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Memória Roda Viva

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Antonio Ermírio de Moraes

16/7/1990

"O Japão não tem uma única matéria-prima, a matéria-prima do Japão é a inteligência. Ele realmente fez uma revolução educacional. É o que falta no Brasil. É valorizar o cérebro humano, não é? O brasileiro não presta atenção nisso", diz o empresário

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[programa ao vivo]

Rodolfo Konder: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva. Este programa é transmitido ao vivo pelas TVs Educativas de Porto Alegre, Minas Gerais, Espírito Santo, Piauí, TV Cultura de Curitiba e TV Cultura do Pará. É ainda retransmitido para mais 15 emissoras, que formam a Rede Brasil, através da TV Educativa do Rio de Janeiro. O convidado desta noite é o empresário Antonio Ermírio de Moraes. Para entrevistar Antonio Ermírio, nós convidamos os seguintes jornalistas: Roberto Müller Filho, vice-presidente-executivo da Gazeta Mercantil; Junia Nogueira de Sá, editora-executiva da revista Exame; Alberto Tamer, comentarista econômico do SBT e editorialista econômico do Estado de S. Paulo; Roberto Jungmann, coordenador de nacional do Jornal do Brasil; Eleonora de Lucena, editora de economia da Folha de S.Paulo; Carlos Tramontina, editor e apresentador do jornal Bom Dia São Paulo da TV Globo; Paulo D'Arezzo, editor de jornalismo da TV Cultura; Astrid Fontenelle, jornalista e apresentadora da TV Abril. Para registrar os melhores momentos do programa, está conosco também o cartunista Paulo Caruso. Na platéia, assistem ao programa convidados da produção. Antonio Ermírio de Moraes nasceu em São Paulo e está com 62 anos. É filho do empresário e senador pernambucano José Ermírio de Moraes. Formou-se em engenharia na Colorado School of Mines, nos Estados Unidos. Já foi eleito mais de dez vezes o maior líder empresarial do país pela revista Balanço Anual. Não teve a mesma sorte quando entrou na política: em 86, filiou-se ao PTB e saiu candidato ao governo paulista; teve quase quatro milhões de votos, mas não levou o cargo. Antonio Ermírio já foi presidente, entre outras instituições, do Instituto Brasileiro de Siderurgia e da Associação Brasileira de Metais. Há 19 anos é presidente da Beneficência Portuguesa. Fundou e presidiu a Associação das Indústrias Siderúrgicas Privadas de São Paulo e dirigiu o extinto Comind, Banco do Comércio e Indústria de São Paulo. Participou do Conselho Superior de Economia da Fiesp e do Conselho de Administração da Cesp, a Companhia Energética de São Paulo. Há 41 anos é diretor-superintendente do Grupo Votorantim, o maior conglomerado privado industrial brasileiro, que tem 95 empresas e cinquenta mil funcionários. Das suas fábricas, saem desde cimento e alumínio até tecidos e papel. Trabalha oitenta horas semanais e foi apontado agora, pela revista Forbes, como um dos 271 bilionários do mundo. Doutor Ermírio, boa noite. É uma grande satisfação tê-lo aqui conosco.

Antonio Ermírio de Moraes: O prazer é nosso, Rodolfo.

Rodolfo Konder: O senhor está dando uma entrevista hoje às vésperas de uma série de entrevistas com os candidatos ao governo de São Paulo, que a TV Cultura inicia amanhã com o candidato do PT, o Plínio de Arruda Sampaio. Esse fato acende alguma coisa, a velha chama do homem político? Tem alguma saudade dos tempos de candidato ou não?

Antonio Ermírio de Moraes: Olhe, meu caro Rodolfo, para ser sincero com você, a nossa campanha em 86 foi muito mais interessante, não é? Em julho de 86, eu já tinha sido xingado por todos os candidatos ao governo do estado de São Paulo, já tinham dito que eu era um mau empresário, que eu era um homem que realmente não tinha jogo de cintura, já tinha sido atacado por todos. No momento, não vejo ninguém atacar ninguém, parece que nós estamos no velório da Copa do Mundo, não é? Nada começou até agora, vamos esperar. No nosso tempo, pelo menos, a coisa pegava fogo, agora a coisa está muito calma.

Rodolfo Konder: Certo. Vamos passar à política industrial do governo. O senhor tem sido um crítico, às vezes até duro, da política econômica do governo. Mas o senhor acha que a política industrial tem mais aspectos modernizadores ou é uma política equivocada?

Antonio Ermírio de Moraes: A pergunta é extremamente complexa para ser respondida, mas eu vou tentar fazer uma síntese. Em primeiro lugar, eu achei acertado você diminuir o índice de nacionalização. Nós tínhamos um índice talvez um pouco exagerado de nacionalização e agora parece que o índice caiu em torno de 70%, o que significa que muita coisa que antigamente você produzia no Brasil, a duras penas, você naturalmente poderá importar, mantendo a grande maioria dos componentes nacionais. Agora, por outro lado, existe naturalmente uma diminuição bastante acentuada no que diz respeito a tarifas de proteção. Eu acho que tarifas de proteção excessivas são extremamente prejudiciais no meu entender. Eu só estive na Argentina em 1965, e ali eu passei três dias em Buenos Aires e eu cheguei à conclusão de que o que estava estragando a Argentina era o excesso de proteção aduaneira. Qualquer pequena empresa na Argentina tinha 150% de proteção. Então, não era preciso você fazer nenhum esforço para modernizar, para produzir melhor e, ao mesmo tempo, ter um parâmetro de comparação com a indústria internacional. Todo mundo, na Argentina, ganhava excesso de recursos, e naturalmente os lucros eram fáceis e com isso a Argentina veio para trás, de maneira que proteção em excesso, em vez de ser benéfica, longe disso, é prejudicial. Agora, é evidente que nós precisamos tomar uma certa cautela, um certo cuidado. Eu tenho uma grande preocupação no momento, Rodolfo, que é a seguinte: nesses 41 anos que eu trabalho, eu assisti ao governo, de um lado, abrindo as portas, seus departamentos, já que a empresa privada nacional não existia, era muito fraca, era uma indústria incipiente, e a multinacional sempre olhava para o Brasil com um aspecto assim quase que colonizador. Na verdade, então, o governo, percebendo que nós poderíamos entrar numa grande crise social, resolveu abrir seus departamentos, criar estatais, empregar gente que, no começo, naturalmente tinha salários muito pequenos. Antigamente, um salário de 50 cruzeiros era um salário quase de fome, mas era um salário. Hoje, esses salários se transformaram em grandes salários e a verdade é que o governo não tem mais a possibilidade de empregar gente. Então, o governo não emprega mais. A indústria privada nacional tem que partir com muito denodo, no sentido de perseguir produtividade, o que significa menos homens/hora por tonelada de produto acabado. E a mesma coisa acontece com a multinacional. Então, eu pergunto a você o seguinte: nós temos três milhões de brasileiros que nascem todos os anos. Admita que 40% precisam de emprego, então são 1,2 milhão empregos por ano. Quem vai dar esses empregos? Então, eu faço a seguinte análise para você, Rodolfo: o Brasil é um país que representa 2,5% do PIB do mundo. Nós temos um PIB de 320 bilhões de dólares contra 13 trilhões de dólares do PIB do mundo. Nós temos um PIB per capita da ordem de 2,2 mil, 2,3 mil dólares por pessoa, enquanto que o PIB médio do mundo são 2,3 mil. Então, nós estamos aquém do PIB do mundo. Mas não obstante isso, se você observar, as nossas exportações no Brasil representam apenas 1,25% das exportações do mundo. E a exportação brasileira é de 32 bilhões, que representam 10% do PIB nacional, enquanto que no mundo inteiro, para exportação de 2,5 trilhões de dólares, você tem um PIB de 13 trilhões de dólares. Ou seja, a exportação representa 20% do PIB do mundo, a exportação no mundo. Então, o Brasil, para não entrar numa recessão maior, eu acho que nós devíamos lançar um programa realmente de maior produtividade, de maior produção, principalmente no setor agrícola. Por que no setor agrícola? Porque é o que responde mais rapidamente. O setor industrial demora cinco, seis, sete anos para responder, enquanto que o setor agrícola em dois anos está respondendo. E é talvez uma maneira de nós evitarmos uma recessão maior. Daí eu dizer a você: é perigoso você trocar a mão-de-obra nacional pela mão-de-obra estrangeira. E com uma coisa pior: no momento, com essa abertura de gama, de produtos importados, nós vamos favorecer exclusivamente a classe mais abastada. Quem é que vai poder comprar videocassetes ou televisões sofisticadas, ou mesmo automóveis sofisticados? Só a classe abastada. Eu pergunto: isso traz alguma melhoria para classes menos favorecidas? No meu entender, nenhuma. Não há melhoria nenhuma, pelo contrário, quer dizer, vai haver até mais choques, naturalmente, de classes entre aqueles que são abastados e aqueles que são menos favorecidos. Então, sob esse aspecto, eu tenho a impressão de que nós temos que ter muita prudência, muita cautela, no sentido de não entornarmos o caldo, que naturalmente já normalmente é difícil. Nós temos um caldo de cultura muito difícil no momento. E se nesses próximos dez anos nós não tivermos capacidade de dar emprego, aí então nós viveremos realmente um conflito social dos piores que nós tivemos até agora.

Carlos Tramontina: Doutor Antonio, o senhor está falando de importação, [queria saber se] a possibilidade de haver importação de cimento preocupa o senhor, que é um dos maiores produtores de cimento do país.

Antonio Ermírio de Moraes: Nunca preocupou. Aliás, várias pessoas disseram: o senhor não está exagerando? Eu falei: não, foi a melhor coisa que podia acontecer. Porque eu me lembro de programas, inclusive em jornais famosos aqui no Brasil, que diziam: nós vamos importar cimento pela metade do preço. Eu digo: ótimo. Eu tenho a impressão de que a indústria de cimento, nesses últimos dez anos... porque há dez anos a indústria de cimento não estava preparada, o Brasil produzia a grande porcentagem do seu cimento por via úmida, gastava muito óleo. Mas os Estados Unidos até hoje produzem cerca de 60% de seu cimento por via úmida. O Brasil, hoje, produz praticamente todo seu cimento por via seca. É um processo muito mais caro, mas você poupa muito combustível. E hoje o Brasil está pronto para enfrentar a concorrência. Nós temos que ter reserva de competência, não de mercado. Agora, aqueles que podiam importar cimento pela metade do preço, não sei por que não o fizeram. Largaram, quer dizer, tiraram toda a proteção do cimento, faz três meses que o cimento não aumenta um único centavo por saco. A inflação continua e ninguém importou sequer um saco de cimento. Por que, eu não sei, cabe a vocês responderem, não a mim. Isso é a prova de que realmente havia apenas uma espécie de um desequilíbrio emocional em relação ao setor. Porque no Brasil é assim, toda vez que se cria alguma coisa, tem alguém para procurar derrubar. Já, já o Ayrton Senna vai ser um corredor de quinta categoria, ele não vai prestar mais... o brasileiro não consegue manter os seus valores no seu devido lugar. É curioso, acontece com os grandes atletas brasileiros, acontece com os homens que têm uma certa proeminência científica no Brasil, há um desejo de destruir rapidamente. Eu noto isso com muita tristeza, mas talvez seja uma questão de cultura.

Eleonora de Lucena: Que tendência o senhor aponta para a inflação? O senhor estava falando de inflação agora; o senhor acha que a tendência da inflação é de alta, de queda? Qual a sua previsão em relação a outros indicadores?

Antonio Ermírio de Moraes: É difícil fazer uma previsão, mas nós temos que trabalhar numa base de inflação de 10%...

Eleonora de Lucena: Estabilizada em 10%?

Antonio Ermírio de Moraes: Mais ou menos isso. Eu não quero dizer que seja correto, mas de qualquer maneira é uma aproximação que nós estamos procurando fazer.

Eleonora de Lucena: E como o senhor vê os outros indicadores? Emprego, PIB... Logo depois do choque, o senhor declarou que não ia demitir ninguém do grupo.

Antonio Ermírio de Moraes: É verdade.

Eleonora de Lucena: E houve demissão, 5%.

Antonio Ermírio de Moraes: Nós fizemos uma demissão de duas mil pessoas em [um total de] 63 mil [funcionários], quer dizer, praticamente [...] foi exatamente na minha área, a área de metalurgia, porque nós primeiro demos férias coletivas, depois demos as segundas férias coletivas, depois então o mercado não reagia. Durante três meses, o mercado nacional caiu de cem para 25%, foi realmente um período extremamente difícil, e mormente para nós do Grupo Votorantim, a senhora me dá a oportunidade de responder de uma maneira muito sincera, uma das coisas que eu não aceito é o discurso que vem sendo pregado dizendo que as empresas já levantaram todos seus recursos em cruzados. Isso não é verdade.

Eleonora de Lucena: Quanto está bloqueado da Votorantim?

Antonio Ermírio de Moraes: Para nós, praticamente tudo, quer dizer, dos 100% que eles bloquearam, nós levantamos 10% num leilão que foi promovido pelo doutor Ibrahim Eris [presidente do Banco Central entre 1990-1991], e posteriormente ele nos deu mais 10% a título de empréstimo, pagando 5% de juro real quando a inflação era zero, para ser devolvido em 91 dias. Mas eu acho que nós temos praticamente 91% retidos até hoje. Nós evitamos todo e qualquer tipo, vamos dizer, de aproximação no sentido de trocar cruzados por cruzeiros etc. Nós recusamos sistematicamente isso. Agora, para fazer isso é um sofrimento terrível, porque para tocar as obras, continuar tocando as obras sem parar as expansões e com apenas 9% de liberação de recursos, nós estamos vivendo nesses últimos quatro meses exatamente da mão para a boca. Esse é o termo certo, não sobra nada em caixa.

