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Lillian Witte Fibe: Boa noite. Presidente da mais alta instância de justiça no Brasil, ele se tornou um dos personagens centrais de episódios e polêmicas que agitaram a vida institucional do país este ano. Denúncias de corrupção, vazamentos de informações, grampos telefônicos, investigações e prisões feitas pela Polícia Federal causaram disputas e conflitos entre órgãos oficiais, autoridades e funcionários federais. Falou-se em crise entre poderes e até na necessidade de uma reforma institucional. No fundo das controvérsias, uma questão recorrente: o respeito à Constituição e ao estado de direito democrático. O Roda Viva entrevista hoje o chefe do poder judiciário brasileiro, o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal e presidente também do Conselho Nacional de Justiça. A gente volta em trinta segundos.
[Vinheta do programa]
Lillian Witte Fibe: O mandato do presidente do Supremo Tribunal Federal é de dois anos. Gilmar Mendes tomou posse em abril. De lá para cá, presidiu sessões sobre assuntos complexos e delicados.
[Vídeo. Imagens de Gilmar Mendes, seu gabinete, terras indígenas, entre outras. Narração de Valéria Grillo]
Gilmar Mendes esteve à frente de votações e audiências públicas que alteraram aspectos fundamentais da legislação, como a que liberou estudos de células-tronco embrionárias em pesquisas, a que julgou a constitucionalidade da lei que proíbe a comercialização de amianto, a regulamentação da fidelização partidária e a decisão sobre o aborto de fetos anencefálicos, além da sessão sobre a demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol. Polêmico em algumas afirmações, Gilmar Mendes já defendeu a redução do poder de investigação dos procuradores federais, o foro privilegiado para autoridades, e declarou que o uso de algemas é incompatível com o estado de direito. Ele também reclamou da proliferação de grampos pelo país, da escuta que teria sido realizada em seu gabinete, e falou sobre a ameaça de um estado policial. Recentemente, Gilmar Mendes questionou a edição excessiva de medidas provisórias que trancam a pauta do Congresso e envolveu-se em outra polêmica com a questão da anistia, quando afirmou que o crime de terrorismo também não prescreve. No ano passado ele acusou a Polícia Federal de empregar métodos que classificou como fascistas, após o vazamento de informações que tramitavam em segredo de justiça como resultado da Operação Navalha [operação da Polícia Federal brasileira realizada em 2007, que investigou esquemas de corrupção relacionados à contratação de obras públicas feitas pelo governo federal em nove estados (Alagoas, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Goiás, Mato Grosso e São Paulo) e no Distrito Federal]. O ministro Gilmar Mendes também recebeu críticas porque o banqueiro Daniel Dantas, acusado de corrupção ativa e crimes financeiros, foi preso duas vezes na esteira da Operação Satiagraha [operação da Polícia Federal brasileira iniciada em 2004 contra o desvio de verbas públicas, a corrupção e a lavagem de dinheiro, que resultou na prisão de vários banqueiros, diretores de banco e investidores, em 8 de julho de 2008, determinada pela 6ª Vara da Justiça Federal em São Paulo] e em ambas as oportunidades libertado por habeas corpus [garantia constitucional em favor de quem sofre violência ou ameaça de constrangimento ilegal por autoridade legítima, em sua liberdade de locomoção] concedidos pelo presidente do STF [Supremo Tribunal Federal]. Gilmar Ferreira Mendes nasceu em Diamantino, no Mato Grosso, dia 30 de dezembro de 1955, é graduado em Direito pela Universidade de Brasília e concluiu doutorado na Alemanha. Ele tornou-se especialista em Direito Constitucional e já escreveu diversos livros e artigos sobre o tema. Em 1985 ocupou o cargo de procurador da República, atuando em processos do Supremo Tribunal Federal. Entre 1996 e 2000 foi sub-chefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência e logo depois, por dois anos, chefe da Advocacia Geral da União. Nomeado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, Gilmar Mendes tornou-se ministro do STF em 2002 e em abril deste ano sucedeu na Presidência do STF a ministra Ellen Gracie [(1948-), jurista brasileira que presidiu o STF entre 2006 e 2008]. O ministro tem pela frente o desafio de modernizar a Justiça e torná-la mais rápida, acelerando os processos judiciais.
