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Memória Roda Viva

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Vicentinho (1996)

22/1/1996

O sindicalista faz críticas ao comportamento da imprensa durante as negociações com o governo e explica a posição da CUT nesse contexto

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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Matinas Suzuki: Boa noite. Ele virou a personagem do momento no cenário político brasileiro. Na tribuna do Roda Viva está o presidente da Central Única dos Trabalhadores [CUT], Vicente Paula da Silva [na verdade, é Vicente Paulo da Silva] , o Vicentinho.

[Comentarista]: Vicentinho nasceu em Acari, no Rio Grande do Norte, e veio para São Paulo em 1976, quando tinha 20 anos. Em 1977 filiou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e trabalhou na fábrica da Mercedes Benz em um período marcado por greves e agitação trabalhista na região do ABC [região industrial, pertencente à metrópole de São Paulo, que integra os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema] durante o regime militar. Em 1981 o governo caçou a presidência do sindicato de Luiz Inácio Lula da Silva e a direção ficou para Jair Meneguelli [ver entrevista do sindicalista Jair Meneguelli no Roda Viva], que convidou Vicentinho para vice. Em 1983 Vicentinho também foi cassado, acusado de caluniar o presidente da República, o general João Figueiredo, mas conseguiu voltar à diretoria do sindicato e chegou à presidência em 1987, ficando no cargo por seis anos . Em 1993, com cinco filhos e divorciado, casou-se pela segunda vez. Em 1994 foi eleito presidente da CUT e decidiu voltar a trabalhar alguns dias por semana na fábrica da Mercedes, depois de 13 anos sem bater o cartão. Em 1995 raspou a cabeça em um protesto contra a discriminação racial no país. Nas greves, Vicentinho sempre se destacou pelo tom conciliador, o que levaria a críticas das alas mais radicais da CUT e do PT mas dava resultados práticos para a categoria. Na semana passada, Vicentinho participou do diálogo entre as centrais sindicais e o governo sobre a reforma da Previdência e recebeu uma enxurrada de críticas dos radicais ao admitir a aposentadoria por tempo de contribuição em vez de tempo de serviço.

[VT com  trecho de uma reunião onde Vicentinho e o presidente Fernando Henrique estavam presentes]

[Vicentinho]: Os jornais têm me "dado um pau" tão grande, que estou apanhando igual a um cavalo brabo!

[Fernando Henrique Cardoso]: Quase como o presidente?

[Vicentinho]: Não, presidente...[risos]

Matinas Suzuki: Bem, antes de apresentar nossos entrevistadores, vou corrigir aqui...Eu falei Vicente Paula da Silva e é Vicente Paulo da Silva! Para entrevistar o Vicentinho, convidamos o Dácio Nitrini, que é diretor-executivo do TJ Brasil, do SBT; Antonio Carlos Pannunzio, deputado federal pelo PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] de São Paulo; Renata Lo Prete, secretária-adjunta de redação da Folha de S.Paulo; Luiz Fernando Rila, editor de política do jornal O Estado de S. Paulo; Leôncio Martins Rodrigues, professor de ciência política pela Unicamp [Universidade Estadual de Campinas]; Celso Daniel, deputado federal pelo PT de São Paulo; Ênio Lucciola, chefe de reportagem da TV Cultura de São Paulo. O Roda Viva é transmitido em rede nacional. Você também pode participar deste programa fazendo perguntas por fax ou por telefone. O número do telefone é (11) 252-6525. Se você preferir o fax, use o número (11) 874-3454. Boa noite, Vicentinho.

Vicentinho: Boa noite.

Matinas Suzuki: Você se sente melhor careca ou com cabelo? [risos]

Vicentinho: Sabe que eu me senti melhor careca, rapaz...Não tinha dificuldade em pentear o cabelo, estava tudo bem...

Matinas Suzuki: Em relação ao nosso vídeo, quem "toma mais pau": o presidente ou você?

Vicentinho: Eu acho que em um momento de tensão...Você sabe, Matinas, que eu tenho uma característica de não ficar sempre carrancudo, não é porque eu não queira, é porque é o meu jeito de ser. Cada um tem um jeito de ser. Não tenho problema de sorrir, seja com o presidente ou...Do mesmo jeito que eu sorrio, eu o chamo de mentiroso, eu brigo com ele, faço greve, debato. Isso não tira pedaço de ninguém. Se a gente luta por uma sociedade de felicidade, eu não consigo compreender como alguém fica sério, carrancudo, duro. Nós também não podemos ficar com medo de conversar com autoridades no Brasil. Se a gente tiver medo é porque a gente não está segura e, não estando segura, é melhor não conversar. É por isso que vou sempre lutar para ser o que sempre fui: eu mesmo.

Matinas Suzuki: Ainda sobre esse capítulo, o que é pior: ciúme de mulher ou ciúme de deputado?

[risos]

Vicentinho: Olha, eu queria...Inclusive eu estou aqui hoje...Não quero acirrar os ânimos, mesmo porque amanhã vou ter uma reunião com todas as bancadas, com todos os líderes de todos os partidos lá no Congresso [Nacional]. Estarão o senador José Sarney, o deputado Luiz Eduardo Magalhães [(1955-1998) político brasileiro, filho do ex-governador da Bahia e senador Antônio Carlos Magalhães. Foi eleito deputado estadual e federal diversas vezes, assumindo a presidência da Câmara dos Deputados em 1995. Morreu aos 43 anos, vítima de infarto]...Vou apresentar a eles nossas idéias, nossos debates, o que foi feito e, portanto, o que disse no momento em que eu estava chateado. Espero não ter que repetir.

Matinas Suzuki: Parafraseando um presidente nosso [refere-se ao presidente Fernando Collor], parece que você deixou a direita perplexa e a esquerda indignada. Como você passou esses dias diante desse povo?

Vicentinho: Matinas, antes de mais nada, deixa só eu explicar...Primeiro, eu não previa esse acontecimento, ninguém previa, ninguém sabia que iria acontecer desse jeito. A gente faz com que, dessa maneira, a sociedade inteira discuta a Previdência Social. Como as negociações não terminaram, como há pontos ainda pendentes e como teremos uma próxima reunião na quinta-feira para continuarmos a negociação com o ministro do Trabalho e da Previdência Social [refere-se ao político Reinhold Stephanes, que exerceu o cargo entre 1995 e 1998. Ver entrevista no Roda Viva com Stephanes], é necessário que a gente tenha muita clareza do que a gente está discutindo. Nada tem valor se os trabalhadores, representados por nossa central, não decidirem na votação o que vai acontecer. Por isso é que há uma manifestação programada para o dia 24. Para nós, é fundamental que as pessoas vão às ruas, isso vai nos dar força na negociação. Queremos resolver, por exemplo, a questão da aposentadoria proporcional. Nós jamais vamos concordar com isso! Não houve acordo e o governo quis colocar isso de lado, mas queremos discutir isso. Vamos discutir a questão do setor público que o governe quer limitar, como a idade, também não concordamos de jeito nenhum. Outra questão importante é a opção universitária, pois também vamos querer colocá-los [professores universitários] dentro, embora eu tenha percebido que há diferença entre o professor do primeiro, segundo grau e o universitário, mas é tarefa nossa. Não me incomodo sobre quem fica surpreso ou não. Na minha vida, nunca feri um princípio da Central Única dos Trabalhadores sem, entretanto, ter medo de dizer o que eu penso. Nunca feri um princípio do partido ao qual sou filiado e tenho muito carinho por ele, não tenho problemas. Se não fosse assim, eu não teria tido negociação sobre câmaras setoriais. Se não fosse assim, a CUT estaria deste tamanho [gesticula com as mãos], porque hoje é uma das maiores centrais sindicais do mundo. A gente não pensa somente enquanto categoria, apenas corporativamente. Quem pensa corporativamente e imediatamente não está pensando mais amplamente neste país. Queremos debater outras coisas, como geração de empregos, uma política industrial voltada para o crescimento econômico e com distribuição de renda, reforma agrária, política educacional, saúde no Brasil. É claro que nós não podemos excluir o governo desse debate, pois é quem elabora políticas. É por essa razão que uma central como a nossa deve estar preparada muito competentemente, com sua base organizada, para elaborar essa discussão. Se alguém estiver perplexo porque a gente foi capaz de apresentar propostas, continue perplexo! A classe trabalhadora é capaz de apresentar propostas. Se alguém ficou surpreso porque fomos conversar com outro segmento, eu lamento muito. Se a gente não conversar e cada um ficar no seu lugar, a gente não avança.

Dácio Nitrini: Você já colocou alguns pontos que ficaram pendentes - usando a sua própria expressão. Quais são os pontos que estão concordantes entre a CUT e as propostas do governo?