Junia Nogueira de Sá: As demissões vão prosseguir na sua indústria?

Antonio Ermírio de Moraes: Se vão prosseguir?

Junia Nogueira de Sá: Sim.

Antonio Ermírio de Moraes: Não, se Deus quiser, não. Eu espero que a gente possa buscar de volta aqueles que foram demitidos, que foram num total de dois mil, não é? Duas mil pessoas em 63 mil foram até pouco, porque a crise que nós passamos foi terrível. Hoje a coisa já está mais equilibrada, mas há três meses nós voltamos a ter títulos apontados em cartório, esse negócio todo, porque nessa hora é triste.

Paulo D'Arezzo: Esses 100% que ficaram bloqueados correspondem a quanto?

Antonio Ermírio de Moraes: A 550 milhões de dólares. Porque o programa de expansão da Votorantim era de 1,5 bilhão de dólares, isso em andamento. Agora, esse 1,5 bilhão de dólares [...] tínhamos praticamente um terço em caixa e dois terços nós precisávamos ir buscar os recursos, não é? Porque esse programa ia até 1996. Agora, acontece no Brasil – isso é uma coisa muito curiosa, porque poucos talvez tenham conhecimento disso –, hoje o maior sócio que nós temos dentro da nossa empresa chama-se governo. De cada 100 cruzeiros de lucro, o governo leva 50. Admita que para a Lei da Sociedade Anônima você tem que distribuir pelo menos 10% de dividendo, porque a lei diz um mínimo de 10% e máximo 25%, mas vamos admitir 10%, então são 60%. Então, sobram 40% dos 100. Dos 40%, metade, ou seja 20 cruzeiros, precisam ficar dentro da fábrica para remodelação de equipamentos, estoques, modernização de certos equipamentos que começam a envelhecer etc. Então, sobram 20 cruzeiros para você fazer nova expansão, para você criar novos empregos, para você melhorar a tecnologia. Isso significa já, meu caro Tamer, que a aceleração da produção do Brasil vai ser muito lenta daqui para a frente. Isso é um Boeing que está supercarregado de combustível e vai demorar muito tempo para decolar.

Roberto Müller Filho: É isso que eu queria perguntar para o senhor, acho que o senhor tocou num ponto que, com a sua experiência e tendo em vista a política econômica que vem sendo praticada pelo governo... o senhor imagina que esse período recessivo que o próprio governo, através das autoridades econômicas, diz que é preciso fazer, é preciso bancar para poder baixar os preços, debelar a inflação, o senhor acredita que isso é uma coisa duradoura? Quantos meses o senhor imagina que o país vai viver em recessão?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu espero que nós possamos evitar a recessão, mas está parecendo muito difícil. Eu ainda estive este fim de semana em Minas Gerais analisando o setor de laranja, de café, e eu fiquei muito triste constatando que, praticamente, nós estamos já com um déficit na produção de grãos este ano que vai acima de 10%. Isso significa que nós estamos perdendo produção de milho, estamos perdendo produção de soja, estamos perdendo produção de feijão e estamos perdendo produção de arroz. Então, o elemento básico da mesa do pobre no Brasil está sumindo, e isso é extremamente grave para nós. Acho que o governo deveria pensar seriamente sobre isso, e mesmo tendo uma certa inflação, eu acho que produtos alimentícios não podem faltar à mesa dos menos afortunados. Eu acho que isso é básico. E nós estamos perdendo exatamente o alimento essencial da mesa dos menos afortunados. [Charge de Caruso: no ombro de Antonio Ermírio, há um pequeno macaco bem vestido e com uma caneca para receber moedas na mão. O empresário diz: “Mico-empresa é comigo!”]

Rodolfo Konder: Esse dado de hoje da Fiesp, doutor Ermírio, de que houve um ligeiro crescimento no número de empregos em São Paulo, significa a possibilidade de uma estabilização?

Antonio Ermírio de Moraes: Deus queira que sim, mas esses dados são mutáveis, não é? Isto, em um fim de semana a coisa já muda. O que impressiona muito no momento é que nós estamos vivendo um momento extremamente aflitivo no que diz respeito à relação entre capital e trabalho, o que a mim não me agrada, porque eu acho que capital e trabalho, meu caro Rodolfo, têm que ser linhas convergentes. Se as linhas forem convergentes entre capital e trabalho, a resultante será positiva, quer dizer, o Brasil cresce, e cresce de uma maneira saudável. Se elas forem divergentes, aí então nós vamos ter uma resultante negativa.

Paulo D'Arezzo: [...] o episódio da CSN, que desativou um forno.

Antonio Ermírio de Moraes: Isso é uma coisa terrível, olha, sinceramente, quer minha opinião sincera? É criminoso. Você precisa conhecer siderurgia, um alto-forno de três mil metros cúbicos que é desativado, acho que dificilmente nós vamos ter condições de colocar esse alto-forno novamente em funcionamento. Alto-forno que produz seis mil toneladas por dia, desativar, abafar um forno desses? Nós já tivemos greves em siderurgia, em altos-fornos de duzentos metros cúbicos, em vez de três mil, e para sair com um alto-forno desses é uma loucura. Agora, um alto-forno a coque é muito mais complicado que um alto-forno a carvão vegetal. Agora, parar uma aciaria [unidade em usina siderúrgica onde o ferro-gusa é convertido em aço], meu Deus do céu, aí é que entra a falta de bom senso. Então, você toca os setores essenciais, que são o alto-forno e a aciaria a oxigênio, e você funde os tarugos, os lingotes e deixa os lingotes no pátio. Agora, jogar fora o gusa, isso é criminoso. Pior do que isso, só na França. Eu vi em Orleans, no sul da França, onde os produtores de uma grande empresa [...] largaram a fábrica de alumínio, paralisaram numa greve, largaram os fornos todinhos, cerca de quinhentos fornos, com metal dentro, e foram para casa. Aí o [Charles] De Gaulle [(1890-1970), general, político e estadista francês, foi chefe do governo provisório formado após a Segunda Guerra Mundial, entre 1946-1959, e presidente da França entre 1959-1969] fez um discurso. Se o De Gaulle fosse o Papa, excomungava todos. Realmente, ali é um ato irresponsável. Eu acho que ali é um ato lamentável, eu não sei a quem culpar, eu não estou lá, nós somos apenas vizinhos de Volta Redonda. Porque Volta Redonda, longe de você pensar que seja uma fábrica mal conduzida, não é não. Volta Redonda é uma fábrica primorosa, [mas] o que se formou lá foi realmente uma relação entre capital e trabalho péssima, a pior possível e imaginável, não é? E isso deveria ter sido evitado a todo custo.

Alberto Tamer: Doutor Ermírio, eu queria voltar um pouquinho a sua primeira colocação com relação à proteção que a indústria brasileira está perdendo e os riscos que o senhor vê que podem acontecer daqui por diante. O senhor não acha, porém, que a indústria brasileira tem sido excessivamente protegida no decorrer desses anos, o que fez com que a produtividade não evoluísse? Por exemplo, outro dia eu estava vendo os números com relação à indústria têxtil, a diferença entre o tecido e a calça, a calça Lee terminada é uma violência...

Antonio Ermírio de Moraes: Tem toda razão.

Alberto Tamer: É uma violência. Então o senhor não acha que nesse ponto...

Antonio Ermírio de Moraes: A maior proteção que se deu à indústria nacional foi a falta de justiça. Porque no Brasil triunfa aquele que fatura e principalmente aquele que não fatura, aquele que não conhece nota fiscal. Então, essa realmente é uma proteção indevida que nós precisamos acabar. Com isso, pelo menos parece que esse plano de estabilização colocou um dedo na ferida. Dificultou brutalmente a pessoa do anonimato, quer dizer, título ao portador, não é? Porque muito pior do que aquele anúncio do [ex-jogador de futebol] Gérson, que dizia que brasileiro gostava de levar vantagem em tudo – eu acho que fui um dos primeiros que critiquei, até com o Roberto, no programa Crítica e autocrítica –, eu acho que era aquele anúncio dos próprios bancos do governo fazendo propaganda: deposite, quer dizer, era um homem sem cabeça, um homem com a malinha, sozinho, que naturalmente ia depositar. Isso era o banco do governo que patrocinava, que induzia o sujeito a fazer depósito ao portador, não é? Isso está terminado, sob esse aspecto, ou você emite nota fiscal, ou você produz hoje eficientemente, ou você está fora do mercado.

Alberto Tamer: Eu queria voltar ao ponto que eu focalizei. Eu quero lembrar ao senhor o seguinte: os custos de produção e os custos comparativos de toda indústria nacional, 90% da indústria nacional, são realmente custos e preços absurdamente altos em comparação ao nível internacional. O senhor não acha que realmente houve algo de positivo na medida em que se abriu um pouco à competição para que essas pessoas produzam mais e melhor?

Rodolfo Konder: Eu acrescentaria à pergunta dele o seguinte: é uma das tendências modernizadoras do mundo de hoje essa abertura para a economia mundial? O senhor acha que é uma das tendências?

Antonio Ermírio de Moraes: É uma das tendências, principalmente no papel, não é? Porque, por exemplo, vamos voltar para a agricultura? Você tem razão, Tamer, em primeiro lugar, excesso de proteção significa ineficiência. Você não pode [...] eu achei que o que arrebentou a Argentina foi excesso de proteção. Então, nós vamos voltar para todos. É preciso ter menos proteção e mais eficiência. Agora, é evidente que, por exemplo, os países civilizados, os países desenvolvidos têm um tipo de subsídio que eles não trazem à tona, não é? Isso é segredo entre o governo do estado e o empresário, ponto final. Inclusive no setor energético...

Rodolfo Konder: [interrompendo] Inclusive, os americanos estavam brigando agora com a Europa por causa da proteção aos produtos agrícolas.

Antonio Ermírio de Moraes: Veja a proteção à agricultura européia, hoje, é uma coisa escandalosa. Agora, não obstante, a agricultura americana deve 220 bilhões de dólares ao governo e dificilmente vai pagar, não vai pagar nunca. Isso a agricultura americana, que é tida como eficiente no mundo inteiro.

Alberto Tamer: Mas a indústria americana está sofrendo uma competição terrível da indústria japonesa, [competição] que não existe aqui. No Brasil, ninguém compete com ninguém, é tudo fechado.

Antonio Ermírio de Moraes: Bom, mas aí eu volto ao velho ponto, Tamer...

Alberto Tamer: Eu quero dizer o seguinte: outro dia disseram que podia importar livro, comprar qualquer coisa pelo correio. Eu estou desesperado querendo trazer um livro dos Estados Unidos, não consigo trazer. São tantos problemas, quer dizer, não se importa nada, não se importa tico-tico [espécie de velocípede], bicicleta, bola de gude, não se importa nada, enquanto que a gente vê no Japão, vê os Estados Unidos aceitando a competição da indústria japonesa. Hoje, a indústria japonesa está brigando terrivelmente contra a indústria americana e está ganhando a luta. Aqui, ninguém briga com ninguém, fica todo muito cercado e nós pagamos a conta, doutor Ermírio?

Antonio Ermírio de Moraes: Estou de acordo com você, estou de pleno acordo, não tenho nada a responder, acho que você está perfeito. Eu acho que nós temos é que partir para uma concorrência maior, permitir a livre concorrência...

Roberto Müller Filho: Doutor Ermírio, a propósito dessa questão ainda, eu corro o risco de ficar monótono com essa questão, mas é que eu não posso deixar de perguntar isso ao senhor, porque eu fiz essa pergunta ao presidente da República, eu fiz essa pergunta à ministra Zélia, e agora eu quero fazer essa pergunta ao maior industrial brasileiro. O senhor acha que, não obstante os aspectos positivos que possa ter essa política de abertura, eventualmente o senhor concorda com a crítica de alguns... muitas pessoas acham que houve uma dose de ingenuidade em fazer isso sem negociar. [O senhor concorda?]

Antonio Ermírio de Moraes: Mas é claro. Você veja, todo mundo negocia. Você nunca dá nada de graça a quem quer que seja. Você procura verificar quais são os pontos críticos do nosso crescimento industrial e procura negociar. Então, vamos dizer o seguinte: ninguém critica, por exemplo, eu trabalhar há 41 anos, meu caro Tamer, há 41 anos que o Brasil exporta minério de ferro a vinte dólares por tonelada [...]. Há 41 anos. Pelo contrário, custava 18 dólares a tonelada, hoje custa acho que 17 ou 18, a mesma coisa. Agora, ninguém reclama, mas em contrapartida o que acontece: a figura do país subdesenvolvido, para mim, é essa, você continua exportando há 41 anos minério de ferro pelo mesmo preço e você continua importando computadores, ressonâncias magnéticas e tomógrafos a duzentos dólares o quilo, não é verdade? Porque nós não temos capacidade de desenvolver [esses produtos]... Se você não acreditar um pouquinho, um pouco de proteção para você poder jogar um foguete em órbita, depois você tira e cada um que se arrume, não é? Porque os outros também já fizeram dessa maneira, ninguém fez milagre. A verdade é essa, porque, afinal de contas, o Japão cresceu por quê? Porque logo depois de ter perdido a Segunda Guerra Mundial, o que aconteceu com o Japão? Os países Aliados proibiram o Japão de ter força, naturalmente, militar. Então, o Japão, junto com o Brasil e com o México, são os três países que menos gastam na área militar. O Japão gasta menos de 1% do PIB na área militar, o que é profundamente descartável, enquanto os Estados Unidos gastam 14% do PIB na área militar, o Japão gasta zero. Os Estados Unidos gastam trezentos bilhões de dólares por ano com armamentos. O mundo gasta um trilhão de dólares por ano em armamento, quer dizer, o mundo é muito egoísta, porque com um ano sem armamentos nós resolveríamos o problema de todo o Terceiro Mundo, não é? [Charge de Caruso: Antonio Ermírio segura uma bandeira do Brasil desgastada, com furos, e pede: “Um pouco de proteção!”]

