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Memória Roda Viva

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Carlos Arthur Nuzman

16/8/1999

Nesta entrevista, o presidente do COB relaciona iniciativas que considera promissoras para estimular o esporte no Brasil, principalmente como alternativa profissional para jovens menos favorecidos

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Paulo Markun: Boa noite. Ele ajudou a transformar o vôlei brasileiro no segundo esporte do país e um dos melhores do mundo, e avisa que em 2004 o Brasil poderá ser uma verdadeira potência olímpica. No centro do Roda Viva esta noite, Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro [COB]. Carioca, 57 anos, Carlos Nuzman é formado em direito e ficou conhecido dos brasileiros na década de 1960, como jogador da seleção brasileira de voleibol. Foi presidente da Federação de Vôlei do Rio de Janeiro e, depois, da Federação Brasileira e da Federação Internacional de Vôlei. Desde 1995, preside o Comitê Olímpico Brasileiro. Em 1996, comandou em Atlanta a melhor campanha até então feita pelo Brasil em uma Olimpíada e repetiu a façanha agora, nos Jogos Panamericanos de Winnipeg, no Canadá.

[Inserção de vídeo. Imagens de atletas e equipes brasileiras nos Jogos Panamericanos. Narração de Tereza C. de Barros]

[O vídeo inicia e termina ao som da introdução do hino nacional] O hino nacional brasileiro nunca foi tocado em competições olímpicas como dessa vez, em Winnipeg. Foi a melhor atuação brasileira na história dos Jogos Panamericanos. Correndo, lutando, arremessando, pulando, nadando, o Brasil se superou. Gustavo Borges, Fernando Scherer, Leonardo Costa, Luiz Lima, César Quintaes e André Cordeiro ampliaram o destaque à natação brasileira. Só eles levaram sete das 25 medalhas de ouro conseguidas pelo Brasil. Mas Winnipeg mostrou uma outra coisa importante: além de velhos campeões, o Brasil tem talento novo chegando ao pódio. Maurren Hagi Maggi, no salto em distância; Vanderlei Cordeiro, na maratona; Lucélia de Carvalho, no karatê; Elisângela Adriano, no lançamento de disco; Vânia Ishii, no judô; além das meninas da ginástica rítmica, do time de handebol e da equipe masculina de basquete, entre outros. É o país do futebol se descobrindo nos esportes olímpicos. Pela primeira vez em 48 anos de Jogos Panamericanos, o Brasil atinge a casa de três dígitos no quadro de medalhas: ao todo, 101. Tem as muito mais por paixão e garra do que por apoios e incentivos. O país que aplaudiu seus novos campeões olímpicos ainda é um país que reluta em formar seus atletas, que demora para perceber seus talentos.

[Fim do vídeo]

Paulo Markun: Para entrevistar o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro nós convidamos o jornalista Sávio de Tarso, chefe do esporte da TV Cultura de São Paulo; o medalha de ouro da natação sete vezes, Gustavo Borges; Hortência Oliva, empresária e diretora do Paraná Basquete Clube; o atleta olímpico Agberto Guimarães; o jornalista, Mauricio Cardoso, editor da revista Veja e o jornalista Melchíades Filho, editor de esportes do jornal Folha de S.Paulo. Você sabe, o Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília e é possível fazer perguntas pelo telefone (0--11) 252-6525. Ainda pode-se perguntar pelo fax (0--11) 3874-3454 ou ainda através da internet, onde nosso endereço é rodaviva@tvcultura.com.br. Boa noite, Nuzman.

Carlos Arthur Nuzman: Boa noite, Paulo.

Paulo Markun: A primeira pergunta é óbvia. É para se comemorar o resultado efetivamente desses Jogos Panamericanos? É um feito importante para o Brasil?

Carlos Arthur Nuzman: É um feito importante, a comemoração é necessária e há um degrau. Os Jogos Panamericanos, no meu modo de entender, eles hoje fazem parte do passado, um passado glorioso, um passado importante e que deixa o ânimo e o estímulo de trabalhar mais para procurarmos alcançar novas metas e superarmos recordes, e manter acesa a chama do desafio.

Paulo Markun: Quer dizer que o argumento que chegou a ser apresentado pela imprensa, de que alguns dos resultados não eram assim tão sensacionais do ponto de vista técnico e que algumas equipes não estavam "com a corda toda" nos Panamericanos não diminui a vitória brasileira?

Carlos Arthur Nuzman: Eu acho até que poderíamos analisar esporte por esporte, contar um pouco a história de cada um deles, como é que se apresentaram às outras equipes. Se nós fôssemos tentar preparar uma desculpa para o recorde, para a tentativa de quebrar o recorde das medalhas de ouro, teria sido fácil. Havana, 21 medalhas de ouro. Ora, os Estados Unidos e o Canadá praticamente sabotaram os Jogos Panamericanos de Cuba, levaram uma quinta força e delegações pequenas. Foi a única vez [em] que Cuba saiu vencedora. Nós não usamos isso. Poderíamos usar que Mar del Plata [cidade argentina que sediou os Jogos Panamericanos de 1995]... que, da mesma forma, nós conseguimos 18 medalhas de ouro. A maioria dos países não levaram as melhores equipes. Agora, é importante dizer que os Estados Unidos, em algumas modalidades esportivas, eles nunca levaram a sua melhor equipe. Então não vamos também nos enganar e nós não queremos enganar o público, de maneira nenhuma, mas de que há uma clara evidência de que nos Jogos Panamericanos nenhum atleta brasileiro estava no seu ponto máximo, como [quando] vai disputar os Jogos Olímpicos, também é uma verdade, porque ainda faltam 13 meses para a preparação.

Maurício Cardoso: Isso não quer dizer, Nuzman, que o nível do Brasil internacional é de Panamericano, digamos... na maioria dos esportes ele não tem nível olímpico, tirando algumas honrosas exceções?

Carlos Arthur Nuzman: Maurício, eu acho que há um crescimento do esporte. O crescimento está diretamente ligado ao que cada modalidade tem feito na sua história ou nas preparações que tem tido. Nós temos alguns esportes [em] que é notório o crescimento deles. Talvez até o teste final sejam os Jogos Olímpicos. Mas se nós fôssemos olhar de uma forma crítica... Um exemplo: a natação. Dois Panamericanos atrás, iríamos dizer: "nós estamos com resultados que não vão representar ou esperar o resultado para os Jogos Olímpicos.", mas ela vinha no crescimento, exatamente igual o voleibol, como está o atletismo, como é o judô, a vela, o hipismo. O hipismo surpreendeu [com] a medalha de bronze por equipe nos Jogos Olímpicos de Atlanta. E, com uma equipe nova, com alguns novos, nós conseguimos manter a mesma medalha de ouro com Canadá, tendo a sua equipe olímpica, ganhando do Canadá dentro de casa. Então, existem alguns esportes que nós fatalmente... nós vamos ter assuntos como esse. Eu vou dar um exemplo do basquete. O basquete masculino foi, eu acho... que, para o que a seleção brasileira, que ela teve da perda da vaga olímpica à sua recuperação eu acho [um feito] histórico, talvez até mais histórico que 1987, porque em nível de equipes é a mesma, a mesma de 1987, a mesma de 1999, não era uma equipe da NBA [Associação Nacional de Basquete, na sigla em inglês. É a liga profissional de basquete dos Estados Unidos], era uma equipe da segunda força do basquete americano. E não é por isso que nós vamos desmerecer nem o título da medalha de ouro de 1987, nem o da medalha de ouro de 1999; ambas foram consagradoras.

Hortência Oliva: Você não acha que, pela estrutura do esporte não profissional aqui no país, pela situação econômica do país e pelas poucas empresas que adotam os atletas ou patrocinam os atletas, você não acha que nós fizemos até demais no Panamericano?

Carlos Arthur Nuzman: Hortência, eu acho que você coloca muito bem isso. Eu acho que isso é uma realidade. Se nós formos analisar os recursos que nós temos, as dificuldades que cada modalidade tem, cada trabalho feito em cada modalidade esportiva, nós vamos chegar a algumas conclusões, e uma delas, posso exemplificar a ginástica, a GRD [Ginástica Rítmica Desportiva], que conquistou essa brilhante medalha de ouro, acho que emocionou o país inteiro, [o Brasil] foi aplaudido de pé pelas canadenses, pelos canadenses, mesmo o Canadá com a sua equipe olímpica brigando pela medalha de ouro, certa [de] que ia ganhar medalha de ouro e, no entanto, foi o Brasil que deu um show e deu uma diferença de pontos muito grande que é até meio fora do normal do que acontece em competições de ginástica. O que é um trabalho em Londrina, trabalho feito pela dona de uma universidade que adotou uma equipe e essa equipe ficou uma equipe panamericana e que nós esperamos que ela possa estar classificada para os Jogos Olímpicos de Sidney [Austrália].

Melchíades Filho: Vou insistir na questão técnica. Em entrevista em Winnipeg você disse que pretende moralizar, continuar moralizando a delegação que o Brasil costuma levar às Olimpíadas, que o COB tem como objetivo acabar com os convites e não levar a Sidney atletas que não têm índice técnico. Isso implica, por exemplo, que alguns atletas que medalharam no Panamericano - a própria ginástica rítmica - correm muito o risco de não ir aos jogos. Queria que você confirmasse isso, elaborasse um pouco em cima desse problema. É isso mesmo? Os tenistas não vão... ?

Carlos Arthur Nuzman: O que eu coloquei antes dos Jogos Olímpicos de Atlanta... aliás, quando eu assumi o Comitê Olímpico Brasileiro, o que foi feito para Atlanta será feito para Sidney. Nenhum atleta convidado irá aos Jogos Olímpicos. A questão do índice técnico eu não posso colocar, porque no momento [em] que eu obtenho o índice da Federação Internacional, índice oficial, o atleta irá ou a equipe classificada estará presente.

Paulo Markun: Vamos esclarecer para o público leigo o que significa o atleta convidado e o que significa o atleta não convidado, porque dá impressão, para quem não entende do assunto, [de que] para ir para Sidney todo mundo tem que ser convidado.

Carlos Arthur Nuzman: Eu acho muito oportuno. Os Jogos Olímpicos... anteriormente era livre o número de atletas que iam...

Paulo Markun: [Interrompendo] Podia inscrever quem quisesse?