[Fim do vídeo]
Lillian Witte Fibe: Para entrevistar o ministro Gilmar Mendes a gente convidou o Carlos Marchi, repórter e analista de política do jornal O Estado de S.Paulo; Reinaldo Azevedo, articulista e blogueiro da revista Veja; Eliane Cantanhêde, colunista do jornal Folha de S.Paulo, e Márcio Chaer, editor do site Consultor Jurídico. Laís Duarte, aqui da TV Cultura, vai ser hoje a sua porta voz. Ela seleciona e faz ao ministro as perguntas que você, telespectador, está mandando para a gente pelo telefone 11-3677-1310 ou pelo nosso site tvcultura.com.br/rodaviva. Ah! O Paulo Caruso também está aqui já esboçando suas inspiradas ilustrações sobre o programa. Três usuários do comunicador Twitter, aquele da troca de pequenas mensagens por celular e e-mail, põem na internet observações sobre a entrevista. Para ver o que eles escrevem é só entrar nos endereços que aparecem na tela. E o Roda Viva também está no Twitter. Para seguir a gente é só clicar follow no endereço twitter.com/rodaviva.
Lillian Witte Fibe: Boa noite, ministro.
Gilmar Mendes: Boa noite, Lillian.
Lillian Witte Fibe: Obrigada pela sua presença. Ministro, a pergunta que não quer calar, antes de tudo: qual a sua opinião sobre as acusações feitas contra o senhor, de que aquela suposta conversa entre o senhor e o senador Demóstenes Torres [(1961-), foi eleito senador em 2002, concorreu ao governo de Goiás em 2006 pelo DEM mas obteve apenas 3,5% dos votos. Desde fevereiro de 2009 é presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado] não teria existido, sequer teria sido gravada? Porque, afinal das contas, as fitas com a suposta gravação jamais apareceram.
Gilmar Mendes: Na verdade, Lilian, essa é uma irresponsabilidade. Trata-se de uma irresponsabilidade. Eu conversei com Demóstenes e abri inclusive as informações para a Polícia Federal, no meu gabinete. Demóstenes me ligou por conta dos episódios relativos ao pedido de impeachment feito por supostos procuradores aqui em São Paulo, e ele então me prestava solidariedade, e introduziu o assunto. Tempos depois eu recebi a visita de um repórter da Veja que me apresentou aquele texto, e eu entendi que realmente aquilo foi objeto das nossas conversas. Não me cabe realmente demonstrar se existe ou se não existe áudio.
Lillian Witte Fibe: Mas o áudio até hoje nada, né?
Gilmar Mendes: Sim, não me cabe também... quer dizer, eu sou vítima nesse processo, agora tenho que apresentar áudio? Quer dizer, eu tinha escutado de uma desembargadora que estava havendo monitoramento no meu gabinete a partir de decisões da 6ª Vara, daqui de São Paulo. Eu tinha ouvido essas informações que inclusive invadiram o Supremo Tribunal Federal. Na fita, nesse diálogo com a Polícia Federal e esse delegado, aparece a história de que se estava fazendo uma operação de inteligência no gabinete do Supremo Tribunal Federal. Portanto, há indícios suficientes de que se estava fazendo algo em torno do Supremo Tribunal Federal.
Lillian Witte Fibe: E não foi o Supremo que vazou para a Veja o ofício reservado, que é de autoria da Secretaria de Segurança do Supremo, sobre um suposto grampo no Tribunal?
Gilmar Mendes: Eu não sei quem vazou. Agora, isso não tem a menor relevância, porque essa é uma pesquisa que nós fazemos há muito tempo. Antes mesmo desse episódio nós já tínhamos tido outra discussão, que foi divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral. A rigor, isso não tem nenhuma relevância. Isso é um papel interno do Supremo Tribunal Federal para o nosso uso interno. Já havia comentários no Brasil todo de que o Tribunal estava sendo monitorado. Eu mesmo fora advertido - como eu já disse - por uma desembargadora de São Paulo, de que o meu gabinete estava sendo monitorado a partir de controles feitos aqui por esse delegado e pela 6ª Vara.
