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Memória Roda Viva

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Luiz Paulo Vellozo Lucas

9/7/1990

Tão importante quanto o ministro da Fazenda da época, o diretor do Departamento da Indústria e do Comércio do governo Collor explica, nesta entrevista, as estratégias e desafios para a implantação de uma política de importações no país

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[Programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Rodolfo Konder: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva. Este programa é transmitido ao vivo pelas tevês educativas de Porto Alegre, Minas Gerais, Espírito Santo, Piauí, TV Cultura de Curitiba e TV Cultura do Pará. É ainda retransmitido para mais 15 emissoras que formam a Rede Brasil, através da TV Educativa do Rio de Janeiro. O convidado desta noite é o diretor do Departamento da Indústria e do Comércio da Secretaria Nacional de Economia, Luiz Paulo Vellozo Lucas. Para entrevistá-lo, nós convidamos os seguintes jornalistas: Fábio Paim, repórter especial do Jornal da Tarde; José Márcio Mendonça, comentarista político da TV Bandeirantes; Luiz Roberto Serrano, jornalista; Mauro Chaves, editor de O Estado de S. Paulo e comentarista político da Rádio Eldorado; Frederico Vasconcelos, editor do Painel Econômico da Folha de S. Paulo; Gustavo Camargo, editor de economia da revista Exame; Stephen Kanitz, professor da USP, e Rik Turner, correspondente da revista [britânica] The Economist. Para registrar os melhores momentos do programa, está conosco também o cartunista Paulo Caruso. Na platéia assistem também ao programa convidados da produção. Luiz Paulo Vellozo Lucas tem 33 anos, mas não vai ser crucificado hoje aqui [fazendo alusão à idade em que Jesus Cristo foi crucificado]. Ele nasceu em Vitória, no Espírito Santo, é engenheiro de produção formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com especialização em desenvolvimento econômico e economia industrial. Depois de formado, Vellozo Lucas deu aulas de economia para alunos do curso de engenharia da PUC carioca. Até março deste ano trabalhava como engenheiro e chefe do Departamento de Planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento. É conferencista e professor em curso sobre desenvolvimento brasileiro e técnicas de planejamento estratégico. Atualmente Luiz Paulo Vellozo Lucas dirige o Departamento da Indústria e Comércio da Secretaria Nacional de Economia. Sua principal tarefa neste momento é implantar a nova política de importações do governo federal.  Boa noite, doutor Luiz Paulo.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Boa noite, Rodolfo.

Rodolfo Konder: Bom, nós estamos vendo aí esse processo de integração, podemos começar a nossa conversa por aí, esse processo de integração entre Brasil e Argentina. O presidente [Fernando] Collor [de Mello, governou o país de 1990 a 1992, quando sofreu um impeachment] esteve na Argentina, e está se formando aí um mercado comum entre Brasil e Argentina. Há até críticas dos setores ligados a SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência], hoje, dizendo que nesse comércio estaria se tratando mais de biscoitos e chás do que de biotecnologia, por exemplo. De qualquer forma seria interessante vermos o que significa isso, inclusive em termos de importações, que é a sua área, e se isso é um passo importante, por exemplo, na direção da formação desse Mercado Comum das Américas, proposto recentemente pelo presidente [dos Estados Unidos] George Bush.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Bem, Rodolfo, eu queria em primeiro lugar fazer uma pequena correção aí no currículo no que diz respeito a minha tarefa no Departamento da Indústria e Comércio. A nossa preocupação hoje, nossa questão central, além da abertura comercial, é a capacitação tecnológica. A política industrial e de comércio exterior divulgada pelo governo há duas semanas atrás tem duas pernas importantes: abertura ao comércio exterior e um decidido trabalho no sentido de apoiar a capacitação tecnológica das empresas que operam no país. Agora, indo a sua pergunta, efetivamente as iniciativas de integração anteriores na América Latina e particularmente na Argentina vinham muito marcadas pela estratégica de industrialização que cada um desses países tinha, que era muito voltada para si próprio. Quer dizer, dos países que se industrializaram por substituição de importações. Então integração é sempre uma barganha: você me dá um mercadinho de dez mil réis que eu lhe dou um mercadinho aqui e tal. E agora, eu acho que o presidente Collor colocou uma perspectiva diferente com o presidente [da Argentina] [Carlos] Menem, no sentido de que sistemas gerais de integração sejam montados a partir do trabalho de uma comissão não por setor, mas que pense na sistemática das tarifas, nos acordos com terceiros países, para que antes de 1994 a gente tenha efetivamente um mercado comum entre Brasil e Argentina.

Rodolfo Konder: E a questão do Mercado das Américas, como é que o senhor vê?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Olha, nós vimos isso, em primeiro lugar, com a satisfação de que os Estados Unidos passaram a ter uma proposta qualquer para a América Latina. Do ponto de vista diplomático, os Estados Unidos estavam sem uma proposta. Eles tinham uma questão da iniciativa do Caribe, que era uma questão; tinham outra ligada aos países que vivem mais o problema da droga, e tinham como sua principal questão diplomática este ano a Rodada Uruguai. Para a América Latina, porém, não havia qualquer proposta. E isso foi uma coisa positiva. Sobre a repercussão e a importância dela, ainda estamos refletindo, porque é uma coisa bastante importante para que a gente possa ter uma posição definitiva a esse respeito. Para mim, pessoalmente, foi uma surpresa.

Luis Roberto Serrano: Existe alguma possibilidade dessa integração entre Brasil e Estados Unidos, esse aumento da integração, ser alguma coisa diferente de um acordo entre a "raposa e a galinha", em que o Brasil faria o papel de galinha?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Possibilidade, ninguém pode dizer nada a priori, por isso que eu digo que é um assunto da maior importância. Os Estados Unidos são o maior mercado do mundo, com um PIB [Produto Interno Bruto] aí de 4,4 trilhões de dólares. Você tem que somar toda a Europa para chegar mais ou menos perto. Ele polariza não só a América, ele polariza o mundo inteiro, ele dá o tom da economia internacional. Então, não é a mesma coisa do que está acontecendo na Europa nem a unificação asiática; é uma coisa talvez até mais importante do que isso, cujas repercussões têm que ser analisadas com muita calma.

Luis Roberto Serrano: Mas as importações de produtos americanos para o Brasil, se abertas, não podem pôr em sério risco a indústria nacional instalada aqui ou mesmo as multinacionais instaladas aqui?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Bem, aí a gente muda de assunto, porque a gente vai para a questão da abertura. Quer dizer, não é o problema apenas dos Estados Unidos como ofertante de produtos. A abertura ao comércio exterior faz parte da estratégia da política industrial do governo. E a gente entende que seja um requisito fundamental do aumento da competitividade da nossa indústria, ou seja, da capacidade do Brasil de produzir produtos com padrões internacionais de preço e qualidade. Um desses requisitos é conseguirmos desmontar os mecanismos setoriais de proteção, os famosos cartórios, e redirecionar o processo de desenvolvimento e de investimento para uma lógica internacional, para uma lógica que esteja obrigatoriamente baseada em padrões internacionais de preço e qualidade. Então nesse sentido a ameaça não é americana. A indústria brasileira hoje está submetida a um projeto que significa para ela ao mesmo tempo um desafio e uma oportunidade. Ela é ao mesmo tempo essas duas coisas. Conseguir efetivamente produzir produtos com esse requisito, adquirir competência para isso. E a abertura é um requisito para que a gente consiga almejar esse objetivo.

José Márcio Mendonça: Secretário, falou-se aqui em abertura, competição e fim dos cartórios, mas nesta semana, aliás na semana passada, o economista Gustavo Franco, do Rio de Janeiro, da PUC do Rio, que trabalhou inicialmente no programa de política industrial, fez grandes sugestões ao programa do governo. Ele diz claramente neste artigo que eu tenho aqui que a forma como foi montado o programa de política industrial não quebrou os cartórios, mudou-se apenas. Com outros nomes, instalaram-se ou criaram-se condições de outros cartórios, inclusive com os chamados GPS’s.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: É muito engraçado, no debate que nós estamos vivendo, às vezes as posições mais próximas se parecem as mais distantes. No caso do Gustavo Franco, meu amigo, que foi consultor do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], trabalhamos junto em várias oportunidades, eu devo concordar com ele com talvez 98% de todos os assuntos, mas às vezes os 2% acabam ficando mais destacados do que os 98. Nós perseguimos exatamente os mesmos objetivos em termos de política industrial. O que eu acho é que o Gustavo não está levando em consideração nesse artigo, e em outros, e na participação dele em alguns debates, é a necessidade imperiosa de que o processo de reestruturação e modernização que é absolutamente exigido pela sociedade brasileira, e é um compromisso do governo, se dê através de um processo político. Nós temos uma história passada de uma relação entre o Estado e a iniciativa privada absolutamente promíscua. Qualquer reunião entre empresário e homem público, você já desconfiava dela de antemão, de estar sendo feito algum conchavo, algum acordo para preservar algum interesse específico, e o prejudicado seria o interesse nacional. Isso não faz com que nós, ao implementarmos uma política industrial voltada para a competitividade, possamos fazê-lo sem fazer reuniões com empresários, sem fazer grupos, sem estudar, sem discutir de forma aberta e transparente. Eu acho que os grupos executivos de política setorial, bem como os programas que nós estamos criando com a política industrial anunciada, são uma ruptura muito grande com tudo aquilo que foi feito no passado do ponto de vista dos objetivos, dos instrumentos, da estratégia. Agora, a matéria-prima da execução, da transformação da realidade é a política, é a conversa. E isso não dá para eliminar. Acho que tem gente que trabalha na academia que gostaria que o caminho entre o paper [artigo científico] e o decreto-lei fosse mais curto do que ele é.