Carlos Arthur Nuzman: Quem quisesse. Era livre. Até que o gigantismo tomou conta e nós ficamos diante de uma situação de impossibilitar a construção, seja de uma Vila Olímpica e seja de dar condições de treinamento e de alimentação. Então se limitou [o número de atletas] em 10 mil. E cada Federação Internacional foi obrigada a estabelecer um critério e receber uma cota limite. O atletismo tem um limite de atletas, como a natação, como cada esporte individual. Os coletivos já são conhecidos há mais tempo, já eram dessa forma. Então, com isso, o Comitê Olímpico Internacional [COI] limitou e eliminou provas. Várias modalidades esportivas tiveram provas reduzidas para entrada de novos esportes. Então, com relação a Sidney, é claro que as federações internacionais que estabeleceram o limite, os índices de classificação, sejam de atletas, sejam de equipes... esses atletas só irão se obtiverem o índice, mesmo que eles não possam obter medalhas. Isso é uma questão clara, porque senão estaria em prejuízo a modalidade esportiva perante a sua Federação Internacional e implicaria no desenvolvimento dela e até nos campeonatos mundiais.

Gustavo Borges: Nuzman, eu tenho uma pergunta sobre incentivo fiscal. A gente esteve recentemente com o presidente Fernando Henrique. Gostaria que você elaborasse um pouco como foi a nossa visita. A gente chegou de um Panamericano, conseguimos 25 medalhas de ouro. Queria saber a sua posição sobre o incentivo fiscal, qual a forma de a gente conseguir isso que está na cabeça de todo dirigente, conseguir esse incentivo fiscal, que seria aí maravilhoso para o esporte. Eu sei que uma das ambições do Comitê Olímpico Brasileiro é alcançar o Canadá nos próximos Panamericanos. A gente tem condições de fazer isso sem incentivo fiscal? Como pode ser feito? E como é que a gente envolveria a empresa privada para patrocinar o esporte?

Carlos Arthur Nuzman: Eu levei muitos anos falando em incentivo fiscal, Gustavo, e até nós conversamos muito sobre isso, de que o incentivo fiscal era fundamental. O esporte foi o único segmento da sociedade que até hoje não teve nenhum benefício fiscal; todos os demais tiveram. E o mundo inteiro fala que o esporte e a cultura representam a base do olimpismo. A própria definição de olimpismo do presidente Samaranch, presidente do Comitê Olímpico Internacional, é essa: olimpismo é a integração do esporte, da educação e da cultura. Acontece que nós sempre tivemos pedidos de não lutarmos por isso, por questões de ordem, seja financeira, seja política. Mas eu sempre mantive, sempre falei sobre isso, independente que as opiniões fossem contrárias. Até que no dia 23 de junho deste ano [1999], no dia [em] que nós apresentamos a equipe brasileira do Panamericano aqui em São Paulo, eu entrei no avião, peguei o jornal e li que a cultura na Comissão de Educação do Senado teve a aprovação da arrecadação de 1% para 10% da arrecadação bruta de todas as loterias existentes no país, o que representaria um total de R$ 198 milhões por ano. São números que eu dou por matéria lida nos jornais. Aliás, vou dar a fonte de um jornal, que foi O Globo, foi o jornal que deu esses números. A partir desse momento, eu não pude mais me conter e aqueles que lá estiveram viram que eu mencionei que nós lutaríamos pela igualdade do esporte e da cultura em relação às loterias. Com isso, nós não traríamos nenhum problema à equipe econômica do governo, já que não seria do incentivo fiscal, seria da loteria. Da mesma forma que a cultura teve aprovado por essa comissão do Senado, o esporte deveria ter... Nós não queremos tirar nada da cultura. E hoje eu posso dizer que amanhã estará dando entrada no Senado... em que o senador Pedro Piva, PSDB de São Paulo, estará entrando com uma medida, com um projeto de lei exatamente igual ao da cultura, em benefício do esporte. Os mesmos 10% que a cultura está obtendo, ele estará propondo para todo esporte e para o esporte, não o futebol profissional. Eu quero deixar claro que eu tenho colocado isso por reiteradas vezes, que a nossa luta para o esporte olímpico, não olímpico, e que o futebol profissional que tem os seus caminhos, seus recursos, cada vez mais a entrada de dezenas e centenas, hoje de milhões de dólares no país, eles têm o seu caminho já pavimentado. Então, com isso, eu posso lhe dar essa informação, porque hoje eu estive com o senador Pedro Piva e amanhã ele estará dando entrada no Senado com esse projeto de lei. Esse é um caminho que eu vejo que não há nenhum ferimento às bases da economia do país, dos benefícios para não criar o problema, apesar de achar que em outro momento vamos ter que estudar também a questão do incentivo fiscal; pode não ser neste momento, mas de qualquer maneira, Gustavo, nós estamos dando um passo importante e, pelos números que representam o esporte no Brasil, ele terá sem dúvida uma fonte de arrecadação. E com esse crescimento, eu não tenho dúvida [de] que as empresas terão motivação, como devem ter tido agora após a realização dos Jogos Panamericanos. Então eu acho que é isso que eu queria dar. Eu acho que é uma notícia ao esporte todo. Você tem toda razão, todas as confederações, todos os atletas vêm pedindo, todos eles esperavam por uma medida logo após os Jogos Panamericanos, que pudesse ter uma ação e essa ação pudesse trazer um benefício ao esporte. É em questão social, é em questão de educação, é em questão de cultura, é para criança pobre poder ter a sua oportunidade, e acho que tudo tem que ter a sua prestação de contas, a sua fiscalização. Tudo isso tem que ser da melhor forma possível. Mas com essa ação, eu não tenho dúvidas de que nós estaremos caminhando para formar um Brasil potência olímpica. Com esses recursos vamos ter núcleos para crianças, para jovens que têm talento e não têm oportunidade de poder desenvolver. Vamos atrair e mostrar jovens e que eles possam ter um sonho de um dia serem atletas ou terem um emprego na vida e fugirem da marginalidade. Eu vejo que o instrumento do esporte é um instrumento mais forte em questões hoje de educação e de cidadania.

Hortência Oliva: Nuzman, eu participei de quatro Panamericanos, duas Olimpíadas. Em todas as vezes, a gente sempre... Nós éramos recebidas pelo presidente da República e todas as vezes sempre era aquele mesmo discurso: “Nós vamos ver o que nós podemos fazer.”. E a gente sempre percebeu que nunca foi feito nada, como agora nós vamos ver, falar com as empresas e tal. Esse recurso, por exemplo, que você falou, ele iria para o Comitê Olímpico Brasileiro? Como é que funcionaria isso, em vista que, por exemplo, o que a gente percebe... ? Por exemplo, eu tenho uma equipe de basquete e nós estamos sem patrocinadores. Algumas das jogadoras dessa equipe que eu tenho são cedidas para a Confederação Brasileira de Basquete, mas mesmo assim eu continuo pagando o salário dessas meninas, mesmo quando elas participam da seleção brasileira. Mas então, por exemplo, esse recurso, ele não vai chegar até o clube. E é o clube que mantém basicamente o atleta quase que o ano inteiro. Então teria que ter uma lei de incentivo ao esporte para incentivar a empresa para patrocinar os clubes.

Carlos Arthur Nuzman: Veja só, eu concordo com você, de que a equiparação em gênero, número e grau do esporte e da cultura é inevitável. Isso pode levar algum tempo, mas isso vai acontecer. Não pode um segmento da sociedade ter benefício e o outro não ter.

Melchíades Filho: Desculpa insistir, a gente está vivendo um momento [em] que, tanto no discurso como na prática, o governo está se retirando de uma série de atividades, [como] educação, enfim, economia... Após toda Olimpíada, Panamericano, vem sempre esse discurso. Os atletas, dirigentes aproveitam os microfones e holofotes para pedir incentivo fiscal. A gente está cansado de ouvir isso aí. Eu quero saber se o senhor acredita que esse discurso, esse tipo de reivindicação tem futuro, que o esporte vai se reerguer com o dinheiro do Estado, exatamente porque está vivendo uma situação hegemônica até de ideologia de retirada.

Hortência Oliva: Mas a resposta sempre é essa “Ah, o país hoje não está passando por uma situação boa.”. Desde que eu jogava, muito anos atrás, a resposta sempre é essa.

Melchíades Filho: Pelo jeito vai demorar muito para passar para uma situação boa. Eu queria saber se o esporte pode esperar, se é inteligente ficar com esse discurso.

Carlos Arthur Nuzman: Eu apenas lhe respondo de uma maneira muito clara. O mundo inteiro tem ajuda dos governos. Não será o Brasil o único em que o governo vai participar.

[...]: Aonde é que fica a Lei Pelé nesse projeto?

Carlos Arthur Nuzman: Veja bem, a lei Pelé tem os seus caminhos, os seus benefícios, mas ela é muito mais direcionada ao futebol do que qualquer outra modalidade esportiva; isso é muito claro a ela. Mas eu acho que o problema não é o problema da lei. Eu até costumo dizer... eu, quando presidi a Confederação Brasileira de Voleibol, se eu fosse seguir fidedignamente o que estava na lei, o voleibol não seria o que é hoje. Então, não é a lei que vai fazer o esporte crescer ou decrescer. Será a ação das pessoas envolvidas nas entidades - isso é muito claro -, é a luta e os desafios de cada um deles. O que eu vejo é que você tem uma equipe e que essa equipe deve ter um apoio. Não sei se esse projeto vai abranger isso tudo, mas eu também não posso fugir de que o jovem que não tem dinheiro para pagar um clube, a mensalidade, uma escolinha, ou se associar a quem quer que seja, ele não possa ter uma oportunidade de ser também um integrado ao esporte, à sociedade, ter cidadania e seguir, ter um emprego. Não é que ele vai chegar à seleção brasileira, mas ele está envolvido. É uma questão inclusive de emprego. Nós vamos gerar muitos empregos. Então, são duas coisas diferentes: o incentivo fiscal é um caminho - por isso que eu disse que eu não sei se esse é o momento, até ressalvando as questões de governo - e o outro é de loteria, de jogo, é da aposta.

Maurício Cardoso: O governo encontrou os argumentos e justificativas para conceder um incentivo fiscal para a Ford [empresa norte-americana do setor automotivo] se estabelecer na Bahia. Quais são os argumentos que o esporte pode apresentar para o governo, para pedir algo semelhante?

Carlos Arthur Nuzman: Você está levando o caminho ainda da lei de incentivo. Eu estou levando o da loteria, que o da loteria não prejudica em nada as finanças do governo.

