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Memória Roda Viva

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Vicente Matheus

20/4/1987

"Sempre que peguei o Corinthians, foi para consertar o Corinthians de incompetentes que por lá passaram", diz o histórico presidente do time do Parque São Jorge

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[programa gravado]

Rodolfo Gamberini: Boa noite. Está começando neste momento mais um Roda Viva, o programa de entrevistas e debates da TV Cultura de São Paulo, canal dois. Esta noite, no centro da Roda Viva, está o presidente do Corinthians, aliás, mais uma vez presidente do Corinthians, o senhor Vicente Matheus. E para participar deste Roda Viva esta noite estão conosco aqui no estúdio da TV Cultura o jornalista Juca Kfouri, da revista Placar; Ricardo Soares, do jornal O Estado de S. Paulo e revista HV; Michel Laurence, da TV Record; Marcos Faerman, do Jornal da Tarde e TV Cultura; Júnia Nogueira de Sá, da revista Veja; Severino Pereira Júnior, do Notícias Populares e Popular da Tarde; Aroldo Chiorino, que é presidente da Associação dos Cronistas Esportivos de São Paulo e também jornalista da Folha de S. Paulo; este que nós estamos mostrando agora no vídeo é Roberto Petri, do jornal Popular da Tarde. Está aqui também Artur de Almeida, da TV Gazeta e Jornal da Tarde; e Flávio Adalto, da Rádio Bandeirantes. Eu queria que mostrassem agora, aqui no nosso estúdio, esse pessoal todo que ocupa o segundo andar do estúdio do Roda Viva são corintianos convidados pela produção, e eu gostaria que a gente mostrasse com destaque dona Marlene, que é a mulher do presidente do Corinthians, o senhor Vicente Matheus [Marlene aparece sorrindo]. Senhor Vicente Matheus, antes de começar a entrevista, deixe-me fazer só um lembrete para o pessoal que está em casa, porque normalmente as pessoas podem fazer telefonema para cá para fazer perguntas para o presidente, mas esta noite não é possível, porque o programa foi gravado com certa antecedência. Senhor Vicente Matheus, há quem diga, pessoas que conhecem bem a vida do nosso estado, que no estado de São Paulo o senhor ocupa hoje o terceiro cargo em importância. O primeiro é do governador do estado, o segundo é do prefeito da cidade de São Paulo e o terceiro é o do presidente do Corinthians, que o senhor ocupa agora pela sétima vez. O senhor se sente ocupando hoje o terceiro cargo mais importante do nosso estado?

Vicente Matheus: Bom, dizem que de fato é, mas eu, se tivesse que escolher ser governador de São Paulo ou presidente do Corinthians, eu preferia ser do Corinthians.

Rodolfo Gamberini: Por quê?

Vicente Matheus: Porque eu gosto do Corinthians, está no sangue, então eu me sinto bem, tanto é que já tive convites para participar da política e não aceitei.

Rodolfo Gamberini: O senhor teve convites para quê? Para ser candidato a cargos eletivos?

Vicente Matheus: Candidato, diversas vezes.

Rodolfo Gamberini: E não teve vontade por quê, presidente?

Vicente Matheus: Porque é o seguinte: eu estou acompanhando o Corinthians de perto há uns 40, 50 anos, vamos dizer, já... Então, sempre eu ouvi dizer que a pessoa não deve se aproveitar do clube para ser candidato a qualquer cargo político, e isso ficou em mim. E conheci Alfredo Ignácio Trindade [presidente do Corinthians entre 1944-1946 e 1948-1959] – não sei se alguém daqui o conheceu –, ele foi um grande presidente do Corinthians enquanto ele não participou da política. Depois que ele foi vereador, deputado e coisa e tal, o Corinthians começou a descambar, não era mais aquele Corinthians, e por quê? Porque aí vêm os pedidos; [o time] vai jogar de graça e não-sei-quê; abaixa o preço; empresta jogador. Então tem essas coisas, e comigo não tem nada disso. Não sendo político, eu estou à vontade de poder cuidar só das coisas do Corinthians, é por isso.

Juca Kfouri: Em quem o senhor votou para governador nessas últimas eleições?

Vicente Matheus: Vocês dizem que o voto é secreto, não é? [risos]

Juca Kfouri: Sim, mas não pode contar?

Vicente Matheus: Não, é secreto.

Rodolfo Gamberini: Se não pode contar, é porque não votou no governador eleito [Orestes Quércia].

Juca Kfouri: Então não foi no governador eleito.

Vicente Matheus: Hein?

Juca Kfouri: Então não foi no governador eleito.

Vicente Matheus: Não, eu votei no Antônio Ermírio de Moraes.[Ver entrevista com Antônio Ermírio no Roda Viva]

Juca Kfouri: Que é um velho corintiano?

Vicente Matheus: E tem isso, é um velho corintiano.

Juca Kfouri: O senhor conta com ele para construir o estádio ou não?

Vicente Matheus: Bom, eu conto sim, como é que não? Com o [...] Ermírio, nosso amigo, e com outros corintianos também.

Arthur de Almeida: A propósito do estádio, presidente, como construir o estádio se o senhor mesmo, ao assumir o Corinthians e se deparar com um déficit em caixa de 22 milhões de cruzados, diz até que, se soubesse desse déficit, nem se candidataria? Como construir o estádio nessas circunstâncias atuais, nessa realidade do Corinthians hoje?

Vicente Matheus: Bom, dos problemas do Corinthians, nem tanto preocupa a dívida do clube, o que preocupa é a maneira como ele foi administrado. Para consertar tudo que está errado lá, o basquete, vôlei, futebol de salão, uma imensidade de coisas, folhas de pagamento de tal monta que só uma estatal mesmo que poderia manter aquilo, fazer dívida e tocar para frente...

Arthur de Almeida: Mas como cumprir essa plataforma?

Vicente Matheus: Bom, espere, então isso é que nós vamos cuidar, e não tem nada que ver uma coisa com a outra. Nós vamos conseguir o terreno, vamos começar a trabalhar nele, não vamos construir em um ano, nem em dois, nem em três, porque o [estádio do] Morumbi [do São Paulo Futebol Clube] até hoje não está terminado, e já faz 40 anos quase [...] demorou para ficar mais ou menos como está. Então, o Corinthians, nem que demore o que demorar, tem que construir, porque o primeiro anel é fácil de fazer e nós temos planos para construir sim. Nós podemos... Não tem firmas para construir um shopping center, um grande restaurante? Compram uma área e pagam fortunas. O Corinthians, cedendo o terreno para fazer certo tipo de negócio, eles mesmos podem construir.

Aroldo Chiorino: Presidente, falando em terreno, na quinta-feira que antecedeu a eleição do Corinthians, o prefeito Jânio Quadros [Jânio da Silva Quadros] esteve no programa do Ferreira Neto na TV Gazeta e foi categórico [ao dizer] que o terreno não seria devolvido ao Corinthians e que aquele espaço já estava reservado para uma área de lazer. Agora, o senhor confia na sua amizade com o prefeito Jânio Quadros para reaver o terreno?

Vicente Matheus: Não, eu confio na palavra dele, porque nós estivemos, depois daquele programa, estivemos no gabinete do senhor prefeito, eu e mais um grupo, e ele disse categoricamente – deve estar registrado em alguns jornais – que, se nós vencêssemos as eleições, ele cederia o terreno ao Corinthians... devolveria, não cederia, devolveria o terreno ao Corinthians.

Roberto Petri: Matheus, você não acha que na situação em que nós estamos vivendo – e você, apesar de ter nascido na Espanha, você é um cidadão brasileiro –, o senhor não acha que na situação em que nós estamos nesta capital, com gente invadindo terra, com gente sem moradia, com o problema do aluguel, o senhor Jânio Quadros resolve dar terreno para campo de futebol? Você não pensa nisso, não pensa no povo corintiano? Você é presidente de um clube popular, o senhor não acha que o Jânio Quadros, em vez de dar terreno para o Corinthians, não podia dar um terreninho para alguém morar?

Vicente Matheus: O senhor conhece a zona lá?

Roberto Petri: Conheço mais ou menos.

Vicente Matheus: Acho que não, senão não falaria isso, porque lá o terreno não seria para colocar casinhas ali na frente, porque o Corinthians irá enfrentar...

Roberto Petri: Não especificamente lá, não, Matheus. Ele, em vez de dar terreno a um clube de futebol – não é o caso do Corinthians, não tenho nada contra o Corinthians –, em vez de dar terreno para clube de futebol, por que ele não pensa outra coisa?

Vicente Matheus: Isso é problema dele.

Roberto Petri: E você também...

Vicente Matheus: É problema dele, meu filho. Eu estou pedindo a devolução do terreno que era do Corinthians, e esses incompetentes que estiveram lá deixaram perder uma jóia, o terreno de Itaquera é de um valor incalculável. Vai passar um milhão e quinhentas mil pessoas diariamente defronte ao estádio do Corinthians. E depois não é para fazer [o estádio] em um ano, dois, cinco; eu nem vou ver naturalmente, mas irei ver sim jogar como jogava o São Paulo quando cabiam só 30 mil pessoas no Morumbi, eu já ia assistir. Aí, depois, cabiam mais 40 [mil], depois mais um lance, depois mais um, outro, outro, e chegou ao ponto de construir...

Flávio Adauto: Vicente, veja bem, eu acho que é um direito do Corinthians realmente tentar reaver aquilo que ele adquiriu legalmente, votado na Câmara Municipal de São Paulo, o seu terreno, e que outros abandonaram porque não cumpriram cláusulas mínimas, concordo, acho que é um direito seu. Agora, eu acho também que já existe uma grande dose de demagogia em tudo isso, porque há 25 anos eu acompanho pedras fundamentais do Corinthians. Eu já vi a maquete do falecido Ícaro de Castro, lembra? Ele já faleceu, o arquiteto que projetou o estádio do Corinthians, e essa maquete inclusive já está rasurada, velha, desgastada, porque há 25 anos essa história se repete. A cada eleição o torcedor vai lá, o associado vota, porque a promessa existe de que o estádio vai ser construído. O próprio presidente que o antecedeu – vamos ver se o senhor concorda com isso –, o Roberto Pasqua [(1920-1995) presidiu o Corinthians entre 1985-1987], venceu talvez essas eleições em função do seu apoio. Num momento decisivo, na penúltima eleição, a última vencida pelo senhor, ele venceu a eleição no momento em que [você], Vicente Matheus, o apoiou, porque ele teria prometido dar início às obras do estádio do Corinthians. Mas faz 25 anos, presidente, não é muito tempo?

Vicente Matheus: Mas você vai me desculpar, porque eu nunca prometi isso. Sempre que peguei o Corinthians, foi para consertar o Corinthians de incompetentes que por lá passaram. Até em 59, o Corinthians não tinha nem máquinas para escrever; o Petri sabe disso, ele é daquele tempo. Então, naquela ocasião, ficamos dois anos; depois, em 71, pegamos o clube naquela desgraça também, conforme pegamos agora. Então, na minha gestão, consertamos tudo; fizemos um ginásio, um miniginásio [onde] cabem cinco mil pessoas; pavimentamos de graça lá dentro; muramos o clube com gradil de ferro; a sala da presidência foi feita na minha gestão; pagamos a dívida; jogamos em 74 com seis, sete jogadores quando perdemos do Palmeiras, com os jogadores emprestados, porque a situação era crítica. Então, não podia pensar nem em estádio, mas foi indo, lutamos, lutamos, até que deixamos 80 milhões aplicados e o melhor meio-de-campo do mundo talvez, com [os jogadores] Sócrates, Zenon, Biro-Biro e ainda tinha o Paulinho. Então, deixamos um grande plantel, tivemos o campeonato depois de 23 anos [refere-se à conquista do Campeonato Paulista de 1977]; em 79 ganhamos de novo; [em] 81, 82, se não me engano, foi com o mesmo plantel que nós deixamos, e na hora em que mexeram acabou o Corinthians, acabou o plantel que tinha...

[sobreposição de vozes]

Juca Kfouri: Presidente, o senhor recentemente...

Vicente Matheus:...então é isso, eu nunca prometi estádio porque nunca tive possibilidade.

[...]: Mas sempre sonhou com isso.

Vicente Matheus: Quando prometi, eu consegui o terreno com muito custo.

Flávio Adauto: Agora o senhor promete fazer esse estádio?

Vicente Matheus: Agora eu prometo, nós vamos cuidar e vai sair [o estádio], porque tem uma coisa, viu? Eu acho que você é são-paulino, hein? [risos] Porque a hora em que sair o estádio...

Flávio Adauto: Eu quero ver o estádio, presidente.

Vicente Matheus:...de Itaquera, ali acabou, não vai mais ninguém. Até o São Paulo vai querer jogar lá. Você pode estar certo disso, porque você dizer lazer, lá é que é lugar de lazer. Até o governador, o presidente da República [devem] cooperar com o Corinthians para fazer um estádio, para tirar o pessoal dos botequins, dos maus lugares onde possam estar. Lá é o povão que vive, lá precisa de um estádio.

Marcos Faerman: Então tem que ter um estádio, mas como fazer esse estádio?

Vicente Matheus: Vamos fazer, vamos fazer apelo aos corintianos, vamos ajudar, vamos trabalhar, não tem problema não, [com] isso aí o corintiano vai colaborar.

[...]: Presidente, quando custaria?

Vicente Matheus: Recebi diversos tijolos já, porque eu disse num programa que um tijolo de cada corintiano dá para construir um estádio. E eu recebi uns 15 ou vinte tijolos com cartinhas [risos], com cartinhas dizendo: “Aí [está], seu Matheus”, mas não era pejorativo, querer dizer como crítica.

[...]: Gozação.

Vicente Matheus: Queriam dizer que, de fato, o povo iria colaborar.

Roberto Petri: [...] colabora com tijolo, colabora com dinheiro, com tudo. Ainda dentro do mesmo tema, o senhor pega o Corinthians agora e a imprensa toda divulga as suas declarações. O Corinthians está mal financeiramente. Como o senhor mesmo já fez o retrospecto, em 1959 você pegou, o Wadih Helu era seu vice [Wadih Helu presidiu o Corinthians entre 1961 e 1971. A partir dos anos 50, foi adversário de Vicente Matheus]...

Vicente Matheus: [Estava] mal também, mal também.

Roberto Petri:...[naquela época] não tinha nem máquina de escrever – realmente, o Chiorino e eu, os mais antigos, sabem disso. Posteriormente você pegou o clube esfacelado financeiramente e você recuperou as finanças. Agora você já está declarando, já está pedindo uma auditoria porque o clube também está indo à bancarrota, indo à falência. Como é que você pode pensar em estádio quando você tem pela frente, numa situação como a nossa atual, uma situação de crise, uma situação de inflação galopante como nunca houve neste país, como você pode pensar em estádio? Não seria melhor primeiro pensar nas finanças? Você já acabou com o time de basquete, você está mais ou menos deixando entender que não está querendo gastar muito dinheiro com os jogadores.