Reinaldo Azevedo: Para que fique muito claro, para que essa questão fique muito clara, tenta-se colocar sob suspeita a existência ou não desse grampo. Então, para que o telespectador entenda: esse grampo só não existiu se e somente se a revista Veja, em conluio com o presidente do Supremo [Gilmar Mendes] e com o senador de estado [Demóstentes Torres], tivessem inventado a existência do grampo. Não há outra alternativa. Então, quem quer colocar o grampo sob suspeita, o grampo que a Veja revelou e denunciou, vai ter de sustentar que a revista participou de uma conspirata. Como não tem coragem de afirmar isso, então coloca-se sob suspeita a existência ou não do grampo. Posto isso, pergunto: cabe ao senhor entregar a fita? Agora o senhor é responsável pela entrega de provas?
Gilmar Mendes: Essa é a coisa estranha, Reinaldo, nesse processo. Agora o áudio cabe ao eventual atingido produzir. Quando nós ouvimos, e ouvimos recentemente - os senhores têm a fita desse diálogo entre o delegado e a direção da Polícia Federal -, que o Supremo Tribunal Federal estava sob uma operação de inteligência, que operação de inteligência era essa? Vamos encerrar. Isso é, na verdade, uma leviandade que se comete contra um senador e o ministro presidente do Supremo Tribunal Federal. Vamos parar com isso, vamos ter um pouco de responsabilidade.
Eliane Catanhêde: Agora, ministro... Desculpe.
Carlos Marchi: Está no auge, entrou numa polêmica a partir dos votos que o senhor concedeu, em que o senhor concedeu habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas. Evidentemente, o senhor não tem que explicar de público os seus votos, mas, para que a audiência do Roda Viva entenda, eu queria que o senhor explicasse por que o senhor concedeu dois habeas corpus ao Daniel Dantas?
Gilmar Mendes: Inicialmente, há uma desinformação nessa questão. Esse habeas corpus foi pedido, fala-se que foi um habeas corpus per saltum, brincaram dizendo que era um habeas corpus canguru. Esse habeas corpus foi inicialmente pedido a partir de uma matéria publicada pela Folha de S.Paulo que dizia que o banqueiro seria preso, matéria de Andréa Michael, da Folha de S.Paulo. Foi pedido então o habeas corpus perante o Tribunal Regional Federal. Foi negado inicialmente pela relatora. Foram então ao STJ [Supremo Tribunal de Justiça], [e o pedido] também negado, embora dissesse que ele tinha direito a ver os autos, e foi ao Supremo Tribunal Federal. Em onze de junho, esse processo foi distribuído ao ministro Eros Grau [(1940-), jurista brasileiro]. O ministro Eros Grau pediu informação. Essas informações lhe foram negadas, isso ele disse no julgamento, porque o juiz entendia que não devia prestar informações, porque o processo era sigiloso. Depois vem a prisão, os interessados pedem que o processo vá à presidência do Supremo Tribunal Federal, eu peço informações, examino os autos e defiro a liminar, primeiro para que fosse dada a vista dos autos e depois defiro a liminar para que se assegurasse a liberdade ao banqueiro. Isso às 11h30 da manhã, salvo engano, [corrigindo-se] às 11h30 da noite, salvo engano, 23h30 do dia nove de julho, nove de julho. O banqueiro foi solto às 9h da manhã e às 2h [da tarde] foi preso de novo. Certamente, a ordem de prisão, um novo pedido, tudo isso estava sendo gestado entre a noite e a madrugada, e aí veio um novo pedido de habeas corpus, dizendo que havia novos fundamentos. Fiz novo exame e verifiquei que não havia novos fundamentos, e isso o Tribunal já confirmou por nove votos a um. Portanto, não há mais o que dar de explicação.
Eliane Cantanhêde: Ministro, eu queria fazer uma pergunta de leiga, uma pergunta despretensiosa. O que é mais pernicioso? Quem é mais pernicioso para a sociedade brasileira? Um menino, um rapaz, de 18 anos, que não tem passado criminal, que tem endereço certo e que tenta roubar uma correntinha de ouro de uma autoridade federal que está passeando na praia, uma moça que picha o muro da Bienal, ou um banqueiro que é suspeito de crime financeiro e que, ao mesmo tempo, tem dois assessores diretos que foram filmados tentando subornar autoridades e obstruir a Justiça? Quem é mais pernicioso para a sociedade?