Paulo Markun: Porque é uma batalha mais fácil?

Carlos Arthur Nuzman: É. É mais fácil. Eu não vejo que seja mais difícil, porque, da mesma maneira que foi aprovado numa comissão de Senado de 1% para 10%, eu não vejo que isso seja problema de conceder ao esporte também.

Gustavo Borges: Mas esse papo com o governo sempre é difícil, independente de ser a loteria esportiva ou o incentivo fiscal, independente se for mais fácil ou não. Assim mesmo é difícil as duas coisas. Agora, qual é o plano de contra-ataque? O que a gente tem do nosso lado para a gente conseguir chegar lá e mesmo sem uma ajuda do governo a gente conseguir chegar a 39 medalhas de diferença do Canadá no próximo Panamericano? A gente está olhando assim há quatro anos, oito anos. O ano que vem não adianta mais nada.

Paulo Markun: Eu queria acrescentar aqui duas perguntas da mesma linha, de Everton Resende Lucas [telespectador do programa], que pergunta: “Qual é o fator mais relevante na falta de apoio do esporte no Brasil?”. E o [telespectador] Vagner Gomes Pereira pergunta: “Por que nós não temos crédito das empresas? Por falta de retorno financeiro? Só esse motivo faz com que alguém apóie o esporte nacional?”. Quer dizer, só se apóia o esporte em busca de retorno financeiro?

Carlos Arthur Nuzman: Aí quem deve responder são as empresas, porque nenhuma delas faz filantropia. O único que fez filantropia foi Antônio Carlos de Almeida Braga [(1926-), empresário  brasileiro do ramo financeiro. Foi dono da seguradora Atlântica Seguros, que fundiu-se posteriormente à Bradesco Seguros], doce Braguinha, quando da [empresa de seguros] Atlântica Boa Vista, depois do [banco] Bradesco. Os demais, todos buscam. Eles entram no esporte e saem no momento que é atingido o seu objetivo.

Paulo Markun: São as estatais, né? Por exemplo, o Gustavo está ali com a camisa de Correios, que é uma empresa que não tem concorrentes, né? Quer dizer, é uma empresa que aposta no esporte - pelo que eu sei -, como o Banco do Brasil, por exemplo, por uma política de governo, não é por uma política de conquistar espaço em relação aos seus competidores.

Carlos Arthur Nuzman: Se ele não fizer, não apoiar o esporte, seja o Correio, Banco do Brasil ou a Caixa, essa verba, seja de propaganda, seja de mídia, ela vai ser gasta em outras ações. Então, o esporte não está tirando nada disso. Ele está tendo mérito de poder...

Paulo Markun: [Interrompendo] Eu não estou criticando, eu só estou dizendo que são as empresas que mais apostam. Se você examina as outras empresas, os laboratórios e tal, os recursos são significativamente menores.

Carlos Arthur Nuzman: O Banco do Brasil, quando veio apoiar o voleibol, ele usou a seguinte frase: "O cliente do Banco do Brasil envelheceu, nós precisamos rejuvenescer.". E o esporte... a pesquisa deu que [quem] deve fazer esse trabalho é o voleibol e por isso eles entraram. Então, foi uma ação do governo do Banco do Brasil, da política dele, do presidente da época que quis e os demais seguiram por resultados espantosos. Foi inclusive case de marketing não só no Brasil como no exterior. Agora, o que o Gustavo está colocando eu acho que é muito importante. É quais as ações que nós podemos fazer para que isso, quer dizer, [para que] o que não seja de governo possa ter um desenvolvimento do esporte, não é isso? Muito bem, isso só pode através de trabalho, muito trabalho...

Gustavo Borges: [Interrompendo] A gente viu o sacrifício que foi neste ano para levantar três, quatro milhões para levar a campanha do Panamericano.

Carlos Arthur Nuzman: É verdade.

Gustavo Borges: Isso a gente conseguiu em cima da hora. Você, com todo esse trabalho... a gente precisa de um trabalho a longo prazo, a gente não ganhou essa medalha desse Pan nesse último ano, a gente ganhou quatro anos atrás, lá em Mar Del Plata, nesse ciclo... o [...] desse ciclo Panamericano. Então daqui para frente tem mais, tem mais batalhas.

Carlos Arthur Nuzman: Gustavo, eu vou tomar por base até a minha experiência, que eu comecei a presidir uma confederação que não tinha resultado nenhum, era 13º do mundo e não tinha recursos, e apenas tinha muito trabalho, muita dedicação. Os atletas entraram num projeto de que eles teriam que viajar em avião da FAB [Força Aérea Brasileira], ficar em alojamentos, ficarem doze no mesmo quarto, cada um comprar o seu tênis, e assim começou a construção dessa história do voleibol brasileiro, até que os resultados começaram a aparecer e começaram a aparecer também aqueles que quiseram ajudar. Da mesma forma, eu vejo as confederações que não têm nenhuma condição, em não tendo nenhum recurso, elas têm que fazer isso. Não tem outro caminho, infelizmente não tem. A maioria dos países tem outros recursos que nós não temos. Como é que vocês da natação começaram? Eu diria, oito anos atrás, qual era o resultado que tinha a natação? Foi através da exigência de recordes severos que a Confederação estabeleceu e que vocês nadadores passaram a lutar mais forte para poder alcançar os índices e irem a Jogos Olímpicos, Jogos Panamericanos, e o resultado está aí: vocês estão quase sempre na ponta dos cascos, na melhor forma possível. Dificilmente, durante o ano, vocês não têm um bom resultado, porque vocês sabem que têm índices, seja da Confederação ou seja, hoje da Fina, da Federação Internacional [de Natação]. Então, são duas coisas que a gente tem que deixar claro: uma delas é que nós podemos lutar, acho que esse projeto do senador Pedro Piva nós todos temos que nos empenhar para apoiar. Da mesma forma que a Cultura faz, que os artistas vão juntos, que eles apóiam, nós temos que ter os dirigentes, atletas em função disso. Da mesma forma que enquanto não tivermos, nós vamos ter que lutar muito, lutar muito mesmo. Vamos adiar talvez o sonho de ser uma potência olímpica. Poderia até alguém perguntar: "É importante para o Brasil ser uma potência olímpica?". Eu respondo: é muito mais fácil nós tentarmos abrir caminhos para o esporte, para atletas, para que se possa dar uma conotação ao jovem de que ele entra para a sociedade, mesmo sem ter dinheiro, mesmo ele sendo pobre, mas que ele tem um horizonte, que ele poderá trabalhar em vários ramos da sociedade, do que nós não abrirmos nada. O mundo inteiro faz isso. O esporte é uma indústria que cresce no mundo inteiro. Ninguém está contando aqui uma história em termos de Brasil... Nós estamos lutando é para o Brasil estar dentro dele, nós estamos lutando para que o Brasil possa participar dessa campanha mundial que todos estão fazendo. As pessoas falaram muito de Brasil e Argentina. Eu tenho aqui os números e, se me permitem mostrar... [coloca seus óculos de grau] de dois países que estão crescendo e que ninguém falou, mas eles estão aqui: [procura em seus papéis] Venezuela teve quarenta medalhas e Colômbia 42. São números expressivos em termos de Jogos Panamericanos. Eles avançaram, eles chegaram perto. Se nós formos olhar o México... o México, que foi quarto lugar durante muito tempo, teve 57 medalhas. Nós não estamos muito longe disso.

Paulo Markun: O que explica a Venezuela e a Colômbia [com] esse aumento? O que está por traz disso?

Carlos Arthur Nuzman: Trabalho. A Colômbia tem um centro olímpico de excelência que o Brasil não tem. A Colômbia tem tido um suporte, um apoio para o trabalho do esporte muito grande. Eu acho que a Colômbia hoje é sede de campeonatos mundiais em número superior ao Brasil. Que campeonatos mundiais nós sediamos ultimamente?

Paulo Markun: Aliás, o Claudio [...], de Niterói, pergunta o seguinte - nós estamos no final do bloco, mas só para terminar rapidinho -: "Como é que a Argentina, com trinta milhões de habitantes, empata com o Brasil, com 160 milhões, em números de medalhas de ouro? É a questão também do incentivo?".

Carlos Arthur Nuzman: Não vai ser pelo número de habitantes que nós vamos... O Canadá tem trinta milhões também, igualzinho à Argentina.

Paulo Markun: Cuba.

Carlos Arthur Nuzman: Cuba tem menos. Então não é pelo número de habitantes. É o que o esporte se propõe a fazer, o que a vontade política dentro do esporte... ele pode acontecer. Argentina vem crescendo. A Argentina gastou no remo US$ 1,2 milhão.

Paulo Markun: [Equivale a] Um terço do que nós gastamos em tudo, não é isso?

Carlos Arthur Nuzman: Não. Nós recebemos... Nós gastamos US$ 2,5 milhões na operação.

Paulo Markun: Quase metade.

Carlos Arthur Nuzman: Estou falando em dólares. Nós falamos em reais, é diferente. US$ 1,2 milhão deve dar em torno de R$ 2 milhões. Então, quase a mesma coisa. A equipe de remo da Argentina ficou seis meses nos Estados Unidos. Então, ganhou sete medalhas de ouro. Ninguém disse se o remo dos Estados Unidos era o primeiro, segundo... ou terceira equipe que foi. Todo mundo enalteceu as sete medalhas de ouro da Argentina. Da mesma forma, ela ganhou três [medalhas] em canoagem. Então, só ali na remada foram dez medalhas; ela teve 25. Então, o que tem é que alguns esportes na Argentina estão tendo... está bem, são esportes que não têm talvez a repercussão dentro de um país como têm outras modalidades esportivas. Mas o número de medalhas é igual. Para nós termos o atletismo, a natação, sete medalhas de ouro cada um, 16, 15 medalhas no total, é para nós fantástico isso! Mostra realmente... Nós tivemos 25 esportes com medalhas. Quebramos também esse recorde, espalhamos as medalhas. O esporte cresceu em todos eles. É muito mais do que a Argentina. Mas, voltando a dizer: cuidado com México, que decaiu, mas Colômbia e Venezuela cresceram. Eu não sei o que vai acontecer no Panamericano de 2003.

Paulo Markun: Nós vamos fazer um rápido intervalo e voltamos daqui a instantes, com o Roda Viva.

[Intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, hoje entrevistando Carlos Nuzman, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro. Você pode fazer perguntas pelo telefone (0--11) 252-6525. Botaram esses dois numerozinhos só para me atrapalhar, antigamente era (011) agora tem sempre me lembrar para não falar os números. (0--11) 252-6525, e fax (0--11) 3874-3454 - quem dera que fosse só isso o problema - e o nosso endereço na internet rodaviva@tvcultura.com.br. Nuzman, eu vou começar com três perguntinhas aqui de telespectadores, que são as seguintes: Reginaldo Marcos, de são Bernardo do Campo, pergunta “Qual é o número de medalhas esperado para Sidney 2000?”. Aquelas frases que você vai dizer daqui a um ano [...].

Carlos Arthur Nuzman: [Interrompendo] Você já respondeu por mim!

[Risos]

Paulo Markun: Dá para se imaginar um número?

Carlos Arthur Nuzman: Veja só, hoje nós temos que esperar o número de equipes e atletas classificados para ter uma idéia. Hoje nós não temos. Hoje temos algumas modalidades classificadas, não todas. Então, vamos ter que aguardar realmente para... Espera, você está dizendo isso porque eu normalmente não digo, o que é verdade, eu não vou enganar o telespectador, é uma verdade, eu crio uma simbologia, como criamos para o Panamericano.

Paulo Markun: Qual seria a simbologia?

Carlos Arthur Nuzman: A simbologia do Panamericano foi quebrar recordes. Agora não sei, tem que esperar. Eu prometo criar uma simbologia.

Maurício Cardoso: Mas dá para superar as 15 medalhas que se ganharam?

Carlos Arthur Nuzman: Eu te digo antes dos jogos, não vou te dizer agora não.

[Risos]

Paulo Markun: Luiz Gilberto Lago, de Franca, São Paulo, pergunta o seguinte: “O incentivo ao esporte olímpico passa por um trabalho junto à mídia para aumentar a cobertura sobre os esportes olímpicos?".

Carlos Arthur Nuzman: Eu acho que nós temos que ter a consciência de que a mídia é uma instituição privada, ela não é pública. Em sendo privada, ela não pode fazer graciosidades em termos de todas as modalidades esportivas. Ela tem que vender o jornal, o espaço na televisão ou no rádio. Então, é preciso que o esporte cresça também para poder concorrer. E nós sabemos que vivemos num país em que o futebol é a religião. O futebol hoje tem, sem dúvida, um espaço que eu até diria massacrante, mas compreensível. Então, acho que nos Jogos Panamericanos o Brasil teve a melhor cobertura das Américas, melhor do que o Canadá, graças ao desempenho dos atletas brasileiros e dos seus resultados.

Paulo Markun: Vanessa Salles, aqui de São Paulo, pergunta o seguinte: “Como é que funciona o Comitê Olímpico Brasileiro? De que forma ele ajuda os atletas? Por que ele vem para a mídia só quando o Brasil mostra algo de positivo lá fora?”.

Carlos Arthur Nuzman: Não, ele vem permanentemente. Talvez a nossa telespectadora não acompanhe o trabalho que é inclusive fartamente divulgado pela mídia. O Brasil tem... Algumas das razões dos sucessos que tivemos são: a preparação de todas as viagens, a ida dos diretores técnicos das confederações aos locais de competição, a busca pelo local de treinamento e aprimoramento e lapidação final de cada modalidade esportiva, discutir com cada organizador dos Jogos Olímpicos, dos Jogos Panamericanos, como é a melhor maneira e, quando temos os recursos, poder ajudar dentro do possível. Nós pagamos todos esses períodos de treinamento que têm os atletas. Nós não patrocinamos atletas, que não é a obrigação do Comitê Olímpico Brasileiro, mas o comitê não vem à mídia só por isso. Ele vem apenas para trazer o que existe na realidade do seu trabalho.

Hortência Oliva: Nuzman, o Brasil tentou trazer a Olimpíada para cá e não conseguiu. Você não acha que a gente poderia tentar trazer um Panamericano para o Brasil? Acho que o Brasil, de repente, daria um impulso muito grande.

Carlos Arthur Nuzman: Cada vez em que se fala em candidatura dentro do esporte, eu fico muito preocupado. E estou cansado de dizer de uma maneira muito desprendida: nós não temos instalações esportivas. Talvez para o Panamericano até pudesse ter, pelo que nós temos visto - você, inclusive, melhor do que ninguém, você tem uma história de Jogos Panamericanos enormes - instalações que são mais modestas. Mas nós temos que ter o cuidado de como, se um dia tivermos uma candidatura, ela possa ser apresentada, que ela venha realmente do próprio esporte, ela venha com interesse de que isso vai beneficiar o esporte e não tem outras conotações que não cabem. Instalações nós temos. Veja bem, temos os maiores ginásios: Maracanazinho [ginásio inaugurado em 1954 na cidade do Rio de Janeiro. Tem capacidade de público de 11.800 espectadores] e Ibirapuera [ginásio inaugurado em 1957, na cidade de São Paulo, com capacidade para 11 mil espectadores]. Os dois não passam por uma inspeção de nenhuma federação internacional. Estou dizendo alguma invenção? Não, não estou. Não temos ainda em nível que pudéssemos... o Agberto está aqui, que seja de atletismo, não temos. Nós temos alguma piscina nesse nível, Gustavo?

Gustavo Borges: Não.

Carlos Arthur Nuzman: Não temos. Então veja bem, a piscina dos Jogos Panamericanos foi construída em 1967, para os Jogos Panamericanos da época [refere-se aos primeiros Jogos Panamericanos realizados no Brasil, em São Paulo, em 1967]. Temos 32 anos de existência que tem... o Brasil, perdão, numa cidade de um império que tem seiscentos mil habitantes, nós não temos um parque aquático no país parecido com o de 32 anos que tem. Então veja só, isso é uma realidade. Então, nós não podemos nos enganar. Acho que o caminho é esse: primeiro um Panamericano. Quando? Eu não sei, e eu não quero fazer projeções. Estados Unidos têm três cidades para 2007, três cidades. [Os Jogos Panemericanos de 2007 aconteceram no Rio de Janeiro, Brasil]

Sávio de Tarso: A candidatura do Brasil à Copa de 2006 ajudaria esse processo?

Carlos Arthur Nuzman: Não.

Sávio de Tarso: Estaria levando dinheiro para o futebol outra vez?

Carlos Arthur Nuzman: Dificilmente a comunidade esportiva internacional vai dar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada ou Panamericano ao mesmo país. Acho muito difícil. Não estou falando de Estados Unidos, que têm outras condições, que teve [em] 1994 e 1996 as Olimpíadas. Mas de outros você vê, a própria derrota de Paris para Barcelona, ela teve em função da Copa do Mundo que ela ia realizar.

Hortência Oliva: Então, você acha que o Brasil não tem condições, por exemplo, de sediar a Copa do Mundo?

Carlos Arthur Nuzman: Não. Copa do Mundo é outra coisa. Eu estou falando...

Hortência Oliva: Porque também não tem condições. Os estádios...

[...]: Os estádios também estão...

Carlos Arthur Nuzman: Veja bem, o problema do futebol... tem um caderno de encargos, eu desconheço, para poder dar uma opinião, estou falando de instalações as quais eu conheço profundamente, com riquezas de detalhes. Então, se tiver que fazer uma inspeção...

Paulo Markun: [Interrompendo] Fora que tem que ter uma Vila Olímpica.

Carlos Arthur Nuzman: Faltava isso.

Paulo Markun: Para o futebol, [basta] meia dúzia de hotéis e está resolvido.

Carlos Arthur Nuzman: Os hotéis teríamos para isso. Eu até quero dizer que fui eleito recentemente presidente da Comissão de Instalações Esportivas da Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais, justamente pelo trabalho que a gente fez no voleibol aqui, de colocar os ginásios nas condições das competições e pelo que a gente defende em termos de instalações esportivas. Por isso eu não posso chegar e dizer: temos ginásios, temos piscinas e pistas. Não temos! Não temos mesmo, e a distância é muito grande para isso.

Agberto Guimarães: Só aproveitando esse gancho aí, já se falou aqui que falta dinheiro para incentivo ao esporte, falta uma série de coisas para a gente crescer e realmente chegar ao ponto de ter o Brasil como uma potência olímpica. O que o senhor está falando é uma realidade nua e crua do país. Todos os esportes são desenvolvidos aqui em condições menos do que ideais para se chegar a fazer alguma coisa. E assim mesmo o brasileiro consegue chegar lá de alguma forma. Supera todas as dificuldades de patrocínio, de falta de local adequado para treinamento. Os nossos técnicos lutam de todas as formas para poder buscar orientação, informação para poder melhorar o treinamento dos seus atletas. Eu gostaria de saber do senhor o seguinte: os Jogos Panamericanos já acabaram, nessa próxima Olimpíada muito pouco pode se fazer, por exemplo, para melhorar mais ainda o que a gente já tem. [Quanto a] 2004, eu acho que [sobre] 2004 a gente tem condições de pensar agora, para daqui a quatro anos. Eu gostaria de saber do senhor o seguinte: o que nós vamos fazer? O que o Comitê Olímpico Brasileiro vai fazer? O que o Brasil vai fazer, para que a gente possa pegar os atletas que ainda têm idade para serem trabalhados até 2004? Os esportes que estão trazendo medalhas e desenvolvendo um trabalho sensacional, fantástico, aqui no Brasil, [o que será feito] para que a gente possa transformar isso numa realidade de um país do tamanho do Brasil?

Carlos Arthur Nuzman: Agberto, são alguns pontos importantes da sua pergunta, das suas perguntas que têm... A primeira coisa é, em esporte que não tem desenvolvimentos grandes e que dão medalhas ou que eles representam uma mudança no quadro geral de colocações, é criar as equipes olímpicas. Modalidades como levantamento de peso, lutas, boxe, ginástica, esgrima, levantamento de peso - eu acho que eu falei -, essas modalidades, elas têm que ter as equipes olímpicas desde agora, e daí em diante começar a lutar. As equipes que já existem... Você vê a renovação que também tem, independente dos ídolos Gustavo Borges e Fernando Scherer, você tem Luíz Lima [(1977-), nadador brasileiro considerado um dos maiores fundistas da história do Brasil], você tem o Leonardo Costa [ex-nadador brasileiro especialista em nado costas] e tem outros que estão por aí. Por quê? Porque é um trabalho de segmento, como está no voleibol e como está no basquete, como está no atletismo surgindo agora. Agora, é importante termos a conscientização que isso vai ter que ser criado. Se nós vamos ter confederações preparadas para isso é outra questão. Essa é outra discussão que nós temos que ter.

