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Memória Roda Viva

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Joel Rennó

10/8/1998

O entrevistado fala sobre a relação com a Agência Nacional do Petróleo, a nova Lei do Petróleo, além de se posicionar contra a privatização da Petrobras

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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Paulo Markun: Boa noite. Ele comanda a décima quinta companhia petrolífera do mundo, que produz mais de um milhão de barris por dia, que fatura mais de 21 bilhões de dólares por ano e que pretende sobreviver ao monopólio ou ao final do monopólio estatal de petróleo. Hoje, no centro do Roda Viva, [está] Joel Rennó, presidente da Petrobras.

[Comentarista]: Mineiro de Belo Horizonte, com sessenta anos de idade, Joel Rennó é engenheiro eletricista e fez carreira passando por vários cargos em órgãos públicos. Há quase seis anos, ele está na presidência da Petrobras, o gigante brasileiro do petróleo e do gás que perdeu os privilégios do monopólio estatal. Criada em 1953, a Petrobras se tornou a maior empresa brasileira em faturamento e também o maior símbolo da estatização no país. Em quase 45 anos de trabalho, a empresa assumiu o controle total da exploração, refino e comercialização de combustíveis, chegando a responder pela produção de 60% do petróleo consumido no país. Desenvolveu tanto as técnicas de extração e plataformas marítimas que fez do Brasil o líder mundial de tecnologia de extração de petróleo em águas profundas. Gigante em tudo, seus problemas também foram sempre de grande tamanho. Alvo histórico de pressões e disputas políticas, a Petrobras teve de enfrentar grandes movimentos grevistas e, por outro lado, duras polêmicas sobre desestatização. No ano passado, a longa batalha da quebra do monopólio estatal do petróleo chegou ao fim. O governo abriu o setor à livre concorrência. E a Petrobras, de Joel Rennó, teve que colocar em seu horizonte novos desafios: demonstrar capacitação técnica e financeira para manter a concessão de quase quatrocentas áreas de exploração que ela tem no país e, ao mesmo tempo, definir e ocupar seu novo espaço no mercado, recentemente aberto, promissor e que já está na mira dos gigantes multinacionais do petróleo.

Paulo Markun: Para entrevistar Joel Rennó, presidente da Petrobras, nós convidamos: a jornalista Suely Caldas, diretora da sucursal do Rio de Janeiro do jornal O Estado de S. Paulo; o jornalista Celso Pinto, colunista de economia da Folha de S.Paulo e do Jornal do Brasil; o professor Paulo Singer, economista da USP [Universidade de São Paulo]; o advogado e jornalista Hideo Onaga; o historiador Ricardo Maranhão, que é professor de política energética da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas]; o analista econômico Aloysio Biondi; o jornalista econômico Luís Nassif, diretor da agência Dinheiro Vivo. Boa noite, doutor Joel Rennó.

Joel Rennó: Boa noite, Paulo.

Paulo Markun: O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Doutor Rennó, quando eu era criança, pelo menos, e lia os livros de Monteiro Lobato, eu lia que "o petróleo é nosso" [a campanha com o slogan "O petróleo é nosso" culminou na criação da Petrobras em 1953]. Depois de alguns anos fiquei sabendo que o petróleo, na verdade, era da Petrobras. E, agora, o presidente da Agência Nacional de Petróleo [ANP] diz “O petróleo é vosso” e garante que a sociedade quer mais óleo e menos monopólio. Como o presidente da Petrobras classifica o petróleo: é nosso, é vosso, de quem é?

Joel Rennó: Paulo, o petróleo é do nosso país. Na Constituição, inclusive, está mais do que colocado, mais do que inserido que toda essa riqueza nacional - ela foi descoberta pela Petrobras mas daqui para frente, certamente, terá a contribuição de outras empresas particulares nacionais e internacionais - esse petróleo é do nosso país, é do nosso povo.

Paulo Markun: Quem começa?

Celso Pinto: O senhor acha que o critério estabelecido pela ANP para dividir as áreas de concessão foi satisfatório? Certamente a Petrobras gostaria de ter muito mais do que recebeu. O que a Petrobras recebeu é suficiente para ter mais poder de fogo e concorrer com os futuros exploradores, como empresas internacionais no Brasil?

Joel Rennó: Celso, vou apenas lhe dar dois números. Da aplicação que fizemos dentro da nova Lei do Petróleo, aprovada no ano passado pelo Congresso [Nacional] e sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em agosto de 1997, fizemos áreas para produção, desenvolvimento e exploração. Repetimos essa apresentação quando a ANP foi efetivamente implantada em janeiro deste ano, resultando um total de 433 blocos, incluindo blocos para produção, desenvolvimento e exploração de petróleo e gás natural. A Agência, depois de examinar a matéria com a participação da Unicamp, da Universidade [Federal] da Bahia e dos seus técnicos, aprovou que a Petrobras deveria continuar produzindo, desenvolvendo e explorando 397 blocos, ou seja, mais do que 90%, mais precisamente 91,5%. Ora, é um volume, é uma porcentagem significativa da pretensão que tínhamos mostrado! Mostramos que teríamos capacidade técnica e econômica para desenvolver esse trabalho. Dos 433 blocos, 397 [foram] autorizados. Em grande parte desses blocos vamos contratar as conhecidas parcerias, já tão divulgadas no nosso país, inclusive no próprio Roda Viva. Vamos convidar as empresas que estão interessadas.

Celso Pinto: A maioria dos blocos será com parceiros?

Joel Rennó: Não diria a maioria, mas uma boa parte. Admitiremos parceiros até nas áreas de produção para nos ajudarem a incrementar a produção e trazer recursos para nosso país. Esses recursos serão investimentos, não serão financeiros ou de especulação.

Suely Caldas: Eu queria justamente prosseguir com essa argumentação...A Petrobras, se ela não teve todas as áreas que gostaria de ter, ela tem o "filé mignon", a parte mais nobre, onde com certeza existe petróleo. Agora,  há uma certa crítica dentro do governo em relação às parcerias que a Petrobras fez com empresas privadas. Diz-se que as parcerias não foram transparentes, ou seja, a Petrobras teria tido uma função que seria da Agência Nacional de Petróleo, escolheu as empresas com quem ela deveria explorar petróleo. Se fosse ao contrário, se a Petrobras esperasse a ANP fazer a licitação, seria um processo muito mais transparente, ou seja, regras iguais para todas as empresas privadas. Então, quem der mais ou quem apresentar uma proposta mais conveniente, ganha. A Petrobras não fez isso, ela negociou dentro dos seus escritórios com as empresas privadas, o que leva à crítica dentro do governo de que o processo não foi transparente. O que o senhor acha disso?

Joel Rennó: Sua indagação tem duas partes principais. A primeira é sobre o "filé mignon", depois é sobre as parcerias não transparentes. Suely, você conhece bem o setor de energia, o setor de petróleo. Existe um pré-estudo das condições para você se interessar por determinada área. Você tem estudos geológicos, tem pesquisas geoquímicas, faz estudos para conhecer a coluna ecológica...Depois, a partir desses dados resgatados, você decide fazer um poço ou não. Para se saber se essa área efetivamente é um "filé mignon", se ela tem ou não tem o hidrocarboneto, o petróleo, o gás natural, você tem que investir recursos no poço, não se pode dizer de antemão que essa área é "filé mignon", que é muito melhor do que outras. A mesma crítica, o mesmo comentário se fazia em 1975, quando o governo federal autorizou pela primeira vez a Petrobras a celebrar contratos de serviços com cláusula de risco. Naturalmente, isso não é do meu tempo de companhia, eu trabalhava em outra empresa. Mas em 1976, ano seguinte, quando a companhia celebrou o primeiro contrato de risco com a British Petroleum, não se sabia dizer se a companhia, de fato - como foi feita a crítica na ocasião - ficou com a área chamada "filé mignon". Tanto a British como outras empresas que posteriormente celebraram contratos de serviços com cláusula de risco com a Petrobras ficaram com a parte mais difícil. Então, não é verdade, não procede essa crítica, digo isso com toda a franqueza. Quanto às parcerias, começamos a conversar com empresas nacionais e internacionais privadas bem antes da aprovação formal da lei de regulamentação. Isso se deve à estratégia de, antevendo que esse processo de abertura iria ocorrer, buscar caminhos até onde pudéssemos, inclusive, transmitir dados reservados, considerados até quase confidenciais. Chegamos ao limite de oferecimento, a todas as empresas que pretenderam, de elementos que tínhamos para mostrar. Combinamos, de certa forma, realizar essas parcerias. Pretendemos concretizá-las, vamos chamá-las, conforme conversado anteriormente, e dar oportunidade também para outras que quiserem fazer melhores propostas em cada bloco...

Suely Caldas: [Interrompendo] O senhor não acha que essa função é da ANP e não da Petrobras?

Joel Rennó: As melhores propostas em cada bloco terão oportunidade de celebrar o contrato de parceria com a Petrobras.

Luiz Nassif: Doutor Rennó, o senhor esteve em um debate na Escola Superior de Guerra [Instituto de Altos Estudos de Política, Estratégia e Defesa, integrante do Ministério da Defesa], onde se colocava que a abertura do monopólio comprometeria a Petrobras, impediria o seu crescimento...Mas nós estamos vendo um quadro contrário, aliás como o senhor próprio salientou na ocasião. Eu lhe pergunto o seguinte -  pelos dados que foram apresentados no início do programa, hoje a Petrobras fatura 21 bilhões de dólares ao ano - quanto foi o crescimento anual nos últimos 15 anos e quanto é o crescimento anual projetado nos próximos dez ou 15 anos em função dessa mudança, do fim do monopólio?

Joel Rennó: Você se refere à produção de petróleo e gás natural?

Luiz Nassif: Ao faturamento global da Petrobras.

Joel Rennó: Ah, faturamento! Em primeiro lugar, quero fazer uma pequena correção ao Paulo Markun quando mencionou na introdução que a companhia teria cerca de 21...Isso já passa dos 25!

Paulo Markun: Do ano passado?

Joel Rennó: É o resultado do balanço de 1997, foram 25 mil reais [de faturamento]. O crescimento...

Paulo Markun: [interrompendo] Na verdade, eu me enganei ao mencionar o dado. Creio que foi um faturamento de 21 bilhões de dólares.

Joel Rennó: Talvez...Foi de quase 23 [bilhões de dólares], mas está bem. Paulo, não vamos discutir por tão pouco!

[risos]

Joel Rennó: O importante é que são resultados positivos da companhia para o nosso país, isso que é importante. Mas não me lembro, não posso lhe dar com exatidão valores de faturamento da empresa de 15 anos atrás...

Luiz Nassif: Mas o que se espera do ritmo de crescimento anual daqui para frente?