Gustavo Camargo: No que esses grupos montados agora se diferenciam, por exemplo, do PSI [Programa de Sustentação do Investimento] que tinha no governo passado e que serviam no fundo apenas para os setores, as entidades empresariais elegerem quanto de incentivos e de coisas cada setor ou cada grupo vai ter?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: A primeira grande diferença é que os incentivos acabaram todos. Não existem mais regimes especiais, incentivos, e a política industrial vai ser feita usando mecanismos gerais de aplicação automática: financiamento, política de importações, política de exportações, usando principalmente o Banco do Comércio Exterior. A idéia do PSI da política anterior não era uma idéia ruim. O problema de você juntar os vários segmentos de um complexo e ver o que está atrapalhando a competitividade. O que é ruim, muito ruim, nós desmontamos completamente, são os instrumentos baseados em incentivos fiscais, reduções de imposto, isso tudo acabou.

Gustavo Camargo: Não vai ser com financiamento, com...? Mas financiamento de quem, com que dinheiro? De onde vem esse dinheiro?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Bom, aí nós estamos mudando de novo de assunto. O primeiro assunto que eu espero que esteja resolvido é o problema de em que medida você pode fazer reuniões com empresários, ouvir associações, discutir a política do governo, tomar medidas sem reproduzir as práticas cartoriais e o fisiologismo e a promiscuidade que existia nas relações entre o Estado e a iniciativa privada no passado. Nós não vamos abrir mão de colocar a posição clara do governo no seu papel de pensar no interesse geral e também não vamos abrir mão de discutir com o empresariado, com a iniciativa privada, os problemas sem ter medo de que isso possa ser acusado de corporativismo e de cartorialismo [proteção mútua de interesses dentro de grupos fechados]. Não vamos cair nessa falsa dicotomia. Agora, quanto ao dinheiro, de onde vem, eu acho que todos sabem do esforço que o governo está empreendendo no sentido de fazer um profundo ajuste fiscal, que é uma das partes importantes do programa de estabilização. E a política industrial, como eu disse, nas suas duas pernas – na abertura do comércio exterior e na política tecnológica – está completamente inserida no esforço de estabilização. Aliás, não tem nada melhor para o desenvolvimento de médio e longo prazo no Brasil do que o fim da inflação e da estabilização macroeconômica. E o dinheiro, principalmente para a capacitação tecnológica, virá. Nós estamos com a comissão trabalhando nos próximos trinta dias, principalmente na racionalização dos esforços, das várias agências, dos vários setores, no sentido de fazer com que o esforço de capacitação tecnológica seja aquele ponto no qual o governo não abrirá mão de aumentar os seus gastos e principalmente torná-lo mais eficiente.

Frederico Vasconcelos: Secretário, eu queria retomar um pouco essa questão da forma como uma política que sugere uma mudança tão estrutural na atividade industrial brasileira, e perguntar se sessenta dias, que é o prazo que foi estabelecido para essa discussão, é um prazo suficiente para esse tipo de proposta. Ao mesmo tempo, por exemplo, você falou três vezes aí “nós não vamos abrir mão, nós não vamos abrir mão”. E o presidente Collor, numa entrevista recente, disse que a política industrial não pode ser revista até por causa dessa coerência que o senhor colocou entre a política industrial e o projeto econômico completo do Plano Collor. Eu gostaria de perguntar concretamente o seguinte: o que é "imexível" nessa política industrial, o que dá condição de dizer que nós não vamos abrir mão disso, não vamos abrir mão daquilo?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: “Imexível” [fazendo alusão ao neologismo criado pelo então ministro do Trabalho, Antônio Rogério Magri, ao referir-se ao Plano Collor em 1990] é uma palavra que passou aí para o vocabulário mesmo.  [risos] É "imexível" primeiro o objetivo da política industrial. Qual é o objetivo? Fazer com que a economia brasileira adquira capacidade de produzir produtos e serviços com padrões internacionais de preço e qualidade. Ao contrário das estratégias, dos objetivos das políticas anteriores, que eram simplesmente de criar indústrias no Brasil, trazer indústrias, fabricar produtos. Não basta para o Brasil hoje produzir produtos, produzir produtos que antes eram importados, por exemplo. É preciso produzi-los com padrões internacionais de preço e qualidade. Não é elementar nem está à flor da pele a identificação de por  quê nós não produzimos produtos com preço e qualidade internacionais, em cada segmento. Os problemas são complexos. Existem coisas que são gerais, coisas que são específicas. Então é absolutamente “imexível” esse objetivo. Nós não o trocaremos por nenhum outro. E outra coisa que é uma determinação também arraigada já no plano de governo é a estratégia com a qual nós vamos perseguir esse objetivo. Como eu disse, a abertura ao comércio exterior, quer dizer, a utilização das importações tão necessárias e das exportações como um elemento de integração da economia brasileira com a economia mundial é um vetor importante desse objetivo maior da política industrial. Então é um conceito muito importante. Às vezes um pensamento mais primitivo poderia ter a ilusão de que primeiro é preciso que a gente se prepare para essa competição. Então nós vamos levar um tempão ainda fechados e tal, nos preparando, fazendo aquele aquecimento, para então procurarmos importar mais, exportar mais, nos tornarmos competitivos. É uma ilusão. A abertura é um instrumento dessa busca e ela representa uma das pernas, como eu já havia falado anteriormente. A outra é um decidido apoio, redirecionamento pragmático do esforço do Estado no sentido da capacitação tecnológica das empresas nacionais.

Frederico Vasconcelos: Eu queria só complementar o seguinte. Nessa idéia de que essa política não seria revista dentro desse processo de sessenta dias, eu acho que além de uma ligeira contradição, eu acho que estaria também a previsão de grandes resistências do empresariado à montagem dessa política.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Faltou eu responder...

Frederico Vasconcelos: Eu queria perguntar o seguinte. O que difere substancialmente a política que o governo está propondo, e vai discutir em sessenta dias, e a política industrial do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, o IED, que foi elaborada em três anos? Onde é que elas...?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Bom, vamos falar primeiro dos sessenta dias que estava na sua pergunta anterior e eu não respondi. Nós publicamos um documento chamado Diretrizes para a Política Industrial de Comércio Exterior. E dissemos o seguinte: existem muitas leis no Brasil que regem a vida produtiva das empresas, que balizam a decisão de investimento, que regulam. E tem muita coisa, é um emaranhado de coisas contraditórias, desconexas. Tem quatro leis que são muito importantes. A Lei 2433, que é a lei da política industrial do governo Sarney, que já reviu uma série de coisas antigas, deu alguns passos na direção correta, mas manteve ainda todos aqueles instrumentos de subsídio e regimes especiais, cenouras para atrair o empresariado para os planos que o governo fazia. As duas leis da informática, e a lei do código de propriedade industrial. Agora, além disso, tem um monte de outras leis, resoluções do CDI [Conselho de Desenvolvimento Industrial], portarias interministeriais que formam um corpo jurídico que nós queremos adaptá-lo aos objetivos dessa política nesse prazo de sessenta dias. Nós estamos abrindo um processo de debate com a sociedade, com as associações, com a comunidade acadêmica, comunidade empresarial, sobre esses objetivos, essas estratégias, esses instrumentos, esses mecanismos. E nesse período nós vamos ver o seguinte: o que precisa mudar nas leis, nos decretos, nas portarias e tal para a gente implementar isso. Então esse é um processo que é ao mesmo tempo rápido, seguro, que decide e abre espaço para se ouvir as sugestões, como, por exemplo, as sugestões do IED. Eu acompanhei o IED, eu tenho uma ligação muito pessoal com o IED, sou amigo de quase todos os empresários que dele fazem parte, ele representa um esforço enorme de formulação do empresariado brasileiro. E eu li o documento, o documento é praticamente... Eu não teria nenhum item importante a destacar de divergência, eu acho que existe uma convergência muito grande. E para essas idéias, o IED levou três anos, mas o Brasil está levando muito tempo. Nós passamos a década de 80 toda estagnados, nos esforçando para pagar dívida, para gerar superávit a qualquer custo, lutando contra a hiperinflação, vivendo um ambiente de curtíssimo prazo, apagando incêndio. O Brasil está precisando de um projeto de médio e longo prazo. Esse projeto foi desenhado, ele tem suas grandes linhas num projeto de integração do Brasil de forma competitiva, soberana, na economia internacional. Eu participei, eu fui do BNDES a minha vida profissional toda, nos últimos quatro anos fui chefe do Departamento de Planejamento, e lá tive a oportunidade de também trabalhar em idéias que fizeram parte de todas essas coisas que acabaram dando nisso que aí está. Existem muitos outros núcleos e setores na academia, no meio empresarial, que deram as suas contribuições. Eu acho que este corpo de pensamento não é resultado exclusivamente do governo, nem do IED, nem do BNDES, mas ele é um estado de amadurecimento da comunidade econômica, vamos dizer assim, deste país.

Fábio Paim: Nesses primeiros vinte minutos, duas coisas dominaram as suas palavras: a questão da capacitação tecnológica e a das importações. No caso da capacitação tecnológica, eu me pergunto e lhe pergunto como é que o Brasil pode chegar a um nível de investimentos semelhante, por exemplo, a uma Coréia? Nós temos hoje 0,6% do PIB, me corrija se eu estiver errado...

Luiz Paulo Vellozo Lucas: É isso mesmo.

Fábio Paim: ... aplicado nessa modalidade de investimentos, enquanto a Coréia tem 2%. É uma distância muito grande, equivale aí a uns cinco bilhões de dólares em investimentos de longo prazo, nem sempre com retorno tão palpável. E, além disso, no caso das importações, qual é o nosso espaço para importar? De fato, com a sua visão de conjunto, com a sua visão do BNDES, pode dar a medida do quanto nós dispomos de reservas para importar, para bancar uma política que permita até, ao lado de beneficiar a política industrial, algum resultado no plano da inflação. Então, eu gostaria de ouvi-lo sobre capacitação tecnológica e importações.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: É, são as duas coisas importantes realmente. Esse número de 0,6% do PIB, que é absolutamente ridículo para um país como o Brasil...

