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Memória Roda Viva

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Elmo José dos Santos

15/2/1999

Ele acabou com a crise na Mangueira e, com o programa social da sua escola de samba, levou a região ao maior índice de escolaridade do Rio de Janeiro

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[Programa gravado, não permitindo a participação dos telespectadores]

Paulo Markun:
Boa Noite! Ele comanda a mais tradicional escola de samba do Rio de Janeiro, que representa hoje o maior complexo cultural e social já criado sob o signo do Carnaval. O Roda Viva entrevista esta noite Elmo José dos Santos, presidente da escola de samba Estação Primeira de Mangueira [de 1995 a 2001].

[inserção de vídeo]

[em off, Chico Buarque canta "Exaltação à Mangueira", de Enéas Brites da Silva e Aloísio Augusto da Costa; sucedem-se imagens de desfiles da Mangueira, dos músicos citados e dos barracos e crianças do Morro da Mangueira]

Lorena Calábria: Chico [Buarque] da Mangueira, Tom Jobim da Mangueira, Braguinha [João de Barro (1907-2006)], [Dorival] Caymmi e outros baianos mais novos [referência ao grupo de MPB Novos Baianos, dos anos 1970; no vídeo, aparecem Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa]. Mangueira de Cartola, Carlos Cachaça [1902-1999], dona Neuma [1922-2000], dona Zica [(1913-2003) - ver entrevista com dona Zica no Roda Viva] e tantos outros [todos compositores e cantores famosos e mangueirenses]. Mangueira de todos os poetas, de todas as vozes, de todas as músicas.

[trechos de várias músicas que falam da Mangueira]

Lorena Calábria:
Em seus 70 anos de vida, a mais tradicional escola de samba do Rio de Janeiro já foi cantada por todas as gerações de músicos brasileiros. [ao fundo, Caetano Veloso e Paulinho da Viola cantam "Sei lá, Mangueira", de Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho] Verso por verso, todos tentaram definir essa paixão, esse fascínio. "Sei lá, não sei." [repetindo o verso cantado neste ponto por Caetano e Paulinho] Para se entender, tem que se achar que a vida não é só isso que se vê. É um pouco mais, que os olhos não conseguem perceber e as mãos não ousam tocar e os pés recusam pisar. [Caetano canta os versos "Em Mangueira, a poesia / Num sobe-e-desce constante"] No sobe-e-desce do samba, entre o aperto dos becos e a espreita da polícia, heróis, fundadores e poetas cantaram suas dores, seus amores, fantasias de um passado de glória. Velhos e novos compositores entraram na história casando o morro com a cidade, o samba do negro com o samba do branco. No sobe-e-desce das ladeiras, a Mangueira rompeu o limite de escola; virou comunidade, virou nação. [ao fundo, "Pranto de poeta", de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, é cantada por Cartola e depois por Caetano Veloso; sucedem-se imagens de Elmo José dos Santos] Elmo José dos Santos, presidente da escola e uma espécie de prefeito ou chefe de Estado do morro, é nascido e criado na Estação Primeira, a primeira parada de trem a partir da Estação Central, onde se encontrava samba. Elmo conheceu cedo o espírito de união comunitária e familiar que ajudou a fazer da nação mangueirense um exemplo de solidariedade. [imagens das crianças nos ensaios] A quadra de tantos ensaios e as oficinas de tantas alegorias abriram espaço às crianças carentes, numa ação que deu origem a um dos mais importantes projetos sociais do Terceiro Mundo. Gente famosa [imagens de Pelé, Djavan e Bill Clinton na Mangueira], personalidades de toda parte subiram o morro para conhecer de perto uma experiência que mudou a realidade da região. [ao fundo, a música "Os meninos da Mangueira", de Rildo Hora e Sérgio Cabral] O "menino da mangueira" trocou a rua pela sala de aula e pelo esporte. [imagens de esportistas em quadras e estudantes nas salas de aula] A Vila Olímpica abriu as portas do atletismo para mais de quatro mil crianças e adolescentes que treinam ali de olho nas Olimpíadas. Nos Cieps [Centros Integrados de Educação Pública], eles frequentam as séries regulares do primeiro ao segundo grau. No Campo Mangueira, um programa de educação para o trabalho, cursos de datilografia, telemarketing, reforço em português e matemática. Os alunos são encaminhados para o mercado de trabalho através de centenas de empresas que entraram como parceiras no projeto, e também ajudam a financiar toda essa ação social. Os títulos de Campeã na Avenida se juntaram a resultados sociais importantes no morro. A Mangueira registra o menor índice de crianças infratoras e o maior índice de escolaridade. [cenas da escola de samba mirim Mangueira do Amanhã] E a Mangueira do Amanhã busca uma realidade ainda melhor. No sonho de um dia brilhar na avenida, o futuro passista tem em mente o que todas as crianças da escola mirim já aprenderam. Sem o boletim escolar na mão não adianta ter o samba no pé.

[fim da inserção de vídeo]

Paulo Markun: Para entrevistar Elmo, nós convidamos o jornalista e escritor Ricardo Cravo Albin; o comentarista de Carnaval Albino Pinheiro; a jornalista Maria Amélia Rocha Lopes, editora-chefe da revista Raça Brasil; o jornalista Mauro Dias, do Caderno Dois do jornal O Estado de S. Paulo; o jornalista Sergio Roveri, do caderno de Variedades do Jornal da Tarde; o publicitário Robson de Oliveira, presidente da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo; e o jornalista Arley Pereira, autor de uma biografia do compositor Cartola e mangueirense há quarenta anos. O Roda Viva, como você sabe, é transmitido para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Hoje, infelizmente, você não vai poder fazer perguntas porque este programa não está sendo apresentado ao vivo. Elmo, boa noite.

Elmo José dos Santos: Boa noite. [Elmo fala devagar e muito calmamente em toda a entrevista] É um prazer muito grande poder estar aqui com vocês e falar um pouquinho da nossa querida Mangueira.

Paulo Markun: Então vamos começar pelo desfile que está acontecendo aí. Quando o telespectador estiver assistindo a este programa, também estará acontecendo o desfile e provavelmente a Mangueira deverá estar na avenida. Qual a expectativa que você tem em relação a esse desfile?

Elmo José dos Santos: Eu estou sentindo uma felicidade muito grande na nossa escola, porque há uma cumplicidade de todos os segmentos da escola. Eu vejo os presidentes de ala todos participando agora do Departamento de Harmonia. E a escola está se preparando tecnicamente para fazer um grande Carnaval. Diziam muito que a Mangueira era só a escola da emoção e da paixão. Na verdade, a Mangueira continua cada vez mais apaixonada; mas, agora, se preparando tecnicamente para fazer um grande Carnaval.

Paulo Markun: A Mangueira também estava acostumada sempre a entrar na avenida já meio injustiçada. Eu assisti a inúmeros carnavais no Rio de Janeiro e em outras transmissões em que a Mangueira fazia belos desfiles e, [quando] terminava o desfile, dizia: "Nós ganhamos". E chegava lá no resultado final e não ganhava. O fato de ter sido campeã no ano passado [1998] pesa a camisa?

Elmo José dos Santos: Com certeza. A Mangueira, eu acho que ela esqueceu um certo tempo em que o Carnaval, querendo ou não querendo - embora a Mangueira cada vez mais preserve sua raiz -, em que o Carnaval se modernizou. E hoje, o que nós fizemos? A Mangueira criou o Conselho de Carnaval. E esse Conselho de Carnaval, ele não se desfaz. Acabou o Carnaval e ele já começa a trabalhar em outro Carnaval. E hoje, graças a Deus, os componentes da escola, os presidentes de ala, todos os segmentos da escola, cada um faz o seu papel [lá] dentro. E eu acho muito difícil tirar um Carnaval por erro técnico. Hoje, a Mangueira vai com toda a carga de emoção para a avenida e se prepara estrategicamente para ganhar este Carnaval. Eu acho que esse tempo das injustiças se acabou.

Maria Amélia Rocha Lopes: Elmo, eu queria fazer uma pergunta. Depois da Mangueira ser campeã, a tendência é inchar. Todo mundo quer sair na Mangueira. Agora, para este ano, parece que vocês reduziram várias alas. O que aconteceu? Como é que foi esse processo todo?

Elmo José dos Santos: Isso aí é uma preocupação que a Mangueira tem muito. A Mangueira, quando está mal das pernas e faz um Carnaval ruim, ela tem 3800 componentes, sempre. Agora, quando ela está bem, se deixar, sai com 7000 componentes. E o Conselho de Carnaval teve a preocupação, já desde o ano passado, de colocar algumas câmeras na avenida, contratadas pela Mangueira, procurando os erros das alas. E, nesse ano que passou, nós eliminamos seis alas que não cumpriram aquilo que se tratou junto do Conselho de Carnaval...

Maria Amélia Rocha Lopes: [interrompendo] Quem é o Conselho?

Elmo José dos Santos: O Conselho de Carnaval é composto por 12 membros, a maioria nascidos e criados dentro da Mangueira, conhecem tudo dentro da Mangueira. Para você ter uma idéia, a filha da dona Neuma é vice-presidente do Conselho de Carnaval, Percival Pires é o presidente [foi também presidente da Mangueira em 2006]; todas pessoas dali que conhecem na palma da mão a nossa querida Mangueira. Quer dizer, nós temos essa preocupação. Quando acaba o Carnaval, a primeira coisa que nós estamos fazendo é colocar o vídeo, para os componentes da ala saberem onde estão os erros, procurarem acertar. E nós criamos o Conselho Superior e o primeiro passo que se deu na nossa gestão foi dar ao mestre Carlos Cachaça, que hoje está com 96 anos, o título de presidente de honra. E, com isso, nós criamos o Conselho Superior da Mangueira, onde o mais novo tem 76 anos de idade e o mais velho, 96 anos de idade. São 22 pessoas. Nele estão: Jamelão [1913-2008], dona Neuma, dona Zica. E essas alas, nós levamos os erros que elas cometeram para o Conselho Superior; e o Conselho Superior não deu nenhum direito de defesa, porque, realmente, eles deixaram de cumprir aquilo que o Conselho de Carnaval determinou e, com isso...

Arley Pereira: [interrompendo] Seis alas significam quantas pessoas a menos na avenida?

Elmo José dos Santos: Tinha três alas com 75 componentes e as outras com 100 componentes.

Albino Pinheiro: Presidente, para pegar o reboque, ainda, da pergunta dela, é sabido que a escola de samba que tem a maior influência hoje no Rio de Janeiro e em São Paulo é a Mangueira. A participação dos paulistas na Mangueira - até, de certa forma, na organização e no próprio desfile - se acentuou muito nos últimos anos. Eu te perguntaria, Elmo, se o paulista veio para contribuir para o êxodo da Mangueira ou se vocês têm dificuldades quando o paulista entra na escola.

Elmo José dos Santos: Não, muito pelo contrário. A Mangueira, ela tem a sua maior torcida nos estados aqui em São Paulo. A Mangueira realmente... O paulista dá um axé muito forte para a nossa escola. Só que, antigamente, havia essa mística de que o paulista ia atrapalhar, que o paulista... No ano passado, inclusive, eu sofri muito na pele, porque o samba-enredo ["Chico Buarque da Mangueira", de Nelson della Rosa Júnior, Herivaldo Martins Vilas Boas, Nelson Csipai e Carlos Alberto Duarte (Carlinhos das Camisas), samba-enredo campeão da Mangueira em 1998] tinha três autores paulistas. E o Chico Buarque, inclusive, saiu na defesa dos autores paulistas. Isso não existe, esse bairrismo bobo, isso não existe. E eles fizeram um grande samba-enredo e a escola conseguiu o campeonato. E, hoje, os componentes, não só de São Paulo, mas quaisquer outros componentes que queiram desfilar na escola, têm que seguir a regra que é feita pelo Conselho de Carnaval. Então, eles têm que participar dos ensaios técnicos. A escola manda fazer várias fitas e manda-as para eles com os sambas-enredos. Então, hoje tem uma regra, não é só chegar e desfilar na escola. Isso é muito importante. Eu acho, muito pelo contrário, que os paulistas vieram para somar, entende? E a Mangueira tem o maior orgulho de ter uma embaixada aqui em São Paulo.