Rodolfo Konder: Doutor Ermírio, nós vamos dar um pequeno espaço aqui para os telespectadores, que já são muitas as perguntas que estão chegando. Temos quatro telespectadores que fazem mais ou menos a mesma pergunta: Marineide dos Santos, de São José dos Campos; Mariângela Contreras, de Moema; Gilson Pereira Junior, de Tucuruvi, e Catarina Sanches, de Cerqueira César. Os quatro perguntam sobre o fato de o senhor não andar protegido com guarda-costas, se o senhor não teme seqüestro.

Antonio Ermírio de Moraes: [ri] Eu acho que, em primeiro lugar, a gente precisa ter a consciência tranqüila. Eu tenho a consciência tranqüila do dever cumprido. Eu dou a mim um regime de trabalho tão difícil que dificilmente alguém possa criticar. Então, eu procuro me sacrificar em prol não de mim próprio, eu acredito no Brasil, eu acredito na nação. Eu acho que não estou fazendo nada de errado, para que essa nação amanhã possa ser considerada lá fora como uma nação reconhecida pelo valor, pela inteligência, pela capacidade e pela honestidade de seus homens. Então, eu considero uma vergonha dentro de minha cidade, do meu país, que eu tenha de andar com guarda-costas. Eu considero isso um acinte, eu acho isso uma agressão à minha pessoa. Então, eu não ando, corro o risco, eu acho que risco nós todos temos que correr. Mas eu não admito que dentro do meu país, dentro da minha cidade, eu tenha que andar com guarda-costas, de jeito algum, eu sou contra isso.

Carlos Tramontina: O que a família do senhor acha disso?

Antonio Ermírio de Moraes: Eles não gostam, a família se preocupa, mas eu acho que é um risco que a gente tem que correr.

Astrid Fontenelle: E o senhor não tem medo?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, nunca tive, graças a Deus.

Roberto Jungmann: O senhor teria mais medo ou receio de um seqüestro ou de um novo confisco? [risos]

Antonio Ermírio de Moraes: Não sei qual seria pior.

Astrid Fontenelle: Mas tem uma historinha sua de que o senhor andava sendo perseguido, telefonaram para o senhor, o senhor teria dito: quem for, quem tiver a fim que lhe encare que o senhor encarava no tapa.

Antonio Ermírio de Moraes: É verdade. No tapa não, mas eu fui procurar...

Astrid Fontenelle: E o senhor não mudou esse conceito depois que o senhor viu com o Abilio Diniz? [o empresário do grupo Pão de Açúcar foi seqüestrado na manhã do dia 11 de dezembro de 1989. O cativeiro foi encontrado seis dias depois e os dez seqüestradores, presos. Eles pertenciam ao MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária), do Chile]

Antonio Ermírio de Moraes: Não, pelo contrário, eu sofri, até foi um juiz de uma vara criminal que me procurou e deu, realmente, um depoimento de um seqüestro que estava sendo tramado contra a minha pessoa. E isso foi para a delegacia de seqüestros. Depois que eu tomei conhecimento desse depoimento, eram três homens egressos do [presídio do] Carandiru que atendiam pelo nome de Paca, Tatu e Buraco Negro, uma coisa assim. Evidentemente que a gente começa a ficar preocupado, eu não falei nada para a minha família...

[...]: Na ocasião, o senhor foi procurado...

Antonio Ermírio de Moraes: A minha sorte foi que, como naturalmente a coisa não andava... no depoimento, davam tudo, inclusive telefone da firma que estava organizando o seqüestro, que é uma firma na Praça da Sé. Eu liguei para lá.

Astrid Fontenelle: O senhor ligou?

Antonio Ermírio de Moraes: Liguei para lá e, por acaso, era uma firma que era cliente nossa. Eu procurei falar com o presidente da firma. Eu disse: você tem um fulano assim, tal e tal, que trabalha na sua firma? Ele disse: “Tem sim”. Então, você dá um pulo aqui na Votorantim que eu precisava falar urgentemente com você. E ele veio. Aí eu contei para ele: olha, esse camarada que está trabalhando com você... Ele disse: “Mas ele trabalha comigo há vinte anos”. Ele está planejando um seqüestro junto com esses homens que são egressos do Carandiru. Agora, eu vou pedir um favor para você – era uma sexta-feira –, você vai marcar com esse sujeito no seu escritório, que eu quero encontrar esse indivíduo. Ele falou: “Perfeitamente”. Ele marcou às duas horas, numa sexta-feira, e eu fui lá. Aí peguei o homem de surpresa. Disse: eu vim aqui para olhar na sua cara. Isso que você está lendo aqui, que me foi dado por um juiz da vara criminal, eu já passei para vinte amigos meus. Se acontecer alguma coisa comigo, eu não sou homem favorável à violência, mas vai acontecer três vezes pior a você. Então, você vê lá o que você vai fazer. Eu vim aqui para te olhar na cara e ponto final.

Carlos Tramontina: O senhor é contra andar com segurança, não anda com segurança, porém o senhor tem consciência do risco a que está exposto, não andando com segurança, ou não?

Antonio Ermírio de Moraes: O que eu posso fazer? Eu tenho 62 anos, já vivi bastante... Só peço a minha família que, se me seqüestrarem...

Alberto Tamer: O senhor teria essa mesma tranqüilidade no Rio de Janeiro de hoje?

Antonio Ermírio de Moraes: É uma coisa curiosa, no Rio de Janeiro sou até mais conhecido do que aqui em São Paulo, é incrível, no Rio de Janeiro não dá para sair na rua...

Alberto Tamer: O senhor é um prato especial no Rio de Janeiro.

Antonio Ermírio de Moraes: Talvez eu seja, ou aqui mesmo, tenho que pedir a Deus que eles realmente esqueçam a gente, não é? Pedir a proteção divina, porque não adianta nada...

Rodolfo Konder: Doutor Ermírio, vamos continuar com os telespectadores. O Rodolfo Machado, do Jardim Paulista, pergunta se o senhor acha que, com as mudanças no Leste Europeu, se o socialismo morreu.

Antonio Ermírio de Moraes: Olha, a verdade é que essas mudanças foram muito rápidas e foram mudanças violentas. Agora, o que acontece é o seguinte: o socialismo, quer dizer, a Revolução Russa foi implantada em 1917, não é? Portanto, nós temos aí 73 anos de revolução, e agora chegaram à conclusão de que o negócio não funciona. Se fosse tão bom, e digo mais, para aqueles que conhecem um pouco o Leste Europeu, eu aconselho, eu sou um homem que viaja muito pouco, mas se vocês quiserem ir à Rússia, vocês vão lá para o lado de Vladivostok, vão para o lado de Amursk, em Chita, por aí [...], lá em baixo, no sul da Rússia, vocês vão ver o que é miséria. Quer dizer, se realmente o regime fosse muito bom, você não tiraria um salário médio de 200 dólares por mês, não é? Agora, evidentemente que é difícil você, à distância, querer analisar o que acontece nos outros países. Agora, evidentemente, na hora em que você, Rodolfo, tira o estímulo do homem de crescer, de querer ser alguma coisa na vida e procura botar um denominador comum na cabeça de todo mundo, dizendo, como numa medida provisória: fica proibido de pensar, fica proibido meditar, aí a coisa realmente cai por terra. O meu princípio, eu acho que o homem tem que ter um incentivo a meditar, refletir, a trabalhar, e tem que ser livre em criar. Na hora que você proíbe o sujeito de criar, proíbe o sujeito de pensar, eu tenho a impressão de que não há regime que possa triunfar.

Rodolfo Konder: Nelson Pereira, de Santana, pergunta como o senhor vê o governo paralelo do PT.

Antonio Ermírio de Moraes: Eu, francamente, acho que isso não tem cabimento, na minha opinião. Acho isso de um ridículo pasmoso, não vejo razão. Por que um governo paralelo, por quê? Governo paralelo é a mesma coisa que amanhã você tivesse na Votorantim uma diretoria paralela à minha. Ou nós ou eles. Isso não tem cabimento, isso num país civilizado não existe.

Alberto Tamer: Bom, mas a idéia do PT é outra, a idéia do PT não é fazer um governo, a idéia do PT é acompanhar os atos do governo e ter uma equipe preparada para criticar, pelo que eu entendi, não é?

Antonio Ermírio de Moraes: Mas isso eles já estão acompanhando. Isso não existe, isso se chama oposição no Congresso Nacional, é mais do que democrático, não é? Agora, criar um governo paralelo, isso é mais uma coisa para chamar a atenção etc, tudo mais. Eu não vejo muita razão para isso. Eu acho que podia fazer de uma maneira discreta e eficiente, não é? Cada um tem o direito de criticar, Tamer, isso é uma coisa normal. Acredito que o PT tenha até uma função histórica de criticar e criticar, procurar criticar construindo, e não destruindo. Agora, evidentemente, armar um esquema para destruir, é muito fácil destruir. [Charge de Caruso: Antonio Ermírio diz: “Governo paralelo se encontra no infinito!”]

Rodolfo Konder: Temos três outros telespectadores, João Luiz, de Perdizes; José Vicente Rodrigues, de Araraquara, que aliás se diz muito satisfeito com a instalação das suas empresas lá naquela região; e Roberto Amoroso, do Jardim das Bandeiras. Os três perguntam sobre os seus planos políticos, se o senhor tem algum plano de voltar à política partidária.

Antonio Ermírio de Moraes: Não, Rodolfo, sinceramente, isso eu disse no dia 16 de novembro de 1986, que a minha carreira política estava encerrada. Muito pouca gente acreditou, inclusive quando eu participei pela última vez do [programa] Crítica e autocrítica, o Oliveras Ferreira, seu colega, insistia para que eu fosse candidato. Eu dizia: eu não sou. Ele: “Mas precisa ser” etc. Foi um programa em que eles insistiram durante duas horas para que eu viesse a ser candidato. Eu tomei uma resolução muito clara na minha vida, e a razão pela qual eu tomei essa resolução é muito simples: é que eu, nesses oito meses de convivência política, muito embora eu tenha aprendido muito... tenho até saudade, naturalmente, da convivência com gente boa, principalmente o povo, eu achei que o povo no Brasil é excelente, mas os políticos... entre a bondade do povo e a maldade dos políticos, existe uma diversificação de 180 graus.

Roberto Müller Filho: O senhor vai apoiar alguém nessas eleições [de 1990]?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu, por enquanto, acho que nós estamos refletindo, meditando. Evidentemente, nós temos que apoiar alguém, a gente tem que ter opinião, espero apoiar alguém, mas acho que, por enquanto, os jogadores não entraram em campo ainda, não é? Até agora, eu não vi nenhum movimento, não sei de programa de ninguém, não é?

Roberto Jungmann: Quer dizer que foi então uma questão de desencanto mesmo com a política?

Antonio Ermírio de Moraes: Foi. Porque eu acho o seguinte: uma vez que você entra na política, é para você ajudar aqueles que são menos favorecidos, está certo? Eu parti desse princípio...

Roberto Jungmann: Certo, mas eu queria entender o seguinte: não é só com a política em si, mas com os políticos, com as pessoas que estão...

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que os políticos do Brasil têm muito o que aprender ainda. Uma vez um francês, presidente de um banco, me disse uma coisa, em 1982, que eu até fiquei zangado, como bom brasileiro que me considero ser. Disse: “Olha, o meio empresarial brasileiro é mais ou menos equivalente ao meio financeiro, mas o meio político nacional, nota zero para vocês”. Eu fiquei zangado com ele, um francês vem aqui e ainda vai criticar o brasileiro aqui? Mas depois eu entrei nesse páreo em 86, e aí eu me lembrava muito do que ele havia dito, no fundo ele tem um pouco de [razão]. Há um despreparo, quer dizer, o político nacional é um homem que está muito... ele se julga dono do Congresso Nacional e o Congresso é a ferramenta para ele tomar conta do Brasil. Isso está errado. O princípio está errado. O político é um homem que tem que trabalhar para o Brasil, não para ele, porque a grande maioria se elege à custa de um cartório político que eles mesmos criam. “Eu sou dono da Fepasa, eu sou dono da Rede Ferroviária Federal, eu sou dono Cetesb, eu sou dono da Sabesp”, assim por diante, não é? “Eu quero a Secretaria [...] para eu me aposentar para o resto da vida”. Isso é argumentação? Pelo amor de Deus, o sujeito não é dono de coisa nenhuma, ele é dono de uma cabeça e tem que pensar. Sob esse aspecto, o Plano Collor fez uma grande coisa, porque acabou com o título ao portador, e agora o sujeito para se eleger, vai se eleger à custa de seu próprio valor, e não à custa de subvenções, sabe lá Deus, que vinham de conta [caixa] dois e outras coisas mais.