Gilmar Mendes: Eu não vou responder a essa sua pergunta, Eliane, porque o que você quer dizer, e você já disse isso num artigo, um artigo chamado “Cordãozinho de Ouro”, querendo me imputar a responsabilidade por conta de alguém que ficou preso porque me atacou. Não tenho nada com isso, não fui eu quem decidiu o habeas corpus. Cabe à polícia tomar as providências e o juiz decidir. Quanto a esse juízo, vai ser resolvido nas suas instâncias decisivas. Não me cabe decidir. Cabe a mim decidir é sobre os casos concretos que me chegam e aí examinar os pressupostos, as condições de prisão preventiva, se de fato eles estão presentes e tão somente isso. Agora, claro que nós estamos hoje, por exemplo, no CNJ [Conselho Nacional de Justiça], fazendo essa campanha para que haja uma regularização das prisões provisórias. Nós temos abusos de prisões provisórias e eu estou denunciando isso. Então, a rigor, fazer juízo se alguém está preso positivamente ou negativamente não me cabe.
Eliane Cantanhêde: Agora, ministro, no seu primeiro habeas corpus no caso do Daniel Dantas, o senhor - foi uma coisa polêmica -, mas o senhor teve apoios e o senhor teve críticas. Mas no segundo habeas corpus, em que você já tinha a gravação, a tentativa de suborno e aquele mais de um milhão na casa de um dos envolvidos, o senhor fez um habeas corpus dizendo que eram alusões genéricas e argumentos especulativos. Uma fita gravada e aquela montanha de dinheiro, ministro, são só alusões especulativas, alusões genéricas e argumentos especulativos?
Gilmar Mendes:Os mesmos fatos já eram conhecidos no primeiro habeas corpus, os mesmos fatos. Tanto é que aparecem histórias muito gozadas. Por exemplo, há documentos adicionais, encontrar com juízes para providenciar influências ou coisa do tipo, uma anotação do [...]. Alguém acredita nisso? Alguém com alguma seriedade acredita nisso?
Laís Duarte: Ministro, o Nonato Amorim, de Blumenau, Santa Catarina, pergunta: “O senhor daria um terceiro habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas?”.
Gilmar Mendes: Eu tenho que examinar. Eu não decido a partir de questões abstratas e eu não olho se é um banqueiro ou se é um sargento da aeronáutica acusado de homossexualismo. A rigor, eu examino os casos concretos.
Reinaldo Azevedo: Ministro, não teria sido mais prudente, pensando, uma vez que a questão estava sob especulação, que o senhor tivesse, por exemplo, decidido não dar o segundo habeas corpus?
Gilmar Mendes: Não, porque, na verdade, Reinaldo, o segundo habeas corpus era resposta a um desafio que se fazia ao Supremo Tribunal Federal. Os fundamentos eram os mesmos e isso o Supremo Tribunal Federal reconheceu expressamente agora, nesse julgamento, por nove a um. Ou o Supremo Tribunal Federal está brincando? A rigor, o juiz já conhecia todas essas condições. Então, não havia por que negar. Agora, qual era o propósito? O propósito era notoriamente desmoralizar o Supremo Tribunal Federal, como já havia sido feito em outras circunstâncias.
Reinaldo Azevedo: Esse propósito era do juiz Fausto De Sanctis [(1965-), responde pela 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo e foi o responsável pelas prisões da Operação Satiagraha, da Polícia Federal, na CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas]?
Gilmar Mendes: Não interessa.
Reinaldo Azevedo: O senhor falou em desafio...