Sergio Roveri: Elmo, nós estávamos falando dessas alas que causaram alguns problemas no Carnaval do ano passado e foram eliminadas. Por exemplo, dentro desse Carnaval mais técnico, mais profissional... A gente sabe que há sites da Mangueira na internet vendendo fantasias. Acho que essa é uma questão que interessa para o público de São Paulo. E esse site da Mangueira é um dos mais procurados, mais visitados - quer dizer, até pela mística da escola, as pessoas entram nesse site e compram muita fantasia. Como é que você administra esse folião que vê pelo computador uma fantasia, compra, chega nas vésperas do desfile e vai lá para o Sambódromo? É um folião que dá trabalho ou não? Como você consegue fazer com que ele se enturme junto com a população mangueirense que está ensaiando, de repente, há alguns meses?

Elmo José dos Santos: Aí é que entra a responsabilidade do presidente de ala, que hoje faz parte do D
epartamento de Harmonia, que é comandado pelo mestre Xangô [Olivério Ferreira (1923-2009)]. A escola, neste mês agora, está fazendo ensaio de rua, ensaio técnico. E o componente tem que comparecer nesse ensaio técnico. Ele tem que ter, no mínimo, 50% de presença nesse ensaio técnico, onde é passada para ele toda a instrução do Conselho de Carnaval. E, às vésperas do Carnaval, nós fazemos a grande assembléia de Carnaval. Nós fazemos a grande assembléia de Carnaval e nós procuramos mostrar para ele que não basta comprar uma fantasia, tem que participar ativamente dos trabalhos da nossa escola, porque isso, realmente... Conforme o Albino colocou, realmente, as pessoas compravam a fantasia e chegavam na avenida. Hoje, para você ver, até o cuidado de escolher a colocação da escola se tem. Antigamente, existia um trato de que a Mangueira ou o [Grêmio Recreativo Escola de Samba] Portela fechavam o Carnaval. As duas não poderiam ficar no mesmo dia. Entende? Só que acontecia o seguinte: a Mangueira e a Portela sofriam muito porque, primeiro: o componente [da escola] já chegava cedo, ia para uma barraca, tomava todas e, quando chegava na hora da Mangueira ou da Portela passar, o público estava cansado, era já de manhã, cansado... E eu - foi uma das providências que eu tomei - quebrei esse trato. Hoje, a Mangueira tem direito de escolher. No ano passado, foi a segunda escola a desfilar. E, se eu não conseguisse escolher... Hoje, nós somos a quarta escola a desfilar na segunda-feira; e, se eu não conseguisse ser a quarta a desfilar, eu queria ser de novo a segunda. Porque, na verdade, os componentes...

Albino Pinheiro: [interrompendo] Então, a última, né presidente [...] [fala junto com Elmo]

Elmo José dos Santos: Não, isso aí acabou, isso aí foi num tempo que se passou, porque, na verdade, hoje, a escola que fecha o Carnaval já pega o público cansado, esgotado. E o componente, na verdade, "mamado", já tomou todas e pode até atrapalhar...

Sergio Roveri: [interrompendo] Já deve ter se perdido muito com isso...

Elmo José dos Santos: Exatamente. E a Mangueira é a quarta escola a desfilar neste ano. Quer dizer, vai pegar o público cheirosinho, com uma vontade de vibrar, essa coisa toda. E o componente ainda tem a possibilidade de assistir às outras co-irmãs. Quer dizer, esse cuidado todo... Hoje, se toma todo esse cuidado, justamente para que a escola possa fazer um grande Carnaval.

Ricardo Cravo Albin: Foi dito aqui, na abertura do programa, que, com toda a razão, a Mangueira é hoje um grande momento dentro do lazer, a serviço e a reboque da causa social. Eu fiquei absolutamente comovido visitando a Mangueira, coisa que eu faço com alguma frequência, mas ultimamente, nestes dois últimos anos, especialmente, digamos, da visita do Bill Clinton [presidente dos Estados Unidos de 1993 a 2001] para cá...

Elmo José dos Santos: [interrompendo] É verdade!

Ricardo Cravo Albin: ...a Mangueira é praticamente uma revolução social dentro de uma cidade que, afinal, é tão carente como o Rio de Janeiro. Então eu gostaria que você falasse mais sobre esse celeiro de ação social que a Mangueira desenvolve. Eu soube que a Mangueira está acabando de formar, inclusive, cursos de costureiro, curso disso, curso daquilo... Eu quero que você fale disso - mas eu quero que você fale também sobre o problema das crianças desamparadas no morro, que são utilizadas da maneira mais absurda e sórdida pelos traficantes como aviõezinhos [pessoa que repassa, vende ou transporta drogas]. Então, vamos primeiro ao problema de que cursos a Mangueira, dentro da sua quadra, está promovendo.

Elmo José dos Santos: É. A Mangueira... Eu penso o seguinte, Albin. Eu sou nascido e criado dentro do Buraco Quente [um dos núcleos populacionais que formam o complexo do Morro da Mangueira]. Eu tenho o umbigo enterrado ali, não nasci em hospital. Meu pai [Homero José dos Santos, o "seu Tinguinha", falecido em 1999 aos 81 anos] foi o fundador da ala da bateria da Mangueira. Para você ter uma idéia, a bateria da Mangueira era guardada dentro da minha casa. Meu tio, Chico Porrão [Francisco Ribeiro], foi o primeiro ensaiador - não existia diretor de harmonia, era o ensaiador da escola. E, na verdade, eu sofri muito na pele - eu costumo dizer que eu bebi muita água na vala -, porque nossas crianças não tinham nenhum horizonte pela frente, não tinham expectativa de uns dias melhores. Muitas vezes, eu confesso a vocês aqui, eu desci o morro algemado, porque a polícia chegava e arrombava as portas e não tinha como se defender. E, um dia, o nosso saudoso Carlos [Alberto] Dória [soldado da Polícia Militar e presidente da Mangueira de 1986 até sua morte, em 1987, quando foi assassinado, aos 44 anos] resolveu criar a Vila Olímpica da Mangueira. No ano de 1986, começou a engatinhar esse trabalho. E hoje, graças a Deus, nós abrigamos quatro mil crianças - quatro mil crianças que nós temos na nossa Vila Olímpica, hoje. [Temos] 35.000 metros quadrados de área construída, onde nós temos cursos profissionalizantes. Temos desde o fraldinha até o sênior. Só que tudo dentro da Mangueira, dentro de nossos trabalhos sociais, tem que estar estudando. Nós temos um Conselho Escolar. Em todas as escolas em São Cristóvão, se o garoto chegar [dizendo] "não tenho escola", não vamos fabricar a vaga - mas tem que estudar. Nós temos um grande posto médico com pediatria, odonto, ginecologia, tudo o que você possa imaginar; damos remédio, damos tudo. Mas, para os pais serem atendidos lá, se nós soubermos que o filho dele não está estudando, ele também não vai ser atendido lá...

Ricardo Cravo Albin: [interrompendo] Então, quer dizer que a gente pode até considerar, dentro dessa visão, que a Mangueira pode, digamos, representar uma "prefeitura" dentro do Morro da Mangueira. Você acha que a Mangueira teria condições concretas de, com essa ação social, salvar tudo aquilo que o morro tem de ruim - por exemplo, expulsar bandidos, tráfico de drogas etc etc?

Elmo José dos Santos: Na verdade, Ricardo, hoje, a Mangueira faz um trabalho tão forte, que nós recebemos... Quando o Bill Clinton foi lá visitar a Mangueira, aquilo me deu um trabalho danado, porque eles queriam abrir o bueiro, queriam tampa do bueiro, que parasse o trem; colocaram um palco todo blindado, aquela coisa... Ele se tornou até uma pessoa antipática para a imprensa e essa coisa toda. E, no dia em que ele chegou lá, na verdade, ele quebrou todos os protocolos. Primeiro porque ele saiu do palco, foi para dentro da arquibancada, brincou com as crianças, foi para o outro lado, o da Mangueira do Amanhã, pegou o tamborim, botou boné, deu cotovelada nos seguranças, jogou bola... Na verdade, ele passou até a ser uma pessoa simpática, porque ele viu que aquilo ali era um clima de paz, um clima de harmonia. E, na verdade, hoje, os filhos do próprio pessoal que é do outro lado da vila estão lá na Vila Olímpica. Para vocês terem uma idéia, a Mangueira hoje é pentacampeã em atletismo. E nós pretendemos, nas próximas Olimpíadas, colocar oito atletas saindo da Mangueira para defender o nosso Brasil.

Ricardo Cravo Albin: Isso é uma maravilha. Eu quero, inclusive, registrar aqui que, depois da visita do Bill Clinton, a Mangueira possivelmente será a instituição do Brasil mais famosa no exterior.

Elmo José dos Santos: Inclusive, nós recebemos um prêmio da Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] e da BBC de Londres como o melhor trabalho social dos países em desenvolvimento. Isso foi uma felicidade muito grande para todos nós... E o doutor Siro Darlan [de Oliveira], do Juizado de Menores do Rio de Janeiro, nos deu um certificado de que a Mangueira tem o menor índice de menores infratores em todo o Rio de Janeiro e o maior índice de escolaridade...

Ricardo Cravo Albin: [interrompendo] Presidente, continuando neste assunto, só para encerrar, você, como presidente da Mangueira - um presidente, aliás, de grande qualidade, você... E aí vem uma pequena intriga: como é que as outras escolas, podendo realizar uma ação social semelhante, não realizam? Podem realizar? O que é que você acha disso?

Elmo José dos Santos: Eu acho que o caminho é esse. Inclusive, toda vez que eu tenho chance, eu converso com os presidentes. A Mangueira tem um relacionamento muito bom com todos os presidentes. [A escola de samba Acadêmicos do] Salgueiro já começou a fazer um trabalho, a Beija-Flor já começou a fazer um trabalho...

Ricardo Cravo Albin: [interrompendo] João Trinta [o Joãosinho Trinta, carnavalesco famoso por trazer o  luxo para os desfiles, principalmente enquanto esteve na  Beija-Flor] começou a fazer isso muito bem...

Elmo José dos Santos: Exatamente, começou a fazer um trabalho. Então, eu acho que o caminho é esse. Eu acho que, se cada comunidade se organizar, a coisa com certeza vai fluir com naturalidade. Para você ter uma idéia, nós temos um Ciep, "Nação Mangueirense" dentro do nosso complexo; e lá não tem greve, lá não tem nada disso, sabe? Porque a diretora do Ciep é diretora do Departamento Cultural da Mangueira, entende? Se tem algum problema, ela vai lá no morro trás dos pais... Quer dizer, essa convivência... Eu acho que o caminho é esse aí, o caminho é esse. Se você for ver a nossa Vila Olímpica, quem cuida dela são as próprias crianças. Eu, no mês passado, me chamaram, quando houve um burburinho danado lá. Eu fui saber da diretora o que estava havendo. Foi uma criança que agrediu a outra porque ela riscou a parede do Ciep. Então, isso é uma felicidade muito grande, porque as crianças sabem que aquilo ali é o patrimônio delas. Isso é uma coisa que não tem preço...

Arley Pereira: Presidente, por favor, eu gostaria de aproveitar o tempo e pegar pelo outro lado. A Mangueira sempre teve esse cuidado com a juventude. Eu me lembro, a Teresa Santos, que eu conheço tão bem, há quanto tempo se preocupava com a juventude e com as crianças da Mangueira. Mas a minha pergunta é a seguinte. Nós estamos falando dos atuais e eu, afetivamente, me preocupo com os nossos velhos, os nossos criadores, os nossos fundadores. Surgiu a notícia, aqui em São Paulo pelo menos, de que Jamelão estaria sendo substituído como puxador de samba. E eu gostaria de saber, além desse esclarecimento, como está o nosso único fundador vivo: o que a Mangueira tem feito pelo Carlos Cachaça, Carlos Moreira de Castro, esse patrimônio vivo não só da Mangueira, mas do samba? O que a Mangueira faz por ele?

Elmo José dos Santos: A Mangueira, ela... Eu digo o seguinte: Quando eu assumi a escola, eu assumi num momento muito difícil, quando dona Neuma estava para um lado e dona Zica estava para o outro e mestre Carlos não frequentava mais a escola. E eu falei para o meu pai, falei: "Velho, eu só assumo a escola se todo mundo chegar junto, acabar todas as intrigas, tudo o que aconteceu". E mestre Carlos, ele foi uma das pessoas que juntou todo mundo, dona Neuma, dona Zica; e hoje...

Arley Pereira: Ele é uma bandeira.

