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Memória Roda Viva

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Perspectiva Econômica

Neste programa, estudiosos e especialistas em economia opinam, discutem e fazem projeções sobre o Brasil no ano de 2004, o segundo ano do primeiro mandato de Lula

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Paulo Markun: Boa noite. O Roda Viva começa o Ano Novo com o seu foco dirigido para as expectativas em torno do crescimento econômico. O que se esperava da economia em 2003 não aconteceu. A política ficou dominada pelas reformas previdenciária e tributária e a economia não explodiu, mas também só viveu a fase de transição de governo, quase sem crescimento. A aposta ficou para 2004 e esse é o tema do segundo programa da série especial do Roda Viva, onde colocamos no centro do debate a perspectiva do novo ano. Na semana passada foi a política e hoje é a vez da economia. Também desta vez reunimos uma bancada de convidados especiais: economistas, estudiosos, pesquisadores, com quem vamos analisar os rumos e as perspectivas da economia em 2004. É o ano que agora concentra as expectativas da retomada do desenvolvimento. De um lado, com a recuperação do mercado interno abalado pelo desemprego e pela queda de renda. De outro, com a busca de novas oportunidades no mercado internacional, onde a política externa brasileira procura abrir espaço e aumentar o número de parceiros econômicos. Para analisar as perspectivas da economia brasileira em 2004 nós convidamos: Maria Lúcia Pádua Lima, coordenadora do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais e professora da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas; Luis Carlos Mendonça de Barros, economista e publisher da revista e do site Primeira Leitura; José Carlos Braga, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp; Roberto Luiz Troster, economista-chefe da Febraban, Federação Brasileira de Bancos, e professor do Departamento de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC; Reinaldo Gonçalves, professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro [UFRJ] e Eduardo Giannetti, professor de economia das faculdades IBMEC de São Paulo. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Hoje o programa não permite a participação do telespectador, porque está sendo gravado. Bom, eu gostaria de começar com essa... usando aquela frase que o presidente Lula utilizou e que virou uma espécie de carimbo que vem sendo repetido insistentemente, muito embora até o momento não tenha se traduzido em fatos reais, que é “de que nós finalmente vamos assistir ao espetáculo do crescimento”. Então a pergunta é: que tamanho tem esse espetáculo do crescimento no ano de 2004, na avaliação de vocês? Ele será um crescimento significativo ou corre o risco de ser mais ou menos? Começo com você, Maria.

Maria Lúcia Pádua Lima: Pois é. Você disse que a economia não explodiu em 2003. Felizmente, não é?

Paulo Markun: Pois é.

Maria Lúcia Pádua Lima: Porque nós tínhamos uma série de preocupações em 2002, com o que ocorreria no ano de 2003, e preocupações inclusive justificadas, porque à medida que foi se tornando - digamos - claro que o candidato [Luiz Inácio Lula da Silva] do PT [Partido dos Trabalhadores] ganharia as eleições, a economia brasileira entrou em uma rota de turbulência que nós todos conhecemos. Em 2003 essa explosão não ocorreu, mas o preço pago foi bastante alto. O que se discute [é] se esse preço foi mais alto do que deveria ser. Agora, do meu ponto de vista, o PT ter ganhado as eleições significava pagar um preço mesmo, e um preço pelo fato de ser um partido que, durante vários anos, teve um determinado programa, que... teve um determinado comportamento no Congresso. Portanto, esse preço teria que ser pago para que houvesse condições de se tocar a economia. É claro que parte da chamada "herança maldita", faz parte da própria estrutura - não é? -, da estrutura programática do partido que venceu as eleições em 2002. Agora, o que nós podemos esperar para 2004? Então, de uma maneira muito breve, é que seja um ano melhor que 2003, o que não significa que será muito espetacular, porque nós temos uma série de obstáculos que deverão ser vencidos e, mais ainda, definições que não foram tomadas até este momento. Nós temos várias indefinições e, portanto, eu imagino que o ano de 2004 será melhor, o que não é tão difícil que aconteça.

Paulo Markun: Qual um exemplo de indefinição? Por exemplo...

Maria Lúcia Pádua Lima: Bom, nós temos indefinições, por exemplo, em relação a uma política industrial de investimento. Agora recentemente, no final do ano passado, algumas coisas foram desenhadas, mas nós não sabemos como será a estrutura de financiamento deste país daqui para frente, quer dizer, isso não está redesenhado, que é uma urgência. Se se quiser voltar a crescer, a ter taxas de investimentos - só assim que esta economia vai ter um espetáculo de crescimento -, você precisa ter uma estrutura de financiamento adequado. Isso não está equacionado, isso não está definido.

Roberto Luis Troster: Posso entrar nisso?

Maria Lúcia Pádua Lima: Claro, por favor.

Roberto Luis Troster: Eu acho que essa questão de financiamento é básica.

Maria Lúcia Pádua Lima: Pois é.

Roberto Luis Troster: Quer dizer, se a gente não consegue baixar os juros, não vai fazer [financiamento]. Agora, o discurso de todo mundo falando "Não, tem que baixar juros.", assim, veementemente, mas os compulsórios....

Maria Lúcia Pádua Lima: [Interrompendo] Mas eu não disse juros. Eu disse estrutura de financiamento.

Roberto Luis Troster: Perfeito. E toda essa ligação.

Maria Lúcia Pádua Lima: É uma coisa diferente, que vai além.

Roberto Luis Troster: Quer dizer, se você entra de poupança para investimento, quer dizer, você tem muitos tributos, tributos cumulativos, tributos fixos, quer dizer, tributos que não baixam, crédito direcionado. Hoje, de cada R$ 100 de poupança, apenas R$ 20 são disponíveis para empréstimo. É muito pouco. Se a gente não muda isso, a gente não vai conseguir crescer. A segunda coisa: eu acho que este ano [o crescimento] vai ser algo próximo de 4%. E se é espetáculo ou não depende de parâmetros, de benchmarking [processo de comparação entre práticas e resultados de dois ou mais sistemas, visando melhorar as ações que conduzem ao desempenho superior]. Se a gente olha para trás, excelente, não é? Próximo, um pouquinho abaixo de 4% é bom. Se a gente olha para os outros países, isso é muito pouco para um país como o Brasil. Eu acho que o Brasil tem capacidade de crescer mais do que isso. E terceiro, que eu acho que é a questão mais importante que o Paulo levantou, assim: até quanto que a gente tem gastos? Será que a gente está dando um pique que vai durar este ano e o ano que vem ou será que a gente vai ter fôlego de esticar esse crescimento para aí.... ? Eu acho que, assim, é importante a gente ver a questão microeconômica, não só investir mais em capital humano... Eu acho que está sendo colocada muita ênfase em capital físico - "Vamos investir em infra-estrutura." - e instituições, capital humano está sendo, comparativamente... colocando menos peso. Então eu acho que a gente devia focar. Eu acho que nessas questões, que a gente estava falando com o Eduardo antes do programa, a gente tem um retorno marginal maior por real investido e não está focando nisso, como se fosse só uma questão de infra-estrutura e o resto aparece.

Paulo Markun: E o que é que é um investimento de capital humano? O que é que é? Traduz isso em coisas efetivas. Significa o quê?

Roberto Luis Troster: É mais investimentos em educação, educação em todos os níveis, principalmente no nível básico. Quer dizer, mesmo em setores, por exemplo, como agricultura, o retorno que você tem investindo em educação... quer dizer, nós ainda temos um problema, um nível de educação... quer dizer, investir mais em pesquisas... nossas exportações, nossa agricultura tem muito crescido, mais em função preço do que em função de inovação, melhoria de produtos, comparativamente. Eu acho que nisso a gente podia, em todos os segmentos, além de ser uma política de distribuição de renda... Tem um trabalho de um economista brasileiro que fez a tese na Columbia State University, mostrando que, mesmo que se o Brasil não tivesse tido a crise do petróleo etc etc, teria tido uma crise por falta de capital humano. Então eu acho que isso... quer dizer, comparativamente, se teria que pensar um pouquinho mais nisso.

Paulo Markun: Quem se habilita?

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Olha, eu... quando olho um pouco para 2003 e olho um pouco para 2004, me vêm à mente alguns pontos [que] me parecem fundamentais. [Em] 2003, sem olhar para as estatísticas econômicas, ocorreu um fenômeno que eu acho que tem uma influência muito grande no nosso futuro, e esse fenômeno foi menos econômico do que político. O PT, em 2003, converte-se em um partido político que encara a economia de mercado que existe hoje no Brasil como sendo a melhor alternativa para nós. Então, ela tem essa influência, essa importância, porque o PT sempre se apresentou como um partido de ruptura do chamado "modelo econômico em vigor". Então isso tem um impacto muito pequeno sobre 2004, mas acho que vai marcar de uma maneira muito importante o futuro da nossa economia. Quer dizer, o Brasil hoje não tem nenhum grande partido político que questione o modelo econômico que nós temos. Por outro lado, o PT assume o compromisso com o crescimento, que eu acho que deriva de uma leitura correta das expectativas da sociedade, da mesma forma como o presidente Fernando Henrique [Fernando Henrique Cardoso] acertou na sua aposta com a estabilização. Fernando Henrique foi o primeiro político brasileiro, depois da democratização, que entende que a sociedade estava absolutamente cheia da questão da inflação, decide se apresentar como o candidato da estabilidade... A gente precisa lembrar que, nas eleições daquele ano, o próprio PT criticou essa postura. Ele entendeu que aquilo... fez uma leitura política correta e nós sabemos o sucesso. O PT neste ano, eu acho que ele faz a leitura política também correta. A aspiração do brasileiro hoje é o crescimento econômico, sem abrir mão da estabilidade. Isso é uma coisa muito clara, inclusive pelo apoio que o governo teve, que o presidente Lula teve, para levar adiante uma política econômica muito restritiva este ano. Então, da combinação dessas três coisas... isto é, o PT, que se transforma num partido de questionamento, num partido social democrata no estilo europeu... isto é, a economia de mercado é a única opção decente que nós temos hoje em dia; de uma sociedade que mostrou assim uma... que ela entendeu a questão da estabilidade, inclusive na sua componente mais difícil, que é a estabilidade fiscal, que é não na estabilidade de preços teórica, mas calcada numa responsabilidade fiscal, mas que ela questiona agora a questão do crescimento econômico. E o presidente Lula, na minha interpretação, foi eleito no ano passado exatamente nesse pressuposto: o presidente que se apresenta como... prometendo o crescimento econômico, em cima de um candidato oficial de um governo que não fez um crescimento econômico nos oito anos que ele ficou no poder. Quer dizer, o crescimento econômico do período Fernando Henrique é muito baixo. Esta, vamos dizer... esse acúmulo de mudanças é que nós vamos ver agora em 2004, como é que isso se realiza, está certo? O povo em 2003 falou: "Tudo bem, nós temos que defender a estabilidade. Existe uma crise. Nós assumimos que não existe outra forma de enfrentá-la senão com superávit fiscal, com juros altos.". Agora, para 2004, o discurso não pode ser este. O discurso de 2004 é um discurso de crescimento econômico que chegue ao bolso do cidadão, isto é, que melhore emprego e melhore renda. Essa é a grande questão para 2004. Se o governo vai ter condições de enfrentar isso ou não, eu não tenho certeza ainda e acho que ninguém tem. Existe um discurso - certo? - do presidente, se comprometendo com o espetáculo do crescimento. Existe o resultado de gestão macroeconômica bastante razoável. Nós terminamos um ano e começamos um ano novo numa situação bastante melhor que nós tínhamos no passado. Agora, crescimento é outra coisa.