Fábio Paim: Esse número está certo?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Está certo, é exatamente, o número, o dado é esse. Mas mais grave do que 0,6% é que desse total o Estado ainda é responsável por 92%. O setor privado gasta, desses cerca de dois bilhões de dólares por ano gastos no Brasil em pesquisa e desenvolvimento, apenas 8%. Por quê? Porque o processo de acumulação, os lucros ao longo desses anos todos de substituição de importações e, principalmente, nesses últimos anos de deterioração do ambiente macroeconômico, foram auferidos a partir de uma visão absolutamente deformada do processo produtivo. A pessoa faz o preço pelo custo mais uma margem... Quer dizer, a busca de uma eficiência, você...

Fábio Paim: A culpa é do governo?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Isso é um resultado do ambiente econômico, o ambiente econômico deteriorado, no qual o sucesso empresarial não dependia da sua eficiência, da sua capacidade de produzir um produto melhor, um produto mais barato. Isso é a marca desse período. Então nós imaginamos que o problema da capacitação tecnológica está, em primeiro lugar, em elevar esse 0,6 para pelo menos 1,5% do PIB no prazo deste governo, e levar esses 8% para pelo menos 20% de participação do setor privado. Hoje, a Itália, que é um dos países desenvolvidos, em que esse percentual é menor, é de 30%. Nos Estados Unidos, 50% de tudo que se gasta com pesquisa e desenvolvimento é gasto pelas empresas, porque para elas é uma questão de sobrevivência. No caso do Brasil, não. A hiperinflação dilui o lucro, as margens, ninguém sabe quanto custa o quê, ninguém sabe quanto de lucro teve em cada produto; os mecanismos de gestão da qualidade são inteiramente relegados a último plano, porque se você indexa melhor um contrato, você ganha muito mais dinheiro. Nós precisamos primeiro estabilizar a economia e, em segundo lugar, lançar as bases de um projeto de desenvolvimento de médio e longo prazo que faça com que os agentes, por livre e espontânea vontade, troquem a posição de sócios da inflação para sócios da estabilização e de um crescimento de médio e longo prazo. Esse é o jogo que está sendo jogado.

Mauro Chaves: Secretário, falou-se aqui de resistências à política industrial do governo. Eu acho que há um certo setor que está mais ou menos preocupado com algumas declarações que o senhor fez em entrevistas, que são os pequenos e micro empresários. O senhor, em algumas entrevistas, disse que a pequena empresa e a microempresa precisam ser redefinidas, e deu a entender que aquelas indústrias de fundo de quintal, aquelas indústrias semi-artesanais, não seriam favorecidas, mas as que deveriam ser favorecidas seriam aquelas pequenas empresas que tivessem como característica alta qualificação. O senhor citou o caso inclusive de uma empresa de biotecnologia do Rio de Janeiro, com vinte pessoas, que começou faturando mil dólares por mês, depois de três anos, com o mesmo número de pessoas, passou a faturar cem mil. E o senhor deu outro exemplo também: de uma indústria de brinquedos que fabricando duzentas mil unidades por ano não teria condições de competir com uma empresa do Oriente, uma empresa estrangeira que produzisse dois milhões. Então, eu fico pensando: o pequeno empresário não deve estar muito preocupado? Porque ele não vai ter condição de tempo de se atualizar, ele não vai conseguir chegar àquele padrão, àquele ideal, que é o objetivo "imexível" da política industrial, que é o alto padrão de qualidade, que é o preço competitivo internacionalmente. Ele não vai ter essa condição, pelo menos a curto prazo, então talvez ele esteja muito preocupado com que o governo o deixe na chuva e no sereno, sem nenhum tipo de proteção ou tipo de benefício, com que de um certo modo ele sempre contou. O que o senhor teria a dizer sobre isso?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: A sua pergunta realmente é muito oportuna. Em primeiro lugar, eu quero reafirmar o que eu disse. Eu acho que o modelo empresarial que nós temos é um modelo empresarial formado de grandes grupos que tenham escala para poder investir em tecnologia, para você poder... Alguém que fatura cinco bilhões de dólares por ano, 1% disso significa um senhor orçamento de pesquisa e desenvolvimento. Existem certos setores que serão exclusivos de empresas ou grupamento de empresas que tenham capacidade de investir muito dinheiro em pesquisa e desenvolvimento.

Mauro Chaves: O senhor é a favor de oligopólios?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Não, eu vou dizer do que eu sou a favor. Eu sou a favor de um modelo que combine grandes grupos associados a uma extensa malha de pequenas e médias empresas e microempresas, dinâmicas tecnologicamente. Então, o que acontece é que existe... Este mundo da competitividade, da tecnologia, abriu nos países desenvolvidos oportunidades imensas para micro, pequena e média empresa. Ao contrário do passado, em que o processo foi concentrador de renda, concentrador espacial, esse ambiente... Hoje no mundo inteiro o que se discute, existem enormes eventos que procuram articular essas pequenas e médias empresas, que surgem onde? No ambiente universitário. Que surgem onde? Dentro de uma grande empresa que descobre que é preferível ela desmembrar um pedaço de sua grande empresa e comprar aquele serviço, aquelas pessoas vão ser mais empreendedoras, mais eficientes, vão descobrir novas coisas. Quer dizer, o processo de inovação se enriquece, se oxigena pelo trabalho da micro, pequena e média empresa, dinâmicas tecnologicamente. São pequenas empresas que se beneficiam dos sistemas digitais distribuídos, que se beneficiam da automação. Isso tudo é uma nova realidade, é uma oportunidade adicional que a micro, pequena e média empresa no Brasil não tem hoje objetivamente, é um espaço novo que será criado.

Mauro Chaves: Mas, secretário, aquelas pequenas indústrias de fundo de quintal – de calçado, de confecção – estão muito preocupadas porque não vão ter condição de chegar a essa...

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Eu ia chegar a essa outra discussão. Hoje, inclusive, eu poderia até adiantar uma coisa que a gente está pensando muito para o sistema Sebrae [Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas]. O sistema Sebrae foi montado para apoiar a micro, pequena e média empresa, e nós estamos discutindo a reestruturação do Sebrae para que ele possa ao mesmo tempo fornecer um suporte para as micro, pequenas e médias empresas tradicionais, para que elas se reestruturem. A  micro, pequena e média empresa tradicional...

Mauro Chaves: Suporte tecnológico?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: O suporte, nós estamos discutindo quais são. O sistema Sebrae tem recursos constitucionais, tem possibilidade, tem uma rede através dos Seades [Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social], mas nós queremos redirecionar completamente o apoio estatal a isso daí. Nós não queremos tratar a pequena empresa com paternalismo nem com uma visão até romântica, mas na verdade encoberta; relações fisiológicas, relações compadristas, que a gente quer desmontar. Mas que o Estado consiga através do sistema Sebrae dar dois tipos de suporte.

Mauro Chaves: Relações fisiológicas da pequena empresa?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: É. No passado, o sistema Sebrae, com os Seades, estava muito vinculado a toda a distribuição de subsídios e apoios à pequena e média empresa tradicional. Naquela idéia de que a pequena e média empresa precisa ser protegida como uma arvorezinha tenra da grande que a engole, ao passo que, na atual formulação, nós achamos que a pequena e média empresa têm vantagens do ponto de vista econômico. E essas vantagens é que nós queremos explorar.

José Márcio Mendonça: Secretário, eu vi a sua descrição aí dessa obra de engenharia, que é a nova política industrial, eu queria fazer duas perguntas. Primeiro...

Rodolfo Konder: Não é por acaso que o secretário é engenheiro. [risos]

José Márcio Mendonça: Primeiro o seguinte: o senhor acredita seriamente que é possível reproduzir na vida real, na vida das empresas, essa obra que o senhor armou ou na realidade a coisa às vezes acontece diferentemente? Segunda pergunta, essa sua descrição mostra que há uma certa contradição. O senhor fala que “vamos fazer, vamos fazer”, isso me parece que é o Estado que vai fazer, e um dos propósitos não é realmente tirar o Estado do “vamos fazer”?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: A primeira pergunta é absolutamente fundamental, como aquela história do Garrincha, que combinou com os beques [expressão popular utilizada em política, economia etc, criada a partir de uma frase atribuída a um dos maiores craques do futebol brasileiro, Mané Garrincha, que teria dito ao técnico Feola antes da partida com os russos (1958) que as jogadas propostas eram fáceis, o que faltava para ganhar o jogo com facilidade era combinar com os adversários], não é isso? O governo está absolutamente consciente de que isso não é uma obra de engenharia para ele, isso é uma coisa cujo sucesso vai depender... isso não é uma obra exclusivamente do governo, isso é um projeto de nação. O Brasil se industrializou e foi à custa de muito esforço, houve muitos erros. Agora o Brasil tem patrimônio industrial instalado. E esse é um projeto de continuidade, usando a racionalidade que é tudo o que temos para oferecer ao país e aos agentes econômicos. A reação à política industrial foi muito positiva, apesar dos eventuais riscos e temores que ela possa causar em alguns setores que se considerem mais desprotegidos ou menos capazes de serem competitivos num prazo. Apesar de tudo isso, a repercussão da política foi muito positiva, mostrando que a gente acertou no anseio que é geral. Agora a obra de engenharia não é do governo, ela é obra da sociedade, cujo sucesso vai depender o engajamento de todos os setores e o trabalho das empresas privadas.

Mauro Chaves: É importante chamar de agente econômico os produtores? Essa linguagem, “agente econômico”, que o senhor usa e todos os economistas do governo usam é tão importante para que se entenda, as pessoas que produzem, serem chamadas assim? Isso é importante?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Eu posso trocar daqui em diante, em vez de falar agente econômico. Sugere outro termo?