Elmo José dos Santos: ...nós criamos esse Conselho Superior, onde está todo mundo junto. E nós temos um Departamento Médico que vai na casa deles para dar uma assistência total. O mestre Carlos, como presidente de honra da escola, comparece a todos os eventos da nossa escola. A filha dele, a Inês [de Castro], está sempre em contato conosco. Depois que ele perdeu a tia Menina [Clotilde da Silva, a Menininha, falecida em 1983, com 74 anos, e irmã de Dona Zica, esposa de Cartola], ele vive com a filha e com o neto, essa coisa toda. E o mestre Carlos, na verdade, joga toda a sua energia para a escola e participa efetivamente dentro da escola, dentro da medida do possível. E quanto à outra pergunta que você me fez sobre Jamelão: o Jamelão, ele é o nosso intérprete único, maior e único. A Mangueira jamais vai substituir Jamelão. Só no dia em que ele quiser parar. Não tem como. Ele, nesta semana, fez um...

Mauro Dias: [interrompendo] Essa notícia surgiu porque no disco  tem um outro puxador de samba. Aí, houve uma especulação...

Elmo José dos Santos: É especulação. Aquilo ali, na verdade... Vocês sabem que, no ano passado, devido a essas coisas que estão acontecendo no Brasil, essas crises, a vendagem do disco da nossa escola - que já chegou a um milhão de cópias -, no ano passado, vendeu apenas 250 mil cópias. E a gravadora da Liga das Escolas de Samba me chamou [e disse que] o [cantor] Alexandre [Pires], por ele ser mangueirense - o pai dele era mangueirense e ele já tinha tentado desfilar na escola no ano passado -, que seria uma boa ele gravar o samba da Mangueira, que é a escola dele de coração, e o [cantor] Belo, do [grupo de pagode] Soweto, com o Neguinho da Beija-Flor, para que a gente atingisse um outro público que estava deixando até de comprar o disco e deixando até de ir nas escolas de samba. Então, foi só isso. Em nenhum momento, o Alexandre Pires falou que ia defender o samba na avenida. Isso é tudo cascata, isso aí não tem nada a ver. Ele vai desfilar na escola, sim; no carro que representa o pagode, estará ele, o [grupo] Fundo de Quintal... Então, não tem nada a ver uma coisa com a outra.

Maria Amélia Rocha Lopes: Agora, o Jamelão gostou?

Elmo José dos Santos: O Jamelão, ele está igual ao vinho. Quanto mais velho melhor.

Arley Pereira: Na avenida veremos o Jamelão, então?

Elmo José dos Santos: Com certeza...

Maria Amélia Rocha Lopes: [interrompendo] Jamelão gostou dessa idéia?

Elmo José dos Santos: Eu vi Jamelão chorar no estúdio, porque o Alexandre começou a falar do pai dele enquanto mangueirense e contou a história de Jamelão. E Jamelão começou a prestar atenção nele. Eu e minha esposa do lado. Ele fez uma declaração de amor pela Mangueira e falou assim: "Ô mestre! Eu sou um sambista, eu sei sambar." E sambou para o Jamelão.

Paulo Markun: E sabe mesmo, né?

Elmo José dos Santos: E o Jamelão chegou perto de mim e falou assim: "Presidente, esse é um bom garoto!" Falou assim para mim. Quer dizer, é muito pelo contrário: Jamelão está feliz da vida de saber que o Alexandre Pires vai desfilar na escola. Mas não interpretando o nosso samba na avenida: na avenida, é o mestre Jamelão com tudo o que tem direito...

Albino Pinheiro: Presidente, eu vou lhe dizer que a grande consciência mangueirense prefere que Jamelão puxe o samba sozinho do que ao lado dele.

Elmo José dos Santos: Com certeza.

Albino Pinheiro: Não tem a menor dúvida. Uma coisa é o merchandising de deixar o menino cantar junto do Jamelão. Agora, [daí a] arriscar ir junto com o Jamelão para a avenida há uma diferença muito grande.

Elmo José dos Santos: Claro, claro! Agora, eu queria defender o Alexandre Pires...

Albino Pinheiro: Não, eu também acho que ele tem todo o direito...

Elmo José dos Santos: ...porque estão crucificando ele. Ele não tem nada a ver com isso. Muito pelo contrário.

Albino Pinheiro: Mas não custa nada o Jamelão ir sozinho.

Arley Pereira: Eu não estou... Eu estou defendendo o Jamelão.

Albino Pinheiro: É.

Elmo José dos Santos: Em nenhum momento, ele pediu para defender o samba-enredo na avenida. Isso não aconteceu. E digo mais. Se ele pedisse, o Jamelão ia até permitir. Digo-te que permitiria. Porque Jamelão apanhou uma afinidade muito grande com ele, acho que ele conquistou o Jamelão. Mas o Conselho de Carnaval está atento e nós sabemos que a Mangueira é uma escola que...

Mauro Dias: Seria uma...

Elmo José dos Santos: Claro, claro.

Sergio Roveri: Presidente, agora, dentro dessa questão do samba, mesmo, a Mangueira está saindo este ano com o enredo...

Elmo José dos Santos: ..."O século do samba" [de Adalberto José de Santana, Jocelino José Silveira e Jerônimo B. B. Costa]

Sergio Roveri: ..."O século do samba", cem anos de samba. Nos últimos tempos, é comum a gente ouvir os próprios autores dizerem que o samba-enredo está enfraquecendo, que as pessoas se recordam de sambas de outros carnavais e tal e que, ultimamente, ninguém consegue cantar um samba-enredo. Quer dizer, que o samba-enredo não cai no gosto popular como antigamente. Queria saber se o senhor concorda com isso. E, já que a Mangueira está falando de cem anos no samba-enredo, se o senhor vê algum futuro, algum caminho por onde vai se desenvolver o samba-enredo.

Elmo José dos Santos: Se você prestar atenção, neste ano, a gravadora e a Liesa [Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro] tiveram um cuidado muito grande de chamar os presidentes da ala dos compositores das co-irmãs e pediu que se tivesse um cuidado. Se você vir a safra deste ano, [verá que] é uma safra muito melhor que a do ano passado - inclusive, até a gravação foi feita dentro do estilo: você sente que não tem correria na gravação. E eu sinto que o público recebeu muito bem o samba-enredo. Por exemplo, quem ganhou o samba-enredo da Mangueira foram dois garotos desconhecidos no mundo do samba, nascidos e criados no morro, estavam até desempregados, e ganharam de um grande mestre, Hélio Turco [Hélio Rodrigues Neves]. Mas é um samba que tem a cara da Mangueira. O Jamelão ficou feliz da vida e a Mangueira está numa tremenda energia. E eu até queria voltar um pouquinho no assunto que o Albino levantou. O nosso enredo [ou seja, a letra do samba, incluindo a pesquisa necessária] tem como autor o Osvaldo Martins [que foi autor de 11 enredos da Mangueira, entre 1992 e 2007], que hoje é o secretário de Comunicação de São Paulo. No ano passado, o enredo também foi dele; neste ano, o enredo também é dele. E sou um santista cuidando da nossa escola, conforme o doutor José Maria Monteiro [empresário atuante no apoio a projetos culturais]... Ele tem, aqui em São Paulo... A Embaixada da Mangueira é na casa dele.

Sergio Roveri: O senhor falando em vendagens, presidente, em vendagens de CDs das escolas de samba... Para a escola, isso é significativo? Quer dizer, a venda reflete de uma maneira financeiramente interessante para a escola? Ou a escola recebe muito pouco da venda dos CDs com sambas-enredo?

Elmo José dos Santos: No ano passado, recebeu muito pouco, porque a venda caiu demais. Mas, quando o disco é bem executado, a escola recebe um dinheiro que pesa muito no seu Carnaval. Porque a escola, ela... Principalmente neste ano, em que houve uma demora para se fazer o repasse do dinheiro, essa coisa toda... E, na verdade, o dinheiro que vem da venda dos discos é fundamental para o Carnaval das escolas de samba.

Paulo Markun: Presidente, nós vamos fazer um rápido intervalo e o Roda Viva com o presidente da Mangueira volta daqui a instantes.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva desta noite, entrevistando o presidente da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, Elmo José dos Santos. Elmo, vamos botar pimenta nessa conversa. "Século do samba". Eu vejo o samba de Cartola, Nelson Cavaquinho [1911-1986], Noel Rosa [1910-1937] e outros e ouço esse monte de pagode que a gente ouve no rádio e eu chego à conclusão de que o século do samba está terminando mal à beça. O senhor, tirando a diplomacia de lado, não concorda com isso, não?

Elmo José dos Santos: Eu acho que é o seguinte. Eu acho que as escolas de samba não podem se deixar prostituir e deixar perder as suas raízes. Eu estou fazendo, já, um trabalho dentro da minha quadra - inclusive, para reviver os grandes sambas de terreiro, que hoje estão acabando. Sabe, eu acho que o pagode tem o seu espaço, mas os dirigentes também não podem ficar dormindo com os olhos dos outros...

Paulo Markun: Aliás, porque pagode de antigamente era outra coisa.

Elmo José dos Santos: Era outra coisa.

Paulo Markun: Muito melhor.

Elmo José dos Santos: Era outra coisa...

Arley Pereira: [interrompendo] Perdão, deixa eu botar a minha colher. Pagode continua sendo a mesma coisa, presidente. Pagode é aquela nossa festa de fundo de quintal, é aquela batida na palma da mão, isso é pagode. Essa história que inventaram de que pagode é gênero, isso é a maior besteira que existe. Você faz pagode na sua casa, Markun, nós fazemos pagode na nossa casa. Pagode é uma festa de samba.

Paulo Markun: Então, é um encontro, uma festa de samba.

Arley Pereira: Continua sendo até hoje.

Paulo Markun: Mas o gênero musical tem pouco a ver com o que acontecia nessas festas.

Arley Pereira: O gênero não existe. Não existe "eu vou compor um pagode" ou "eu vou cantar um pagode" ou "vou executar..." Isso não existe. Isso é invenção de gravadora para vender disco. O gênero não existe. Pagode é uma festa de samba.

Ricardo Cravo Albin: E, de mais a mais, o que existe hoje, na verdade - convém realmente que se explicite isso aqui -, o que existe hoje é esse samba de péssima qualidade feito exclusivamente para vender disco.

Paulo Markun: Samba "abolerado", não é?

Ricardo Cravo Albin: Não é um samba para vender o coração, para vender o sentimento, é outro departamento. Você não acha, não, Elmo? Cá para nós. Um garoto simpático, esse menino, então... Como é mesmo? Simpático...

Elmo José dos Santos: Alexandre Pires.

Ricardo Cravo Albin: O outro também, do Soweto. Mas fazem uma música abaixo da crítica. Músicas que são penduricalhos à dignidade e ao peso da Mangueira e de outras escolas de samba que realmente têm peso.

Elmo José dos Santos: Ricardo, eu sou muito saudosista, sabe? Eu cheguei a ver mestre Marcelino [José Claudino (1899-1973), o Massu, um dos fundadores da Mangueira] fazer um samba de roda, eu assisti e tive a honra de conhecer mestre Cartola... Eu sou muito saudosista. Eu acho que as escolas de samba realmente não podem deixar perder suas raízes. Mas, ao mesmo tempo, eu faço uma crítica muito forte ao poder público, porque, se você olhar direitinho, hoje a escola de samba está só na [avenida] Marquês de Sapucaí. Cadê os blocos? Cadê o Carnaval de rua? O que está sendo feito? É uma pergunta que tem que se fazer.

Paulo Markun: [interrompendo] Mas será que isso depende do governo?

Elmo José dos Santos: Eu não posso pensar... Depende. Porque você vê as escolas do terceiro grupo e do segundo grupo: com quais condições vão ter...? Se eu sou do primeiro grupo, eu tenho que capinar muito para conseguir por um Carnaval na rua. O Robson sabe disso.

Robson de Oliveira: Sem dúvida.

Elmo José dos Santos: Agora, imagina o pessoal que está lá no terceiro grupo. Não tem nenhuma subvenção. Você vê que o forte do Rio de Janeiro sempre foi o Carnaval de rua. Não está existindo nenhum incentivo. Eu acho que está na hora do poder público parar, principalmente no Rio de Janeiro, porque o grande cartão de visita do Rio de Janeiro é o Carnaval, e pensar-se nisso. Essa é que é a grande verdade. Aí, o que acontece? Se ninguém está agasalhando aquilo que é nosso, outro gênero chega e toma conta. A própria mídia dá uma cobertura muito grande para isso e eles tomam conta. Essa é a grande verdade.