Paulo Markun: Braga.

José Carlos Braga: Eu gostaria de formular o seguinte raciocínio: a nossa perspectiva sobre 2004 deve, a meu juízo, recuperar um pouco o que o Luiz Carlos chamou de modelo econômico, se é que estamos falando sobre a mesma coisa. E o que é que nós não estamos... Se pegar uma perspectiva mais histórica, o Brasil tem vivido vários mini ciclos. Viveu um mini ciclos nos anos 1980, com inflação alta, e viveu mini ciclos desde 1994, com o Plano Real, com a inflação baixa. Recentemente o que é que nós tivemos? A necessidade de recontrolar a inflação, que estava, de novo, escapando do controle. E [em] todos esses momentos anteriores de baixa inflação se supunha que a estabilidade fiscal, entendida como esse superávit primário, e a estabilidade monetária, entendida como preços sob controle, inflação controlada, levariam necessariamente, na seqüência, ao crescimento. Ora, empiricamente, nós temos visto que isso não tem acontecido. Então eu penso que realmente o que nós precisamos discutir para 2004 - e não só isso -... Como você antes, nos bastidores, conversava, o que é que engata na seqüência é o seguinte: como é que faz para que tenhamos de fato um tamanho de crescimento, não só em 2004, mas na seqüência? Porque senão nós podemos ter de novo uma subida e uma caída. Em razão de que fatores? Por exemplo, de que a estabilidade fiscal, pergunta se ela é de fato uma estabilidade. Você tem superávit primário elevado, receita menos despesa exceto juros, em torno de 5%, digamos. Entretanto, se você tem uma carga de juros, e isso é conhecido, de 9 e não sei quanto por cento do PIB, aí pergunta: isso significa uma estabilidade fiscal conquistada, não é? É possível crescer na verdade e manter essa estabilidade fiscal? Essa é uma pergunta fundamental, para 2004 e para frente. E outra pergunta fundamental, a chamada vulnerabilidade externa, que eu acho que é reconhecida por vários de nós aqui presentes ou talvez seja unanimidade, nós temos uma vulnerabilidade externa, ou seja, nós temos uma economia que vira e mexe vive crises cambiais. Foi assim nos anos 1980, foi assim nos anos 1990, mesmo com a estabilidade que foi alcançada em vários momentos importantes da gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, ou seja, a economia brasileira deu uma recorrente inserção no endividamento externo, que leva a crises cambiais e, levando às crises cambiais, leva de fato o país a quê? De novo, a recorrer a taxas de juros altas para reequilibrar o balanço de pagamentos e a ingressar de novo numa recessão. Portanto, eu penso que 2004 requer dizer o seguinte: muito bem, reconquistamos de novo a estabilidade, que foi garantida durante boa parte do mandato FHC [Fernando Henrique Cardoso] e agora o que é necessário para crescer? Eu acredito que é necessária certa inflexão de política econômica. Podemos discutir isso.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Só completando, quer dizer, para responder à pergunta se em 2004 cresce ou não cresce, se é melhor ou é pior, eu acho que há uma unanimidade hoje: certamente 2004 é melhor que 2003, certo? Quer dizer, eu tenho medo do consenso, como dizia lá o Nelson Rodrigues [(1912-1980), importante e polêmico dramaturgo, jornalista e escritor brasileiro], [o consenso] é burro. Todo mundo fala de 3% a 4%, que no fundo é uma recuperação um pouco do nível de produção que nós perdemos com o juros muito altos este ano e com toda a crise em que nós vivemos. Então 2004 tem essa vantagem: ele é um ano que, por si mesmo, apresentará certo crescimento. Mas se nós não fizermos essa reflexão que o Braga está falando... quer dizer, será que este mesmo modelo de política econômica nos levará ao crescimento para 2005, 2006? Essa é a grande questão. Eu costumo dizer que nós temos aqui no Brasil um pouco "o sucesso do fracasso". O que é que é o sucesso do fracasso? Os últimos oito anos, em termos de crescimento econômico no Brasil, seja nominal, seja per capita, são um desastre, é muito fraco para nós. Agora, há um certo consenso, principalmente na imprensa, de que este é o único caminho que nós temos para trilhar. [Em] 2004, dado esse crescimento já ganho, o governo tem pelo menos os seus primeiros seis meses de reduzir essa questão, porque, se nós replicarmos a mesma política no passado, não tem por que achar que o que aconteceu nos últimos anos não será o padrão dos próximos oito anos.

Paulo Markun: Eduardo.

Eduardo Giannetti: Eu queria avançar um pouco nessa direção. Eu acho que ajuda a organizar a discussão distinguir dois conceitos de crescimento que acabam se confundindo: uma coisa é uma recuperação cíclica, quando você vem de um período longo de baixo nível de atividade, a economia tem muita ociosidade.

Paulo Markun: Sim, tudo quando é fabrica está com máquina parada.

Eduardo Giannetti: Parque produtivo está aí. É muito fácil, quando você começa a ter a recuperação da demanda, o juro cai, você, em um curto prazo, aumentar a produção - e isso é crescimento - simplesmente usando de forma mais intensiva o capital que já está disponível. Agora, isso tem limite. Esse é um crescimento de fôlego curto. Nós tivemos vários episódios de recuperação cíclica nos últimos anos. O último deles bem forte foi em 2000. Aliás, 2004 parece um cenário...

Luiz Carlos Mendonça de Barros: [Interrompendo] Muito parecido com 2000.

Eduardo Giannetti: Muito parecido com 2000. Voltamos a 2000. Depois da recuperação cíclica o que é que vem? Se tudo correr bem, vem o crescimento sustentável, mas isso depende de investimento, depende da formação de capital físico e capital humano e infra-estrutura. Será que vamos para isso desta vez? Será que desta vez vai ser diferente ou nós vamos repetir o mini ciclo da recuperação cíclica que não engata no crescimento sustentado? Eu arrisco aqui a previsão de que, no melhor cenário, se tudo correr maravilhosamente bem, nós vamos para o crescimento sustentado moderado, da ordem de 3% a 3,5%. Na melhor das hipóteses.

Paulo Markun: Que não resolve o nosso problema, porque é menor que o crescimento demográfico e menor do que a quantidade... Não que o crescimento demográfico. [fala junto com Eduardo Giannetti]

Eduardo Giannetti: Não que o crescimento demográfico.

Paulo Markun: Somado ao estoque de gente desempregada que você tem e a necessidade de...

Eduardo Giannetti: [Interrompendo] É, vai ser um desapontamento a volta à normalidade depois do alívio da recuperação cíclica. O Brasil vai se deparar com o fato de que hoje nós não podemos crescer sustentadamente mais do que um número medíocre.

Maria Lúcia Pádua Lima: [Completando a idéia de Eduardo Giannetti] Sem definir - o que eu estava dizendo - uma série de elementos que são cruciais para o investimento.

Eduardo Giannetti: Pois é. Eu acho que o ponto....

Maria Lúcia Pádua Lima: [Interrompendo] Não é a taxa de juros. É isso o que eu queria [dizer]. É a estrutura de financiamento. É uma coisa complemente diferente.

Eduardo Giannetti: Aí eu acho que eu discordo um pouco. Eu acho que o problema básico hoje, a maior restrição ao crescimento alto e sustentado no Brasil é um problema de finanças públicas. O Estado brasileiro tem uma carga tributária de 37% do PIB.

Maria Lúcia Pádua Lima: Isso é verdade. Concordo, sem dúvida.

Eduardo Giannetti: Então, 37% da renda nacional vão direto para os cofres públicos. Em cima disso tem um déficit nominal, incluindo o pagamento de juros, de 4 a 5% do PIB. Portanto, 41, 42% da renda brasileira são intermediados pelo Estado. Aí você fala: "Poxa, o Estado, com 41% da renda nacional, deve estar investindo, deve estar com programas sociais fantásticos, deve estar com uma infra-estrutura maravilhosa”. E não aparece o investimento do setor público. Então, o recurso do setor privado, a poupança do setor privado, que poderia estar investindo e criando a capacidade produtiva para o crescimento sustentado, está sendo deslocada para o Estado e virando gasto corrente, juros, aposentadorias, municípios, muito desperdício e isso inibe o crescimento brasileiro em caráter permanente, se não for mudado. Então vai vir... eu acho que vai vir um desapontamento. O PT e o governo vão perceber que, passada essa recuperação cíclica - que é muito gostosa e que nós vivemos em 2000 -, os problemas começam a aparecer. Pode ser até que tenha algum “apagão” metafórico aí, para se repetir.

Paulo Markun: Reinaldo.

Reinaldo Gonçalves: Eu tenho a impressão [de] que a gente hoje está vivendo no Brasil uma coisa muito parecida [como o que tivemos] na virada de 1999 para 2000 e na virada, na realidade, de 2001 para 2002, que é um mini ciclo de otimismo. Em 1999 o pessoal costumava dizer: "Bem, agora o câmbio está flutuante, vai ajustar o balanço de pagamentos, essa coisa vai entrar nos trilhos.". Eu acho que nós não devemos descartar a hipótese de uma crise cambial no ano que vem e, portanto, esse otimismo aí, quase consensual, ele não sustentaria e então nós estaríamos repetindo a situação de otimismo, mais um mini ciclo de otimismo, sem fundamentação. Minha argumentação é a seguinte: se você olhar os fundamentos da economia brasileira, tanto a questão fiscal quanto a questão externa, hoje, você continua [com] um Estado quebrado e com uma enorme vulnerabilidade externa, quer dizer, a vulnerabilidade externa no governo Lula é tão elevada ou até maior do que foi durante o Fernando Henrique. O Lula não foi capaz de reduzir a vulnerabilidade externa. E na questão fiscal eu diria o seguinte: a irresponsabilidade fiscal do Lula é muito grande. Todo mês o Lula paga R$ 12 bilhões de juros sobre a dívida pública. Isso significa um vazamento de renda brutal, que não há acumulação de capital que agüente algum tipo de transferência de renda. E aí não é um problema da carga tributária, é o problema do que fazer com esse acidente econômico que passa pela o Estado. E isso se você transfere para os rentistas, não tem investimento. Então eu acho que, se você olhar a economia brasileira hoje, os fundamentos não recomendam, não sugerem uma retomada sustentável do crescimento, nem no curto prazo! Pode ser que em condições de liquidez internacional favoráveis você consiga empurrar com a barriga, como a base é baixa. O ano passado teve um resultado desastroso, porque o PIB per capita caiu 1%, mais que 1% na realidade. Você teve o desemprego de 1,2 milhão de pessoas; todo mês o Lula gerou 100 mil desempregados. O Partido dos Trabalhadores é responsável pela geração mensal de 100 mil desempregados. Você teve um aumento da taxa de desemprego muito grande, a taxa de investimento despencou, a inflação ficou baixa por causa da recessão e da apreciação cambial, a questão externa... exportando commodities e se beneficiando de preços de commodities lá em cima e se beneficiando de uma liquidez internacional muito favorável, que pode não se repetir no ano que vem, retomando o crescimento americano, excedente econômico, que deixou de ir para os Estados Unidos e foi para todos os países emergentes.... Todos os países emergentes tiveram redução de risco, inclusive o Brasil. O Brasil melhorou na margem. Ele era o quarto pior e virou o quinto pior risco do mundo, graças ao comandante Chaves [presidente da Venezuela eleito em dezembro de 1998 e reeleito em 2000 e 2006] lá da Venezuela, que tem um péssimo desempenho. Então é o seguinte: eu não teria um otimismo. Seria, na melhor das hipóteses, um otimismo ultra qualificado quanto ao cenário para 2004. Não descartemos uma crise cambial séria no padrão que nós tivemos nos últimos anos em função da liquidez internacional. E o fato é que os fundamentos continuam tão ou mais estropiados do que antes.