Joel Rennó: Esperamos que, com a perspectiva que se abriu para empresa a partir da Lei 9.478, aprovada em agosto do ano passado... Nassif, é importante eu repetir isso algumas vezes, porque estávamos ainda embalados por muito tempo com a Lei 2004, que foi desbravadora para o setor de energia, de petróleo. Essa lei criou a Petrobras, quando foi sancionada em 1953 pelo então presidente Getúlio Vargas. Tenho a impressão - e os nossos técnicos e analistas concordam - de que essa abertura proporcionará à empresa uma nova oportunidade, uma nova era no setor de energia. Isso porque nós tínhamos ao lado da possibilidade e da necessidade de sermos a única executora do monopólio - que sempre existiu desde que o governo instituiu e continuará existindo, nunca foi exclusivamente da Petrobras...[não termina a frase] A Petrobras tinha exclusividade para realizar, dentro desse monopólio, todas as atividades concernentes ao setor de petróleo: exploração, produção, transporte etc, menos comercialização. Essa abertura dará oportunidade...Haverá um trabalho em conjunto com outras companhias. O que é muito importante é que todas as empresas nacionais e internacionais privadas, que mantiveram contato conosco nesses últimos dois anos, sempre comentaram a vontade, o desejo e o compromisso de trabalhar em parceria com a Petrobras. Isso nos dá a convicção de que a empresa realmente pode oferecer condições de um bom trabalho em conjunto. E há vantagens de sermos uma empresa que ficou no país por cerca de quatro décadas, um pouco mais, trabalhando unicamente no setor de petróleo, conhecendo como nenhuma outra toda a nossa condição, peculiaridade nacional e geologia. A empresa que tem, inegavelmente, um corpo técnico da melhor qualidade, trabalhadores extremamente interessados nos trabalhos, além da tecnologia. Eu creio que por essas três condições básicas - conhecimento do país, pela exclusividade que mantinha, corpo técnico e trabalhadores preparados, tecnologia - todas as empresas que têm o desejo de vir para cá [Brasil], a partir dessa nova lei, desejam trabalhar em parceria com a Petrobras. Nossa avenida de negócios e de progresso é muito ampla, devemos e temos todas as condições para progredir nesse setor. Isso vai depender, sobretudo, da empresa. Presidindo a companhia há quase seis anos e sabendo que ela tem todo o valor, toda a condição para progredir muito, tenho a convicção de que terá um grande futuro.

Paulo Markun: Paulo Singer.

Paulo Singer: Aproveitando essa ocasião, eu queria lembrar um artigo seu de 1993, no [jornal] O Globo, em que você falava sobre o mercado mundial. Dizia o seguinte: "As grandes multinacionais já existentes mantêm-se integradas e cada vez mais fortes, seja pela união entre si, seja pela conquista de mercado em reservas de países de menor expressão. No contexto mundial, o mercado se fecha cada vez mais ao seu redor, reduzindo dramaticamente a chance de que novas empresas possam ter oportunidade de se firmar no cenário industrial". Será que isso vale ainda cinco anos depois? Faço essa pergunta porque a quebra do monopólio cria o oligopólio... A pergunta é: que diferença faz agora a situação com a mudança do regime?

Joel Rennó: Pois não, professor! Eu penso, nós pensamos, da seguinte maneira - não quero usar um plural chamado de majestático, mas essa é a opinião da maior parte do corpo técnico da empresa, dos seus dirigentes - nós pensamos que a manutenção do monopólio está garantida. O monopólio hoje é administrado pela Agência Nacional do Petróleo. Na época em que se dizia que a Petrobras era dona do monopólio, ela nunca foi. Como havia só uma empresa, então a relação entre empresa e governo era direta. Sempre se imaginou que nós éramos aqueles portentosos detentores dessa condição do monopólio, mas ele sempre foi da União. É importante frisar isso. Nós deixamos de ser, efetivamente, a partir de agosto do ano passado, a empresa com a exclusividade de executar as tarefas do monopólio, mas ele continua sendo mantido pela União e, agora, administrado pela Agência Nacional do Petróleo, que vai administrar não só tendo em vista os trabalhos, projetos, serviços e empreendimentos da Petrobras, mas de todas as empresas que decidirem trabalhar no nosso país. É uma agência única e as empresas serão múltiplas. No caso da Petrobras...

Paulo Singer: [interrompendo] A pergunta é: que diferença faz isso para nós?

Joel Rennó: No caso da Petrobras, nossa impressão é a seguinte: com o concurso de outras companhias que aqui estarão, pelo menos no início, trabalhando em conjunto com a Petrobras, em parceria, temos a convicção de que a empresa tem boa experiência, tem boa tecnologia, tem quadro técnico competente. Mas outras empresas, também, trazendo para cá mais experiência, seu corpo técnico, seu conhecimento tecnológico, eu creio que pode ajudar muito, para que o país, professor, continue sempre na ponta do conhecimento, das experiências e do bom aproveitamento de recursos energéticos para seu benefício. Isso [será possível] juntando esforços de empresas que virão para cá...

Paulo Singer: [interrompendo] Sem os excessos da globalização no mercado brasileiro?

Joel Rennó: Sem os excessos que uma globalização poderia provocar nesse setor de energia. A Agência administrarndoesse processo e a Petrobras, como empresa industrial e comercial, participando intensamente desse esforço comum.

Paulo Markun: Nessa sua equação, não aparece o dado capital, recursos para investir. Esse também é um dado importante?

Joel Rennó: Muito importante. Essas empresas que virão aportar no nosso país para trabalhar nessas parcerias e, quem sabe daqui a algum tempo aventurar-se para competir, trarão recursos financeiros que serão investidos no país. Não se trata de recursos de especulação, são recursos muito importantes para que isso aí ocorra de maneira positiva no Brasil. Nossa impressão é que a companhia Petrobras, trabalhando por pouco mais de quatro décadas e com muita competência e capacidade, é uma empresa menor do que o nosso país. Tudo o que nós devemos fazer, eu entendo, tem que ter um objetivo, um interesse nacional. Por sinal, um dos artigos específicos da Lei 9.478 estabelece as condições de funcionamento [da Petrobras] dentro do setor de energia. Uma das primeiras condições impostas é de que tudo seja realizado, em primeiro lugar, em nome do interesse nacional. É assim que nós pensamos.

Ricardo Maranhão: A garantia do interesse nacional não depende também de uma forte questão de controle e regulamentação? Você vê que até mesmo no decálogo de recomendações do Banco Mundial, ao defender as privatizações e flexibilizações, se coloca muito claramente, até mesmo como regularização básica, a questão do controle. Nós vimos que no setor elétrico, por exemplo, ainda há muito o que fazer. A Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] ainda não disse claramente a que veio. Com relação ao setor do petróleo, você considera que a ANP esteja equipada do ponto de vista legal, de regulamentação e tecnicamente para exercer esse controle em nome do interesse nacional?

Joel Rennó: As disposições legais da Lei 9.478, que é o novo estatuto do setor de petróleo e gás natural do país, institui a criação da Agência Nacional do Petróleo e estabelece, ao mesmo tempo, todas as condições, todas as prerrogativas para o  seu funcionamento. Eu entendo que, como a ANP é muito recente, foi implantada efetivamente em janeiro último, tem cerca de sete meses de funcionamento, está se equipando pouco a pouco, em uma velocidade até elogiável. Veja os contratos de concessão que já celebrou com a Petrobras em cerca de sete meses de funcionamento: 397 contratos de concessão foram elaborados pela Agência, celebrados com a Petrobras para que nós possamos continuar trabalhando, agora na condição de concessionário. Entendo que a Lei é suficiente e a Agência vai se equipar pouco a pouco para exercer esse trabalho. Eu lhe dou toda a razão: é um trabalho muito importante, não só em termos de legislação, mas em termos de funcionamento desse órgão regulador, fiscalizador, de conceder as famosas concessões.

Aloysio Biondi: Está tudo muito bonito...Você está falando aí da Agência Nacional de Petróleo, que agora é responsável pela política. E o senhor, é claro, parece que está transmitindo a impressão de que há uma perfeita concordância entre a Agência e a Petrobras. No entanto, o diretor geral da Agência, o [David] Zilberstein, se referiu de maneira bastante agressiva contra a Petrobras durante sua posse. Essa "lua-de-mel" existe mesmo ou as coisas foram feitas passando por cima da Petrobrás? Ele disse que chegava a hora de a Petrobras parar de sugar o Tesouro [Nacional]. Foi quando ele falou também que "O petróleo não é nosso, não é da Petrobras, é vosso". Queria que o senhor explicasse se a Petrobras algum dia sugou o Tesouro ou, ao contrário, se a Petrobras pagou coisas que o Tesouro devia pagar. A gente ainda o vê, com a maior "cara de pau", dizer que eles estão recalculando a conta do álcool, que há quatro anos era de oito bilhões. Que governo lerdo! Quatro anos depois, ele ainda não sabe quanto o Tesouro deve para a Petrobras! Gostaria que o senhor falasse se é a Petrobras que deve ao Tesouro ou se é o Tesouro que deve à Petrobras? E a outra coisa é a seguinte...Foi colocado o problema de investimento. Acho que toda essa abertura de mercado foi colocada com a ajuda da imprensa, sempre dizendo que a Petrobras fracassou porque não nos deu auto-suficiência. Esses dados de que ela é líder de tecnologia marítima...ela realmente é pioneira, é campeã nessa área, mas toda a impressão que se passou para a opinião pública é de incompetência. Você disse que ela é líder no preço também. Gostaria que o senhor dissesse quanto o governo realmente fixou de preço para o petróleo extraído aqui pela Petrobras. A impressão que o grande público tem - acho que a gente precisa falar um pouquinho para o telespectador comum - é que a Petrobras nadava em dinheiro e explorava o consumidor. E, finalmente, nessa parte de investimento, no final das contas, quem decide o que o país vai investir é a equipe econômica do presidente da República. No ano passado, a Telebrás investiu 7,5 bilhões [de reais] em telefone. Que eu saiba, isso não produz petróleo, não economiza dólar, não é bem uma prioridade, não desenvolve o país. E a Petrobras, que já tinha o orçamento, se eu não me engano, na faixa de três bilhões para investir, sofreu o corte, não foi atendida. Eu só estou achando que está tudo muito bonito, mas há realmente essa...A Agência Nacional do Petróleo gosta da Petrobras? O senhor Zilberstein respeita a Petrobras? Ele acha que a Petrobras tem tecnologia ou ele vendeu para a opinião pública a impressão de que a Petrobras suga o Tesouro, explora o país, explora o consumidor? Gostaria que o senhor explicasse isso para o telespectador.