Mauro Chaves: Eu queria entender por que o governo usa esse tipo de linguagem.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Os agentes econômicos são os trabalhadores, os empresários, os empreendedores de toda natureza, são as pessoas... O governo é um agente econômico, talvez o mais importante, sem dúvida nenhuma. Mas faltou um pedaço da resposta dele, que era qual é o papel que a gente reserva para o Estado. No documento de diretrizes tem uma frase que é muito importante, que diz o seguinte: “o principal papel do Estado nesta nova fase é a garantia de um ambiente propício aos investimentos, de estabilidade macroeconômica”. Essa é uma afirmação que está na base do trabalho do governo. A principal responsabilidade do governo é a garantia de um ambiente propício ao investimento, de estabilidade macroeconômica, de estabilidade do nível geral de preços, de equilíbrio das finanças públicas, para que os agentes econômicos, as empresas privadas possam decidir seus investimentos com liberdade, tendo horizonte. Porque o horizonte com a hiperinflação se tornou o dia-a-dia. O cara só faz negócio do dia seguinte. Então nós estamos querendo com esse plano trocar o curtíssimo prazo dos agentes econômicos pelo médio e longo prazo, que é altamente promissor.

Rik Turner: Mas queria saber, então, secretário, se o governo entende que o processo de adaptação industrial que necessariamente vem com uma abertura para as importações e a necessidade de capacitação tecnológica não será necessariamente concentrador de renda, na medida em que vai implicar em maior volume de investimento para gerar tecnologia? Não é necessariamente concentrador?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Não, não é necessariamente. Pelo contrário, a nossa história de industrialização, apesar de vitoriosa, gerou muitas disfunções: concentração de renda, baixa participação dos salários na renda nacional, concentração espacial da atividade econômica e ineficiências de toda natureza. Uma ineficiência estrutural, que não é causa de você ter uma máquina mais ou menos atrasada; uma ineficiência dos mercados, das relações econômicas, cujos mercados têm baixa funcionalidade. Então nós estamos construindo um ambiente de estabilidade. Queremos – quando eu falo nós, não é o governo, é toda sociedade – construir um ambiente de estabilidade que permita tudo isso. Não existe história, não exemplo no mundo de distribuição de renda e melhoria da qualidade de vida sem o ambiente democrático com estabilidade macroeconômica e crescimento.

Rodolfo Konder: Doutor Luiz Paulo, nós vamos agora fazer uma pequena pausa para falar com os telespectadores.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Eles ligaram?

Rodolfo Konder: Houve vários telefonemas.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Beleza.

Rodolfo Konder: Houve centenas de telefonemas, então vamos dar um espaço para o telespectador. Nas primeiras perguntas, três telespectadores falam do mesmo assunto. Marcos Freire, de Alphaville; Maria Aparecida de Oliveira, do Jardim da Saúde, e Beth Santos, de Pinheiros. Eles perguntam sobre a cartelização [ou cartel, é um acordo comercial entre empresas produtoras, as quais, embora internamente autônomas, distribuem entre si cotas de produção, os mercados e determinam os preços, suprimindo a livre concorrência] do setor automobilístico. Se o governo pretende fazer alguma coisa contra essa cartelização. E se o governo não está pensando com otimismo excessivo que empresas automobilísticas de fora teriam interesse em investir no Brasil. Se essa expectativa não é excessivamente otimista.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Bem, temos duas coisas. O setor automobilístico, sem dúvida, de todos os setores de bens de consumo, é o mais importante pelo peso que ele tem no PIB, pelo dinamismo que ele gera, e até no caso brasileiro, pela importância que ele teve nos primórdios da nossa industrialização. Quando a gente fala em competição, as pessoas pensam logo que a gente está fazendo alguma coisa contra a indústria. Eu queria citar o Paulo Cunha, presidente do IED, que disse uma vez para mim o seguinte: “Luiz Paulo, é preciso saber que para fazer política industrial, a gente tem que gostar da indústria”. E eu concordo com isso. Nós queremos que a indústria se sinta desafiada e consiga competir, mesmo que esse desafio signifique uma certa raiva no início. E no caso automobilístico, eu acho, tenho absoluta confiança, em primeiro lugar: que as montadoras instaladas aqui vão conseguir se tornar competitivas por investimentos em tecnologia, eventualmente por importações de componentes aqui ou acolá, por uma política mais racional no campo da eletrônica embarcada, e até – por que não? – pela presença de outras empresas que ainda não estavam instaladas aqui. Nós temos tido em Brasília muitos contatos com empresas estrangeiras, japonesas, francesas, querendo se instalar no Brasil. Não é uma coisa que se faz de uma hora para outra.

Rodolfo Konder: A importação de carros já está começando com os carros soviéticos e agora com os argentinos também?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Olha, os carros já começaram no primeiro semestre, [a importação] já tinha sido liberada. Porém a indústria automobilística é muito complexa, e nós estamos esperando que esse movimento não seja um movimento brusco, de uma hora para outra. A gente gostaria de ver novos ofertantes produzindo no Brasil, certamente uma parte do mercado brasileiro vai ser atendido por importações, e nós principalmente gostaríamos de ver a indústria localizada aqui, as que aí estão e as que virão, produzindo carros bons e baratos para os brasileiros e para exportação.

Rodolfo Konder: Eu vou dar espaço aqui para as perguntas, que já são muitas, senão não vai dar tempo de dar aos telespectadores a oportunidade de conversar com o secretário também. Vicente Bianc, de Campo Limpo e Wladimir Carneiro, de Presidente Prudente, perguntam sobre o mesmo tema: se essa política de abertura das importações não pode levar a indústria nacional a afundar?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Bem, aí eu respondo para eles com a seguinte coisa. É uma política, como eu disse, de integração com o mundo, de busca de competitividade; para as empresas, ela representa oportunidades e desafio. A gente não pode ser excessivamente defensivo. Acho que a Copa do Mundo mostrou isso para a gente: não ficar escalando muitos zagueiros. E o fundamental é que o saldo seja positivo. E nós temos absoluta convicção de que o saldo será francamente positivo.

Stephen Kanitz: Secretário, o senhor poderia ser um pouquinho mais específico, eu queria saber quais os setores o senhor acha que vão afundar. Eu estou continuando, quer dizer, essas generalidades...

Rodolfo Konder: [tentando interromper Stephen Kanitz] É que tem mais algumas perguntas dos telespectadores.

Stephen Kanitz: Mas eu queria que ele fosse um pouquinho mais específico quando dissesse que o saldo vai ser positivo. Eu quero saber exatamente: é três a dois, é zero a zero? Quais são os setores efetivamente que vão quebrar?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Respondo a ele?

Stephen Kanitz: Responda ao telespectador, que gostaria também...

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Não, eu acho o seguinte. Eu não teria a menor capacidade de elencar para você quem vai perder e quem vai ganhar com essa estratégia. Eu posso, pela minha experiência na vida industrial do país, ver que existem empresas, eu tenho convivido, visto empresários que estão vendo... Eu acho que, no atacado, até pela própria repercussão das diretrizes, o que a gente vê é muito mais um desafio positivo do que o medo de você perder essa guerra e ter que sucumbir. É muito difícil, o governo não tem elencado onde estão os setores, quais são as empresas, quais são os empresários, nome, endereço, telefone.

Stephen Kanitz: O governo não faria uma política dessa sem pesquisas anteriores, você vai me perdoar. Você falou que nós vamos abrir as importações para que a gente possa ter preços competitivos iguais aos de lá fora. Mas tem vários setores brasileiros que não têm condições de ter preços competitivos iguais aos de fora e, portanto, vão sucumbir. Eu quero uma resposta do senhor: quais são esses setores?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Olha, eu não vou dizer, eu não sei quais são os setores, ninguém sabe, nem eu, nem você, nem ninguém.

Stephen Kanitz: Mas vocês fizeram pesquisas.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Fizemos muitos estudos. Todos os setores no Brasil têm problemas de ineficiências, todos os setores; não tem nenhum setor que esteja livre de ineficiência. Nós temos alguns campeões de produtividade, tal, mas de um modo geral, os nossos problemas de ineficiência são generalizados. Para ser um pouco menos generalista, um pouco menos genérico, eu diria o seguinte: os setores, quanto mais problemas de escala eles tenham, quanto mais... O exemplo que eu dei na entrevista, dos brinquedos, tem os setores de ponta, que no processo de substituição de importações a gente foi buscando cada vez mais nacionalizar 100% de cada produto. Então, você pega uma máquina que tem centenas de componentes e tenta produzir localmente tudo, 100%, de preferência. Então, a gente vai perseguindo esses índices crescentes de nacionalização. Isso fez com que muitos produtos fossem produzidos no Brasil de forma muito desfavorável por razões de escala principalmente. Eu diria que a razão de escala hoje talvez seja a principal ameaça. E isso é em todos os setores, às vezes é um componente aqui ou acolá.

Stephen Kanitz: Quem tem uma escala pequena provavelmente vai...?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Aquele cujo mercado nacional é insuficiente para as escalas operadas hoje em termos médios no mundo está mais ameaçado do que aqueles setores cujo mercado doméstico é grande o suficiente para que se possa produzir eficientemente, voltado apenas para o mercado interno.

Stephen Kanitz: Sua política industrial, então, é voltada ao mercado interno, ignorando o mercado externo? Porque com o mercado externo eu tenho a escala que eu quiser.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Ah, depende de você conseguir vender, não é? É exatamente isso. Hoje os mercados se mundializaram, isso é a coisa que a gente tem que entender de forma muito clara. E não é por opção nossa. Quando a gente começou a se industrializar, fez lá a CSN [Companhia Siderúrgica Nacional, empresa estatal até 1993, quando foi privatizada pelo governo federal no Programa Nacional de Desestatização, durante os mandatos de Fernando Collor e Itamar Franco], o mercado brasileiro de aço era muitas vezes maior do que o tamanho ideal de uma siderúrgica. Hoje, quando você faz um produto novo, uma fábrica de computador, mesmo uma fábrica de automóvel, o tamanho mínimo ideal dessa fábrica é maior do que o mercado local. As tecnologias são muito intensivas em escala, e os mercados se mundializaram. Então hoje é muito difícil a gente se tornar competente como nos tornamos em aço, nos últimos trinta anos, produzindo exclusivamente para o mercado local. A gente tem sempre que pensar que o mercado brasileiro é uma parte do mercado mundial, e essa é a lógica que determina a concorrência em todos os setores. Não dá para a gente pensar assim: “não, vamos produzir primeiro aqui para dentro, quando a gente estiver bem o suficiente...” Essa lógica é uma lógica que não funciona mais, infelizmente.