Robson de Oliveira: Presidente Elmo, em primeiro lugar, eu até queria pedir licença ao amigo para dizer o seguinte: em nome do samba de São Paulo, eu te trago um abraço. Neste, momento a Mangueira está, já, desfilando e arrebentando na Sapucaí. Mas eu queria mudar o tom e fazer algumas perguntas da seguinte ordem. Evidentemente, com a sua experiência, com a sua envergadura à frente da Mangueira, a Mangueira se transformou numa grande potência no nível de capitação de recursos e incentivos culturais. Como é que se dá isso dentro da Mangueira? Existem parceiros que foram trazidos à Mangueira por pessoas de suma importância, como o Chiquinho de Carvalho [secretário estadual dos Esportes], que hoje se consagrou trabalhando nesse campo; e a Mangueira foi um mote dele à frente desse trabalho que o consagrou, para estar fazendo um trabalho, hoje, na recuperação do Maracanã, na área esportiva do Rio. Como é que funciona a captação de recursos junto aos incentivos culturais para a Mangueira, que hoje é um sucesso no nível nacional? Pouca gente tem esse sucesso no nível de captação de recursos, até para a própria escola de samba.

Elmo José dos Santos: Eu acho que o grande sucesso do nosso trabalho vem das cores da nossa bandeira [verde e rosa]. O mestre Cartola [foi] muito sábio quando deu as cores da escola. O rosa representa o amor, o amor que todas as pessoas que trabalham dentro de Mangueira colocam em primeiro plano. Isso tem o nosso Chiquinho, meu irmão, uma pessoa que não é nascida e criada em Mangueira, mas eu digo para ele que tem que desenterrar o umbigo dele onde está e enterrar lá dentro do Buraco Quente, que é lá que o umbigo dele... Está enterrado em lugar errado. É uma pessoa que dá o sangue, uma pessoa que vibra, entende? Como a nossa cantora Alcione. Vocês já viram Alcione colocar uma calça jeans e subir o Buraco Quente? Aquilo não é só a cantora, é a mangueirense que está ali...

[...]: Beth Carvalho...

Elmo José dos Santos: Beth Carvalho... Então, são pessoas que realmente colocam o amor em primeiro plano - a [cantora] Leci Brandão... - para os nossos trabalhos. E o verde, que é a esperança. A esperança que um dia Cartola, quando deu as cores para a escola, pensou: "Um dia, nossas crianças vão ser amparadas." E, hoje, nós estamos pensando em colocar, na próximas Olimpíadas, atletas saindo da Mangueira para defender o nosso querido Brasil...

Robson de Oliveira: [interrompendo] Mas deve existir uma estrutura profissional para que isso aconteça no campo prático, não é?

Elmo José dos Santos: Exatamente. E as empresas procuraram se engajar nesse nosso trabalho. Nós temos o exemplo da Xerox do Brasil, que já vai fazer onze anos com a Mangueira. Onze anos com a Mangueira.

Robson de Oliveira: Belo parceiro.

Elmo José dos Santos: E ainda tem uma série de empresas que hoje ajudam Mangueira. Para você ter uma idéia, no ano passado - nós temos muitos empresários aqui em São Paulo, que eu chamo de "padrinho dos nossos projetos sociais" -, no ano passado, nós fizemos um show aqui no Olímpia e, depois do show, eu fiz um contato com o pessoal do hotel Glória. Chamei todas as pessoas que não conheciam o projeto de Mangueira, hospedamo-los no hotel Glória, pegamos dois ônibus com ar condicionado e fomos... "Vocês vão visitar o afilhado de vocês. Vocês vão ver como os afilhados de vocês cresceram." E os levamos. E hoje, o secretário dos Transportes aqui de São Paulo, ele foi e ele ficava de longe olhando; e, quando eu o levei na quadra, ele falou assim: "Elmo, você só usa isto aqui no final de semana?" Eu falei: "É. Aqui, nós fazemos os ensaios." "Que tal nós transformarmos isto aqui numa grande sala de aula?" Eu falei: "Secretário, só tem uma coisa. Para transformar isto, precisa de uma empresa para bancar esse projeto." Ele falou assim: "Não, tem que arrumar o seguinte: para cada sala de aula, um padrinho. Cada sala de aula tem que ter um padrinho." Aquilo ficou na minha cabeça...

Robson de Oliveira: [interrompendo] Como é que isso vai acontecendo...

Elmo José dos Santos: Aquilo ficou... Aquilo ficou na minha cabeça... E eu falei assim: "Vamos à luta". Conversei com a minha esposa, conversei com o Alvin e fomos atrás. E, neste ano, eu vim aqui falar com o secretário que nós temos 26 cursos profissionalizantes, cada um com um padrinho. Cada curso tem um padrinho. E as crianças, além de terem uma profissão, recebem uma cesta básica. Para quê? Para que os pais possam ser os fiscais do nosso trabalho. Querem receber cesta básica. Mas, para receber, tem que ter frequência lá, nos cursos. Então, quer dizer, hoje a Mangueira virou uma grande sala de aula e cada curso tem uma empresa apadrinhando...

Paulo Markun: [interrompendo] O ministro [das Comunicações] Sérgio Motta [(1940-1998) - ver entrevista com Motta no Roda Viva] foi um padrinho da Mangueira?

Elmo José dos Santos: Ministro Sérgio Motta, que Deus o tenha, aquilo foi um padrinho, mas um padrinho que eu vou dizer assim, que bate junto com arruda, mate e sal grosso [ou seja, um padrinho muito bom]. Que era uma pessoa que... Ele começou a ajudar a Mangueira, a Mangueira estava engatinhando...

Paulo Markun: [interrompendo] Quer dizer, não era do tempo do governo, isso aí.

Elmo José dos Santos: Não. Nunca apareceu para nada. A última vez, quase dois meses antes do falecimento dele, eu fui no seu gabinete e ele falou: "Presidente, vem cá." Ele me levou lá no cantinho do gabinete dele; tinha um galhardete surradinho, sabe, mas da Mangueira, porque os filhos dele desfilaram na escola. Mas sempre ajudou, nunca quis aparecer em nada. A única coisa que a Mangueira acho que deu a ele foi no seu falecimento: nós levamos a bandeira da escola para colocar em cima do seu caixão. E ele pediu para ser cantada "As rosas não falam" [a música mais famosa de Cartola]. E nós levamos. No dia da missa de sétimo dia, mestre Jamelão foi lá e interpretou "As rosas não falam", do nosso querido Cartola. Então, o ministro...

Ricardo Cravo Albin: [interrompendo] E a República inteira chorou com a voz do Jamelão na igreja. Aliás, os jornais registraram isso.

Elmo José dos Santos: É verdade. E, [para o] nosso Sérgio Motta, eu só posso pedir que nosso Papai do Céu dê muita luz para ele, porque eu sempre digo: a Mangueira, ela tem padrinhos, e padrinho não é só aquele que entra com a grana, não. Padrinho é aquele que dá um conselho. Padrinho é aquele que abre uma porta. Padrinho é aquele que, na hora das suas orações, reza para que tudo dê certo.

Paulo Markun: A Mangueira não tem bicheiro, não é? Por falar em padrinho...

Elmo José dos Santos: A Mangueira não tem bicheiro. Mas a Mangueira também não tem nada contra o pessoal do bicho...

Ricardo Cravo Albin: A Mangueira não tem bicheiro, mas a Mangueira tem o José Maria Monteiro [presidente do Instituto Ação Brasil Cultural e ex-diretor da Mangueira], que é o patrono, que é uma forma clássica, não é? [...]

Elmo José dos Santos: O José Maria Monteiro costuma dizer para mim o seguinte: Que ele não gosta nem que o chamem de José Maria Monteiro, porque o chamam na Mangueira como o "Guimarães". Ele gosta que o chamem Guimarães. O José Maria Monteiro, para você ter uma idéia, é o homem que puxa nossa escola na Avenida.

Ricardo Cravo Albin: Eu sei.

Elmo José dos Santos: Ele puxa nossa escola na avenida. Quer dizer, no relógio, o carro tal tem que chegar aqui em tantos minutos... O José Maria é uma pessoa que se transforma na avenida. Ele se transforma na avenida. É uma coisa... E o José Maria, ele nos ajuda muito, nos ajuda muito...

[...]: E aprendeu com o samba de São Paulo, tem mais essa.

Elmo José dos Santos: Aprendeu com o samba de São Paulo.

Sergio Roveri: Presidente, falando em São Paulo... Aqui em São Paulo, existem algumas grandes escolas que têm o mesmo número de componentes de algumas escolas do Rio - por exemplo, Rosas de Ouro, Vai-Vai; em torno de quatro mil pessoas desfilando - mas que, o Robson ali que me perdoe, mas que ainda não conseguem aquele efeito de show, aquele efeito estético que as escolas cariocas conseguem. Por exemplo, se você estiver vendo um desfile pela televisão, [vê] Mangueira, Portela, aquelas imagens que ocupam toda a tela; e, em São Paulo, a coisa é um pouco mais tímida. Na opinião do senhor, isso se deve ao quê? O que é que falta para o Carnaval de São Paulo - que já tem algumas escolas tão grandes ou, pelo menos, com o mesmo número de pessoas desfilando - conseguir esse efeito visual que as escolas cariocas conseguem?

Maria Amélia Rocha Lopes: Agora, deixe-me só completar o que você está falando, aproveitar o seu gancho, aí. Qual é a escola de São Paulo que o senhor acha mais parecida, que teria mais o perfil, assim, da Mangueira? Aproveitando, aí...

[risos]

Elmo José dos Santos: Eu adoro as escolas de samba aqui de São Paulo. Tenho um relacionamento muito bom. Mas a [escola de samba] Nenê [da Vila Matilde] tem uma característica muito grande, ela tem um negócio muito forte de Mangueira. Tem, [sobre] isso aí eu não vou mentir.

Robson de Oliveira: Não pode negar.

Elmo José dos Santos: Realmente, ninguém pode negar. E [para] quem vê, isso aí está estampado. Ela tem uma característica muito forte da nossa escola. Entende?

Maria Amélia Rocha Lopes: É uma coisa de emoção, muito mais que de visão?

Elmo José dos Santos: É, até respondendo à pergunta do nosso amigo aqui, eu acho que isso é característica de um povo, sabe? Está no sangue...

[...]: [interrompendo] Não é dinheiro?

Elmo José dos Santos: Não, isso não muda. Como você falou do bicheiro no Rio de Janeiro. Olha, meu amigo, o Albino sabe disso, o Ricardo sabe disso. As escolas de samba... Antigamente, quando a Riotur [Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro] controlava o Carnaval, não dava para pagar nada. A subvenção era uma vergonha. Na verdade, o pessoal da contravenção chegou e criou a Liga das Escolas de Samba. Hoje, muitas das escolas de samba colocam o Carnaval só com o dinheiro da Liga, entende? Houve uma mudança muito grande.

[...]: Uma mudança radical.

Elmo José dos Santos: Radical. Organizaram as escolas de samba e isso aí é mérito deles. Realmente, organizaram as escolas de samba. E essa característica, na verdade, está no sangue do carioca. Isso não se muda com dinheiro.

[...]: Nem com patrocínio?

Elmo José dos Santos: Não, isso não se muda com dinheiro. Isso está no sangue. Isso está no sangue.
 
Ricardo Cravo Albin: Eu quero fazer uma observação aqui. Você conhece o Carnaval de São Paulo. Eu conheci, gostei do que vi, três anos atrás, quando vi, por parte do júri, na inauguração do Sambódromo em São Paulo. E, no ano passado, vim, a convite da Liga, aqui, para o desfile das campeãs. Eu me surpreendi. Você falou do desfile em São Paulo. Eu, como carioca, há trinta anos assisto aos desfiles no Rio, não perco, sou louco pelo Carnaval, especialmente pelas escolas de samba do Rio, e quero testemunhar isso aqui, e quero até a sua opinião. Porque a mim me surpreendeu. Acho que é um desfile ascensional.

Elmo José dos Santos: É verdade...

Ricardo Cravo Albin: Não é porque a gente está aqui, em São Paulo, não, para dizer isso. Se fosse uma droga, a gente diria que é uma droga. Mas é um desfile ascencional. Nós temos que colocar, realmente, uma visão crítica em cima do desfile de São Paulo, que é surpreendente, para dizer o mínimo.

Robson de Oliveira: Agradeço. Na verdade, eu quero até pedir ali para o [...] o seguinte. Como presidente da Liga que sou, quero lembrar aos espectadores e fazer uma pergunta para o presidente. Evidentemente, São Paulo tem a sua característica própria. São dois centros totalmente diferentes. O Rio, voltado mais para o turismo, tem sua orla marítima, aquela característica própria da cidade...

Elmo José dos Santos: Isso, isso aí é verdade.