Vicentinho: Esse Roda Viva é muito importante, porque é a primeira vez que eu vou ter oportunidade de colocar todos os problemas de maneira profunda. Primeiro, quero reforçar aos companheiros sindicalistas que se apressaram em colocar nos seus jornais que já havia acordo que é preciso que reconheçam que erraram. Os trabalhadores cobram esse comportamento, ninguém pode trabalhar com base na desinformação. A desinformação é a pior coisa que existe e, naquele dia, houve uma falha muito grande da mídia quando ela noticiou o fato sem entrar no conteúdo ou no procedimento. A CUT existe há 12 anos e nunca fez nenhum tipo de acordo. Nós estamos tão acostumados a dizer não e a receber não, que quando acontece a possibilidade de dizer  sim ou receber sim, a gente fica perplexo: “Caramba! Vai dar certo agora?”, quer dizer, isso é muito sério. Queria declarar os pontos que consideramos importantes. Primeiro, embora a mídia tenha me procurado, recebi muita manifestação de deputado, de governadores, do PT, de companheiros de outros partidos e de sindicatos também se solidarizando. Não é só crítica, também existe apoio! Nós temos uma pauta com as centrais sindicais e a Cobap [Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas] com oito itens, como tempo de serviço, aposentadoria proporcional, fim da aposentadoria daqueles que pagam por cinco ou oito anos e se aposentam com altíssimos salários...Pode ser deputado, ministro, juiz, presidente da República! Aí é que eu acho que nós estamos mexendo em um vespeiro danado, porque as pessoas, muitas vezes, falam que querem acabar com a aposentadoria, mas na prática não querem, é o interesse delas que está em jogo. Pois bem, a gente queria acabar com o fim do desvio da Previdência Social [seguro social brasileiro garantido ao trabalhador inativo] para outros fins, para outros objetivos, como o governo vem desviando há muito tempo. A gente queria propor que houvesse uma administração quadripartite com trabalhadores aposentados, trabalhadores ativos, empresários... Nós queríamos também ter uma ação no sentido de impedir que o projeto do governo - que inicialmente previa a aposentadoria com três salários mínimos e apenas por idade, portanto 60 anos - deixasse os rurais de fora, os professores e outras categorias. Nesse caso, a gente chegou à conclusão sobre todos esses pontos. Não é um acordo firmado, é entendimento. No movimento sindical, essas coisas só valem depois de votadas, há um procedimento. A única polêmica importante para o Brasil acompanhar é a questão do tempo de serviço e tempo de contribuição. O ministro da Previdência [Social] queria que [os trabalhadores] se aposentassem com quarenta anos e não com 35. Queria que homens e mulheres, já que são iguais, se aposentassem com o mesmo tempo. Todo mundo sabe que a mulher trabalha em casa, trabalha na fábrica, tem jornada dupla, então isso tem que ser diferenciado. Nós queríamos, com esse processo, garantir direitos, mesmo porque os deputados que nos procuraram no final do ano na direção da CUT, nos disseram - portanto, cuidado com essa história de que a conjuntura muda a qualquer momento - que estavam passando por um rolo compressor. Infelizmente, nossos companheiros não tinham votos suficientes para fazerem valer nossas propostas. Eu achava que, como um dirigente sindical preocupado e que quer atuar conjuntamente, a gente poderia dar passos nessa conversação. É por isso que quando nós chegamos lá com essas propostas, super alegres... Hoje o deputado Miro Teixeira me ligou e disse: “Vicentinho, quero parabenizá-lo, manifestar minha confiança em você. Arranquem o que vocês puderem porque quanto mais arrancar mais melhora para nós aqui dentro”. Não foi esse o comportamento de outros, como alguns do PT e de outros partidos, especialmente os mais conservadores, que não se manifestaram mas reagiram internamente. Não precisamos fazer esse conflito entre nós do PT! Então, esses são os pontos importantes da conquista. Também quero aproveitar para corrigir o que a imprensa fez...

[...]: [interrompendo] Aliás, Vicentinho...

Vicentinho: ...mas não quero falar de maneira magoada, não.

[sobreposição de vozes]

Vicentinho: Eu não respondi a pergunta ainda, mas só quero dizer o seguinte: o único problema polêmico e que, portanto, ainda precisa de esclarecimento é o debate sobre tempo de serviço e tempo de contribuição. O ministro queria tempo de contribuição querendo que a gente provasse essa contribuição. Nós rachamos, inclusive, com a [central sindical] Força Sindical. Nós debatemos, fomos para a próxima reunião, insistimos nas quatro horas de reunião. Ficou assegurado nessa reunião que haverá apenas a mudança do nome "tempo de serviço" para "tempo de contribuição", já que para comprovar a aposentadoria, os trabalhadores teriam que comprovar com a carteira de trabalho, como é hoje...

Luiz Fernando Rila: [interrompendo] E os que não têm carteira, Vicentinho?

Vicentinho: Os que não têm carteira, que trabalham em uma empresa e que podem comprovar que trabalharam, como é hoje, também teriam o mesmo direito. Aquele da empresa, que sonegou a Previdência [Social] mas tem carteira assinada, também não tem nenhum problema. Aliás, eu queria até aproveitar para falar um pouco do Estadão [jornal O Estado de S. Paulo]. Vamos começar a falar de jornais?

Luiz Fernando Rila: Vamos!

Vicentinho: Acho que o jornalista Elio Gaspari [comentarista do jornal Folha de S.Paulo], pelo qual tenho um profundo respeito, cometeu uma profunda injustiça, ele se precipitou, como muita gente se precipitou. Dizer que nós colocamos 25 milhões de pessoas na rua, se referindo ao setor informal, é uma inverdade muito grande...

Luiz Fernando Rila: [interrompendo] Mas...

Vicentinho: Um momentinho! Ele não poderia ter dito jamais que eu menti, porque ele sabe a minha história, sabe a minha vida. Hoje os trabalhadores do setor informal não têm direito à aposentadoria.

Luiz Fernando Rila: Mas não é mais fácil hoje para o trabalhador que não tem carteira assinada comprovar o tempo de trabalho?

Vicentinho: Mas qual é a diferença quanto ao outro sistema? Responda! 

Luiz Fernando Rila: No outro sistema você precisa ter alguma documentação, a empresa precisa provar...

Vicentinho: Hoje também! Você tem que ter uma documentação ou testemunhas. Deixa eu te explicar: se na aposentadoria por tempo de contribuição que o governo está falando houver alguma diferença como há hoje para comprovar a aposentadoria por tempo de serviço, não existe acordo. Foi isso que nós discutimos.  

Luiz Fernando Rila: Mas você está seguro de que não há diferença?

Vicentinho: Eu estou completamente seguro, mas vou aguardar o documento, quero ver o que está escrito, quero ver o que vai estar na lei e na Constituição.

Matinas Suzuki: Vicentinho, me desculpe, mas se não vai mudar nada, para que tanta confusão?

Vicentinho: Essa é a minha grande pergunta.

Matinas Suzuki: Por que você correu esse risco político grande se sabia que nada iria mudar nesse sentido?

Vicentinho: Eu corri e estou correndo esse risco perante a sociedade por uma questão chamada pragmatismo. Mesmo o acordo tendo sido mal explicado para a sociedade, no dia seguinte o que os jornais diziam? Que as centrais saíram ganhando e que o governo perdeu. O ministro Reinholds saiu dizendo "Isso não é reforma, isso é apenas um ajuste", saiu "puto da vida". Pois bem, a confusão gerada transformou uma provável vitória em uma derrota. Olha, eu quero reafirmar para o telespectador que nós não vamos fazer nenhum tipo de acordo que signifique acabar com os direitos dos trabalhadores. Quero debater privilégios e abusos, afinal de contas somos nós que pagamos a Previdência Social, temos que zelar por ela. Se a gente assume o compromisso de administrá-la, temos que ser muito competentes, senão daqui a cinco anos vão dizer: "Está vendo? Não adiantou nada!".

Ênio Lucciola: Vicentinho, o que você chama de privilégios que estariam sendo tratados agora? Quais são os privilégios?

Vicentinho: Eu vou apenas reafirmá-los. Estamos aqui com dois deputados que vão concordar comigo, com certeza. Os deputados não podem se aposentar com a Previdência de oito anos, ganhando o salário que ganham...

Antonio Carlos Pannunzio: Vicentinho, eu queria entrar exatamente aí...

Vicentinho: [interrompendo] Não é possível! Desculpa, desculpa! Não é possível que alguém pague a Previdência por tão pouco [tempo] e tenha tão alto salário!. Pelo que me consta, o Congresso não é nenhuma mineração, não é nenhuma funilaria, não é nem o inferno, lá é um grande céu. É esse debate que nós queremos fazer. Como é que pode um juiz, mesmo da representação dos trabalhadores, se aposentar com cinco anos [de serviço]? Se a gente não discutir isso, a gente perde a moral perante a sociedade.

Antonio Carlos Pannunzio: Eu concordo, Vicentinho, me permita só colocar aí...

Vicentinho: Pois não!

Antonio Carlos Pannunzio: Eu entendo que você colocou muito bem essa questão de acabar com certos privilégios que, em alguns casos, estão relacionados às aposentadorias especiais. Você exemplificou com vários casos, inclusive de deputados, não podemos negar que é uma aposentadoria toda diferenciada. Mas um dos pontos que você defende, inclusive está na Gazeta Mercantil de hoje, e que difere daquilo que a maioria dos deputados defendeu junto ao relator...Eu defendi a aposentadoria especial para professor de primeiro e segundo grau, defendi e vou defender com "unhas e dentes", porque a condição de trabalho do professor da rede pública no Brasil é uma barbaridade se comparada ao resto do mundo...

Vicentinho: [interrompendo] Aliás, eu queria aproveitar para mandar os parabéns aqui à Apeoesp [Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo], ao companheiro Roberto Feliz, porque ele é um dos poucos professores que tem mandado muita gente para Brasília para pressionar os deputados.

Antonio Carlos Pannunzio: Na verdade, nós já havíamos, inclusive, negociado com o relator a inclusão do professor de segundo grau, que ele havia deixado de fora. Na proposta do governo, sequer constava primeiro ou segundo. Aliás, sou professor de terceiro grau e não entendo o professor de terceiro grau como [uma atividade] penosa como é classificada hoje. Eu acho que há uma condição diferente em classe, há professor assistente, há auxiliar de docentes. É uma condição totalmente diferente. O que me causa estranheza é que você, que é tão categórico e firme - e eu aprovo e louvo essa sua posição, vai insistir na aposentadoria especial para o professor de terceiro grau. Você está abrindo uma exceção a essa regra que você colocou.

Vicentinho: Não, não estou abrindo, é que esses são os pontos da pauta que nós defendemos. Eu também reconheço que existem diferenças. Tenho andado muito por esse Brasil e tenho constatado professor de primeiro grau ganhando trinta ou quarenta reais por mês. Mesmo em São Paulo, ganhando o salário que ganham, eu sei que há essa diferenciação. Entretanto, é preciso verificar a realidade desses trabalhadores da educação, eles têm relatado o fato de que o salário deles piorou, têm relatado as condições precárias em determinadas universidades. Portanto, vamos verificar cada caso. É bom lembrar que...Não respondi sobre o negócio da Folha, tenho um negócio para falar sobre o Estadão ainda, viu? Mas é bom chamar a atenção que há uma pauta aprovada por nós, temos que chegar ao final dessa conclusão.

Antonio Carlos Pannunzio: Mas então você pode prever que isso é um assunto negociável?

Vicentinho: Como é?

Antonio Carlos Pannunzio: Sobre essa questão de estender a aposentadoria especial para os professores do terceiro grau, ainda há negociação?

Vicentinho: Evidentemente! Quero reafirmar que conversei com alguns professores universitários e tenho dificuldades em defender isso com tanta garra como defendo para os outros...

Antonio Carlos Pannunzio: [interrompendo] Para os de primeiro e segundo graus, não há dúvida!

Vicentinho: ...e até mesmo para os jornalistas! Olha, respeito profundamente os jornalistas, mas eu queria perguntar por que tanta gente insiste na aposentaria especial. Eu estou diante de um bando de jornalistas aqui... O trabalhador da construção civil, o trabalhador metalúrgico...

[sobreposição de vozes]

Dácio Nitrini: Não, pelo contrário! Há uma unanimidade de que esse é um privilégio completamente descartável.