Paulo Markun: Reinaldo, eu não sou economista, felizmente. [risos] Eu sou jornalista. E em 32 anos de profissão eu acho que a única habilidade que eu desenvolvi, se é que desenvolvi alguma, é prestar atenção nas coisas que estão acontecendo e às vezes tentar identificar em pequenos sintomas que não são ortodoxos sinais do que está acontecendo. A sensação que eu tenho é de que, na verdade, embora existam essas precauções todas, a gente está mais perto de ter um ciclo de crescimento do que teve no passado, e eu vou citar alguns exemplos que eu acho que são evidentes. O primeiro é esse, realmente, de ter um governo de oposição, um governo que sempre pregou ser contra tudo isso que está aí, fazendo exatamente tudo aquilo que estava sendo feito, porque não havia, diante da realidade, qualquer outra alternativa que não fosse uma de ruptura - e não era esse o programa que o Lula apresentou, desde já, na Carta ao Povo Brasileiro, que é de junho do ano passado, onde ficou muito claro o que ele não pretendia fazer. A segunda é que, viajando pelo Brasil, a gente vê cenários e realidades que não são as realidades das grandes metrópoles, de desenvolvimento econômico, ou de atividade econômica intensa, como por exemplo acontece no norte de Mato Grosso, onde eu estive recentemente, onde a agricultura realmente demonstra muita atividade. E terceiro, é olhando o que acontece nessa época de final de ano, nos shopping centers, nos aeroportos, quer dizer, existe um consumo, que - claro - é identificado pela... é resultado do 13º salário e das condições, mas que de alguma forma é diferente. Há um certo... há um otimismo. Esse otimismo não se restringe aos economistas e aos analistas. Ele bate na sociedade como um todo. A pergunta que eu faço é se essa soma de fatores significa que a gente está um pouco mais perto desse eventual crescimento ou se não, ou se realmente estamos... Eu sei que ninguém aqui teria a resposta e, se tiver, nós não vamos poder provar que ela é a resposta certa, mas enfim, para continuar, para arredondar esse primeiro bloco aqui, eu queria uma opinião de cada um de vocês, extremamente curta. É o seguinte: estamos mais perto, enfim, desse crescimento sustentado ou não? Ou tem muita estrada ainda?

Roberto Luis Troster: Eu acho que sim. Afora os indicadores subjetivos muito importantes, você tem outros: produção de cimento, crescimento da industria de bens e capital... A gente faz projeções na Febraban. [De acordo com o levantamento] do ano passado, essas projeções de crescimento para este ano foram crescentes sempre: investimento direto externo maior... Eu acho que este ano está garantido. Eu acho que a crise cambial que a gente teve em 2002 foi fruto de uma situação externa muito adversa: a moratória argentina, o que aconteceu nos Estados Unidos. Então eu não veria tanto perigo na frente externa. Eu acho que a gente vai crescer bem. Agora, o que é que é crescer sustentadamente? Quer dizer, eu concordo com ele, 3,5% [de crescimento ao ano] para o Brasil é medíocre. A China, que é um país que está crescendo 9% ao ano....

Paulo Markun: [Interrompendo] Nós estamos crescendo menos que o Peru, a Venezuela, não é?

Roberto Luis Troster: É, quer dizer....

Paulo Markun: A Argentina.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: A Índia cresce há nove anos a 6% ao ano.

Roberto Luis Troster: Então, para nós, esse "crescer sustentado" que a gente está sentindo é muito pouco para o potencial do Brasil.

Eduardo Giannetti: Tem que olhar para o investimento que a sociedade está fazendo. É muito baixo o que nós estamos fazendo. Nós íamos com uma taxa de investimento, ao longo do Plano Real, da ordem de 19%, 20% do PIB. No anos da eleição caiu para 18%. Nesse ano de 2003 que terminou, caiu para 18%.

Paulo Markun: 16%, 17%.

Maria Lúcia Pádua Lima: 17%.

Eduardo Giannetti: 17%, 18%.

Paulo Markun: Quase 18%.

Eduardo Giannetti: Está muito baixo. Se a gente quiser crescer sustentadamente, 6%, 7% ao ano, nós vamos ter que investir 22%, 23% do PIB. Com o atual quadro de finanças públicas e o deslocamento de poupança privada para financiar gasto corrente do setor público, nós não temos como aumentar no curto prazo a taxa de investimento como proporção do PIB.

Paulo Markun: Isso está na mão de quem mudar?

Eduardo Giannetti: Isso estaria na mão do governo Lula no início do mandato, se fizesse uma reforma fiscal muito corajosa. Na minha opinião ele perdeu a chance, ele não fez, conduziu bem a macroeconomia de curto prazo, mas realmente não desbloqueou a estrutura para o crescimento sustentado. Vai ter que agora conviver com o crescimento baixo até o final do mandato.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Agora, só para ir um pouco ao lado da sua intuição, embora ela esteja errada em relação principalmente ao shopping center e outras coisas, porque as estatísticas de... Tem um sujeito aqui que chama Marcel Solineu, você deve conhecer, é um economista da Associação Comercial.

Paulo Markun: Isso.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: O quadro dele para o comércio exterior é muito ruim. Tem uma coisa boa, principalmente para a Febraban: o 13º, essa correção de salários que está havendo no setor formal da economia, [que] as pessoas estão usando para reduzir o seu endividamento...

Paulo Markun: Seu estoque de dívida.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: ... inadimplência. Agora, o comércio em si... Segunda coisa... Por quê? Porque o norte do Mato Grosso, que é a agricultura, no fundo o que quer dizer é 17% do PIB, e quando você pega quem está empregado em agricultura, o numero é até menor.

Paulo Markun: É menor.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: O que eu acho que existe de diferença de 2000 [para 2004] é que o mundo exterior está dando uma nova chance para a economia brasileira, certo? Outro dia saiu um trabalho de um banco americano, que eu achei muito interessante, e ele dizia assim: "Quem ganha e quem perde com a Índia, China e esse boom que está tendo? Quem ganha é o Brasil. Quem perde, o México, aqui na América Latina.". Então existe um mundo exterior a nós que está demandando, de uma forma extraordinariamente mais elevada, commodity, produtos primários como aço, no qual o Brasil está muito bem colocado. Isso gerou um saldo de balança comercial e uma atividade nos setores - vamos dizer assim - de exportação que fez a diferença. Então, para mim a grande diferença entre 2000 e agora é que nós estamos com um déficit em Conta Corrente muito pequenininho, coisa que em 2000 era US$ 30 milhões. Por quê? Porque nós estamos exportando mais. A exportação maior, além de reduzir a pressão financeira sobre a nossa chamada fragilidade externa, cria riqueza aqui dentro. Então, se for no Mato Grosso, no Mato Grosso do Sul, [em] Ribeirão Preto, aqui em São Paulo, você tem um nível de atividade muito maior. Agora, quando você joga isso dentro da sociedade brasileira, como ela está se organizando, o governo Lula vai... o primeiro ano do governo Lula vai ser marcado por duas coisas extraordinárias: primeiro, vai ser a redução... aumento do desemprego, isto é, a geração de emprego muito menor àquela que é demandada pelo aumento da força do trabalho. Mas um outro aspecto que ainda não está estudado mas é muito importante: a deterioração da qualidade do emprego no Brasil. Neste ano, mesmo o emprego que você gerou foi quase todo no setor informal. Eu vejo outro dia a imprensa eufórica porque a Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] gerou quatro mil empregos, quatro mil empregos no mês de outubro em São Paulo. Então, em um ponto nós vivemos esta contradição. [O ano de] 2004 é um ano melhor. Eu acredito que a parte de exportação... porque essa demanda externa continuará o ano que vem, quer dizer, o Brasil terá uma situação financeira externa melhor, terá um estímulo de produção. Agora, nós não tocamos ainda... o governo não tocou ainda em nenhum dos grandes nós - vamos dizer assim - que têm feito com que o Brasil não cresça.

Paulo Markun: Braga.

José Carlos Braga: Eu gostaria de sinalizar justamente nessa direção, dizendo o seguinte, que haveria que se formar em 2004 - [ano em] que eu acredito que haverá crescimento, a menos que ocorra uma instabilidade internacional -... que, usando a bola [...] - que você mesmo falou, está meio quebrada -, mas de todo o modo não deverá ocorrer, ao meu juízo, não vejo coisas nessa direção, mas seria importante que as expectativas de decisão de investimento em 2004 fossem se consolidando, para o que eu penso que é importante... na verdade, é a discussão de padrão de financiamento, ao qual Maria Lúcia fazia referência há pouco. O que é que eu estou querendo dizer com isso? Eu estou querendo dizer o seguinte: de que maneira os bancos públicos que sobraram - BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal -, em seus próprios movimentos e em articulação com o financiamento etc, com os bancos privados, vão garantir a oferta de crédito, em reais?

Maria Lúcia Pádua Lima: De médio e longo prazo.

José Carlos Braga: E que as decisões de investimento se compatibilizem com esse movimento e sigam adiante, se assim ocorrer. Eu acredito que em 2004 não só vai se consolidando um crescimento como sinaliza em uma direção importante. Porém, investimento em infra-estrutura depende das taxas de parcerias público-privadas. Elas vão se consolidar ou não vão se consolidar? Porque sem investimento em infra-estrutura é difícil imaginar um crescimento sustentado, sobretudo com uma infra-estrutura que é absolutamente insuficiente, que é capaz de barrar a expansão agrícola, porque as estradas não são suficientemente adequadas. Então, acredito que esses conjuntos de decisões, juros cadentes, a redefinição de um padrão de financiamento e, por último, uma balança comercial que se mostra capaz de seguir superavitária, com a economia crescendo... porque não esqueçamos que 2003 as importações praticamente não cresceram, 1%... é até ridículo, eu acho. Com a economia crescendo, a balança comercial continuará superavitária e o déficit em conta corrente controlado? Ou seja, a vulnerabilidade externa sinaliza coisas mais positivais?