[...]: Nós temos dirigentes preparados para isso?

Carlos Arthur Nuzman: Eu quis colocar de uma maneira mais amena, eu quis amenizar, mas eu não vou deixar de dizer, não. Eu acho que nós vamos ter que rever.

Hortência Oliva: O Comitê pode fazer alguma coisa por isso?

Carlos Arthur Nuzman: Vamos estudar.

Melchíades Filho: Qual [é o] esporte que você acha que está bem antenado, bem preparado, já engatilhado? E qual [é o] esporte que você acha que está precisando de um choque de modernidade, está sendo administrado de uma forma retrógada? Estou querendo que você dê nome aos bois.

Carlos Arthur Nuzman: Perfeito. Deixa eu só pegar aqui um papel. Eu tenho alguma coisa escrita sobre isso [Nuzman consulta seus papéis]. Eu vejo que... Vamos lá. Algumas modalidades dentro desse espírito, porque sem esses esportes crescerem e ganharem medalhas, nós vamos ficar no patamar [em] que nós estamos, vamos ter medalhas onde nós temos tido nas últimas Olimpíadas. [Nuzman lê em seus papéis] O que nós precisamos é de choque de modernidade e de crescimento: "lutas" é talvez o esporte que possa dar mais medalhas, junto com levantamento de peso. Precisa de choque de modernidade, disso não tem a menor dúvida. Levantamento de peso, eu falei. Esgrima, tiro; tiro chegamos a um ponto de ter a Confederação inscrevendo uma atleta, fazendo uma atleta passar vergonha, de viajar achando que estava inscrita e não foi inscrita. Porque a Confederação mandou direto a inscrição para o Comitê organizador dos Jogos Panamericanos. Então há um choque. Eu gostei da pergunta, o choque de modernidade. Sem isso não dá para tentar responder a sua pergunta, o Agberto e nós chegarmos lá. Alguns esportes, por exemplo, o boxe, ele teve um caminho já, ele já está num caminho. Eu acho que o boxe, ele pode ser aproveitado na criação da equipe olímpica. A mudança dele é até muito interessante. De tantas mudanças de dirigentes, eles mudaram o nome, de Confederação Brasileira de Pugilismo para Boxe, então talvez isso tenha tido esse choque. Acho que ginástica está no caminho; é um esporte que dá muita medalha. Um exemplo do Panamericano é [...] do que foi. Mas eu queria fazer também uma outra coisa, em termos de instalações que nós temos, muito importante. Uma das coisas que mais me emocionaram nos Jogos Panamericanos: Brasil ganha medalha de ouro no revezamento 4x100 no atletismo. Comemoração, festa, os quatro integrantes vieram a mim fazer um pedido: “Nós só queremos uma coisa, uma única coisa: uma pista de atletismo em Presidente Prudente.”. Pista do material, óbvio, Taraflex ou Mondo, que são as duas que são utilizadas. O atletismo é Mondo na verdade, Mondo. Taraflex é basquete, vôlei de... esporte mais de salão – “Que nós temos uma pista de Mondo, mas custa uma fortuna só de taxa de importação, porque isso foi revogado e nós não podemos ter.”. São atletas que podem dar medalha olímpica, eles precisam treinar a partir de ontem, do dia [em] que acabou o Panamericano, e eles não têm uma pista. Arrebenta pé, joelho, coluna, corrida e saltos. Então. nós precisamos... foi talvez a marca...

Hortência Oliva: Você não acha que o Indesp [Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto] poderia dar essa pista para eles?

Carlos Arthur Nuzman: Eu não sei quem pode dar, Hortência. Eu acho que essa pista não pode faltar a Presidente Prudente. Veja bem, eu não tenho o menor interesse de defender... se fosse outra cidade eu daria o nome de outra cidade. Eles são de lá, eles querem ganhar uma medalha, eles querem ganhar uma medalha olímpica e nós temos a obrigação de dar. Se eu tivesse dinheiro, eu pagava a pista, eu não tenho a menor dúvida disso. Por isso que esse projeto senador Pedro Piva, ele vai poder atender, vai modernizar as instalações e dar meios e condições.

Gustavo Borges: Isso cairia no centro olímpico que o Brasil ainda não tem?

Carlos Arthur Nuzman: Exatamente. Cairia num centro olímpico de excelência. Aliás, o Brasil pode até ter mais de um.

Gustavo Borges: Porque no mundo inteiro é patrocinado pelo governo?

Carlos Arthur Nuzman: Todos patrocinados pelo governo, exatamente.

Paulo Markun: O Brasil tem um centro olímpico...

Carlos Arthur Nuzman: Quantos tem a Espanha?

Gustavo Borges: Três - o que eu sei.

Carlos Arthur Nuzman: Que você sabe. Tem um de inverno em Jaca, [que] é o quarto.

Gustavo Borges: Eu conheço até o de Barcelona.

Paulo Markun: É. Um dos poucos lugares que tem é Manaus, né?

Carlos Arthur Nuzman: Manaus tem um centro de atletismo.

Paulo Markun: Atletismo, não é olímpico?

Carlos Arthur Nuzman: É diferente. Aliás, é magnífico. Teve a vontade política do governador, governador Amazonino Mendes [(1939-), político brasileiro filiado ao PTB - Partido Trabalhista Brasileiro], ele foi e fez. Então tem lá um trabalho, é tudo uma questão de vontade política.

Sávio de Tarso: Nós estamos falando aqui em termos econômicos, nos choques de modernidade, incentivos, e o que a gente está vendo - e é evidente - é que o esporte está cada vez mais profissionalizado, em que pesem as teses do “Barão de Coubertin” [nome como era conhecido o educador francês Pierre de Frédy (1863-), uma das mais importantes personalidades do esporte. Graças a seu empenho, os Jogos Olímpicos renasceram após quase 16 séculos sem serem realizados. É autor da frase "O importante não é vencer, mas competir. E com dignidade"]. [Risos]

Sávio de Tarso: Nesse modelo inclusive, a imprensa publicou que Cuba faz uma medalha com US$ 10 mil. O Canadá, que seria outro extremo, faz com [US$] 160 mil e o Brasil estaria fazendo com [US$] 50 mil. Parece que é tudo uma questão econômica. Nós estamos falando disso, da pobreza do Brasil, dos problemas que ele tem. Você parece empenhado em construir algo novo. Qual é o modelo que você defende para o Brasil do ponto de vista educacional, do ponto de vista das crianças, da própria seleção dos futuros atletas, dos talentos que estão aí?

Paulo Markun: Sávio, deixa eu só pegar carona aqui em nome dos telespectadores, porque essa é uma preocupação de diversos deles. O Marcelo Gonçalves Mora, de Pindamonhangaba, levanta que “as duas maiores potências esportivas, Estados Unidos e Cuba, por maiores que sejam as suas diferenças, possuem algo em comum. Ambas têm como alicerce de suas qualidades esportivas a escola”. Luiz Ricardo de Andrade Pontes pergunta “Como é que o COB poderia atuar no sentido de estimular a prática esportiva nas escolas de ensino fundamental?”. E Eliana Fausto, de São Paulo, professora de educação física, pede a sua opinião sobre a nova Lei de Diretrizes de Bases que tira a educação física das escolas. Segundo ela, não estabelece mais obrigatoriedade de profissional da área para dar aulas no ensino fundamental de primeira a quarta série.

Carlos Arthur Nuzman: Corrija-me se eu não conseguir seguir, nas lembranças, as perguntas todas. Veja só, é até uma pergunta que eu devia lhe responder assim como quando eu comecei no voleibol. Eu falava Japão, eu poderia te dizer Espanha, que talvez seja o exemplo mais recente de que, com a Olimpíada, ele [o país] se preparou, criou um modelo e é talvez hoje o país que está melhor estruturado para o futuro do esporte. Não quer dizer que ele vai conquistar tantas medalhas ou não. Eu não sei. Eu acho até que nós estivemos brigando com eles em Atlanta em número de medalhas. Mas ele tem uma estrutura. Você viu o que o Gustavo falou, ele tem três centros olímpicos para esporte de verão. Eles têm um sistema de favorecimento às empresas, que é o que reclama a Hortência há milênios. Eu sou testemunha da luta dela da entrada das empresas no esporte, em ter benefício, eu sou testemunha dessa luta da Hortência, mas eu acho que a Espanha é a mais próxima que tem. Mas eu gostaria de tirar um pouco de cada um dos outros países. Então, o que vem? Primeiro - e aí já respondendo uma pergunta, Paulo -, a parte de colégios. Nós temos um grande equívoco no Brasil. Nós realizamos uma competição estadual de esportes estudantis, quer dizer, nacional, em que os estados são representados, quando isso dá poucos atletas para o futuro.

Hortência Oliva: [Cita sigla não identificada], né?

Carlos Arthur Nuzman: Os nomes variam de acordo com as mudanças de governos. Eu prefiro dizer a competição que tem. Nós apoiamos, nós participamos, é verdade. Para não dizer que o comitê está fora, o comitê está dentro sim, porque ele tem que apoiar. É uma parceria. Muito bem. Qual é a proposta? Tem. E a proposta o Comitê Olímpico vai fazer. Estamos apenas aguardando o momento, porque já temos aprovada em algumas áreas. É uma competição nacional de colégios, vai nascer a especialização de colégios por esporte. E é o modelo – não queremos ser iguais aos Estados Unidos, não - mas é que o colégio vai pagar o ensino da criança pobre ou do rico, não importa, mas vai preparar, vai ter o colégio "xis" que vai fazer natação, basquete, judô, tênis de mesa... - ótimo - e o outro vai fazer outras modalidades, e assim vamos crescer dentro disso. Isso é um sonho? É, é um sonho. Eu penso nisso há 15 anos, mas é um caminho que tem. Educação física nas escolas... veja bem, não temos instalações: o jovem vai fazer educação física, não tem lugar para tomar banho, não vai fazer, adora esporte. Não vamos nos enganar, não vai ter educação física, porque ele não vai ficar suado e voltar para a sala de aula. Então, alguém está sendo enganado aí. O que tem que fazer esse caminho [é] o colégio ter obrigação de ter uma parceria com um clube, com um quartel, uma organização militar, ou uma empresa onde ele possa se estruturar e treinar a sua equipe fora do horário. A educação física vai ser dada da maneira que o colégio oferecer à sociedade, sem ter que seguir uma lei. Eu acho que a educação física tem que ser algo que vai nascer dentro do colégio, dentro do espírito que tem dentro do colégio, e não porque a lei obrigue a fazer. Eu sou originário de colégio, eu cheguei à seleção brasileira, fui a uma Olimpíada vindo de colégio, eu não vim de clube. Por quê? Porque o colégio incentivava isso.