Vicente Matheus: É que não existe... Eu ainda não acabei...

Roberto Petri: Como é que você quer pensar em estádio, que é um elefante branco? O Morumbi, só para a manutenção do estádio, o São Paulo gasta uma nota.

Vicente Matheus: [...] senão não dá para responder tudo.

Roberto Petri: Certo.

Vicente Matheus: O basquete, você está me culpando de uma coisa que eu não [fiz]. Já há um mês e meio ou dois que acabaram com o basquete; os quatro jogadores principais do Corinthians já saíram há dois meses. Então, não sou eu que estou acabando, mas se estivesse lá também cortava, porque o basquete não dá. Por que não manda o São Paulo fazer, Palmeiras e outros? Não há condições.

[...]: Na campanha, o senhor não disse isso, presidente.

Vicente Matheus: Não há condições de pagar os jogadores, o que eles estão pedindo. O futebol, nem para ele se manter... como é que um clube pode...? O clube não tem condições.

[...]: Na campanha, o senhor não disse isso, presidente.

Roberto Petri: Presidente, o senhor não respondeu a minha pergunta com relação ao basquete.

Vicente Matheus: Devido à situação financeira.

Roberto Petri: [Mas] você tem que limpar as finanças do clube. Precisa sanear, mas você está pensando em estádio, que custa um dinheirão.

[sobreposição de vozes]

Vicente Matheus: Mas nem o terreno eu ainda não tenho, Petri, nem o terreno eu ainda já não tenho. Primeiro vamos conseguir o terreno; tomamos posse do terreno; muramos o terreno; fazemos a terraplanagem e vamos tocando. Depois, nós fazemos um apelo ao corintiano, nós vamos fazer carnê, nós vamos fazer uma porção de coisas, não é problema. Agora, desde que eu me conheço, sempre as coisas estão ruins, estão ruins, estão ruins. Sabe que tinha um camarada que me dizia: “Olha, Matheus, o dia em que a gasolina custar...”. Eu queria que a gasolina custasse cem cruzeiros – viu? –, assim ninguém mais andava de carro. Hoje, com o preço que está, e tudo continua, tudo continua, de modo que não há problema nenhum. Isso de as coisas estarem ruins é problema do governo. O Corinthians tem os seus corintianos que apóiam, nós vamos construir, eu já discuti com você algumas vezes por causa desse negócio de que o Corinthians é a locomotiva do futebol. Quando o Corinthians...

Roberto Petri: [interrompendo] O Corinthians ajudou a construir o nosso estádio...

Vicente Matheus: É a locomotiva de 21 vagões.

Roberto Petri:...o senhor vai jogar na cara e eu já sei: foi o Corinthians que ajudou a construir o Morumbi, mas o São Paulo vai retribuir também. Pode ficar sossegado.

Vicente Matheus: Não, eu não espero [que] não, porque uma vez o São Paulo, sabe o que me respondeu? E é por isso que eu tenho... que o apelo que eu faço...

Roberto Petri: Mas os são-paulinos vão ajudar.

Vicente Matheus:...aos corintianos... Eu, pleiteando uma vez, com bons modos, que queria um abatimento, porque as rendas do Corinthians serão grandes e aquela coisa toda...

Roberto Petri: [Queria] 20% [de abatimento].

Vicente Matheus:...pedindo, pedindo, como eu insisti um pouco mais, sabe o que me responderam? Não vou dizer quem. [Disseram] “Seu Matheus, cerque um terreninho por aí, feche ele com cerca de arame e vá jogar lá”. Então, é por isso que nós corintianos temos que lutar, e lutar mesmo, e conseguir o terreno... Não fazem mutirão aí para construir? [...] vai lá trabalhar. Não te preocupa, que isso aí é problema do Corinthians e nós vamos fazer de tudo para construir. Se ganharmos o terreno, não vamos perdê-lo mais não, tenha certeza disso.

Juca Kfouri: Presidente Matheus, você está falando de problemas de governo, falando de necessidades de lazer, falando de uma série de coisas que não são exatamente ligadas à vida do Corinthians, do clube, do esporte. Mas eu sei que recentemente o senhor e a dona Marlene fizeram, se eu não me engano, duas viagens a Cuba e voltaram de lá muito bem impressionados. Dona Marlene até falou em implantar algumas coisas do modelo esportivo cubano no próprio Corinthians. Do que foi que o senhor gostou em Cuba?

Vicente Matheus: Eu não gostei, não [risos]. Para ser franco, nós fomos para ver a parte de ginástica, alguma coisa diferente, mas é tudo igual, é tudo "japonês", como se diz aqui no futebol.

Juca Kfouri: Sei.

Vicente Matheus: É levanta e abaixa, faz aquele giro, e é aquilo ali que nós vimos. Agora, a criançada lá é bem tratada, de fato. Eu vou falar o que é sério: é bem tratada, educada até se formar engenheiro, advogado, tudo, mas também depois fica ali naquilo. Então, é isso que é lá em Cuba...

Juca Kfouri: [interrompendo] Então vai haver uma briga familiar, porque a dona Marlene quer implantar algumas coisas que viu lá no Corinthians e o senhor não concorda?

Vicente Matheus: Não, não, mas é a parte de ginástica. Não tem nada mais de diferente, porque do resto não podemos implantar nada, porque eu sou o presidente e...

Juca Kfouri: Está certo. Mas dizem que quem manda na casa é ela [risos].

Vicente Matheus: Na casa, é claro, lá é ela.

Juca Kfouri: Ah, é?

Vicente Matheus: Mas é isso. Falando sério, a criançada anda limpinha, não se vê na rua ninguém pedindo esmola, bem arrumados, tudo bonitinhos, com saúde, tudo direitinho. Mas também é aquilo só. O sujeito que pensar, como nós aqui, que pode ganhar na loteria, lá não se pode pensar nisso, aí sempre fica naquilo: se é motorista, vai morrer motorista; se é servente, vai morrer servente; se é médico... Por exemplo, eu tenho um médico lá amigo, que eu fui – porque eu tenho umas coceirinhas [coça a mão] que me preocupam, e dizem que é de nervo. Então, eu ouvi falar desse médico e eu fui lá, fiquei muito amigo dele até, bem amigo, estivemos jantando juntos e tudo. A casa dele, qualquer empregado meu, não digo os serventes de salário mínimo ou um pouquinho a mais, mas mediozinho, é muito... duas vezes melhor do que a casa dele. É um homem que, se vem aqui ao Brasil, ele fica milionário. Eu convidei ele: “Vamos para o Brasil, que eu monto lá um negócio e nós ficamos milionários” [risos].

Rodolfo Gamberini: E qual foi [a resposta dele]?

Vicente Matheus: Ele deu uma risadinha e disse: “Eh, Matheus...”; eu subornando ele ali, não é? Ele é daqueles crentes ainda, porque ele é um camarada que foi formado... talvez há vinte anos que foi a guerra, ou a revolução...[revolução cubana]

[...]: A revolução.

Vicente Matheus:...então ele está com 35 [anos], mais ou menos, e ele está ainda quadrado naquilo, não quer nem conversa disso aí.

Juca Kfouri: Falando em idade, presidente, um homem como o senhor, que hoje está na casa dos 80 anos, feliz...

Vicente Matheus: Como é que é? Fale setenta e pouco.

Juca Kfouri: [Então] 78, mas não tem importância alguma, como o senhor mesmo diz, grandes homens com mais de 80 anos dirigem grandes nações. Não é verdade?

Vicente Matheus: Claro.

Juca Kfouri: Minha pergunta é a seguinte: o senhor é um homem rico, bem casado, apaixonado por sua mulher, presidente da sua outra maior paixão, que é o Corinthians. Há alguma coisa ainda que o senhor queira da vida? Faltou alguma coisa na sua vida que o senhor, olhando hoje para trás, que o senhor gostaria de ter e que o senhor não teve?

[...]: O estádio.

Vicente Matheus: Eu pedir de novo seria injusto para com Deus; eu pedi que ganhássemos, depois dos 23 anos. Ali eu pedi, eu disse que não tinha nada mais a pedir neste mundo, estava bem casado, graças a Deus com saúde, na família tínhamos nove irmãos ainda, que eram onze, morreram dois e tudo bem, não tinha nada mais a pedir. Mas como nós somos incon... incon... incontestáveis...

Juca Kfouri: Incontentáveis.

Vicente Matheus: É, incontestáveis.

Juca Kfouri: Também.

Vicente Matheus: É, deixe eu falar uma coisinha assim para ter graça também [fazendo referência à fama de criar neologismos e frases como "o difícil não é fácil"] [gargalhadas]. Então, é capaz que eu vou pedir de novo, eu vou pedir.

Juca Kfouri: A minha pergunta é a seguinte: eu acho que falta uma coisa na vida do senhor, não sei se vou fazer alguma confidência indevida, mas o senhor não tem uma frustração de não ter um filho homem?

Vicente Matheus: Não, não tenho.

Juca Kfouri: Não?

Vicente Matheus: Não, só tenho de não poder ter tido com a Marlene. Eu tenho duas filhas e gostaria que tivesse um homem ou menina que fosse com a Marlene. Fizemos [tratamentos] com médico, tudo direitinho... não é que nós fizemos de tudo para ter, vamos entender o negócio [risos].

Juca Kfouri: É que eu fico imaginando que o senhor gostaria de ter um filho para poder continuar a saga dos Matheus no Corinthians, não?

Vicente Matheus: Não, você sabe que eu tenho duas filhas bem casadas, os genros trabalham comigo. Eu não sei se tivesse filho, tem certos problemas aí com gente que nem eu, vamos dizer, que tem um filho e às vezes, da maneira que andam as coisas por aí, não sei o que ele podia ser. Então, eu estou satisfeito por isso, Deus não quis que eu tivesse [filho] homem.

Juca Kfouri: O senhor tem netos?

Vicente Matheus: Tenho cinco netos.

Juca Kfouri: Meninos?

Vicente Matheus: Tem três homens e duas meninas. Dois já trabalham lá comigo.

Juca Kfouri: Ah, é mesmo?

Vicente Matheus: O Vicente e o Eduardo, um de cada [filha].

Rodolfo Gamberini: Presidente, o Severino está há algum tempo querendo fazer a pergunta dele.

Vicente Matheus: Severino, vamos lá.

Severino Pereira Junior: Presidente, sempre que o senhor...

Vicente Matheus: Vê lá a pergunta, hein? [risos]

Severino Pereira Junior: Sempre que o senhor se referiu ao ex-presidente Waldemar Pires [que comandou o Corinthians entre 1981-1985]...

Vicente Matheus: Como é, começa de novo.

Severino Pereira Junior: Sempre que o senhor se referiu ao ex-presidente Waldemar Pires, o senhor o chamou de Judas. Agora, quando o senhor assumiu a presidência do Corinthians, o senhor assumiu com auditoria. Isso é uma forma de vingança ou é realmente um buraco que existe bem maior do que aquele que a gente imagina que tenha no Corinthians?

Vicente Matheus: Não, vingança eu não tenho não, eu posso ficar nervoso na hora, mas depois passa, eu não tenho. Agora, se for feita [uma] auditoria, é porque eu entendo que 2,8 milhões de dólares que entraram do Sócrates é dinheiro para não caber aqui, em notas de cem dólares, porque é muito dinheiro. Venderam dois mil títulos patrimoniais, que isso é carga contra o Corinthians, porque não vão pagar mais nada; venderam o Zenon e venderam todo mundo aí. Porque a primeira gestão do Waldemar e a do outro é a mesma coisa, o pessoal é aquele mesmo, fizeram aquela união que o Corinthians tinha, tinha, tinha...

Roberto Petri: Democracia corintiana.

Vicente Matheus: A democracia...

Roberto Petri: [interrompendo] O senhor é contra a democracia?

Vicente Matheus: Todos se deram as mãos, todos se beijaram e, entretanto, eles fizeram isso: gastaram o dinheiro do Sócrates – aquilo é uma mosca branca o que aconteceu, 2,8 milhões [de dólares], sabe quanto podia ter o Corinthians hoje, se [esse dinheiro] não fosse usado? Podia estar aplicado, porque quando eu peguei o clube, em 71, não tinha nada, devia [dinheiro] e devia bastante. E nós contratávamos grandes jogadores, mas não é que eles aplicaram isso nos jogadores, não é nada disso. Então, isso eu gostaria de... se eu puder e tiver condições de fazer, vou ver de que maneira esse dinheiro saiu, porque é muito dinheiro: 2,8 milhões de dólares é para não acabar mais, para não falar que já venderam o Casagrande, o Zenon, o Washington, que também foi comprado na minha gestão e é um dos melhores jogadores do Rio, e assim por diante. Então, é por isso, não é por vingança, é que essas leis... vocês da imprensa é que deviam de cutucar o governo para que fizessem... os homens que vão dirigir o clube, os presidentes – que são os responsáveis e podem fazer qualquer transação – deviam ser responsáveis, ver como pegam o clube e o que desse de prejuízo eles [deveriam] arcar com a despesa. Mas não, eles pegam... que nem agora, fizeram banquetes de aniversário e não pagaram; foram ao Gallery [famosa casa noturna da época] para umas 200, 300 pessoas, não fica barato, ficou por conta do Corinthians; foram para o Japão com as famílias, foram para a Europa toda.

Arthur de Almeida: Quem foi?

Vicente Matheus: Então, tudo isso.

Severino Pereira Junior: Presidente, as cadeiras cativas do Parque São Jorge [sede social do Corinthians] não foram reformadas e já foram vendidas...

Arthur de Almeida: Quem foi? Quem foi ao Gallery? Quem deu as mãos?

Vicente Matheus: Todo mundo. Eu não vou dizer os nomes porque seria injusto, mas todos sabem, vocês mesmos escreveram. Se eu sei, é porque vocês escreveram e vocês sabem disso.

Arthur de Almeida: O senhor disse que o presidente Roberto Pasqua deu as mãos, por exemplo, com o Orlando Monteiro Alves e o Adilson Monteiro Alves, o pessoal da democracia corintiana, com o pessoal dessa situação. Mas eles não foram, como o senhor também, candidatos ao mesmo cargo que hoje o senhor ocupa? Como se deram as mãos, se eles eram adversários políticos também, como são ainda hoje? [Em 1985, em eleição para a presidência do Corinthians, Roberto Pasqua derrotou Adilson Monteiro Alves por 162 votos a 130]

Vicente Matheus: Não, quando nós saímos, na ocasião em que nós saímos e entrou o Waldemar, era todo mundo ali, todos eles, até hoje, por exemplo, quem é que mandava lá no clube? Era o Serafim, o Serafim, de quem é cupincha? Do Wadih Helu. Quem mandava menos no clube era o presidente, o Roberto Pasqua. Então, ele não tinha condição, tudo que queriam fazer eles faziam.