[sobreposição de vozes]

Paulo D'Arezzo: Tem muito dinheiro nessa campanha ainda.

Antonio Ermírio de Moraes: Aí existem máquinas, porque você sabe que os partidos são organizados nesse aspecto, não é? Cada um é dono da sua caixa...

Carlos Tramontina: A Votorantim colabora com algum candidato ou algum partido? Ela apóia alguém, dá material para campanha ou dá dinheiro?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, geralmente a gente dá material para a campanha. O sujeito vem, pede papel, pede alguma coisa, você tem que dar. Isso eu acho que faz parte do processo democrático, não é?

Carlos Tramontina: O senhor apóia todo mundo ou de acordo com as convicções políticas?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, não...

Roberto Jungmann: Eu atrelaria aí uma pergunta, que é a seguinte: o senhor está apoiando alguém abertamente?

Antonio Ermírio de Moraes: Não. Até o presente momento ninguém, não estou apoiando abertamente ninguém. Mas vou apoiar alguém discretamente. Como eu não sou mais membro de partido político algum, eu saí do PTB no dia 16 de novembro de 86, e nunca mais entrei para nenhum partido político, mas é evidente que eu acho que a gente tem que apoiar. Na campanha do município [em 1988], eu apoiei o [candidato] José Serra, do PSDB, abertamente.

Junia Nogueira de Sá: O senhor é [...] cabo eleitoral desta cidade. O senhor teve uma votação muito expressiva nas eleições passadas. O senhor não se inclina abertamente por ninguém?

Antonio Ermírio de Moraes: É uma das coisas que até me enchem de orgulho, porque, afinal das contas, eu sou considerado um homem rico, e a um homem rico já se olha com certa desconfiança...[risos]

[sobreposição de vozes]

Junia Nogueira de Sá: Mas ser rico é feio.

Antonio Ermírio de Moraes: Mas, não obstante isso, o que eu noto é que ficou alguma mensagem [da campanha de 1986] que eu acho que valeu a pena, viu? Porque se eu saio na rua, às vezes fica até difícil de andar.

Junia Nogueira de Sá: Ainda lhe chamam de Tonhão?

Antonio Ermírio de Moraes: Tonhão, mas [de modo] carinhoso. De vez em quando tem algum que quer agredir, mas muito raramente, viu? De 86 para cá, só duas pessoas procuraram me insultar.

Roberto Jungmann: Não é muito grande a cobrança em cima do senhor? As pessoas que se sentem meio órfãs dessa...

Antonio Ermírio de Moraes: Mas eu tenho a minha consciência tranqüila, eu procurei ajudar sinceramente aqueles... Eu achei que eu podia fazer alguma coisa por essa classe menos favorecida, viu? Porque é...

Roberto Jungmann: [interrompendo] Porque ainda tem gente que alimenta essa esperança de o senhor voltar.

Antonio Ermírio de Moraes: Eu até disse para a minha família, disse para a minha senhora, para meus filhos: olha, eu saio da Votorantim para ajudar esses homens, mas o dia em que eu não puder ajudar, eu não vou mais entrar, porque isso é farsa, não é? Eu não vou apenas amanhã ser candidato, amanhã ser governador para ajudar meus amigos, [porque] eles não precisam de ajuda.

Astrid Fontenella: De que forma o senhor canaliza essa sua vontade de ajudar as pessoas? O senhor teve quatro milhões de votos, agora o senhor diz que não vai ser mais candidato. Então, como é que o senhor canaliza essa sua vontade, esse seu poder de ajudar?

Antonio Ermírio de Moraes: O que eu faço? Há muito tempo que eu resolvi na minha vida tomar uma decisão. Quando eu percebi que eu tinha um potencial no sentido de poder, de querer ajudar, graças a Deus, Deus me deu saúde, e eu resolvi então partir para uma linha: há 28 anos, eu comecei a entrar na área hospitalar daqueles que eram realmente menos favorecidos. Então, eu fui da Cruz Vermelha; da Cruz Verde; estou há 19 anos na Beneficência Portuguesa. Por quê? Porque lá, do pessoal que nos procura, 55% são gente do Inamps [foi transformado em INPS], que não tem onde cair morto. E, no entanto, nós fazemos o serviço sem nenhuma subvenção do município, do estado ou do governo federal, e nós estamos de pé.

Roberto Jungmann: O senhor falou 55%?

Antonio Ermírio de Moraes: [São] 55%.

Eleonora de Lucena: Já que nós estamos falando dos descamisados, como está a política salarial dentro da Votorantim? O senhor está seguindo a política salarial do governo, que tem sido considerada com arrocho salarial? Como estão sendo os reajustes dentro da empresa?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, hoje você não pode seguir. É muito fácil o governo dizer a você o que tem que fazer, mas na verdade é que ele está em Brasília e nós estamos aqui. Então, por exemplo, amanhã eu tenho uma reunião com os lideres sindicais do Sindicato dos Metalúrgicos de Mairinque, numa tentativa para que não haja uma greve. Então, isso você precisa, a miúdo, tratar com todo mundo. A cada semana, a cada 15 dias, você tem um novo tratamento com os líderes sindicais dos vários setores.

Eleonora de Lucena: O senhor tem enfrentado muitas greves dentro do grupo?

Antonio Ermírio de Moraes: Nós temos evitado muitas greves. Nós só tivemos uma, [que foi uma] greve política, porque se tratava de uma eleição...

Eleonora de Lucena: Os reajustes têm sido mensais?

Alberto Tamer: Qual é a média do aumento que o senhor tem dado lá?

Antonio Ermírio de Moraes: Olha, para você ter uma idéia, hoje, se você pegar uma companhia como a Brasileira de Alumínio, vou dar para você um dado de ontem [...] sexta-feira à tarde. O salário médio, com encargos sociais, é de mil dólares por pessoa.

Alberto Tamer: Mil dólares?

Antonio Ermírio de Moraes: Sim, senhor.

[...]: Salário médio?

Antonio Ermírio de Moraes: É, salário médio. No entanto, se eu não resolver... na terça-feira é capaz de eclodir uma nova greve.

Eleonora de Lucena: Os reajustes são mensais?

Antonio Ermírio de Moraes: Praticamente. Nós tínhamos dado, por exemplo, 30% [de aumento], e aí até o governo federal soube que nós tínhamos dado 30%... porque houve uma greve, e achavam que era muito, “Onde já se viu, é um exagero, o que você faz os outros vão fazer por igual” e tudo mais etc. É verdade que os reajustes na área do ABC saíram na base dos 50%, mas antes de eu ter dado os 30%, já para julho nós tínhamos dado 6%. Porque é justo que se faça cesta básica para ver o que está aumentando agora. Eu faço uma política muito simples, eu tenho o preço médio de faturamento, o preço médio do dólar e o preço médio naturalmente do salário per capita. Essas três linhas têm que, pelo menos, se acompanhar. E nos últimos anos, o salário tem aumentado mais do que preço médio do faturamento, o que significa que há um ganho real para a classe operária, o que bom, não é? Agora, não obstante isso...

Alberto Tamer: [interrompendo] Isso não está sendo repassado no preço?

Roberto Jungmann: E se não repassar no preço, como é que o senhor...?

Antonio Ermírio de Moraes: Você tem que repassar uma parcela mínima, porque se você for repassar tudo, você está liquidado, você tem que diminuir as gorduras. O que significa que a sua aceleração no sentido de fazer expansões vai ser muito mais lenta daqui para frente, e lenta porque você não tem o mesmo grau de facilidade para conseguir recursos como você tem no exterior. Hoje, se você tomar um empréstimo no BNDES, praticamente nesse final de governo Sarney, 100% desses recursos eram destinados à própria expansão, nós tomávamos zero de empréstimos, zero. Porque, evidentemente, com 80% de inflação, se tomasse um empréstimo, já estava liquidado.

Roberto Müller Filho: Doutor Antonio Ermírio, o senhor mencionou, ao longo desta entrevista, duas ou três vezes, aspectos que o senhor considera favoráveis no plano de estabilização. Eu gostaria de aproveitar e perguntar o que mais o senhor considera favorável e o que mais o senhor considera mal feito?

Antonio Ermírio de Moraes: Bom, eu queria só completar o negócio da política salarial. Acho, por exemplo... nós tivemos o Plano Bresser, em que naturalmente houve uma perda salarial e que a Justiça acabou dando ganho de causa ao trabalhador. O Plano Verão, a mesma coisa. Então, o governo, no meu entender – note bem, eu não sou ninguém, eu não sou dono da verdade, mas é uma idéia minha –, eu acho que o governo devia ter feito o seguinte: muito bem, nós estamos aqui com um novo plano econômico, a perda salarial vai ser X%, entre 40% e 50%, mas a essa perda salarial, nós vamos dar o mesmo regime dos papéis financeiros. Então, durante 18 meses ela fica retida, mas pega uma poupança compulsória e depois você recebe em doze parcelas corrigidas por BTNF, corrigidas por qualquer coisa. Seria menos prejudicial ao governo, porque essa eclosão de greves que nós estamos tendo ultimamente é uma coisa terrível, porque vai faltar dinheiro para o governo. O governo não está se apercebendo que, com essas greves todo dia... nós temos aí no estado de São Paulo 23 milhões de jornadas de trabalho, acho que até junho desse ano, uma coisa brutal. Você pega uma firma como a Autolatina [foi uma holding formada pelas subsidiárias brasileiras das indústrias de automóvel Volkswagen e Ford], a Ford, parada há 33 dias, não é verdade? Em greve, isso não é brincadeira, isso é falta de recursos para o governo, não entra IPI, não vai entrar ICMS, não vai entrar coisa nenhuma. Agora, seria muito mais justo se você pegasse... a perda salarial é tanto, então consulte gente do governo, gente do Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos], gente de vários segmentos da sociedade e determine a perda salarial. Muito bem, [o governo deveria dizer] nós vamos dar o mesmo tratamento que damos ao papel financeiro, e seria uma espécie de uma poupança compulsória. Todo mundo, no fundo, ia ficar sabendo: bom, isso aqui realmente não está sendo reajustado pelo valor real da inflação, mas é melhor ter BTNF do que nada. E dessa maneira, talvez, nós poderíamos ter um pouco mais de paz no setor trabalhista, coisa que no momento nós não temos. Nós temos um verdadeiro conflito na área trabalhista. [Charge de Caruso: Antonio Ermírio, com as mãos esticadas em paralelo, diz: “É tudo uma questão de balanço!”]

Roberto Miller Filho: O que o senhor acha bem feito e o que acha mal feito no Plano Collor?

Antonio Ermírio de Moraes: O que eu acho... eu não sou jurista, me perdoem, mas eu acho que no Plano Collor, no plano de estabilização, nós tivemos algumas coisas que naturalmente foram inconstitucionais, não é? Você não pode criar um imposto e cobrar no mesmo ano. O artigo 150 da Constituição proíbe isso. O artigo 5º da Constituição define claramente o direito de propriedade. E esse direito de propriedade está no Código Civil, pelo artigo 524, que define bem claramente o que é propriedade. A 181, depois modificada pela 183, que proíbe [...] mandatos de segurança, é uma coisa contra a justiça. Esse pacote, esse prejuízo, essa perda salarial, eu acho que nós deveríamos jogar de uma maneira direta... O que esta acontecendo ultimamente? A pior coisa que pode existir numa empresa é você, amanhã, ter uma greve, a empresa é ocupada, como no caso de Volta Redonda [na greve de 1988, quando três operários da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda foram mortos durante a desocupação da fábrica], como foi o caso da [...], em Salvador, há pouco tempo, e você passa dez, 12 dias pedindo reintegração de posse. Eu conheço empresas que passaram 15 dias para poder recompor seus equipamentos depois de a reintegração de posse ter sido dada. Isso não tem cabimento, é falta de respeito, porque no momento em que você tem uma tomada da empresa por conta, quer dizer, o sujeito quebra o equipamento, eu acho que não tem mais retorno, é melhor você ir embora para casa, desista, vamos fazer outra coisa, vamos produzir goiabada, uma outra coisa qualquer, porque não dá para você continuar dessa maneira, isso é falta de respeito. Agora, isso tudo o que é? No meu entender, é falha do próprio governo, porque ele devia chegar, ponderar e olhar, dizendo: “Muito bem, já que cometemos dois erros, no Plano Bresser e no Plano Verão, não vamos cometer o terceiro erro”. Não se culpe a classe trabalhadora, tem que se culpar a classe dirigente nesse aspecto.

Rodolfo Konder: “Doutor Ermírio, o senhor está pretendendo assumir a empresa de cimento Perus?”, pergunta Cláudio [...], de Perus.

Antonio Ermírio de Moraes: Não, isso é um discurso muito antigo, houve várias tentativas no passado, por parte do governo, para que nós assumíssemos a Perus, mas eu acho que seria brutalmente imprudente de nossa parte.

Rodolfo Konder: E os boatos que falam que o senhor ia assumir a [siderúrgica] J. Aliperti, são verdadeiros?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, absolutamente, de jeito algum, pelo contrário, desejo à Aliperti – eu conheço toda família – toda a sorte possível para que eles possam sair rapidamente dessa situação difícil, mas eu acho que seria também uma outra imprudência de nossa parte.