Vicentinho: Perfeito. Então quer dizer que alguns "paus" que alguns jornalistas estão dando, que estão escrevendo coisas no Estadão ou na Folha, não são por causa disso não, né? Menos mal!

[sobreposição de vozes]

Vicentinho: Matinas, é importante deixar isso claro. Eu recebi uma crítica de um profissional do Estadão. Ele não é nem brasileiro [afirmação equivocada do entrevistado], nem gosta do Brasil, nem gosta de negro, nem de nordestino, ele se chama Paulo Francis. Ele declarou no ano passado que Vicentinho deveria levar do Fernando Henrique Cardoso um cascudo na careca e que, se fosse ele, daria uma chicotada em mim para que eu agisse docilmente como um escravo. Era a luta que ele estava tendo naquele momento. Esse cidadão fez isso, nosso advogado abriu um processo contra o Estadão - porque ele mora nos Estados Unidos - pois as matérias são de responsabilidade da direção do jornal. Eu espero que não seja por isso...

Luiz Fernando Rila: [interrompendo] Vicentinho, só um momentinho, só um momentinho! Eu vim aqui para entrevistá-lo...

Vicentinho: Nada pessoal.

Luiz Fernando Rila: Não, nada pessoal, estamos aqui entre amigos. Eu vim aqui para entrevistá-lo, mas já que você fez essas críticas, eu gostaria só de dizer que durante todo o processo de negociação, o jornal Estadão confirmou que te deu muito espaço, você foi entrevistado, em nenhum momento você deixou de ser ouvido...

Vicentinho: [interrompendo] Olha, eu quero declarar também que o Estadão, assim como a Folha de S.Paulo, também chegou com a desinformação logo no primeiro dia. Esse jornal está me garantindo todos os espaços, mas como eu estou sofrendo muitos ataques com os desenhosinhos lá [refere-se às charges da seção de opinião do jornal], com aqueles artigos...Tenho até a impressão que o jornalista reconheceu que errou, mas nunca ninguém chegou a reconhecer o erro. Então, eu só queria colocar as coisas no lugar...

Luiz Fernando Rila: Mas o seu espaço tem sido garantido, você tem se manifestado. Quase diariamente há uma entrevista sua, em que você explica o seu ponto de vista. 

Vicentinho: Está sendo garantido e eu quero lhe agradecer. Agora, o fato de ser garantido não impede que eu diga o que eu penso, não é verdade?

Luiz Fernando Rila: Não, sem dúvida.

Renata Lo Prete: Vicentinho, voltando à questão do tempo de serviço e tempo de contribuição, queria esclarecer uma coisa: ainda que não houvesse uma assinatura ou acordo, ou seja, que as negociações vão prosseguir, houve um entendimento sobre a questão do tempo de contribuição, sobre a adoção do tempo de contribuição.

Vicentinho: Que é igual ao tempo de serviço.

Renata Lo Prete: Uma nota que deve ser distribuída amanhã pela CUT aos jornais afirma o seguinte: "Continuamos defendendo os critérios que embasam a aposentadoria por tempo de serviço". Como fica essa questão?

Vicentinho: Essa nota é assinada por mim, porque nós queremos deixar claro para a sociedade...

Matinas Suzuki: [interrompendo] Vicentinho, se é a mesma coisa, vocês não estão deixando nada claro, vocês estão fazendo uma confusão imensa...

Vicentinho: Deixa eu falar!

Matinas Suzuki: Desculpa eu te dizer isso, mas hoje você também está tomando "um pau" de integrantes do PT, essa coisa toda. Para que ir para Brasília queimar o protocolo, fazer essa confusão toda por uma coisa que não existia? Era tudo uma brincadeirinha?

Vicentinho: [interrompendo] Matinas, você percebe...

Matinas Suzuki: Eu acho que aí tem alguma coisa, você pode estar reclamando da cobertura da imprensa, mas eu acho que tem alguma coisa aí que não está clara ou transparente para todo mundo.

Vicentinho: Deixa eu perguntar a você...

Matinas Suzuki: Pode perguntar.

Vicentinho: Se você, que tem aposentadoria por tempo de serviço, tiver a mesma garantia com as mesmas condições e, como a Constituição fala em tempo de contribuição e como o sistema também é contributivo, o que implica em mudar o nome? Essa é a pergunta. Pois bem, nesse caso, estou apenas tentando ver o que eu posso descobrir de um governo que tinha realmente um projeto de tempo de contribuição, que foi cedendo, cedendo... Na primeira negociação, nós rachamos com outra central sindical, depois esclarecemos. Como sou muito pragmático, é claro que se não estiver assegurado...Aguardo o momento em que o relator vai escrever, vamos verificar o que os deputados vão colocar. Estão aqui os deputados do PT, do PSDB, que são extremamente honestos, que vão lá acompanhar. Se não for isso que estou falando, não tem acordo, nós não somos bestas. O que tem que se aprender é que com a central sindical não há negociação de cúpula, ela passa por um debate, posso dar minha opinião pessoal, mas isso só terá valor se o debate for para suas próprias bases.

Matinas Suzuki: Leôncio, por favor.

Leôncio Martins Rodrigues: Vicentinho, eu quero dizer inicialmente que apoiei sua atitude de negociar, eu acho que uma central sindical tem que negociar.

Vicentinho: Eu agradeço, mesmo porque ultimamente a gente tem brigado, não é?

Leôncio Martins Rodrigues: Houve algumas incompreensões a respeito. Eu não sei se você concordaria inteiramente...

Vicentinho: [interrompendo] Concordo!

Leôncio Martins Rodrigues: Com o que eu realmente disse, mas aquilo que apareceu lá...

Vicentinho: [interrompendo] Eu fique com raiva porque...

Leôncio Martins Rodrigues: Não era bem o que tinha...

Vicentinho: [interrompendo] Aquela greve dos petroleiros tinha toda a manipulação do governo na distribuição de gás, na questão da votação do Congresso Nacional. Mas você já me explicou que aquela declaração que você deu não foi em função da greve.

Leôncio Martins Rodrigues: Não, era uma outra matéria. A CUT entrou lá de "contrabando"...[risos]

Vicentinho: Estamos resolvidos aqui.

Leôncio Martins Rodrigues: A CUT não era objeto central daquela entrevista, mas eu quero dizer que vi com satisfação sua negociação. É preciso negociar, uma democracia requer negociação, a não ser que você considere o outro como um inimigo. Se nós entendemos que são interesses que estão em jogo, nós negociamos. Achei que foi uma atitude bastante moderna, mas tive a impressão - e você vai me dizer se eu estou errado ou não - que além do conteúdo específico do que se divulgou que tinha sido acordado...

Vicentinho: [interrompendo] Posso tirar a camisa [ele quer dizer o paletó]? Está um calor danado!

Matinas Suzuki: Claro.

Leôncio Martins Rodrigues:...havia também uma espécie de ciúme dos parlamentares de terem sido deixados de lado em uma negociação em que a maior parte da opinião pública não estava a par. Você não acha que houve isso também?

Matinas Suzuki: [interrompendo] O debate está tão quente que o Vicentinho já tirou o paletó!

[risos]

Vicentinho: Eu queria declarar que eu tenho uma experiência de negociação muito longa no movimento sindical. Nunca feri o princípio, os trabalhadores sabem muito bem que quando as coisas são para valer, eles participam das greves juntos. No ano passado minha grande frustração foi não ter conseguido fazer uma greve geral neste país por vários motivos. Entretanto, o presidente da República é eleito pelo povo, é o poder executivo e, por mais divergências que eu possa ter, não podemos funcionar enquanto oposição sistemática e permanente. Se existem pontos com os quais concordamos, nós vamos apoiar. Se há pontos que discordamos, talvez haja aí uma diferença entre partidos e assim por diante. Segundo, o que eu quero reafirmar é que essa história de ciúme não é da bancada, nem é do partido, nem é de outros partidos, mas de um ou outro deputado. Dá para ver na cara quando ele tem um ciúme danado! Mas deixa pra lá!

[risos]

Leôncio Martins Rodrigues: Dentro da CUT, que correntes foram mais opostas ou críticas à sua atitude? Eu me lembro que, depois do grande conflito do quarto congresso, você foi eleito no quinto congresso em uma chapa única, com base em um amplo consenso, não é?

Vicentinho: Foi.

Leôncio Martins Rodrigues: O senhor sabe o que mudou tudo isso?

Vicentinho: Foi uma chapa unitária...

Luiz Fernando Rila: Aproveitando a carona nessa pergunta, nesse fim de semana houve uma reunião dos funcionários públicos da CUT lá em Brasília e foram aprovadas umas moções de censura ao seu ato, você foi chamado de pelego [termo que designa sindicalistas que atuam, disfarçadamente, aliados aos patrões contra os interesses dos trabalhadores]. É normal esse tipo de tratamento?

Vicentinho: Não, para mim é muito duro ouvir isso realmente, porque quero que respeitem minha dignidade e a minha história. Isso tem limites, não estamos aqui para comer, beber e dormir. Minha vida é muito transparente, eu quero ver alguém me acusar um dia de envolvimento com qualquer tipo de corrupção, com qualquer coisa que mexa com a minha dignidade, isso eu falo de  peito aberto e com muito orgulho. Então, olhem lá com quem estão mexendo, porque nossa dignidade não pode ser jogada fora porque não tem preço! De qualquer maneira, não dá para impedir que alguém me xingue, mesmo porque muitos estão reagindo com base na desinformação, propositadamente ou não. Quero entender que aquilo é uma manifestação democrática, como é o caso das tendências da CUT. São as nossas velhas tendências, pelas quais tenho o maior carinho, pois existem desde que a CUT foi fundada. Posso até dizer que têm posições equivocadas, mas boas intenções no debate. Essas tendências divergiram até sobre a recente compra da atual sede! A CUT, depois de 12 anos, compra uma sede própria, foge do aluguel e da dificuldade, pois só de condomínio eram 15 mil [reais]. No entanto, até aí houve divergências. Então, eu acho natural e respeito a posição deles, é por isso que vamos debater muito fraternalmente.

Matinas Suzuki: O Celso não fez nenhuma pergunta. Deputado, por favor.

Celso Daniel: Muito obrigado, Matinas. Vicente, nós nos conhecemos há muito tempo e queria cumprimentá-lo pelo trabalho que você tem feito na CUT.

Vicentinho: Obrigado, Celso.