Flávio Adauto: Então, faltam homens para dirigir o Corinthians, presidente?

Vicente Matheus: Não, porque tem eu [risos e aplausos].

Flávio Adauto: Presidente, o senhor disse aqui que sempre que o senhor pega o Corinthians, ele está em situação difícil, o senhor tem sempre que consertar os estragos. Não seria o caso de preparar alguém, então, para substituí-lo?

Vicente Matheus: Você veja a nossa diretoria hoje, todos jovens, que eu prometi, porque eu não fiz barganha com ninguém, para começar não foi feito barganha.

Severino Pereira Junior: Um nome que possa suceder o senhor.

Vicente Matheus: Hein?

Severino Pereira Junior: Um nome que possa suceder o senhor num futuro próximo.

Vicente Matheus: Ah, não vou falar isso, tem tantos ali, pois entraram agora, faz uma semana...

Flávio Adauto: Mas o senhor já os conhece há muito tempo.

Vicente Matheus:...tem o de finanças, tem... os sete, qualquer um deles tem condições de ser candidato à presidência, e eu disse, disse e prometo, e já estou educando eles...

[...]: Ensinando.

Vicente Matheus:...a serem dirigentes, a serem dirigentes. Não na parte de leitura, porque isso nem eu não sei para mim, como é que vou ensinar?

Júnia Nogueira de Sá: [interrompendo] O senhor está falando em consertar o time, presidente...

Vicente Matheus: Mas na parte de seriedade, na parte de querer o clube, na parte de olhar pelo clube e não se servir do clube, uma porção de coisas, fiscalizar mesmo. Então, isso eu quero incutir naquela rapaziada para que saiam dali dirigentes para o dia de amanhã, porque senão vai...

Severino Pereira Junior: O senhor vai ampliar o Parque São Jorge?

Vicente Matheus: Hein?

Severino Pereira Junior: O senhor vai ampliar o Parque São Jorge?

Vicente Matheus: Ah, não sei, por enquanto eu estou cuidando lá de outras coisas...

Severino Pereira Junior: As cadeiras cativas já foram vendidas.

Vicente Matheus: Ainda não deu tempo de [...].

Severino Pereira Junior: Como é que fica o problema das pessoas que já adquiriram essas cadeiras?

Vicente Matheus: Aí nós damos [cadeiras cativas] lá em Itaquera.

Júnia Nogueira de Sá: O senhor está falando em consertar o clube...

Vicente Matheus: Eu tinha quatro cadeiras e desmancharam.

Severino Pereira Junior: O senhor comprou o que não existe?

Vicente Matheus: Então, iam ficar lá, mas como lá não tem condições, lá não tem estacionamento, lá não tem nada, não tem condições. Lá, aos domingos, o Parque fica completamente lotado, lotado, lotado. Imagine em um dia de jogo em que vão umas 30, 40 mil pessoas, o que é que vai acontecer ali?

Severino Pereira Junior: E por que venderam as cadeiras antes de construir o estádio?

Rodolfo Gamberini: Presidente, presidente...

Vicente Matheus: Eles venderam, são incompetentes.

Rodolfo Gamberini: Presidente, por favor, eu gostaria que o senhor respondesse à pergunta da Júnia.

Vicente Matheus: Deixe eu dar uma viradinha.

Júnia Nogueira de Sá: Eu sou a única mulher aqui e estou em desvantagem.

Vicente Matheus: Muito prazer.

Júnia Nogueira de Sá: O senhor está falando em consertar o clube, presidente, mas eu acho que, antes disso, tem uma coisa com que os corintianos estão mais preocupados, que é consertar o time do Corinthians. Há muito tempo o Corinthians não reuniu uma constelação de estrelas tão apagadas como estas deste time agora. Tem jogadores que eu, quando leio jornal, me assusto com os nomes, não sei de onde vieram, não conheço. O que é que o senhor vai fazer pelo time? Não adianta fazer estádio se não houver um bom time para jogar ou se o Corinthians descer para a segunda divisão, o senhor concorda?

Vicente Matheus: Não, porque não é Palmeiras para ir para a segunda divisão [risos].

Júnia Nogueira de Sá: Mas está correndo esse risco agora.

Vicente Matheus: O Palmeiras é que fez um jogo lá, que era para perder do Guarani, e pegou e colocou em campo um jogador que não podia jogar.

Arthur de Almeida: O senhor fez o mesmo em 79, não foi, presidente?

Vicente Matheus: Então, não é... começou agora o campeonato, minha filha.

Júnia Nogueira de Sá: Mas essa campanha do Corinthians está horrorosa, presidente, o time está muito ruim. O que o senhor pretende fazer agora na sua administração?

Vicente Matheus: Nós pegamos o bonde andando, então o que nós vamos fazer? Pegamos o bonde andando. Eu acredito no plantel, acredito; ainda antes aqui da participação no programa, falava com o Juca e disse a ele: olha, há nove jogadores aqui, todos jogadores bons, bons, bons, tem os jovens que foram da seleção de novos, então eles estão assustados, estão assustados, mas isso... nós vamos lá, não tenha dúvida, porque se contratamos naquela época Palhinha, Zenon, Sócrates, Amaral, Washington, que está no Rio ainda...

[...]: [...] Baianinho, Cesar.

Vicente Matheus: E outros mais.

Severino Pereira Junior: Mas o Amaral, foi o senhor mesmo que dispensou, não é, presidente?

Vicente Matheus: Hein?

Severino Pereira Junior: O Amaral, foi o senhor mesmo que dispensou, não é?

Vicente Matheus: Que foi no meu tempo?

Severino Pereira Junior: É, o senhor dispensou o Amaral, o Djalma, Vaguinho e mais dois jogadores.

Vicente Matheus: Não, eles terminaram... O Amaral...

Severino Pereira Junior: O senhor dispensou.

Vicente Matheus: Mas foi contratado, eu estou dizendo que contratamos o Amaral. Então, nós temos condições de contratar, desde que apareçam jogadores daquele nível, porque naquele tempo tinha. Você ia em Porto Alegre e tinha grandes jogadores que você podia escolher um ou outro, três, quatro. Senão ia em Minas, tinha no Atlético, então a gente podia... Hoje, onde é que tem um jogador de nível bom que esteja à venda?

Ricardo Soares: Presidente, eu queria aproveitar a deixa da pergunta dela, em cima do que o senhor está falando. O senhor acompanha há muitos anos o Corinthians e eu queria saber qual é a sua seleção corintiana de todos os tempos, desde que o senhor está envolvido com o Corinthians, qual é a sua escalação, os 11 jogadores corintianos da sua preferência?

Vicente Matheus: Hoje?

Ricardo Soares: Não, a seleção corintiana, desde que o senhor está no Corinthians.

[...]: De todos os que o senhor viu jogar.

Ricardo Soares: De todos os tempos.

Vicente Matheus: Ah, não vou escalar agora, porque senão eu iria cometer uma injustiça, ia esquecer algum que eu não ia me lembrar...

Juca Kfouri: Gilmar no gol?

Vicente Matheus: Não ficaria justo isso aí, porque tem tantos bons ali, que faria duas seleções.

Ricardo Soares: O senhor viu muita gente, muita gente antológica.

Arthur de Almeida: Qual foi o melhor goleiro do Corinthians, presidente?

Juca Kfouri: Tuffy ou o Gilmar?

Vicente Matheus: Tinha o Gilmar, tinha o Cabeção... o Cabeção nunca pôde ser o titular porque tinha o Gilmar.

Juca Kfouri: Lateral direito...

Vicente Matheus: Eu me lembro do José, o Turco, que é daqueles tempos.

Juca Kfouri: Lateral direito melhor que o Zé Maria, o Super Zé, o senhor viu algum?

Arthur de Almeida: Era o Idário, não é?

Juca Kfouri: O Idário? O senhor gostava mais [do Idário] do que do Zé Maria?

Vicente Matheus: Não, eu não digo “mais”; o Zé Maria era muito bom.

Juca Kfouri: O Rivelino está na sua seleção de todos os tempos do Corinthans?

Vicente Matheus: Estaria, como é que não? Estaria.

Arthur de Almeida: Mesmo ele nunca tendo sido campeão pelo Corinthians?

Vicente Matheus: O Rivelino foi vendido porque a torcida assim pediu, os dirigentes pediram e nós não queríamos vender, tanto que seguramos o jogador; eu tive trabalho para conversar com a diretoria, que eles queriam que fizéssemos como fizeram esses tontinhos aí, venderam Zenon e toda essa turma de graça, e por quê? Pediram, porque erraram, não-sei-quê. Então, você quer o Serginho? Fique com ele. Você quer o [...]? Fica com ele. Você quer o Dunga? Fica com ele. Você quer o... quem mais tem?

[...]: Ah, todos, o [jogador uruguaio que foi do Corinthians, Hugo] De León.

Vicente Matheus: O De León, e tem uma porção deles, eles fizeram assim: quanto? “Duzentos mil, está bom?”. Está. “Então venha para cá”.

Juca Kfouri: Presidente, o senhor tornou mais popular um ditado [quem sai na chuva, é pra se molhar] que já era popular e que hoje é seu: “Quem sai na chuva, é pra se queimar”. Muito bem, eu lhe pergunto: o senhor já está arrependido de ter voltado a essa fogueira chamada Corinthians ou não?

Vicente Matheus: Eu, pelo trabalho que está tendo lá dentro, não é brincadeira, viu? Estou trabalhando dia e noite ali, não saí da minha sala ainda para ver o que acontece nas piscinas, que estão quebradas, para ver o restaurante, que também está sem contrato, para ver a secretaria. Não vi nada ainda porque não dá tempo de ver aquela papelada, de ver aquela coisa tão abandonada que estava, viu? Mas já estamos acertando e vamos acertar, porque nós pegamos uma coisa e acertamos, depois vamos a outra e acertamos e vamos acertar. Os "bichos" [prêmio em dinheiro que os jogadores recebem quando têm bom desempenho] dos jogadores estão todos em dia, porque estavam atrasados; as luvas de todos eles foram pagas ontem: 700 mil do Jorginho, 250 [mil] do Biro-Biro e outros 50 [mil], 80 [mil] e tal, eu sei que foi pago tudo. Então, isso aí já está controlado, foi falado com o João Paulo – não fui eu que falei, foi o vice-presidente de futebol – que ele só reformaria o contrato quando vencesse, tinha que respeitar o contrato, porque o nosso lema é esse aqui, fizemos isso com o Sócrates, que ele queria fazer um novo contrato, [mas] não fizemos, porque eu acho que contrato... eu respeito até a palavra, quanto mais contrato. Então contrato tem que respeitar, senão não adianta fazer. Então ele vai jogar de novo, o Jorginho... Jorginho, tudo bem, e assim por diante.

Juca Kfouri: Quer dizer que o senhor não está arrependido.

Vicente Matheus: Não, não, eu não estou, não.

Aroldo Chiorino: De onde o senhor arrumou dinheiro para pagar esse pessoal agora?

Vicente Matheus: Hein?

Aroldo Chiorino: O Corinthians está sem dinheiro, [mas] o senhor disse que pagou luvas, prêmios atrasados. Onde o senhor foi buscar [dinheiro], do seu bolso ou tinha dinheiro em caixa?

Vicente Matheus: São Pedro, ele nos ajuda... [corrige-se] São Jorge, São Jorge [risos].

Rodolfo Gamberini: Como é que o senhor conseguiu esse dinheiro, presidente? Isso aí eu acho que o senhor deveria explicar.

Aroldo Chiorino: Se o Corinthians está duro...

Vicente Matheus: O quê?

Rodolfo Gamberini: Se o Corinthians não tem dinheiro, está falido, como o senhor declarou...

Vicente Matheus: Não, não, eu não declarei [que está] falido.

Rodolfo Gamberini: Está sem dinheiro em caixa.

Vicente Matheus: Eu nunca falei falir; falir é quando pede falência porque não paga.

Rodolfo Gamberini: Mas o senhor pagou com dinheiro que a outra diretoria lhe deixou? O senhor pagou com dinheiro seu? Como é que o senhor pagou?

Vicente Matheus: Isso são segredos das firmas, das pessoas e dos clubes. Não podem ficar públicas essas coisas.

[...]: [...]

Juca Kfouri: Uma pedrinha aqui, outra pedrinha ali, é assim que o senhor faz?

Vicente Matheus: É, a gente dá um jeitinho aí.

Marcos Faerman: Presidente, eu queria fazer uma colocação, interrompendo esse fluxo de questões que estão sendo levantadas, porque eu acho que o Vicente Matheus tem uma riqueza como personagem que transcende ao imediato, até porque é um personagem que me evoca um pouco o teatro... [o ator e dramaturgo] Gianfrancesco Guarnieri [1934-2006, ver entrevista com Guarnieri no Roda Viva], que pega esses imigrantes que vieram aqui para São Paulo, que fizeram São Paulo, que subiram em São Paulo. Eu o vejo como um personagem que tem, assim, a marca de escritores que escreveram a saga desse estado, não é? Eu queria que o senhor evocasse um pouco para os telespectadores aqui deste programa – tem muitos jovens aqui que não sabem direito de onde veio o Vicente Matheus. Eu sei que o senhor veio da Espanha, eu sei que o senhor veio de uma pequena cidade... ou foi de uma grande cidade?

Vicente Matheus: Toro, é perto de Zamora.

Marcos Faerman: O senhor veio da Espanha. Pegou um navio com seus pais, chegou aqui e, pelo que eu sei, o senhor era uma criança muito pobre. O que é a sua história?

Ricardo Soares: Eu queria saber como chegou ao Corinthians. Como chegou ao Corinthians?

Marcos Faerman: Isso vem muito depois. Vamos pegar a história de Vicente Matheus, um pouco da história da sua infância e tudo mais.

Vicente Matheus: Meu pai já trabalhava... meio empreiteiro, mas ele veio primeiro para a Argentina, e roubaram o dinheiro dele no apartamento.

[...]: E roubaram como?

Vicente Matheus: É, roubaram o dinheiro dele.

Marcos Faerman: Roubaram onde?

Rodolfo Gamberini: Como é que foi isso?

Marcos Faerman: Como foi essa história de que seu pai perde o dinheiro?

Vicente Matheus: Tiraram o dinheiro à noite, deram alguma coisa para ele cheirar.

Marcos Faerman: Mas em Buenos Aires?

Vicente Matheus: Em Buenos Aires. Aí, ele veio [ao Brasil] primeiro sozinho...