Eleonora de Lucena: Eu gostaria de lhe perguntar sobre o faturamento da Votorantim este ano. O senhor está pintando um quadro bastante negro da economia em 90. O senhor prevê um faturamento maior, igual, menor que o do ano passado? O que o senhor acha que vai acontecer com a sua empresa e com as empresas em geral este ano?

Antonio Ermírio de Moraes: Como nós tivemos que exportar muito, nós fomos salvos pela exportação no setor principalmente de metalurgia, nós estamos prevendo uma queda de faturamento da ordem de uns 7% este ano, mas este ano, se nós fizermos muito bem, acho que nós vamos trabalhar com um faturamento anual da ordem de três bilhões de dólares [...].

Paulo D'Arezzo: Sua empresa pretende diversificar mais, na área de televisão por exemplo?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que nós já diversificamos bastante, não é? Porque, veja, celulose é um projeto que praticamente custava à casa, antes do Plano Collor, cerca de um milhão de dólares por dia, não é? Agora, nós reduzimos um pouco, estamos aí com uma média de 600 mil dólares por dia, quer dizer, não é brincadeira, só aí já é um senhor investimento, não é? Agora, por outro lado, nós estamos dobrando a Níquel Tocantins, que deve terminar até o final do ano; nós estamos dobrando a Companhia Mineira de Metais, que vai até 1992; e estamos na fase final de conclusão da fase de 212 mil toneladas de alumínio. Isso é um investimento que, só o alumínio, é um investimento da ordem de uns 350 milhões de dólares até o final.

Paulo D'Arezzo: Em televisão, o senhor não está pensando [em investir].

Antonio Ermírio de Moraes: Não, já disseram também que nós íamos comprar a Manchete, uma porção de outras coisas aí, mas [...] a Votorantim é o prato do dia, quer dizer, quando você está querendo aumentar as suas ações na bolsa, [você diz] “Ah, a Votorantim vai comprar...”.

Eleonora de Lucena: Mas onde a Votorantim está investindo o dinheiro? O senhor falou tanto do dinheiro bloqueado, tão contra o bloqueio. Depois do bloqueio, o senhor ficou longe do mercado financeiro, não põe mais o dinheiro da Votorantim?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, não ponho o dos outros, só da Votorantim. Praticamente só. Então, é aquele negócio: exporta, pega o dinheiro da exportação, paga as contas, folha, energia, o resto você reaplica.

Eleonora de Lucena: E o seu dinheiro, o senhor põe onde? Em que o senhor investe?

Antonio Ermírio de Moraes: Dentro da própria empresa, dentro da própria empresa.

Roberto Jungmann: Mas o senhor reformulou todos os planos de investimentos, não é?

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, claro, mais ou menos nós cortamos esse plano de expansão para uns 60% da velocidade em que nós estávamos. Nós estávamos com uma velocidade de 100, reduzimos para 60.

Alberto Tamer: O que o senhor mais critica neste governo, nesse plano de governo?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que não é questão de criticar, Tamer, eu acho que a questão é torcer para que dê certo, porque nós queremos um país que possa ser respeitado lá fora.

Alberto Tamer: Na sua opinião, o que está errado? Porque não está dando certo. Ou o senhor acha que está dando certo?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, eu acho só o seguinte: a medida talvez tenha sido drástica demais. Os 80% – eu não estou falando agora... esquece a Votorantim, eu falo do brasileiro médio - se você trabalhou a sua vida inteira para ter uma aposentadoria razoável, apenas decente – modesta mas decente –, de repente o governo tomou todo o seu dinheiro em caderneta de poupança e lhe dá 50 mil cruzeiros para se viver durante 18 meses, isso e nada é a mesma coisa. Eu conheço, tenho até inclusive parentes a quem eu tive que emprestar recursos para que eles possam viver, gente de 85, 90 anos de idade, desesperados. Eu digo: é justo? Gente que poupou a vida inteira, gente correta, gente decente...

Alberto Tamer: O senhor acha que aí a medida foi dura demais e o resultado...

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que aí faltou um pouco daquilo que a gente chama de humanidade, viu?

Rodolfo Konder: E era possível evitar isso?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que sim, aí é uma questão de humanidade. O dinheiro tem que sair do mais rico para o mais pobre, agora não pode sair de todos.

Rodolfo Konder: Mas o que o senhor sugeriria para se evitar isso?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que, em primeiro lugar, a aposentadoria no Brasil, eu acho que é uma das maiores injustiças que se faz no campo trabalhista. Quer dizer: o sujeito trabalha a vida inteira, trabalha 35 anos, e depois, quando se aposenta, se aposenta por um salário com que ele não consegue comprar arroz e feijão. Isso é uma injustiça ao sujeito que trabalha corretamente. Então, é preciso reformular, a partir de agora. Para reformular a parte de aposentadoria, é uma coisa extremamente doída. Porque eu cheguei à seguinte conclusão: a aposentadoria por tempo de serviço, infelizmente, não dá no Brasil. Nós temos que partir, como fazem outros países, lamentavelmente, para a aposentadoria por idade. Isso tem que ir gradativamente, porque no começo é uma injustiça, mas é uma maneira de amanhã nós podermos pagar melhor aqueles que estão aposentados. Porque hoje, via de regra, o sujeito aos 50 anos... eu conheço muita gente que, aos 45 anos, é aposentado. E, naturalmente, aposentado às vezes... nós conhecemos alguns aí com quatro, cinco aposentadorias... [Charge de Caruso: sendo filmado, Antonio Ermírio diz: “Cr$ 50 mil é muito pouco!”]

Alberto Tamer: Eu queria voltar um pouquinho a esse ponto. Eu perguntei ao senhor o que o senhor mais critica e o que está errado no plano. O senhor nos disse que realmente foi muito duro no início. E o senhor confirma, então, que foi duro e os resultados não foram o correspondente à dureza das medidas?

Antonio Ermírio de Moraes: Você veja o seguinte, Tamer, nós estamos falando muito sobre privatização, não é? Você conhece, você já me entrevistou umas cinquenta vezes, o Roberto também, o Rodolfo também me conhece muito bem. Eu sempre disse a mesma coisa, eu nunca acreditei nesse plano de privatização. Eu sempre achei que nós devíamos procurar, por exemplo, capitalizar as boas empresas estatais. Há boas empresas estatais. Não adianta você dizer que a Volta Redonda é uma péssima empresa, não é. Volta Redonda é uma excelente empresa, mas realmente se criou um clima de trabalho entre capital [...] impossível de você administrar. Não obstante isso, em siderurgia, petróleo, petroquímica e hidroeletricidade são setores excelentes em qualquer parte do mundo. São empresas enormes. Se amanhã... e você conhece, você criticou muito o governo autoritário, você escreveu inclusive livros a respeito, você sabe que esse endividamento foi imposto às empresas estatais, e hoje elas estão mal porque realmente elas têm um endividamento excessivo em relação àquilo que elas estão produzindo. Houve muito desvio de recursos, da própria Previdência para a Itaipu e outras coisas mais, que você conhece melhor do que eu. Agora, o que acontece? Essas empresas, se amanhã você colocar o melhor administrador do mundo dentro dessas empresas, ele não vai resolver o problema. Porque o grau de endividamento é de tal ordem que ele não pode resolver. Agora, se amanhã você capitalizasse, e nesse negócio os CPs [Certificados de Privatização], por exemplo, eu sempre defendi, acho que esse negócio do CP... a idéia é boa, mas você não pode fazer uma cesta comum. Amanhã você vai requerer, e o Roberto sabe, na época dura nós criticávamos muito a alta de juros, tudo mais, era uma briga grande. Uma vez eu até disse que, na Revolução Francesa, nós tínhamos três partidos, que eram o clero, a nobreza abastada e preguiçosa e o resto do povo... E no Brasil, nós só tínhamos banqueiros e o resto. E foi uma briga dos diabos aqui, mesmo porque os banqueiros ficaram bravos comigo. Mas não obstante isso, eu acho que é uma grande injustiça você amanhã recolher 18% ou 20% do patrimônio líquido na área financeira para depois você ser acionista do bondinho do Pão de Açúcar ou da ponte Rio-Niterói. Isso não tem cabimento. Então, é preciso fazer um programa seletivo, dizer: muito bem, amanhã nós queremos capitalizar as empresas que são boas nesse setor e que não representam vergonha nenhuma para o Brasil. Afinal de contas, a Itália tem uma empresa siderúrgica estatal que funciona razoavelmente bem, a Alemanha teve no passado, a Inglaterra teve no passado. Muito bem, mas para uma fase inicial você podia pelo menos tentar capitalizar as boas e fechar as más. Aí tem que fechar mesmo, porque tem empresa que está aí há vinte anos e você não sabe nem por que ela está aí. Agora, se amanhã você tivesse um CP dirigido, um Certificado de Privatização dirigido, eu tenho a impressão que seria melhor. Agora, da maneira que está sendo colocado, o meu temor, Tamer, é que amanhã seja mais um selinho pedágio, viu? Isso vai ser desmoralizado com um selinho pedágio.

Astrid Fontanelle: Doutor Antonio, o senhor já esteve trocando informações com a equipe econômica do governo? Ou mesmo com o presidente?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, eu mal conheço, eu não conheço ninguém da equipe, eu só conheço a ministra Zélia...

[...]: Qual é a sua avaliação da equipe econômica?

Alberto Tamer: Que nota o senhor daria, entre um e cinco, para a equipe econômica do governo?

Antonio Ermírio de Moraes: É muito difícil você dar nota, eu não os conheço, Tamer, eu não quero fazer injustiça.

Alberto Tamer: Mas o senhor está vendo os atos deles.

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que está faltando, naturalmente, um pouco mais de reflexão... Agora, eu estou sentado aqui numa cadeira falando com você, não é? Se eu estivesse no governo, em Brasília, talvez a atitude fosse diferente, porque uma coisa é falar, outra coisa é você poder naturalmente...

Alberto Tamer: O senhor não acha que eles estão falando demais e fazendo de menos?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que há um pouco de sensacionalismo em torno disso, você entendeu? É minha opinião pessoal. Você veja o seguinte: no nosso caso, você falou por exemplo em excesso de proteção. No caso da metalurgia, para níquel, para zinco, para alumínio, a proteção era 10%, para o cimento era 10% também. Então, 10% não é uma proteção exagerada. Quando, não obstante isso, fizeram aquela campanha toda, quer dizer, uma campanha quase desmoralizante, por quê? Eu não sei por quê. Eu não fiz nada contra este atual governo. Eu falo aquilo que eu sinto e vou continuar falando, ninguém me impede. Não há uma única medida provisória que me impeça de refletir, de meditar e de pensar. Eu vou continuar...

[...]: Por enquanto [não tem]...

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, não, o dia em que estiverem me impedindo eu vou embora deste país, porque eu vou ficar aqui com a boca calada servindo de patota para ser...

Alberto Tamer: [interrompendo] O senhor tem medo de que venha uma medida provisória desse tipo, diante do estilo do governo que está aí?

Antonio Ermírio de Moraes: Só falta essa, porque o resto já veio de tudo, não é?

Carlos Tramontina: O senhor acha que o dinheiro bloqueado vai voltar corrigido no prazo de 18 meses após a edição do plano ou ele virou pó?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, eu tenho a impressão...[risos]

Carlos Tramontina: O senhor conta com ele?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu disse uma vez no programa do Jô Soares – o Jô Soares até tomou um copo de água –, eu disse: “Olha, Jô, você não conte mais com esse dinheiro não, porque isso não vai ser devolvido nunca.”

Astrid Fontenelle: O senhor tem muito dinheiro bloqueado...

Antonio Ermírio de Moraes: E daí?

Astrid Fontenelle: Evidente. E o senhor não está trabalhando com esse dinheiro?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, não posso trabalhar com esse dinheiro.

Astrid Fontenelle: Está a fundo perdido?

Antonio Ermírio de Moraes: Por enquanto, está a [fundo perdido], o que vier é lucro.

Carlos Tramontina: O senhor ainda tem a esperança de, pelo menos, receber uma parte?

Antonio Ermírio de Moraes: Olha, a verdade é a seguinte: que o governo, corrigindo pelo BTN [Bônus do Tesouro Nacional], automaticamente, no fim de 18 meses você vai receber 40% do valor original. Se você pegar o que bloquearam no dia 13 de março e dividir pelo valor do dólar, que era Cr$ 38,50 naquela ocasião, no final de 18 meses você vai dividir pelo valor, você vai receber em dólar talvez o equivalente a uns 40%, 35%, por aí.

Carlos Tramontina: O senhor tem esperança de receber pelo menos esses 40%?

Antonio Ermírio de Moraes: Talvez eu receba. Se não receber, eu não vou fugir do país.

Astrid Fontenelle: Agora, nem com esse o senhor está trabalhando? Não está no balanço, não está em lugar nenhum?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, não posso trabalhar com esse, não posso trabalhar em cima dele.

Roberto Jungmann: O senhor está trabalhando também com a possibilidade de não vir a contar com esse dinheiro?

Antonio Ermírio de Moraes: É verdade. Aí, o que acontece? Você tem que reduzir brutalmente a sua atividade industrial. Claro que você tem que reduzir, e nós já fizemos mais ou menos [isso], nós demos uma brecada. Nós estávamos com o carro correndo a 100 km/h, estamos correndo, no máximo, a 60 km/h no momento.

Alberto Tamer: Quer dizer, resumindo o seu pensamento, o senhor não confia neste governo?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, não é que não confio neste governo, você confiaria? Você voltaria a abrir uma nova caderneta de poupança, Tamer?

Alberto Tamer: Jamais.