Joel Rennó: Eu quero antes de mais nada, jornalista Biondi...Eu lhe disse quando nos encontramos aqui, depois de tanto tempo, a boa admiração que eu tenho e que muitas pessoas têm pelo seu trabalho. Quero dizer que sua indagação foi muito ampla e completa. Em primeiro lugar, nós não estamos fazendo esses comentários, eu estou tentando responder perguntas e entendo que os telespectadores do Roda Viva não estão achando que está tudo bonito. No entanto, nós temos muitos problemas, muitas dificuldades, temos é que ter coragem para enfrentá-los e é isso que a companhia tem feito por mais de quatro décadas. A Agência Nacional do Petróleo, como eu disse, tem todas as suas prerrogativas estabelecidas pela Lei 9.478, assim como tem a Petrobras. Então, eu acho que cada uma está cuidando das suas atividades. A Agência é um órgão de regulação, de fiscalização, de mediação, faz as concessões. A companhia é uma empresa industrial e comercial que trabalha no setor realizando seus projetos, serviços e empreendimentos e aumentando a infra-estrutura energética do país. O jornalista Biondi se referiu à posse do diretor geral da Agência em Brasília, em janeiro. Não me lembro de ter ouvido nenhum comentário dele de que a Petrobras precisava parar porque estava cansando e sugando demais o Tesouro. Se isso foi comentado, se foi feito, eu não me lembro. Efetivamente, não foi justo o comentário, se foi nesses termos, nessa base. O Tesouro não contribui, não colabora com centavo nenhum no orçamento de investimento da nossa companhia. O último aumento de capital promovido e que fez com que o Tesouro aportasse o recurso da companhia para não perder sua participação com 51% do capital total e nos 82% do capital votante foi em 1972, portanto há 26 anos. Nesse período, toda a companhia tem dado o resultado que dá e tem investido com os recursos que ela produz com seus combustíveis nas 11 refinarias no país. Em geral, dos investimentos médios dos últimos anos, de 3,4 bilhões de dólares, a metade foi com recursos próprios e metade foi buscando financiamentos no mercado internacional, com condições muito mais favoráveis do que o mercado nacional. No ano passado, ao preparar o orçamento de investimento da companhia para o ano corrente, 1998, em função da crise que aconteceu no final do ano, nós nos vimos obrigados a desconsiderar cerca de um bilhão de reais no orçamento pretendido. Então, estamos trabalhando em 1998 com um grande esforço para o cumprimento das metas e na expectativa de alguma parceria que ainda possa se realizar até antes do final do ano. Sua pergunta foi bastante ampla, há talvez algum outro aspecto que eu não tenha...

Luiz Nassif: [interrompendo] Eu queria pegar essa questão do investimento do Tesouro...No governo Sarney [período entre 1985 e 1990], acho que foi quando o [Antoninho Marmo] Trevisan assumiu a Sest [Secretaria de Orçamento e Controle das Estatais, criada em outubro de 1979, com o objetivo de aprimorar o controle por parte do executivo], se mudou o conceito de controle sobre as estatais. As decisões de investimento passavam pela Sest, técnicos que não eram especializados passaram a determinar as necessidades de investimento de cada uma dessas companhias que tinham a sua lógica própria. Como isso evoluiu na sua gestão? A Sest continuou exercendo, junto com o Tesouro, esse papel de determinar também a política de investimentos ou, depois da loucura inicial, isso já ficou mais racional?

Joel Rennó: Naturalmente, Nassif, pela legislação, uma empresa como a nossa, de governo, deve cumprir a obrigação de que a Sest tenha participação efetiva nos números finais do nosso orçamento, no investimento anual. Até 1988, pouco antes da promulgação da última Constituição brasileira, esse orçamento era avaliado pelo Ministério de Minas e Energia, é claro, com entendimento com a área econômica, estabelecendo um volume que era aplicado pela empresa e fiscalizado. A partir da Constituição, esse limite, depois de passar pela área econômica, inclusive pelo Ministério do Planejamento, é submetido ao Congresso Nacional como instância final. O Congresso aprova o orçamento das estatais, inclusive o nosso. Nós estamos nessa linha...cumprindo o que a legislação estabelece. Os limites, para serem aprovados, devem passar por entendimentos entre os nossos técnicos, do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Planejamento, necessariamente.

Suely Caldas: Doutor Rennó, se a Petrobras fosse submetida a um vestibular sobre o cumprimento da Lei das SAs, ela seria reprovada. O estilo de gestão da Petrobras não leva em conta, por exemplo, os acionistas minoritários. A Petrobras hoje tem uma diretoria composta por seis diretores...

Joel Rennó: [interrompendo] Sete.

Suely Caldas: Sete diretores.

Joel Rennó: Inclusive o presidente!

Suely Caldas: ...o presidente e seis diretores, um conselho de administração integrado por sete diretores e três membros de fora da Petrobras que seriam representantes dos acionistas minoritários.

Joel Rennó: Direito público e direito privado.

Suely Caldas: Exatamente. Dos três representantes de fora, um morreu e dois estão com o mandato vencido...

Joel Rennó: [interrompendo] Assim como todos os diretores executivos.

Suely Caldas: ...e não mais se reúnem com a diretoria da Petrobras para formar o conselho.

Joel Rennó: É um equívoco, Suely, lamentavelmente. Pelo atual estatuto da empresa, ainda lastreado pela Lei 2.004, essa composição é perfeita. O estatuto diz até hoje que, enquanto não houver substituição de dirigentes executivos ou de membros do conselho...

[sobreposição de vozes]

Suely Caldas: Deixa eu completar a minha pergunta? Então é o seguinte, os dois diretores, os dois conselheiros de fora, o senhor sabe que já não valem mais...

Joel Rennó: Eu não sei, é você que está comentando!

Suely Caldas: Além de estarem com o mandato vencido, não freqüentam...Por exemplo, outro dia eu perguntei ao Benjamin Steinbruch: "o senhor foi à reunião do conselho da Petrobras?". Ele disse: “Não, há muito tempo que eu não vou”, ele é um deles. O que aconteceu? O governo avaliou que, para mudar esse estilo de gestão da Petrobras, seria necessário que a diretoria não mais integrasse o conselho de administração, porque isso é uma anomalia. Na verdade, os sete diretores se reúnem numa sala como diretoria, aí se reúnem na outra sala como conselho de administração e voltam para a sala anterior para cumprir as decisões que eles tomaram antes e depois. É isso!

Joel Rennó: Não é bem assim, mas sua figura um pouco exagerada poderia ter sentido se não fosse a responsabilidade de cada diretor, de cada conselheiro.

Suely Caldas: O Banco do Brasil não é assim, as outras estatais não são assim, doutor Rennó.

Paulo Markun: A Petrobras não deveria se adequar?

Suely Caldas: As outras estatais não são assim. Por exemplo, o presidente do conselho de administração do Banco do Brasil é o Pedro Parente, que não é nem de dentro do Banco do Brasil.

Joel Rennó: Eu posso adiantar, corroborando, de certo modo, com trabalhos anteriores que a mesma jornalista já publicou. A nova lei estabelece um ajuste do estatuto, que era o estatuto vigente pela Lei 2.004. Isso já foi feito, foi encaminhado ao acionista maior, que é o governo, para sua decisão. Estamos aguardando essa decisão para que o conselho venha a ter essa peculiaridade, essa particularidade mais ligada...

Paulo Markun: [interrompendo] Depende do presidente da República?

Joel Rennó: É claro, porque a companhia, sendo companhia de governo, tem que obedecer àquele que tem mais ações no seu capital.

Paulo Markun: Então o presidente pode nomear e demitir, a qualquer momento, qualquer diretor?

Joel Rennó: Sim, é o acionista majoritário. Se fosse, por exemplo, uma empresa privada - não digo a TV Cultura, porque ela tem ligações com o Estado - quem tem 60% do capital de uma empresa privada, naturalmente manda 60%.

Paulo Markun: Só uma rápida correção...

Joel Rennó: Então é o governo - que tem 51% das ações - que vai estabelecer a mudança, quando ela ocorrerá. Mas, todo o encaminhamento para que esse ajuste à nova lei seja feito já foi providenciado.

Paulo Markun: Só uma rápida correção: a TV Cultura é uma TV pública e tem um conselho que decide. Esse conselho é de fora, é da sociedade civil. Não há esse vínculo com o governo. Celso Pinto, por favor.

Suely Caldas: Antes eu queria perguntar...ele não me deixou perguntar até agora! [risos]

Paulo Markun: Eu achei que você já tinha perguntado!

Suely Caldas: Doutor Rennó, gostaria de saber o seguinte: o senhor disse que todas as providências para a mudança do conselho foram tomadas. O que falta agora? Simplesmente convocar uma assembléia geral da empresa para que o estatuto da  seja reformulado, para que os conselheiros sejam integrados por outras pessoas além da diretoria. Essa decisão está tomada, o próprio ministro de Minas e Energia me falou isso há dois meses em Brasília. Porém, isso não acontece. Eu queria que o senhor me dissesse o porquê. Há uma eleição aí na frente, é por isso?

Joel Rennó: A data de realização dessa assembléia é o acionista quem decidirá. Nós estamos preparados para fazê-la tão logo ele indique a época. Vamos promovê-la de acordo com a lei, promovendo a edição do edital no tempo devido.

Suely Caldas: Por que a demora?

Joel Rennó: É o acionista que pode responder, nós estamos preparados para, em qualquer oportunidade, realizar o que se possa fazer.

Paulo Markun: Celso Pinto.

Celso Pinto: Eu queria colocar um tema que a Suely levantou e que eu acho de maior relevância, que é a questão da transparência no caso das concessões. Existe uma crítica, uma percepção, uma dúvida que está latente nesse processo de concessão e que é relevante. Talvez o senhor possa nos esclarecer. É o seguinte: alguns críticos acham que essa maneira como a questão das concessões da Petrobras vai se desenvolver daqui para frente, está se desenvolvendo e vai desenvolver pode acabar se transformando em uma privatização não transparente. Quer dizer, a Petrobras pode fazer associações com quem quiser, majoritariamente, minoritariamente ou igualitariamente, com a participação que for. É o ativo da Petrobras que está entrando, de um lado, em condições que são negociadas entre a empresa em si e seus parceiros. Ao longo do tempo, dada a importância das áreas de concessão da Petrobras, uma parte substancial dos ativos da Petrobras estaria privatizado ou literalmente em associações onde a Petrobras entraria minoritariamente ou parcialmente, sem que se utilizasse toda a transparência do processo de privatização de outras empresas. Essa é uma questão que acho delicada e relevante. Queria que o senhor comentasse...E a outra questão é a seguinte: no fundo, muita gente suspeita que o fim desse processo seja a privatização de um jeito ou de outro. O senhor compartilha dessa percepção?