Maria Lúcia Pádua Lima: Eu acho que sim. Eu acho que sinaliza coisas mais positivas, porque esse ajuste externo, que deve ser - evidentemente - bastante qualificado, foi feito a partir de 1999. Esse ajuste externo está feito. É óbvio que nós poderemos manter os nossos superávits comerciais e crescer, se nós investirmos, porque é evidente que o Brasil hoje tem uma penetração em vários mercados que não foi feita nesse ano que passou de 2003, diga-se de passagem, porque nós temos... isso é uma trajetória, é um esforço enorme das empresas brasileiras que abriram espaço em vários mercados e que, portanto, hoje podem garantir essa performance exportadora. Agora, essa performance exportadora só se manterá com o aumento de importações e, portanto, também, com condições de investimento para aumentar a capacidade produtiva, senão você vai esbarrar novamente em limites. Eu não vejo uma crise cambial no curtíssimo prazo este ano, mas é uma possibilidade, se não forem mudadas as condições de produção, inclusive do país.

Reinaldo Gonçalves: Só o que eu gostaria de complementar é o seguinte: esse tipo de argumento que você usou, na verdade, tem que observar que no Brasil hoje há uma espécie de imperativo psicológico que as coisas dêem certo. O Brasil nesses últimos anos vive de imperativo psicológico, imperativo psicológico. Eles é que detonam esse mini ciclo de otimismo. E alguns indicadores que você mencionou, o Mendonça de Barros já, com correção, fez essa observação com relação ao shopping. Na realidade, se você olhar a questão da.... o ponto um lá da inflexão do [...], isso na realidade é ruim para o Brasil, porque isso caracteriza um problema de credibilidade muito sério na condução do governo brasileiro. Quer dizer, hoje, se você olhar... o que o povo brasileiro está fazendo com o dinheiro hoje? O povo está poupando. Por que o povo está poupando? Porque o povo não está seguro [de] que o ano que vem terá crescimento e muito menos emprego, e ele tem toda a razão nisso. E o povo está poupando. Se o povo poupa, não gasta. Se não gasta, não tem produção. Se não tem produção, não tem emprego e não tem renda. Quando você olha o empresariado, você acha que o empresariado hoje, com esse diagnóstico que é consensual aqui, quer dizer, a divergência com relação a 2004... tudo bem, pode ser, pode não ser, com alguma probabilidade há uma crise no meio do caminho, mas o único ponto consensual aqui, que esse tipo de trajetória não é sustentável... quer dizer, o Lula, se ele continuar com essa política, 2005 é crise com 100% de probabilidade. A única discordância aqui é que eu acho que tem alguma probabilidade de ter uma crise no ano que vem. Então, quando você fala isso aí, você retomou a história do Mato Grosso aí, a história da soja e tal e aí é uma critica à questão do ajuste externo do bolo. Eu acho que ele fez um ajuste externo de fio da navalha, porque, na realidade, quando você olha a exportação brasileira - o Braga mencionou com precisão -, as importações estão congeladas. É recessão. Então você teve um ajuste de recessão em grande medida. O segundo aspecto foi o preço de commodities e o terceiro foi o que ela mencionou, os acordos que o Fernando Henrique fez, por exemplo, os acordos bilaterais. Então, o Lula está trabalhando em cima de um ajuste que vinha antes e este ano se beneficiou, por exemplo, de soja. A soja vem crescendo a dois, três anos. O que é que os especialistas estão dizendo? "Cuidado, cuidado.". Inclusive recomendando ao pessoal do Mato Grosso que, em vez de plantar soja, plantar milho. Planta milho por quê? Porque o ano que vem pode não ter preço de soja, podem despencar. Os americanos retomam, a soja despenca e estamos nós mais uma vez pendurados aí, porque as commodities têm preço volátil, baixa elasticidade-renda [medida que expressa a variação percentual da quantidade demandada de um bem, considerada a partir da alteração percentual da renda dos consumidores] e baixo [...]. Então esse ajuste, essa "reprimarização" da pauta de exportação brasileira provoca um ajuste duvidoso. Então temos que ir com muito cuidado nesse imperativo psicológico desse mini ciclo de otimismo e dessas evidências pontuais aí.

Paulo Markun: Eduardo.

Roberto Luis Troster: Deixa eu só complementar o Braga. Eu acho que não só investir, é investir bem. Todo mundo fala se a gente investe em infra-estrutura... sabe? A gente tem que ver o retorno em cada um dos investimentos. Não é só porque a gente investe mais que a gente vai crescer mais. A gente tem que investir - falando em economês - onde o retorno marginal seja maior. E tem um outro tipo de investimento que está faltando aqui, que é modernizar algumas instituições. Um dos melhores livros que eu li no ano passado foi aquele Doing business, do Banco Mundial. [O livro] Mostra que, para você abrir uma empresa, você demora 152 dias aqui, enquanto se demora quatro [dias] em outro país. A gente fala do emprego, mas contratar um empregado é terrível. Outro dia estava alguém me falando que tinha um empregado, uma pequena ONG [Organização Não Governamental], em vez de dar vale transporte deu dinheiro. O rolo que deu isso para ela corrigir, que teve que pedir o dinheiro para dar vale... É complicado aqui produzir, quer dizer, eu acho. Isso não custa dinheiro, é vontade política, quer dizer, se a gente melhorasse as nossas instituições desde o marco regulatório etc etc, a gente podia ter ganhos de produtividade. Eu acho que, assim, se a gente for olhar lá embaixo, aumenta a quantidade de fatores e a produtividade dos fatores.

Paulo Markun: Mas nada disso se faz com uma canetada, não é? Quer dizer...

Roberto Luis Troster: Isso se faz com caneta. Eliminar cartório é caneta.

Paulo Markun: E mas é com muita caneta, não é?

Roberto Luis Troster: É, mas...

Paulo Markun: Quer dizer, eu digo o seguinte, não se trata de fazer uma reunião do Copom [Conselho de Política Monetária] ou uma reunião do Ministério e dizer: "A partir de hoje nós vamos baixar o juros para 12%.".

Eduardo Giannetti: Mas eu acho que o Troster tem toda razão. O ambiente institucional brasileiro não favorece o empreendimento.

Maria Lúcia Pádua Lima: É adverso.

Eduardo Giannetti: Não é [...]. Você vê a incerteza tributária, você vai abrir um novo negócio de repente o governo, numa canetada, muda a estrutura tributária e torna a Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social] punitiva para quem está no setor serviços e isso cria uma enorme incerteza. O empresário fica muito inseguro antes de empatar capital em um setor, porque de repente vem uma canetada, muda o imposto e o negócio dele vai ficar arruinado. A questão dos encargos sociais... o problema da incerteza do contrato de trabalho no Brasil... Nós somos os campeões mundiais de ação trabalhista: três milhões de ações trabalhistas por ano. Qual o empresário que, em sã consciência, vai sair contratando, sabendo que a contingência litigiosa depois é quase uma fatalidade? Não vai. O emprego não cresce. Precariza a relação do trabalho. O ambiente institucional brasileiro deixa muito a desejar.

Paulo Markun: Muito Bem.

Maria Lúcia Pádua Lima: Quase que induz à delinqüência, não é? Você poderia dizer, quase que induz, para poder sobreviver.

Paulo Markun: Eu queria fazer uma pergunta dupla para vocês, que eu acho que coloca um pouco essa possibilidade. A pergunta é: que cenário vocês imaginam que será o cenário internacional para 2004? E [também pergunto] se o Brasil tem alguma margem de manobra nesse cenário. Porque o que a gente assistiu em 2003 foi o presidente Lula fazendo diversas viagens, inclusive para locais aonde normalmente o governo brasileiro não ia ou o primeiro chefe de Estado brasileiro não comparecia - no caso, por exemplo, do Egito - e, aparentemente, isso como uma maneira de abrir novos mercados, enfim, de mudar as parcerias estratégicas etc e tal. A pergunta é: isso funciona? Isso dá certo? Isso pode dar resultados já em 2004?

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Olha, a minha impressão é [de] que o cenário para 2004 é um cenário favorável para o Brasil. [É] Evidente que nós estamos agora no começo do ano... e outro dia eu estava lendo uma matéria em um jornal americano que pesquisou as previsões econômicas para 2003 e realmente nada... o que a maioria... o que normalmente a imprensa fala "Ah, isso é a qualidade do economista...". Não é! É que o mundo muda. Teve guerra, teve uma coisa.... Então, [é] evidente que esse cenário me parece ser um cenário para este ano, sem nenhuma coisa extraordinária, nenhum fator geopolítico mais importante acontecendo.

Paulo Markun: Sem nenhuma torre desabar? [Menção ao atentado terrorista de aviões contra as chamadas "torres gêmeas" do centro comercial World Trade Center, em Nova Iorque (EUA), que ocorreu em 11 de setembro de 2001]

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Nenhuma torre, como já nos disse. Mas a torre... e de alguma outra coisa pior ainda, não é? E é um cenário de crescimento quase generalizado no mundo, crescimento na maior economia do planeta, que são os Estados Unidos, na ordem aí de 4%. Uma economia, um crescimento na Ásia da ordem de 7%. E a Ásia hoje é importante porque ela já engloba a economia chinesa que já tem um tamanho de porte. E uma economia... um crescimento bem mais modesto para os padrões europeus, mas mesmo assim um crescimento aí da ordem de 2%. Então, o mundo crescendo, não é? E portanto isso é bom para o Brasil. O segundo aspecto do cenário para este ano vai ser o seguinte:é o mundo crescendo com juros baixos, com liquidez sobrando.

Paulo Markun: Sobrando dinheiro.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Sobrando dinheiro, o que então transforma um cenário que é bom para o Brasil em um cenário aí bem mais favorável, não é? Porque o Brasil precisa de crescimento do comércio exterior e precisa de dinheiro sobrando para a gente poder rolar a nossa dívida. Então esse é um cenário muito positivo. Qualificações. Por exemplo, ninguém sabe direito a política do Federal Reserve [o Banco Central dos Estados Unidos] no ano que vem, até quando ele vai contemporizar essa relação de crescimento com liquidez farta. Tem as eleições, o que faz com que as pessoas muitas vezes acreditem que ele não vai aumentar juros este ano, vai deixar para 2005. Então é um cenário muito favorável. Agora, eu acho que outra lição que nós podemos tirar do cenário internacional é que nós estamos tendo o mundo em transformação e o grande fator dessa transformação é a China, não tenha dúvida. Quer dizer, quando você olha ao dados sobre a economia chinesa, são coisas extraordinárias. Eu ouvi outro dia um sujeito dizendo que em 2050, se a China continuar crescendo nessa toada, nós precisaremos de dois mundos, porque a demanda chinesa por bens naturais não cabe em um mundo só. Mas 2050 está muito longe, mas de qualquer maneira é o grande fator. E esse fator está levando a uma redefinição de estímulos de economia do mundo, certo? O Brasil tem uma boa capacidade de receber esse estímulo chinês. Mas se isso é verdade por um lado, por outro a agenda internacional do nosso presidente está um pouco desarranjada no tempo. Eu vou dar um exemplo só. Quando eu era presidente do BNDES, caiu lá um projeto de um... existe um porto no Peru, que é um porto de águas profundas, que os peruanos não usam, e existe um projeto do Eliezer Batista [(1924-) engenheiro ferroviário brasileiro, foi ministro de Minas e Energia do Brasil em 1962] de uma ferrovia que ligasse o Brasil a esse porto, haveria um acordo com o Peru e o Brasil passaria a ter um porto no Pacífico.