Rodolfo Gamberini: Deram alguma coisa para ele cheirar? Como foi isso, presidente? Entraram no apartamento em que ele estava, como é que é?

Marcos Faerman: Éter?

Vicente Matheus: [...] durante a noite, sei lá. Aí ele foi trabalhar em pedreiras lá, porque ele era um artista de fazer um santo...

Marcos Faerman: Era um artesão.

Vicente Matheus:...na mão.

Rodolfo Gamberini: Escultor.

Vicente Matheus: Ele era um artista. Bom, aí ele foi trabalhar em pedreiras lá, paralelepípedo, guia, de tudo. Aí depois ele pega e vem...

Marcos Faerman: Tudo isso em Buenos Aires?

Vicente Matheus: Aí ele veio para Guaianases [distrito da cidade de São Paulo]. Aí depois veio a minha mãe e depois vim eu.

Marcos Faerman: Como é que foi essa viagem para cá? O senhor veio com os seus irmãos?

Vicente Matheus: Eu vim com meus tios, agora eu tenho irmãos que já são brasileiros.

Marcos Faerman: Isso foi lá em mil novecentos e...?

Vicente Matheus: Em 1914, 1915 ou 1916.

Marcos Faerman: Tempo da [Primeira] Guerra [Mundial – 1914-1918], então.

Vicente Matheus: Tempo da Guerra.

Marcos Faerman: A Europa estava em guerra quando o senhor veio para cá.

Vicente Matheus: Bom, aí eu vim e meu pai já tinha pedreira em Guaianases. Essa pedreira, [ele] comprou a prestações, coisa e tal. E eu, então, com dez, 12 anos, já tomava conta do armazém; eu ia na pedreira tirar ponto, fazer folha de pagamento junto com ele. Então, foi aquela dificuldade, eu era o filho mais velho, então eu depois cresci mais e trabalhava na pedreira, faço qualquer coisa de pedreira.

Marcos Faerman: Como era o trabalho na pedreira assim? O que o senhor fazia?

Vicente Matheus: Serviço bruto, fazer minas, explosivos, tudo o que é de pedreira eu conheço, que nem vocês conhecem de esporte, eu conheço de pedreira, de serviço e de administrar também. Então, foi aquela luta, eu era o mais velho... às vezes [quando] eu ia deitar, o meu irmão mais novo até mijava na minha cama [risos]. Aí dava briga com a minha mãe. Ia pôr uma camisa e, às vezes, outro já tinha rasgado a camisa, mas não era pobre assim, é que a situação de quem tinha alguma coisa de empreitada, tijolos, pedras, essas coisas não valiam nada. Antes de 1930, era melhor ser empregado do que ser dono de qualquer coisa. Então, eu naquele tempo estudei pouco, porque em Guaianases, hoje, tem faculdade lá, tem tudo, [mas] naquele tempo não tinha nada e não tinha transporte. O último trem que vinha para São Paulo, que eu podia estudar aqui, ia embora às sete horas da noite, e eu [por isso] não podia estudar, então eu não estudei, mas aprendi o suficiente.

Marcos Faerman: Aliás, me permita um aparte: é por isso que eu acho grotesco o comportamento de alguns colegas... aliás, a imprensa de São Paulo é uma imprensa, na minha opinião, muito mal escrita. Eu não vejo o direito de muita gente de tripudiar sobre uma pessoa que não pôde estudar.

Vicente Matheus: É.

Marcos Faerman: Então, eu acho uma coisa ridícula mesmo essa coisa de ficar falando, escrevendo: “Porque erra aqui, erra ali”, porque jornalistas erram muito também, erram bastante.

Vicente Matheus: Porque se tivesse lá ginásio, tivesse tudo, eu teria estudado, porque eu não era vagabundo de rua, não.

Júnia Nogueira de Sá: Nessa época, o senhor sonhava com alguma profissão, presidente? O senhor tinha vontade de ser alguma coisa?

Vicente Matheus: Mas eu trabalhei, trabalhei para o meu pai até os 26 anos, que foi quando eu casei, e não ganhei um tostão nunca, porque naquele tempo era assim. Agora...

Marcos Faerman: A Júnia perguntou se o senhor sonhava nesse tempo. O senhor queria seguir o caminho do seu pai?

Vicente Matheus: Eu tenho camisas ainda, eu tenho camisas de seda na minha casa ainda guardadas. Até um certo tempo, eu usava só camisa de seda, mas a camisa de seda é mais quente, por quê? Porque quando eu reclamava da minha mãe, ela dizia: “Você só vai usar camisa de [seda]... [emociona-se e pára de falar].

Rodolfo Gamberini: Só vai usar...?

Vicente Matheus: Só camisa de... [ainda emocionado e chorando].

[...]: De seda.

Marcos Faerman: O senhor reclamava da sua mãe que a vida era difícil?

Vicente Matheus: [emocionado, gesticula com a cabeça, indicando que sim].

Marcos Faerman: E como era sua mãe, presidente?

Vicente Matheus: [emocionado] Prefiro não falar da minha mãe.

Juca Kfouri: O sangue espanhol não deixa, não é, presidente? O sangue espanhol não deixa, fica logo comovido. Diga uma coisa, presidente...

Vicente Matheus: Não é, é que tem uma pessoa que faz questão de dizer que eu sou analfabeto, que é o senhor Wadih Helu. Então, faz questão, ele até há pouco tempo me falou isso. Então, eu seria mais inteligente do que ele cem vezes se eu tivesse tido condições de estudar, é isso que [...]...

Marcos Faerman: [interrompendo] O senhor é um homem inteligente.

Vicente Matheus: Eu tenho engenheiros na minha firma que me consultam [para] certas coisas, tem advogado, tem contadores, tem tudo.

Juca Kfouri: Mas o fato de o senhor ser um homem muito mais querido do que ele, pela população de São Paulo, não lhe é o suficiente? Quer dizer, o senhor ainda dá importância a esse tipo de crítica?

Vicente Matheus: Não, a gente sente, porque até tive ocasião de dizer [que] meu pai, se estivesse vivo, iria conversar com ele, porque se eu não estudei é porque meu pai não tinha condições de me deixar estudar. Então, talvez, também não sei que reação podia ter meu pai. Eu, de fato, o que eu vou fazer? Que fale, o que eu vou fazer? Porque está certo que ele tivesse falado há tempo, por política, mas ele falou há pouco tempo em uma reunião do [...].

Rodolfo Gamberini: Presidente.

Vicente Matheus: Ele começou a [...]. Estávamos quase fazendo as pazes, o [...] e não sei quem, hoje jantando juntos e tal, e um negócio, uma discussão qualquer boba lá, ele pega e me chama outra vez [de analfabeto]. Você vê o que é o ódio, a coisa? Porque do pessoal do Corinthians, acontece com todos, todo dia não tem um com quem eu não converso; o próprio Adilson manda telegrama, me abraça quando me vê, o Roberto Pasqua, coitado...

Juca Kfouri: O Adilson tem muito carinho pelo senhor.

Vicente Matheus: Ele foi mandado, esse aí não é culpado até de nada, porque se o Roberto ganha, ele não ia assumir a presidência. Vou explicar para saber o que é. Porque a turma do homem lá ia ganhar e ia tirar ele para fora.

Arthur de Almeida: Para deixar claro, o “homem lá” é o senhor deputado Wadih Helu?

Vicente Matheus: É.

Arthur de Almeida: A turma do homem lá.

Vicente Matheus: Não, agora acabou, já não tem mais nada.

Flávio Adauto: Presidente, para o senhor já não basta...

Vicente Matheus: Vamos falar de coisa mais alegre.

[...]: Eu estava muito alegre.

Michel Laurence: Presidente, o senhor não acha que ele tem direito... o Wadih Helu não tem o direito de ter raiva do senhor? Afinal, em 1971, 1972...

Vicente Matheus: Não, não deve, eu acho que não.

Michel Laurence: O senhor o derrotou através do Miguel Martinez [que foi presidente do Corinthians entre 1971-1972]. Uma eleição histórica, não é?

Vicente Matheus: Como é que é?

Michel Laurence: O senhor em 71, 72 ou 73, não me lembro...

Vicente Matheus: Não, 71.

Michel Laurence: Em 71, o senhor o derrotou nas eleições através de Miguel Martinez, não é? Que foi eleito, e o senhor apoiou Miguel Martinez e foi uma estrondosa derrota do Wadih Helu, não é? O senhor acha...

Vicente Matheus: Mas isso era comum, não tinha nada... perdeu. Tem outros que também perderam, a gente não liga para isso.

Michel Laurence: Mas naquela época ele era o senhor absoluto do Corinthians.

Vicente Matheus: Bom, mas perdeu, não foi...

Flávio Adauto: Matheus, não basta para o senhor hoje ser reeleito ou eleito novamente – é a sétima vez que o senhor é presidente do Corinthians –, não basta, perante todos esses adversários? Essa sua vitória já não é suficiente para esquecê-los e deixá-los de lado e pensar agora nos problemas do Corinthians? O senhor não se sente um vencedor hoje, um homem que conseguiu voltar quando estava, vamos dizer assim, esquecido, no ostracismo, mas voltou, já não basta isso?

Vicente Matheus: Mas claro. Eu já pensei em não responder mais nada de coisa do Corinthians e procurar trabalhar, não tocar em mais nada de eleição, nem de fulano, nem de cicrano, trabalhar pelo clube. Mas estou aqui em um programa em que eu tenho que dizer alguma coisa. Senão, quando fazem a pergunta, eu vou dizer “Não sei”? Eu tenho que responder, senão eu não falaria em nenhum desses nomes, não falaria, pode crer. Eu nem quase queria vir aqui, para evitar mesmo essas coisas de estar falando, porque a pergunta vem e eu tenho que falar. Por exemplo, este senhor aí me perguntou como é que eu vim e tudo mais, e tinha tanta coisa, que o que eu falo...

Michel Laurence: Tanta coisa que eu também queria saber. Essa história é muito bonita.

Vicente Matheus: [...] Eu estive em um colégio ali da Zona Leste, e me pegaram de surpresa e queriam que eu fosse falar lá.

Flávio Adauto: Onde isso, presidente, no colégio?

Vicente Matheus: Na Zona Leste. Isso já foi quando eu era presidente do Corinthians, há seis anos atrás. Fui lá de convite, coquetel, aquela coisa toda, de repente me põem lá para falar com a turma de estudantes. Tinha moças, jovens de vinte anos, 18, 15, por aí afora, tudo, mas lotado assim. [Pensei] “E agora?”. Você sabe que contei a minha vida direitinho, dizendo para eles: “Olha, eu não estudei porque não pude. Vocês que estão aqui com acomodações e tudo, se não estudam é porque vocês não querem estudar”. Então, eu fiz uma preleção lá da minha vida, os professores me abraçaram e disseram: “Olha, nunca passou aqui ninguém que acontecesse o que aconteceu, desse silêncio, ninguém se levantou, ninguém começou com zum zum zum, conversa de atrapalhar, que estava enchendo ou qualquer coisa. Ficaram até o fim, sem se mexerem ali do lugar”.

Juca Kfouri: Contou [sua vida] sem chorar ou teve que dar umas interrompidazinhas?

Vicente Matheus: Não, quando eu falo da minha mãe [volta a emocionar-se].

Juca Kfouri: O senhor se comove.

Vicente Matheus: [confirma que sim, gesticulando]

Rodolfo Gamberini: Presidente, quando o senhor estava falando...

Vicente Matheus: Eu não era assim tão agarrado, eu era meio ruinzinho...

Marcos Faerman: Presidente, qual era o prato mais gostoso que a sua mãe fazia?

Vicente Matheus:...ela me batia, eu punha o braço assim [mostra o cotovelo], e aí [ri]...

Marcos Faerman: Presidente, como era a comida da sua casa?

Vicente Matheus: Não era assim de ser tão agarrado, porque ela, coitada, trabalhou muito. Eram onze irmãos. Ela cuidava de horta, criação, de tudo ali, com criança pequena ainda. Mas, graças a Deus, todos os meus irmãos têm se portado direito, uns estão melhor, outros estão pior, mas todos estão mais ou menos bem. Minhas irmãs estão todas casadas também bem, moram em Guaianases, então...

Juca Kfouri: Veja se é verdade essa história que me contaram, presidente. O senhor... até o nome da sua chapa agora nas eleições era “Tudo por amor”, quer dizer, declaração maior de amor ao Corinthians não é possível. Me contam que houve uma época em que, quando o senhor estava construindo um edifício ali na frente do Parque São Jorge, foi descoberta uma nascente de água, e que o parque aquático do Corinthians sempre teve muitos problemas por falta de água. O senhor mandou ligar essa nascente ao parque aquático do Corinthians. Isso é verdade?

Vicente Matheus: Eu mandei ligar.

Juca Kfouri: O senhor mandou ligar?

Vicente Matheus: Mandei.

Juca Kfouri: Agora, me contam também que, quando o senhor rompeu com o Waldemar Pires [que presidiu o Corinthians entre 1981-1985], o senhor mandou cortar essa nascente. É verdade?

Vicente Matheus: Eu não minto, eu não sou que nem alguém que fala uma coisa de manhã e outra à tarde. Eu pedi uma carta do presidente pedindo... porque é minha a água, então quem quer ao menos tem [que ter] o trabalho de pedir, manda um ofício: “Senhor Vicente Matheus, o senhor pode nos fornecer a água etc?”. Aí eu pegava e ligava. Ele não mandou e eu tirei a água, qual é o problema? Ora, é verdade [risos e aplausos].

Juca Kfouri: Aí, essa água escoava para onde?

Vicente Matheus: Ainda [é] sorte que eu tenho para dar, mas eles não têm nada para dar, porque eu pavimentei de graça, eu cedi as minhas máquinas lá ao clube no que precisava, nem me consultavam mais na outra época, então o Corinthians tem sido assim. Agora, a água, eu estava aborrecido, porque o sujeito foi traidor, ele me traiu.

Juca Kfouri: Por que ele o traiu, presidente? Ele não era o presidente do clube quando ele rompeu com o senhor?

Vicente Matheus: Não é isso, Juca, é o seguinte: quando nós... eu convidei primeiro o Mário Campos para ser o meu sucessor, ele disse que ele era pobre e de caráter, um homem de caráter, era pobre, não tinha condições, aquela coisa e tal. Então, bom, quem é que nós vamos pôr de confiança para dar continuidade às obras, a certas coisas, ao estádio, que também estava para sair, já tinha o terreno, tinha aquela coisa toda? Era o meu amigo Waldemar, que tem 30 anos, colaborei com ele muito, vendi uma corretora para ele como ele quis, nunca se preocupou com nada de me prejudicar, então só era ele. [Mas] ele, depois de dois, três meses, ele pega e faz aquela onda toda com o grupo e me jogaram de lado. Então... como é a pergunta?

