga.
Emília Viotti: Mas não precisava passar no cursinho há 30 anos atrás. Há 30 anos atrás, quando entrei na universidade, eu não fiz cursinho nenhum, ninguém fazia cursinho. Porque...
Emília Viotti: ...o ensino secundário era muito bom. O colégio em que estudei, em São Paulo, era melhor que qualquer colégio que você encontre em qualquer lugar do mundo. Era um colégio excelente, era um colégio do Estado.
Paulo Markun: Mas hoje, justamente, os alunos da universidade paga, a universidade particular são justamente os alunos das classes mais baixas, mais pobres e que tiveram um ensino pior e os alunos da escola pública são exatamente aqueles alunos que vieram das escolas pagas?
Emília Viotti: Quando eu ensinava na Universidade de São Paulo noturno só tinha gente de classes bem humildes, que trabalhavam o dia inteiro e iam para a universidade às 7:30 da noite. Hoje em dia, eu suponho que seja a mesma coisa. E não tinha essa proliferação de universidades pagas. Mas por que teve essa proliferação? Porque o governo andou ajudando as universidades pagas. As universidades privadas. E a verba saiu da universidade, não se criaram tantas universidades, na medida das necessidades do público, por isso tem tanta... Agora, você imagina o seguinte: com o que custa uma universidade privada, quantas pessoas têm dinheiro para ir para essa universidade privada? Você pensa que é gente pobre? Não é gente pobre, não. Imagine você, trabalhando, a pessoa que ganha um salário normal hoje, comum, jamais entra numa universidade privada.
Emília Viotti: É, mas esse sistema é perigosíssimo. Porque assim nós vamos, então, dar bolsas, o que acontece? O Brasil é um país de patronagem. A patronagem não foi eliminada da realidade brasileira, continua em todos os cantos. O que acontece? Bolsa permite a patronagem. Então, você seleciona o aluno da maneira que você quer. Você não vai adotar critérios de mérito, você vai adotar critérios de compadrio, de amizade, de família, como sempre foi no Brasil e continua sendo. Então, é péssimo porque o sujeito que tem méritos, que tem inteligência e passa no vestibular e que entra não vai necessariamente ganhar bolsa. Então, eu sou completamente contra esse sistema de pagar, eu acho que tem se fabricado uma ideologia maciça e a mídia é muito responsável pela veiculação dessa ideologia que justifica escola paga, que justifica todas essas... a privatização, a demolição do Estado tradicional, que cuidava do povo, a economia voltada só para a exportação, o abandono do mercado interno, a eliminação dos direitos dos operários e isso também é um processo mundial. E, se a gente não acordar em tempo, nós vamos dentro de 30 anos ter uma sociedade toda esgarçada, como, aliás, já está acontecendo. A sociedade brasileira, nos últimos dez anos, piorou a olhos vistos. Pra quem vem de fora e, basta o melhor documento dessa piora, é a televisão que o povo vê. Não o cabo, que eu não vejo cabo, eu vejo a televisão que o povo vê. E essa televisão — com exceção da Cultura e dos seus programas – piorou, extraordinariamente, nos últimos dez anos.
Getúlio Bittencourt: Emília Viotti, mas não é dialético, olha. Você olha aqui nesse programa, você que é professora e os outros dois que são professores, tiveram uma reação quase corporativa em defesa da universidade...
Emília Viotti: Como assim?! Como assim? É chamar de corporativo todos os direitos que nós conseguimos?! Quer dizer, o operário conseguiu direitos, isso é corporação. Ninguém fala do corporativismo de empresários. É corporativismo do professor, corporativismo do médico...
Getúlio Bittencourt: Mas só pode ser reacionária. Mas você é uma moça de esquerda, olha o raciocínio dialético. A universidade ser gratuita num país onde as crianças não têm escola suficiente...
Emília Viotti: Eu já disse a você [exaltada], taxe os ricos, que eles pagarão para a educação primária, secundária e superior, que é fornecida pelo Estado gratuitamente aos que necessitam!
Francisco Alembert: Tem um projeto... o presidente Fernando Henrique, quando era senador, tinha um projeto de taxar grandes fortunas, que continua lá. Mas acho que, nessa questão, permanece um problema - tentando inverter o raciocínio - muito sério para nós, professora, o ministro da Educação foi um reitor da universidade [refere-se a Paulo Renato de Souza, que foi reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)]. E o presidente da República é um intelectual universitário de renome mundial. Entre nós, existem também aqueles que não gostam do que...[sendo interrompido]
Emília Viotti: É... Mas ....Lamentável. Lamentável que não defendam os interesses...
Marcio Chaer: Agora, professora, as campanhas que eu vejo do professorado, todas por salário. A senhora estava repudiando, aí, o corporativismo e eu só vejo campanha por salários. Eu não vi nenhuma greve pela qualidade de ensino.
Emília Viotti: Então vamos falar do professor secundário. Ou do professor primário. Um professor que ganha 300 reais. Não têm direito de reclamar do seu salário? Um professor que ganha 600 reais, que é considerado um alto salário para um professor secundário... Cabe na cabeça de alguém que uma pessoa possa viver com esse salário? E possa ser professor de alguma coisa e ensinar alguma coisa? Tem tempo para comprar livro? Quando um livro custa 50, 60 reais? Como é que ele vai comer? Como é que ele vai viver com esse salário? Ele não tem direitos de reclamar um salário mais decente? Uma sociedade que paga tão mal os seus professores, tão mal, eu estou falando dos professores de ensino primário e secundário... Você pode dizer que os assistentes da faculdade também ganham pouco. São muito poucos os indivíduos da universidade que têm bons salários. Muito poucos.