Joel Rennó: Eu creio que você me dá a oportunidade de esclarecer isso com muita tranqüilidade e objetividade. A Agência concedeu que a Petrobras trabalhe nos setores de produção, desenvolvimento e exploração de blocos. São 397 contratos de concessão para 397 blocos. Em alguns desses blocos, em boa parte deles, nós vamos fazer contratos de parceria. Mas, a responsabilidade, a concessão dada pela Agência, continuará da Petrobras. Então, em qualquer circunstância, venhamos a ser minoritários, operadores ou não de cada área, vamos sempre nos comunicar com a Agência, que nos deu a concessão para sermos os principais responsáveis por cada um desses blocos. Então, não haverá essa figura que você construiu. Em segundo lugar, você se referiu à privatização da Petrobras...

Paulo Markun: [interrompendo] Aliás, essa é a pergunta do empresário Marcelo Vairão: “Qual é a posição do senhor sobre a futura privatização da Petrobras: a favor ou contra?”. E, em parte, é a questão de Aníbal Crespo, economista do Rio de Janeiro: “As multinacionais vão se contentar com a situação de hoje ou vão querer avançar no sentido da privatização?”.

Joel Rennó: Eu acho inadequado qualquer processo de privatização da Petrobras neste momento. Veja bem, nós trabalhamos como agentes exclusivos do monopólio por quatro décadas e alguns anos. Essa nova lei, de agosto do ano passado, é tão recente e já promove uma abertura que nos parece da maior inteligência e oportunidade para o desenvolvimento do setor de energia e de petróleo do país. E está previsto em um dos artigos claríssimos dessa nova lei: a União continuará mantendo o controle acionário da Petrobras, detendo no mínimo 51% das ações de seu capital votante. Então, vamos experimentar, vamos testar o funcionamento dessa nova legislação, que eu creio que terá êxito, será muito importante para o país.

Paulo Markun: Se depender do senhor, não privatiza?

Joel Rennó: Neste momento, absolutamente.

[risos]

Luiz Nassif: Eu tenho uma pergunta em relação à política industrial. A Petrobras foi, talvez, ao lado do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], o principal agente político industrial do país ao longo de sua existência. Desenvolveram fornecedores, programas de qualidade dos anos oitenta, a política de tecnologia com a Copen [Companhia Paulista de Energia], que resultou nessa tecnologia de águas profundas. Agora, o senhor fala com a Unicamp e tal. Enquanto agente do monopólio, onde os custos eram repassados para o consumidor, ela podia ter esse papel fundamental para o desenvolvimento brasileiro. A pergunta é a seguinte: dentro de um quadro de competição, onde a questão de custo é relevante, manter essa política industrial, esse processo de desenvolvimento de parceiros internos, resistindo à importação, é bom negócio?

Joel Rennó: Nassif, o papel que a Petrobras tem que continuar exercendo, no caso uma companhia cujo capital é detido na sua maioria pelo governo junto ou não com outra empresa, tem que ser um papel que considere, sobretudo, desenvolvimento tecnológico. Uma companhia de petróleo, para ter porte, respeito, consideração e futuro, tem que ser integrada. Ela tem que produzir, importar se necessário, explorar, refinar, enfim, são as atividades fundamentais do setor de petróleo! Ela tem que resistir a todas as circunstâncias e o desenvolvimento tecnológico tem que fazer parte dessa integração também. Se a empresa deixa de investir no conhecimento sobre o desenvolvimento de novos produtos, de novas técnicas, com avanço e com velocidade, ela vai ficando para trás. Então, o nosso papel será de continuar exercendo fortemente influência e investindo recursos no desenvolvimento tecnológico, com a participação dos nossos futuros parceiros ou individualmente. É importante manter isso e nós vamos manter a qualquer custo. O fato de isso poder vir a representar alguma coisa a mais nos custos da empresa, o resultado no desenvolvimento tecnológico, para nós, é um grande lucro.

Paulo Singer: Eu queria fazer mais duas perguntas a respeito disso. A primeira seria a respeito do investimento em tecnologias. Poderia nos dar uma idéia do tamanho desse investimento que a Petrobras vem fazendo e pretende continuar fazendo? Se está fazendo, pretende fazer em breve parcerias especificamente em joint ventures [associações de empresas formadas para explorar determinados setores e negócios] de caráter tecnológico?

Joel Rennó: Pois não, professor. Um dos aspectos que eu sempre considero quando tenho que comentar fatos da companhia é que desde as primeiras administrações da Petrobras, sempre se procurou investir maciçamente na formação de recursos humanos e no desenvolvimento tecnológico. O Brasil, na época, não tinha nada no setor de petróleo, havia apenas companhias distribuidoras que já estavam cuidando de vender produtos de petróleo. São as conhecidas Esso, Texaco, Shell etc. Não havia investimento no setor para se criar um segmento de petróleo no Brasil. O senhor se lembra? Não havia. Com a criação da Petrobras, como empresa única para exercer todas essas tarefas, suas administrações levaram muito em conta a necessidade, por exemplo, de ter técnicos especializados, engenheiros químicos, engenheiros de petróleo, engenheiro de perfuração, geólogos, geofísicos e assim por diante. O investimento na formação de recursos humanos sempre foi muito considerado na empresa e continua até hoje. Quanto ao investimento tecnológico, foi criado anos depois o nosso centro de pesquisas, que reúne, no Rio de Janeiro, gente da melhor qualidade, competência e que tem feito a companhia galgar posições invejáveis no setor de tecnologia. Na nossa administração, que começou em 1992, fizemos com que o conselho de administração concordasse, depois de várias explicações e visitas pessoais ao nosso centro de pesquisas, que no ano seguinte de um determinado trabalho, nós investiríamos 1% do faturamento bruto do ano anterior. Nós temos seguido e procurado rigorosamente cumprir esse programa. No ano passado, por exemplo, nosso faturamento foi esse que o Paulo mencionou no início do programa: 21 bilhões de dólares...

Paulo Markun: Com aquela correção!

[risos]

Joel Rennó: É verdade! Foi de 23, 24, 25 bilhões de reais. "Professor, vamos investir 230 milhões de reais em 1998 no nosso centro de pesquisas e desenvolvimento". Isso faz parte, digamos, da nossa lei interna, é a decisão interna da empresa.

Paulo Singer: Esse investimento não foi cortado no Congresso pela equipe econômica?

Joel Rennó: Não, mesmo com o sacrifício que nos foi imposto no exercício de 1998, que foi um bilhão [de reais] a menos para petróleo e gás natural, estamos procurando manter o nível do nosso centro de pesquisas. É um grande esforço, pois estamos tirando recursos de outras áreas para que esse investimento não deixe de ser feito. É da ordem de 1% do faturamento bruto do ano anterior.

Paulo Markun: A pergunta de Olivino Gonçalves de Souza, de São José do Rio Preto, tem a ver com essa história: "Por que, apesar de todo esse investimento, não conseguimos gasolina nos padrões internacionais?".

Joel Rennó: Não é verdade, acho que o Olivino está enganado. Nossa gasolina é tão boa e tão reconhecida que até os programas de corrida da Fórmula 1 usam gasolina brasileira! A gasolina vendida aqui tem uma fórmula um pouco mais sofisticada para os automóveis da Fórmula 1, feita nos lugares onde essas provas acontecem. Veja bem, há pouco tempo nós vimos notícias sobre a prova anterior, a última ou antepenúltima, em que a Williams, que estava numa posição entre sexto e sétimo lugar, se colocou em terceiro lugar, já subiu ao pódio, usando a gasolina brasileira. É a gasolina com todos os componentes que usamos nos nossos veículos. Então, há a lenda de que ela não é de boa qualidade, mas é comparável a qualquer outra.

Luiz Nassif: Gasolina azul!

Suely Caldas: Mas também é a mais cara do mundo...

Luiz Nassif: A nossa gasolina azul foi vítima, não sei se o senhor sabe, nos anos quarenta, quando começou um processo de refinarias internas...A gasolina de qualidade era a gasolina verde.

Joel Rennó: O senhor falou em anos quarenta?

Luiz Nassif: Anos quarenta!

Joel Rennó: Eu era muito pequeno e você também, Nassif!

Luiz Nassif: Eu não tinha nascido ainda! [risos] E havia uma gasolina verde que foi adulterada. Houve um golpe do Brasil e tiveram que mudar a cor da gasolina para azul, tirando a má impressão. Com a regulamentação do mercado e com a adulteração de gasolina, um dos pontos que se coloca é que se houvesse um controle dos componentes que entram na adulteração da gasolina, seria possível evitar essa adulteração. Como o senhor está vendo essa regulamentação do mercado distribuidor e as formas de controlar a adulteração?

Joel Rennó: Lamentavelmente, ainda existem aqueles que pretendem se aproveitar de determinadas decisões como essa da importância de desregulamentação dos preços, tornando esses preços muito mais equivalentes, comparáveis aos preços internacionais. É profundamente lamentável. Então, a fiscalização, no caso da Agência, é da maior importância para que isso seja coibido.

Luiz Nassif: Mas não há componentes que saem da refinaria, que são vendidos para várias coisas, mas que servem também para adulteração? Eu não lembro o nome...

Joel Rennó: Solventes?

Luiz Nassif: Solventes.

Joel Rennó: O solvente é utilizado para determinada finalidade. Para impedir que alguém compre alguma quantidade, chegue até a importar e misture isso em algum posto revendedor com a gasolina distribuída aos consumidores...É um fato absolutamente lamentável e um pouco incontrolável. Mas, cabe à Agência fiscalizar. Acho que ela está tendo relativo êxito no momento e deve aumentar sua competência também nesse aspecto.

Paulo Markun: Doutor Rennó, por falar em corrida de automóvel, nós vamos fazer um rápido pit stop, um intervalo. O Roda Viva volta já.

[intervalo]

Paulo Markun: Nós voltamos com Roda Viva, hoje entrevistando o presidente da Petrobras, doutor Joel Rennó. Você pode fazer perguntas pelo telefone (11)252-6525, pelo fax (11)3874-3454 e pelo nosso e-mail, que é rodaviva@tvcultura.com.br. Na verdade, ao fazer isso, eu estou criando um problema para mim, porque a quantidade de perguntas que aparece é sempre muito grande e é difícil para quem está na mediação administrar isso...

Joel Rennó: [interrompendo] Posso te interromper um segundinho só?

Paulo Markun: Por favor.

Joel Rennó: Diante da dinâmica do seu programa, que você me explicou no início, essas perguntas que nós não tivermos a oportunidade...

Paulo Markun: [interrompendo] Serão entregues ao senhor.

Joel Rennó: Eu gostaria muito, pois assim posso encaminhar, sem falta, as respostas a todos aqueles que nos indagaram.