Paulo Markun: Ter uma saída no Pacífico.

Maria Lúcia Pádua Lima: Ter uma saída no Pacífico.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Quer dizer, isso foi jogado, está lá escondido. A hora que isso... isso é uma coisa que tem que se retomar. Então, essa leitura geopolítica do crescimento internacional dos próximos anos é uma coisa que eu acho que não chegou ainda ao Palácio do Planalto. Então, de novo, como nós estamos tendo aqui essa dicotomia, 2004 neste cenário básico é favorável para o Brasil. Inclusive o preço de commodity neste cenário continua ainda a se elevar. Agora, é mais importante... como nós estamos falando em crescimento sustentado, o mais importante passo que o governo vai ter que ter eu acredito que é entender a natureza dessas mudanças e de que forma o Brasil pode se inserir nessas mudanças, de maneira, aí sim, a criar uma força de prazo mais longo.

Maria Lúcia Pádua Lima: Sem querer ser desmancha prazer, eu só gostaria de lembrar o seguinte: que no início da década de 1990 nós tínhamos um cenário extremamente promissor. Então, se nós não quisermos no início... porque nós tínhamos um problema de inflação, vamos pensar no início do governo Fernando Henrique Cardoso. Nós tínhamos também liquidez internacional, nós tínhamos também um comércio em crescimento, uma coisa fantástica, a economia americana com um crescimento absolutamente estonteante, não é? Nós tínhamos um fluxo de investimentos diretos. Não vamos esquecer que o Brasil recebeu investimentos diretos.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: [Interrompendo] É, mas nós tínhamos o Gustavo Franco [(1956-), economista, presidente do Banco Central de agosto de 1997 a março de 1999], não é? Esse que é o problema.

Maria Lúcia Pádua Lima: Pois é, eu sei disso, Luiz Carlos, mas eu quero dizer o seguinte: as condições internacionais positivas... isso é excelente, mas isso não basta. É excelente que se tenha de fato um cenário que - eu concordo plenamente - é muito melhor do que foi alguns anos atrás. Ele é um cenário de maior liquidez. Você tem um comércio que está em expansão e o Brasil está tendo condições de aproveitar, porque a nossa participação é ínfima - vamos nos lembrar -, nós não chegamos nem a 1%.

Paulo Markun: Nem 1%.

Maria Lúcia Pádua Lima: Está certo, ou seja, para nós crescer significa muito. Mas, do ponto de vista internacional, nossa presença é absolutamente assimilável, não é? Isso é uma coisa extremamente positiva.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Tem uma outra coisa: o Brasil hoje é superavitário em petróleo.

Maria Lúcia Pádua Lima: Pois é.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Coisa que na década de 1990 não era.

Maria Lúcia Pádua Lima: É verdade.

Paulo Markun: Braga.

José Carlos Braga: Eu queria responder ao segundo tópico da sua pergunta, sobre as novas estratégias, de maneira afirmativa, ou seja, a minha visão é de que a globalização que está aí, do capitalismo, ela envolve, evidentemente, poder, armas e dinheiro. Portanto envolve negociações pesadas.

Paulo Markun: Nós não temos nenhum dos três.

José Carlos Braga: E nós não temos nenhum dos três. [risos] Nós temos uma moeda fraca, não temos reserva internacional, não temos armas e não temos poder, ou seja...

Reinaldo Gonçalves: Mas garganta tem.

José Carlos Braga: Heim?

Reinaldo Gonçalves: Garganta tem.

José Carlos Braga: Garganta tem. E a garganta precisa ser bem usada, e eu acho que começou a ser bem usada, começou a ser pensada. Então, eu acredito que essas articulações com os países que têm perfil semelhante ao nosso é uma articulação importante. Terá resultados imediatos de curto prazo? Não. Mas é importante. Por quê? Porque nós temos um bloco asiático que, aliás, cada vez mais se fortalece, o comércio intra o bloco asiático é enorme. Entretanto, tem lá seus problemas de disputas de poder com os Estados Unidos. Temos os Estados Unidos, temos a União Européia... Então, penso que isso é uma estratégia de médio e longo prazo importante. Voltando ao cenário de 2004, queria insistir, além de coisas importantes que já foram ditas sobre isso: qual é, ao meu juízo, a pedra de toque? É o movimento de capitais. E o Luiz Carlos falou, não é só que os economistas são ruins. Até tem economista ruim, tanto de direita quanto de esquerda e de centro, tem aos montes. Mas tem muito economista bom também, que faz boas expectativas, traça boa... O problema é o seguinte: é que você tem uma incerteza brutal na economia. O lorde Keynes, que nós todos conhecemos, foi o autor que mais enfatizou isso, durante o século XX. Ou seja, fazer previsão em economia é uma coisa extremamente delicada, porque o futuro é incognoscível. Movimento de capitais quer dizer o quê? Se você tem a sua conta de capitais aberta, nos seu balanço de pagamentos, que é o caso do Brasil, qualquer tremelique lá fora pode inverter rapidamente o fluxo de capitais e criar problema. É por isso que ele, que tem a expectativa mais pessimista de nós, hoje aqui está dizendo: "Olha, atenção, porque pode dar... " Eu acredito que não, mas, de repente, esse movimento de capitais, para o balanço de pagamentos do Brasil, pode - se houver algum tremelique, alguma torre, ou alguma outra coisa - pode dar problemas. Então eu acredito que o cenário de 2004 tem essa delicadeza, com o que, eu queria dizer que o ajuste externo que a Maria Lúcia antes mencionou é verdade apenas em parte. Por quê? Porque se você olha dívida externa de curto prazo sobre reservas é uma relação delicada, sensível, instável para o Brasil.

Maria Lúcia Pádua Lima: Muito.

José Carlos Braga: Se você olha divida externa de longo prazo sobre exportações, idem. Ou seja, nós na verdade, não temos um ajuste externo completo. Nós temos ainda uma vulnerabilidade externa e [em] 2004 é preciso ver se a liquidez, que o Luiz Carlos acentuou, com razão, que está abundante, se ela permanece. Eu acredito que ela permanecerá, mas é uma aposta.

Maria Lúcia Pádua Lima: Mas sabe o que é o pior? E se permanece?

José Carlos Braga: [Interrompendo] E de repente ele tem razão. Espero que não. [risos]

Maria Lúcia Pádua Lima: Mas e se permanece?

José Carlos Braga: Espero que não.

Maria Lúcia Pádua Lima: E se resolve optar de novo por uma valorização do real? Porque disso nós não estamos livres.

Roberto Luis Troster: Posso mudar a colocação? Eu acho que...

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Eles não fazem, mas olha aqui eu não sei, eu estou convencido de uma coisa.

Maria Lúcia Pádua Lima: Tomara.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Existe uma grande diferença entre o governo Lula e o governo Fernando Henrique. Existem várias, mas aqui, em termos de economia, o Palocci [Antônio Palocci Filho, ministro da Fazenda no período de 2003 a março de 2006, quando deixou o cargo para Guido Mantega] é um homem político e o Malan [Pedro Malan (1943-), economista e engenheiro, foi ministro da Fazenda de janeiro de 1995 a dezembro de 1992] é um burocrata internacional. Qual é a grande diferença? O homem político, por incrível que pareça, enxerga de maneira mais clara erros de política econômica do que o próprio economista.

José Carlos Braga: Não haverá o Gustavo Franco II?

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Não. E o Malan já mostrou isso, está certo?

Eduardo Giannetti: É, mas o ponto é que a herança dos compromissos externos foi herdada e vai continuar nos próximos anos. No ano de 2004...

Luiz Carlos Mendonça de Barros: [Interrompendo] É pesado em termos de dívida externa.

Eduardo Giannetti: ... são US$ 31 bilhões de dívida de médio e longo prazo que estarão vencendo.

Paulo Markun: E tem que honrar os contratos.

Eduardo Giannetti: Essa dívida ou vai ser renovada, se o ambiente for de alta liquidez, ou não vai ser totalmente renovada. Neste caso nós vamos para uma crise cambial. Eu não vejo nada no cenário hoje que me leve a prever turbulência externa e constrangimento de rolagem desse estoque, mas ele está lá. O nosso problema externo hoje não é de fluxo mais, de déficit em conta corrente, porque isso está praticamente equilibrado. O nosso problema é a herança de um período longo de sobrevalorização cambial. O passivo externo cresceu muito e isso vai ter que ser honrado e vai ser administrado.

Roberto Luis Troster: Eu acho que a gente poderia olhar por um outro ponto de vista - né? - e ver se isso daqui é uma oportunidade para a gente arrumar as finanças ou uma oportunidade para a gente se endividar mais. Quer dizer, a gente é frágil externamente, porque tem uma dívida muito grande. Quando tem liquidez abundante, a tentação é o quê? Endividar-se mais. Quer dizer, eu acho que isso seria a estratégia errada. Eu acho que a gente tem que pensar mais a longo prazo, "olha, somos frágeis.", ótimo, vamos ajudar isso para ajudar a promover investimento externo, para reestruturar prazos, para realmente, já que há liquidez, trabalhar justamente na reestruturação externa. A segunda coisa, eu acho muito apropriado o que ele colocou sobre a China. Quer dizer, vamos ver, eu acho que China é um mercado potencial, um mercado de massas, onde nós, o Brasil, temos vantagem competitiva, nós temos uma economia de mercado em um mercado de massas, um mercado de 170 milhões de pessoas. A gente tem tecnologia, know how, a BMF [Bolsa de Mercadorias e Futuros] montou uma bolsa lá, bancos estão montando. Então, eu acho que pode ser uma alavanca de crescimento. Terceira coisa, todo mundo fala da política de Fernando Henrique Cardoso, mas eu vi três políticas, não sei, três políticas econômicas diferentes. Quer dizer, de maio de 1993, quando ele começou, até março de 1995, era uma política econômica com superávit fiscal etc; de 1995 a 1999 a gente teve uma segunda política econômica; e de 1999 até a entrada de Lula uma terceira política econômica. Então, eu não sei até que ponto a gente fala política Fernando Henrique Cardoso, não está falando...

Eduardo Giannetti: Do resultado medíocre que a gente está falando.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Não, eu acho que a política foi uma só. Ela teve alterações de instrumental, certo? Mas...

José Carlos Braga: [Interrompendo] Fundamentais.

Eduardo Giannetti: ... não a mudança de regime cambial. Foi o divisor de águas.

José Carlos Braga: É muito... foi um divisor de águas

Eduardo Giannetti: Foi um divisor de águas total.

Maria Lúcia Pádua Lima: Ah, isso é inegável.

Reinaldo Gonçalves: É, vamos falar do Lula, cachorro morto a gente deixa para lá.

Paulo Markun: Reinaldo.