Gilmar Mendes: Na verdade, havia uma articulação para desmoralizar o Supremo Tribunal Federal, e as manifestações no julgamento não deixam dúvida disso. Nove ministros manifestaram e muitos deles, inclusive, pela punição do juiz, por conta dessa situação. Ora, eu concedi o habeas corpus às 23h30, às 9h o juiz já notificava, já mandava notificar o banqueiro para um depoimento às 2h da tarde. Os senhores não acreditam que os despachos já estavam sendo realizados nessa noite? A impressa publicando que havia um drible da vaca [referência a uma manobra talentosa e eficiente, em que o jogador passa a bola por um lado do adversário que o marca e a recupera pelo outro lado] dado por um dado delegado, como se algum delegado tivesse a capacidade jurídica de dar drible da vaca em algum ministro do Supremo.
Márcio Chaer: Agora, ministro, há quem acredite que se pode comprar uma operação da Polícia Federal. Então, um empresário quer derrubar o seu concorrente, ele vai e vai na lojinha lá do doutor Lacerda, compra meia dúzia de grampos, dez pedidos de preventiva, dois Protógenes [Protógenges Queiroz (1959-), delegado da Polícia Federal brasileira que comandou a Operação Satiagraha, desde seu início até o dia 14 de julho de 2008, quando foi afastado], né? E uma operação. O senhor tem sido alvo de ataques de blogs, com patrocinadores secretos, porque não tem assinatura, também não tem publicidade, mas as pessoas estão lá 24 horas por dia, o ano inteiro, escrevendo sobre o mesmo assunto, que é a guerra das teles [disputa de mercado por empresas de telecomunicações no Brasil], né? Quando o senhor se referiu às milícias que se formam, o senhor incluiu aí os jornalistas de aluguel que o senhor mencionou numa outra entrevista? E, se incluiu, eu quero saber: tecnicamente, seria possível incluir jornalistas nas acusações de formação de quadrilha, nesses escândalos todos que nós temos visto e [em] que o jornalista é sempre visto como um espectador? Mas aí no caso há indícios de que não são apenas espectadores. Pode-se incluir jornalistas numa formação de quadrilha?
Gilmar Mendes: Márcio, eu não cogitei... quando eu falei da milícia, na verdade eu estava falando desse consórcio que eu venho denunciando entre delegado, procurador e juiz. Todos já sabem o resultado e o juiz perde a sua função de órgão de controle. Já se sabe que vai ser feito um pedido, que o Ministério Público vai opinar favoravelmente e que o juiz vai deferir. A isso me referi... nós podemos evoluir para uma milícia, com riscos para as liberdades em geral. Se há consórcio, se há participação de jornalistas, isso pode haver, isso, na verdade, não estava na minha cogitação quando falei. Claro que pode haver abusos nessa seara, como nós sabemos.
Reinaldo Azevedo: Ministro, o senhor hoje, numa solenidade, voltou a defender o princípio do habeas corpus. Nós estamos num mês e num ano emblemático nesse sentido, porque quarenta anos do AI-5, dia 3 de dezembro, quando uma das características principais foi justamente a suspensão do habeas corpus, não é? E eu chego à conclusão de que o habeas corpus bom é aquele que é dado para os meus amigos, para as pessoas com as quais eu concordo e para as pessoas que estão ao lado das teses que eu defendo. E o habeas corpus ruim, evidentemente, é aquele que é dado para os meus inimigos e para as pessoas de quem eu descordo, não é? Eu queria saber como é que nasceu essa cultura que está se começando a se formar no Brasil, contra o princípio do habeas corpus, sem o qual em nenhum lugar do mundo existe estado democrático e de direito?
Gilmar Mendes: Eu tenho a impressão de que há um certo acirramento na sociedade que deu... algumas figuras, na verdade, são ovelhas negras, e essas figuras devem ser perseguidas. No governo Fernando Henrique...
Eliane Cantanhêde: [Interrompendo] Sim, os pobres, os negros e as prostitutas, como a gente diz, né, ministro? Porque quem é perseguido e quem fica na cadeia, realmente são essas pessoas, neste país.
[...]: Eles e o Cacciola [Salvatore Alberto Cacciola (1944-), banqueiro ítalo-brasileiro, proprietário do falido Banco Marka, que recebeu ajuda financeira do Banco Central do Brasil para cobrir prejuízos com operações de câmbio. Depois desse episódio, Cacciola foi condenado por crimes contra o sistema financeiro no Brasil e ficou foragido na Itália].
Eliane Cantanhêde: É, por enquanto.