Antonio Ermírio de Moraes: Então, a mesma coisa é conosco. Agora, o que nós fazemos? Tudo o que se ganha, nós estamos colocando o mais depressa possível na empresa.

Alberto Tamer: O entrevistado é o senhor: o senhor não confia neste governo ou o senhor confia neste governo?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, eu acho que nós temos que confiar de uma maneira diferente. Confiar, mas não nos ativos financeiros. Você tem que pegar tudo aquilo que você recebe, tudo aquilo que você ganha e imediatamente – coisa que a Votorantim sempre fez – reinvestir maciçamente, não é? Mais do que nunca agora.

Roberto Müller Filho : Doutor Ermírio, a propósito, o senhor acha que – eu me lembro de tantas vezes que o senhor fez essa observação –, o senhor acha que, do jeito que estava, podia continuar? [Inflação de] 1,7% ao dia no over. Quem é que aplicava...?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, não podia. Aí que eu estou dizendo: você pode criticar, mas é preciso botar uma coisa acima de tudo: nós, como brasileiros, que procuramos trabalhar em benefício da nação, nós temos que torcer para dar certo, não é? Vaza água, eu também já estou molhado, já tomei uns banhos de chuveiro aqui e tudo mais, mas, meu filho, e se a coisa continuasse com aquele negócio de 80% de inflação ao mês? Afinal de contas, a inflação caiu de 80% para 10%, ela caiu 700%, não é? Essa é a verdade dos fatos. Agora nós, brasileiros, nós não nos satisfazemos com pouco, nós queremos que a inflação viesse para zero, mas não dá. Talvez o governo tenha cometido esse erro, não é? Isso foi um erro, quer dizer, excesso de otimismo. Mas isso nós já vimos: o Sarney [José Sarney], no Plano Cruzado, o Sarney falou “Ah, a inflação acabou, vamos partir para o próximo etc”...

Eleonora de Lucena: O senhor acha que o plano está dando mais certo ou mais errado?

Antonio Ermírio de Moraes: De todos os planos, o que deu mais certo ainda foi o Cruzado, foi o que mais resistiu. Nós passamos de 1º de março até outubro, praticamente, com a inflação retida.

Roberto Müller Filho: Mas ali era tudo na base do congelamento...

Antonio Ermírio de Moraes: Pois é, mas de qualquer maneira havia um incentivo, havia um entusiasmo, agora eu tenho a impressão de que o brasileiro está mais escaldado, não é verdade? Eu tenho a impressão que a turma já está olhando com um certo...

Eleonora de Lucena: O senhor acha que o Plano Collor fracassou?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, por enquanto eu não digo que tenha fracassado, mas vai enfrentar dificuldades, não é? Nós estamos num vôo cego sem instrumentos, não é?

Junia Nogueira de Sá: O restante do empresariado estaria pensando da mesma maneira que o senhor? Estaria confiando neste plano, desconfiando dele?

Antonio Ermírio de Moraes: Não sei, porque uma das coisas com que eu tenho muito pouco contato é com o empresariado brasileiro, viu? Não dá tempo.

Roberto Jungmann: O senhor acha que o seu pensamento não reflete o pensamento de todo o empresariado?

Antonio Ermírio de Moraes: Não tenho a menor esperança que isso possa refletir, honestamente... nem estou preocupado com isso.

Junia Nogueira de Sá: Agora, digamos que o senhor fosse chamado hoje a Brasília...

Antonio Ermírio de Moraes: Eu não estou preocupado com isso. Eu acho que todo mundo tem o direito de pensar com sua própria cabeça. Ninguém vai fazer a cabeça de ninguém. Eu não procuro fazer a cabeça de ninguém, nem quero, não estou preocupado com isso, não. Eu penso, procuro refletir, meditar e penso...

Roberto Jungmann: O senhor imagina que seja assim, [mas] não sabe?

Antonio Ermírio de Moraes: Sinceramente, se eu disser que eu sei, estou mentindo para o senhor, quer dizer, eu não queria dizer isso...

Paulo D'Arezzo: O senhor conversa com alguém? O senhor não conversa com o governo, não conversa com os empresários. Qual é a sua fonte de análise?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que é muita meditação. Eu procuro não ser papagaio. Uma das coisas que eu sempre critiquei nas associações de classe é aquele negócio que o sujeito passa... [como] no governo autoritário: baixava um decreto, no dia seguinte, às sete horas da manhã, o Planalto recebia cinquenta telegramas, todas as associações de classe cumprimentando pela excelência do negócio. Eu dizia: vocês são é loucos, não é? Vocês não analisaram nada, já estão passando telegrama, por que isso? Mas era o cartório, não é? “Eu quero ser recebido no Palácio do Planalto com tapete vermelho...” Eu nunca liguei para isso, não estou preocupado.

Roberto Müller Filho: Dentro da empresa, as pessoas...

Antonio Ermírio de Moraes: Agora, isso precisa, você tem que refletir, você tem que pensar se você chama a sua equipe. Isso é importantíssimo, essa conversa sincera com a equipe é muito mais importante do que conversa, às vezes, com gente que não está interessada na sua empresa de jeito algum.

Roberto Müller Filho: Doutor, o senhor não conversou com o atual governo, como o senhor disse, com a atual equipe econômica... eu imagino que seja útil esclarecer isso, porque o senhor não quer conversar, porque o senhor não foi convidado para conversar? E se for convidado, o senhor conversa com esse governo ou não conversa?

Antonio Ermírio de Moraes: Claro. Em primeiro lugar, eu não sou oferecido, eu conheço o meu lugar, mas se não for chamado eu não vou mesmo, não é? Pelo contrário, eu uma vez já disse e repito, quanto mais longe de Brasília, melhor. Agora, se for chamado, se eles quiserem escutar aquilo que eu estou pensando... Agora, o que eu acho que está errado, note bem, às vezes eu penso que o governo tem medo de chamar a gente, pensando que se eu falar alguma coisa, ele tem que executar. Não, isso é um grande erro, ele não tem que executar coisa nenhuma que eu falo. Agora, ele vai escutar cinquenta homens que eles considerem responsáveis, depois tiram uma resultante. Mas o que é ruim, é não escutar ninguém e tirar uma resultante da própria cabeça, que nem sempre ela está certa, não é?

Roberto Jungmann: Não é muito esquisito o fato de que o governo nunca tenha procurado o maior empresário, o representante do maior grupo privado nacional para esse diálogo, para essa troca de informações?

Antonio Ermírio de Moraes: Precisa ver se eles pensam dessa maneira, não é?

Roberto Jungmann: Mas é estranho, aos olhos das pessoas, que isso tenha acontecido, não é?

Antonio Ermírio de Moraes: Não fico preocupado com isso. Sinceramente, até dou...

Alberto Tamer: A sua conclusão é que esse, então, é um governo muito fechado em si mesmo, muito auto-suficiente? Não ouve ninguém, não quer saber nada...

Antonio Ermírio de Moraes: Muito fechado, auto-suficiente, quer dizer, ele é autônomo, ele sabe o que está fazendo, ele não precisa saber de nada, ele conhece tudo. Então, isso eu acho que é muito perigoso, sob esse aspecto, porque quanto mais eu vivo, mais eu chego à conclusão de que eu não sei nada! Quanto mais eu vivo, quanto mais eu trabalho, mais eu chego à conclusão de que a gente tem que ter uma humildade enorme! Porque a vida é uma seqüência de erros, em que os homens inteligentes procuram errar uma vez só. E aqueles que são presunçosos erram estupidamente, pensando que estão fazendo um bem para o país. Eu fico na minha posição, não estou preocupado com isso, não. Se quiserem saber alguma coisa, eu respondo com toda franqueza, se não quiserem, fica por isso mesmo.

Rodolfo Konder: Doutor Ermírio, temos aqui mais umas perguntas dos telespectadores. O Amilton Rolim, de Piracicaba, pergunta o que o senhor acha da política tributária do governo.

Antonio Ermírio de Moraes: Bom, ela é extremamente pesada. Foi muito boa essa pergunta, Rodolfo. Para você ter uma idéia, para quem paga imposto neste país, eu vou dar um número da Votorantim para vocês. Sobre o faturamento, meu caro Tamer, nós pagamos 25% de imposto. De cada 100 cruzados, 25 cruzados são de impostos, o que é violento... sobre o faturamento, e sobre o lucro o governo leva 50%, que é o maior acionista, não é? Agora, sobre o faturamento, se amanhã você fatura três bilhões de dólares, 25%, 750 milhões de dólares, são o imposto que o governo leva. Agora, nós temos muita honra de dizer que pagamos e esperamos que o governo... E isso, Rodolfo, foi muito bom você ter chamado a atenção pelo seguinte: há um discurso de governo que eu não aceito em hipótese alguma. Porque hoje o governo taxa o meio empresarial como sendo o grande responsável pela má distribuição de renda. Discordo frontalmente. Pela má distribuição de renda, o maior culpado é o governo, que realmente não sabe para onde é que vão os recursos que ele arrecada. Então, você veja o seguinte: o Sarney passou cinco anos falando “Só pelo social, tudo pelo social”. Então, a verdade é a seguinte: nós passamos o Iapas [Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social] de 10% para 20%; o PIS hoje é 0,65% sobre o faturamento; o Fimsocial está 1,2% sobre o faturamento; criaram agora 10% de contribuição sobre o social. E nunca o social foi tão mal servido como agora. Nunca se fez tão pouco pelo social e nunca se falou tanto no social. O que é isso? É exatamente desvio de verba depois de ela arrecadada. Agora, aonde é que essa verba vai honestamente não cabe a mim [responder], isso é função do governo. O governo tem que realmente se esmerar para saber aonde é que vai esse dinheiro recolhido. A Votorantim paga, por ano, 750 milhões de dólares de imposto. Nós cumprimos a nossa parcela. Agora, é pesadíssima a carga de impostos no Brasil, para quem os paga. [Charge de Caruso: de costas, Antonio Ermírio diz: “Eu sou um pobrezinho, não tenho nem costa quente...”]

Junia Nogueira de Sá: Eu tenho a impressão de que o telespectador em casa deve ter ficado com a mesma curiosidade que eu. O que o senhor diria para o presidente Fernando Collor de Mello se fosse convocado a Brasília para dar um conselho?

Antonio Ermírio de Moraes: [Diria:] Escute mais, escute mais. Não precisa resolver, você não precisa fazer aquilo que eu estou dizendo para você, não. Agora, você escute trinta, quarenta, cinquenta pessoas e tire uma resultante, essa resultante vai ser positiva. [...] através de rapazes bem intencionados, porque esses rapazes que estão lá são homens que foram brilhantes escolares, gente que passou muito bem na escola e bons alunos etc. Mas eu acho que falta alguma coisa que se chama universidade de vida, viu?

Junia Nogueira de Sá: Experiência?

Antonio Ermírio de Moraes: Experiência.

Junia Nogueira de Sá: Cabelo branco?

Antonio Ermírio de Moraes: Cabelo branco.

Junia Nogueira de Sá: Do ponto de vista prático, o que o senhor diria para ele? Precisa consertar essa roda.

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que precisa consertar a roda. E digo mais, precisamos iniciar um programa já, imediato, para evitar uma recessão mais profunda. E essa recessão, que naturalmente trará um desemprego maior, como o governo não pode empregar, a multinacional não emprega, a privada nacional está perseguindo, naturalmente, a produtividade, nós vamos ter 1,2 milhão de brasileiros que vão ficar sem emprego todos os anos. Até agora, o governo os acomodou, agora não pode acomodar mais. Então, a crise social nesses próximos dez anos virá de uma maneira astronômica, vai ser elevada a “n” mais um. Se ele não criar um programa: muito bem, o Brasil exporta 10% em relação ao seu PIB, vamos fazer um programa igual ao resto do mundo. O mundo inteiro exporta 20% do PIB. Por que amanhã você não faz um programa para exportar 60 bilhões de dólares baseado em agricultura, onde, naturalmente, você consegue relocar os homens dos grandes centros urbanos para o interior, dar a eles uma infra-estrutura, dar uma proteção para criar essa infra-estrutura? Produzir mais alimentos não faz mal para ninguém, mesmo que você tenha que exportar a preço mais barato. E é uma maneira de você ter imediatamente um resultado. Porque se nós ficarmos parados na agricultura, e a agricultura está indo para trás, nós estamos parados na indústria, estamos parados na área estatal, o país está liquidado. É uma coisa sem saída. Nós temos que esperar pelo pior.

Roberto Müller Filho: Doutor, a propósito, recentemente o Peter Drucker, com a autoridade que conseguiu durante anos lecionando na Universidade de Harvard, fez um curioso artigo no Wall Street Journal, e a Gazeta Mercantil ficou de reproduzir, teve autorização de reproduzir, em que ele responsabilizava historicamente o governo dos Estados Unidos por ter feito uma política que deprimiu os preços das matérias-primas dos países latino-americanos, levou-os a esse endividamento cavalar. E ele concluía dizendo que este tinha sido um grande erro de estratégica dos americanos porque, na verdade, os beneficiários da matéria-prima, a preços deprimidos, foram os japoneses e não os norte-americanos. E ele propunha uma revisão nessa estratégia, dessa maneira de ver a aliança dos Estados Unidos com a América Latina. Eu queria saber o que o senhor acha desse ponto de vista e...

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que é um ponto de vista inteiramente...