Stephen Kanitz: Então, você mesmo percebe que a lógica é de uma política de exportação?

Rodolfo Konder: Doutor Luiz Paulo, nós vamos...

Luiz Paulo Vellozo Lucas: É uma lógica de integração.

Rodolfo Konder: Doutor Luiz Paulo, vamos continuar aqui com as perguntas dos telespectadores. Temos duas perguntas – de Gildo Hugo Lopes, do Tatuapé, e Carlos Eduardo, de Santo André – sobre como vai ficar a nossa balança comercial com essa nossa política de importações.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Bem, eu diria para eles o seguinte: no Brasil a nossa pauta de importações sempre foi formada por aqueles produtos que a gente não tinha a menor capacidade de produzir. Então, ou a gente tem um coeficiente de importações ao redor de 5% do PIB, metade disso é petróleo, depois tem bens de capital, depois tem um monte de produtos químicos, quase empatando lá com bens de capital, alguns insumos, matérias-primas, trigo, enxofre, produtos para fabricar fertilizante, como cloreto de potássio, tal.  Então é uma pauta daquelas coisas que o Brasil não tem. O Brasil se acostumou a pensar o seguinte: eu importo apenas e exclusivamente aquelas coisas que eu não tenho, que eu não tenho condição de fabricar no país ou produzir em hipótese alguma, não importa a que custo. Essa é a história da substituição de importações. Agora vamos ter a oportunidade de ver uma coisa que ninguém sabe, não tem nenhum modelo econométrico, que é qual é a demanda por importações que existirá na medida em que o brasileiro, o empresário poderá optar entre comprar do seu fornecedor tradicional ou importar pagando uma alíquota de importação a uma dada taxa de câmbio. Quer dizer, a taxa de câmbio, a alíquota de importação, multiplicada pelo preço internacional em comparação com o preço local vai determinar o que o brasileiro consumidor final e o brasileiro empresário vai optar por trazer de fora ou produzir internamente. Ninguém sabe qual é essa demanda. A gente espera que, no final, o Brasil vá continuar produzindo ainda superávits comerciais, dado o seu impulso exportador dos anos 80. Mas isso é uma coisa para a qual qualquer previsão hoje é temerária.

Rodolfo Konder: Aníbal Massaini, produtor de cinema, de Cerqueira César, pergunta o seguinte: “A comissão que irá propor uma nova legislação para a indústria cinematográfica será composta por quantos membros e terá alguma representação do setor privado? Quais serão os principais pontos propostos nessa nova legislação?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Gostei dessa pergunta porque eu sou o coordenador dessa comissão, que é uma comissão interna do governo, coordenada pela Secretaria Nacional de Economia com a participação do Departamento de Indústria e Comércio, Departamento de Comércio Exterior e da Secretaria de Cultura. Os pontos principais são: a questão do financiamento à produção nacional, o problema da reserva de mercado para o filme nacional, a questão da copiagem obrigatória, a questão das alíquotas de importação para máquinas e equipamentos utilizados nas salas de projeção, e para também fazer filmagem. E produtos químicos usados na copiagem, que têm alíquotas de importação que encarecem esse produto, cuja eliminação representaria um estímulo à modernização das salas e a produção local. O problema da competitividade da produção cinematográfica de um modo geral, quer dizer, o paternalismo do Estado no passado gerou um decréscimo do mercado, gerou uma diminuição da competitividade do produto nacional. Nós estamos trabalhando no sentido de ver o que precisa mudar na legislação do cinema para fazer com que o nosso cinema também seja competitivo.

Rodolfo Konder: Essa comissão pretende se ampliar para a área da indústria cinematográfica e audiovisual?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: A comissão é uma comissão de governo, nós vamos ouvir, fazer reuniões com o setor privado, vamos ouvir sugestões, estamos abertos a sugestões. Quem quiser pode nos procurar lá no Departamento de Indústria e Comércio. E vai se abrir para o setor de vídeo também porque...

Rodolfo Konder: Deixe eu só concluir aqui, por favor. Antônio Roberto, da Freguesia do Ó, pergunta como ficarão as prestadoras de serviço com as novas medidas do governo na área de importação, se as prestadoras de serviço terão algum prejuízo maior com isso.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Eu acho que depende do serviço. Tem muitos serviços. A área de serviços é uma área que, nas economias modernas, tende a crescer violentamente. Por exemplo, a economia americana é uma economia baseada no setor de serviços. No Brasil o setor de serviços já é bastante grande, mas ele tende a crescer muito mais. Eu acho que representa muitas oportunidades. O setor de serviços cresce com a sofisticação do processo produtivo.

Rodolfo Konder: Joaquim Maia, do Jardim América, pergunta qual é o papel do Inpi na nova política industrial e como vai ser feita a transferência de tecnologia do exterior para cá.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Isso é uma das coisas mais importantes. Como eu havia falado no início, a lei da propriedade industrial é uma das leis que a gente criou uma comissão para montar. Essa comissão é presidida pelo Inpi, Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que tem um prazo até 20 de março para apresentar medidas ao Congresso. O que nós queremos é reverter o quadro de compra de tecnologia, que é decrescente. O Brasil gasta, a cada ano, menos em compra de tecnologia. Eu acho que no passado existiram mecanismos que tinham uma certa funcionalidade, no período da substituição de importações, que dificultavam a compra de tecnologia. E pode haver até uma certa idéia de que a compra de tecnologia compete com o desenvolvimento tecnológico, o que não é verdade. Até para você poder comprar tecnologia, você tem que ter uma certa base tecnológica. Então, nós queremos facilitar a aquisição de tecnologia, simplificar os mecanismos de averbação de contratos tecnológicos, modificar essa legislação no sentido de facilitar a entrada de tecnologia no país. Esse é o sentido geral do trabalho dessa comissão. O problema, hoje, não é nem achar quem queira vender, o problema é pagar. A dificuldade que a gente tem, hoje, não é nem de achar quem queira vender, é de pagar. Porque é tão burocratizado o processo de comprar e pagar e transferir esses recursos. A gente se protegeu tanto contra trambiques na hora de remessa de lucros, de royalties, que se tornou dificílimo pagar contratos tecnológicos. É disso que os empresários do setor se queixam mais.

Luís Roberto Serrano: Secretário, nós ainda não falamos da questão central de toda essa discussão que é a política de informática. A política industrial hoje é a política de informática. Toda a modernização, toda a questão da competição passa pela modernização tecnológica apoiada em processos de informática. Como vai ficar, qual é o limite em que o governo vai mexer na política de reserva de mercado? Até que ponto vai haver proteção para essa indústria que está aí ou a coisa vai ser escancarada ou não?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Isso foi uma das coisas mais importantes do documento de diretrizes. O que nós fizemos? Temos um documento de diretrizes que tem lá objetivos, estratégias, instrumentos e diz o seguinte: tem muitas leis que precisam ser alteradas para que o escopo jurídico do país sirva a esses objetivos. E as duas leis da informática são as filhas caçulas, digamos assim, da substituição de importação. Foram as últimas leis formuladas tendo como referência um processo de substituição de importação. Ou seja, tem um determinado mercado que você quantifica porque sabe o quanto se importa; reserva-se esse mercado para as empresas produzirem para ele na esperança de que ao longo daquele período, explorando este mercado cativo, ela fique competitiva, eficiente etc. Nós não temos de antemão nenhuma determinação sobre o que muda e o que não muda nessas leis. Muda em primeiro lugar o objetivo geral, o conceito no qual ela está inserida. E eu gostaria de dizer que, como destaque, não é nem o problema da reserva de mercado. Eu acho que existe uma transição para o problema da reserva de mercado já prevista na própria lei. Existem os instrumentos como necessidade, o controle apriorístico de importações, a autorização de produção, o controle sobre marcas, restrição de uso de marcas internacionais, controles mais rígidos ainda para a aquisição de tecnologia, e controles também quanto ao problema de origem de capital, [se é uma] empresa nacional operando ou não. Eu acho que isso introduz uma rigidez muito grande quando essas empresas estejam sendo submetidas ao desafio de também elas serem competitivas. Nós achamos que, ao contrário do que às vezes possa parecer, o setor de informática por ser mais jovem, por ser mais dinâmico, ele vai surpreender nesse desafio. Eu acho que ele vai conseguir, dadas as modificações que a gente vai fazer na legislação, eventualmente restringindo mais o seu escopo de atuação em termos de mix de produtos, eventualmente se aproveitando de associações internacionais, olhando também para o mercado mundial, se tornar competitivo rapidamente.

Mauro Chaves: Secretário, eu queria retomar um pouquinho o que o colega Stephen Kanitz mencionou. Eu acho que a questão central – além do caso de informática, reserva de mercado – num plano do governo é saber realmente quem vai perder. Eu estava pensando, por exemplo, quando foi estabelecido, criado o Plano Collor, o Plano Brasil Novo, ninguém sabia bem ao certo quem ia perder, quem ia ganhar. Depois de uns três meses, sabe-se que aquelas pessoas, empresas, corretores, especuladores, que tinham cruzados novos conseguiram de uma forma ou outra transformar em cruzeiros. Os que foram prejudicados mesmo foram os portadores de caderneta de poupança, todo mundo sabe disso. É possível que agora a sociedade tenha essa perplexidade. Quer dizer, há uma política industrial que vai mexer com muita coisa, com certeza alguém vai ganhar e alguém vai perder. Então, há essa grande preocupação. Será que o governo não poderia, pelo menos – o senhor disse que há setores muito ineficientes – dar alguma deixa para que esses setores possam se preparar com uma celeridade maior do que os outros? Ou então sair dos negócios, liquidar os seus negócios e pedir emprego para poder se preparar?