Paulo Markun: Eu consegui no colégio ganhar por WO [sigla de walkover. É a situação em que uma equipe vence a adversária porque esta não se apresentou à competição] [risos] no pólo aquático e fazer uma cesta contra. Foi o máximo que consegui, mas confesso que na época tinha educação física e tinha instalações nos colégios.

Carlos Arthur Nuzman: Tinha. Eles transformaram em outras ocupações, como sala de aula melhor, desde que tenha o ensino correspondente. Mas eu queria responder ainda para o Sávio um ponto - e o Agberto é o responsável pelo que vai ter -, é o seguinte: Cuba tem um trabalho magnífico no descobrimento de talentos. Eles têm uma escola técnica para isso em Santa Clara - aliás, onde o Papa João Paulo II rezou a primeira missa em Cuba, ele foi a Santa Clara - e lá a Escola Técnica Che Guevara descobre talento: "Você vai servir para basquete. Natação, não! Você vai ser médico."... Ele vai descobrindo, é um descobrimento do talento de jovens, de crianças que se tornam amanhã grandes atletas. Isso é possível no Brasil independente do sistema político? É, é possível.

Mauricio Cardoso: Esse modelo até hoje só funcionou em estados...

Carlos Arthur Nuzman: Espera um minutinho.

[...]: É uma política do Estado.

[Sobreposição de vozes]

Mauricio Cardoso: É uma política de Estado?

Carlos Arthur Nuzman: Vamos tentar adaptar à realidade brasileira, não vamos copiar; adaptar. Vamos tentar construir alguma coisa. Para isso, nós recebemos uma área do governador Anthony Garotinho [(1960-), radialista e político brasileiro, foi governador do Rio de Janeiro de 1999 a 2002], governador do estado do Rio de Janeiro, que é uma área oriunda da privatização da Flumi 3, no Engenho de Dentro, na zona central do subúrbio do Rio de Janeiro, uma zona pobre; não tem o que fazer lá. Essa área é [de] 250 mil metros quadrados: 70% da área vai ser para descobrir talentos e ofícios profissionalizantes, com juizado de menores. A pessoa convidada para dirigir essa área esportiva [é] Agberto Guimarães, [que] está deixando São Paulo e está indo para o Rio e está fazendo projeto para isso. Ele tem uma experiência profunda nisso, do trabalho que tem. Nós temos tentado fazer alguma coisa. Nós não podemos é cruzar os braços e reclamar, e só reclamar. Acho que nós temos que reclamar e pedir, e tentar fazer alguma coisa. E essa luta existe. Nós não vamos formar equipes, vamos tentar oferecer à sociedade talentos que possam existir de crianças pobres em educandários pobres, que eles possam amanhã... eles teriam uma atividade, outra.

Hortência Oliva: Por exemplo, uma criança de Manaus, como é que ela tem que fazer para ser descoberta nesse teu projeto? Ela vem para o Rio de Janeiro?

Carlos Arthur Nuzman: Quer responder Agberto?

Agberto Guimarães: Aí, Hortência, eu acho o seguinte: a princípio esse trabalho vai ser desenvolvido no Rio de Janeiro. E é um projeto piloto que pode ser copiado depois por outros estados. A idéia é começar. Eu acho sempre que a gente deve começar com alguma coisa que nós possamos ter domínio sobre ela. E aí, a partir daí, aprendemos com os erros e acertos que nós tivermos e passarmos isso para outras localidades. O Brasil... Eu acho que um dos problemas que o Brasil tem é que é um país muito grande e com diferenças enormes entre as regiões. Eu sou do Pará, eu sou oriundo do Pará, eu competi a minha primeira Olimpíada em 1980, treinando praticamente lá em Belém do Pará, uma pista de terra, debaixo de sol, sol e chuva, e por quê? Porque tinha um cidadão comigo, um treinador que era um educador acima de tudo, mas que queria fazer. Não tínhamos condição nenhuma. Então, o que a gente quer fazer com esse projeto do Arthur Nuzman? Nós queremos, por exemplo, possibilitar para as crianças daquela região... que elas possam ter a oportunidade de fazer esporte e, acima de tudo, a oportunidade de educação.

Hortência Oliva: [Interrompendo] Qualquer criança pode participar?

Agberto Guimarães: Exatamente.

Maurício Cardoso: De onde vão sair os recursos para esse projeto?

Carlos Arthur Nuzman: Nós estamos primeiro terminando o projeto, [para] ter aprovação da prefeitura, e aí saímos para buscarmos recursos.

Maurício Cardoso: Iniciativa privada?

Carlos Arthur Nuzman: Já temos patrocínio: tem a Supervia [empresa de operação comercial e manutenção da malha ferroviária urbana de passageiros da região metropolitana do Rio de Janeiro, criada em 1998 pelo Consórcio Bolsa 2000], que é a que ganhou a concorrência - ela abriu mão de dois anos para o projeto -, temos Olympikus [empresa brasileira de tênis e artigos esportivos], temos... Não sei se eu posso falar, para os ofícios profissionalizantes, possivelmente a BM&F [Bolsa de Mercadorias & Futuros] vai estruturar o oficio profissionalizante para criança que não tem aptidão esportiva e vai para o ofício profissionalizante, e estamos conversando com outras empresas ainda, sem falar que há a possibilidade de recursos externos.

Hortência Oliva: Quando a criança, por exemplo, não tem aptidão para o esporte... vocês descobriram que ela pode ser um médico. Aí como é que vocês agem?

Carlos Arthur Nuzman: Veja bem, os ofícios profissionalizantes não têm ainda previsão de que possa ter para profissões liberais. Isso é um estudo ainda que vai ser feito. O campo mais próprio é do oficio profissionalizante, até pela própria classe social e classe educacional que tem a região.

Paulo Markun: Nuzman, nós vamos fazer mais um rápido intervalo e o Roda Viva com o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro volta daqui a instantes.

[Intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, hoje entrevistando Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro. Você pode fazer perguntas; o telefone é [0--11] 252-6525, o fax, [0--11] 3874-3454 e o endereço do programa na internet é rodaviva@tvcultura.com.br. Nuzman, eu queria começar este bloco fazendo um passeio pelos esportes. Há muitas...

Carlos Arthur Nuzman: [Interrompendo] E depois nós vamos para o Melchíades.

Paulo Markun: ... perguntas específicas de esportes, assim, que a gente percebe que são de áreas que estão aí doendo os calos. Uma delas é o judô. Miriam Correia, de São Paulo, pergunta o que o COB pode fazer em relação às confederações que cobram absurdos de atletas que se dedicam ao esporte, como a [Confederação] do Judô, que cobra taxa eliminatória de R$ 50, valores absurdos de hospedagens e passagens para que os atletas possam competir no exterior. Também sobre o judô, perguntam o seguinte: "O número menor do que o esperado no judô, no Panamericano, é reflexo dos dirigentes que não valorizam os atletas?". Essa pergunta é de Magali Bueno. "O que o COB pode fazer para evitar arbitrariedades nas confederações, como vem ocorrendo com o judô?" E Roberto Machado, de Osasco: "Até que ponto pode interferir nas confederações de cada esporte?". Há também... Vamos de judô. Tem pergunta de remo, basquete, tem a Olimpíada inteira...

Carlos Arthur Nuzman: Deixe eu tentar ser objetivo, até para poder dar o máximo possível. A Confederação Brasileira de Judô dirige um dos esportes que mais medalhas têm dado ao Brasil, seja em Jogos Olímpicos, seja em Jogos Panamericanos, e ela trouxe um número expressivo de medalhas nos Jogos Panamericanos. A administração, como ela é feita, de cada modalidade, pertence a cada um. Aliás, aproveitando isso, eu queria dizer [que] nós gostaríamos que o COB pudesse ter - e nisso a Lei Pelé não nos facilitou - determinadas atribuições para poder corrigir isso. Até respondendo à pergunta do Melchíades, em termos das mudanças que poderiam ter, nós temos estudado algumas. Mas o judô é uma [modalidade] que tem trazido medalhas. Agora, existem conflitos? Existem discussões? Todas as modalidades de lutas marciais têm.

Paulo Markun: Remo. Não sei se é do seu conhecimento, diz Paulo Henrique Tafarelo, mas a equipe feminina de remo foi ao Pan sem as suas melhores remadoras, campeãs brasileiras e sul-americanas, por uma manobra totalmente discutível da Confederação Brasileira de Remo, que levou uma atleta que nem participou do campeonato brasileiro. E também... Bom, vamos de remo.

Carlos Arthur Nuzman: Com relação ao Panamericano, o que nós podemos dizer é que o Comitê Olímpico Brasileiro vai mudar alguns critérios visando 2003. Não adianta eu discutir um fato passado agora. Nós estamos levando em consideração alguns episódios que passamos a conhecer depois, porque antes não conhecíamos, e que vamos ter medidas mais severas visando 2003. Eu não sei, às vezes, se um Campeonato Brasileiro é a competição ideal para uma aferição de tempo ou de tomada de tempo.

Paulo Markun: José Pagano pergunta o seguinte: "O karatê apresentou resultados para muitos inesperados no último Pan. Por que essa modalidade não vai participar das próximas Olimpíadas? Como eliminar essa injusta discriminação?”

Carlos Arthur Nuzman: Concordo em gênero, número e grau com a pergunta. Foi maravilhosa, magnífica a apresentação do karatê. Houve um prejuízo claro com o Didi [O karateka Altamiro Cruz], que era medalha de ouro; o americano ficou envergonhado. Mas em termo de Olimpíada, o karatê tinha uma briga, tinha quatro confederações internacionais e o Comitê Olímpico Internacional resolveu [que] enquanto não unificarem não teria. Unificaram agora, tardiamente para Sidney. Acredito em Atenas 2004.

Paulo Markun: Danilo Lopes, de Araraquara, e Joaquim Antônio, de Avaré [perguntam:] "Por que o Comitê Olímpico não levou para os Jogos Panamericanos as equipes de futebol?".