Rodolfo Konder: [interrompendo] Doutor Ermírio, também o telespectador Cláudio Ramos, de Ribeirão Pires, nessa linha, pergunta: “O que o senhor acha do acordo entre Brasil e Argentina e da proposta do presidente Bush desse mercado comum das Américas?”

Antonio Ermírio de Moraes: Bom, isso talvez seja o lado positivo, Tamer, que você perguntou. Talvez do lado econômico, porque afinal de contas surge uma esperança para que as Américas possam estar unidas. Porque, você veja o seguinte, nós temos o bloco europeu: a Europa, a partir de 92, será um continente só, um bloco europeu com um PIB médio de 12 mil dólares per capita, não é? Nós temos o bloco americano, Estados Unidos e Canadá, e possivelmente ainda o México, não é? Eu dizia o seguinte: meu Deus do céu... Por outro lado, nós temos o bloco oriental, dos tigres asiáticos, todos unidos. Então, nós da América Latina vamos ficar com quê? Com o pires estendido na mão, no Viaduto do Chá, esperando o sujeito receber esmola? Agora, dentro dessa tese, Roberto, [...] no começo do programa eu disse a vocês: eu considero um país subdesenvolvido um país como o Brasil, que durante quarenta anos fica exportando minério de ferro com o mesmo preço e comprando produtos sofisticados com um preço que se paga por quilo, e não por tonelada, não é? É verdade. Agora, lamentavelmente, dentro dos Estados Unidos da América do Norte, essa tese vai ser difícil de você convencer que tem que se fazer isso. Porque, realmente, só o Japão se liberou, o Japão não tem uma única matéria-prima, a matéria-prima do Japão é a inteligência. Ele realmente fez uma revolução educacional. É o que falta no Brasil. É valorizar o cérebro humano, não é? O brasileiro não presta atenção nisso. Ninguém investe em cérebro. Cérebro não dá voto. Pelo contrário, o sujeito quer manter o voto de cabresto, deixar o sujeito analfabeto a vida inteira e jogar nele a mesma conversa fiada a cada quatro anos para se reeleger. Agora, o sujeito que tem cabeça, que sabe opinar, que vai dar seu palpite, não interessa à grande maioria dos políticos brasileiros. Isso é que está errado. O Japão não tem uma única matéria-prima. Não tem carvão, não tem minério de ferro, não tem minério de bauxita, não tem coisa nenhuma. No entanto, o Japão é o maior país do mundo hoje. Dos vinte maiores bancos do mundo, 60%, 12 são japoneses, porque ele valorizou o cérebro humano. E isso em quarenta anos.

Roberto Müller Filho: E [...] matéria-prima barata, dos brasileiros, dos argentinos...

Antonio Ermírio de Moraes: Mas é claro. Mas você não pode culpá-los por isso. Eu culpo a nós brasileiros pela falta de capacidade no sentido de negociar bem. Nós realmente negociamos mal. Se você pegar agentes de importantes empresas estatais do Brasil, todo mundo já foi para o Japão. Até contínuo, com todo respeito, sujeito que serve café lá, já arranjou um biquinho e já foi para o Japão. Eu nunca estive no Japão, eu não preciso ir lá para conhecer um pouco [...]. Agora, sinceramente, nós precisamos saber negociar bem, quer dizer, nós precisamos valorizar as nossas matérias-primas e poder ceder em certos setores e impor em outros, para que nós tenhamos uma resultante razoável para a nação brasileira, e não dar tudo de presente. O Brasil é oito ou oitenta, ou dá tudo ou...

Eleonora de Lucena: O senhor enxerga, pelo que já se viu deste governo, uma saída para esse atoleiro em que ficou o país nesses últimos anos? Nessas suas reflexões, o que o senhor imagina que vai acontecer neste ano e nos próximos? O Brasil vai entrar na sua maior recessão da história? Não vai entrar, vai sair dessa recessão melhor, pior? Qual o caminho? O senhor está vendo alguma luz no final do túnel?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu espero que nós possamos sair [do risco] de uma recessão. Porque a recessão, se vier agora, ela vai ser a pior de todos os tempos. Porque veja o seguinte: eu repito mais uma vez: ninguém mais tem condições de dar emprego neste país. A não ser que eles mandem uma medida para o Congresso Nacional: nasceu homem, faz vasectomia no sujeito, porque não tem o que fazer. Realmente, a situação é muito séria, é seríssima. Eu estou chamando a atenção para esse ponto porque eu estou preocupado com esse ponto. O brasileiro, no passado, arranjou, através dos seus departamentos de governo tudo mais, emprego. Agora ninguém dá mais. O governo está saturado, não pode dar mais emprego, a multinacional não quer dar e a privada nacional não pode dar. Então, alguém vai ter que dar [...]. A única maneira que eu vejo é dar realmente uma estrutura firme para a agricultura, desenvolver o transporte ferroviário no Brasil, [com] trilha nacional, dormente nacional, pedra britada nacional, vagão se faz no Brasil, edificação é toda nacional. Meu Deus do céu, nós não precisamos de trem andando a 200 km/h para transportar minério, matéria-prima e grãos.

Alberto Tamer: Mas de onde vem o dinheiro para isso? O governo acabou de cortar 40 bilhões de dólares em investimentos, no seu ajuste fiscal; os senhores estão sem dinheiro para investir; já estamos em plena recessão. De onde vem o dinheiro, senão de capital estrangeiro?

Antonio Ermírio de Moraes: Mas que venha, quer dizer, você tem que fazer então o seguinte: o grande déficit público... é o meu receio – você vê as declarações do governo: “Já eliminamos o déficit público”...

Eleonora de Lucena: O senhor acredita nisso?

Antonio Ermírio de Moraes: Sabe qual é o meu raciocínio? A senhora me perdoe, eu não quero cometer injustiça, mas eu estou achando que aí é um raciocínio de caixa. Agora, com quatro ou cinco bilhões de dólares que vão entrar através dos CPs, o governo elimina temporariamente o déficit público, mas resolver o problema?, de jeito nenhum. Assim que acabar de receber esses cinco bilhões de dólares através dos CPs o déficit público voltará, porque o grande déficit público é o prejuízo das estatais que estão sendo mal administradas, [e] por [causa de] um excessivo empréstimo que foi feito no passado. Não se culpe a atual direção, não. O empréstimo foi feito no passado de uma maneira leviana. E hoje não há cristão que consiga pagar. [Charge de Caruso: Antonio Ermírio diz: “Falta cérebro no PIB!”]

Roberto Müller Filho: O programa de privatização das empresas estatais não pode, a curto e médio prazo, atenuar, pelo menos...?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu achava, eu venho dizendo desde o tempo em que o Roberto Gusmão era ministro de Indústria e Comércio [entre 1985-1986], eu dizia para ele: “Você capitalize as boas, Roberto, você ofereça ações preferenciais...”. Porque, se você pegar, por exemplo, dois setores: siderurgia e hidroeletricidade, a Eletrobrás tem cinquenta milhões de quilowatts instalados hoje no Brasil a um dólar médio de quatrocentos dólares por quilowatts instalado. Hoje você não instala por menos de mil. Se eu multiplicar no mínimo 2,5 vezes... A mesma coisa com siderurgia: você não faz uma tonelada de aço por menos de mil dólares hoje, em uma usina integrada, tipo a de Volta Redonda, Usiminas ou Cosipa, você não faz por menos de mil dólares. E ela foi feita há menos de quinhentos... Então, se você fizer uma reavaliação do ativo, e sobre a reavaliação do ativo você lançar ações preferenciais – são ações que não têm direito a voto, apenas são ações de viúva, você paga dividendo [...] – ninguém vai dizer que o comando vai fugir, não é?

Eleonora de Lucena: A Votorantim se interessaria no processo de privatização?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu estou defendendo essa idéia há dez anos, mas até agora se fala, se fala e não se faz nada.

Roberto Müller Filho: É importante, em sua opinião, que o controle acionário fique com o governo?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que a primeira fase, para você não criar uma comoção nacional, você faz dessa maneira. Eu ofereceria, amanhã, muito bem, você pega uma Volta Redonda, ela deve dois bilhões de dólares, muito bem, qual é o banco credor principal? Oferece lá fora e aqui dentro, quem quiser comprar ações preferenciais que compre, e com isso ela fica livre da dívida. Automaticamente, ela começa a dar lucro, dentro dos atuais preexistentes do momento.

Roberto Müller Filho: Quer dizer que, operacionalmente, elas são rentáveis?

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, não tenho a menor dúvida sobre isso. O que realmente mata a siderurgia, a hidroeletricidade, petróleo e petroquímica é o endividamento.

Eleonora de Lucena: E que empresas seriam interessantes? De quais empresas, por exemplo, o senhor se interessaria em ter ações?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu não me interessaria, mas o Brasil poderia... Vamos admitir: petróleo, no campo de petroquímica... não digo a Petrobras, porque sobre a Petrobras o Tamer sabe melhor do que eu, e se eu mexer nisso aqui, é um vespeiro [...]. Mas para não entrar em celeuma, você pega toda a parte de petroquímica, pega a parte de siderurgia, que a Siderbrás é um colosso, que são empresas gigantescas no Brasil inteiro, são empresas que, amanhã, sem dívida [...], passarão a dar um resultado imediato; e pega a hidroeletricidade, que são cinquenta milhões de quilowatts. Esse três setores, siderurgia, hidroeletricidade e petróleo, devem controlar pelo menos 60% da economia nacional. Se estiverem estabilizados sem aumento de preços, capitalizados, automaticamente eles podem viver nos preços atuais sem precisar de reajuste mensais.

Eleonora de Lucena: Seria um bom negócio.

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que sim. Não tenho a menor dúvida de que seria um bom negócio.

Roberto Müller Filho : E a informática, doutor Antônio, o senhor acha que a proteção que havia e ainda há, anunciada pelo governo que vai reduzir, o senhor acha que a indústria de informática brasileira precisa da proteção?

Antonio Ermírio de Moraes: Veja o seguinte, eu faço uma generalização do momento: uma certa proteção para você nascer, tudo bem, mas eu acho que excesso de proteção é prejudicial. Há 12 anos, eu até falei para o senador Roberto Campos... ele vive usando esta frase: “O que nós devemos ter é reserva de competência, não [reserva] de mercado”. Quando você tem excesso de proteção, a tendência é você se acomodar e não fazer mais nada. Você não progride, porque você não precisa. Você precisa ser agredido para progredir, você precisa sentir o peso da concorrência, você precisa sentir o peso da competitividade para fazer um trabalho melhor.

Rodolfo Konder: A Votorantim está informatizada?

Antonio Ermírio de Moraes: Tanto quanto possível. Nós estamos progredindo bastante em informatização. É uma necessidade agora. O perigo da informatização, também, é o excesso de informações que você recebe, não é? Uma das coisas que mais me dão dor de cabeça hoje é o número de boletins que eu recebo informatizados, sem assinatura e dizendo barbaridades terríveis. Eu mando tudo de volta.

Roberto Jungmann: Doutor Ermírio, o senhor disse aqui que o senhor não teme que outros setores venham para cá, como no caso do cimento. Mas há alguns construtores imobiliários afirmam que temem importar cimento, imaginando represálias da Votorantim mais tarde, imaginando que, com o próprio produto interno, vai ter que depender do senhor e tal.

Antonio Ermírio de Moraes: Até vou dizer uma coisa para o senhor neste programa. Vou arriscar um palpite. Esse homem que está pensando dessa maneira deve estar pensando que nós estamos em Chicago na época da proibição [da bebida alcoólica, com a Lei Seca, entre 1920-1933], não é? Isso é coisa de gângster, não é? Pelo contrário, se ele amanhã tiver competência de importar, competir corretamente com a indústria nacional, eu acho que [...].

Paulo D'Arezzo: Qual é o preço do cimento no exterior e aqui?

Antonio Ermírio de Moraes: Ele é um pouco mais caro do que o nacional, tanto é que até hoje ninguém importou um saco sequer.

Carlos Tramontina: Doutor Antônio, quem é que ganha dinheiro com o cimento? Porque o senhor vai a qualquer lugar, conversa com qualquer pessoa que esteja construindo no Brasil, ela começa a reclamar dos preços, e a primeira coisa que vai ser [...] ela diz assim: “Ah, mas o cimento subiu tanto”. Você vai falar com o atacadista, aquele que vende material de construção em todos bairros, em todas cidades [ele diz]: “Ah, mas o cimento subiu tanto”. No fim, todo mundo fala que é o cimento. O senhor fala que ninguém consegue trazer cimento de fora para cá mais barato. Quem é que ganha nisso?

Antonio Ermírio de Moraes: O cimento é uma espécie de bode expiatório, não é? Vamos raciocinar bem, eu vou dar [dados] a vocês, vai ficar registrado: você pega uma construção normal, quer dizer, uma construção para a classe operária, que é muito importante, não adianta você fazer palacete, [vamos supor a] classe operária. Qualquer casa que você faça, você gasta no máximo 0,20 metros cúbicos de concreto por metro quadrado de área construída. Então, você vê: com 0,20 metros cúbicos, você gasta seis sacos por metro cúbico, então você gasta 1,2 saco de cimento em um metro cúbico de concreto por metro quadrado. Então, arredonde para 1,5 saco, [...] dá 450 cruzados o que você gasta por metro quadrado numa casa. O que isso representa? No máximo, 5% do preço da casa.

Carlos Tramontina: O senhor acha que a indústria de cimento é perseguida?