[...]: Tipo umas muletas?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Muletas? Não, o governo quer fazer com que a iniciativa privada assuma o seu papel de principal protagonista da vida produtiva, depois de anos em que o governo era o totalizador das poupanças, orientador dos investimentos, determinador de todas as relações de compra e venda, planejador extensivo da atividade produtiva. Os planos governamentais do passado previam assim: “vamos produzir tantos milhões de toneladas de produto x no ano tal”. E ia fazendo, selecionando quem é que ia produzir, arrumando dinheiro para o cara que ia produzir aquele produto que foi selecionado. Existe um processo, uma operação de desmonte da vida econômica e uma recuperação do papel do empreendedor, da iniciativa privada nesse [...].

Mauro Chaves: Mas esse objetivo "imexível" do governo, como o senhor disse, que é o alto padrão de qualidade, de competitividade internacional, está interferindo realmente.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Quando os economistas falam em funcionalidade dos mercados, estamos dizendo uma coisa que é conhecida de todos os brasileiros, o telespectador vai saber do que eu estou falando, quer dizer o seguinte. Quando o mercado é funcional, quando o preço sobe, quer dizer que tem demanda demais ou oferta de menos, e isso vai provocar um direcionamento da produção para aquele setor em que o preço subiu. Os movimentos de preço significam movimentos de oferta e demanda e representarão no momento seguinte um direcionamento do investimento. No nosso passado todo, por uma série de razões, principalmente no passado mais recente, com a hiperinflação, com a indexação, com a memória inflacionária, isso se perdeu, os mercados não têm funcionalidade. Nós temos que reconstruir a funcionalidade dos mercados e a sua capacidade de alocar e decidir. Esse é o papel essencial do governo, não é dar muleta para ninguém.

Frederico Vasconcelos: Secretário, vou usar uma expressão sua e eu também não abriria mão de levantar uma questão que é muito contraditória. Por exemplo, em tudo isso que o senhor falou agora, bem recentemente, o senhor coloca o papel da iniciativa privada tomando as decisões, assumindo onde ela deve existir, o que ela deve alocar, como ela deve aplicar. Mas isso choca, inclusive na prática, com a Portaria 354. A Portaria 354 estabelece, nesse novo órgão, quem vai cuidar de autorizar quem pode exportar, quem pode importar, como, quais são as características que cada empresário deve ter para... E essa portaria é um "carnaval" de dificuldades, inclusive de coisas contraditórias. Eu lhe pergunto: como é que fica essa modernização do próprio processo de transformação da indústria e desses mecanismos que competem ao governo quando se tem um instrumento que é realmente burocratizante. Quem foi que fez essa portaria?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Eu vou responder essa pergunta dizendo o seguinte: o governo quer chegar a esse porto, onde a gente quer chegar...

Frederico Vasconcelos: Com essa portaria está muito longe.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: ... não haveria discordância. A aparente contradição entre o plano de estabilização e o compromisso do governo Collor com você construir uma sociedade de mercado efetivamente – porque foi um plano intervencionista, houve congelamento de liquidez – advém do tamanho do problema acumulado na vida econômica do país, do tamanho da operação desmonte que é necessária para que os mercados sejam construídos e funcionem, tenham essa funcionalidade. Então, não há contradição se você tem o diagnóstico correto do que está acontecendo neste país. O mercado não é ausência de regras. Até para o governo sair, ele, quando sai, gera perdedores e vencedores. Quer dizer, não é um processo trivial, é um processo social muito complexo. E o governo está construindo essa sociedade e, eventualmente, essas coisas podem parecer contraditórias. O Plano Collor, o Plano Brasil Novo é para se construir uma sociedade capitalista, moderna, de mercado, orientada pelo livre mercado, no entanto ele foi super intervencionista, não sei o quê. Então, essa aparente contradição eventualmente aparece nessa portaria, aparece na portaria dos preços das importações, do controle das informações que as empresas...

Frederico Vasconcelos: Mas o senhor concorda que ela é muito complicadora?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Não, ela simplifica, em relação ao que havia antes. Existiam dois cadastros separados, um para importação, outro para exportação, era bem mais complicado. Eu imagino que ela vá ter, mais adiante, provavelmente mais simplificações etc. O caminho que a gente está percorrendo é um caminho nessa direção. Certamente ela será mais simplificada mais adiante. Neste momento foi isso que se conseguiu fazer. Eu tenho certeza de que quem opera comércio exterior identificou um avanço nisso daí em relação ao que havia antes.

[...]: Não foi o que eu ouvi não.

Luis Roberto Serrano: Por que o sujeito que quer exportar tem que se cadastrar em algum lugar para ser permitido? Por que ele não pode ir lá no Banco Central, receber uma licença rápida qualquer e exportar? Por que ele não pode fazer amanhã?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Nós chegaremos lá, chegaremos lá nos preços livres, sem formação ao meu amigo Edgar, do DAP [Depósito Alfandegário Público], sem precisar mandar formação para ele, e isso não vai significar inflação. Chegaremos lá. Estamos nessa direção.

[sobreposição de vozes]

Rik Turner: Só uma coisa. Vai haver também uma mudança mais ou menos rápida nesta legislação do Banco Central, pelo qual há uma limitação, há um teto muito baixo no volume de recursos que pode ser importado, ou seja, o valor das importações que podem ser quitadas à vista, acima do qual tem que ser financiamento? Eu ouvi muita reclamação. Por exemplo, na área automobilística, eles dizem “bom, depois de dez carros vai ter que ter financiamento, eu quero ver qual banco lá fora quer ser nesse momento credor do Banco do Brasil.”

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Nós não estamos pensando em mudar isso, apesar de isso também ser uma coisa em que a gente quer chegar lá. Para telespectador entender, se você quiser importar uma coisa muito cara, que represente um volume de despesas em divisas muito grande...

[...]: Duzentos mil?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Eu não sei, não me lembro mais. Isso geralmente vale para máquinas e equipamentos. Então, você tem que ter o financiamento para que o Banco Central não tenha que despender esse dinheiro todo em divisas instantaneamente, para que possa haver uma previsão do cash flow [fluxo de caixa] do Banco Central em divisas. Achamos que vamos chegar lá também, depois de uma situação, de um período grande de equilíbrio nas contas externas, equilíbrio de balanço de pagamentos grande. Não é uma coisa que, pelo menos no curto prazo, certamente é uma regra que não vai ser modificada.

Rik Turner: Mas o senhor há de concordar que é um pepino muito grande para, por exemplo, uma empresa americana, uma alemã, que quer importar automóvel, encontrar um banco lá fora que se disponha a ser credor do Brasil neste momento.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Você imagina, tem gente achando que nós fomos audaciosos demais porque a demanda por importações poderia gerar problemas de crise cambial, não sei o quê e tal... Imagine se nós tivéssemos...

Rik Turner: E não pode?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Poder, pode, tem vários riscos envolvidos em tudo isso que a gente está lidando, mas acreditamos que o saldo continua sendo positivo.

Rik Turner: Mas com essa interpretação, Luiz...?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Você imagina se a gente ainda... Porque isso, por exemplo, é uma coisa de grande impacto. As importações de bens de capital, por exemplo, são da ordem de quatro a cinco bilhões de dólares por ano. Você não pode prever um desencaixe todo. Imagine se todo mundo quiser pagar quatro a cinco bilhões de dólares que você importa por ano de máquina à vista. Nós ainda não estamos num ambiente de equilíbrio das finanças públicas em divisas para abrir mão desse contrato que dá segurança para a gente no cash flow.

Stephen Kanitz: E por que se permitiu a importação de fraldas descartáveis, vídeo-cassete, neste momento, especialmente quando... Na minha opinião, vocês estão também querendo fazer uma recessão neste país. Porque o mais lógico seria permitir somente nesta fase – concordo que a longo prazo a gente pode permitir a entrada de qualquer coisa – em que vocês estão gerando uma recessão, produtos que poderiam ser agregados aqui com valor adicionado local. Quer dizer, trazer uma fralda descartável não vai permitir a nenhum trabalhador brasileiro acrescentar valor a essa fralda descartável. A Johnson & Johnson provavelmente vai ter que parar de produzir por um tempo, até que ela acredite que vocês vão continuar no poder ou não, e assim por diante. Agora, trazer tecido ou algodão para se fazer fraldas descartáveis a um preço menor não teria sido nesta – agora eu estou deixando bem claro – fase de recessão uma política um pouquinho melhor?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Só o neném que adiciona valor na fralda depois, mais adiante, no uso. Não, não tem a menor possibilidade de o governo escolher o que você deve fazer... É a gente voltar para o Anexo C [que proibia uma série de importações] da Cacex [Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil, órgão do Banco Central para licenciar, financiar e produzir estatísticas sobre o comércio exterior do Brasil, extinta em 1990], o que é necessário e o que não é, o que é proibido e o que não é, o que é supérfluo e o que não é. Nós queremos fazer com que o consumidor, seja de fraldas descartáveis, seja de parafusos, seja do que for, de todo e qualquer produto, seja produto para consumo industrial, seja produto para consumo final, que o consumidor, o empresário, ou o consumidor final, possa comparar e escolher o que ele quer comprar. A demanda por esses produtos, a demanda por importações – nós temos um câmbio flutuante –, se for maior do que um determinado câmbio, isso pressionará o câmbio para cima, tornará as importações mais caras, e no momento seguinte, menos gente vai querer. Nesse processo o governo não pode, de antemão... O processo de liberação das importações é justamente o governo dizer que não é ele que diz o que é mais necessário importar, quem diz isso é o mercado.