Paulo Markun: Exatamente. Há várias perguntas similares aqui sobre a mesma questão, que é a possibilidade do esgotamento do petróleo, que é um recurso não-renovável, e também sobre a utilização de outros tipos de combustíveis, como é o caso do Pró-Álcool. Quem faz a pergunta é Eduardo Degueki, de Campinas; Cristiano Salazar, de Belo Horizonte; Carlos Paladine, de São Paulo; Paulo Barbosa, do Embu. Todos eles mencionam “Como a Petrobras se comportaria em relação a essa questão de que o óleo não é permanente? Por que, em alguns casos,  o espaço do Pró-Álcool no Brasil foi reduzido?”.

Joel Rennó: Em primeiro lugar, as reservas mundiais hoje estão na ordem de 1,1 trilhão de barris de petróleo. Falando um pouco mais em números, o consumo diário mundial é de cerca de 76 milhões de barris. O Brasil consome 1,7 milhão de barris por dia, os Estados Unidos consomem 17 milhões de barris por dia, o Japão consome de 4,5 a 5 [milhões]. Nós estamos colocados entre os dez e 12 maiores consumidores de petróleo para refino do mundo.

Paulo Markun: E o consumo vem crescendo?

Joel Rennó: Cerca de 6 a 6,5% ao ano. Se você considera 1,1 trilhão de barris de reserva mundial e 76 milhões de consumo diário, isso corresponde a um consumo anual de 2,5 bilhões, 2,7 bilhões de barris. Então, você ainda tem petróleo no mundo para cinquenta anos, é um horizonte de cinquenta anos. Além disso, têm sido descobertas algumas reservas a mais, em particular, na plataforma continental [margem dos continentes que está submersa pelas águas do oceano. A principal característica dessa zona é o declive pouco acentuado e o aumento progressivo da profundidade até duzentos metros, descendo depois bruscamente para maiores profundidades. Geralmente, são regiões com muitos recursos naturais e, às vezes, petrolíferos] do nosso país.

Paulo Markun: Eu só queria entender...O senhor acha que nós não devemos nos preocupar?

Joel Rennó: Ainda temos reservas suficientes de petróleo.

Paulo Markun: Ou já está na hora de começarmos a mexer...

Joel Rennó: Ainda temos reservas suficientes de petróleo, em função do consumo mundial diário, para cerca de 45, cinquenta anos.

Paulo Markun: Se o senhor fosse presidente da República, não estimularia algum tipo de produção de combustível alternativo?

Joel Rennó: Claro que estimularia, porque a descoberta de novas reservas de petróleo implica que a produção de hoje não se repita amanhã, a não ser com outra quantidade do produto. Diz-se, no linguajar simples dos nossos petroleiros, que o petróleo é aquele que não dá duas colheitas ao mesmo tempo, a colheita de hoje não é a mesma de amanhã. Mas as reservas e o consumo no mundo ainda identificam um horizonte de 45 a cinquenta anos.

Suely Caldas: O senhor considera que o álcool não é ideal?

Joel Rennó: Suely, o Programa Nacional do Álcool [Pró-Álcool] foi instituído no Brasil em 1975. Entendo que é uma alternativa absolutamente válida e veio para ficar como parte integrante da nossa matriz energética. Tivemos altos e baixos nesse programa... Houve um movimento muito grande de utilização do álcool como combustível com carburante 100%. O governo decidiu, em anos passados, a mistura obrigatória do álcool, álcool anidro, à gasolina [No Brasil, trata-se da mistura de 25% de etanol com 75% de gasolina. O etanol utilizado é anidro com menos de 1% de água, mas normalmente contém 0,5% de água. Essa mistura é obrigatória no Brasil e foi fixada entre 20% a 25% do álcool misturado com gasolina convencional]. Recentemente, aumentou-se essa mistura para 24%. Esse programa virá e continuará. O que nós comentamos quando chamados para dar algum depoimento, fazer alguma sugestão, é que esse programa deve ser desenvolvido sempre sob a égide do governo, porque nós não produzimos álcool nenhum. O álcool é todo produzido por empresas particulares. Nós entendemos que, dentro de uma configuração adequada, volumes, quantidades de álcool anidro, álcool hidratado, preço dentro dos padrões de mercado definidos pelo governo, não haverá o menor problema para que ele continue tendo um incentivo necessário e, se possível, para automóveis à álcool. É uma pena que nós não tenhamos mercado para exportação da quantidade que sabemos que nossos usineiros, nossos homens de destilarias, produtores, têm capacidade de produzir. Não há mercado para esse álcool, o nosso é de cana-de-açúcar. Comenta-se, por exemplo, da possibilidade de exportá-lo para os Estados Unidos, que é o grande consumidor de energia no nosso planeta. Há de se considerar que eles têm grande produção de álcool também, porém de milho. Mas, seus produtores são pessoas influentes, certamente não ficarão muito felizes e à vontade com a importação do etanol brasileiro. [O Pró-Álcool] é um programa que a Petrobras sempre colocou à disposição dos produtores para que o álcool pudesse sair do produtor e chegar ao consumidor. É um programa vitorioso, mas merece um pouco mais de cuidado na sua formulação. Ele vai ficar como parte indissolúvel, integrante da nossa matriz energética.

Aloysio Biondi: Doutor Rennó, acho que a gente está voltando àquela observação da Suely, o telespectador quer saber... A gasolina brasileira tem realmente o preço mais caro do mundo? Qual é a composição do preço, quanto fica para a Petrobras?

Joel Rennó: É importante considerar que cada litro, que nós consumidores abastecemos no posto, tem cerca de 36% a 37% de impostos. Além disso, o preço da nossa gasolina, como se sabe, ainda sofre influência de algum subsídio para que o preço do [óleo] diesel seja mais econômico para os consumidores e assim por diante. Há um subsídio embutido no preço final do litro que se paga na bomba...

Paulo Singer: [interrompendo] Ao contrário, é um ônus para que o diesel possa ser subsidiado.

Joel Rennó: Exatamente, o diesel pode ser mais barato, é um subsídio dado ao diesel que onera a gasolina. E gasolina, como se sabe, é utilizada para transporte, é muito mais usada para transporte individual do que para gerar riquezas.

Suely Caldas: Esse ajuste de preço que foi feito recentemente não desapareceu com isso?

Joel Rennó: Não, não desapareceu.

Suely Caldas: Então a gasolina continua cara para subsidiar o diesel?

Joel Rennó: Ainda continua.

Aloysio Biondi: Qual é o preço do barril do petróleo produzido aqui? Qual é o preço que o governo leva em conta no cálculo do custo?

Joel Rennó: Veja bem, a gasolina tem esse preço um pouco mais elevado para atender a essas necessidades do diesel. Nos Estados Unidos, o preço da gasolina são tantos dólares e tantos cents por galão. No nosso país, evidentemente, ele é mais elevado por esses fatores de impostos e por ter mais...

Aloysio Biondi: [interrompendo] Não é dinheiro para a Petrobras, é para o governo.

Joel Rennó: É verdade. O refino é onde se processa a quebra das moléculas do hidrocarboneto do petróleo para a produção também de gasolina. Nós temos que ter remuneração pelo refino para produzirem gasolina...Por exemplo, uma refinaria nos Estados Unidos leva ampla vantagem, nós temos menos ainda. O que vai acontecer cada vez mais é que, com essa nova lei que prevê a desregulamentação inclusive dos preços de combustíveis até agosto de 2000, esses preços estarão cada vez mais próximos aos preços internacionais. Serão regulados pelas forças do mercado. Aí certamente aparecerá a necessidade da remuneração ao refinador que tem o trabalho mais oneroso. Vai ser muito mais justo, é o que esperamos.

Luiz Nassif: Doutor Rennó, a Petrobras entrou em um programa de qualidade relevante, mas os indicadores mostram que ela ainda não...Mesmo com os avanços obtidos com esse programa, ela ainda não está no mesmo nível de custo das refinarias internacionais. Quando isso vai acontecer?

Joel Rennó: Está melhorando cada vez mais. Já lhe mostrei, tenho certeza, um gráfico muito claro - estamos lá na nossa empresa para todas as consultas que queira fazer - mostrando que de 1991 até a época em que estamos, os custos de refino, apesar de todas as dificuldades, têm diminuído. O custo de produção do petróleo também está diminuindo, levando em conta todos os fatores, inclusive os poços eventualmente secos e o custo de financiamento para fazer essa atividade. O custo do refino está abaixando. Existem refinarias no nosso país em que você tem custo de refino absolutamente comparável às refinarias do sul dos Estados Unidos. Nossa média ainda pode ser um pouco superior à média considerada naquele país, mas uma ou outra refinaria está tendendo a ser mais econômica.

Luiz Nassif: Só para entender uma coisa colocada no começo do programa, o sistema de petróleo tem que ser integrado...

Joel Rennó: [interrompendo] Deve ser integrado.

Luiz Nassif: Qual é a relação de sinergia entre a Petrobras e a BR Distribuidora [subsidiária da Petrobras, criada em 1971, com objetivo, além da distribuição, do comércio e da industrialização de produtos de petróleo e derivados, atividades de importação e exportação]? A BR Distribuidora é um cliente a mais na Petrobras ou há integração e sinergia entre elas?

Joel Rennó: Absoluta integração e sinergia. Veja o exemplo da Shell, que é a maior companhia de capital aberto de petróleo do mundo. A Shell, a Exxon e a British Petroleum têm os seus departamentos de distribuição. Você anda por países e vê postos de distribuição com a bandeira BP [British Petroleum] em vários lugares, como Estados Unidos e Europa.

Luiz Nassif: Mas vocês têm que vender para a BR com as mesmas condições que vendem para as outras?

Joel Rennó: Exatamente. A BR tem essa mesma condição de fazer parte do nosso sistema integrado da Petrobras, como área de distribuição.

Luiz Nassif: Mas vocês têm que vender para ela nas mesmas condições que vendem para todas as outras redes distribuidoras?

Joel Rennó: Você acha que uma BP e uma Shell não procedem da mesma maneira? Elas vendem para a sua empresa de distribuição, só que lá não é uma subsidiária, é um departamento. Aqui foi criada a subsidiária, porque não havia nada antes.

Luiz Nassif: Eu não estou criticando a venda para a BR Distribuidora...Estou dizendo que, dentro desse processo em que a Petrobras tem o monopólio do refino, as condições que ela...

Joel Rennó: [interrompendo] Tinha!

Luiz Nassif: Tinha. As condições que ela vendia para a BR Distribuidora tinham que ser as mesmas condições para a Texaco, para a Esso, para a Shell...

Joel Rennó: [interrompendo] Preço sim, é a mesma condição. Não pode ser diferente.