Juca Kfouri: A minha pergunta é a seguinte: o senhor era o vice e ele era o presidente. A crítica que é feita ao senhor é que o senhor, sendo vice, queria ser o presidente. Foi contra isso que ele se explodiu.

Vicente Matheus: Não, mas foi conversado tudo isso.

Juca Kfouri: Ah, isso foi acertado?

Vicente Matheus: Foi acertado que eu jamais aceitaria um papel desses, e ele aceitou [o combinado].

Juca Kfouri: Está certo.

Vicente Matheus: Estou falando, eu não estou mentindo. Podia não dizer isso, [mas] ele aceitou. Eu não aceitaria ser testa-de-ferro, mas ele aceitou. Mas eu iria respeitar ele, eu ficava administrando, porque o resto que veio por aí, [eles] não administraram mais nada. Você vai lá no Parque, derrubaram o estádio, as piscinas estão arrebentadas. As piscinas de ondas artificiais não são o que eu vi em Brasília, porque essas ondas nós fizemos taqueamento e compramos o maquinário, na minha gestão, há seis anos, já estava comprado isso e só agora que fizeram, com tanto dinheiro que teve pela frente. Então, era para dar continuidade a isso tudo. E se eu continuo, o Corinthians hoje já tinha o estádio; com o dinheiro do Sócrates, tinha construído grande parte do estádio, tenha certeza.

Rodolfo Gamberini: Presidente, o senhor tem nove irmãos vivos hoje. Todos na sua família são corintianos ou tem algum palmeirense?

Vicente Matheus: Não, não tem nenhum [palmeirense], não. Tem uma minha irmã que era casada com um palmeirista, e ela então ficava sempre [...], mas senão não é, é corintiano.

Rodolfo Gamberini: Agora, o senhor falou aqui várias vezes de Palmeiras, e a gente percebe que o senhor tem algum problema, tem alguma coisa com o Palmeiras, o que é?

Juca Kfouri: [interrompendo] Rodolfo, só um instante. Para começar, não sei se você percebeu, ele disse que tinha uma irmã que “era”, “era casada” com um palmeirense. O que é que a família Matheus fez com esse cunhado palmeirense? [risos].

Vicente Matheus: Ele morreu.

Juca Kfouri: Ele morreu [risos].

Vicente Matheus: Morreu mesmo.

Rodolfo Gamberini: Mas o senhor fala mal do Palmeiras. Eu não sou palmeirense, o senhor pode responder para mim porque eu não vou ficar ofendido.

Vicente Matheus: Eu até devo dizer que tenho recebido convites – acho que tem jornalista aqui que deve ter visto alguma vez – de aniversário do clube onde eu vou. Quando eu sou chamado para sentar à mesa, eu sou mais aplaudido do que os presidentes que por lá passaram, está bom?

Rodolfo Gamberini: O senhor gosta do Palmeiras?

Vicente Matheus: Não, eu tenho bons amigos [do Palmeiras]. Agora, no futebol, cada um torce para o seu lado, mas eu tenho bons amigos; agora, no futebol, eu quero...

Rodolfo Gamberini: Ver a glória do Corinthians.

Flávio Adauto: Na recente eleição, eu cheguei até a fazer uma pesquisa. No momento em que o pessoal ia botar o voto na urna, o senhor chegou até a criar uma nova frase, não é? “Naufragar o voto na chapa do Vicente Matheus”, ficou engraçado. Mas não é essa a pergunta. Eu senti que cerca de 90% das mulheres votaram no Vicente Matheus, era o Dia Internacional da Mulher [8 de março], as mulheres receberam flores, receberam cartõezinhos. E as mulheres, que muito pouco vão a estádios, muito pouco influenciam na vida do Corinthians, o time de futebol, ajudaram a eleger o Vicente Matheus. O que [...] fazer para essas mulheres? E o senhor concorda com isso, as mulheres elegeram o senhor presidente do Corinthians?

Vicente Matheus: Também, também.

Flávio Adauto: Culpa de quem?

Vicente Matheus: Da dona Marlene [risos].

Flávio Adauto: E agora como é que faz? Porque só com o time de futebol não dá para retribuir às mulheres, não é, Vicente?

Vicente Matheus: Não, a gente... esse é um problema que nós estamos querendo resolver, porque eu acho que gastar todo o dinheiro na parte de basquete e outros esportes assim é de um grupo. Então, tem que se gastar dinheiro na parte social do clube, no lazer, bem-estar. Por exemplo, você vai lá, você tem ido no clube do Corinthians, em um dia de sol quente, não está certo aquilo, aquilo está com muita gente, mal servido, não tem ordem aquilo. Então é preciso preparar um senhor clube, é do povão, mas não tem nada; [é preciso] ter uma coisa decente, então é isso que nos está preocupando, nós queremos melhorar os freqüentadores do clube que, aos domingos, vão para lá, então é isso. Então as senhoras, de fato, votaram, [mas] não são tantas assim que votam...

Juca Kfouri: Como é que o senhor ganhou o seu primeiro milhão de cruzeiros, presidente?

Vicente Matheus:...porque muitas podem ter influído no marido, nos filhos, para votar em nós, porque – sabe como é – os sócios são dependentes, e os dependentes não votam. Mas [as mulheres] tiveram uma grande participação, e isso o Corinthians deve à Marlene.

Rodolfo Gamberini: Senhor Matheus, na primeira parte do programa, um pouquinho antes do intervalo, o senhor estava contando a história da sua vida, o senhor ficou até emocionado, chegou a chorar um pouquinho quando começou a falar da sua mãe e diz que fica emocionado quando fala dela. Pela história de sua vida que a gente soube aqui hoje, eu soube hoje, o senhor teve uma vida muito dura, o senhor foi um menino muito pobre. Hoje o senhor é um homem muito rico. Como o senhor explica isso? Existe uma receita?

Vicente Matheus: Mas não era pobre, pobre assim, era um...

[...]: Era uma vida dura.

Vicente Matheus: [Naquela época] era melhor ser um empregado bem empregado do que [ter] aquela responsabilidade, porque você vendia o material naquele tempo quando você tinha o material que vinha em vagões, então eu que tomava conta disso. Chegava um vagão... atrasava, não vinha, ou não tinha dinheiro para pagar o frete, ia pedir a amigos, sempre fui atendido. Então, foi uma vida difícil, mas...

Juca Kfouri: Quando o senhor ganhou o seu primeiro milhão de cruzeiros, presidente?

Vicente Matheus: Sabe como é que eu ganhei?

Juca Kfouri: Como?

Vicente Matheus: Eu tinha 40 anos quando fui em Santos.

Rodolfo Gamberini: Como é que foi?

Juca Kfouri: [Foi] a primeira vez que o senhor viu o mar no Brasil?

Vicente Matheus: É, desci em Santos, mas assim de passeio, aquela coisa toda, eu tinha uns 40 anos, está bom? Trabalhava aos domingos, levantava cedo, cuidava das coisas.

Juca Kfouri: Até aí o Corinthians ainda não tinha entrado na sua vida?

Vicente Matheus: Não, não, já tinha, mas eu via, lá no Corinthians... porque eu vou dizer: eu morei em Guaianases até os 26 anos, casei em Guaianases, a primeira vez, era dono de um clube de futebol – já era mandão naquele tempo.

Marcos Faerman: Qual era o clube?

Vicente Matheus: E jogava futebol, porque eu era bom, não porque era dirigente, então...

Juca Kfouri: Em que posição o senhor jogava?

Vicente Matheus:...saiu uma concorrência, e já então eu comecei a pegar obras em nome de outras firmas, porque naquele tempo não tinha firma organizada. Então, tinha que ter os responsáveis. Tinha uma firma que comprava material do meu pai e via em mim alguma coisa boa. Então me convidou para pegar obras e coisa e tal. Eles só pegavam e eu construía a pavimentação. Bom, aí saiu a rua São Jorge para pavimentar de paralelepípedos, e eu disse: bom, essa aí é minha, tenho que ganhar essa concorrência. Então, foi aí que ganhamos a concorrência e logo procurei um terreno ali para eu construir, porque eu tinha as duas filhas que eram pequenas, e calculei: elas vão crescer, precisam ir à escola e aqui é difícil, o trem era assim [lotado], o subúrbio... naquele tempo, condução era difícil, não tinha estradas assim para poder ter carro, e eu talvez [...] não tinha carro, sei lá. Então, foi aí que eu comecei, nessa época...

Juca Kfouri: Para ficar claro para o telespectador: o primeiro milhão é com os paralelepípedos da rua São Jorge?

[...]: A rua do Corinthians.

Vicente Matheus: Não, é que também a gente deu sorte, mas foi aí que eu comecei, organizei uma firma, aí depois o Isidoro ficou no meu lugar, com meu pai, lá na pedreira de Guaianases. Então, aí fomos ganhando, mas vou lhe dizer uma coisa, [ganhando] sempre honestamente. Trabalho com a prefeitura de São Paulo há uns 50 anos ou 45 [anos], porque eu tinha 26 [anos quando comecei, portanto faz] uns 50 anos. Eu nunca tive... teve empreiteiras que tiveram problemas de negociatas e uma série de coisas, e eu nunca fiz negociata nenhuma, sempre quis trabalhar correto, direitinho, e até hoje, sempre fui ganhando devagar...

Juca Kfouri: Não tem caixinha? Não tem caixinha para o senhor, presidente? Não tem por fora?

Vicente Matheus: Não, não tem. Sempre ganhando, sempre ganhando, e sempre tendo cuidado. Eu tenho as duas filhas, por exemplo. Elas queriam morar no Morumbi ou Pacaembu [bairros nobres de São Paulo], aquela coisa toda. Eu disse: não, não, é aqui, porque é ali que eu tenho tudo. Na minha zona ali, é ali que eu tenho as pedreiras, tenho os escritórios, tenho as propriedades, então moro ali, pegado ao Corinthians, do que eu gosto. Eu passo na rua, as meninas de 14 anos, os meninos de 15 [anos], 14, nem me chamam de “seu Matheus”, [dizem] “Ô Matheus”. Quando o Corinthians está lá, [chamam] “Ô Matheus”. E se tem algum palmeirista e o Corinthians perde, [dizem] “o Palmeiras” [ri]. Então, isso é gostoso de morar ali onde eu moro.

Rodolfo Gamberini: Seu Matheus, o Roberto Petri quer lhe fazer uma pergunta.

Roberto Petri: Matheus, ainda dentro do filão nostálgico do Marcos, não no enfoque assim familiar, vamos ao Corinthians, como nasceu o amor pelo Corinthians, vamos então dentro dessa história do Matheus, a história do Matheus corintiano. Quando você viu pela primeira vez – você morando ali na rua São Jorge, nas proximidades, como você já contou –, quando você viu pela primeira vez o Corinthians, qual foi o seu primeiro ídolo do time, quem era? Neco, Rato, Zé Maria, essas figuras históricas, que ano foi, quando você viu, foi em uma vitória, foi em uma derrota? O Corinthians ganhou de alguém, foi no Parque São Jorge, foi no Parque Antártica, onde foi? Conte o seu começo dentro do Corinthians.

Vicente Matheus: Bom, o Corinthians, eu assisti jogo na Floresta [refere-se ao campo da Floresta, o primeiro estádio do São Paulo Futebol Clube].

Roberto Petri: O primeiro jogo?

[...]: Onde é a Floresta?

Vicente Matheus: Um dos primeiros jogos.

Roberto Petri: Você se lembra do jogador que mais o impressionou?

Vicente Matheus: Bom, naquele tempo tinha o Filó.

Roberto Petri: Filó, Rato.

Vicente Matheus: Filó, Rato, que depois foram lá para a Europa. O Corinthians tinha um grande plantel e aí saíram três ou quatro jogadores, então o Corinthians... Mas eu, naquele tempo...

Roberto Petri: Foi no tempo do primeiro tricampeonato, foi isso?

Vicente Matheus: É, deve ser.

Roberto Petri: E depois foi campeão do centenário [no Campeonato Paulista de 1954, ano do quarto centenário da cidade de São Paulo]...

Vicente Matheus: Mas, nesse tempo, eu já gostava bem do Corinthians, mas não podia freqüentar tanto porque as conduções não eram boas lá, a condução não era fácil, e eu jogava futebol também, então...

Michel Laurence: Em que posição o senhor jogava?

Vicente Matheus: Eu era volante [...]. Eu era baixinho, mas eu jogava bem, viu?

Rodolfo Gamberini: O senhor jogava bem, presidente?

Vicente Matheus: Pulava bem [risos].

Roberto Petri: Bom, você então viu esse time mais ou menos em fins da década de vinte, foi por aí, quando tinha Tuffy, Grané, Del Debbio. Foi aí que o senhor começou a amar o Corinthians.

Vicente Matheus: Eu tinha um tio, que era espanhol, e ele me levava nos jogos, então aí que eu comecei...

Roberto Petri: Mas é por causa dessa influência que o espanhol era corintiano e o italiano era palmeirense? Essa “guerra” de Itália contra Espanha, entre aspas?

Vicente Matheus: Eu não sei bem, eu sei que o meu tio era espanhol e me levou assistir ao futebol do Corinthians e eu fiquei gostando do Corinthians.

Roberto Petri: Naquele tempo tinha muito árabe corintiano? O [...] que me desculpe.

Vicente Matheus: Mais ou menos, mais ou menos, ali teve bons árabes. Por exemplo, conheci o Nagib Salim, que era dono daqueles terrenos todos, que era cheio de [...], tinham, doaram alguma coisa para o Corinthians esses senhores aí.

Roberto Petri: Agora, tem uma coisa que uma moça aqui [no auditório] me assoprou, ela – uma representante do Corinthians – pediu para perguntar e eu vou perguntar: Matheus, você acredita em macumba?

Vicente Matheus: Eu... como diz aquele negócio? “ Que las hay, las hay ”... como é? Que brujas... [refere-se ao adágio espanhol: “Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay” – “Não acredito em bruxas, mas que existem, existem”.]

Roberto Petri: E macumba no futebol? Você tem um técnico macumbeiro, não é? [Em 1987, o técnico do Corinthians era Chico Formiga]

Vicente Matheus: Eu, pelo Corinthians, faço qualquer negócio de macumba... [risos].

Roberto Petri: O senhor aceita?

Vicente Matheus: Eu não sou... normalmente eu não peço nada disso para mim, não peço, mas se vem uma senhora e diz: “Olha, Matheus, [você] precisa se benzer, porque...”, eu pego e deixo benzer.

Aroldo Chiorino: Mas o senhor não faz qualquer coisa para o Corinthians vencer, ser campeão [...]. O senhor não chega ao extremo de subornar juiz ou subornar... o senhor não, mas alguém [para o Corinthians]?