Carlos Arthur Nuzman: Futebol. Houve uma decisão da Confederação Sul-americana de Futebol junto com as federações nacionais de todas as modalidades - perdão -, [corrigindo-se] do futebol de todos os países da América do Sul, de que não iriam participar. Inicialmente, o Comitê Organizador dos Jogos Panamericanos divulgou uma nota dizendo que os países da América do Sul pediam US$ 2 milhões cada um para participar ou os direitos de televisão do futebol para eles, sob pena de não participarem. E aí o Comitê Organizador dos Jogos e a Odepa [Organização Desportiva Pan-americana] resolveram não pagar e por isso o futebol ficou fora do Panamericano.

Melchíades Filho: Nuzman, só para retomar essa questão dos dirigentes controvertidos; você falou do judô aí. Gostaria que você comentasse a participação do Vasco nos esportes olímpicos. No Pan, para quem não acompanhou, Eurico Miranda, um controvertido dirigente, tornou-se um grande mecenas [substantivo que veio do nome próprio Caius Mecenas, político romano da época imperial que se tornou o patrono das artes e da cultura] do esporte olímpico. O Vasco conseguiu quase quarenta medalhas. E a gente sabe que o esporte olímpico geralmente torce o nariz para os cartolas do futebol [personalidades influentes que atuam na contratação, organização, treinamentos e comandos de equipes de futebol]. Eu queria saber... E o senhor? O senhor considera o Eurico Miranda intruso? O senhor dorme tranqüilo sabendo que depende do humor, da politicalha e do dinheiro dele o futuro de atletas tão importantes? Como está aqui Gustavo Borges, [que] é um deles, inclusive?

Carlos Arthur Nuzman: Eu até vou dizer uma frase do próprio Eurico, em que ele diz: “O clube de futebol só apóia e investe no esporte olímpico se o futebol estiver bem.”. Isso é uma realidade desde a minha época de jogador. Eu joguei em clube de futebol, que eu joguei no Botafogo e Fluminense, e joguei em clubes que não eram de futebol. Então, essa é a realidade histórica no país. Acho que a ação do Vasco no momento em que ele teve um patrocínio foi muito importante para os Jogos Panamericanos e o será para os Jogos Olímpicos. O que eu posso dizer é que o Eurico Miranda teve uma participação correta. Não vi uma bandeira do Vasco em momento nenhum, ele não usou isso. Houve uma relação de respeito, de reciprocidade dentro disso, e até uma posição muito tranqüila, já que não houve nenhum convite do COB ao Eurico - ele foi por conta dele - e a credencial que ele teve como autoridade do governo brasileiro, que foi dada pedido da Câmara Federal... O que eu vejo é que o calor da torcida e da emoção de um clube de futebol, em outros esportes, eu não tenho dúvida que vai atrair uma massa muito grande, vai valorizar. Eu estive no último... Foi Troféu Brasil, Vasco e Flamengo, Gustavo? E teve no atletismo também. Foi uma grande batalha que foi de torcidas e dos atletas, foi uma grande festa. Se nós pudermos ter isso em São Paulo, em Porto Alegre, em Belo Horizonte, no Recife, no Brasil inteiro, nós vamos sair beneficiados disso. Claro que se o futebol não estiver bem dificilmente isso vai prosperar. É isso o que eu posso dizer. Em ser controvertido, como você bem o disse, eu estou de acordo com você que o é. Aliás, ele não faz diferença. A única coisa que eu queria dizer é o seguinte: todos os acordos feitos foram cumpridos, sejam com os atletas, sejam com as equipes, sejam com as confederações e com o comitê. Então, essa passagem foi uma passagem que eu diria que, se outros puderem fazer, o Vasco fica de exemplo. Até contar o seguinte: [em] números de medalhas, quais os países que o Vasco [não] tinha superado.

Maurício Cardoso: No caso, acho que é até uma [coisa] injusta com Eurico Miranda querer compará-lo com os Mamedes do judô [Joaquim Mamede de Carvalho e Silva e seu filho Júnior presidiram a Confederação Brasileira de Judô por mais de vinte anos e deixaram o cargo em 2001]. O Gustavo está aqui, ele é testemunha, o Eurico trabalha com o apoio, visando o bem dos seus atletas. O judô... a gente não sabe de nenhuma grande competição que o judô tenha participado que não tenha havido um conflito entre os atletas e os dirigentes do judô. O que o Comitê Olímpico pode fazer para superar esse impasse que atormenta o judô, apesar de todas as medalhas que ele ganha? Eu acho que poderia ganhar muito mais.

Carlos Arthur Nuzman: Talvez. Veja, a primeira parte até, do Eurico até, em concluindo a colocação inicial, por isso eu queria concluir dizendo que o Eurico Miranda foi extremamente benéfico nesses Jogos Panamericanos. Esperamos que o seja para os Jogos Olímpicos. Como vão ser as ações, vamos ver. Uma coisa que eu posso dizer é o seguinte: eu disse a ele que não basta apenas o apoio só para o top. Vai ser preciso peças de reposição, que são os jovens, e acho que os clubes de futebol eles podem fazer muito por isso e o Vasco pode ser um exemplo para isso. Talvez o Vasco tenha sido, na história do esporte do Brasil, o clube de futebol que mais conquistou medalhas nessas últimas competições, sejam olímpicas, seja panamericanas. E acho que isso foi benéfico em termos disso. Com relação ao judô, é uma situação que não é uma situação muito simples e muito fácil de poder colocar. Você mesmo colocou o problema dos resultados que ele vem tendo, se poderá ou poderia obter outros resultados. Até talvez poderia. De que maneira isso pode ser feito? É difícil. Olha, eu tenho procurado conhecer com profundidade as questões no judô e eu te digo: não são fácies, não são. Talvez seja, dentro da situação que tem, um esporte que ainda nós vamos ter muitos caminhos pela frente dele, de dificuldades e de glórias. Esperamos que isso seja... que possa haver uma correção por parte de todos e que possamos ter medalhas e melhores resultados. Acho que Sidney é um ponto chave para o judô no futuro, a meu ver.

Sávio de Tarso: Mas onde é que pega, em termos da legislação esportiva, para existirem esses dirigentes eternos? Que é um fato inclusive que ocorre a nível internacional, que temos aí Juan Antonio Samaranch [(1920-2010) Foi presidente do COI de 1980 a 2001], que está aí há mais de vinte anos.

Carlos Arthur Nuzman: Isso varia muito porque, veja só, o cargo de dirigente não tem um limite de tempo.

Sávio de Tarso: Não deveria ter?

Carlos Arthur Nuzman: Não. Eu acho que o que foi feito, o que o Samaranch fez para o esporte olímpico no país transformou o Comitê Olímpico Internacional na organização não-governamental mais importante do mundo. E os benefícios para a indústria do esporte foram totais. Não vamos pegar um problema que aconteceu recentemente [refere-se a denúncias de compra de votos do comitê do COI que escolhe as cidades que sediarão as Olimpíadas]. Vamos ver a história do que foi transformado o esporte. Hoje o esporte é sem dúvida um caminho em todos os países do mundo que tem de sobrevivência, de educação e segurança também.

Paulo Markun: O caminho do patrocínio, do marketing, não tem volta?

Carlos Arthur Nuzman: Não. Não tem volta.

Paulo Markun: Ou seja, é indústria?

Carlos Arthur Nuzman: No momento não vemos outro caminho. Veja bem, a dinâmica do esporte sempre vai ter um caminho novo. Quem está no esporte não pode sentar e dizer: "Essa é a solução!". Não, nós temos que ter a solução de hoje e já pensar na futura. Quem não enxergar de 2008 ou 2012 está atrasado em termos de esporte.

Paulo Markun: Se alguém dissesse uns vinte anos atrás, ou trinta anos atrás, que o vôlei ia ser o segundo esporte - trinta anos vai -, segundo esporte brasileiro, ia causar espanto?

Carlos Arthur Nuzman: Ia, totalmente.

Paulo Markun: Você diria que o futuro segundo ou terceiro esporte brasileiro vai ser qual?

Carlos Arthur Nuzman: Eu espero que os esportes individuais ocupem uma parte do lugar dos esportes coletivos. Esse é o meu desejo para o Brasil potência olímpica. Nós precisamos disso. Vôlei dá uma medalha, basquete dá uma medalha, futebol dá uma medalha. Se esses três forem campeões olímpicos em masculino e feminino, nós temos seis medalhas. Se não tivermos as medalhas da natação, do atletismo, do judô, da vela, do hipismo, o Brasil está lá atrás. Então, nós precisamos do esporte individual.

Paulo Markun: E como é que chega lá?

Carlos Arthur Nuzman: Eu acho que está tendo esse caminho. Eu acho que o resultado desse Panamericano pavimentou - e muito - esse caminho. E muito. Hoje o Gustavo, o Scherer, a Maureen, o Claudinei são ídolos do porte de atletas dos esportes coletivos. No momento. Esperamos que eles possam manter isso.

Maurício Cardoso: Quando o senhor fala em desenvolver esporte como lutas, levantamento de peso, esgrima, tiro, que são esportes sem nenhuma tradição na vida esportiva brasileira, está claro aí o objetivo de ganhar medalhas. Isso faz sentido para o país, mesmo que isso não tenha pressão, mesmo que isso diga muito pouca coisa para o país, a não ser que tem mais uma medalha de ouro?

Carlos Arthur Nuzman: Maurício, veja só, [Carlos fala e ri, ao mesmo tempo] todo mundo cobra do Comitê Olímpico medalhas e posicionamento na tabela do ranking. Nós temos que lutar para conseguir medalhas em esportes que dão medalhas. E esses são alguns deles, eu não tenho a menor dúvida disso. Nós estamos num projeto e vamos aumentar esse projeto com a solidariedade olímpica, que e o órgão do Comitê Olímpico Internacional. Nós conseguimos 27 bolsas para atletas da canoagem [consulta seus papéis], ginástica artística, GRD e boxe. Dos 27, 17 já foram medalhistas em Winnipeg, começamos este ano. Das nove becas [bolsas, em espanhol] olímpicas - que eles dizem -, quatro jovens promessas, 13 no valor de US$ 1,2 mil mensais, nós transformamos no apoio a 27. E elas se dêem por terem algum local de centro de desenvolvimento. Ginástica: Londrina e Curitiba; canoagem, temos em Londrina e Rio Grande do Sul; boxe em Santo André.

Maurício Cardoso: A ginástica rítmica faz parte desse projeto?