Celso Daniel: Eu queria enfatizar que eu estou entre aqueles no PT que consideram a elaboração de propostas alternativas a essas do governo e que venham ao encontro daquilo que o Brasil necessita. Isso é absolutamente fundamental para um partido que queira realmente assumir postos de comando e não ficar apenas criticando. Em razão disso, temos elaborado propostas no Congresso, embora elas não estejam sendo divulgadas como deveriam. Uma delas é a da Previdência. Nós trabalhamos longamente no sentido de uma proposta alternativa que tem alguns pontos entre aqueles que você levantou: fim dos privilégios, gestão quadripartite, Previdência única, pública e privada de um a dez salários mínimos e assim por diante. Dentro de todo esse processo, acredito e concordo inteiramente com o Leôncio: acho que você está inteiramente correto. A CUT está correta em fazer negociações, inclusive com o governo. Isso não é um direito da CUT, é uma obrigação da CUT, das entidades da sociedade civil, no sentido de garantir conquistas para a população brasileira. Todo o problema que está envolvido já foi comentado aqui em algumas oportunidades, mas eu queria voltar a ele, porque acho que é realmente mais fundamental do que essa discussão sobre inveja etc. É exatamente essa coisa do tempo de serviço e tempo de contribuição. Eu gostaria de perguntar para você poder esclarecer a todos aqueles que nos vêem e nos ouvem neste momento o que significa a proposta que a CUT defende a respeito de tempo de serviço ou tempo de contribuição, em termos de toda aquela massa de trabalhadores informais que não tem carteira assinada. Como eles fariam para comprovar o tempo de contribuição se não têm carteira assinada?

Vicentinho: [interrompendo] Perfeito.

Celso Daniel: E a segunda questão é: se para o governo, dentro da negociação que foi feita, tempo de contribuição corresponde ao tempo de serviço, como você interpreta o fato de um governo ter assumido apenas a palavra, a expressão "tempo de contribuição", se eles estão aceitando o tempo de serviço da maneira como é hoje?

Vicentinho: Quero te agradecer, Celso. Você é um dos companheiros que eu mais respeito, não está entre aqueles...

Celso Daniel: [interrompendo] É mútuo, também tenho a máxima confiança em você. Você sabe disso, não é?

Vicentinho: Eu tenho percebido que, neste momento de incompreensões e divergências, são naturais a preocupação e a desconfiança sobre essa questão. É perfeitamente legítimo. É por isso que pessoas como você têm o meu mais profundo carinho, assim como o Lula, que é meu pai, está certo? Eu tenho um companheiro, o José Dirceu, com quem tenho conversado muito também, além de outros deputados. Bem, você estava na reunião do diretório, sabe como foi a conversa, falaram duro, eu também falei duro. Mas o importante é a gente ter dignidade e falar as coisas claramente. Pelo menos fui honesto, que é a coisa que eu mais gosto. Também quero agradecer aos outros companheiros que têm me ajudado muito. O companheiro Guimba, que é do Sindicado dos Metalúrgicos do ABC, está preocupadíssimo com a questão do desemprego, com a transparência dos debates; o companheiro [José Lopez] Feijó, presidente da CUT, tantos outros companheiros da nossa executiva, enfim, não vou ficar falando nomes, senão esqueço de alguém e fico cometendo injustiça com outros companheiros. Mas, Celso, qual foi a primeira pergunta mesmo?

[risos]

Celso Daniel: Para você esclarecer melhor como fica essa questão de tempo de contribuição para aquela massa de trabalhadores que não tem carteira assinada e também porque o governo está aceitando isso.

Vicentinho: Vamos verificar como nós atuamos nessa negociação: primeiro, foi para impedir que piorasse a situação dos trabalhadores que estavam ameaçados; segundo, tentar conquistas, embora sejam ajustes que poderão nos dar condições de avançar na próxima etapa.

Matinas Suzuki: Vicentinho, o Congresso não poderia fazer isso?

Vicentinho: Poderia, mas não conseguiu fazer por causa dos interesses. O negócio do [Sivam] influenciou e os nossos deputados sozinhos não têm uma votação capaz de mudar o quadro. Nós agimos conjuntamente na base de obstaculizar regimentalmente para ver se conseguíamos uma saída.

Antonio Carlos Pannunzio: Vicentinho, você coloca que agiram conjuntamente...

Vicentinho: Mas eu não respondi...

Antonio Carlos Pannuzio: Mas está nessa linha, é só para pegar o gancho...

Vicentinho: Está bom!

Antonio Carlos Pannuzio: O que me causa uma certa perplexidade é o porquê dessa reação do PT. É como se você tivesse agido unilateralmente contrariando os interesses do partido.

Vicentinho: Deixe eu responder a pergunta aqui, depois eu entro na sua, está bom? Então, Celso, hoje, do jeito que está, os trabalhadores do setor informal não têm direito à aposentadoria, está certo? Ele só vai ter direito se contribuir como autônomo ou se comprovar através de uma empresa ou testemunha...Nessa negociação nós até avançamos porque chegamos à possibilidade de criar uma contribuição simbólica para o desempregado. O seguro-desemprego faria com que ele não perdesse tempo. Há possibilidade de melhorar...Agora, para mim, acabar com o setor informal é fundamental para gerar empregos. A reestruturação da política econômica do governo está causando muito desemprego neste país! Vamos trabalhar para gerar empregos e garantir direitos.  Sobre a questão do tempo de contribuição, eu vou repetir: Celso, meu querido deputado, mesmo entendendo que o sistema é contributivo, nós não vamos concordar se isso tirar um centavo de direito dos trabalhadores. Agora, deputado [dirige-se ao deputado Pannunzio], o senhor é esperto hein! O PSDB é esperto "pra caramba"! Não é com o PT a confusão, está certo?

Antonio Carlos Pannunzio: Mas tudo que a gente lê aqui, a imprensa está colocando...

Vicentinho: Então não leia esse jornal, meu Deus do céu!

Antonio Carlos Pannunzio: Mas eu tenho que ler.

[risos]

Vicentinho: Não é com o PT a confusão, é com alguns deputados que podem ser do PT, que podem ser do PSDB, que podem ser do PDT [Partido Democrático Trabalhista], que podem ser PC do B [Partido Comunista do Brasil]. Minha mágoa é com aqueles que tiveram comportamento pessoal, mas não é com PT.

Antonio Carlos Pannunzio: Mas eu posso te garantir uma coisa: por parte do PSDB, você ganhou admiração. Pode ter um ou outro que...

Vicentinho: Ih...[risos]

[sobreposição de vozes]

Matinas Suzuki: Só um minutinho!

Vicentinho: Há muitas pessoas sérias no PSDB que eu respeito. Se me admiram por isso e como isso não vai tirar nenhum pedaço de mim, vou continuar como um real representante dos trabalhadores. Eu agradeço!

Antonio Carlos Pannunzio: Não se pode tirar de uma central sindical a competência de efetivamente participar desse grande diálogo nacional. Você está cumprindo exatamente o que o esperam...

[sobreposição de vozes]

Matinas Suzuki: [interrompendo] Vicentinho, por favor. Nós estamos chegando no final do primeiro bloco e eu não fiz nenhuma pergunta de telespectador. Eu estou afogado em fax...

[...]: Eu quero uma continuidade dessa discussão!

Matinas Suzuki: Eu sei, mas vou até abrir mão desse princípio jornalístico do assunto para respeitar aqui nossa interatividade com o telespectador. O José Jeová Araújo, que é metalúrgico do ABC, pergunta: "Vicentinho, você não se sente constrangido em se aliar com o [Luiz Antônio] Medeiros [fundador da Força Sindical, nos anos 1980, Medeiros dirigiu o Sindicato de Metalúrgicos de São Paulo, época em que ficou conhecido por defender o "sindicalismo de resultados"] e negociar com o governo um acordo que não traz nenhum benefício aos trabalhadores e aos aposentados?"

Vicentinho: Deixa eu esclarecer ao José Araújo que tive um pequeno problema na nossa executiva quando se iniciou esse processo de negociação. Ele sabe muito bem as divergências que eu tenho com o Medeiros e não gostaria nem de ter sentado na mesa com ele. Tive dificuldades, mas fui pelo interesse seu, José Araújo, pelo interesse dos trabalhadores. Não posso fazer de uma briga com o dirigente de uma outra central sindical...fazer da minha briga pessoal um motivo de divisão que prejudique a luta dos trabalhadores neste país. É preciso aprender a ser tolerante com as pessoas, mesmos sabendo das profundas divergências que temos. Segundo, Araújo, fique tranqüilo, porque se você estava ameaçado de se aposentar aos sessenta anos como o governo queria, com três salários mínimos, nós conseguimos pelo menos garantir o senhor se aposentar do jeito que você está hoje.

Matinas Suzuki: O Norberto Tadeu, de Porto Ferreira, pergunta: "Os sindicalistas não teriam mais valor se a preocupação fosse direcionada para o destino de recursos como PIS [Programa de Integração Social, contribuição tributária para financiamento de seguro-desemprego], o FGTS [Fundo de Garantia por Tempo de Serviço], etc?

Vicentinho: Nós estamos muito preocupados com nossos recursos. Queremos saber onde está o nosso dinheiro do FGTS porque queremos operacionalizá-lo para construir casas e não para privatizar. Nós estamos preocupados com o FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], que deveria funcionar para investimento, para geração de emprego. Estamos preocupados com o nosso dinheiro e estamos propondo que a administração da Previdência seja quadripartite e que seja proibido tirar dinheiro da Previdência para outros fins.

Matinas Suzuki: O Marco Aurélio, daqui de São Paulo, que é advogado, pergunta o seguinte: "Vicentinho, a história acabou, o sonho acabou? Teremos de nos contentar com a felicidade do consumo de geladeiras, televisores, etc?"

Vicentinho: Não sei se é o doutor Marco Aurélio que eu estou pensando...

[...]: Não é, não deve ser.

[risos]

Vicentinho: Há um Marco Aurélio que é o advogado do nosso sindicato. Como ele é advogado eu vou chamá-lo de doutor. Doutor Marco Aurélio, a única razão de estarmos numa situação como esta em que estamos, lutando, enfrentando dificuldades, sofrendo problemas até pessoais, trocando o coletivismo pelo individualismo, é esse sonho que nós temos de uma nova sociedade. Nós precisamos ter um profundo trabalho de conscientização e compreender que, enquanto intelectuais, às vezes em um copo de cerveja, lendo os grandes livros de Lênin [(1870-1924), líder da Revolução Russa de 1917 que se tornou dirigente da União Soviética com atuação política que deu origem ao termo leninismo], de Trótsky, de Marx, de Rosa Luxemburgo [(1871-1919) filósofa e economista marxista nascida na Polônia, foi militante ativa do movimento socialista em seu país e na Alemanha], pelos quais tenho muito carinho, ficamos falando da verdadeira revolução. Tem gente sendo escravizada neste país, não sabe o que é isso e quer sair da escravidão. São homens, mulheres, crianças, negros nas ruas, marginalizados, discriminados, passando fome. Há trabalhadores rurais sem terra que estão brigando por um pedaço de terra em um país em que 56% dela está na mão de apenas 2,8% do povo brasileiro. Reforma agrária ainda não é o socialismo, é apenas distribuir renda neste país. Estou muito preocupado com isso, senão eu viro um dirigente de cúpula... Não foi à toa quando disseram na minha história aí que eu fui da Mercedes [Benz], fui não, eu sou! Eu estou na Mercedes Benz, vou lá todos os meses, pego o meu macacão, minha bota para trabalhar e para saber o que pensam os companheiros. É assim que eu tento associar o sonho de uma sociedade fraterna e igualitária com a capacidade do povo que nós representamos de caminhar.