Vicente Matheus: Não, não, isso não.

Aroldo Chiorino: De subornar bandeirinha...

Vicente Matheus: Não, eu estou dizendo no sentido de pessoas que pedem para fazer isso e aquilo, eu faço com fé, não faço por servir só, eu faço com fé, eu sou religioso, católico, mas respeito [outras práticas religiosas].

Juca Kfouri: Presidente, é verdade que o senhor Isidoro, seu irmão, é mais rico que o senhor ou não?

Vicente Matheus: Eu nunca contei o dinheiro dele e ele nunca contou o meu [risos].

Rodolfo Gamberini: Por favor, presidente, a Júnia quer lhe fazer a pergunta.

Júnia Nogueira de Sá: Eu queria emendar na pergunta do Juca. O senhor vive dizendo que deu muita coisa para o Corinthians, que fez muita coisa pelo Corinthians. Se não fosse o Corinthians na sua vida, o senhor seria um empresário mais rico do que o senhor é hoje?

Vicente Matheus: Bom, seria dez vezes mais.

Júnia Nogueira de Sá: Então, o Corinthians atrapalhou um pouco a sua carreira de empresário?

Vicente Matheus: Dez vezes mais. Tem a [empreiteira] Constran, não sei se vocês conhecem pelo menos de nome, que tem o Olacyr [de Moraes], que é o rei da soja [ver entrevista com Olacyr de Moraes no Roda Viva]. Ele era menos [rico] do que eu, o do Banco Itamarati, já naquele tempo ele começou. Então, ele começou naqueles tempos quando eu já estava [trabalhando] lá para prefeitura. Agora, nesses seis anos em que eu estou fora do Corinthians, peguei mais obras do que você nem pode imaginar. Eu tenho obra em toda a parte. Está ruim para mim? Não está. Em Santo André, o prefeito gosta de mim; vou em Arujá; vou em Ribeirão Pires; vou em São Paulo. Mas é tudo concorrência, não é dado assim...

Juca Kfouri: À exceção do Wadih Helu, tem alguém que não goste do senhor, que o senhor perceba, ou não?

Vicente Matheus: Como é?

Juca Kfouri: À exceção do Wadih Helu, tem alguém que o senhor perceba que não goste do senhor, independentemente de concordar ou não?

Vicente Matheus: Não, palavra de honra que não. Não conheço ninguém que eu perceba que tenha ódio, raiva [de mim], vamos dizer. Pode ser que, no clube, tenha alguém que olhe meio assim, porque está do outro lado [politicamente].

Juca Kfouri: E seus empregados, presidente, seus empregados na construtora, têm o senhor na conta de um bom patrão?

Vicente Matheus: Ah, me adoram.

Juca Kfouri: É?

Vicente Matheus: Quando eu voltei para a firma, seis anos atrás, eu dizia: “Olha, meus filhos, agora a moleza acabou, hein?”. Mas assim na brincadeira, e eles pegam e dizem: “Mas é bom que o senhor venha mesmo para o senhor reconhecer bem o nosso trabalho”. Eu, quando compro um carro novo, eles cuidam mais dele do que eu. Não é inveja nem nada, eles têm gosto de que eu tenha carro bom comigo, viu? São meus amigos, não são... agora, é claro que chega algum que não é bom, [daí] recebe a conta e vai embora, vai com Deus.

Marcos Faerman: Presidente, o seu irmão Isidoro e o senhor trabalharam juntos no Corinthians e tiveram até umas pendengas, uns conflitos e tudo mais. Como é que foi essa sua história assim com o seu irmão, essas brigas, esse desentendimentos?

Vicente Matheus: [A gente] discutia, discutia e brigava mesmo, esculhambava. E agora ele está na vice-presidência e vamos brigar de novo, isso vai [acontecer]. Irmão... o senhor nunca brigou com o seu irmão?

Marcos Faerman: Muito.

Vicente Matheus: Pois é, isso é democracia, liberdade, ele briga, eu brigo, mas não de dar soco, [mas] de discutir.

Marcos Faerman: Teve um episódio, uma confusão dessas aí, em que o senhor disse que se o Isidoro não fosse o seu irmão, ele ia para a rua do Corinthians. O senhor se lembra desse episódio? Eu estava com um recorte de jornal que tem essa frase sua.

Vicente Matheus: Toda vez que foi preciso mandar ele embora, eu mandei, não é porque era meu irmão nem nada [risos].

Aroldo Chiorino: O senhor sempre gostou de carros bonitos, novos, luxuosos até. Com que idade o senhor teve o seu primeiro carro?

Vicente Matheus: Como é?

Aroldo Chiorino: Com que idade o senhor comprou o seu primeiro carro?

Vicente Matheus: Pois é, hoje todo mundo compra. Sabe que idade eu tinha? Tinha uns 30 anos.

Aroldo Chiorino: Que marca era?

Vicente Matheus: Era fordinho.

Aroldo Chiorino: Importado, não era?

Vicente Matheus: [Ano] 36.

Rodolfo Gamberini: Presidente, o Severino está há bastante tempo querendo fazer a pergunta. Severino, por favor.

Severino Pereira Junior: Presidente, conte para a gente aquela história de como o senhor dividiu uma galinha por 13 e que partes sobraram para o senhor.

Vicente Matheus: Ah, bom, era o seguinte, minha mãe... era aquele batalhão, eram 11, mais os dois, então aos domingo a gente matava um frango, uma galinha, então tinha um pedacinho para cada um. Hoje a gente pega e come uma galinha sozinho – não é, Petri? – ou frango, não é?

Severino Pereira Junior: Qual era a sua parte?

Vicente Matheus: A minha parte, a parte da galinha? A coxa [risos].

Juca Kfouri: Mas a galinha só tinha duas coxas, presidente. Como é que o senhor, o irmão mais velho...?

Vicente Matheus: Ah, não, [só] pegava uma.

Juca Kfouri: Então, o senhor pegava uma?

Vicente Matheus: Era um pedacinho para cada um.

Juca Kfouri: Sei, mas a coxa era sua?

Vicente Matheus: Mas tem uma coisa, a minha mãe era isso, mas tinha comida à fartura, porque ela fazia o tal de... acho que chamam de minestrone agora, era verdura, feijão, batata, carne de porco e mais não-sei-quê, e era tudo misturado. Mas era de manhã e de tarde aquele negócio lá [risos]. Aquilo era uma fartura.

Júnia Nogueira de Sá: Era gostoso, presidente?

Vicente Matheus: Então, coisas assim, um frango, coisas mais de sobremesa, que se dizia, era um pedacinho para cada um.

Juca Kfouri: O senhor é um homem vaidoso, presidente? Assim, gostar de se vestir bem?

Vicente Matheus: Ah, gosto, isso eu gosto.

Juca Kfouri: Com perfume?

Marcos Faerman: Só camisa de seda?

Vicente Matheus: Perfume, se você vem aqui [passa o dedo no rosto] e cheira, você vai ver [risos].

Rodolfo Gamberini: Presidente, o Arthur quer lhe fazer uma pergunta.

Arthur de Almeida: Presidente, apesar dos protestos, das críticas do nosso companheiro Marcos Faerman, a verdade é que a imprensa tem que narrar tudo. Algumas frases são atribuídas ao senhor, outras frases realmente o senhor disse e muita gente testemunhou, a saber: “naufragar o voto”; “devo de dizer que etc” [em vez de “devo lhe dizer que” ou “devo dizer que”]; “o Sócrates é inegociável, invendável e imprestável” [risos]; “de gole em gole, a galinha enche o papo”; “o Pasqua e o Orlando Monteiro Alves são todos farinha da mesma panela”; “agradeço à Antarctica pelas brahminhas que nos mandou”; enfim, uma série, uma infinidade. Algumas o senhor disse, outras são atribuídas ao senhor. Quando as pessoas na rua comentam esse tipo de coisa, fazem gracejos, isso magoa o senhor ou o senhor acha que fica até mais simpático e até utiliza isso politicamente?

Vicente Matheus: Eu gosto disso; algumas eu falo de propósito [risos].

Arthur de Almeida: Dessas que eu citei, todas são do senhor?

Vicente Matheus: Você pega e vê: o Ary Toledo é amigo de eu ir na casa dele todo o aniversário.

Flávio Adauto: “Sabará, Corinthians” [em vez de “Saravá, Corinthians”] também foi de propósito, presidente?

Vicente Matheus: Ele que prepara tudo isso. Ele pega e diz... e eu vou assistir, estive assistindo...

[...]: O show dele.

Vicente Matheus: Há um mês ou dois, mais ou menos, um mês, nem isso, ele contou uma porção delas ali. Depois ele diz: eu só conto essas histórias de quem eu gosto, eu adoro, do contrário não.

Arthur de Almeida: Qual é a frase que mais efeito produziu, através dos tempos aí, que o senhor gosta mais de utilizar?

Vicente Matheus: Qualquer uma, para mim é a mesma coisa.

Juca Kfouri: [imitando Vicente Matheus] “Primeiramente, devo de dizer...” [risos].

Vicente Matheus: “Primeiramente”, não tem hora que se diz “primeiramente”?

Juca Kfouri: É claro.

Vicente Matheus: É claro que se diz.

Juca Kfouri: Então, quer dizer, enquanto as pessoas acham que estão rindo do senhor, a rigor, é o senhor que está rindo delas?

Vicente Matheus: Mas é claro [risos].

Rodolfo Gamberini: Presidente, o Michel Laurence quer lhe fazer a pergunta.

Michel Laurence: A minha pergunta é justamente na linha que o Arthur abordou.

Vicente Matheus: O Michel é meu conhecido antigo.

Michel Laurence: Presidente, hoje em dia o senhor fatura em cima dessas frases que lhe atribuem? Algumas são verdadeiras, mas algumas são criadas, o senhor fatura popularidade em cima dessas frases?

Vicente Matheus: Ah, não sei, isso aí...

Michel Laurence: O senhor as aproveita?

Vicente Matheus: Não, eu digo a verdade, tem gente que me telefona e escreve, às vezes não gostando, criticando os que falam isso aí. Por exemplo, se vocês escreverem isso aí, tem corintiano que não gosta. Agora, tem muitos que gostam, então o corintiano gosta como eu sou. Talvez, se eu fosse diferente, eles não gostassem. Ficou uma prova aí: há seis anos que eu nem ia no clube para não criar problemas, não porque eu não gostasse de ir, [mas quando] vou lá, vocês perguntam uma coisa, escrevem [outra] ou mais ou menos, então isso vai atrapalhar. Então, eu não ia, era uma coisa que faltava eu ir ao clube, e no futebol era a mesma coisa, porque eu sou de futebol, sou do clube, então é isso. Alguns gostam e a maioria gosta.

Severino Pereira Junior: [A frase] “Sabará, Corinthians” é do senhor?

Vicente Matheus: Não, isso aí eu nem sei o que é.

[...]: Escreveram outro dia.

Vicente Matheus: Não, isso aí, sabe o que foi? Isso aí aconteceu, ela escreveu e me deu o charuto, [mas] eu não fumo. Me deu um charuto, mas como era uma menina, a gente atendeu, não é? [risos]

[...]: Então era saravá...

Vicente Matheus: Estava escrito, então eu peguei e falei. Qual era o problema, uma a mais, uma a menos, também não vai... [risos]

Roberto Petri: Na história do Corinthians, que eu me lembre, se eu esquecer alguma coisa o senhor me corrija, o corintiano Juca Kfouri, que conhece bem a história, alguns presidentes, pelo menos dois, que eu me lembre, foram presidentes do Corinthians primeiro e depois se elegeram vereador, deputado etc. Um foi o Alfredo Ignácio Trindade e outro foi o Wadih Helu. Muita gente se aproximou do Corinthians e foi candidato, como é o caso do [José] Yunes. Foi candidato a presidente [do Corinthians], não conseguiu ser presidente. Foi candidato e chegou em terceiro lugar, mas se elegeu [deputado].

Vicente Matheus: Eram cinco candidatos naquela ocasião e todos apanharam.

Roberto Petri: São vários os elementos, e agora temos o Adilson Monteiro Alves, que realizou um grande trabalho na democracia corintiana, no meu entendimento. Também gostaria de emendar essa pergunta: se a democracia [corintiana] só tem defeitos, na sua opinião. Mas eu queria perguntar o seguinte... eu já fiz uma pergunta: a democracia corintiana só tem defeitos ou tem algumas virtudes na sua opinião? Segunda...

Vicente Matheus: Posso responder a primeira?

Roberto Petri: A democracia corintiana do Adilson Monteiro Alves só tem defeitos ou tem alguns defeitos apenas, se tem virtudes, você vê tudo errado naquela democracia corintiana?

Vicente Matheus: Foi tudo errado.

Roberto Petri: Tudo? Por quê, Matheus?

Vicente Matheus: Eu vou dizer por quê. Olha, começa, os jogadores sem concentrar não tem cabimento, porque... você que é casado e viaja, se tiver uma oportunidade meio assim, é capaz que faz uma besteira [risos] ou outro qualquer. Falando o português claro, você já imaginou o jogador com liberdade, em um hotel ou em certos lugares aí?

Arthur de Almeida: Mas isso o que tem, presidente? O time foi bicampeão.

Vicente Matheus: Um rapaz de vinte anos... Então, essa liberdade não, para um jogador, porque é gente nova, são jovens...

Arthur de Almeida: Presidente, mas o time não se concentrava? Ele foi bicampeão.

Vicente Matheus: Então, o time que nós deixamos, o que aconteceu depois?

Arthur de Almeida: Depois, a democracia corintiana perdeu a eleição.

Vicente Matheus: Mas, olhe, na minha firma hoje está ótimo, o relógio, tudo mais, direitinho. Ela não quebra de momento, mas depois de dois anos ela pega e desmancha, perde aquele trabalho, aquela administração firme, tudo direito, ela vai de embrulho, foi o que aconteceu no Corinthians.

Arthur de Almeida: O bicampeonato é seu, presidente? O senhor entende que o bicampeonato que o Corinthians conquistou com a democracia corintiana deve-se ao senhor?

Vicente Matheus: É do Corinthians, não é meu. Agora, foi o plantel que eu deixei.

Rodolfo Gamberini: Presidente, eu queria que o senhor respondesse a uma pergunta que o Adilson gravou para o senhor. Então, ele vai fazer a pergunta por aqueles monitores e eu gostaria que o senhor respondesse, por gentileza.