Luiz Nassif: Então onde se dá a sinergia entre essas duas organizações, se são diretorias separadas, indicações separadas, políticas separadas, onde se dá essa sinergia que eu não consigo entender?

Joel Rennó: Como parte integrante do sistema de integração de uma grande companhia de petróleo. Talvez eu não esteja entendendo a sutileza do seu comentário...

Paulo Singer: Eu imagino que para o marketing da Petrobras seja importante ter...

Joel Rennó: É claro, isso faz parte da companhia integrada!

[sobreposição de vozes]

Suely Caldas: O refino vai ser a última atividade do petróleo onde vai haver concorrência. Por exemplo, o Tasso Jereissati [foi governador Ceará eleito em três mandatos - 1986, 1994 e 1998 - e senador a partir de 2002] anunciou uma refinaria nova no Ceará, que deve iniciar a produção em 2003. Demora muito para você instalar uma refinaria...

Joel Rennó: Dependendo da capacidade, de dois a três anos.

Suely Caldas: Então a Petrobras vai exercer o monopólio do refino durante muito tempo ainda, não tenha dúvida. Agora, nesse período em que ela continuar exercendo o monopólio, ela não pode "se sentar em cima" dele e dizer "não vou ter produtividade". Ela tem que ser uma empresa eficiente no refino.

Joel Rennó: Exatamente, esse aspecto que você comentou tirou a oportunidade de eu me antecipar. É isso que nós temos feito há muitos anos: procurar aumentar necessariamente nossa eficiência, diminuir custos, melhorar a produtividade. Você tem sido testemunha. Com todas as limitações naturais e normais de qualquer empresa particular, uma empresa de governo tem avançado nos últimos tempos. Mais tarde, se o Paulo me permitir, posso exibir alguns números. Eu tenho a impressão de que nossos números deixam muito claro o trabalho, o resultado da empresa. A própria sociedade pode avaliar se a Petrobras está sendo ou não mais eficiente do que em época anterior, quais as perspectivas da companhia a partir da Lei 9.478 e assim por diante.

Paulo Singer: Queria exatamente levantar uma questão sobre isso. Uma das maneiras evidentes de se mostrar aumento de produtividade de trabalho é que o número de pessoas que trabalham na Petrobras tem caído dramaticamente. Na década de noventa, caiu de mais de um terço, se não estou errado.

Joel Rennó: De cerca de 69 mil, hoje nós somos 38,8 mil.

Paulo Singer: A produção não caiu?

Joel Rennó: Praticamente não.

Paulo Singer: Isso mostra um grande aumento de resultado de trabalho mas, por outro lado, mostra a contribuição da Petrobras para o desemprego no país. Existe algum programa para a Petrobras permitir que as pessoas, que foram formadas com tanto investimento na empresa e que agora deixam de ser necessárias em função do avanço dos métodos de produção, encontrem outra forma de inserção no processo produtivo?

Joel Rennó: Sua pergunta é muito boa, vou respondê-la em duas etapas. Primeiro, por que a companhia pôde, nesse período  que o senhor mencionou, passar de 69 mil, que são efetivos, para 38,8 mil? Nós não substituimos por substituir as pessoas. Eram elas que saíam por necessidade, por desejo de aposentadoria. Em algumas áreas onde a companhia estava atuando, sentíamos que os núcleos de trabalho se mostravam um pouco excessivos, promovíamos alguns programas de incentivo adequados para que essas pessoas, tendo algum recurso, saíssem da companhia sem nos causar qualquer tipo de problema. Dessa forma, o quadro foi se enxugando sem qualquer tipo de lista de demissões, sem incentivos...

Suely Caldas: [interrompendo] O senhor não lançou recentemente o programa de demissão voluntária, doutor Rennó?

Joel Rennó: ...dessas saídas, sem querer contribuir para esse aspecto de desemprego. No entanto, em determinadas áreas, em certas refinarias onde nós precisamos de mão-de-obra mais qualificada, em uma ou outra plataforma, no centro de pesquisas, que nós admitimos técnicos especiais, mas muitos menos, é claro, do que aqueles que saíram. Mas nossa expectativa maior é que com essas parcerias, com os trabalhos aumentando como vão aumentar... Veja, professor, desses 397 contratos de concessão que celebramos com a ANP, 115 se destinam à áreas de exploração, onde nosso esforço tem que ser muito maior do que nas áreas de desenvolvimento de produção. Aí nós vamos precisar, eventualmente, de um ou outro técnico, vamos escalá-los para nos ajudar.

Luiz Nassif: Mas a política salarial, os limites impostos pelo fato de ser uma empresa estatal...quais as limitações que vocês terão para competir no mercado de trabalho com a entrada de novos competidores?

Paulo Markun: E as informações que existem na imprensa são de que vocês estão perdendo técnicos para o mercado.

Suely Caldas: E mais: que lançaram um programa de demissão voluntária!

Joel Rennó: Então são três etapas da resposta!

Paulo Markun: Da mesma pergunta.

[risos]

Joel Rennó: Primeiro, Nassif, você comentou que os nossos salários... É verdade, em um ou outro caso temos que concordar que existem limitações salariais que impedem talvez um maior crescimento da nossa área técnica. Mas, a própria Lei 9.478 prevê um decreto que o presidente assinará proximamente, simplificando nossos procedimentos nas concorrências públicas, isto é, possibilitando à empresa alguma facilidade, sem perder aquela condição de fazer competição, de fazer concurso, ser fiscalizada. Vamos também ter um decreto simplificando o conhecido 8666 [refere-se à Lei 8.666/93, que regulamenta licitações e contratos administrativos públicos relativos a compras, serviços, obras, locações etc]. Além disso, é indispensável que se proponha, como vamos fazê-lo ao ministro de Minas e Energia, Raimundo Brito, um programa que impeça que percamos pouco a pouco técnicos ilustres, importantes, com a vinda dessas empresas que já estão alugando escritórios no Rio de Janeiro, já estão se preparando não só para o trabalho de parceria, mas quem sabe, no tempo em que julgarem necessário, para competir com a Petrobras. Esse programa tem que ser feito inexoravelmente. Nós temos casos de elementos da melhor qualidade que já comentaram com seus dirigentes de que empresas têm feito algum tipo de comentário ou positivo assédio no sentido de verificar se não estariam dispostos a prestar colaboração em outra companhia que não fosse a nossa.

Paulo Markun: E assim que os contratos estiverem assinados, essas empresas vão atacar o principal celeiro, que é a Petrobras.

Joel Rennó: É verdade, faz todo o sentido que isso venha a ocorrer. Para isso, se precavendo contra o fato, nós temos que tomar essas providências que eu comentei.

Paulo Markun: E a demissão voluntária não é estranha neste momento?

Joel Rennó: Não, há núcleos, certas áreas do nosso país, campos de terra de alguns estados, onde a gente vê que os resultados da produção nesses locais poderiam ser realizados com um núcleo menor de efetivo...

Luiz Nassif: Menos gente, mais especializada.

Joel Rennó: Quem sabe? Por isso nós fazemos programas de incentivo mais ou menos dirigidos para essas áreas.

Suely Caldas: Então não é um programa geral para a empresa?

Joel Rennó: Quando nós sentimos que pode ser mais geral do que específico, como foi esse último, nós estabelecemos um programa, dando oportunidade não a uma determinada área mas para outras também, que, se tivessem o desejo de sair incentivados por conta própria, que o fizessem. Mas, em casos anteriores, estamos dirigindo programas dessa natureza para núcleos onde sentimos que os efetivos estão um pouco além do que precisaríamos.

Paulo Markun: Celso Pinto.

Celso Pinto: A Petrobras tem um papel importante na petroquímica que, recentemente, está passando por uma revisão estratégica, com opções em aberto sobre que tipo de modelo, que tipo de empresa reforçar. E a Petrobras, particularmente, esteve metida em uma controvérsia por causa de um contrato que fez com a [construtora] Odebrecht. Os críticos consideraram que era um contrato que dava poderes excessivos à Odebrecht. Eu pergunto várias coisas. Primeiro, em que pé está a controvérsia em relação ao contrato com a Odebrecht? Segundo, que papel o senhor acha que deve ter a Petrobras nesse novo desenho de petroquímica brasileira; qual é o papel de grupos nacionais e de grupos estrangeiros? Terceiro, que medida a Petrobras - não mais monopolista - deve adotar para continuar tendo esses papéis decisivos que ela teve em algumas áreas, alguns segmentos industriais no Brasil?

Joel Rennó: Até 1990, a participação da Petrobras na centrais de matérias-primas da indústria petroquímica era de controle acionário da Petroquímica de Camaçari, da PQU [Petroquímica União] em São Paulo e da Copesul [Companhia Petroquímica do Sul]. Mantínhamos ainda um terço do capital de várias unidades dentro daquele sistema anterior de um terço de capital nacional, um terço de capital importado sob a forma de tecnologia, um terço de participação da estatal Petrobras. A partir de 1990, o governo federal decidiu privatizar o setor. A segunda geração excluiu a participação de um terço da Petrobras de praticamente todos os projetos. Das três centrais de matérias-primas, passamos a ser minoritários com a nova decisão. Ao invés de, por exemplo, privatizar uma Petroquisa [Petrobras Química], que era nossa subsidiária representante da empresa, resolveram privatizar os projetos e centrais.  A nova decisão do nosso acionista majoritário - que é o governo federal, o Ministério de Minas e Energia - é de que nós deveremos participar e contribuir para uma alavanca incentivadora do setor petroquímico nacional, com empresas particulares constituindo sua maioria e a Petrobras participando com 25%, 30%, 35%, dependendo do projeto. Essa decisão traz, sobretudo, uma oportunidade, uma inteligência muito grande para que esse setor possa ser constituído de forma privada e competitiva aqui e internacionalmente. Que nós continuemos a apoiar esse esforço petroquímico, que é um segmento industrial importante de qualquer país e deve ser também do nosso! Você se referiu ao exemplo mais recente. No ano passado, a companhia passou a participar do projeto petroquímico do Planalto Paulista, com a participação da Odebrecht, Ultra e Banco Itaú. No Rio de Janeiro, constituímos também, até um pouco antes da empresa formada em São Paulo com essas firmas particulares, o chamado pólo gás-químico, uma aspiração antiga do estado. Ele utilizará fortemente o gás natural que a Petrobras produz na Bacia de Campos. Lá há um grupo de três empresas - Mariani, Unipar e Suzano - que constituiu a maior parte do capital de um consórcio, onde participamos também minoritariamente, procurando contribuir para que o Rio de Janeiro tenha esse desenvolvimento petroquímico indispensável ao crescimento do nosso país. Quando disseram que o contrato celebrado com Odebrecht teria um prejuízo para a companhia, que ela teria que ficar ligada permanentemente...