Matinas Suzuki: Bem, nós vamos fazer agora um rápido intervalinho e voltamos daqui a pouco com o segundo tempo da entrevista de Vicentinho. Até já.

[intervalo]

Matinas Suzuki: Voltamos com o Roda Viva, que entrevista esta noite o presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva. Eu peço um pouquinho de paciência para você, pois hoje o programa está quente, estão chegando muitas perguntas. Aquelas que eu não conseguir transmitir ao Vicentinho no ar, serão encaminhadas a ele, que tentará responder a vocês todos. Vicentinho, uma questão mais ampla que eu gostaria de te fazer, ainda pegando o gancho dessa coisa quente mas um pouco mais reflexiva, é: esse episódio não coloca uma outra questão, ou seja, o sindicalismo não está mais avançado do que o momento político? Esse episódio não revela um pouco esse tipo de coisa? Esse tipo de atitude não pode acabar por exemplo, em vocês negociarem diretamente com o governo, inviabilizando a atuação de uma instância importante para a democracia, que é o Congresso?

Leôncio Martins Rodrigues: Posso juntar uma questão a essa, Matinas? Minha impressão é de que grande parte da reação veio pelo seguinte fato: a CUT tinha uma política de pouca negociação. Você começou lá no ABC com as câmaras setoriais de negociação, mas a CUT tinha dificuldades em negociar, as oposições não estavam negociando com governo, estavam perdendo sistematicamente no Congresso. De repente, você vem e diz: "Nós vamos negociar". E é uma mudança muito profunda na CUT... Estou de acordo com você, eu acho que tem que se negociar. Não seria isso que provocou um choque tão grande? O Congresso também se sentiu diminuído, mas eu penso que isso não é realmente importante, porque finalmente quem vai votar é o Congresso.

 

Vicentinho: É, só um ponto que eu esqueci, na outra fala, para chamar a atenção para a questão da aposentadoria proporcional...Essa questão é muito séria, não houve acordo, está na pauta e queremos resolver, portanto a companheirada que está preocupada com isso fique atenta, nos dê força para a gente se fortalecer. Segundo lugar, vocês acham que eu iria participar...algum de nós aqui estava imaginando o que ia acontecer? Há quanto tempo neste Brasil que não há negociação? Nós estamos acostumados a fazer como faz o cachorrinho quando corre atrás do carro: ele corre, corre, corre e quando o carro pára, ele não sabe o que fazer com o pneu. Infelizmente, a gente tem que estar preparado, qualquer negociação deve ser feita com a base organizada, isso é fundamental, não é trocar a negociação pela greve. A greve tem que estar muito bem preparada, é por isso que os calendários se mantêm, pois as discussões ainda não foram definidas. Tudo isso vai depender do processo de negociação. Agora, meus companheiros aqui, se nós não pudermos negociar, o que podemos fazer? Eu vou falar uma coisa: se eu não puder, em uma central sindical, negociar, eu fico apenas com o papel de dizer "não, não, não, não"...Sinto essa responsabilidade pelo crescimento econômico, a Central sempre teve essa visão de negociação há muito tempo. Há divergências, é verdade. Tem gente que acha que não devemos nem nos encontrar com o governo, outras acham que devemos nos encontrar, mas não fazer acordo. Não dá para fazer isso. Então, defendo a tese de que há uma diferença entre as centrais sindicais e dentro delas. Temos companheiros de vários partidos, lá é do trabalhador. Se é comunista, socialista, social-democrata, não importa, na CUT congregam-se todos. Para mim, ser revolucionário não é ter uma tese revolucionária ou um discurso revolucionário, mas ser capaz de aglutinar toda a classe que está querendo melhorar suas condições de vida.

Leôncio Martins Rodrigues: Você não acha que representar tanto o setor público como o setor privado e agrário é um problema real dentro da CUT? Dentro desses setores a complicação é grande! No setor agrário você tem assalariados, o pequeno proprietário e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Nessa última greve da França, quem se mobilizou foi o setor público, o setor privado não se mobilizou. Você não vê nenhum problema nisso?

Vicentinho: Professor Leôncio, se o Lula fosse presidente da República, a gente estaria negociando muito mais. Eu sinto no Lula muita disposição de mudar uma série de coisas neste país. Eu sei que a central hoje é uma das maiores centrais sindicais do mundo, talvez a quarta central maior do mundo, mas é a maior do país. Cada dia que passa ela ganha eleições. O segmento público é de 25%, embora com muito orgulho eles...quase todos optaram por filiação à central. Mas há interesses diferentes. Na nossa central, temos o pequeno produtor, o assalariado. Como se resolve esse conflito? Nossa central tem trabalhadores da construção civil, metalúrgicos, engenheiros, médicos. É por isso que temos departamentos verticais para tratarem exclusivamente desse assunto. Meu papel é tentar ponderar os interesses. Por exemplo, na questão da aposentadoria, eu não posso, em nome da maioria, que é o do setor privado, imaginar que a gente vai continuar com uma aposentadoria em que uns se aposentam com cinco ou oito anos e ganham mais, enquanto outros trabalham 35 anos e se aposentam ganhando menos. A proposta de aposentadoria universal, igual para todos, que é nossa, que é do PT, está de pé, embora não tenha sido aprovada. Se fosse, a polêmica ia ser maior.

Renata Lo Prete: Vicentinho, pegando o que você falou sobre a necessidade de negociar, eu pergunto ao senhor o seguinte: vários sindicatos filiados à CUT e reunidos em Brasília nesse fim de semana votaram a favor da retirada da central nas negociações com o governo. Você acha que isso vai acontecer?

Vicentinho: Ele fez a mesma pergunta agora, não é? Bem, a central representa na sua base em torno de 18 milhões de trabalhadores. As organizações têm o direito de manifestar todas as suas opiniões. Nós estamos em um processo em curso, vamos ter uma reunião da executiva nos dia 2 e 3 e uma consulta em todos os estados. Se esse debate vier, nós vamos ouvir com todo o respeito. Há companheiros que acham que não devemos negociar, outros acham que sim, uns acham que não devemos sequer falar de nada positivo com o governo. Nós temos que ser minimamente coerentes. Acho que isso é uma coisa democrática.

Dácio Negrini: Agora há pouco você recebeu um elogio do deputado do PSDB e ficou todo constrangido. Que avaliação você faz do presidente da República?

Vicentinho: Eu não fiquei constrangido. Eu até fiz uma brincadeira com a seriedade com que ele colocou a questão. Bom, eu acho que o presidente Fernando Henrique Cardoso é um cidadão muito vaidoso e está sustentado em umas alianças - eu não sei qual é a posição do deputado, amanhã eu vou falar com os deputados de direita também. Por isso, eu tenho que falar aqui com um certo cuidado, não é?

[risos]

Vicentinho: Mas é com a direita que está sem compromisso no Brasil, eles são fisiológicos, eles querem continuar usurpando o nosso país. Esse é o grandioso problema.

Antônio Carlos Pannunzio: [interrompendo] Só um ganchinho aí, Vicentinho.

Vicentinho: Desculpa, deputado! Veja o caso do Plano Real. O Plano Real jamais poderia ter sido um plano sustentado em duas âncoras tão perversas. Nós queremos o fim da inflação, isso é positivo, nós reconhecemos, mas às custas da quebradeira industrial e às custas do arrocho do salário e do desemprego, isso não é possível. Temos que investir, colocar metas, colocar planos. Inclusive, há uma postura de profundo desrespeito com o funcionário público. Agora, não é por causa de tudo isso que se ele [o presidente Fernando Henrique] fala: "Vamos discutir e gerar empregos",  eu falo: “não vou!”. Aí fica mais difícil, não é?

Antônio Carlos Pannunzio: Vicentinho, só pegando essa colocação sua no sentido de que o governo está sustentado em alianças de direita, é claro que o governo tem que ter uma base de sustentação, senão não é possível levar adiante nenhum projeto de governo dentro do regime democrático. Agora, se o governo está hoje um pouco mais à direita do que eventualmente deveria estar no conceito de uma parcela dos cidadãos, eu acho que isso se deve às posturas daqueles que divergem, inclusive do seu pensamento. O PT tem tido uma atitude negativista no Congresso Nacional, tem tido uma atitude de sempre dizer "Não, não queremos negociar, contestamos, votamos contra".

Vicentinho: [interrompendo] O que você acha, Daniel?

Celso Daniel: Eu discordo. Já tinha comentado isso aí com ele um pouco antes de a gente começar o debate. Eu comecei a minha fala aqui justamente afirmando o fato de que o PT tem elaborado propostas alternativas, porque acreditamos que é necessário...

Antônio Carlos Pannunzio: [interrompendo] Celso, ao mesmo tempo eu concordo com você, você sabe o apreço que eu tenho por você, eu fui um dos componentes da sua bancada!

[sobreposição de vozes]

Matinas Suzuki: Deputado, por favor. Olha, eu tenho o maior apreço pelo debate democrático, o debate no Congresso, mas gostaria de lembrá-los que este é um programa que está entrevistando o Vicentinho, a gente tem que fazer as perguntas para o Vicentinho, independentemente do debate entre PSDB e PT, que certamente a gente não vai resolver aqui. Acho que poderíamos fazer as perguntas...

Vicentinho: Mas se eles quiserem continuar o debate entre os dois, continuem! Sei que o Celso vai ganhar fácil, fácil.

[risos]

Vicentinho: Brincadeira, deputado!

Antônio Carlos Pannunzio: Estou exaltando exatamente essa disposição do Vicentinho de romper com aquele negativismo para tudo e partir para o diálogo, entender que é importante essa participação, era esse o ponto. O Celso Daniel tem razão em afirmar...

Matinas Suzuki: [interrompendo] Deputado, por favor.