Gustavo Camargo: Mas nesta fase de estabilização da economia, como não terminou ainda, ao permitir importações generalizadas e, portanto, uma pressão maior sobre a taxa de câmbio, que leva o câmbio para cima, o governo não vai permitir que as empresas de repente passem a olhar a taxa de câmbio – por exemplo, semana passada subiu 8,5% e falem: “bom, este é o indexador, e é por aí que os preços vão”. E até um momento em que o governo vai ter que apitar e parar o jogo.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Olha, o governo tem sido... em muitos debates aos quais tenho ido, principalmente o pessoal de importação pede: “precisamos de uma sinalização para onde vai o câmbio”. É exatamente isso que as pessoas gostariam de ter: a situação que elas tinham antes, muito confortável, de saber qual era a tendência de evolução dos preços relativos. E elas se protegiam, faziam essa proteção. Nós estamos num processo de estabilização e de ajustamento, no qual a sociedade vai determinar qual é a estrutura de preços relativos em condição de se manter estável. Quantas fraldas valem uma calça Lee, quantas calças Lee valem um punhado de dólar? Isso aí é a expressão de valor relativo entre os bens, entre os serviços, que a sociedade perde completamente de vista no período hiperinflacionário. E quando o governo coloca o câmbio flutuante, a demanda livre por importações, um projeto de médio e longo prazo, nós estamos articulando justamente um programa de estabilização com uma transição para preços livres e estáveis e um projeto... O que a sociedade tinha que cobrar efetivamente do governo são regras estáveis, claras e transparentes para o médio e longo prazo, que é o que o país nunca teve. O país tem uma política clara de importações, sabe que nós vamos chegar em 1994 com aquela estrutura de alíquotas, sabe o que não vai fazer, o que não vai ser feito. Tudo isso que foi posto nas diretrizes e consubstanciado em algumas das medidas sinaliza qual é o ambiente no qual o empresário vai decidir. A questão do preço do dólar futuro, hoje o governo não diz se o dólar está bom ou se está... O dólar bom é o dólar do equilíbrio, é aquele que equilibra a demanda por importações e a oferta dos exportadores, esse que é o dólar bom. Ele vai subir e vai baixar, ele pode subir como pode baixar, como qualquer preço.

Gustavo Camargo: Mas não é contraditório, não é ruim durante esse período de estabilização, abrir importações generalizadas?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: A estabilização é um processo doloroso, principalmente porque as pessoas saem de uma situação em que elas, apesar de estarem indo para o abismo, se sentem mais seguras. A hiperinflação é como aquele jogo de cadeiras em que fica todo mundo correndo em volta delas, e com a hiperinflação o que acontece é que cada vez tem menos cadeiras. E quando você faz um plano de estabilização, todo mundo senta. E tem menos cadeira do que gente para sentar. Então, existe um desconforto na acomodação dos preços relativos. Esse é o desconforto que as pessoas estão vivendo, vivendo o risco. Porque quando você está indexado, o principal efeito da inflação, que é a distribuição de renda de um agente para o outro, você está protegido. Você acha que está protegido e está alimentando. Quando um plano de estabilização tira isso, tira essa muleta dos negócios, os negócios ficam incrivelmente arriscados, a vida econômica fica muito angustiante. E nós precisamos. A estabilização são preços livres e estáveis, horizontes de médio e longo prazo para os negócios, contratos anuais, liberdade de mercados. É para lá que estamos caminhando.

Rodolfo Konder: Doutor Luiz Paulo, vamos dar espaço para mais umas perguntas aqui do telespectador, estão chegando muitas perguntas, há um grande interesse aqui.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: É mesmo? Fico feliz.

Rodolfo Konder: Paulo Roberto Fruges, de City, aqui de São Paulo, pergunta sobre a dívida externa. Como é que esse fica esse saldo difícil de ser gerado se tivermos que continuar mandando os serviços da dívida externa.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Essa pergunta é muito boa, e eu vou repetir o que foi um dos principais recados que a ministra [da Economia, Zélia Cardoso de Mello] deu ao divulgar a política industrial. Nós vivemos a década de 80 inteira em função da dívida externa, fizemos a nossa política de importação em função da dívida externa, de exportações em função da dívida externa. Quer dizer, os subsídios que nós montamos para, por exemplo, fazer as operações de exportação, através do programa Befiex [sistema especial de benefícios deferido pela Comissão para Concessão de Benefícios Fiscais a Programas Especiais de Exportação que beneficiava empresas industriais fabricantes de produtos manufaturados, cuja finalidade principal era o incremento das exportações e a obtenção de saldo global acumulado positivo de divisas], foram quase oitenta bilhões de dólares de exportações incentivadas ao longo desses anos. Isso para falar apenas em um. Fizemos maxi-desvalorizacões para poder valorizar os produtos exportados, para produzir isso. Fizemos compromissos com os quais não pudemos arcar. E aí fizemos os compromissos que nos permitiam uma aparente boa relação com os credores internacionais, depois ajustávamos os agregados internos para correr atrás desses compromissos. Este governo só vai fazer compromisso com aquelas coisas que ele pode cumprir. E do ponto de vista da dívida externa, nós vamos pagar, vamos servir a dívida na proporção direta que o plano de estabilização nos permitir, que o saldo que aparecer nas nossas contas externas nos permitirem. Queremos a normalização com a comunidade financeira internacional, sabemos que isso é um processo de negociação, e nós vamos fazê-lo. Agora, a dívida externa é a variável de ajuste.

Luís Roberto Serrano: Secretário, já avisaram os beques do time adversário ou não?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Eles estão mais do que avisados, desde o início dos anos 80.

Rodolfo Konder: Ricardo Katlune, de São José dos Campos, pergunta sobre como vai ficar agora a Zona Franca de Manaus, com a liberação das importações.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: A Zona Franca representa um esforço de industrialização regional, que, a exemplo de outros setores privilegiados por benefícios e vantagens, vão ter problemas nesse processo de importações, principalmente pelo fato de que ela vai ter que competir com importações de outros países etc. Nós imaginamos que o Parque Industrial de Manaus é um parque industrial importante de ser preservado, seja por razões regionais, seja por razões mesmo nacionais. Existem empresas importantes lá que têm pela frente o mesmo desafio que outras empresas têm: que é de adquirir competitividade. Nós queremos dar para a Zona Franca vantagens em termos de índice de nacionalização e de imposto de importação para permitir que ela, nessa fase de transição, consiga também se modernizar e ficar em sintonia com os demais setores industriais do país.

Rodolfo Konder: Oswaldo Cavalheiro, de São José do Rio Preto, pergunta sobre a criação de um Banco de Comércio Exterior. Ele pergunta como é que fica isso quando o Banco do Brasil tem carteira especial em exportação.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Bem, o Banco do Comércio Exterior foi uma decisão importantíssima também. Nós criamos uma comissão para, em trinta dias, formular esse projeto. Vai ser um banco de controle privado, provavelmente com participação também estatal. O Banco do Brasil, como os bancos comerciais, atua em linhas de curto prazo. Hoje, a importância do Banco de Comércio Exterior é para financiar exportações de produtos que têm ciclo longo de produção, como máquinas, equipamentos, navios etc. Então, para isso, nós temos que concorrer com produtores estrangeiros que têm linhas de financiamentos favorecidas. Hoje o principal fator de concorrência para que os nossos produtos possam competir no exterior é ter mecanismos de crédito para oferecer aos nossos clientes.

Rodolfo Konder: Valdemir Soriano, do Jabaquara, pergunta como vai ficar o Proálcool.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: O Proálcool [Programa Nacional do Álcool, implantado no governo de João Figueiredo (1979-1985), estimulou a produção do álcool combustível e levou à construção e aperfeiçoamento dos modernos carros a álcool] é uma área que não é especificamente da política industrial propriamente dita. Quando discutimos a questão da energia, o ponto básico é definirmos uma matriz energética a perseguir. Existem muitas discussões dentro do Ministério da Infra-Estrutura, nós precisamos ter uma matriz energética adequada segundo a qual os preços relativos serão ajustados e a economia possa girar dentro dessa matriz energética mais adequada. O Proálcool foi um esforço supremo de substituição de importações no período do choque do petróleo e trouxe problemas de disfunções e ineficiências graves.

Rodolfo Konder: José Antônio Marques Almeida, de Santos, pergunta por que o governo não liberou as tarifas portuárias como fez com os demais setores.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: A infra-estrutura portuária é um dos itens mais importantes também para o problema da competitividade, tanto para importações quanto, principalmente, para exportações. Em relação aos portos, nós precisamos mudar a legislação, principalmente para permitir privatizações nos serviços portuários. E isso também o Ministério da Infra-estrutura está discutindo e estudando, de maneira a fazer com que os nossos custos de embarque, de armazenagem sejam competitivos. Nós temos muitos problemas nessa área, e não é de tarifas, mas principalmente de custos de operação.

Rodolfo Konder: Antônio Sérgio Magalhães, do Jabaquara, pergunta se este é o momento oportuno para abrir a economia, já que estamos aí com a recessão. A recessão inviabiliza esse esforço de abertura da economia?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Isso se junta com a colocação também do colega jornalista de que o governo estaria promovendo a recessão. Na verdade, vamos ter pela frente é que saber que a variável monetária não é mais uma coisa neutra no processo. Como dizem os economistas, ela não é mais endógena, ela não vai se ajustar para poder equilibrar o nível de atividade e o nível de inflação. Com preços livres, dependerá dos agentes que precificam saber e formar o nível geral de preços. Se o nível geral de preços for superior, for abusivo, a economia se retrairá em igual proporção, porque a política monetária fiscal está sob controle, o governo conseguiu, com o plano de estabilização, recuperar o controle da moeda. Portanto a moeda não vai se ajustar. É o que a gente sempre diz: a estabilização virá. O custo da estabilização dependerá do grau de entendimento que nós, governo e agentes econômicos, conseguirmos ter dentro da economia. Quanto mais entendimento, menor custo.

Mauro Chaves: Secretário, uma perguntinha curta. Quando o senhor respondeu a pergunta do Proálcool, o senhor deu um sorrisinho assim que já deu para a gente entender o futuro do Proálcool. Mas eu queria aproveitar, e acho que os proprietários de carros a álcool devem ficar muito preocupados com o seu sorriso inicial. Eu gostaria de perguntar, a propósito disso, se haverá possibilidade dentro da política industrial do governo um distribuidor de combustível importar diretamente sem passar pela Petrobras nem nada.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: O meu sorriso, é que eu sou um sujeito alegre. Então...