Reinaldo Gonçalves: Não, com relação à questão externa, só com relação ao cenário internacional, é verdade que, do ponto de vista real, a economia mundial vai ter uma recuperação, vai ter o desempenho o ano que vem melhor que este ano. Isso dignifica melhores condições de exportar os produtos brasileiros. Agora, tem que levar em conta a seguinte coisa: novamente, essa exportação brasileira, em grande medida, está dependendo de commodities e aí tem um elemento estrutural fundamental que é a volatilidade. Não pode negligenciar isso. Isso é um erro absoluto. Isso... em 1948 o [...] chamou atenção nisso. Então tem que tomar muito cuidado com essa coisa de estar com esse entusiasmo aí, com essa sutileza aí com relação...

José Carlos Braga: Quantidade e preços.

Reinaldo Gonçalves: É, é um problema de quantidades e preços: despenca quantidade, despenca preço. Então tem que ter muito cuidado. Segundo, é ter conhecimento.

[Sobreposição de vozes]

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Porque quando você olha a entrada da China num mercado com o crescimento da renda per capita chinesa, isso dá uma certa... é uma sustentação diferente dos ciclos do passado.

Reinaldo Gonçalves: Sim, mas o Brasil não... A China não necessariamente vai ser o grande mercado para o Brasil, quer dizer, o Brasil, neste ano pelo menos, exportou um monte de soja para a China. No ano que vem, na negociação com o Tesouro americano com o governo Chinês, pode chegar em negociação o seguinte: tira o Brasil e entramos nós. Então tem que ir manso com esse otimismo aí. O investimento externo direto no Brasil está em queda livre. Apesar do mini ciclo de otimismo da imprensa brasileira e de boa parte dos formadores de opinião e do governo e das agencias de publicidade, o investimento externo direto está em queda livre no Brasil. Isso reflete uma expectativa extremamente favorável com relação à economia brasileira no ano que vem. Então temos que ter cuidado com isso.

Roberto Luis Troster: [Interrompendo] Não senhor, não está em queda livre.

Reinaldo Gonçalves: A segunda coisa... Está! Está em queda livre. Se você olha a curva de investimento de portfólio cresce, a curva de investimento externo direto decresce.

Roberto Luis Troster: Mas essas projeções estão subindo.

Reinaldo Gonçalves: Então...

[Sobreposição de vozes]

Reinaldo Gonçalves: Nós estamos fazendo o fechamento da conta financeira e da conta... fundamentalmente com capital de curto prazo. Então, isso significa que no ano que vem você está desprotegido, em certa medida, por esse capital de curto prazo. O outro aspecto importante é a questão da conta de capital no Brasil. O Brasil tem um problema sério. Aí a China é uma boa lição. Por que é que a China é um caso bem sucedido? Porque a primeira coisa que a China fez [foi] manter os controles restritos sobre a sua conta financeira, sua conta de capital. O Brasil é a "casa da mãe Joana", quer dizer, não tem controles significativos e sérios sobre a conta de capital. Isso significa que a vulnerabilidade externa do Brasil, na dimensão produtiva, na financeira-monetária, na comissão, muito grande, sem falar na tecnológica, que o sistema nacional de inovação do Brasil está andando para trás. Não venham falar que produto agrícola é intensivo em tecnologia, porque isso é uma piada. Não é realidade. É risível esse argumento. Então, a vulnerabilidade externa no Brasil continua extremamente elevada. Uma melhora no contexto internacional não garante, necessariamente, uma situação mais confortável para o Brasil. Concluo dizendo o seguinte: os Estados Unidos crescendo, a bolsa americana que está subindo agora, varando de dez mil pontos, significa que aquele excedente econômico, aquele troco que foi mandado para o Brasil, para a Argentina, Venezuela, Equador e Nigéria, esse troco pode diminuir. Então... e com o dinamismo do mercado de capitais americano, o crescimento da economia americana e com a estabilidade da paridade euro-dólar - isso é fundamental -, você pode ter menos dinheiro e é menos dinheiro para o país subdesenvolvido, o mercado da capitais subdesenvolvido que nem o brasileiro. Então, tem que ir devagar com o andor. Talvez um mundo muito bom o ano que vem não seja tão favorável assim para nós que estamos na rabeira, inclusive dos países emergentes.

Paulo Markun: Eduardo, você chegou a completar o seu raciocínio?

Eduardo Giannetti: Não, eu acho que a economia mundial hoje - voltando para o tópico que foi lançado inicialmente - tem algumas fragilidades que ainda não estão bem assimiladas e compreendidas. Olhando para a economia americana nós vimos que essa recuperação se assenta num déficit fiscal muito alto, baseado em cortes de impostos e gasto público. Os Estados Unidos estão em uma situação deficitária grande e, ao mesmo tempo, os Estados Unidos têm um fato ainda mais preocupante, que é um déficit em conta corrente de 5% do PIB, do PIB americano. Ou seja, o mundo está financiando há muito tempo a economia americana e não há nenhuma garantia de que esse fluxo de capital para os Estados Unidos vai continuar indefinidamente. Provavelmente não. Ninguém sabe muito bem o que acontece quando reduzir o financiamento externo para os Estados Unidos e aí nós podemos ter uma desvalorização mais forte do dólar, ainda mais forte e mais abrupta do que o que já vimos no ano passado. E isso pode ter implicações de turbulência para a economia mundial. Eu tenho preocupações ainda em relação à economia americana. Eu acho que a China também dificilmente vai sustentar esse ritmo alucinado que ela está tendo nos últimos anos. Nós não entendemos muito bem a economia chinesa. As estatísticas econômicas da China são muito difíceis de decodificar, as coisas não batem muito umas com as outras, mas eu acho que eles têm um problema também de falta de simetria entre o avanço econômico e o avanço político. A China ainda é um regime muito fechado, autoritário, que em algum momento vai ter que ser liberalizado. E ninguém sabe muito bem como é que a China assimila uma liberalização política, que em algum momento se tornará imperativa, se aquilo lá se mantém coeso, se aquilo não fragmenta. A maneira como eles olham para Taiwan é muito preocupante. Eles podem embarcar numa aventura em relação a Taiwan. Eu acho que nós não podemos contar com essa idéia da China continuando daqui para a frente um ritmo alucinado que vem sendo nos últimos anos... Já o Napoleão dizia: "Quando a China despertar, o mundo tremerá.". Parece que o despertar da China está demorando muito tempo, agora está espreguiçando, mas eu não dou como favas contadas que ela já embarcou num processo de crescimento que vá continuar indefinidamente.

Roberto Luis Troster: Mas mesmo que não cresca, Giannetti... quer dizer, é um mercado muito grande e quando a gente fala em exportar commodities, na China a gente pode fazer exportações que têm grande valor adicionado brasileiro. A segunda coisa, eu acho que o cenário - concordo - pode ficar um pouco mais ou menos turbulento, mas a gente tem que dar condições internas para o capital externo vir, para o investimento direto, e aí depende de duas coisas só: uma, eu acho, essas reformas institucionais, que você estava falando anteriormente, e duas, baixar juros aqui dentro. Você baixa juros aqui dentro fazendo reformas na legislação. Só para dar um exemplo, a recuperação de crédito aqui no Brasil é muito demorada e complicada. Vocês não têm uma idéia de [quanto é] complicado: é compulsórios, créditos selecionados... Esse tipo de coisa faz com que você tenha um ambiente propício a negócios aqui dentro, com que as taxas sejam crescentes e possa crescer. Eu acho que é isso que a gente tem que focar.

Paulo Markun: Eu queria aumentar aqui a nossa dose de futurologia, que já é excessiva - não é? - sempre que a gente aborda esse tipo de assunto, mas enfim, estabelecendo uma hipótese de ação muito simples que é a seguinte: se cada um de vocês tivesse na posição do presidente da República, que providências vocês adotariam? Porque tem... eu acho que existem diversas coisas que foram mencionadas aqui que, na verdade, não estão na alçada do presidente da República, seja ele quem for, diante das circunstâncias que nós estamos vivendo, da realidade política do país que tem que negociar com o Congresso, de que não é assim que decide o que vai fazer etc e tal. Agora, outras providências são da alçada do presidente da República. Então, como eu imagino que o presidente Lula está assistindo ao nosso programa eu imagino que ele pode, digamos, se enriquecer com a opinião de vocês, no sentido de "Está bom, ok, sou o presidente da República e tenho dentro da minha frente a perspectiva do ano de 2004. Qual é a providência, no campo econômico, diante desse cenário, de fazer com que o crescimento seja sustentado, que ele dure mais do que 2004, que [medida] deve ser adotada?". Maria Lúcia.

Maria Lúcia Pádua Lima: Bom, eu... em primeiro lugar, eu me sinto aqui julgando o presidente.

Paulo Markun: Não, não. Julgando não, substituindo.

Maria Lúcia Pádua Lima: Não tenho essa pretensão, nem substituindo, muito menos julgando, tá certo? Não é... porque evidentemente...

Reinaldo Gonçalves: Pode ser arriscado também.

Maria Lúcia Pádua Lima: Não é? Pois é. Mas nós sabemos que nós, quando discutimos sobre a economia, nós estamos discutindo... Isso não está afeito apenas ao presidente, mas a responsabilidade de toda a sociedade...

[Sobreposição de vozes]

Paulo Markun: A coisa é o seguinte: está bom, mas qual providência, se você fosse a presidente da República - objetivamente - está bem, você está lá no lugar dele, que providência você poderia adotar dentro desse cenário da economia e de ampliar um pouco a sustentabilidade do crescimento?

Maria Lúcia Pádua Lima: Eu daria um apoio absoluto à questão de comércio exterior. Daria um apoio... enfim, isso você tem ministérios que estão voltados para esse fim, que têm esse objetivo. Eu acho que a questão do comércio exterior deve passar a ser, no Brasil, diferentemente do que tem sido nos últimos - digamos - mais de trinta anos, uma coisa circunstancial. Ou seja, quando nós não temos recursos financeiros externos, nós produzimos superávit. Quando nós voltamos a ter recursos, produzimos déficits. Se nós pegarmos os dados, isso é claríssimo. Então, o que eu faria é dar uma ênfase muito grande à questão de comércio exterior, porque eu acho que essa é a alavanca do crescimento para o futuro da economia brasileira. Sei que tem nós importantes. Eu falei da questão de financiamento, insisti nisso, mas tem a questão de inovação, que o Reinaldo mencionou. Nós temos que partir para uma pauta de exportação de produtos mais dinâmicos, com maior conteúdo tecnológico, mas eu não desprezo, evidentemente, os produtos que também têm menor conteúdo tecnológico. Ou seja, o Brasil hoje exporta, do total, 31% de produtos agrícolas. Eu não acho isso nenhum problema. Nós temos condições fantásticas de produção. Descobrimos tarde, talvez até, as condições excelentes que, juntamente com a Argentina, nós somos praticamente imbatíveis, no que diz respeito a vários produtos agrícolas. Por que não aproveitar isso, está certo? Enfim, eu daria uma ênfase, portanto, muito especial à questão do comércio exterior. Isso significa um apoio muito grande aos ministérios que lidam com esse assunto, que, além do Ministério de Relações Exteriores, obviamente também o MDIC [Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio] e Agricultura, enfim, os que estão voltados... Fazenda... a essa área. Para mim, é isso o que seria o mais recomendável, porque é o meu foco, inclusive.