Isabel Loureiro: Emília Viotti, e tem mais uma coisa. O que eu acho gravíssimo que está ocorrendo agora é que, com a Alca [Área de Livre Comércio das Américas, proposta inicialmente no governo Bill Clinton. O objetivo é promover uma área de comércio livre nas Américas, exceto em Cuba. O acordo, no entanto, ainda não foi aprovado devido aos conflitos de interesse entre os países envolvidos], o que vai ocorrer é que esse setor da educação foi considerado serviço pela Organização Mundial de Comércio, então, a educação é vista como um serviço, igual aos outros serviços. Ou seja, é um terreno da competição, onde os empresários melhores, mais espertos, vão ganhar dinheiro. É assim que a coisa é vista. Então, eu acho que nós corremos sérios riscos, no Brasil, se não continuarmos lutando contra a privatização do ensino público e, no caso, veja, respondendo à sua questão [refere-se à Marcio Chaer], não tem nada a ver essa história de dizer que professor só faz greve por salário. Aliás, a Emília tentou dar razão ao dizer que se o salário é tão baixo, tem mais é que fazer greve por salário. Mas a greve das universidades públicas, no ano passado, ela não foi apenas por salários ela foi pela manutenção da qualidade de ensino também.
Marcio Chaer: As bandeiras que eu vi foram só essas...
Getúlio Bittencourt: Quando você diz que... por que não se aumenta então o imposto sobre os ricos, se eu te pergunto: isso é uma posição realista? Se você, que acompanha a história do Brasil faz tanto tempo, esse Congresso não aumenta impostos sobre os ricos, não faz isso...
Emília Viotti: É uma posição realista. Então o povo tem que eleger um outro Congresso, certo? A mídia tem que acabar de deixar de divulgar ilusões e contar coisas que não são exatamente como são. É preciso saber quem vota e quem não vota no Congresso e, se vota, vota o quê. Quem apoiaria medidas que beneficiam o povo e quem não está interessado em beneficiar o povo, para eles não serem reconduzidos aos cargos. É preciso reativar a democracia. Mas o que está se vendo é que a democracia que está sendo mantida é de fachada, mas ela está perdendo as bases que as suportavam.
Paulo Markun: Nesse processo que a senhora menciona e aproveitando a pergunta de Paulo Ceródio, aqui de São Paulo, qual é o papel do indivíduo? E eu vou ler a pergunta dele, que eu acho que tem esse sentido. Ele diz o seguinte: “Na maioria dos livros de história, há destaque para figuras individuais que foram capazes, por sua bravura ou sabedoria ou honestidade ou tenacidade ou por suas características de valor pessoal, alterar e indicar os caminhos da história. Os heróis, os homens de grande valor podem sozinhos mudar os rumos da história dos povos? Por que é que o Brasil tem tão poucos heróis e por que é que não somos", segundo ele, "líderes de coisa alguma?”
Paulo Markun: A senhora acha que o MST [Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, criado em 1984, exige do governo brasileiro a reforma agrária], por exemplo, é um bom exemplo de organização?
Paulo Markun: A senhora imagina que isso... pelo raciocínio da senhora, eu concluo que isso signifique uma organização, para usar uma palavra que saiu de moda, de esquerda. Quer dizer, das pessoas que são prejudicadas contra aquelas que as prejudicam, dos que não têm poder contra os que têm poder?
Paulo Markun: Porque nós vamos citar um exemplo. Em relação à violência, por exemplo, nós temos... atinge a todos, mas há quem pratique a violência e há quem seja vítima dela. E o Estado, supõe-se que deveria organizar essa bagunça para que houvesse menos violência.
Paulo Markun: Última pergunta, professora. Nosso tempo está realmente acabando. Da análise que a senhora faz ou que fez, durante toda a sua vida acadêmica, da história brasileira, qual é a moral dessa história, qual é o resumo da obra?
Emília Viotti: É um resumo daquilo que ainda é hoje. A história do Brasil é a história de um país que foi colonial, é a história de uma elite que foi conservadora, que foi escravocrata, que foi pouco democrática e de um povo que foi sistematicamente excluído, com alguns períodos breves de melhoria.
Paulo Markun: A senhora acha que estamos vivendo um desses breves períodos ou a senhora é mais pessimista?
Emília Viotti: Eu acho que talvez não seja dos piores, mas também não é dos melhores. Já houve melhores períodos na história do Brasil. Houve períodos, na época do Getúlio, para certos setores da sociedade. Evidentemente muitos foram sacrificados na época do Getúlio também, houve períodos na época do Juscelino, que foram melhores, e isso para falar da história mais recente. Eu acho que a história do Brasil têm tido períodos melhores, aqui em São Paulo também teve períodos melhores. Na época do governo Montoro [André Franco Montoro (1916-1999), foi governador de São Paulo entre 1983 e 1987], o Brasil estava melhor, São Paulo estava melhor.
Paulo Markun: Muito bem! Obrigado pela sua entrevista, aos nossos entrevistadores e a você que está em casa.