Mauro Chaves: Ao contrário dos possuidores de carro a álcool. [risos]

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Eu sou possuidor de carro a álcool. O meu carro é a álcool.

Mauro Chaves: O senhor não tem nem um segundo opcional a gasolina?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Não, não tenho, só tenho um carro a álcool.

Mauro Chaves: Então o senhor é feliz mesmo.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: O Proálcool teve uma importância grande naquele momento de substituição de derivados de petróleo, e hoje existe uma necessidade de revisão de toda a estrutura, como eu falei, da matriz energética, para que nós, como estamos procurando preço, qualidade e padrões internacionais para tudo, isso é válido também para a matriz energética. Então, precisamos usar o álcool na proporção em que ele seja competitivo com os demais combustíveis e com o projeto de médio e longo prazo de uma matriz energética adequada aos recursos do país. Quanto às importações, se vai poder importar livremente, isso bate na questão do monopólio constitucional do petróleo. Existem três setores que têm monopólios constitucionais, que é a mineração, o petróleo e as telecomunicações. Na medida em que a política industrial e o projeto de governo buscam justamente fazer as mudanças necessárias para que o brasileiro possua ou possa ter produtos com padrões internacionais de preço e qualidade –  até porque preço baixo é salário real, e a única maneira de aumentar salário real é ter preços, é ter uma estrutura de oferta de bens e serviços em padrões internacionais – também esses setores que são objetos de monopólio constitucional precisam colocar em sua formulação estratégica que eles também precisam perseguir esses padrões, sejam eles monopólio constitucional ou não. Porque nós temos mudanças, alteração da Constituição em 1993, podemos ter outras. Não é o governo que vai cobrar, é a sociedade brasileira toda que vai cobrar dos produtores produtos confiáveis, com qualidade e preço baixo.

Rik Turner: Como é que vai fazer isso com a Telebras, por exemplo? Se a Argentina acabou de vender a Entel [Empresa Nacional de Telecomunicações, estatal argentina que funcionou de 1948 a 1990, quando foi privatizada], como que se consegue cobrar da Telebras níveis de serviço, preços e produtos internacionais?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Eu acho que isso é uma coisa que nós vamos ter que cobrar não só da Telebras, de todos os setores. Eu não vejo por que a Telebras seja mais difícil do que a indústria automobilística.

Rodolfo Konder: Todos os “bras”, inclusive a Petrobras? Todos os “bras” serão cobrados?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Todos os “bras” e todos os oligopólios, e todos os setores, e todas as regiões, essa é uma exigência social.

Luís Roberto Serrano: Isso significa brigar com militar, Telebras, monopólio estatal?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Não, a gente não...

Luís Roberto Serrano: Isso significa na prática brigar com questões...

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Se você for ver, o plano de...

Luís Roberto Serrano: Estão sob o guarda-chuva da segurança nacional, portanto não podem ser abertos. Isso é uma briga boa, não é?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: O plano estratégico da Petrobras feito no ano passado coloca em seu primeiro ponto a questão da eficiência e competitividade, coloca o seguinte. A questão central para a Petrobras nos próximos dez anos, até o ano 2000, é perseguir padrões de eficiência e qualidade. Esse problema da ameaça, não é porque o governo... é porque a sociedade não vai aceitar pagar, subsidiar o produtor ineficiente, pagar um sobrepreço. Isso é o esgotamento da substituição de importações e que perpassa todos os setores. Não se iludam. Na Telebras, na Petrobras, nos setores de mineração, em todos os setores, por mais eventualmente protegidos que eles possam hoje parecer.

Stephen Kanitz: Quer dizer que vocês vão pôr a lei anti-truste [criada para prevenir e reprimir infrações contra a ordem econômica, a lei visa à defesa da liberdade de iniciativa, da livre concorrência, da função social da propriedade, defesa dos consumidores e à repressão ao abuso do poder econômico] em cima da Petrobras e dividi-la em oito empresas?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Não.

Stephen Kanitz: Porque a única forma de você ter eficiência no setor estatal, em vez de privatizar – o que eu acho que vai ser impossível – seria dividir a Petrobras em oito empresas e fazê-las competirem entre si. Cada governador ficaria com uma parte, e faríamos uma concorrência...

[sobreposição de vozes]

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Eu acho que só ia piorar a situação. A Petrobras é uma empresa, sob muitos aspectos, muito competitiva. A Petrobras hoje está atuando em 32 países, está atuando nos Estados Unidos, é uma empresa que tende a ser a nossa primeira multinacional. Eu vejo para a Petrobras um futuro muito positivo. É uma empresa que segura o mercado de ações, com o seu controle pulverizado. Eu acho que essa idéia de que oito pessoas competindo geram um equilíbrio de mercado é uma ilusão que o capitalismo moderno...

Stephen Kanitz: Essas são suas idéias.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: ... já acabou.

Frederico Vasconcelos: Antes de chegar nesse futuro aí que o senhor diz, que nós vamos chegar lá, a Petrobras vai enfrentar muito brevemente o problema central do represamento de tarifas. Existe hoje uma meta que foi anunciada pelo presidente, de que em agosto a inflação chegaria a 3%. Para essa inflação chegar a 3% em agosto, das duas uma: ou terá uma manutenção do processo de segurar salários e de outro lado segurar tarifas. E já há os primeiros sintomas de que a Petrobras vai chiar se não houver um reajuste de preço. Então, tem problemas que são muitos imediatos e não existe essa facilidade da...

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Não tem nenhuma facilidade. Eu espero que o meu sorriso não seja confundido com achar que essa é uma tarefa fácil [risos], pelo contrário. Eu apenas acho que essa é uma tarefa de todo mundo. E eu acho que nós ainda estamos nos batendo nas dificuldades da estabilização. E eu gostaria muito que ficasse muito claro que a política industrial de comércio exterior é uma consolidação e uma continuidade do esforço de estabilização. Ela depende e a estabilização também depende disso. Porque depende também fazer com que as pessoas, os agentes econômicos vejam que existe um futuro no médio e longo prazo, e que a estabilização é necessariamente um processo de realização de perdas passadas. Isso, portanto, é um processo conflitivo porque as pessoas estão disputando para ver quem perde menos. É esse processo de combinar os preços relativos, não é um processo fácil, é um processo conflitivo, o conflito distributivo se acirra...

Frederico Vasconcelos: Deixe eu lhe perguntar uma coisa muito prática, desculpe interromper. O senhor coloca um ponto que ele colocou [apontando para um dos entrevistadores], que eu acho importantíssimo. O senhor fala, por exemplo, [Frederico Vasconcelos lê a citação a seguir] “grupos empresariais de grande porte, articulados a uma extensa malha de pequenas e médias empresas tecnologicamente dinâmicas”. Eu queria perguntar o seguinte: como é que o Estado vai poder estimular e incentivar essa articulação se ao mesmo tempo ela depende do próprio processo de escolha da grande empresa? O senhor não acha que há o risco também de sair do cartório interno para ficar a mercê do oligopólio multinacional?

Mauro Chaves: Secretário, só complementando, o senhor já se referiu em uma entrevista exatamente a respeito disto: o senhor admitiria oligopólio, mas não admite a cartelização. É possível um pequeno grupo de produtores, uma concentração de capital, mas o senhor não aceita que eles fixem preço para alijar a concorrência. Eu perguntaria exatamente nessa linha, se é possível isso, se é possível que o oligopólio deixe de se cartelizar. Foi mencionada aqui também a lei anti-truste. Qual seria o perfil da lei anti-truste para o governo? Ela iria atingir esse ponto?

Rodolfo Konder: Como nós já estamos chegando ao final do programa, ao final do nosso horário aqui, eu vou pedir ao senhor para responder a essa pergunta de uma maneira mais ou menos sucinta, porque nós temos apenas um minuto e meio para terminar o programa.

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Então eu vou ser mais breve do que a pergunta merecia [risos], porque a pergunta é muito importante. Falar da questão mesmo do cartel, pegar a sua pergunta. Efetivamente, a exigência de concentração faz com que em certos setores não caiba um monte de gente, não faz o menor sentido. E concentração de capital não quer dizer concentração de renda. Tem muitos países que têm uma concentração de capital muito maior do que a do Brasil, grandes empresas e, no entanto, a renda é muito mais distribuída, as pessoas vivem muito melhor. E a competição hoje no mundo, a gente precisa destruir aquele mito do capitalismo primitivo, de que a competição é pulverizada, um monte de gente, que nem na feira, conduz ao equilíbrio. Hoje, a competição e a associação são duas faces da mesma moeda. Duas empresas concorrentes se associam numa pesquisa tecnológica, elas são sócias num mercado, competidoras no outro. Essa é a nossa realidade hoje no mundo. E falando da pequena empresa, não é nenhuma retórica, e pela primeira vez eu acho que o governo fala de pequena empresa sem retórica. Porque efetivamente nós achamos que vai se abrir um espaço muito grande para as pequenas empresas dinâmicas tecnologicamente, que surgem no ambiente das grandes empresas, que é a experiência mundial. O cara está lá numa grande empresa e até incentiva que um grupo de empregados dele se liberte, faça uma pequena empresa e sirva a ele. Isso surge no ambiente acadêmico. Nós achamos que esse é um modelo que deve favorecer a esse projeto nacional de integração soberana e competitiva do Brasil na economia mundial.

Rodolfo Konder: Doutor Luiz Paulo Vellozo Lucas, diretor do Departamento da Indústria e do Comércio da Secretaria Nacional de Economia, muito obrigado ao senhor pela sua presença aqui no Roda Viva. Em nome da TV Cultura, agradeço muito a sua presença e aos telespectadores que nos honraram com a sua preferência, agradeço aos jornalistas que nos ajudaram a fazer o programa, agradeço também a Bernadete, a Cristina e a Carla, que estiveram aqui atendendo gentilmente os telefonemas, e ao Paulo Caruso que registrou lá em cima os melhores momentos do programa.

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