Paulo D'Arezzo: É desculpa de empreiteiro?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, eu acho que aí o sistema nacional, honestamente, o que eu conheço é o seguinte: sempre se deu muita cobertura... o custo do financiamento no Brasil hoje é muito caro. Muita gente não tem dinheiro, não tem, e lança prédio sem nenhum centavo, toma tudo emprestado. Depois, joga o negócio em cimento, em ferro etc. Mas analise bem; eu garanto para você: em casa popular, cimento representa, no máximo, 5% do preço da obra da casa, não mais que isso.

Eleonora de Lucena: O senhor falou há pouco que a concorrência é positiva, que isso acaba gerando mais produtividade. Mas em vários setores em que o senhor atua, que as suas empresas atuam, muitos falam que a concorrência não é tão intensa, há poucas empresas... o cimento, por exemplo, são poucas empresas...

Antonio Ermírio de Moraes: Nossa Senhora, o cimento...

Eleonora de Lucena: O senhor acha que a falta de concorrência em algumas áreas em que senhor atua prejudica o desenvolvimento da...

Antonio Ermírio de Moraes: São 12 produtores diferentes de cimento aqui no Brasil, 12 grupos diferentes produzindo cimento. No caso do alumínio, nós estamos em concorrência com a maior produtora, quer dizer, a maior firma estatal de mineração do mundo, que é a Vale do Rio Doce, com o maior produtor de alumínio do mundo, que é a Alcoa [dos Estados Unidos], e com o segundo maior produtor do mundo, que é a Alcan [do Canadá]. Mais do que isso é impossível. No caso, vocês vão dizer: “Ah, mas vocês são os únicos que produzem níquel eletrolítico”. Meu filho, o Brasil tem a terceira maior reserva de níquel oxidado do mundo. Pode produzir à vontade. Nós não vamos impedir ninguém, só que ninguém quer, porque dizem que é mau negócio. Agora, eu não posso chegar lá e dizer... você vai produzir níquel se você quiser, isso é problema seu. [Charge de Caruso: Rodolfo Konder, que estava um pouco gripado, aparece com termômetro na boca, saco de borracha com água na cabeça e nariz vermelho. Ele diz: “Dr. Ermírio, felizmente o nosso tempo acabou...”]

Eleonora de Lucena: A falta de concorrência não prejudica...?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, de jeito nenhum.

Rodolfo Konder: Doutor Ermírio, e no caso dos automóveis? O senhor acha que as importações vão ajudar a melhorar a qualidade dos carros brasileiros?

Antonio Ermírio de Moraes: Olha, sinceramente, nisso eu discordo muito do presidente Collor. Eu acho que ele prestou sem querer, evidentemente, um serviço à indústria nacional dizendo que o carro nacional é uma carroça. Se é uma carroça, eu quero dizer que eu estou muito satisfeito com o carro nacional. Eu não pretendo jamais importar um carro, porque eu não vejo a menor necessidade. Pelo contrário, eu acho que o carro nacional, para o poder de aquisição do brasileiro, é bom até demais. Não concordo em ser carroça. Agora, as não carroças que tem lá fora, na Europa e nos Estados Unidos, são carros que custam 200, 300 mil dólares, não é? Agora, você vai atrás disso para o Brasil? Isso é até ridículo, o Brasil pensar em produzir um automóvel exclusivamente para a classe privilegiada, eu acho isso ridículo. Eu ando perfeitamente bem com o carro nacional, estou muito satisfeito, não pretendo jamais importar um carro.

Roberto Jungmann: O preço do automóvel aqui é muito mais caro. Um automóvel médio, hoje, brasileiro, você compraria com o mesmo dinheiro que você empregaria na compra de um carro desses, você compraria um carro de muito melhor qualidade em outro país.

Antonio Ermírio de Moraes: De acordo. Agora, a primeira coisa que o governo precisa fazer é acabar com a sociedade que ele tem com a indústria automobilística, não é? [Porque] 50% do preço do automóvel é do governo, é imposto, IPI, ICMS, Imposto de Renda, tudo. Um sobre o outro dá 52%. É uma coisa de louco. Se o governo baixar o interesse dele na indústria automobilística, o preço do automóvel cai para metade.

Roberto Jungmann: O senhor não acredita, então, na importação como um fator de...

Antonio Ermírio de Moraes: Não acredito, não. Eu acho que a importação vai facilitar... é muito sujeito passeando por aí, em Copacabana e na Avenida Brasil, com carro de alto luxo. Isso não vai dar nada para o brasileiro.

Roberto Müller Filho: O senhor acha que cabe mais indústria automobilística no mercado brasileiro? Além das já existentes? Japonesa, alemã, francesa...

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que aí deve ser livre oferta, não é? O sujeito quer vir, que venha, desde que ele ache que possa fazer um bom negócio, fazer uma boa implantação. Desde que ele não venha aqui tomar os nossos recursos para poder implantar a indústria dele aqui, tudo bem. Problema dele, agora, sinceramente, acho que há certos componentes, como disse no começo da nossa entrevista aqui, que [deviam] baixar de 85% para 70%, acho razoável. Você faz certos componentes aqui a duras penas, e talvez de pior qualidade. Então, para você evitar gastar dinheiro nesse sentido, você importa, então, pequenos componentes que dão um carro, talvez, com um aspecto melhor no ponto de vista de eficiência, não é verdade? Agora, o brasileiro tem essa mania, por exemplo: nós criamos o Pró-Álcool [Programa Nacional do Álcool], não é? Desculpe eu falar nisso, eu nem sei o que o Tamer está pensando, mas nós começamos com o álcool anídrico, fomos para o álcool hidratado. O carro brasileiro... em 1978 nós tínhamos 85% de dependência de petróleo importado, nós conseguimos cortar isso de uma maneira brilhante. Agora o Pró-Álcool não serve mais. E todo mundo imputa no Brasil o negócio da floresta Amazônica, que é uma farsa terrível, isso é uma mentira que nós temos que engolir porque o povo brasileiro é ignorante. Mas eu quero, aqui desta tribuna, fazer a minha palavra de revolta contra isso. Desflorestamento no mundo representa, no máximo, 20% do CO² que se joga no mundo. O mundo joga seis bilhões de toneladas de carvão por ano na atmosfera, e desflorestamento é 1,2 no máximo. Agora, quem é que joga CO² na atmosfera? São os países desenvolvidos. Dos 15 trilhões de toneladas de carvão mineral que existem no mundo, dez trilhões estão entre Estados Unidos e Rússia. E você não vai dizer para o russo e para o americano que eles ficam proibidos de produzir energia térmica por carvão mineral. Agora, o sujeito vem com essa conversa dizendo que somos nós que estamos queimando a nossa florestazinha? Ninguém quer ver anarquia. Nós queremos ver um Brasil respeitado e bem-feito, organizado, sem aventureiros. Agora, não é por aí. Se você vai para o Mato Grosso, você vai ver que houve muito desflorestamento, realmente, mas [as árvores] foram substituídas por plantio de soja, de milho, feijão, de algodão, uma beleza. Você vai à região de Nobres, por ali, você vai à Alta Floresta. Sai daqui e vai ver o que se fez nesse Brasil por aí afora. Agora, então, o mundo queima, nos países de origem, o seu carvão mineral e ficam imputando a nós a responsabilidade de ocasionar o chamado efeito estufa. Eles queimam o CFC, o cloro, o flúor e o carbono, criam um buraco negro aqui na Antártica, que tem 14.000 metros de altura... Você pensa que você vai à Antártica tomar banho de sol? Você pega câncer de pele. Agora, quem é que faz isso? São os desenvolvidos, não somos nós, porque nós não temos ar condicionado, nós não temos solvente para [...], nós temos muito pouco, naturalmente, de resina plástica. São os desenvolvidos que têm; 70% do CFC do mundo são gerados pelos desenvolvidos. Agora, aí ninguém fala nada. [Charge de Caruso: Dentro de um fusca amarelo, que expele CO², Antonio Ermírio diz: “Tô satisfeito com a minha Mercedez!”]

Roberto Müller Filho: Seria um discurso de efeito, então?

Antonio Ermírio de Moraes: Mas é claro que é discurso de efeito, e nós estamos engolindo esse negócio. E eu não aceito de jeito nenhum. Isso é uma farsa...

Roberto Müller Filho: O que está por trás disso?

Antonio Ermírio de Moraes: É o desenvolvimento das grandes nações. Agora, não venham dizer que somos nós. É preciso ter a decência de analisar que são eles que poluem, não somos nós. Nós estamos começando... Agora, se o mundo todo, o Terceiro Mundo, em desenvolvimento, começar a queimar dessa maneira, evidentemente que nós vamos chegar no ano 2000 lançando dez bilhões de toneladas de carbono por ano na atmosfera [...]. Agora, cabe a eles, países desenvolvidos, dizerem o que nós temos de fazer no sentido de evitar essa poluição.

Roberto Müller Filho: O senhor seria favorável àquela idéia de criar-se um imposto antipoluição proporcional à quantidade de poluentes que uma nação joga na atmosfera?

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, isso é impossível de se medir, não é? Isso é conversa de político, discurso político, não é?

Alberto Tamer: O senhor falou do álcool...

Antonio Ermírio de Moraes: Agora, Tamer, apenas concluindo, eu falei do álcool, você vê: o álcool etílico tem dois carbonos; cada molécula de carbono joga 3,7 moléculas de CO² no ar. Então, você tem o álcool etanol – [por causa do qual] fizeram aquela celeuma brutal – [que] tem uma molécula de carbono. Se você telefonar para o prefeito de Los Angeles e perguntar o que eles fizeram em Los Angeles para evitar a poluição... porque como Los Angeles tem uma [...] muito grande de automóveis, em 1979, há onze anos, Los Angeles começou queimar metanol, exatamente para diminuir a poluição. Porque o metanol é CH3OH, ou seja, tem um carbono só. E um carbono dá 3,7 quilos de CO². O álcool etílico são dois carbonos, então dá 3,77 multiplicado por dois. Agora, a gasolina é hexana, heptana ou octana. Tome hexana como sendo médio, são seis carbonos. Seis vezes 3,77 quanto é que dá? [Mais ou menos] vinte. Agora, nós temos tudo para baixar o teor de CO², tudo, tudo, tudo, e nós estamos jogando fora isso e vamos queimar gasolina.

Alberto Tamer: Doutor Ermírio, tudo isso é muito bonito em termos de ecologia etc, mas acontece que tudo isso custa para o país e para o consumidor de álcool – ou o consumidor direto ou ele pagando imposto –, custa praticamente duas ou três vezes o preço da outra gasolina. E o problema todo é que, no caso do álcool, não se reduziu em nada o custo de produção nesses anos todos, só se aumentou. O problema é que o álcool está a 45, 50 dólares, 60 dólares o barril e o petróleo a 20 dólares. Quem paga?

Antonio Ermírio de Moraes: Mas, Tamer, você mesmo sabe, o petróleo no Brasil você não tem. O petróleo no Brasil, 60% são tirados no mar. Quer dizer, nas condições brasileiras, é seis vezes mais caro que petróleo em terra. Agora, de qualquer maneira, é mais caro, mas eu acho que o excesso de subsídio que se deu no Pró-Álcool está errado. Agora, você abandonar uma coisa que já nos salvou? Porque você tenha certeza de que 70% da reserva de petróleo do mundo está no Oriente Médio. Essa crise fatalmente virá antes do final do século...

Roberto Jungmann: O senhor vê uma salvação para o Pró-Álcool?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que você tem que cortar os subsídios e, ao mesmo tempo, fazer uma coisa séria, porque esse negócio de você construir tudo a custa do governo, eu entro com o meu nome e o governo entra com o dinheiro, isso está errado.

Alberto Tamer: Doutor Ermírio, eu discordo do senhor em um ponto. O senhor está colocando o álcool como uma salvação para o caso de uma crise de petróleo, [mas] o senhor sabe muito bem que não. O álcool substitui só um derivado, só a gasolina...

Antonio Ermírio de Moraes: Não, isso é por incompetência nossa...

Alberto Tamer: Se houver a crise de petróleo, a crise explode no Brasil de qualquer maneira.

Antonio Ermírio de Moraes: Aí eu discordo inteiramente de você, Tamer, porque do álcool, o menos importante é realmente você substituir a gasolina. [...] Toda a gama de produtos que você tira do álcool etílico é uma coisa brutal. Agora, ninguém quer fazer porque o brasileiro não acredita em investir, ele tem medo de investir, ele não acredita nele mesmo.

Alberto Tamer: Mas ele não substitui o óleo combustível, o óleo diesel, o querosene, a nafta.

Antonio Ermírio de Moraes: Mas você faz uma série de derivados de acetileno, você tem pelo menos uns cinquenta derivados de álcool etílico.

Rodolfo Konder: Nós vamos ter que interromper essa discussão porque, infelizmente, estamos chegando ao fim.

Antonio Ermírio de Moraes: Passou tão depressa, meu caro Rodolfo.

Rodolfo Konder: Em nome da Cultura, eu queria agradecer muito a sua presença aqui. Agradecer a Bernadete, a Cristina e a Carla. Agradecer os telespectadores que nos honraram com sua preferência, as suas perguntas. Agradecer os jornalistas, ao Paulo Caruso, que registrou os melhores momentos do programa. Depois, o senhor vai ver os desenhos dele. E dizer que voltaremos amanhã às nove e meia com mais um Roda Viva, na série especial, com os candidatos ao governo do estado. Amanhã, nove e meia, o primeiro da série, com o candidato do PT, Plínio de Arruda Sampaio. Boa noite e até amanhã.

 

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