Antônio Carlos Pannunzio: Um minutinho só...

Matinas Suzuki: Eu estou com milhões de perguntas aqui e preciso continuar. Agradeço muito, mas é que...

Celso Daniel: Deixa eu fazer uma pergunta porque eu já estava na fila aqui. Tem a ver com uma outra questão, que você tocou de passagem, que me parece da mais alta importância para o futuro deste país, que é o emprego.

Vicentinho: Isso.

Celso Daniel: Nós sabemos muito bem que as mudanças tecnológicas, as mudanças nas relações de trabalho e os processos de abertura têm levado, de uma forma mais ou menos geral e aqui no Brasil com muita presença neste momento, ao desemprego. Eu tenho visto iniciativas muito interessantes do sindicalismo ligado à CUT lá do ABC no sentido de fazer negociações, porque não há dúvida de que a postura da CUT, há muito tempo, é uma postura de negociações que significam permitir a flexibilização da jornada de trabalho mas conjugando isso com a redução dessa jornada. Eu gostaria de saber o seu ponto de vista e o da CUT a respeito dessa questão do emprego em face dessas transformações tão amplas pelas quais estamos passando.

Vicentinho: Aliás, amanhã aqui em São Paulo, também com as centrais sindicais, o companheiro Guimba vai estar lá como presidente da Confederação [entidade que congrega os sindicatos de determinada atividade profissional, em nível estadual, regional ou nacional]. Nós não vamos porque vamos estar em Brasília, juntamente com a Força Sindical e outros companheiros, discutindo como o ministro do Trabalho a questão do emprego. Para a gente não misturar as coisas, a gente vai lá resolver o problema da Previdência. Em segundo lugar, eu queria colocar para você, para o telespectador, para os jornalistas e deputados aqui presentes que nós estamos caminhando para quebrar um outro tabu. Acho que não podemos agir como nós agimos no final do século passado quebrando máquinas em função de uma nova tecnologia. Estou aqui me lembrando de um exemplo extraordinário de quando eu morava lá em Acari, no Rio Grande do Norte. Eu era menino e corria muito lá pelo terreiro. Isso foi no dia em que o homem foi à Lua. Havia um grande debate na minha cidade, pois metade achava que o homem não tinha ido à Lua, a outra metade achava que o homem tinha ido à Lua. Eu sou filho de negros e índios. Meu pai dizia: “O homem não foi à Lua, eu não acredito" e ainda colocava uns óculos para olhar... Os homens todos não concordavam. Minha mãe sai lá fora para levar café e destoa - imaginem um lugar no sertão, machista - e fala: “Eu acho que o homem foi à Lua”. Todos nós paramos e ela falou: O homem foi à Lua. Sabe o que vai acontecer com os nossos filhos daqui a quatro, cinco anos? Eles não vão mais passar fome  porque se o homem foi capaz de ir à Lua, ele é capaz de resolver o problema nosso com a terra, com tanta coisa bonita que aqui existe”. Ela estava correta no fundo do seu pensamento, mas se enganou com a informação do que era o nosso país. Portanto, quero dizer que a modernização, essa coisa fantástica do computador, da robótica, os novos métodos, são extremamente positivos, desde que no ganho da produtividade dessa qualidade esteja também incluída a qualidade de vida. Não se pode introduzir nova tecnologia para gerar desemprego, fome. Não se pode ter tecnologia moderna que provoque o atraso. Em função disso, estamos dispostos a discutir. Temos até engenheiros contratados para tratarem deste assunto, discutirem política industrial, apresentarem propostas. Se o governo topar, nós não vamos concordar? Nós estamos dispostos a discutir essa questão, os métodos, mesmo porque o "tcham" do passado era você ser um torneiro mecânico, hoje o "tcham" é o torneiro mecânico de máquina com controle numérico. Há uma diferença profunda. Investir em educação é fundamental, estou na fábrica acompanhando o que está acontecendo lá dentro. Eu trabalhei em um setor que tinha uma máquina com 42 pessoas para furar, rosquear, usinar e assim por diante. Colocaram outra máquina lá e agora são duas pessoas: uma para colocar a peça e outra lá fora para tirar a peça. É por isso que não é à toa que uma empresa como a Volkswagen, que tinha 44 mil trabalhadores em 1980, hoje tem 23 mil. Naquele tempo, com 44 mil, eles produziam mil veículos. Agora, com 23, produz mais de mil e quinhentos [veículos]. Não é à toa que isso está acontecendo. Pois bem, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, coordenado extraordinariamente por sua diretoria, resolve fazer uma proposta ousada que é a flexibilização da jornada. Não é flexibilizar direitos, mas é reconhecer que... Com a redução da jornada, que baixou de 44 para 42 [horas semanais] e em alguns casos para quarenta horas ou até 38 horas, ao invés de demitirem, trabalha-se menos horas. Isso foi uma saída extraordinária e importante, é claro que para nós não basta, é preciso haver projetos de investimento...

Matinas Suzuki: [interrompendo] Vicentinho, o importante é "segurar o tcham", não é?

[risos]

Vicentinho: ...discutir política industrial, discutir metas para crescimento. Alguns companheiros nossos ainda fazem discurso na porta de fábrica, chegam lá e acham que combater é falar grosso, é xingar. Eles xingam, xingam, xingam tanto, que esquecem de dizer o que iam dizer. A "peãozada" cobra, percebe quem são.

Leôncio Martins Rodrigues: Vicentinho, vocês estariam também dispostos a negociar uma reforma da estrutura sindical?

Vicentinho: Nós temos uma proposta para a modernização da reestrutura sindical, a fim de acabar com o imposto sindical e se preparar para a verdadeira liberdade de autonomia sindical.

Leôncio Martins Rodrigues: Isso com o fim do sindicato único?

Vicentinho: Isso, com o fim da unicidade sindical, mas pela unidade sindical. Não é o fim para impulsionar o pluralismo, mas o fim para provocar a unidade, como aconteceu no ABC. Lá a gente era do Sindicato de São Bernardo [do Campo], agora é de São Bernardo, Santo André...

Leôncio Martins Rodrigues: [interrompendo] Veja, a unicidade sindical se manteve porque existe uma legislação. Retirado isso, nada impede a existência de vários sindicatos, embora...

Vicentinho: Perfeito. Nada impede, isso é verdade, mas nossa orientação e a posição da Central é lutar pela verdadeira reunificação do movimento sindical brasileiro, mesmo porque, professor Leôncio, no Brasil, nos anos 80, existiu em torno de 4,5 mil sindicatos. Hoje nós estamos com quase 19 mil sindicatos, mas o índice fiscalizado continua extremamente baixo. Aí sim o sindicato perde a força, não porque tem uma postura corajosa de negociar, mas porque se atomizou completamente. Na hora de deliberar, delibera completamente diferente. É preciso rediscutir a estrutura sindical neste país.

Matinas Suzuki: Sobre essa questão levantada pelo senhor Leôncio, nós temos duas perguntas aqui. O Luiz Antônio de Freitas, do Morumbi, pergunta: "Quando o PT foi fundado em São Bernardo do Campo, havia 6.895 indústrias, hoje existem 5,7 mil. O que está sendo feito para reverter essa posição?". O José Carlos Mininguesso, de Moema, São Paulo, pergunta se as empresas estão fugindo do ABC por problemas que enfrentam com os sindicatos:  "Por que os sindicatos não deixam de fazer política e voltam a fazer o trabalho sindical de base? O que é mais importante: o trabalhador ou o PT".

Vicentinho: Olha, em primeiro lugar, os dois são importantes. Sem um partido, os trabalhadores vão continuar sendo manipulados, dirigidos, explorados da maneira como estão. O trabalhador tem que se organizar. Em segundo lugar, é preciso cuidado com essa informação que ele está dando porque a invasão e a quebradeira das empresas não é só no ABC, mas é no ABC, em Osasco, que é filiado à Força Sindical, em São Paulo, nas cidades industriais, por outros fatores que não são da atuação sindical. É verdade que um ou outro empresário usa esse argumento, mas existe um problema que precisamos discutir: qual é o futuro dessas grandes cidades industrializadas, quando existe a guerra fiscal, problemas nos portos, problemas de infra-estrutura? Quanto ao problema da política industrial, é necessário que ela exista até para discutirmos esses aspectos. Eu refuto essa idéia de dizer que  "porque é sindicato filiado à CUT as empresas fogem de lá". Veja, a Brastemp, por exemplo, que se transformou em duas fábricas, uma aqui e outra lá no interior, também é filiada à CUT. Não se preocupe, empresário, se alguém está pensando em fugir, logo a CUT vai estar em todas as cidades. Não é esse o problema.

Ênio de Lucciola: Vicentinho, eu tenho uma pergunta muito concreta. A gente sabe que um dos maiores problemas da Previdência hoje é que as empresas simplesmente não depositam, quer dizer, há um desequilíbrio lá dentro. Ao próprio governo competiria exercer uma fiscalização, mas muitas vezes ele não contribui, não faz o depósito. Esse ponto foi tocado?

Vicentinho: Foi tocado.

Ênio de Lucciola: Existe algum empenho nisso? Não foi divulgado...

Vicentinho: Não foi divulgado, porque efetivamente a gente só se baseia na questão que é polêmica. As outras questões não são mencionadas até para medir o peso da proposta desse entendimento, que não está concluído. O debate agora é se nós podemos ou não ter acesso aos livros da empresa, porque o governo  - e quando eu falo governo, eu não falo do FHC, mas do Estado brasileiro - pode ter como aliados os sindicatos para fiscalizarem se estão ou não sonegando a Previdência. Isso é muito importante.

Ênio de Lucciola: O próprio governo, às vezes, deixa de contribuir...

Luiz Fernando Rila: Vicentinho, você disse que os trabalhadores precisam de um partido e defendeu o PT. Nós temos os exemplos do Lula e do Meneguelli como sindicalistas que foram participar da política no seu sentido mais estrito. Como você encara a possibilidade de um dia vir a se candidatar como deputado? Você pensa nisso? Isso está no seu horizonte?

Vicentinho: Queria muito deixar claro que não devemos considerar errado qualquer líder popular sair para uma candidatura. Isso é natural, ele vai representar os interesses... Não dá para dizer que os candidatos foram oportunistas. Os sindicalistas são muito poucos. Não tenho esse preconceito contra quem sai candidato. Errado é quando alguém usa a estrutura sindical ou qualquer outra estrutura objetivando transformar aquilo em um trampolim eleitoral, aí está errado. Aliás, eu já vim no outro Roda Viva e já me perguntaram isso outras vezes. Agora me convidaram para ser candidato a prefeito de São Bernardo. Infelizmente, embora eu tenha vontade, não vou sair candidato porque tenho meus compromissos.