Paulo Markun: Luiz Carlos.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Olha, eu daria o primeiro conselho em relação a uma ação do governo que tem que ser feita, já está atrasada, mas tem que ser feita este ano, que é exatamente aproveitar essas condições de grande liquidez internacional para mudar o patamar das reservas brasileiras, certo? Eu acho que o nosso...

Maria Lúcia Pádua Lima: [Interompendo] Aumentar muito.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Nós temos vinte bilhões... é muito baixo. E depois é o seguinte: não adianta... é olhar para o que os outros fizeram. Você olha países da Ásia, principalmente, em que o governo intervém no câmbio, administra a taxa de câmbio, embora seja um... dito... taxa de câmbio flutuante, ele intervém sem nenhum problema, não é? Por isso que estão lá, com cem, 120, 130 bilhões de... países comparáveis com o nosso. Nós aqui estamos sob o domínio da ética protestante dos Estados Unidos e da Inglaterra. O câmbio flutuante é flutuante e o governo não pode fazer nada, está certo?

Eduardo Giannetti: Isso é meio verdade.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Está certo?

Eduardo Giannetti: Isso é meio verdade.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Mudou, evidente que mudou. Nos últimos meses, nós fugimos da ética protestante com um jeitinho português, isto é, quer dizer, não é o Banco Central que está comprando o câmbio, mas é o Tesouro que, no fundo, é a mesma coisa. Então, o primeiro conselho que eu daria ao presidente seria este: vamos aproveitar este espetáculo de liquidez que o Greenspan [Alan Greenspan (1926-), foi presidente do banco central dos Estados Unidos (Federal Reserve) entre 1997 e 2006] e o Federal Reserve [banco central dos Estados Unidos] estão proporcionando ao mundo todo e vamos aumentar as nossas reservas, mesmo que para isso haja alguma pressão sobre a taxa de câmbio e portanto sobre, um pouquinho, a inflação. Mas eu acho que isso é a medida mais importante agora, não pela sua importância hierárquica com outras... mas porque não depende de nós tomarmos essa decisão, está certo?

Paulo Markun: Esse movimento pode passar?

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Ah, isso não. Vai passar, certamente vai passar e aí não adianta...

Paulo Markun: [Interrompendo] Querer aumentar as reservas...

Luiz Carlos Mendonça de Barros: A outra proposta que eu faria seria realmente encarar definitivamente a Ásia como um bloco econômico da maior importância para as próximas décadas, nem anos... Um bloco econômico onde o Brasil tem condições extraordinárias de se integrar. Agora, para isso nós precisamos investir em infra-estrutura, não é? E tendo condições de ter um porto brasileiro...

Paulo Markun: [Interrompendo] Mais acessível.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: ...no Pacífico, em primeiro lugar.

Maria Lúcia Pádua Lima: Dois portos, não é?

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Ou dois. Quer dizer, eu, pela urgência dessas duas... aproveitar essa situação que a gente tem, seriam dois conselhos que eu daria a ele.

Paulo Markun: Braga.

José Carlos Braga: Eu, em primeiro lugar, agradeceria ao Markun, por ter... se eu fosse presidente, por ter reconhecido que há limites estruturais, seja ele quem for, e acredito que isso é importante na avaliação do governo Lula neste primeiro ano de governo. O que eu quero dizer com isso é que o que veio do passado colocou limites estruturais muito claros à administração da política econômica no ano passado, de 2003, não é? Então, esse é o primeiro fator importante. Eu quero dizer, há acordo com o Fundo Monetário Internacional, havia o repique da inflação e assim por diante e, ademais, há todo o jogo político ao qual o Markun fez referência. [A] Segunda questão que eu entendo que seria relevante para o presidente tomar em conta é o seguinte: até mesmo como foi mencionado por vários dos colegas aqui, ou companheiros [risos discretos], dada a conjuntura política é que há outras políticas econômicas possíveis. A Índia está mostrando e a China está mostrando. Portanto, o modelo, metas inflacionárias, câmbio flutuante, sujo, porque intervém de alguma forma, e superávit primário fiscal, por dez anos, de 4,5%, não constitui um bloco de política econômica que seja a única opção para você estabilizar e crescer. É necessário mudar, é necessário mudar. Então eu chamaria os elencos de economistas, gostaria de ter mais intervenção na reunião do Copom, por exemplo, quando permite uma certa liberdade, porque a reunião do Copom, na verdade, precisa ser mais arejada, para que o processo de declínio dos juros reais seja mais acentuado, não é? Então eu acredito que esses são os pontos importantes. E, para finalizar, eu chamaria uma discussão o que o Reinaldo mencionou há pouco e que obviamente ela é muito delicada. Porém, ela é a das mais importantes e tem a ver com o que o Luiz Carlos mencionou, que é aumentar as reservas internacionais. Qual é a discussão? É sobre o movimento da conta de capitais. Países como a China fizeram regulação dessa conta. Agora, é fácil dizer e, entretanto, muito difícil de fazer, não é? Sobretudo quando você já tem um balanço de pagamentos numa conta de capital, que é o caso brasileiro, que está bastante aberta. Mas essa eu penso que é uma discussão também que tem que ser tratada com bastante inteligência no plano da própria presidência da república e das autoridades econômicas.

Paulo Markun: Roberto.

Roberto Luis Troster: Bom, eu falaria [que] a primeira coisa é a gente ter que aumentar o estoque de capital e aumentar a produtividade no setor bancário. Primeiro, acaba com compulsórios, 117 bilhões de dinheiro emprestado, e boa parte dele de graça, para o Banco Central. É dinheiro que tem que ser intermediado. Racionalizar a tributação. São oito tributos.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: E aí nós vamos para 6% do PIB de superávit.

Roberto Luis Troster: Não, mas a gente tem que pegar e fazer, racionalizar. Por que é que não substitui esse bolo de tributos por poucos tributos? Já que não dá para baixar o nível, baixa, melhora a composição, põe o que incida sobre o produto e o que não incida... Terceiro, o que eu acho que é muito importante, ele cortar gastos no governo. Gasto é que nem unha, sabe? Cresce em todo o lugar, em toda a empresa, no governo... e realmente focar nisso. Quatro, contratar o Beltrão [Hélio Marcos Pena Beltrão (1916-1997), foi ministro do Planejamento no governo Costa e Silva e da Junta Militar de 1969, ministro da Previdência Social e da Desburocratização no Governo Figueiredo e ocupou também a presidência da Petrobrás entre 1985 e 1986]. O Beltrão foi aquele ministro da desburocratização no Brasil, não é? Simplificar isso daí. Quinto, eu acho, voltando ao que o Braga falou, [que] os juros têm que baixar. Mas não só o juros têm que baixar como têm que ficar baixos. Então, é diminuir a volatilidade. Às vezes um juro um pouquinho maior, mas menos volátil, é melhor do que o juro baixo instável. Sexto, na questão externa, mais do que aumentar reservas é melhorar a composição. Se a gente não tivesse nada vencendo nos próximos cinco anos, não precisava ter reserva. Quer dizer, é melhorar, é trocar a dívida de curto prazo por [dívida de] longo prazo, mais do que ter... Gustavo Franco falou "Não, tem 80 bi na reserva.". O que adianta, se é tudo curto e vão embora no primeiro espirro, não é? Então é isso o que eu faria.

Paulo Markun: Reinaldo.

Reinaldo Gonçalves: Eu, na realidade... o Lula... eu lhe recomendaria fortemente olhar no espelho e olhar dois números: um é a queda de renda do trabalhador, 15%, a queda de renda do rendimento médio real do trabalhador, e olhar a taxa de lucros dos bancos no Brasil, que, nos últimos meses, tem sido da ordem de 30%. Então, se ele fizer isso, primeiro, ele se envergonha do desempenho dele no último ano. E outra coisa que eu acho que ele deveria fazer é ler o programa do PT, o programa econômico do PT. E no programa do PT tem três diretrizes básicas, estou lembrando ao Lula.

Paulo Markun: O "ruptura necessária...", aquele que foi aprovado e...

Reinaldo Gonçalves: No programa básico do PT estão lá escritas três diretrizes básicas. Eu vou lembrar a você quais são. Um é o aprofundamento da democracia. Certamente, cassando deputado e senador vai contra o aprofundamento da democracia. Então, o Lula está negligenciando, desprezando essa diretriz básica do programa. Na área econômica tem duas diretrizes, relembrando ao Lula. Uma é a questão da vulnerabilidade externa. O ponto é que, nesse ano de governo, ele não reduziu a vulnerabilidade externa. Ele foi contra todas as medidas que ele fez na área comercial, aumentar commodity, maior volatilidade, maior instabilidade da balança comercial, manter a liberalização da conta de capital, maior volatilidade, maior instabilidade da economia brasileira, financiar o ajuste da conta financeiro via capital de curto prazo, também atrair investimento externo direto na área de non-tradebles [bens não comercializados no mercado externo], na infra-estrutura. Isso é um erro grave para o Brasil. Em um país miserável, pobre, não tem dólar. Então, o Lula ficar dependendo... o Brasil eu acho que está muito mais vulnerável do que com o Fernando Henrique na área... na relação bilateral com os Estados Unidos. Dois anos atrás, você tinha um equilíbrio. Hoje o que é que você tem? Um terço da nossa balança comercial depende do superávit com os americanos, o poder de barganha do Brasil com os Estados Unidos reduziu-se brutalmente, o Brasil é um país acocorado; juntar isso ao FMI então, nem se fala. Então eu diria, Lula, preste atenção no compromisso com a vulnerabilidade externa. E finalmente e terceira diretriz estratégica, está lá escrito, é a questão da inclusão social. Este ano, o Lula gerou 1,2 milhão de de-sem-pre-ga-dos [pronuncia a palavra assim, em sílabas]. Isso significa o seguinte: ele está fazendo uma política econômica diametralmente oposta às três diretrizes básicas no programa do PT. Isso significa o seguinte: ele tem que lembrar que ele foi eleito para mudar. Então, se ele continuar com essa política, ele pode até ter um espetaculozinho em 2004. Depois, como todos nós aqui dissemos, em 2005 não está garantido e pode colocar o Brasil em uma trajetória ainda mais grave de instabilidade e crise. Então, Lula, leia o programa do PT para garantir a coerência e ter mudança política, inclusive mudando, baixando a taxa de juros, aumentando o depósito compulsório, reduzindo a taxa de lucro dos bancos. O Brasil agradece.

Roberto Luis Troster: Posso responder? Eu diria o seguinte: primeiro essa questão, os seus números não batem com os números públicos conhecidos. Gostaria de saber...

Reinaldo Gonçalves: [Interrompendo] Quais são os números?

Roberto Luis Troster: 30% de rentabilidade. [Se] fosse assim eu iria comprar ações de banco. Segundo, eu acharia bom que todo mundo pudesse... Espere... Espere.

[Sobreposição de vozes]

Reinaldo Gonçalves: Se representa...