Robson de Oliveira: ...São Paulo é uma cidade do trabalho, mas também tem seu Carnaval com a sua característica. Hoje, nós temos aqui duas grandes parcerias que eu queria que o senhor avaliasse com a sua experiência, [bem como] o que é benéfico nisso e o que isso pode representar para o futuro. Em São Paulo, hoje, nós temos uma parceria com o futebol. Nós conseguimos fechar com a Federação Paulista uma grande parceria, porque futebol e samba andam lado a lado. As escolas de samba estão se estruturando com um espetáculo cada vez melhor. Na sua concepção, com a sua experiência e com o seu know-how, o que é que tem de diferente nos dois centros e como é que o senhor vê a real evolução do Carnaval de São Paulo?

Elmo José dos Santos: Eu acho que eu tive a felicidade... Você, inclusive e Mangueira veio fechar o Carnaval aqui em São Paulo...

Robson de Oliveira: Na Apoteose.

Elmo José dos Santos: ...e eu fiquei surpreso. Para vocês terem uma idéia, a Mangueira desfilou com umas quatro mil pessoas, que eles venderam os kits...

Robson de Oliveira: [interrompendo] Exatamente!

Elmo José dos Santos: E os kits da Mangueira acabaram...

Robson de Oliveira: [interrompendo] Nós criamos lá um evento chamado Apoteose dos Sonhos, no qual a Mangueira fechava o desfile e o folião, quando comprava o seu ingresso, ganhava um kit com uma bermuda, um boné e uma camiseta e entrava após a última ala da Mangueira. Isso foi um sucesso consagrado.

Elmo José dos Santos: Foi uma coisa... Eu acho que eu nunca sambei tanto na minha vida. A vibração era tanta, o pessoal curtiu, o pessoal...

[sobreposição de vozes]

Arley Pereira: Sem pedantismo, a sociologia explica tudo isso, minha gente! Cada um faz aquilo que come, aquilo que trabalha, aquilo que vive. E eu acho que não cabe nenhuma comparação, não podemos cotejar as coisas. O Rio faz a coisa perfeita como carioca. Os paulistas fazem as coisas como paulistas. Cada um faz o seu da melhor maneira que possa fazer e não se há de comparar, não se há de cotejar, porque são coisas diferentes.

Elmo José dos Santos: Completamente diferentes.

Arley Pereira: Como ele acabou de falar. Ele sambou em São Paulo como talvez nunca tenha sambado no Rio, com ritmo diferente, com andamento diferente, com uma forma diferente de fazer samba, mas que é a cara de São Paulo. Não tem que misturar.

Paulo Markun: Mas a cada dia o Carnaval de São Paulo está mais parecido com o do Rio de Janeiro. O Carnaval de São Paulo importa... Olha, eu vou botar pimenta de novo aqui nessa conversa...

Arley Pereira: Espera, espera, espera...

Paulo Markun: Porque aqui está uma conversa de diplomata, parece que nós estamos em Genebra! [a calma e a fala pausada e suave inabaláveis de Elmo parecem ter contaminado os entrevistados desde o início do programa; a partir deste instante, a discussão se exalta um pouco durante algum tempo]

Arley Pereira: Espera aí, desculpe, É isso, espera um pouquinho...

Paulo Markun: Só para terminar.

Arley Pereira: O Carnaval ou o samba?

Paulo Markun: Escolas de samba, não importa, o espetáculo.

Arley Pereira: O espetáculo é uma coisa, o samba é outra.

Paulo Markun: Perfeito. Que o samba de São Paulo é diferente do samba do Rio de Janeiro eu aprendi com você. Tá certo?

Arley Pereira: [risos] Obrigado.


Paulo Markun: Agora, carnavalesco vem do Rio de Janeiro. Puxador de samba, às vezes, vem do Rio de Janeiro. Mestre-sala e porta-bandeira vêm do Rio de Janeiro.

Arley Pereira: Compositor...

Paulo Markun: Compositor vem do Rio de Janeiro. O que está acontecendo com as escolas de samba de São Paulo é uma cópia da escola de samba do Rio.

Robson de Oliveira: Discordo, porque a Mangueira foi campeã com samba-enredo de paulistano. E, neste ano, a convite do presidente Elmo - até porque o enredo é "Centenário do samba" e talvez até em reconhecimento a São Paulo e por estar participando aqui da gestão da Liga -, eu sou convidado para desfilar na Mangueira. Então, já há um intercâmbio. Entre a importação e essa coisa de protecionismo, há um intercâmbio no samba, temos que respeitar. A voz do Belo é a voz de São Paulo na Sapucaí. Tem que se respeitar também, porque lá ele vai cantar junto com o Neguinho. Então, Elmo, eu acho que, na verdade, o tema aqui é Carnaval, é Mangueira. Agora para responder a essa pergunta: não há importação, há integração - na minha concepção, como presidente da Liga.

Paulo Markun: Não, eu vou me permitir discordar, como apaixonado pelo samba de São Paulo, fundador de escola de samba aqui, quando eu era garoto. Houve uma enorme mudança no samba de São Paulo. Eu não sei como é que alguém pode achar que essa mudança não foi influenciada pelo Rio de Janeiro. O senhor não concorda?

Elmo José dos Santos: [continua falando pausada e suavemente] Concordo. Concordo plenamente, concordo plenamente. Agora, como o nosso amigo aqui deixou bem claro, é cada um com seu cada um. Não adianta querer inventar, porque isso está no sangue, está no sangue, isso; não adianta você...

[sobreposição de vozes]


Robson de Oliveira: São duas histórias diferentes.

Elmo José dos Santos: Você vai trazer o carnavalesco do Rio de Janeiro, vai trazer o compositor do Rio de Janeiro, mas os componentes não são do Rio de Janeiro. Sabe, isso aí, não tem como "ensinar papagaio a falar depois de velho". Acho que com isso aí já se nasce. E viu a Tatá? Estava no show, lá no Canecão [casa de shows do Rio de Janeiro]. Tu viu a Tatá?

Ricardo Cravo Albin: Vi, claro...!

Elmo José dos Santos: Que a dona Neuma cria. A Tatá vai fazer sete aninhos, mas ela dança de porta-bandeira como... E aquilo ali veio de pai para filho. Você vê a Mangueira do Amanhã. Alcione, essa minha grande guerreira, Alcione, ela criou a Mangueira do Amanhã. E o primeiro diretor de bateria da Mangueira veio da Mangueira do Amanhã, nosso primeiro mestre-sala e porta-bandeira, Marquinho [Marco Antônio Rodrigues], e Giovanna [Giovanna da Silva Justo, sua parceira de dança], vieram da Mangueira do Amanhã. Quer dizer, isso vai passando...

Paulo Markun: As gerações.

Arley Pereira: [interrompendo] Em defesa da minha tese, só colocar duas passistas, uma paulista e uma carioca, e pôr as duas para sambar, e você vê na hora quem é paulista quem é carioca. E isso é atávico. Isso não tem...

[sobreposição de vozes]


Mauro Dias: [...] do desfile é que acaba sendo muito parecido. O desfile original é do Rio de Janeiro, nasceu lá e depois veio... E, com a televisão, me parece que a tendência é - por favor, submeto a você também [olhando para um dos entrevistadores] -, a tendência é cada vez mais... Como já você tem lá o maior Carnaval do planeta, então o outro Carnaval, que é próximo, vai tentar imitar esse Carnaval. Eu acho que isso também é indiscutível. Agora, a minha preocupação é outra. Eu queria lhe perguntar: Não existe a coisa do "a reboque"... as escolas de samba de São Paulo... [Se] o disco vende menos, não existe uma grande gravadora que se interesse por ele... Eu, que sou do Rio e moro em São Paulo, trabalho em São Paulo, não tenho recordação de um samba de escola de samba de São Paulo que seja conhecido nacionalmente, que tenha feito um grande sucesso. Existe uma predominância muito grande do... Quer dizer, o modelo é o modelo do Rio de Janeiro, não é? O senhor acha que alguma coisa poderia ser feita para, de fato, tornar iguais, as chances?

Elmo José dos Santos: Eu acho que isso aí é uma característica de cada povo. Eu acho que o passo principal que tem que ser feito - e já está sendo feito no Rio há muito tempo - é criar as escolas-mirim. Eu acho que isso é importante, a escola-mirim é uma coisa importantíssima. Está entendendo? Isso aí vai passando de pai para filho. E um dia...

Mauro Dias: [interrompendo] O que faz o Carnaval é a tradição do Carnaval.

Elmo José dos Santos: Exatamente. Tem que ter suas tradições, as suas raízes. E isso aí não se compra.

[sobreposição de vozes]


Maria Amélia Rocha Lopes: Elmo, deixa eu mudar só um pouquinho o enfoque da história?

Albino Pinheiro: Mas eu queria te perguntar [...] o seguinte. Todas as pesquisas de opinião pública, já de muitos anos para cá, indicam - não só no Rio de Janeiro, como fora do Rio de Janeiro - a Mangueira como a preferida absoluta na opinião pública. A última pesquisa deu ela disparada na frente e, em segundo lugar, a Portela - junto com a Beija-Flor, se eu não me engano.

Elmo José dos Santos: Isso.

Albino Pinheiro: Agora, presidente, a que você atribui essa liderança da preferência popular há tantos anos numa sequência ininterrupta?

Elmo José dos Santos: Eu acho que esse carisma que a Mangueira tem... E eu tive a preocupação de fazer uma pesquisa logo no meu primeiro ano de mandato. Nós fizemos uma pesquisa pela Gerp. E a Mangueira tem 48% de preferência e a escola que está em segundo lugar está com 13%. Então, é uma coisa muito séria, uma coisa muito forte. E uma coisa importante: a Mangueira ficou 10 anos, quase 11 anos sem ganhar um título e a torcida dela aumentou mais um pouquinho...

Albino Pinheiro: Igual ao Corinthians.

Elmo José dos Santos: Aumentou mais um pouquinho pelo trabalho social que ela desenvolve, entende? E isso é importantíssimo.

Albino Pinheiro: Dá licença, presidente. Ela já tinha essa colocação na preferência popular antes desse movimento social.

Elmo José dos Santos: É verdade.

Albino Pinheiro: Tinha, sempre teve.

Elmo José dos Santos: E aumentou.

Arley Pereira: E, por que você é mangueirense?

Albino Pinheiro: Exatamente, essa pergunta sua... Se o presidente me permitir saber se ele concorda, o fato de a Mangueira se situar numa posição geográfica muito próxima da Zona Sul [da cidade do Rio de Janeiro] permitiu que ela fosse a primeira escola de samba visitada por um público que não era do morro. Final da década de 1950.

Elmo José dos Santos: Verdade.

Albino Pinheiro: Lá do tempo da Cerâmica, ainda [Companhia Brasileira de Cerâmica, localizada no Morro da Mangueira, nas décadas de 1950/60. Sendo que a maior parte dos funcionários desfilava na Mangueira, a partir de meados da década de 50, eles passaram a ensaiar na quadra cedida pela fábrica
]. A partir dali, e com a força dela, porque ela manteve aquela força inicial até hoje... E também é outra pergunta que eu lhe faço: se a Mangueira não tivesse aquela posição geográfica de ter aquela comunidade na mão, ela seria o que é?

Elmo José dos Santos: Acho que não.

Albino Pinheiro: Seria outra história?

Elmo José dos Santos: Seria outra história.

Albino Pinheiro: Por isso que eu lhe perguntei. Porque a Portela, que vem, nessa colocação, depois, só recebe o povo da Zona Sul muito tempo depois, muitos anos depois. Eu me lembro daquela época: ou Salgueiro ou Mangueira recebiam um público que não era da comunidade.

Elmo José dos Santos: É verdade.

Albino Pinheiro: O Salgueiro, com uma série de distorções históricas, até, não teve essa preferência popular que teve a Mangueira.

Elmo José dos Santos: Agora, está acontecendo uma coisa, Albino, que é muito importante deixar aqui. A Mangueira, hoje, é a única escola de samba no Rio de Janeiro que tem a sua quadra no pé do morro.

Albino Pinheiro: Exatamente! Exatamente.

Elmo José dos Santos: O ensaio nobre dela é dentro da quadra da Mangueira, é dentro do morro. Todas as co-irmãs foram para o asfalto...

Arley Pereira: Importantíssimo! Está dentro da comunidade!

Elmo José dos Santos: A Mangueira, hoje, expressou... A quadra dela é dentro... E nosso ensaio nobre é no sábado dentro do morro.

Albino Pinheiro: Exatamente.

Elmo José dos Santos: Então, isso aí é uma coisa importantíssima. Deixar bem claro isso aí, que a Mangueira, em nenhum momento, tirou, saiu, abandonou suas raízes.