Luiz Fernando Rila: Mas no futuro você admite essa hipótese?

Vicentinho: Isso pode ser, afinal de contas, ser dirigente sindical a vida inteira também é perigoso, não dá lugar aos outros. Mas não trabalho para isso, não tenho essa expectativa e, portanto, quando chegar o dia, todos saberão. Se esse dia chegar...

Renata Lo Prete: Vicentinho, você diz que o Lula é seu pai e que o presidente Fernando Henrique é vaidoso. Como você acha que o Lula se sentiu ao ver você apertando a mão do Fernando Henrique para fechar o protocolo de intenções ou acordo para a reforma da Previdência?

Vicentinho: Olha, acho que o companheiro Lula tem sido uma pessoa muito bondosa em tentar conciliar as coisas. Ele sabia que eu estava - no dia em que li os jornais, onde havia tanta mentira, tanto xingamento - angustiado. Ele sabia disso, é por isso que ele deve ter respeitado minha fala dura em relação ao PT. O Lula tem tido essa capacidade de resolver os problemas, é claro que ele tem essa tarefa, tem que zelar pelos seus filhos mesmo, não tem outro jeito. Acho que ele deve ter se sentido com necessidade de obter informação. Olha, ele sabe muito bem que o filho dele jamais teria uma postura de traição da classe trabalhadora. Isso também é uma tranqüilidade que ele tem. E também...pegar na mão não tira pedaço!

Matinas Suzuki: Vicentinho, tenho aqui uma pergunta de telespectadores que estão aflitos sobre se aposentarem ou não...

Vicentinho: [interrompendo] Desculpe, mesmo porque, no começo do governo Fernando Henrique Cardoso, eu "levei pau" porque fui mal educado, não participei de um almoço, é assim...

Matinas Suzuki: Embora você não seja uma autoridade final na redação de como vai ficar a situação de Previdência no Brasil, você é apenas um participante, estão chegando muitas perguntas e essa é uma preocupação. Você, pelo menos, diga o que acha que deveria acontecer.  Neide Marciano Caruso, de Ribeirão Pires, diz que contribui com o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] por quase 15 anos e pergunta: "Hoje, com 55 anos, posso dar continuidade no pagamento ou me aposento?". O Antônio Carlos Barausa, de Franca, pergunta: "Como ficaria a situação dos trabalhadores rurais que passam dez anos trabalhando? Como ficariam esses dez anos que o governo não considera para efeito de aposentadoria?". Gildete de Chagas, do Rio de Janeiro: "O que o sindicalismo está fazendo para segurar os empregos daqueles que têm idade superior a quarenta anos e que foram marginalizados no mercado de trabalho pela discriminação na idade?". O José Gonçalves diz: "Você diz que não haverá perda da conquistas dos direitos, mas estou desempregado e faltam três meses para a aposentadoria proporcional. Pergunto como ficaria o meu caso". O Nelson Carneiro, do Rio de Janeiro, pergunta: "Se o empregado começa a trabalhar com 14 anos de idade e contribui com 35 anos, como a pessoa irá se aposentar aos 49 anos se o governo limitou a idade mínima em 55 anos?".

Vicentinho: Primeiro, não tenho condição de responder tanta pergunta. Não sou nenhum computador.

Matinas Suzuki: Foi mais para te passar o clima e a aflição dos telespectadores.

Vicentinho: O que eu podia dizer é o seguinte: primeiro, nós só participamos dessa discussão sobre a Previdência se houver aprovação da nossa base em votação dos estados inteiros...

Leôncio Martins Rodrigues: [interrompendo] Quando você diz base, o que é, Vicentinho?

Vicentinho: São as instâncias da central que reúnem...

Leôncio Martins Rodrigues: [interrompendo] São as regionais, estaduais...

Vicentinho: São as CUTs estaduais que se reunirão com os sindicatos filiados e deliberarão em assembléias, está certo? Em segundo lugar, vamos supor que haja aprovação do projeto como um todo. Isso só vai passar a valer depois de dois anos. Nós estamos discutindo ainda a questão da aposentadoria proporcional. Nesse caso que o companheiro falou, faltam três meses. Nós queremos fazer um acordo sobre isso. Se não houver e ele perder esse direito, isso será muito sério, nós estamos pensando em todos os trabalhadores deste Brasil. As outras questões permanecem como estão, não existe nenhuma dúvida. O mesmo direito que a pessoa tem agora, ela terá ao fecharmos qualquer tipo de acordo.

Leôncio Martins Rodrigues: O governo diz o seguinte: a situação da Previdência não pode continuar como está, porque cada vez mais diminui o número de pessoas na ativa que têm que sustentar os aposentados. Eu sei que ser oposição é diferente de ser governo, porque os partidos, quando vão para o governo, frequentemente fazem coisas diferentes daquelas que dizem quando são oposição, a história está cheia disso. Você acha que há realmente um problema na Previdência Social ou se trata simplesmente de uma manobra do governo maldoso para prejudicar os trabalhadores?

Vicentinho: Eu acho que a Previdência é viável, antes de mais nada.

Leôncio Martins Rodrigues: Tal como ela está? O que seria preciso fazer?

Vicentinho: Primeiro, tal como está e afirmo: se na Previdência não tivessem desviado os milhões de dólares - falam em 35 milhões, outros falam em mais - para outros fins...

Leôncio Martins Rodrigues: [interrompendo] Deve ser bilhões!

Vicentinho: Bilhões! Se houvesse um combate eficaz à sonegação e às quadrilhas...Se o governo fala que a primeira vez que houve déficit foi agora, eu resumo que, apesar desses senões, ela estaria sendo auto-sustentável. Isso não quer dizer que a gente concorde com as coisas como estão. Nós acreditamos na proposta do jeito que o PT apresentou, talvez o PSDB e os outros partidos. A CUT também tem um documento de 66 páginas com propostas para que ela seja viável e completamente eficaz.

Antônio Carlos Pannunzio: Vicentinho, você não acha que o grande problema está na previdência do funcionalismo? É um problema muito maior do que na previdência geral.

Vicentinho: Olha, eu acho que a questão do funcionalismo é muito séria e nós temos que discuti-la. O governo quer condicioná-la ao tempo de serviço, ao tempo de contribuição - desde que, para mim, seja tempo de serviço - a questão do limite de idade. Existem problemas no setor público que nós temos que ter coragem de encarar. Primeiro, essa questão da aposentadoria com cinco, seis ou oito anos de alguém que passa, por exemplo, 34 anos sendo um advogado e, no quinto ano, ele vira juiz...ou essa história da licença-prêmio, que no setor privado não existe: você pega noventa dias e pode transformar a licença em férias dobradas. São questões que podem ser resolvidas, desde que o governo seja capaz de tratar os trabalhadores do setor público como os trabalhadores do setor privado, ou seja, com os mesmos direitos de organização, de resolver problemas e assim por diante. Por isso, nós estamos assegurando nessa proposta a aposentadoria integral, que inexiste no setor privado. Isso é uma coisa importante de se ressaltar. É preciso se discutir o setor público com muito mais profundidade.

Antônio Carlos Pannunzio: Mas você reconhece que há um problema gravíssimo.

Vicentinho: Eu concordo que há um problema e que ele tem que ser visto.

Matinas Suzuki: Você não acha que há privilégios no setor público?

Vicentinho: Acho que há privilégios. Agora, cuidado: não é o privilégio do funcionário engenheiro, do professor, do médico, do ajudante. Há privilégio para aqueles que, às vezes, nem contribuíram e se aposentam com altíssimos salários.

Luiz Fernando Rila: A central que você dirige, você mesmo estava dizendo, tem representante do setor privado, quer dizer, gente que veio do sindicato da área privada, da área pública, da área agrária. Agora, na cúpula da CUT - e o professor Leôncio deve entender ou ter um número melhor do eu - o pessoal que veio do setor público é mais numeroso, há uma certa desproporção. Você não acha que isso atrapalha a CUT ou te atrapalha? Para você, que veio do setor privado, não seria melhor se essa divisão fosse mais equânime?

Vicentinho: Eu sou do setor privado! Eu concordo com você que, de fato, a proporção não é igual à proporção da nossa base. Aliás, é isso que eu gostaria muito de discutir para a próxima direção, verificar campo, produção, serviço, setor público etc. Mas também quero dizer que essa composição da direção da CUT, de ser maioria do setor público ou estatal, não tem prejudicado em absolutamente nada a ação da central.

Matinas Suzuki: [interrompendo] Você discute essa questão da aposentadoria que o deputado levantou, ou seja, a aposentadoria para o funcionalismo público totalmente à vontade?

[sobreposição de vozes]

Vicentinho: À vontade não! Você está vendo aí, o debate está sério. Não quero me contradizer com as coisas que nós pensamos, tem gente que pensa e não tem coragem de falar. Esse é o grande problema. Eu me lembro que, no dia na discussão do acordo, quanta gente não falou: “Puxa vida, que maravilha! Não sei o quê, que bom!” e no outro dia, com a reação, essa gente se silenciou. Nós nos comportamos como dirigentes dos trabalhadores e não de uma ou outra categoria. O José Dirceu, que é o presidente do partido do qual eu faço parte - e cumpro a deliberação do partido sempre, especialmente quando se trata da liberdade da autonomia sindical - tenho com ele uma relação de muito respeito, mas isso não quer dizer ferir a autonomia. Eu sempre tenho conversado com ele. Quando foi eleito presidente do PT também sofreu muitas críticas. Eu acho que ele é um presidente legítimo, digno, competente e eu tenho conversado com ele. Nesse caso, quando se chegou a esse entendimento que a gente anunciou para a imprensa: "Olha, nós vamos fazer um procedimento nas bases, amanhã vamos ao Congresso...", eu liguei para ele antes de falar com a própria imprensa e lhe falei os dados: "Olha, Zé Dirceu, nesse ponto a gente avançou, nesse não, nesse não. Vão querer ocultar você". E ele falou: "Puxa, o governo recuou, não apoiou". Mas ouvimos os deputados no dia seguinte. Portanto, o Zé Dirceu está isento de qualquer responsabilidade sobre essa situação.

Matinas Suzuki: Você acha que o caminho da CUT é ficar cada vez mais longe do caminho do PT?