Roberto Luis Troster: Segundo, não seja míope. A gente no Brasil ficou míope com relação ao potencial do Brasil, sabe? Se reflete... por exemplo, vamos crescer 4%. É bom, vamos cuidar. Eu acho que a questão social é a questão mais importante e objetiva do crescimento. Agora, não podemos dar um pouquinho de crescimento... agora, o populismo, que a gente já viveu muitas vezes, e não pensar a longo prazo. A longo prazo, você precisa investir em educação para inserir as pessoas. A longo prazo, você precisa justamente [investir] nas coisas que melhorem a inserção dessa grande camada da população, sabe? Não melhora... Às vezes um pequeno sacrifício para todos os setores, inclusive o setor bancário, vale para um grande retorno a longo prazo. Temos que ir lá longe, pensar no Brasil 2010. Só concluindo o raciocínio, trinta anos atrás... o Simonsen [Mário Henrique Simonsen (1935-1997), renomado economista brasileiro que ocupou os cargos de ministro da Fazenda (1974-1979) e do Planejamento (1979)] escreveu em 2001, depois escreveram em 2002, nós estamos em 2004. Não tem nenhum livro escrito, Brasil 2005, que dirá 2034. Quer dizer, a gente tem potencial. Você vê, em terra tem gente, temos déficit em turismo, pessoal! É incrível isso, quer dizer, eu acho que a gente tem potencial, temos... Eu acho que a preocupação dele é legítima, mas vamos olhar mais longe.

Paulo Markun: Eduardo.

Eduardo Giannetti: Olha, eu elenquei seis itens aqui, mas vou ser muito sintético sobre cada um. A minha agenda para 2004: curto prazo, aproveitar a bonança e a calmaria, para continuar melhorando o perfil da dívida pública, reduzindo a parcela indexada a câmbio e juros. Eu acho que é a hora de fazer isso, continuar esse caminho, e isso vai melhorar muito a situação, quando vier uma turbulência lá na frente. Continuaria fazendo isso. Segundo, nesse ponto, eu acho que o governo está devendo muito. Nós precisamos de um bom marco regulatório para infra-estrutura, para que o investimento privado ocorra. As agências reguladoras têm que ser definidas com clareza e têm que ter autonomia.

Paulo Markun: Mas não acabou de sair a da área de energia?

Eduardo Giannetti: Está começando a se definir isso e o papel das agências reguladoras está completamente indefinido. E há muitas suspeitas de que elas vão ser esvaziadas. Isso é má notícia.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: O hidrelétrico esvazia a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica], joga tudo de novo dentro do Ministério.

Maria Lúcia Pádua Lima: Completa, volta para o Ministério.

Paulo Markun: Para o Ministério.

Eduardo Giannetti: E isso afugenta o investidor privado, porque ele não vai se sentir seguro, com as regras do jogo dadas, para poder empatar capital de longo prazo e lenta maturação. Marco regulatório, agências reguladoras... Terceiro, a reforma trabalhista. A situação do emprego no Brasil é dramática, mas ela não precisava ser tanto, se nós tivéssemos um mercado de trabalho muito mais desimpedido. Precisa simplificar a legislação, reduzir os encargos e diminuir a incerteza do contrato de trabalho. A justiça do trabalho no Brasil hoje é um dos principais responsáveis pela precarização, pela informalização do trabalho no Brasil. Quarto ponto, educação fundamental. Eu acho que nós temos que garantir agora a qualidade a educação fundamental. O governo do Fernando Henrique foi muito bem sucedido em expandir a cobertura da rede de ensino público, mas a qualidade do ensino deixa muito a desejar. Eu pensaria com muito carinho, com muito cuidado, em melhorar o perfil do gasto público em educação no Brasil, gastando menos com a elite que faz ensino superior em escola pública e é de um nível de renda maior do que quem faz escola pública superior em escola particular. Eu gastaria mais com ensino fundamental e proporcionalmente menos com a elite que faz ensino público superior. Reduzir a informalidade. Aí eu acho que a reforma tributária teria que ser desenhada, tendo como objetivo, primeiro, incorporar um número maior de brasileiros e de empresas à economia formal. E último ponto, o pacto federativo. Aí eu acho que requer um grande estadista para realmente definir, de uma vez por todas, se o Estado brasileiro é unitário, centralizador, ou é um Estado federativo. A Controladoria Geral da União mandou fazer uma pesquisa com uma amostra de mais de trezentos municípios e chegou a um dado estarrecedor: 94% dos municípios que ela investigou tinham situação grave de irregularidade e fraude no gasto público. A própria Controladoria estimou em R$ 60 bilhões o volume de recursos que está sendo mal aplicado em âmbito municipal. Essa é uma questão gravíssima. Eu acho que está por trás da deterioração do quadro fiscal do Brasil. Nós precisamos realmente pensar a maneira como se dão transferências de recursos dentro do Estado brasileiro. Está muito mal resolvido, tem muito desperdício e irresponsabilidade nas transferências e no uso dos recursos, especialmente no âmbito estadual e municipal. Veja Roraima, veja Goiás, que está em estado muito difícil de finanças públicas, e veja esses municípios brasileiros, 5.561 municípios, 94%, segundo a Controladoria Geral da União, com graves irregularidades e fraudes. Tem muito dinheiro no Estado brasileiro que poderia estar sendo gasto em programa social, em infra-estrutura, e que não está chegando lá. Eu acho que essa é uma questão que deveria merecer total atenção do governo.

Paulo Markun: O nosso tempo está acabando. Eu queria fazer uma última pergunta, que na verdade é resposta típica de telejornal de emissora de grande audiência, que dá vinte segundos para cada entrevistado, mas eu acho que dá para, quer dizer, sintetizar um pouco o que foi dito aqui. Vocês acham que o governo Lula em 2004 fará uma mudança expressiva na sua maneira de conduzir a economia? Porque tudo o que a gente discutiu até agora foi em uma determinada direção. Maria Lúcia.

Maria Lúcia Pádua Lima: Não, eu não acredito. Eu não acredito que vai ser feita uma grande mudança. Eu acho que deverá ser mantido um estilo de governo que foi caracterizado já, que está bem claro a partir de 2003. Eu não acho que ele terá nem... porque a grande mudança seria na área econômica. Não há nenhum sinal de que isso ocorra. E na área social é uma grande indefinição, uma grande incógnita, que também não sei se isso vai ser resolvido.

Paulo Markun: Luiz Carlos.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Eu acho que não. Eu acho que ele [o presidente Lula] está fazendo uma leitura... Eu estou me restringindo à política econômica.

Paulo Markun: Sim.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Ele está fazendo uma leitura errada dos nossos problemas, certo? Vai insistir nos marcos básicos, a política econômica do Malan, com um pouco mais de bom senso em algumas áreas. O ano vai ser um ano difícil, ruim para fazer mudanças, porque aparentemente nós teremos algumas recompensas pelo sofrimento de 2003. E o governo não vai ter essa capacidade de entender que essas melhorias são circunstanciais, de uma recuperação de ciclo. Vai insistindo no caminho de política econômica e nós podemos ter um problema mais sério para 2005.

Paulo Markun: Ok. Braga.

José Carlos Braga: Esse é o tipo de pergunta que em vinte segundos não dá para responder, mas, como essa é a regra do jogo, eu diria que talvez. Por quê? Porque eu acredito que o embate, tanto dentro do governo, como dentro do próprio PT e na sociedade, se acentuará e portanto é possível que alguns vetores de política econômica, comecem a sofrer inflexão.

Paulo Markun: Roberto.

Roberto Luis Troster: Eu acho que é uma resposta... não é uma resposta discreta, sim-não, e sim uma resposta contínua. Eu acho que ele vai fazer uma coisa não tanto quanto nós aqui gostaríamos, mas também não [sou] tão cético como alguns. Eu acho que algumas coisas devem acontecer. Eu acho que a gente tem futuro. Eu acho que não tão rápido como eu gostaria, mas estamos indo na direção certa.

Paulo Markun: Reinaldo.

Reinaldo Gonçalves: Lamentavelmente, eu acho que o Lula só vai mudar se o Brasil estiver na beira de uma crise política institucional séria, grave, provocada por um problema social, econômico, na origem um problema cambial. Eu acho que o Lula vai continuar persistindo nos mesmos erros que ele cometeu o ano passado, os erros que o Fernando Henrique cometeu, e por várias razões. Eu acho, um, há uma certa obsessão, piora a governabilidade. Isso trava. O outro problema, eu acho que uma certa... está inebriado com o poder. O outro problema eu acho que está desprovido, o Lula hoje está desprovido, ele não tem um projeto de sociedade para o governo. Então, um projeto de poder, não de sociedade. Finalmente, talvez falte coragem, quer dizer, para romper algum tipo, por exemplo, o enfrentamento com o sistema financeiro, o sistema bancário, que é tão poderoso no Brasil, que tenha tão generoso... como no Brasil... não com a sociedade. Então eu acho que esses quatro fatores vão fazer com que o Lula continue persistindo no erro, lamentavelmente para nós. Nós temos que torcer para que esses três anos próximos passem rápido e nós tenhamos então algum outro tipo de possibilidade de mudar mais na frente.

Paulo Markun: Eduardo.

Eduardo Giannetti: Já que o ministro da Fazenda é médico, eu vou usar uma metáfora da medicina. A economia brasileira passou pela UTI, esteve na UTI. Em 2003 fez a sua convalescência. Em 2004 volta à normalidade, só que vai haver um desapontamento e uma frustração, porque a vida normal da economia brasileira hoje é um crescimento medíocre e não dá para passar muito disso. A tentação de guinada na condição da política econômica virá não em 2004, mas na segunda metade do mandato, quando a sociedade estiver muito desapontada e o governo já estiver premido pela eleição. Aí vai ser a hora da verdade do PT. Eu acho que aí ele vai ter que definir se de fato tem compromisso com a estabilidade, a criação de condições para crescimento sustentado, ou se ele vai tentar pisar no acelerador, fazer um timing do ciclo econômico eleitoral e colher nas urnas um resultado de um crescimento artificial, de uma bolha bem conduzida do ponto de vista eleitoral. Eu acho que a hora da verdade do PT não chegou ainda. Nós vamos saber se essa conversão pré-eleitoral foi para valer na segunda metade do mandato, quando a situação do que é a normalidade hoje da economia brasileira ficar clara e desapontar muito, porque o nosso crescimento potencial hoje é baixo.

Paulo Markun: Bom, eu queria encerrar o programa dizendo que eu passei os últimos meses acompanhando um pouco da biografia do presidente Lula, para um trabalho que eu estou publicando agora em março. Eu acho que a gente às vezes ignora ou esquece a trajetória dele. Ele, em vários momentos da sua história, deu viradas significativas. Eu não estou dizendo com isso que eu boto as minhas fichas em que haja uma virada, mas ele já fez isso no passado. Agora, o que eu faria, se eu fosse o presidente Lula, era vir aqui ao Roda Viva, que é o programa mais antigo de entrevistas da televisão brasileira - não é? -, é um programa da rede pública de televisão, completa 18 anos agora em 2004, e daria uma bela entrevista para explicar tudo o que ele vai fazer e o que ele não vai fazer para os jornalistas, de maneira democrática, ampla, aberta e franca, como ele sempre fez. Agradeço a todos os nossos participantes, a você que está em casa, e nós voltaremos na próxima segunda-feira, com mais um Roda Viva. Uma ótima semana e até lá.

 

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