[VT com Adilson Monteiro Alves (deputado estadual)]: Presidente Matheus, o senhor tem toda uma vida dentro do Parque São Jorge, foi presidente em 59 e 60, depois foi presidente de 72 até 83. O senhor conquistou dois títulos para o Corinthians, o título de 77 e o título de 79. Durante a campanha eleitoral, assim como todas as chapas, o senhor fez muitas promessas, o senhor falou em estádio, o senhor falou em título, o senhor falou em grandes realizações. Com a situação do Corinthians hoje, vai dar para cumprir todas essas promessas?

Vicente Matheus: Vai o quê?

Rodolfo Gamberini: Se vai dar para o senhor cumprir todas as promessas que o senhor fez durante a campanha.

Vicente Matheus: Ah, vai, nós vamos fazer força. O que eu prometi é dar início às obras do novo estádio, desde que o Jânio nos ceda o terreno... devolva, não nos ceda. E o resto, vou pôr a casa em ordem. O que eu prometi? Não prometi nada, não prometi barganha com ninguém, nada. Eu prometi... se prometer o campeonato? Não prometi, porque ninguém pode prometer um campeonato, porque às vezes pode ter o melhor plantel que for e não ser campeão. Então eu não sei, eu gostaria de saber quais são as promessas que eu fiz. Eu prometi, sim, fazer a mesma administração que foi feita na última minha gestão. Seriedade, trabalho e uma série de coisas, isso eu já provei, o que eu fiz na primeira eu prometo fazer agora, e é o que eu estou fazendo. Espero que possa concluir, com saúde nós vamos lá. Isso, pode o corintiano estar certo de que a administração será a mesma com a ajuda de sete vice-presidentes, grandes corintianos, que vão trabalhar junto com nós e eles vão ser os futuros dirigentes de amanhã, para acabar com esse negócio de Vicente Matheus ou fulano, pôr gente nova lá com bons costumes e que sirvam o Corinthians e não se sirvam do Corinthians.

Roberto Petri: Bom, eu vou pegar essa última resposta. Essa turma que já foi citada – seria a segunda pergunta que o Gamberini está me concedendo –, essa turma que foi citada e que se elegeu, então se aproveitou do Corinthians, na sua opinião, se aproveitou do Corinthians, inclusive o Adilson?

Vicente Matheus: Bom, ele foi deputado porque ele foi dirigente do Corinthians, senão não seria [eleito].

Roberto Petri: Correto. Por que você nunca se candidatou, Matheus?

Vicente Matheus: Porque eu já disse aqui, agora há pouco, que eu comecei lá de baixo no Corinthians.

Roberto Petri: Você tem medo, Matheus, de não se eleger deputado, vereador, ou você nunca pretendeu isso?

Vicente Matheus: Não, não quero, nunca quis, tive convites, pois era só querer, pô, então...

Roberto Petri: Você acha que ganharia?

Vicente Matheus: Você fazendo assim, você atrapalha, e aí não dá para responder.

Roberto Petri: Tudo bem, desculpe.

Vicente Matheus: Eu comecei de conselheiro da paz, na guerra que foi quando depuseram o [...], que era espanhol.

Roberto Petri: [...]

Vicente Matheus: Para mim, aquela caderneta valeu mais do que tudo no mundo, uma cadernetinha do Corinthians [na qual está escrito] “conselheiro da paz”. Hoje, a maior parte dos conselheiros nem ligam, viu? Bom, dali, eu fui de obras, fui [...], a única coisa que eu não fui é secretário, porque precisa escrever, o resto eu fui tudo... vice-presidente eu também nunca fui, mas fui diretor de obras, fui tudo. No futebol, em 54, campeão do centenário, eu era diretor de futebol.

Roberto Petri: É, foi com o [Albino] Lotito. Você com o Lotito, com o Trindade.

Vicente Matheus: O próprio Martinez também foi. Éramos três ou quatro.

Roberto Petri: E por que você depois ficou contra o Trindade se o Trindade te colocou como diretor de futebol no campeonato de 54, uma das maiores glórias do Corinthians?

Vicente Matheus: É um direito que qualquer corintiano tem de se candidatar.

Roberto Petri: Mas você fala na conversa do Wadih Helu?

Vicente Matheus: Todo corintiano tem o direito de se candidatar. Então, nós não chegamos lá e fomos diretor de futebol e me candidatar já a deputado ou a vereador. Não quis, porque, acabei de dizer, aí continuei a carreira, não fui logo de cara, por quê? Porque eu tive o espelho do Trindade: enquanto ele não foi vereador, deputado, ele era um grande presidente, [mas] depois que ele passou na política, ele esculhambou, começou a viajar com o basquete de graça, e cede aqui, e cuida daquilo, empreguismo e uma série de coisas. Então eu acho que... não sou contra deputados, deve de ser cada um no seu lugar, senão como é que ficaria o país? Tem que ter os administradores, deputados, senadores, eu não sou contra. Agora, eles devem de cuidar disso, e não querer ser do futebol e não cuidar nem de uma coisa e nem de outra. Vocês mesmos falam aqui da federação... Então é isso, eu não gostaria de fazer essa parte, mas...

Arthur de Almeida: José Yunes, Adilson Monteiro Alves, Wadih Helu, todos eles deputados, menos agora o José Yunes, que não se reelegeu. São pessoas oriundas do Corinthians, foram para a carreira política através do Corinthians. Parece que o senhor tem um certo preconceito contra as pessoas que se elegeram a cargos públicos via clube. Mas a pergunta não é essa, porque o senhor já respondeu que não tem nada contra.

Vicente Matheus: Mas eu não tenho preconceito, eu não tenho.

Arthur de Almeida: É, o senhor já respondeu. A minha pergunta é a seguinte: eu quero saber o que o senhor acha do político brasileiro, de uma forma geral, genericamente. O político brasileiro é bom, médio ou ruim?

Vicente Matheus: Eu falo do Corinthians, de política eu não vou dar palpite porque não é meu ramo, não é meu ramo.

Juca Kfouri: Arthur, nessa trilha, eu acho que é uma questão até de fazer justiça, eu acho que, diferentemente da eleição tanto do Yunes quanto do Wadih Helu, que se elegeram a cargos vivendo a vida do Corinthians, dentro do Corinthians, o Adilson Monteiro Alves se elegeu dois anos depois de ter abandonado o Corinthians e de ter saído do Corinthians. Ou seja, ele foi eleito como qualquer cidadão é eleito, às custas de um trabalho público que ele fez e que as pessoas gostaram e fizeram com que ele merecesse a confiança dos eleitores. Quer dizer, eu acho há uma distinção de qualidade entre a eleição do Adilson – que, sem dúvida, se tornou uma figura pública no Corinthians, mas... – para o Wadih Helu.

Vicente Matheus: Muito bem, você sabe que aquele índio, como é o nome dele?

Juca Kfouri: Juruna.

Vicente Matheus: Esse aí também foi eleito.

Juca Kfouri: Sim, claro.

Vicente Matheus: Ele prestou algum serviço? [Foi eleito] porque era conhecido.

Marcos Faerman: Eu até acho que ele prestou. Ele lutou muito pelas terras dos índios, então foi um serviço que ele prestou.

Vicente Matheus: Mas ele era conhecido, então não é porque fez serviço nenhum, ele ficou conhecido. E tem mais, o Biro-Biro, quando nós o contratamos, foi o mais votado que teve no Corinthians. Então, isso tudo é porque ficou conhecido, meu filho, ficou conhecido. Eu vou dizer uma história: eu votei sabe para quem?

Marcos Faerman: Quando?

Vicente Matheus: Há vinte ou 30 anos atrás, sei lá quando, uma coisa assim.

[...]: Para o Cacareco? [referência a um rinoceronte do zoológico de São Paulo lançado como candidato a vereador] 

Vicente Matheus: Para o Athiê Jorge Coury.

Juca Kfouri: Do Santos.

Vicente Matheus: Nunca fui santista, nunca tinha falado com o Athiê [que foi presidente do Santos entre 1945-1971], mas por quê? Porque era o único deputado esportista conhecido.

Juca Kfouri: Está certo.

Vicente Matheus: E eu, naquele tempo ainda muito fanático assim, mais do que hoje do futebol, da coisa dos homens do esporte, votei nele. Nunca tinha falado com ele, [mas] por quê? Porque eu nem conhecia o Athiê.

Juca Kfouri: Mas essa coisa do dirigente esportivo, tem uma coisa que me intriga, presidente, veja se eu estou errado. Exceção feita ao que acontece no São Paulo, que há anos não tem oposição – quer dizer, tem oposição, mas não ganha –, há uma linha de continuidade no São Paulo há muitos anos, uma coisa que me surpreende é a seguinte: acontece no Corinthians, acontece no Palmeiras, acontece no Santos. O senhor é hoje presidente do Corinthians – apaixonado pelo clube, não falta a um jogo do clube –, amanhã o senhor perde uma eleição, e aí o que a gente vê? O senhor desaparece do estádio, não da tribuna de honra, que seja ali na arquibancada, o senhor desaparece, como o Roberto Pasqua agora vai desaparecer, como o Wadih Helu desapareceu, como o Adilson Monteiro Alves desapareceu nesse período em que ele não estava comandando o Corinthians. Que raio de amor é esse que faz com que, depois que não está mais com o cargo do clube, faz com que a pessoa não acompanhe mais o clube no estádio?

Vicente Matheus: Eu fico até a meia-noite, uma hora assistindo, quando acontecem esses casos, assistindo na televisão. Eu, se não vou às vezes ao Parque ou não ia... porque eu vou lá e vem [por exemplo] o Arthur [e diz]: “Por aqui, seu Matheus, e [conversa] e coisa e tal, assistindo ao treino?”. Eu falo uma coisa e ele pode interpretar de uma outra maneira.

Marcos Faerman: O Arthur?

Vicente Matheus: Não, é um exemplo. Então, quem não pode ajudar, não atrapalhe, porque ir lá, o pessoal vê, vem perguntar, vem falar e, às vezes... Pois um cara não disse, não escreveu – e é da Gazeta, eu vou falar com ele –, disse que eu cheguei lá no clube ontem e que eu queria sair pela janela, que eu estava tão afobado que eu queria sair pela janela. Ele escreveu isso aí. É uma coisa que não se faz, porque – que diabos? – eu estou com o cargo, conheço o cargo e tudo o mais, como é que eu vou querer fazer... não vim fugido de ninguém. É uma coisa que atrapalha a vida do clube... às vezes certas coisas. Então, eu não ia por isso, porque eu sei que, se eu vou, a imprensa vem perguntar. Então, uma resposta interpretada diferente... então, quem não pode ajudar, não atrapalhe, eu digo. Agora, eu disse e repito, eu gosto do Adilson, ele me cumprimenta e me abraça quando me vê, não tenho problema nenhum. Só tem um que eu não cumprimento, porque ele não quer.

Marcos Faerman: Agora, este um a quem o senhor está se referindo.

Vicente Matheus: Porque se ele tivesse... [emociona-se]. Para mim terminou, não teria problema nenhum... Agora, o Adilson é um rapaz jovem, que Deus o ajude, eu não tenho nada contra ele, mas eu tenho essa coisa do dirigente por causa do Trindade, porque eu gravei isso...

Juca Kfouri: Entendi.

Roberto Petri: A inteligente intervenção do Juca Kfouri, que “para bom entendedor, meia palavra basta”, a grande defesa que ele fez do Adilson... a minha pergunta foi direta para uma resposta direta. O Adilson – e faço-a novamente –, o Adilson também entra no rol daqueles que se aproveitaram do Corinthians para eleger-se, Matheus? Quero saber a sua opinião.

Vicente Matheus: Aproveitou.

Roberto Petri: Estou satisfeito. Se ele não fosse dirigente, se ele não tivesse passado pelo Corinthians, ele não seria eleito.

Roberto Petri: Estou satisfeito.

Vicente Matheus: Eu não vou mentir, pô, eu não vou mentir, eu não minto, eu não sou que nem algum que estava lá, que falava uma coisa de manhã e à tarde falava outra, eu não minto. Tudo o que eu estou respondendo é sagrado, não minto, ele não seria.

Roberto Petri: Agora, nós não podemos é prejulgar o deputado Adilson Monteiro Alves.

Vicente Matheus: Não, ele não...

Roberto Petri: Não, eu estou dizendo no meu caso, eu quero deixar bem claro, porque ele nem começou o seu trabalho como deputado. Como dirigente, ele foi um sucesso, ele pode ser um grande deputado, então eu não faço nenhuma comparação, eu não estabeleço nenhum paralelo, quero deixar bem claro ao Juca e a todos os presentes e ao público... Como o Wadih Helu fez, depois de vinte anos de Corinthians, depois de não ter dado nenhum título ao Corinthians, ter saído do Corinthians e ainda conseguiu se reeleger...

Juca Kfouri: Além de ter sido ligado...

Roberto Petri: [...] Matheus, porque se não fosse dirigente do Corinthians, talvez jamais fosse eleito. E como apareceu no Corinthians o Wadih Helu? O Wadih Helu apareceu no Corinthians criticando o senhor Trindade. Por quê? Qual era o carro-chefe do argumento do Wadih Helu? Porque o Trindade usou o Corinthians para se eleger. E, uma vez eleito, uma vez com o poder do Corinthians, usou o Corinthians. Não foi o caso do Adilson. Agora, que é claro que o Adilson foi promovido através...

Rodolfo Gamberini: Petri, por favor.

Roberto Petri:...da sua atuação no Corinthians, e poderá ter uma grande atuação na Câmara dos Deputados. É bom que um deputado que saia do esporte, um vereador que saia do esporte faça alguma coisa, porque os que estão aí não têm feito nada.

Rodolfo Gamberini: Eu gostaria de lembrar a todos os presentes no programa que o entrevistado desta noite é o senhor Vicente Matheus. Eu gostaria que as perguntas fossem dirigidas a ele e que fossem objetivas, por favor. Ricardo Soares, do [jornal] Estado de S. Paulo.

Ricardo Soares: Com todo o respeito aos colegas que cobrem a área, eu que dei a sugestão ao Gamberini, eu acho que a gente devia se centrar em cima [do Vicente Matheus], e não discutir a administração do Wadih Helu, do senhor Monteiro Alves, embora...

Rodolfo Gamberini: Faça a sua pergunta, Ricardo, por favor.

Ricardo Soares: Eu queria saber o seguinte: se existe algum outro presidente de clube, além de Vicente Matheus, que o senhor admire.

Vicente Matheus: Doutor Osvaldinho, [presidente] da Portuguesa.

Ricardo Soares: Osvaldo Teixeira Duarte é o único?

Vicente Matheus: Eu o admiro pelo trabalho que ele fez, o que ele construiu, sem tantas condições, como o Corinthians tem tido, nesses anos todos. Porque eu só peguei o clube do jeito que peguei agora; se eu pegasse o clube rodando em dinheiro, eu já partia para grandes realizações, mas eu pego desta maneira. Aí, o Osvaldinho, para mim, é um dos melhores, é até melhor do que eu. Até melhor do que eu ele é, porque a torcida não vai, tem mais dificuldades, mas ele está indo. Agora ele tem um plantel bom, então eu admiro ele.