Vicentinho: Não, acho que o caminho da CUT é cada vez mais resolver três problemas fundamentais: ter uma estreita relação com sua base, com a sociedade - organizada em movimentos populares - além de ter ações pontuais com o empresariado e, dependendo do assunto, até ser capaz de apresentar propostas, está certo? Depois desse debate todo, não dá para discutir se [a CUT] vai estar próxima ou não do PT, porque o PT é um partido político e, como partido político, tem tido uma postura mais aproximada conosco porque tem concordado com muitas propostas que defendemos. O que eu posso dizer é que nós, enquanto homens, pessoas de dignidade, de fibra, vamos tomar todos os cuidados para fazer com que tenhamos um bom relacionamento, mas isso não é uma ligação umbilical, que fira a autonomia de um e de outro.

Dácio Nitrini: Vicentinho, qual é a sua posição diante de algumas decisões de petistas que foram para o executivo? Mais recentemente, o prefeito de Ribeirão Preto privatizou o serviço de telefonia da cidade [Antônio Palocci Filho, que seria ministro da Fazenda do governo Lula, do PT, de 2003 a 2006]. A ex-prefeita Luiza Erundina [ver entrevista com Erundina no Roda Viva], participando do governo Itamar Franco, defendeu a quebra da estabilidade no funcionalismo. Nessas duas situações, como você se posiciona?

Vicentinho: Eu defendo uma posição de respeito às deliberações que eles tomam e de verificar em que condições cada um tomou a ação. Por exemplo, nós não somos defensores do estatismo absoluto. Eu acho que é exagero aquele que defende privatizar tudo e também é exagero aquele que defende estatizar tudo. Depende de pontos. Se o governo quiser privatizar, por exemplo, o Grande Hotel de Araxá [refere-se ao Grande Hotel e Termas de Araxá, construído pelo governo de Minas Gerais nas décadas de 30 e 40. Passou anos no prejuízo e o governo do estado tentou privatizá-lo três vezes no início da década de 90, sem sucesso], por que não privatiza? Ele vai privatizar logo a empresa que dá lucro, que é importante para nós?

Dácio Nitrini: Tudo bem, eu entendo.

Vicentinho: Minha reação, quando eu li, foi de falar: "bom, eu não vou ver o que está no jornal porque ele sempre coloca [as coisas] de uma maneira ou de outra". Não é nem por malandragem do jornal mas como ele vai colocar tudo o que acontece? O jornal dá manchete, dá notícia e assim por diante. Então, eu tomo cuidado quando ouço alguns comportamentos de alguns companheiros, nunca cometo a irresponsabilidade que outros aqui cometeram de falar antes, mas vou conversar direto com a pessoa envolvida e verificar em que condições a pessoa tomou tal ação.

Luiz Fernando Rila: A estabilidade que o pessoal da Mercedes Benz, por exemplo, não tem.  O senhor é a favor da estabilidade do funcionário público?

Vicentinho: Sou a favor da estabilidade também para o pessoal Mercedes Benz, para todos.

Dácio Nitrini: O senhor não me respondeu em relação à ex-prefeita, que tenta ser candidata novamente.

Vicentinho: Olha, cada dia que passa, eu continuo tendo pela prefeita Erundina um profundo carinho. Ela teve uma postura que considerei equivocada por caminhos tortos, mas ela tem tido...Hoje, responsável pelo projeto de contratos coletivo de trabalho...

Dácio Nitrini: [interrompendo] Eu pensei que você ia dizer que "Deus escreve certo por caminhos tortos".

Vicentinho: ...e nesse projeto se incluem as relações dos trabalhadores com o executivo, então ela está nos ensinando muito. Tenho certeza que ela continua sendo uma pessoa extraordinariamente digna da nossa confiança.

Matinas Suzuki: Vicentinho, o Edson, da Freguesia do Ó, pergunta se você tem idéia de se candidatar no cenário político.

Vicentinho: Não, por enquanto não.

Matinas Suzuki: Por enquanto não vai seguir o caminho do [Jair] Meneguelli?

Vicentinho: Não, aliás eu venho o seguindo faz um tempão, não é?

[risos]

Vicentinho: Ele era presidente do Sindicato do ABC, eu fui vice. Depois ele veio para a CUT, eu também vim, mas acho que é errado pensar nisso porque não quero que minha ação seja em função desses interesses.

Matinas Suzuki: Dois poetas aqui de São Paulo - o Alberto Marcicano, lá dos Jardins e Cláudio Vilha, de Higienópolis - mandaram a mesma pergunta: você poderia falar um pouco da sua preferência em relação ao Cântico dos Cânticos, de Salomão?

Vicentinho: Eu leio sempre a Bíblia, gosto muito de São Lucas, adoro o Sermão da Montanha. Na Bíblia há muito pontos históricos da nossa própria vida, da nossa própria luta. Adoro São Francisco, a Oração de São Francisco é um referencial, sei que somos incapazes de ser o que ele determina e diz naquela oração. A Bíblia não é só para a gente sofrer, não é verdade? É para a gente gozar também, há coisas boas na Bíblia, coisas que nos trazem alegria. Eu sou contra essa concepção de sacrifício, de sofrimento, de ficar só pensando em Jesus Cristo na cruz, tem que pensar nele brincando com as crianças, nele como um ser humano adorável. Por essa razão, as partes da Bíblia são extraordinárias e eu adoro aquelas poesias de Cânticos dos Cânticos. Mas, por favor, não me peça para declamar, aí já é demais!

Dácio Nitrini: Qual é a sua religião?

Vicentinho: Eu sou católico.

Matinas Suzuki: O que você tem achado da questão da Igreja Universal [do Reino de Deus], do enfrentamento com o catolicismo? Você enfrenta esses problemas nas bases?

Vicentinho: Eu sou um católico muito tolerante, porque não entro nessa história que o Papa nunca ficou grávido para saber o que é ser uma mulher, quer dizer, essa história de só ir na Igreja, só padres poderem serem padres e as mulheres não poderem, essa história do casamento, do celibato, tudo isso eu gostaria de discutir muito...

Renata Lo Prete: E a história do aborto?

Vicentinho: A história do aborto também. Queria discutir tudo isso mas com muita tolerância. Eu acho que desrespeitar qualquer religião é um extraordinário erro. Quero dizer que a Igreja Universal do Reino de Deus acertou quando percebeu que era um erro proibir o povo de ver televisão. Ela comprou uma televisão [refere-se à Rede Record, comprada pelo bispo Edir Macedo] pelos meios - eu não sei, não tenho o que dizer, li apenas nos jornais - mas por meios que podem ter sido completamente equivocados. Mas se Jesus estivesse em carne e osso, ele estaria na televisão falando com as pessoas, não iria ficar na montanha gritando sozinho, ia falar é para muita gente. Entretanto, é preciso tomar cuidado porque mesmo a Igreja Universal do Reino de Deus, com aquela postura diante da imagem de Nossa Senhora de Aparecida, teve um profundo desrespeito à religião católica, apesar de seus problemas [em 12 de outubro de 1995, durante o programa O despertar da fé, transmitido pela Record, o pastor Sérgio von Helder, da Igreja Universal, proferiu insultos e chutou uma imagem da santa, em protesto contra o feriado religioso nacional, fato com forte repercussão em grande parte da sociedade brasileira]. Então, é preciso respeitar. O ecumenismo é fundamental. Dom Paulo Evaristo Arns [ver entrevista do arcebispo emérito Dom Paulo Evaristo Arns no Roda Viva] tem tido essa atitude fantástica de promover o ecumenismo. Cuidado com as seitas, existe muita gente aí que fala de Deus para pegar dinheiro e enganar o povo!

Matinas Suzuki: Vicentinho, você acha que o Edmundo [ver entrevista do jogador Edmundo no Roda Viva] vai dar certo no Corinthians ou não?

[risos]

Vicentinho: Poxa vida! Você sabe que quando o Edmundo foi preso lá no Equador naquele conflito [em 1995, o jogador de futebol Edmundo ficou famoso por chutar uma câmera de televisão na partida entre Palmeiras e Nacional pela Copa Libertadores, chegando a ter a prisão decretada no Equador], eu apanhei da torcida corinthiana porque como eu sou corinthiano - e não sou roxo não, sou corinthiano preto mesmo - a gente tinha relação com o sindicato de lá, a central da região. A lei dizia que como o Sindicato dos Cinegrafistas abriu um processo, enquanto o sindicato não revirasse esse processo, ele ia ficar preso a vida inteira. Nós mandamos uma carta mesmo sabendo que era "o animal"  [apelido dado ao jogador pelo narrador Osmar Santos]...

[risos]

Vicentinho: Mandamos uma carta para poder liberá-lo daquela história toda. Deus, não sai da minha cabeça o comportamento de Edmundo perante o Viola [jogador do Corinthians] naquele penúltimo campeonato em que o Palmeiras ganhou do Corinthians! Foi uma postura de arrogância. O Edmundo está tendo uma grande chance não só de se redimir mas de fazer gols. Se ele fizer muitos gols e for tolerante e educado, viva o Corinthians!

[risos]

Matinas Suzuki: Vicentinho, nós estamos chegando ao final e você ficou exposto a todos os tipos de pergunta. Eu, em nome da nossa democracia, gostaria de ler algumas mensagens de apoio a você, que chegaram durante o programa. O José Roberto Spini Machado, que é advogado de Contagem [Minas Gerais], diz: "Mestre Vicentinho, você é muito inteligente vivendo em uma terra de burros e mal intencionados. Vá em frente sempre!". O Roberto Reis, de Lorena [São Paulo], disse: "Vicentinho, parabéns pela negociação pelo fim dos privilégios do setor público. Esqueça as críticas do PT, pois sectarismo não é democracia". O Vevé é de Fortaleza: "Vicentinho, não sou chegado à política, mas desde já você pode contar com meu voto para presidente da República". O Carlos Assis, que é vice-presidente do Sindicato dos Ceramistas do Rio Grande do Norte...

Vicentinho: [interrompendo] Minha terra!

Matinas Suzuki: Sim, sua terra. Ele diz: "Esperamos que o diálogo conciliador que você prega possa chegar nas nossas pequenas empresas do sertão", e Ana Freitas, de Laguna [Santa Catarina], diz: "Obrigada por essa luta, pelos trabalhadores e pela sua clareza e dignidade". Eu gostaria muito de agradecer sua presença aqui neste dia importante, por você ter continuado no debate. Independentemente das suas posições, de quem gosta ou não gosta, de quem está a favor ou contra, você está dando um exemplo de coragem para o Brasil. Muito obrigado pela sua presença, muito obrigado aos nossos entrevistadores. Lembro a vocês que o Roda Viva está chegando ao fim mas que na próxima segunda-feira, já que a gente falou um pouco sobre o Edmundo, nós teremos o Edmundo no centro do Roda Viva. Até lá, boa semana a todos!

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