Maria Amélia Rocha Lopes: Eu sou louca para saber, eu estou querendo perguntar faz tempo... Como é a sua vida pessoal na semana que antecede o Carnaval? Até a Mangueira aparecer ali na avenida? Que negócio é esse?

Paulo Markun: Até sair, não é?

Maria Amélia Rocha Lopes: Até sair. Você vai para casa? Você dorme? O que acontece nessa semana que antecede o dia do Carnaval?

Elmo José dos Santos: É uma loucura, sabe, muito grande. As crianças... Às vezes, eu chego em casa e a cobrança das crianças é muito grande.

Maria Amélia Rocha Lopes: [interrompendo] Quantos filhos você tem?

Elmo José dos Santos: [a esta altura, o tom calmo de Elmo já voltou a contaminar os outros entrevistadores] Dois. E não dá para dar atenção. Eu costumo dizer o seguinte: a Mangueira desfila 365 dias no ano. Eu digo que a quadra da Mangueira é o quintal da comunidade. Tudo o que tu podes imaginar acontece dentro da quadra da Mangueira. Entende? Minha mãe mora lá até hoje. Minha mãe ficou cega, ela é diabética, ficou cega. E eu subo o morro e, quando eu subo o morro, todos os problemas que você pode imaginar tem ali. O presidente da escola é como se fosse um prefeito. As pessoas acham que você resolve tudo. Na semana passada, eu estava em um pagode dentro da Mangueira e teve uma menina, chegou assim, eu vi o celular dela cair e ela ficou me olhando... Eu estou quieto, eu estou conversando, mas estou olhando. Ela mexia no celular, essa coisa toda; daqui a pouco, ela pegou e: "Presidente, ô, meu celular parou. O que é?" Eu [disse] comigo: "A bateria pode ter se deslocado". Eu peguei a bateria e "pá!" "Eu sabia que o senhor ia resolver isso! Eu sabia que o senhor ia resolver isso!"

[risos]

Elmo José dos Santos: Então, quer dizer, é uma coisa que acontece e as pessoas, elas vêem o presidente da escola como um miniprefeito. Essa é que é a grande verdade. Na verdade, você não dorme, você não consegue fazer nada, você fica preocupado, sabe... Eu vou para casa e não adianta eu ir para casa; eu fico no barraco, eu sei que não vou dormir, mesmo. Eu fico lá e eu fico pensando: "Pô, se eu estiver lá, eu vou botar o dedo e aquilo não vai acontecer", entende? E isso acontece naturalmente. Aconteceu um caso até engraçado. O nosso primeiro diretor de bateria é o [mestre] Russo [José Luís Custódio, falecido em 2007 aos 44 anos]. E eu cheguei no barracão, o Russo estava amarelo e disse: "Eu estava te procurando!" Eu disse: "O que houve, Russo?" "Rapaz! Presidente, acabei de ir a um ensaio..." - porque ele ensaia toda quinta-feira, ele mora lá no Chalé [um dos locais do Complexo da Mangueira] - "...eu estava subindo o morro, presidente; dali a pouco, eu senti aquele negócio: Hum...!" Ele botou a mão na barriga. Assim que ele olhou as pernas, o sangue estava escorrendo na perna dele toda. Ele tirou a calça correndo. A hemorróida dele estourou. Estava pendurada... E daí, dizem que ele ficou enlouquecido. As vizinhas: "Chama o presidente! Chama o presidente da escola!" E ele subiu; e, quando ele subiu, quando entrou na casa dele - ele cria uns galos, umas galinhas -, a galinha prendeu lá no negócio dele e ele saiu gritando mais ainda, e as vizinhas gritando "Chama o presidente! Chama o presidente!", essa coisa toda. As vizinhas botaram uma bacia, botaram umas ervas...

[risos]

Paulo Markun: Quer dizer, do celular à hemorróida, é o presidente.

Elmo José dos Santos: E ele - o mais engraçado -, lá no barracão, disse: "Presidente, deram-me uma receita para comprar uma pomadinha e eu queria te mostrar, porque ainda está um pedacinho para fora". Eu disse: "Não precisa me mostrar. Eu não quero ver, não."

[risos]

Elmo José dos Santos: Então, essas coisas acontecem dentro de Mangueira, sabe? Acontecem dentro de Mangueira. E, na verdade, por mais que você queira, na semana que antecede o Carnaval, não adianta, tu não consegue dormir, tu quer estar toda hora no barracão, sabe? E é uma loucura...

Maria Amélia Rocha Lopes: E quando é que você descansa?

Elmo José dos Santos: A gente descansa depois do desfile das campeãs. Que te dá um tempo, desliga o celular pelo menos uma semana. E dá uma parada, porque também tem... No ano passado, inclusive, eu tive uma estafa muito grande - desmaiei, para você ter uma idéia, eu desmaiei! O corpo não agüentou e desmaiei. Essa coisa toda. Tive que fazer um tratamento muito forte. Mas, na verdade, a nossa escola desfila 365 dias no ano. E a nossa escola é uma escola muito apaixonada. E a nossa escola, ela é uma escola muito apaixonada. Nossa escola é uma escola muito apaixonada. E, principalmente, nas pessoas que são nascidas e criadas lá, essa paixão vai passando de pai para filho. Eu fiz parte da primeira bateria mirim criada no mundo, por mestre Valdomiro [Valdomiro Tomé Pimenta]. Porque a bateria da Mangueira era guardada lá em casa. Então, o que acontecia? Eu era do Buraco Quente e nós disputávamos com o pessoal do Chalé, do Pendura a Saia, tudo no morro da Mangueira. Disputávamos. Então, o que a gente fazia? Nós íamos nas obras de construção civil e pedíamos um saco de cimento. Então, a lata de vinte, de manteiga, a gente ancorava com papelão. Cada um apanhava um pouquinho de farinha em casa e fazia uma grande lata de cola e colava a lata de... O surdo era a lata de vinte. A lata de manteiga de dez, a gente colava e era o repique. A lata de leite Ninho, a gente fazia um furo, metia um pedaço de capim e era dos cuiqueiros. Fazia o som da cuíca! A lata de leite condensado, a gente colocava pedrinha, era o chocalho. A lata de marmelada era o tarol. Então, nós fazíamos todos os naipes. Todos os naipes da bateria, nós fazíamos. E nós íamos disputar com o pessoal do Chalé, do Pendura a Saia. E, no meio do caminho, os caras chegavam para mim - o meu apelido era "rato do tamborim", porque eu sempre gostei de tocar um tamborim, essa coisa toda - e eles falavam assim: [imitando voz mais áspera] "Pô, Rato, estourou. Nós vamos perder para esses caras aí, otários do Pendura a Saia? Nós somos do Buraco! Vamos pegar os instrumentos da bateria!" "Ô rapaz, meu pai me mata. Vou pegar os instrumentos..." Instrumento era uma coisa cara, meu! Era uma coisa que era... No final, eles me convenciam, a mim e a meu irmão, e a gente ia lá e pegava os instrumentos; e o papai, quando chegava, chegava dando "bolachada", "pá!" que não ia falar mais com ele, essa coisa toda. Aí, papai ficou enlouquecido, comprou um instrumento para mim e para o meu irmão, de madeira e de couro. Só que quem tinha de couro era... Mas os outros não tinham. Se eu repenicava, meu irmão marcava. Se eu marcava, meu irmão fazia o repique. Mas o deles furava, eles contavam a mesma história. "Opa, e aí? Os caras vão tirar a gente de mané... Os caras lá do Pendura... O Buraco Quente, perder para...!" Porque a sede da Mangueira era dentro do Buraco Quente! "Vai tirar como de mané...!" A gente apanhava de novo os instrumentos... Aí, o mestre Valdomiro, não agüentando mais, mestre Valdomiro resolveu criar a bateria mirim. Ele pegou cinqüenta crianças do Pendura, do Chalé, da Candelária e coisa e tal. Nós tínhamos que tocar quatro instrumentos. E num, nós tínhamos que provar a ele que nós amávamos aquele instrumento. Um, tinha que dominar e provar para ele que você amava aquele instrumento. E, no final de um ano de ensaio, aquela coisa toda, ele me deixava com o tamborim, mexendo [faz com a mão como se sacudisse um tamborim], e eu falava: "Mestre, eu quero bater." "Que bater! Você tem que pegar punho, rapaz! Fica aí!" E a gente lá, uma hora balançando o tamborim e, se eu desse uma baquetada, ele dava logo uma baquetada na cabeça. Tinha que fazer o que ele mandava. E, no fim desse ano, ele escolheu trinta membros, pessoal do morro, e nós desfilamos pela primeira vez na frente da bateria da Mangueira. E nisso, já no ano seguinte, mais uns três anos, eu passei a ser o coordenador da bateria, onde ele me colocou. E o mestre, já muito velhinho, mestre Valdomiro, já muito velhinho, ele, cabelo branco, a perna dele mancava, puxava de uma perna, um ouvido maravilhoso, essa coisa toda... Mestre Valdomiro sempre falava para mim assim: [imitando voz rouca] "Ô Rato, quando eu morrer, eu quero as cuícas roncando atrás do meu caixão, hein! Olha o que eu estou te falando, hein!" Porque o meu pai era o presidente da ala da bateria, aquela coisa... Ele falava para mim. Eu me tornei músico, tinha um conjunto, um conjunto de samba. [...] Eu estava tocando profissionalmente; ele vinha assim e fazia assim [balançando lenta e alternadamente os braços abertos para cima e para baixo], como quem diz assim: "Eu quero o ritmo... Eu gosto é desse." Cabelo branquinho... E, num belo dia, mestre Valdomiro veio a falecer. E o Lula [Luiz Carlos Lourenço], que tocava surdo, falou assim: "Ô Rato, tem que botar as cuícas". Eu falei: "Não, não me esqueci, não!" Aí, convoquei o Chuchu da Cuíca [Osni Chuchu], convoquei o Nelinho, convoquei o Tião da Cuíca e, durante a noite, o velório dele foi dentro da quadra de ensaio. E as pessoas chegavam, os componentes agarravam o caixão e choravam; foi uma comoção danada, sabe? À noite toda, de manhã - às dez horas da manhã, era o enterro dele. Era o dia do enterro dele. Botei os cuiqueiros para chorar atrás do seu caixão. Só que, quando eu comecei, os componentes chegaram para mim: [imitando voz mais ríspida] "Ô Rato, olha aí, compadre, eu vou me aborrecer contigo, eu também quero me despedir do mestre! Por que o Chuchu pode se despedir? Por que o Nelinho..." Foi uma confusão que neguinho estava quase me batendo. O que aconteceu? Tivemos que abrir o compartimento onde guardavam os instrumentos e ele foi enterrado com 350 homens tocando atrás do caixão.

[risos]

Elmo José dos Santos: Entramos no cemitério com componentes da bateria chorando. E meu pai, quando chegou no túmulo, meu pai pegou o apito dele, deu ao Ximbico, que era da primeira bateria mirim, colocou no Ximbico e, com o apito do Ximbico, deu ao mestre. E o Ximbico se fez o primeiro mestre dentro do Cemitério do Caju. Então, é essa relação de amor e de paixão que existe dentro da nossa escola, que vai passando de pai para filho.

[...]: Fundamental.

Paulo Markun: Presidente, a vantagem que há de ter programa de televisão, em relação a desfile de escola de samba, é que programa de televisão tem intervalo. Nós vamos fazer um rápido e voltamos já, já.

[intervalo]

Paulo Markun: Bem, estamos de volta com o Roda Viva entrevistando Elmo José dos Santos, presidente da Estação Primeira de Mangueira, escola de samba do Rio de Janeiro, que, nesta hora aqui, deve estar desfilando na avenida. Elmo, você contou uma história superinteressante, superemocionante do enterro do mestre Valdomiro acompanhado por trezentos e tantos integrantes da quadra da escola de samba da Mangueira. Carnaval e escola de samba rimam muito com boemia, malandragem e, em um certo ponto, sensualidade. Qual é a melhor história que você tem de malandragem do tempo da Mangueira?

Elmo José dos Santos: Ah, rapaz, tem uma história que foi papai quem me contou. Que mestre Xangô - que hoje está com oitenta anos de idade, também, nosso mestre de harmonia até hoje...

Arley Pereira: [interrompendo] Senhor de todas as alas?