Celso Pinto: [interrompendo] Eu quero lembrar ao telespectador que alegavam que a cláusula número oito...

Joel Rennó: [interrompendo] É verdade, cláusula oitava!

Celso Pinto: ...dava à Odebrecht o privilégio de ditar com quem a Petrobras podia ou não se associar em qualquer circunstância relativa à área em que ambas eram sócias.

Joel Rennó: Essa alegação, como se viu desde o início, foi absolutamente infundada. A companhia jamais procederia desse modo em nome do governo. Caiu por terra recentemente, com aprovação do Tribunal de Contas da União, um pedido de avaliação desse contrato. Viu-se que o contrato é absolutamente correto, normal, deve ser feito e foi feito para promover o desenvolvimento do setor petroquímico nacional com base fortemente privada.

Celso Pinto: Em relação a essa controvérsia, falta o pronunciamento do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica, vinculado ao Ministério da Justiça, que tem a finalidade de orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico]...

Joel Rennó: Na ocasião, houve essa solicitação. Estamos respeitosamente aguardando o pronunciamento do Cade, mas já houve a decisão do Tribunal de Contas da União, que foi divulgada nos meios de informação da semana passada.

Luiz Nassif: A Petrobras conseguiu desenvolver tecnologias em muitas áreas. Esse modelo petroquímico tripartite, apesar de ter criado grandes centrais petroquímicas...Nós estamos chegando ao final de um ciclo e a avaliação dos técnicos é que muito pouca de tecnologia foi gerada nesse período. A que o senhor atribui essa falta de dinamismo da petroquímica brasileira ao longo desse modelo tripartite?

Joel Rennó: Nassif, minha impressão, vivendo um pouco essa atividade... É importante comentar que, em 1983, algum tempo depois de eu estar pela primeira vez na Petrobras, logo depois que eu deixei a vice-presidência da Braspet [indústria de embalagens plásticas, sediada em Jundiaí], passei alguns meses como vice-presidente do setor petroquímico da Petroquisa, exatamente na época em que era inaugurado o pólo petroquímico do Sul. Então, tomei parte ativa dos projetos e  trabalhos petroquímicos na época. É possível que tenha havido um pouco de falta de atenção para que esse desenvolvimento tecnológico ocorresse. Quando, nessa ocasião, mantínhamos o controle acionário das centrais petroquímicas via Petrobras, nós o fazíamos por meio do nosso centro de pesquisas, mas existiam também técnicos importantes, calorosos e competentes na própria Petroquisa que ajudaram a desenvolver produtos petroquímicos. Hoje em dia, se [um produto petroquímico] fica dois ou três anos sem uma pesquisa adequada, ele some do mercado, é substituído imediatamente por outro, tamanha a velocidade com que se processa o desenvolvimento dessa tecnologia.

Suely Caldas: O senhor partilha dessa concepção de que o Brasil precisa ter uma grande empresa petroquímica para que ela possa concorrer com a Dow Química, com as empresas estrangeiras? Essa concepção foi muito difundida nessa época do contrato com a Odebrecht e é a seguinte: todas as empresas petroquímicas nacionais deveriam se unir em uma só sob a liderança da Odebrecht e constituir uma grande empresa que pudesse concorrer em condição de igualdade com as estrangeiras. Só que as empresas privadas, não a Odebrecht, discordam dessa concepção. Como o senhor vê isso?

Joel Rennó: Eu tenho absoluta convicção, Suely... Contrariando um pouco seu comentário, nunca houve decisão do governo ou incentivo para que os particulares do setor petroquímico brasileiro se juntassem sob a égide da Odebrecht...

Suely Caldas: [interrompendo] É que a idéia foi discutida na época. Não estou dizendo que foi o governo...

Joel Rennó: ...ou de outra companhia competente do setor petroquímico para criar esse núcleo brasileiro único com a companhia que você mencionou. Nunca houve isso. O que houve, sim, como decisão de governo, é que a Petrobras - ainda produtora das matérias-primas, por meio das refinarias, produtora de gás natural, matéria-prima excelente com finalidade petroquímica - deveria continuar participando minoritariamente de todo o esforço de empresas privadas para se constituir um núcleo petroquímico forte, competitivo aqui e fora do Brasil. Esse núcleo poderia, por exemplo, ser dividido em dois. Houve, sim, essa decisão do governo de participar via Petrobras minoritariamente, incentivando esse segmento industrial brasileiro.

Suely Caldas: Isso estava em discussão.

Joel Rennó: Entre os privados?

Suely Caldas: Entre os privados. O próprio José Serra, um dia, quando senador, colocou essa discussão no Senado. Não quero dizer que ele era a favor ou contra, mas colocou a discussão no Senado, isso foi discutido. Eu queria saber sua opinião.

Paulo Singer: Pelo que leio, a pesquisa tecnológica está ficando caríssima em todos os campos e também no campo petroquímico. Uma das razões fundamentais da enorme centralização do capital que ocorre hoje está em...

Joel Rennó: [interrompendo] O custo do desenvolvimento tecnológico.

Paulo Singer: Exato, seria preciso ter tamanho suficiente para poder financiar isso.

Joel Rennó: O senhor tem toda a razão, professor. Por exemplo, a literatura recente comenta que os setores petroquímicos da Shell e da Exxon, duas das maiores companhias do mundo, têm conversado intensamente...

Paulo Singer: [interrompendo] Entre si, porque não agüentam sozinhos.

Ricardo Maranhão: Na verdade, é uma preocupação em relação ao futuro. Daqui a cinquenta anos está tudo bem, mas... Lembro que no governo Geisel [Ernesto Geisel, presidente da República a partir de março de 1974 até março de 1979, com governo marcado pelo fim do chamado milagre econômico e pela forte e crescente insatisfação popular com o regime militar], do qual o senhor fez parte, houve um certo otimismo logo após a primeira crise do petróleo. Não se acreditava no repique da crise do petróleo de 1979 [crises do petróleo] em uma conjuntura de baixa liquidez internacional, que provocou aquela tremenda loucura do país atrás de créditos caros...

Joel Rennó: O mundo ficou muito caro!

Ricardo Maranhão: De qualquer forma, a atitude era muito otimista no Brasil até o começo dos anos oitenta. Eu fico pensando... Naquele tempo havia não só o monopólio estatal do petróleo como um controle muito mais rígido sobre os vários setores da economia. Isso acontecia pelo próprio perfil do regime. E, hoje, em torno de uma flexibilização, de uma oligopolização do monopólio, uma quebra do monopólio, a postura de soberania do governo brasileiro diante de uma crise, não como aquela, mas outro tipo de crise e outros problemas que surjam em relação ao combustível que não é eterno... Como essas coisas poderiam funcionar?

Joel Rennó: Veja, fizemos uma simples conta de dividir. Pelas reservas existentes de petróleo, pelo consumo diário anual, você tem quarenta, 45 anos com as reservas já existentes para pensar em uma substituição integral do consumo de petróleo no mundo. Eu entendo que esse período vai dar muita oportunidade de se pensar em outras soluções importantes para o mundo, que podem ser até sensacionais. Eu partilho do grupo de pessoas que, mesmo reconhecendo as limitações, as dificuldades, mazelas, prefere ser otimista com realismo, acreditar que mesmo o nosso país tendo passado pelas duas crises de petróleo, que não foi crise de petróleo, mas crise de preço, crise financeira... O petróleo, de repente, teve o seu preço quintuplicado, decuplicado. Resolveu-se aquela crise com sofrimento, dificuldades que nós nos lembramos. Também tenho uma crença profunda no meu país, na capacidade dos seus técnicos, professores, jornalistas e profissionais, então nós vamos acabar melhorando. Se compararmos o Roda Viva de três, quatro anos atrás, eu acho que melhorou, não por nós estarmos aqui, mas melhoraram muito as técnicas nacionais, o desenvolvimento - as dificuldades aumentaram também - mas o país está avançando. Então, nesta perspectiva, eu entendo que a gente pode continuar acreditando e contar com a nossa gente para fazer um país sempre melhor. Vou lhe dar só um exemplo: nós completamos quatro anos do Plano Real em julho de 1998. Em julho de 1994, nossa produção de petróleo, pela Petrobras, era cerca de 660, 665 mil barris por dia. Em julho de 1998, foi para 1,03 milhão de barris por dia, houve uma melhoria. Em 1994, eram 19 mil barris de gás natural por dia, agora são trinta milhões de metros cúbicos por dia. Essas coisas estão nos mostrando que vale a pena acreditar no país, ele vai para frente!

Hideo Onaga: O senhor assumiu a presidência da Petrobras em uma época muito conturbada, porque havia uma sucessão de presidentes que duravam um mês, dois meses... O senhor assumiu em 1992 e está batendo o recorde de permanência na presidência. Eu gostaria de saber se, desses contratos de parceria com Shell, Exxon etc, haveria uma reciprocidade em relação à exploração da Petrobras fora do país?

Joel Rennó: A pergunta é oportuna porque vai me ajudar muito a esclarecer um pouco mais dos trabalhos da Petrobras no exterior no mesmo molde que nós pretendemos que trabalhos venham a ser realizados no nosso país. Trabalhamos no exterior via subsidiária Braspetro em 11, 12 países e queremos que esse modelo dentro do qual a Braspetro trabalha há 25 anos no exterior explorando e produzindo petróleo, seja aplicado no nosso país pelas famosas e conhecidas parcerias. Mas antes, eu queria comentar sua observação de que estou lá há mais de cinco anos, em comparação com outros companheiros que duraram muito menos tempo. Entendo que, para administrar a Petrobras, é preciso ter uma relação de muita confiança, confiança absoluta e crédito com o ministro de Minas e Energia e com o próprio presidente da República. A Petrobras  é a maior empresa do nosso país quanto ao número de empregados, faturamento e abrangência. Embora ainda esteja em cerca de onze países - não é uma subsidiária das maiores se comparadas a outras companhias de petróleo - mesmo assim nosso sistema Petrobras já mostra que é um grupo importante. Sem essa confiança do ministro Raimundo Brito e do presidente Fernando Henrique Cardoso com o presidente da Petrobras, nossa companhia fica ingovernável pela sua importância, por tratar de um produto estratégico, por todas as implicações nacionais. Em todos os contatos que fazemos com companhias de fora, nacionais, particulares, que pretendem trabalhar no nosso país nesse regime de parcerias com a oportunidade dessa nova lei, sempre pedimos às companhias de fora que nos dêem a mesma oportunidade em outros países. Isso vai permitir à empresa internacionalizar-se mais com as vantagens de adquirir mais experiências, mais condições de trazer para cá o conhecimento sobre o petróleo.