Carlos Arthur Nuzman: Faz. Eu vou ler o nome dela. Carlos Campos, Sebastian Cuattrin, Roger Caumo, na canoagem. Heine Araujo, Daiane dos Santos, Daniele Hypólito, Camila Comin, Marília Gomes, Dayane Camilo, Camila Ferezin, Alessandra Ferezin, Flávia Faria, Michelle Salsan e Juliana Curadin, em ginástica. Toda a equipe de ouro do GRD e todas as medalhas... A medalha de bronze de equipes da ginástica artística. Três do boxe: Kelson Pinto - [ganhou medalha de] prata; Aldelino Barros, boxe - prata, e Cláudio Aires, boxe - bronze. São resultados espantosos perante o Comitê Olímpico Internacional.

Melchíades Filho: O jornal conversou com parte dessas pessoas hoje e muitos desses atletas não receberam nenhum tostão.

Carlos Arthur Nuzman: Vão receber agora, porque esse foi o projeto aprovado e entrado um desenvolvimento de adiantamento por quem de direito. Eles estarão recebendo esses recursos tão logo repassem. Queria apenas esclarecer o seguinte: a escolha desses atletas é feita junto com as confederações. Elas indicam, elas assinam o contrato por indicação nossa e vão receber. O primeiro recurso vem em agosto. Aliás, eu estou com a cópia do documento do Comitê Olímpico Internacional e, justamente, em que ele mostra que o primeiro pagamento está previsto para 31, período de 01/06 a 31/08 de 2000, é quando deve estar chegando o recurso, está até escrito no próprio documento.

Melchíades Filho: Segundo o qual foi enviado em maio, esse dinheiro.

Carlos Arthur Nuzman: Não, não foi.

Melchíades Filho: A gente falou com o pessoal do COI hoje.

Carlos Arthur Nuzman: Não, não está de jeito nenhum, de jeito nenhum.

Melchíades Filho: O COI falou para a gente mais de uma vez, com todos os dirigentes envolvidos no projeto, que o dinheiro...

Carlos Arthur Nuzman: [Interrompendo] Só que eu acho que as confederações devem estar repassando, porque vão direto a elas.

Melchíades Filho: Também não estão repassando, porque a gente conversou com as atletas hoje também, enfim, é um caso para...

Carlos Arthur Nuzman: Vocês conversaram com a confederação para saber se receberam?

Melchíades Filho: Com as quatro confederações.

Carlos Arthur Nuzman: E não receberam?

Melchíades Filho: Nenhuma delas.

Carlos Arthur Nuzman: E o COI mandou para onde? [segue-se um breve instante de silêncio]

Melchíades Filho: Essa é uma questão que tem que se esclarecer aí.

Carlos Arthur Nuzman: Eu estou com o mesmo documento que foi mandado para vocês, está na minha mão.

Hortência Oliva: Tem boi na linha.

Carlos Arthur Nuzman: Não! Está aqui. [aponta para seus papéis] Todos eles com idade e a data 31/08. Vai até 31/08/2000, eles vão receber até 2000.

Melchíades Filho: A gente, conversando com o COI, a gente sabe que para ser renovado as confederações deveriam estar preparando um relatório no que foi aproveitado esse primeiro aporte de dinheiro até o final deste mês.

Carlos Arthur Nuzman: Que elas estão mandando?

Melchíades Filho: Não estão mandando nada, porque nem receberam o dinheiro, segundo elas. As atletas nem estão sabendo que foram agraciadas com bolsas. A gente conversou com 14 ou 15 atletas. Nenhum deles está sabendo que recebeu a bolsa. Enfim, é um caso aí para trabalhar.

Sávio Tarso: Nuzman, você que integra o Comitê Olímpico Internacional...

Carlos Arthur Nuzman: Não, eu não integro.

Sávio Tarso: Não integra?

Carlos Arthur Nuzman: Não.

Hortência Oliva: Por enquanto, né?

Sávio Tarso: Por enquanto. É.

Melchíades Filho: Você tem uma cadeira de representação. Você é um representante do país?

Sávio Tarso: Sim, é um representante no COI.

Carlos Arthur Nuzman: Não, [sou representande] na Associação dos Comitês Olímpicos.

Melchíades Filho: Ah, sim!

Carlos Arthur Nuzman: Os comitês olímpicos têm uma entidade, Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais. Eu tenho relacionamento no COI, por relacionamento pelo tempo, pelo trabalho por causa do voleibol, eu tive, o voleibol de praia que eu consegui fazer olímpico.

Sávio de Tarso: Mas você acha que o processo de purgação do Comitê Olímpico, em função do caso de suborno, ele já está completo, ele vai continuar, como é que está isso?

Carlos Arthur Nuzman: O processo... foi criada uma comissão COI 2000, eu estou na comissão.

[...]: Ah, é essa comissão.

Carlos Arthur Nuzman: Essa comissão foi subdivida em três. Uma delas é relativa a Jogos Olímpicos, critérios e candidaturas. Estão mudando todos os critérios, justamente por fatos que nós já conhecemos, eu não preciso historiar, porque a imprensa toda já divulgou. E segundo: o futuro do Comitê Olímpico Internacional e a sua participação na sociedade é onde eu estou, e também na parte de comunicações. Em terceiro: é a composição do Comitê Olímpico Internacional para o futuro. Essas comissões terminam o seu trabalho em 31 de outubro deste ano. Vai ser enviado ao plenário do Comitê Olímpico Internacional em novembro, e possivelmente em dezembro tem uma sessão para apresentar as mudanças em definitivo.

Melchíades Filho: Desse processo de purgação aí, que o Sávio citou, o senhor acha que o seu nome pode... tem ambições pessoais de trabalhar no COI, e chegar lá e levar... ?

Carlos Arthur Nuzman: Vai depender do Comitê Olímpico Internacional.

Melchíades Filho: Ambições pessoais?

Carlos Arthur Nuzman: Ambições pessoais, desculpa, eu não tinha entendido, desculpa. Veja, eu acho que cada um de nós que trabalha no esporte e opta por uma carreira, ele deseja alguma coisa. Eu não posso dizer que não, quem sabe, não. Eu gostaria de ser membro do Comitê Olímpico Internacional, sim.

Melchíades Filho: Dá para ter medalha por aí? Quer dizer, o senhor acha que é viável o seu nome?

Carlos Arthur Nuzman: Eu acho que, dentro da cota de presidentes de Comitês Olímpicos que estão na comissão COI 2000, se for aprovado o que está sendo estudado, possivelmente eu poderia ser membro do COI como presidente do Comitê Olímpico Brasileiro. E futuramente, enfim, quando aconteceu... Porque na verdade o Brasil tinha duas vagas, a vaga do doutor Havelange [João Havelange] e do major Padilha [Sylvio de Magalhães Padilha (1909-2002), esportista e homem público brasileiro]. O major Padilha, ele renunciou para ser membro honorário, que ele continua sendo. E o Brasil teria que preencher a segunda vaga. E não foi preenchida a segunda vaga. Então, é uma outra questão que também pode ser decidida. Mas isso eu acredito que daqui até Sidney é que dever estar sendo estudada a nova composição com esse resultado de dezembro.

Paulo Markun: Nuzman, nosso tempo está acabando, mas eu tenho uma última pergunta. A gente sabe aí pela história aonde surgiu a Olimpíada e que, a cada evento olímpico, se repete um ritual que procura preservar aquele espírito lá da Grécia Antiga, da competição pela competição, da igualdade de condições, enfim, da disputa em que nenhum outro aspecto estava envolvido, salvo aquela coroa de louros que não tinha valor efetivo nenhum. Hoje em dia a vida é muito mais complicada, quer dizer, não é nada disso, basta ver a sua entrevista aqui, que a grande maioria do tempo nós falamos de resultados, as vitórias no sentido do que isso pode significar para colocar o país no ranking das medalhas e de recursos, de incentivos, de patrocínios etc. E a minha pergunta é a seguinte: o que sobrou daquele espírito olímpico lá de traz na competição que a gente assiste regularmente?

Carlos Arthur Nuzman: Aquele espírito, ao meu modo de ver, terminou. O espírito hoje é da vitória. Eu não tenho a menor dúvida. E quem mostrou esse caminho, da mesma forma, fomos nós atletas, todos nós da história. Cada um de nós lutou para ter o melhor resultado possível, porque teriam vantagens com isso. Tanto que chegou ao ponto que atletas campeões olímpicos vendem as suas medalhas. Eu sou um colecionador olímpico, vamos ter um museu e vamos ter medalhas de atletas que venderam, venderam até para sobreviver, em muitos países.

Paulo Markun: Isso não lhe entristece?

Carlos Arthur Nuzman: Veja, eu acho que é uma realidade, porque quem é que pode manter o espírito de antes e ter a mesma igualdade? O que seria do dopping [dopagem bioquímica: utilização de substâncias capazes tornar o atleta mais forte e veloz, proibida nas competições desportivas por ser considerada trapaça]? O que seria da fraude do dopping? O que seria da agressão do dopping, que talvez seja o flagelo do esporte nos dia de hoje? Eu acho que, antes de nós pensarmos em tudo isso, deveria não ter o dopping. Como o dopping, a venda de uma medalha é um fato que infelizmente entristece sim, porque é talvez o grande troféu, o grande galardão do vitorioso. É uma quantidade muito pequena ainda que tem. E espero que não aumente, como todos nós. Nós ainda sonhamos, mesmo com tudo que nós falamos aqui, nós sonhamos em ver espíritos nobres, como nós víamos os atletas brasileiros no Panamericano com a bandeira brasileira. Nenhum país mostrou tanto a bandeira do seu país como os atletas brasileiros. Nenhum. Nenhum cantou o hino como cantaram os atletas brasileiros quando o hino brasileiro foi cortado. Então, isso mostra esse sentimento que tem de brasilidade, de amor ao país que tem, amor pela vitória. Ele existe, ele é muito maior, mas não vamos nos enganar. E eu não quero enganar ninguém diante disso. Mas eu acho que, mais do que engano a todos nós, são aqueles que constroem o esporte com dopping. E esses sim devem ser rigorosamente punidos. Que hoje eu acho que o dopping não é mais uma questão de esporte; é uma questão de governo. E cuidado com o tráfico de drogas para o dopping, que já existe em muitos países. Na França é crime inafiançável.

Paulo Markun: Nuzman, muito obrigado pela sua entrevista, obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em casa, e o Roda Viva volta na próxima segunda-feira sempre às dez e meia da noite. Uma boa noite, uma boa semana e até lá.

 

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