Elmo José dos Santos: De todas as alas. Mestre Xangô. E mestre Xangô...  A Mangueira teve uma saída para a França. Foi uma alegria. A primeira vez em que o povo ia andar de avião. Aquela coisa toda. E a Mangueira foi para lá, aquela coisa toda... E, chegando - na Itália, quer dizer -, lá na Itália estava um frio tremendo, os caras de vez em quando tomavam uns "mé" e coisa e tal... E o Zequinha, que era o mestre-sala, depois de tomar uns "mé", ficou meio "alegre". Ficou meio "alegre", e aquele hotel pomposo, o pessoal deslumbrado, aquela coisa, e ele começou a falar umas gracinhas para as cabrochas. E mestre Xangô não gostou e ele levantou a voz para mestre Xangô. Mestre Xangô deu-lhe uns tapas, deu-lhe uns tapas, pegou um bate-pronto e deu uns tapas no alto do Zequinha e coisa e tal e aí, o dono do hotel lá, o gerente chamou a polícia e a polícia já chegou junto para pegar geral. O Xangô, naquela malandragem dele, aquela coisa toda, o Xangô falou para o intérprete: "Não, não, aqui não está acontecendo nada!" É que, antes de a gente entrar e se apresentar e sambar, tem que ter um aquecimento. Quanto mais aquecer, mais o danado samba.

[risos]

Elmo José dos Santos: Isso foi uma coisa que aconteceu lá na Itália, com a Mangueira; e o Xangô lembra disso até hoje e o Zequinha, que faleceu... Realmente, ele deu uns tapas legal no Zequinha... E, na hora, na malandragem dele, ele disse que estava aquecendo; e, quanto mais aquecesse, mais o malandro sambava. E o guarda ainda bateu nas costas dele, como quem diz: "Aquece mais um pouquinho"...

[risos]

Ricardo Cravo Albin: Ô Elmo, você se referiu de soslaio e passou de raspão por um assunto que me parece extremamente interessante, que é o celeiro do sambista de amanhã, essa coisa muito bonita que é a Escola de Samba Mirim da Mangueira. Eu queria que você contasse aqui, para os telespectadores, o que é esse esforço e como ele é relevante - a observação é minha -, relevante não só para o samba como também para a consolidação dessa coisa que me parece absolutamente essencial, a própria amálgama, o sortilégio, a essência da alma da Mangueira, que é a comunidade. Não adianta qualquer escola se aventurar a ser igual à Mangueira se não tiver essa coisa essencial que é a comunidade que sustenta - além da tradição, é claro, que a Mangueira também preserva. Mas essa coisa da Escola de Samba Mirim, como é, quando sai o Carnaval?

Elmo José dos Santos: Ela vai sair neste ano, ela vai desfilar na sexta-feira. Era na terça; agora, passou para sexta-feira. Nós vamos sair com quase três mil crianças...

Paulo Markun: Quer dizer, quando o programa estiver passando, ela já terá desfilado, porque nós estaremos na segunda?

Elmo José dos Santos: É. Já terá desfilado. E tudo o que tem na Mangueira-mãe tem na Mangueira-mirim. A fundadora é a nossa querida Alcione, a minha guerreira, ela, que tem um carinho todo especial. E o mais importante: para sair na Mangueira do Amanhã, tem que passar de ano. Se não mostrar o boletim, não sai...

Ricardo Cravo Albin: [interrompendo] Quer dizer, não tendo notas na escola, não funciona?

Elmo José dos Santos: Tem que passar de ano, mesmo. Tem que chegar lá e mostrar o boletim - "Passei de ano!" - para desfilar. E isso é uma coisa que é tão importante para a Mangueira-mãe... Porque eu, por exemplo, que sou o presidente da escola, eu vim da bateria-mirim - quer dizer, fui discípulo do mestre Valdomiro -, o Marquinho veio da Mangueira do Amanhã, Giovanna, Mestre Russo - eu contei sua história - veio da Mangueira do Amanhã e hoje é o primeiro diretor de bateria da Mangueira-mãe. Vê o orgulho que as pessoas sentem. Isso, eu acho que é o grande sustentáculo da nossa escola. Porque, quando eu ainda era candidato a presidente da escola, eu deixei bem claro para dona Neuma, dona Zica, mestre Tinguinha, seu Hélio, Nelson Sargento, eu deixei bem claro para o delegado e falei assim: "Olha, eu só fico se a escola se unificar, senão eu estou fora." E, quando os velhões chegaram lá e ganharam a eleição, colocaram-me presidente da escola, o mestre Nelson Sargento, com a sua sabedoria, chegou perto de mim e falou assim: [falando mais pausadamente] "Olha, menino, presta atenção no que eu vou falar para você. A Mangueira é uma árvore frondosa. Ela tem raiz, ela tem tronco, ela tem galhos e dá frutos saborosos. Você, que está chegando hoje como presidente da Mangueira, nunca se esqueça de que, desta mangueira, você é apenas galho; e, por mais que os galhos cresçam, o tronco sempre será maior - e quem sustenta o tronco é a raiz." Eu nunca mais me esqueci disso, sabe? E hoje o meu trabalho é todo pautado em cima dos grandes mestres e baluartes da escola. Porque, dentre esses grandes mestres, tem as tias rezadeiras, como a tia Miúda, que cuida e dá conta; nós temos os baluartes, os fundadores da escola. Inclusive, tem uma mística muito grande [pela qual] um dos fundadores da escola, um desses sete fundadores, ninguém conseguiu retratar o rosto dele. Dizem que ele era o mestre que cuidava espiritualmente da nossa escola. E aconteceu um fato muito interessante. Dois anos atrás, Júlio Garcia... Nós fizemos um enredo sobre a Mangueira do Amanhã falando da fundação da escola. E pesquisa, pesquisa aqui, mas o Júlio cismou que se deveria fazer o rosto desse mestre, que é o mestre espiritual. E ele, dentro da sua cabeça, foi delineando, conversando e fez o mestre, a figura, fez um grande quadro, que está lá na Vila Olímpica. Quando vocês tiverem a primeira oportunidade, vocês vão ver. E passou seis meses e o Júlio Garcia morreu. É uma coisa muito estranha, sabe? Mas eu tenho certeza, conforme eu sei, que, no dia em que eu morrer, tem mestre que está ali para tomar conta e dar conta da nossa escola.

Ricardo Cravo Albin: Aliás, vale a pena registrar aqui que o nosso Elmo, que é o nosso entrevistado, foi o presidente da Mangueira no meio de uma crise de que a Mangueira saiu rejuvenescida. Aliás, prova, exatamente, do porquê da Mangueira ter todo esse encanto, esse sortilégio, esse background final que a sustenta e que a faz melhor e a mais tradicional escola de samba do Brasil. Ele assumiu numa crise e respeitou os velhos, respeitou toda a chamada Velha Guarda, a árvore frondosa da Mangueira a que o Nelson Sargento se referiu e que você respeitou e respeita.

Maria Amélia Rocha Lopes: Por quanto tempo você vai ser presidente? É um tempo determinado?

Elmo José dos Santos: Eu fiz o primeiro mandato de três anos e, nesse ano que passou [1998], eu acabaria meu mandato em abril. Mas não teve eleição, foi aclamação. Eles não quiseram colocar... A oposição não colocou uma chapa para concorrer. Ao mesmo tempo, me assustou...

Paulo Markun: Quem é que vota?

Elmo José dos Santos: Os associados da Mangueira...

Paulo Markun: Todos os associados.

Elmo José dos Santos: A Mangueira tem um quadro de sócios, a Mangueira, realmente, tem um quadro de associados muito grande. E a escola, de três em três anos, mesmo na época da repressão [durante o governo militar (1964-1985)], ela sempre escolheu seu presidente através do voto. Eu, quando assumi a escola, eu a assumi num momento muito feio da Mangueira, porque a escola não tinha mesa, a escola não tinha cadeira, a escola não tinha som, a luz estava cortada, o telefone estava cortado, não tínhamos nem os instrumentos nem para desfilar. Nós tivemos que pegar instrumentos emprestados da Mangueira do Amanhã para desfilar. E simplesmente mestre Xangô foi eliminado da escola, Jamelão foi proibido de gravar o samba, Alcione foi eliminada da escola...! [risos] Dona Neuma estava expulsa da escola, Hélio Turco foi eliminado da escola... Então, a escola estava totalmente dividida. A escola pagava um preço muito alto por isso. Pagava um preço muito alto por isso. E, graças a Papai do Céu...

Ricardo Cravo Albin: [interrompendo] Nome aos bois. Quem é que fez isso tudo?

Elmo José dos Santos: Ô, rapaz, eu acho que foram vários dirigentes que passaram e não cuidaram da raiz da escola...

Paulo Markun: O primeiro enredo seu foi o "Tom da Mangueira"? [referência ao samba-enredo "Se todos fossem iguais a você", de Hélio Turco, Jurandir e Alvinho, em homenagem a Tom Jobim, de 1992, quando o maestro apareceu tocando piano sobre um dos carros alegóricos da Mangueira no desfile de Carnaval]

Elmo José dos Santos: Não. Foi um falando do Maranhão.

Paulo Markun: Maranhão.

Elmo José dos Santos: Falando muito do Maranhão. "[Os tambores da Mangueira na] terra da encantaria" [de Chiquinho Campo Grande e Mercondes, de 1996 - isto é, foi o primeiro samba-enredo com Elmo como presidente da Mangueira].

[sobreposição de vozes]


Arley Pereira: Quem fez isso foi o "samba-funk".

Elmo José dos Santos: O "samba-funk"?

Arley Pereira: É. [risos]

Albino Pinheiro: Talvez seja interessante, considerando que este programa tem uma divulgação nacional, a gente falar um pouco sobre as formas de arrecadação do Rio, porque elas são um pouco mais abrangentes do que as de São Paulo. Porque, no Rio de Janeiro, as escolas de samba têm participação na venda dos discos, tem participação - que é fundamental - dos meios de comunicação etc etc etc.

Elmo José dos Santos: Isso é verdade...

Albino Pinheiro: E tem uma coisa que eu acho que em São Paulo não pode se comparar, que é o público dos ensaios da escola de samba, que, neste ano, voltaram com uma força que há muitos anos não acontecia.

Elmo José dos Santos: É verdade. Muita gente bonita...

Albino Pinheiro: Quantos por cento está representando aquela quadra em que a gente não pode entrar? Só depois de 5 horas da manhã, não é?

Elmo José dos Santos: Eu tive a felicidade de, duas semanas atrás, uma e meia da manhã eu ter fechado o portão. Mandei fechar porque não cabia mais ninguém lá dentro e um público...

Arley Pereira: [interrompendo] Qual era a capacidade?

Elmo José dos Santos: Um público... Seis mil pessoas... um público bonito dentro da nossa quadra que voltou a freqüentar...

Albino Pinheiro: [interrompendo] Voltou exatamente pelo ressurgimento desses valores tradicionais...

Elmo José dos Santos: É verdade. Isso é verdade.

Sergio Roveri: O senhor acha que a vitória do ano passado teve alguma importância nisso, presidente, pelo fato de a Mangueira ter sido campeã?

Elmo José dos Santos: Eu acho que na organização da escola. É você chegar na Mangueira e você vê delegado dançando no meio da quadra, você vê dona Neuma, você vê dona Zica, mestre Tinguinha, mestre Zé Ramos...

Albino Pinheiro: [interrompendo] Só está faltando samba de terreiro, não é?

Elmo José dos Santos: Entende? Isso aí é um projeto que, se Papai do Céu me ajudar, eu pretendo que se realize ainda neste ano...

Albino Pinheiro: [interrompendo] Isso só vai valorizar o ensaio, não é?

Elmo José dos Santos: Eu fiz uma experiência um mês e pouco atrás. O Alvinho [Álvaro Caetano], inclusive, está aqui, meu diretor de eventos. Nós escolhemos quatro sambas - de Zagaia [Jorge Izidoro da Silva], Jorge Pelado [Jorge Alves de Oliveira] - e cantamos na quadra e foi um negócio legal. E nós pretendemos... Inclusive, eu estou tendo contato com alguns empresários, porque nós queremos fazer um festival de samba de terreiro.

Albino Pinheiro: Maravilha...

Elmo José dos Santos: Sabe, um festival de samba de terreiro bem abrangente. Eu acho que isso vai ser um negócio muito real...

Albino Pinheiro: Não tenha a menor dúvida. Só aquela pergunta que eu lhe fiz: já é fundamental para a responsabilidade da escola a renda que vem do ensaio? Já representa alguma coisa?

Elmo José dos Santos: Representa. Para você ter uma idéia, eu vou dizer um número para você. A Mangueira, no ensaio passado, faturou 48 mil.

[...]: Num ensaio?

Elmo José dos Santos: Num ensaio. Faturou 48 mil. Num ensaio. Agora, a Mangueira tem uma coisa, a Mangueira tem a grande responsabilidade, primeiro, nos trabalhos sociais; segundo, porque a gente investe na Mangueira do Amanhã, também. Então, na verdade, a Mangueira coloca dois carnavais na avenida, não é? E, no dia-a-dia, é remédio, é tudo o que você possa imaginar, enterro... Eu digo que a Mangueira é o quintal da comunidade. E tudo acontece lá no quintal.