Luiz Nassif: Há um outro aspecto ligado a essa internacionalização, que é o papel diplomático das empresas. As grandes empresas multinacionais, em muitos países, são quase uma extensão da diplomacia e vice-versa, a diplomacia é uma extensão de negócio. A Petrobras cumpriu um papel diplomático, se eu não me engano, na Venezuela. Qual é o papel e quais as regiões onde a Petrobras pode entrar, cumprindo uma estratégia diplomática do Brasil de ampliação de sua influência do mundo?

Joel Rennó: Eu quero lembrar, Nassif, que logo que assumimos a presidência da Petrobras, o presidente Fernando Henrique Cardoso ainda era ministro [da Fazenda, entre 1993 e 1994, durante o governo Itamar Franco]. Ele me consultou, perguntou como eu estaria vendo a possibilidade de comprar um pouco mais de petróleo e produto de petróleo da Argentina, levando em conta o esforço que pretendia fazer de fortalecer e intensificar as relações no Mercosul [Mercado Comum do Sul: proposta de aliança que prevê o livre comércio e política comercial comum de quatro países da América do Sul: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, que visa dinamizar e fortalecer a economia regional, movimentando entre si mercadorias, pessoas, força de trabalho e capitais]. Nessa oportunidade, ele sempre frisou, desde que fosse interessante para a companhia, que o petróleo coubesse, por exemplo, nas nossas refinarias, que o preço e as condições valessem a pena em comparação com outras área onde, tradicionalmente, a Petrobras importava. Nós estávamos comprando da Argentina por essa época - final de 1992, primeiros meses de 1993 - de 12 a 14 mil barris por dia de petróleo. Chegamos a comprar, no ano passado, 140 mil barris de petróleo por dia da Argentina. Foi um processo altamente interessante para os desígnios do governo, que continuaram na administração do próprio presidente Fernando Henrique Cardoso. A Petrobras teve vantagem nisso, comprou petróleo de boa qualidade de muito mais perto.

Luiz Nassif: [interrompendo] A África tem algum papel dentro dessa estratégia?

Joel Rennó: Vou chegar à África. Nós estamos ainda na América do Sul! Então, completamos esse trabalho solicitado, que foi confirmado pelo presidente eleito, Fernando Henrique. Desse modo, a Petrobras pode contribuir de maneira muito positiva e correta para esse interesse do governo. Também temos uma aproximação cada vez mais maior com a Venezuela, com o presidente Caldera [(1916-2009) Rafael Caldera Rodríguez, governou o país entre 1994 e 1999], com a PDVSA [Petróleos da Venezuela], que é a grande estatal do país. Isso faz parte desse processo de integração com a América do Sul, com a América Latina. Nós comprávamos  muito mais petróleo da Arábia Saudita, do Irã, do Kuwait, dentro de processos normais de negociação e importação. Passamos então, na presente administração da Petrobras e dentro dessa decisão de governo, a intensificar essa integração energética na América do Sul, América Latina. Revertemos grande parte dessas compras para a Venezuela, um pouco para o México, um pouco para o Equador e para a Argentina. Mais da metade do que importamos hoje é comprada dos países mais próximos ao Brasil.

Paulo Markun: Usando a prerrogativa de mediador e representando quem não pode estar aqui para perguntar, eu queria fazer duas perguntas para o senhor. Uma delas foi feita por Célia Maria Arnaldi, do Itaim Bibi, de São Paulo. A mesma pergunta é do Rafael Zubem, de Campinas, e Antônio Barbosa, de Franca. Eles querem que o senhor comente sobre o episódio da morte do jornalista Paulo Francis, a questão do envolvimento da Petrobras e toda essa polêmica que se estabeleceu. A segunda é de Ricardo Campos, engenheiro de Belo Horizonte e de Marcos Salven, de Itaim. Eles pedem comentários sobre as denúncias  publicadas ontem no jornal Folha de S.Paulo, na coluna do jornalista Elio Gaspari.

Joel Rennó: Em outubro de 1996, [aconteceu] uma dessas grandes infelicidades do jornalista em um programa produzido, transmitido, divulgado nos Estados Unidos. O jornalista Francis, que lá residia há mais de 20 anos, comentou publicamente com os seus companheiros de trabalho que os dirigentes da Petrobras tinham recursos financeiros na Suíça e constituíam a maior quadrilha que o Brasil já tinha visto. Surpreso com esse fato - eu nem o conhecia - tivemos que tomar uma atitude de perguntar democraticamente, na Justiça, se ele conseguiria efetivamente comprovar uma declaração tão séria, tão grave. Se não conseguisse, como não conseguiria, não conseguiu, jamais conseguiria, que pelo menos ele desmentisse essa brincadeira extremamente forte com os dirigentes da maior empresa do nosso país. Os dirigentes são nomeados pelo presidente da República, que não poderia ter a menor dúvida quanto à honorabilidade deles. Nós fomos fortemente atacados. Tomamos essa providência, o processo foi instaurado onde residia o autor da grave acusação. O tempo passou e, lamentavelmente, o jornalista veio a falecer.

Paulo Markun: Havia um pedido de indenização?

Joel Rennó: Um momento! O pedido de indenização é parte do processo que acontece no Estados Unidos, que aconteceria aqui. Se fossemos querer cobrar algum... Imagine sete dirigentes acusados dessa maneira e nos calarmos! Lamentavelmente, tivemos - no meu caso, pela primeira vez na vida - que tomar essa atitude, era necessário. Se tivesse havido alguma explicação, algum comentário de que tinha sido uma brincadeira, uma coisa que não era bem o que seria, não teríamos absolutamente qualquer dúvida.

Paulo Markun: O senhor não se arrepende?

Joel Rennó: Não posso dizer que me arrependo de ter buscado a verdade de um fato tão levianamente comentado. Eu me arrependeria se tivesse cometido uma injustiça, mas a injustiça foi cometida comigo e com meus seis companheiros de diretoria. Lamentavelmente, o jornalista faleceu. No dia seguinte, o jornalista Elio Gaspari publicou um artigo atribuindo inicialmente o falecimento do jornalista Francis à ação que estava sendo movida pelos dirigentes da Petrobras. É claro que colocava em determinadas linhas que não deveria haver relação causal entre uma coisa e outra, porém tudo levava a crer que aquilo teria apressado o que aconteceu com o jornalista Francis. Eu não acredito, não aconteceu. Mas como nós não somos capazes de qualquer atitude com tamanha leviandade, nós queríamos esclarecê-la, apenas isso. Não houve esclarecimento, tivemos que continuar com o processo até o ponto em que ele deveria ter um desfecho. Com o falecimento do jornalista, tomamos a iniciativa de interrompê-lo, porque nosso desejo não era receber qualquer tipo de indenização, não era ter qualquer recurso financeiro. Queríamos apenas a  verdade, que ficou muito atingida com a declaração em um programa amplo de televisão dos Estados Unidos.

Paulo Markun: Em relação às denúncias de Elio Gaspari, ele menciona contratos com a Marítima [Marítima Petróleo e Engenharia, empresa que, de acordo com denúncias, teria sido beneficiada nas concorrências abertas da Petrobras a partir de 1995. A Polícia Federal interferiu para investigar esses contratos concentrados na Marítima, assim como a tolerância da Petrobras com o atraso das obras] e o adicional de periculosidade que o senhor teria acrescentado ao seu salário.

Joel Rennó: Eu vou começar pela última parte. Há muitos anos, na década de sessenta, pela história que eu recolhi na empresa, havia trabalhadores nos seus escritórios e no campo, com as dificuldades que o campo oferece. Os empregados que trabalhavam no campo tinham uma gratificação por trabalharem em regime de periculosidade. Essa gratificação não era estendida aos trabalhadores de escritório. Com o passar do tempo, no entanto, por meio de conquistas sindicais, essa gratificação foi incorporada ao salário de todos, inclusive dos que não trabalhavam nos lugares de efetiva periculosidade. Há décadas, isso não é gratificação exclusiva de ninguém, faz parte do salário. Como nosso salário é proporcional aos salários da empresa...

Paulo Markun: [interrompendo] O senhor nunca achou que seu cargo fosse perigoso?

Joel Rennó: Perigoso é todo momento, viver é perigoso, Paulo!

Suely Caldas: Você pode ser atropelado na rua, como eu posso... [risos]

Joel Rennó: É da vida... Agora, receber uma gratificação no salário que seja extra, sem que os outros tenham direito, absolutamente. Isso é parte do salário há muito tempo e assim nós estamos. Não é a direção da empresa que decide quanto ganhará um presidente ou um diretor. Nossa companhia é muito organizada, temos áreas competentes que estabelecem a remuneração. Isso, dentro da legislação.

Paulo Markun: E os contratos com a Marítima?

Joel Rennó: Temos uma obediência absolutamente severa e rigorosa à Lei 8.666, que é a Lei Nacional das Licitações. Ela estabelece uma série de rituais e normas para concursos e concorrências. Tudo que nós temos que adquirir para a empresa é por meio da Lei 8.666. Antes dela, havia outras leis. Quando dirigi a Petrobras pela primeira vez, na década de oitenta, era famoso o Decreto-lei 200/1967, que dava também a forma que você deveria seguir para ter seu contrato assinado na modalidade competição. Todos esses contratos de plataformas, sondas de perfuração, alguma unidade de refinaria, tudo isso é feito dentro da Lei 8.666/93, inclusive essas plataformas alegadas. O preço é uma das condições fundamentais estabelecidas pela lei. Você faz a concorrência,  tem o edital de especificação, que atrai o interesse daqueles que se sentem capazes de cumprir o que você precisa. Temos que contratar pelo menor preço. No caso dessa empresa, fizemos esse contrato com base no menor preço, dentro do que determina a Lei 8.666.

Paulo Markun: São improcedentes no seu ponto de vista?

Suely Caldas: O questionamento foi o prazo, não é?

Joel Rennó: Prazo é outra coisa importante no caso dessas sondas. O contrato que nós fizemos previa o seguinte: nós daríamos um contrato à empresa, ela promoveria a construção dos equipamentos e o contrato só entraria em força, só passaria efetivamente a ter condição de ser cumprido e executado na entrega do equipamento, no começo dos trabalhos. Eles estão sendo construídos ainda. Se forem entregues com atraso, todas as multas serão cobrada sem a menor dúvida.

Paulo Markun: Infelizmente o nosso tempo terminou.

Joel Rennó: Infelizmente para mim, Paulo.

Paulo Markun: As perguntas que não foram respondidas - e são muitas - serão encaminhadas ao senhor imediatamente. Eu gostaria de agradecer muito a presença do senhor, dos nossos entrevistadores e de você que está em casa e que acompanhou o Roda Viva. Quero convidá-lo para estar aqui novamente na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite. Boa noite, boa semana e até lá.

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