Rodolfo Gamberini: Presidente, o senhor estava respondendo agora há pouco uma pergunta e o senhor disse assim: “Há um tempo atrás eu era mais fanático pelo futebol e pelos homens que dirigem o esporte”. Tem alguma decepção, alguma coisa de amargura nessa sua frase? O senhor já gostou mais do futebol, já gostou mais do ambiente, já gostou mais dos dirigentes?

Vicente Matheus: Eu era louco pelo futebol quando eu era garoto. Quando eu tinha 15 anos, 18 [anos], tinha a Gazeta da Tarde, não a Gazeta Esportiva, tinha as últimas colunas onde dava as contratações. Pô, o que eu rezava para que saísse uma contratação, eu olhava tudo aquilo. Aquilo, quando eu via alguma coisa eu ficava louco. Então, hoje, já vejo as colunas mas não dou esse valor, por quê? Porque o torcedor não conhece muitas coisas que são erradas dos dirigentes.

Rodolfo Gamberini: O quê, por exemplo?

Vicente Matheus: Muitas coisas.

Rodolfo Gamberini: Uma pergunta, então. O futebol, o campeonato se ganha dentro do campo? É só dentro do campo que se ganha?

Vicente Matheus: Não... é dentro do campo, para mim, é dentro do campo.

Rodolfo Gamberini: Só dentro do campo?

Vicente Matheus: Só dentro do campo.

Juca Kfouri: Mas, recuperando uma pergunta da Júnia logo no início do programa, que notícia de contratação o torcedor do Corinthians pode esperar em breve da sua administração em uma coluna de jornal? Porque o torcedor do Corinthians continua indo às colunas de jornal à cata de uma grande contratação. Ele pode esperar alguma do senhor?

Vicente Matheus: Ah, pode, não tenha dúvida, não tenha dúvida que tenha um jogador que possa interessar ao Corinthians. Por exemplo, Jorginho.

Juca Kfouri: O Éverton, por exemplo.

Vicente Matheus: Jorginho, por exemplo.

Juca Kfouri: Já está contratado?

Vicente Matheus: Eu não contrataria...

Juca Kfouri: Ah, sim.

Vicente Matheus:...por esse dinheiro que custou.

Rodolfo Gamberini: Presidente.

Vicente Matheus: Eu contrataria sim. Ele não tem culpa, ele é bom, eu também o contrataria, mas não por 14 milhões de cruzeiros. Então, isso eu não vou fazer no Corinthians. Agora, aparecendo um jogador de nível e valor relativo ao que de fato o valor que ele tenha, o Corinthians contrata, não vai ter problema nenhum.

Aroldo Chiorino: Presidente, o Corinthians já teve boas épocas de jogadores nascidos dentro do Parque São Jorge. Em uma mesma época, tinha Cabeção, Idário, Roberto [...], Nelsinho, Colombo.

Vicente Matheus: Goiano.

Aroldo Chiorino: O Goiano veio de fora, [eu digo] nascido lá no juvenil, no infantil... Ultimamente o Corinthians só teve dois grandes jogadores feitos dentro do Parque São Jorge, o Wladimir e o Casagrande. O Casagrande é meio discutível, porque andou emprestado para o Caldense, para cá e para lá, e depois voltou para o Corinthians. Por um certo período ele se consagrou mais ainda, foi à seleção e tal. Eu pergunto ao senhor: faz tempo que o Corinthians então não tem... nós vemos o São Paulo jogando paralelamente a Copa América e o Campeonato Paulista, jogando só com o Gilmar no gol como titular, o resto reservas, jogando sem quatro ou cinco titulares, só com os reservas, ganhando jogos, inclusive, do Campeonato Paulista, com um time mais do que misto. Eu pergunto: e a escolinha do Corinthians, infantil, juvenil, júnior? Eles andaram ganhando uns campeonatos juvenis no ano passado e tal, mas não há assim a promoção. O senhor pretende promover, investir mais, já que o senhor tirou dinheiro do basquete, do futebol de salão, vai investir nas categorias inferiores?

Vicente Matheus: Vamos. Na minha época, que era salário mínimo para o técnico do juvenil, vamos dizer, dos aspirantes, mas saíram dali muitos jogadores. Tinha um ponta-direita, não lembro mais o nome dele, que depois falhou em 74, quando surgiu o Falcão, lembro dele, que parecia um bailarino no meio do campo, estava em toda a parte... nós disputamos, ficamos vice-campeões do juvenil naquela ocasião, porque o nosso jogador chutou um pênalti fora e [houve] outra batida que eles enfeitaram, senão nós seríamos campeões naquela época, mas teve o Solito.

Aroldo Chiorino: Mas o senhor vai investir nos juvenis na sua administração?

Vicente Matheus: Não, eu não estou dizendo o que era antes... e nesses seis anos para cá não fizeram ninguém. Eu pergunto: quem foi que eles fizeram? E eu contaria uns oito ou dez: Vágner saiu de lá, o próprio Mauro saiu de lá.

[...]: Wladimir.

Vicente Matheus: Quem?

[...]: Wladimir, do dente-de-leite, o Wladimir.

Vicente Matheus: O Wladimir não, quando entramos ali o Wladimir já era o... que era supervisor, qual era o nome dele, que até morreu?

[...]: Almir de Almeida.

Vicente Matheus: O Almir de Almeida achava que ele levava um tranco e jogava ele do lado ali, o Wladimir. Então, alguém insistiu e... até que colocou e não saiu mais, porque nos treinos, o Vaguinho era... ele segurava o Vaguinho de todo jeito naquele tempo. Ele marcava o Vaguinho e o Vaguinho não fazia nada. Então, nós fizemos diversos jogadores naquela ocasião. Ainda tem alguns por aí que foram emprestados. Tinha o rapaz que veio de Arujá, foi feito, foi vendido para... eu esqueci o nome, eu não trouxe relação nenhuma. Foi vendido para o Grêmio de Porto Alegre ou trocado.

Juca Kfouri: O Luís Fernando?

Vicente Matheus: Fizemos uns oito ou dez jogadores naquela época.

Aroldo Chiorino: E titulares da equipe do Corinthians, o senhor pretende...?

Vicente Matheus: Não, o Casagrande é da minha época. Tinha o [...], que também saiu do plantel.

Aroldo Chiorino: Da época do senhor, eu não discuto, eu quero saber, por exemplo... o senhor disse que eles não fizeram nada nessas duas administrações anteriores, apesar do dinheiro que tiveram. O senhor vai investir no departamento amador...

Vicente Matheus: Vamos.

Aroldo Chiorino:...infanto-juvenil...

Vicente Matheus: Vamos.

Aroldo Chiorino:...para tentar promover uma safra maior de jogadores?

Vicente Matheus: Ah, isso nem se discute.

Aroldo Chiorino: Já que o senhor não paga 14 milhões por um jogador.

Vicente Matheus: Não, nem se discute. Isso nós vamos fazer. Agora, o que talvez não vamos fazer é pegar a criança desde seis, sete anos até chegar ao ponto e, depois de certa altura, vai perder o jogador, porque não tem vínculo firme no clube. Mas naquela ocasião nós tivemos diversos, o [...], o Casagrande, que foi emprestado na minha gestão para o Poços de Caldas, que era para passar um ano para se ambientar melhor. Mas nós fizemos alguns, quem mais? Tem diversos que não deram grandes jogadores, mas...

Rodolfo Gamberini: Presidente.

Aroldo Chiorino: Então, o senhor promete para a torcida que vai investir no júnior?

Vicente Matheus: Ah, vamos, vamos investir, vamos sim.

Aroldo Chiorino: No juvenil, no júnior?

Vicente Matheus: Não tenha nem dúvida.

Rodolfo Gamberini: Presidente, o Severino quer lhe fazer a pergunta.

Severino Pereira Junior: Presidente, três dias antes de o senhor Alberto Dualib entregar o cargo de vice-presidente de futebol, Éverton e Edivaldo estavam contratados praticamente por 18 milhões de cruzados. O senhor disse “Não”. Agora o São Paulo vem e contrata apenas o Edivaldo por 11 milhões de cruzados. É uma nova forma de administrar ou o senhor não está bem atualizado com o mercado inflacionário do futebol brasileiro?

Vicente Matheus: Bom, você disse que o Dualib queria contratar?

Severino Pereira Junior: Tinha contratado o Éverton e o Edivaldo por 18 milhões...

Vicente Matheus: Isso é mentira, isso não é verdade. Você não pode falar isso, porque se estivesse contratado...

Severino Pereira Junior: Não sou eu que estou falando, ele que me falou.

Vicente Matheus: Bom, mas não é falar, o que vale é o que está escrito, o que vale é o que está escrito. Se ele tivesse contratado, seria respeitado o contrato, tanto é que respeitamos o do Jorginho. Ainda ontem pagamos 700 mil cruzados de luvas, que ficou para pagar. Eles não contrataram coisa nenhuma, se tivessem contratado nós respeitaríamos.

Roberto Petri: Na administração anterior, ficou famoso um até chamado de passa-moleque, ficou famosa aquela atitude sua quando o [Antônio Leme Nunes] Galvão, presidente do São Paulo [entre 1978-1982], estava anunciando que o Sócrates já estava contratado. Como é que foi aquela história? Você foi lá e trouxe o Sócrates. Ali você passou a perna no São Paulo, agora o São Paulo passou a perna em você, porque não contratou o Edivaldo, não é?

Vicente Matheus: Bom, mas aquela foi mais bonita, aquela foi diferente.

Roberto Petri: Diferença de categoria dos jogadores?

Vicente Matheus: É diferente, é diferente.

Flávio Adauto: Presidente, o senhor foi eleito recentemente como uma forma de o Corinthians recuperar o seu espaço. Hoje, neste momento, o torcedor do Corinthians é um homem sofrido, humilhado, as gozações são em cima do torcedor do Corinthians. Como é que o senhor se sente hoje como um ex-torcedor e responsável por todos esses torcedores?

Vicente Matheus: Eu não.

Flávio Adauto: É um dos responsáveis.

Vicente Matheus: Não, senhor! Eu não tenho responsabilidade nenhuma, sou igual a eles.

Flávio Adauto: Sim, mas eles estão sofrendo.

Vicente Matheus: Sou torcedor igual a eles. Peguei o plantel do jeito que peguei, tenho fé neste plantel, tenho certeza de que vai vingar. O que eles não tinham era confiança, não recebiam os prêmios na hora...

[...]: É um grande time, presidente?

Vicente Matheus:...não quero nem criticar, mas eu não posso ter errado em sete dias, em sete dias eu não posso fazer nada.

Flávio Adauto: Pode não ter errado, mas é visto como uma salvação.

Vicente Matheus: Nós, os corintianos, temos que responsabilizar os [dirigentes] que saíram.

Flávio Adauto: Mas não adianta mais ficar falando, Matheus, eles já saíram. Eu quero dizer o seguinte: eles já saíram; vamos dizer que eles fizeram tudo errado, mas daqui para frente...

Vicente Matheus: Ah, daqui para frente...

Flávio Adauto:...[os torcedores] estão esperando do Vicente Matheus. E o senhor já disse que não vai contratar, que não vai gastar.

Vicente Matheus: Mas jogador de futebol não tem nas olarias, que fazem na hora.

Flávio Adauto: E como é que vai ser feito, então?

Vicente Matheus: É preciso conhecer o jogador, que eles tenham disponibilidade, que tenham toda a coisa, não é assim... Você, por exemplo, que jogador você acha que tem aí para contratar?

[...]: Éverton.

Flávio Adauto: O São Paulo contratou aí, outro dia, o Edivaldo; o Palmeiras contratou o Delei; quer dizer, tem um monte de jogadores aí. Mas para o torcedor, para o torcedor do Corinthians, ele está esperando que o presidente...

Vicente Matheus: Eu quero contratar um Palhinha, um Zenon, um Sócrates...

Flávio Adauto: Mas eles já pararam.

Vicente Matheus:...um Amaral, um Washington. Isso é que é, agora o resto...

Rodolfo Gamberini: Presidente, nós já estamos aqui no Roda Viva há quase duas horas, e está chegando a hora de a gente terminar o programa. Eu gostaria que o senhor – se o senhor quiser, evidentemente –, que o senhor desse o seu recado para o corintiano, um recado curto e grosso. O que o senhor gostaria de falar neste momento para os corintianos?

Vicente Matheus: Eu diria para os corintianos que nos ajudem, compareçam aos estádios, tenham confiança na diretoria, porque é uma garotada que será o futuro de amanhã, e garotada também são os nossos jogadores, são grandes, são bons jogadores, mas falta alguma coisa para que eles estejam mais juntos. Porque um jogador veio de uma cidade, outro da outra, outro da outra, e assim por diante. Então, nós vamos lutar, tenham confiança, o Corinthians já passou por piores fases do que hoje e não é agora que vamos desanimar, porque o Corinthians é muito grande. Por isso, eu conto com vocês. Compareçam ao estádio e prestigiem principalmente os jogadores, porque são patrimônio nosso. Se desmoralizarem o jogador, é jogar o dinheiro fora, ainda mais que são garotos, não sabem, não suportam um nome, uma xingação e qualquer coisa. Então é esse o apelo que eu faço, e vamos lutar que, se Deus quiser, nós vamos vencer.

Rodolfo Gamberini: E esses corintianos para quem o senhor está falando agora vão ter que trabalhar mesmo na construção do estádio, como o senhor disse no começo do programa?

Vicente Matheus: Como?

Rodolfo Gamberini: Esses corintianos para quem o senhor está falando agora vão trabalhar, de fato, na construção do estádio? O senhor disse que até os corintianos iriam até trabalhar no estádio, o senhor conclama?

Vicente Matheus: Eles vão, vão, ainda mais em Itaquera, tem tanta gente para trabalhar [risos]. Não tem problema, lá é o lugar do povão que trabalha – viu? –, eles vão ajudar. Se fizer um pedido, eles vão sim, vão, tenho certeza que vão.

Rodolfo Gamberini: Está bem, muito obrigado então ao presidente do Corinthians, o senhor Vicente Matheus, muito obrigado a todos vocês que participaram deste Roda Viva. O Roda Viva volta na segunda-feira que vem às nove e vinte da noite, até lá e obrigado.

Vicente Matheus, que também é autor da frase "Comigo ou sem migo o Corinthians será campeão", deixou a diretoria do clube em 1993. Morreu durante o Carnaval de 1997, em 08 de fevereiro, aos 88 anos, de câncer, após ficar 14 dias internado no Instituto do Coração, em São Paulo.

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