Albino Pinheiro: Acho que uma informação interessante para o telespectador é saber quanto está o montante do Carnaval. Um milhão e meio?

Elmo José dos Santos: Um milhão e meio.

Albino Pinheiro: Um milhão e quinhentos mil...

Elmo José dos Santos: Contando com a Mangueira do Amanhã.

Sergio Roveri: Para colocar a Mangueira na avenida?

Mauro Dias: Esse dinheiro vem em parte do governo e em parte da mídia? Como é que funciona?

Elmo José dos Santos: Ele vem da Liesa. Nós recebemos da Liesa, hoje, em torno de 580 mil. O restante tem que buscar. A Mangueira é uma escola que é muito solicitada para fazer vários shows, mas o grande pulo que a Mangueira dá, o grande pulo do gato da Mangueira é que a Mangueira usa a Lei Rouanet e todas as empresas que trabalham com a Mangueira ajudam com alguma coisa. Às vezes, com material, às vezes com a cota... Porque nós temos um projeto lá que é chamado Projeto CAMP-Mangueira, Círculo [de Amigos] do Menino Patrulheiro. Essas crianças - 180 criancas -, de três em três meses aprendem toda a geografia do Rio de Janeiro, têm reforço de matemática, de português, aprendem informática, aprendem como pagar duplicata, a lidar com o público. E nós temos um convênio com 62 empresas e, no final desse curso, nós fazemos uma grande solenidade e elas vão direto para o mercado de trabalho. E essas empresas são parceiras da Mangueira no seu dia-a-dia. É assim que a Mangueira faz...

Mauro Dias: [interrompendo] Isso existe há quanto tempo, funcionando assim?

Elmo José dos Santos: Isso já está desde que eu comecei, [desde que] assumi a presidência.

[...]: Há quatro anos.

Elmo José dos Santos: E aqui o governador de São Paulo, Mário Covas, que é um mangueirense de carteirinha, abriu muitas portas para a nossa escola. Eu acho que ele tem o mesmo espírito da Mangueira, um espírito guerreiro, quer vencer todas. Eu costumo dizer que na Mangueira não tem bola perdida. Se você chegar perto de mim e: "Olha, tem um amigo que vai visitar", não interessa, se ele não ajudar a Mangueira, no mínimo ele vai sair admirador da nossa escola. Não existe bola perdida. E, aqui em São Paulo... Eu queria até aproveitar a audiência do programa para agradecer aos empresários porque muitas pessoas... Agora eu estou fazendo um show no Olímpia e fiz no Canecão em meio à crise que se abateu no país com esse negócio do dólar. Muitos amigos chegaram perto de mim: "Elmo, isso não é hora de fazer esse show, os empresários não vão ajudar." Muito pelo contrário. O show no Canecão esgotou. Aqui no Olímpia foi maravilhoso. Então, eu só posso agradecer aos empresários que acreditaram no trabalho, que são os padrinhos, os verdadeiros padrinhos da nossa Mangueira, e pedir a São Sebastião, a Nossa Senhora da Conceição e ao nosso São Jorge Guerreiro, que são os padroeiros da Mangueira, que derramem toda a bênção em cima de todos eles, porque os afilhados deles com certeza cresceram.

Mauro Dias: Tem uma última coisa, que é a questão do financiamento. A eventualidade da legalização do jogo do bicho pode alterar - talvez, para Mangueira, nem tanto -, alterar a maneira como o Carnaval do Rio de Janeiro está desenvolvido?

Elmo José dos Santos: Eu acho que não. Acho que não tem nada a ver.

Maria Amélia Rocha Lopes: Elmo, por favor. Eu queria que você se lembrasse de qual foi o momento mais triste da sua vida com relação à Mangueira, à sua história dentro da Mangueira, e o momento que você considera o mais maravilhoso da sua vida? Sempre relacionado à escola.

Elmo José dos Santos: [falando de forma ainda mais pausada e calma do que de costume nesta entrevista, desta vez transparecendo emoção] Para mim, a maior felicidade que eu já tive, em todos os tempos, foi que, um dia, eu entrei dentro da quadra da Mangueira, quando eu assumi a presidência, com 22 baluartes, o mais novo com 76 anos de idade, de mãos dadas com eles, ele me puxando, mostrando a união da nossa escola. Eu chorava de soluçar, porque eu sou um vibrador nato - eu sou nascido e criado dentro de Mangueira e eu amo minha escola de paixão. E eu acho que, na nossa escola, hoje, diante das cores da Mangueira - do rosa, que representa o amor, e do verde, que representa a esperança -, hoje com certeza, a família mangueirense pode bater no peito e dizer que somos amor, somos esperança, somos Mangueira até morrer.

Paulo Markun: E o mais triste?

Maria Amélia Rocha Lopes: E o momento triste?

Elmo José dos Santos: O momento triste... Eu acho que os momentos tristes acontecem toda hora; mas, neste ano, por exemplo, nós perdemos dois baluartes. Mestre Zizinho, um dos fundadores da bateria. E Chiquinho Modesto, grande compositor. Nós os perdemos e perdemos uma grande baiana, também. E é uma tristeza muito grande você ver aquelas pessoas que são mitos dentro da escola, que têm carro especial, que nós chamamos de "carro dos grandes baluartes" da escola. E é uma tristeza muito grande porque você sabe que aquelas pessoas, no momento mais difícil, são pessoas que dão aconselhamento. Mas, ao mesmo tempo, a gente se conforma porque, com certeza, eles estão juntos lá com mestre Cartola... com Marcelino... Babaú... E, com certeza, eles estão lá pedindo ao Papai do Céu para jogar toda energia em cima de todos nós. É uma tristeza muito grande quando falece um mestre da escola. É uma coisa que machuca; mas machuca demais não é só o presidente, não: machuca a nação, porque é uma nação muito apaixonada.

Maria Amélia Rocha Lopes: Agora, isso não dá uma força redobrada para a Mangueira, quando ela entra na avenida?

Elmo José dos Santos: Com certeza, isso aí... Na avenida, quando Jamelão começa a cantar "Mangueira, teu cenário é uma beleza"... Eu sou um presidente que sabe tudo o que vai acontecer. Eu sei tudo o que vai acontecer, não tem surpresa para mim. Mas, quando ele começa a cantar, as lágrimas começam a descer, descer, descer, descer e...

Ricardo Cravo Albin: Elmo, você fala em Jamelão e fala em cantar. Eu quero fazer um pergunta que, evidentemente, está na boca de muita gente - na minha, acho também na sua [apontando enfaticamente para Elmo], de muita gente aqui, de quase todos nós -, que é o problema do canto dentro da escola. O que a gente vê é que a sedução da Mangueira é muito grande. As pessoas querem desfilar e muitas vezes desfilam sem se preparar. Por que essa infelicidade das pessoas desfilarem sem se preparar? Muitas vezes, as câmeras focalizam - na televisão a gente vê isso - todo mundo tentando cantar, o puxador, nosso Jamelão e tal, e boa parte dos desfilantes ali amorfos sem sequer cantar o samba. Muitos não sabem dançar. Quer dizer, o que é que se pode fazer para se corrigir esse - claro que é um - defeito técnico dentro da escola?

Elmo José dos Santos: Isso aí tem um jeito, ô Ricardo. Isso aí, era colocar... Eu, quando assumi a escola, não tinha nem 10% da comunidade desfilando. Hoje, eu estou vestindo 1800 componentes dos pés à cabeça. E a idéia é, no ano que vem, arrumar parceria através da Lei Rouanet, arrumar outras empresas parceiras e dobrar esse número de componentes. Porque o chão da Mangueira é a comunidade. O forte da Mangueira é o chão que ela tem, é o chão que ela sempre teve...

Ricardo Cravo Albin: [interrompendo] Mas, se você dobra os componentes, o que vai acontecer com o tamanho, o gigantismo da escola? A escola vai ficar com seis, sete mil componentes...

Elmo José dos Santos: [interrompendo] Não vai acontecer isso, porque, cada vez mais, a escola está assumindo as suas alas. Por exemplo, neste ano, na minha gestão, a escola já tem cinco alas, fora as alas da comunidade...

Ricardo Cravo Albin: [interrompendo] Mas você concorda que o gigantismo é um perigo e um perigo muito grande...

Elmo José dos Santos: É um perigo muito grande, é um perigo muito grande. E hoje a Mangueira tem um cuidado todo especial com isso. Nós temos o Conselho de Carnaval, que visita os ateliês. Os ateliês são indicados pelo Conselho de Carnaval. Já não é aquele negócio de "cada um tem sua costureira"... Isso já acabou. Esse tempo já terminou, porque hoje tem que se preparar. Tu perdes o Carnaval em fração de segundos. Perfeito?

Sergio Roveri: Existe um público limite? Quer dizer, a escola pode sair com até tantos componentes e, a partir daí, fica inviável? Ou não?

Elmo José dos Santos: Se você passar de 4500, o negócio já fica meio... Já fica difícil...

Sergio Roveri: Ah, fica, sim...

Paulo Markun: Elmo, uma última pergunta aqui, relativamente rápida, porque o nosso tempo está acabando. O Carnaval é uma enorme engrenagem no Brasil - no Rio de Janeiro, particularmente -, um esforço que envolve milhares e milhares de pessoas, um espetáculo que é visto no mundo inteiro, e ele acontece uma vez por ano, só. O senhor acredita que é possível existir uma outra estrutura em que o Carnaval se repita ou que haja algum tipo de utilização melhor desse esforço coletivo?

Elmo José dos Santos: Eu bato sempre nessa tecla. Eu acho que eu sou o cara mais chato dentro da Liga das Escolas de Samba, porque eu bato nessa tecla: eu acho que tem que haver uma parceira maior do poder público, porque não cabe na cabeça de ninguém você fazer uma alegoria que custa rios de dinheiro para você passar pelos oitenta minutos na avenida. Não ter um museu em que os turistas possam visitar durante o ano todo. Pegar as férias do povo lá de fora, especialmente os europeus, e poder fazer um Carnaval no meio do ano. Mas isso tudo depende muito do poder público, sabe? Depende muito do poder público. Essa que é a grande verdade. E eu bato nessa tecla; nisso aí, eu bato nessa tecla da parceria do poder público. Não cabe na cabeça de ninguém que a rede hoteleira que se beneficia do Carnaval - se beneficia, é verdade! - não entre com um tostão para o Carnaval. Isso está tudo errado! Entendeu? Está tudo errado! Eu acho que todos tinham que participar. Isso é engrandecer cada vez mais o Carnaval do Rio de Janeiro. Traria mais divisas para o nosso estado, para a nossa cidade. E, infelizmente, eu ainda não vi uma participação efetiva disso. E toda vez que em eu tenho a oportunidade de falar, eu procuro bater nessa tecla. E eu estava até conversando com o Ricardo e com o Albino que neste ano nós vamos fazer o enredo dos quinhentos anos [do descobrimento do Brasil] e o prefeito chamou as escolas de samba e pretende fazer uma parceria fora daqui, que já se faz todo ano dando um dinheiro a mais para as escolas de samba para incrementar esse trabalho. E a Mangueira, neste ano, está revivendo o Bloco dos Arengueiros - que foi o que fundou a nossa escola, que foi onde a nossa escola surgiu, o bloco dos Arengueiros - e nós vamos fazer um grande Carnaval de rua. Eu espero que nós possamos sensibilizar a rede hoteleira e que eles possam também colaborar para que o Rio de Janeiro fique ainda mais lindo.

Paulo Markun: Elmo, você falou em bater nessa tecla. Eu vou terminar o programa de um jeito que normalmente o programa não termina. Normalmente, eu me despeço do público e chamo o pessoal para a próxima semana, sempre às dez e meia da noite. Neste caso, eu vou pedir para você bater um tamborim que a gente arrumou aqui para você. E a gente termina o programa...

[risos]

Elmo José dos Santos: Oh... Que beleza! Que beleza ! É comigo mesmo!

[Mauro Dias lhe entrega o tamborim e a baqueta]

[Elmo toca o tamborim, sorrindo, durante um minuto, com uma introdução seguida de um gostoso ritmo de samba]

[aplausos]

Elmo José dos Santos: Obrigado.

Paulo Markun: Uma boa noite para você, uma boa semana e um bom fim de Carnaval. E até a próxima segunda-feira, sempre às dez e meia da noite. Até lá!

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