Gilmar Mendes: Vamos tratar desse assunto. Então essas pessoas devem ser perseguidas. Eu vi isso no governo Fernando Henrique, por exemplo, em que procuradores eram colocados contra determinadas pessoas e faziam processos. Veja o caso do Eduardo Jorge [ex-secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso que participou de intermediações suspeitas envolvendo negócios com empresas de telecomunicações, seguros e outras], por exemplo. A partir da mídia, se fazia, portanto, um combate radical a um dado personagem. Entrava-se com ações várias contra essa pessoa. Se o Eduardo Jorge precisasse de um habeas corpus naquele momento, precisaria de alguém com coragem para conceder. Por quê? Porque toda a imagem é de que ele estava envolvido numa grande patifaria. E qual foi o resultado depois, Eliane? Qual foi o resultado depois? Hoje todo mundo diz que Eduardo Jorge foi vítima de vocês, da mídia, foi vítima do Ministério Público, foi vítima daqueles procuradores transloucados e todos pedem desculpas e pagam indenização. Se concedesse habeas corpus naquele momento para Eduardo Jorge, o juiz estaria sacrificado. Então há essa imagem. Quanto a sua questão, aqui nós temos na verdade um problema sério, que é um problema de uma sociedade desigual. Eu tenho clamado contra isso, defendendo a ampliação das defensorias, estou chamando voluntariado para atuar nos processos criminais. Claro que há diferenças entre pobres e ricos, se alguém pede e se outro não pede, por isso que nós estamos denunciando. E fui eu, Eliane, não foi você, fui eu que comecei a denunciar o amontoado de presos nesses presídios. Estou fazendo até além dos meus deveres. Portanto, nessa área ninguém vai me dar lição. Eu, por exemplo, que comecei no Conselho Nacional de Justiça a denunciar o amontoado de presos e estou fazendo mutirões em todo o Brasil, liderando esse processo, portanto, contra exatamente o ferimento, a lesão desses direitos, desses pobres, pretos, prostitutas, a que você se referiu.
Eliane Cantanhêde: Agora, ministro, só para completar esse raciocínio. O senhor fala sempre que a saída para isso é defensoria pública, mas hoje, por acaso, eu recebi um e-mail de um leitor, um longo e-mail, descrevendo uma enorme fila de pessoas aqui, parecia uma fila do INSS [Instituto Nacional de Seguridade Social], aqui em São Paulo, com as defensorias públicas que ainda são muito... e o senhor sabe que, se a gente for esperar só vir defensoria pública, a gente vai esperar não décadas, talvez até mais de um século, para que a Justiça seja um meio de fazer justiça.
Gilmar Mendes: De novo você não está em condições de me ensinar aqui.
Eliane Cantanhêde: Eu não estou lhe ensinando, eu estou lhe perguntando. Deixa eu lhe explicar uma coisa: eu estou falando...
Gilmar Mendes: [Interrompendo] Deixa eu lhe falar, deixa eu lhe falar... [fala junto com Eliane Cantanhêde]
Eliane Cantanhêde: ... fazendo pergunta como um jornalista, porque os leigos que estão nos vendo estão fazendo essas perguntas.
Gilmar Mendes: Deixa eu lhe falar. Não, e eu estou lhe respondendo, eu estou lhe respondendo. Nós temos cinco mil defensores, talvez setecentos ou oitocentos ocupados com questões criminais. Nós temos quatrocentos mil presos no Brasil, dos quais 96%, 97% são pessoas pobres. Por isso que nós estamos chamando para o voluntariado, por isso nós estamos dizendo que as defensorias públicas são insuficientes. Já disse a eles: "vocês não podem fazer combate a esse trabalho dos voluntariados.". Por quê? Porque, a rigor, nem que se multiplicasse por dez esse número, nós teríamos um esquadrão adequado para responder a isso. Portanto, agora, isso é uma tarefa nossa, é uma tarefa da sociedade; a sociedade tem que se engajar nesse processo.
Lillian Witte Fibe: A gente vai fazer um intervalo e lembra que o Roda Viva é acompanhado aqui do estúdio por três twitteiros. São os jornalistas Juliana Cesar Nunes, Aloísio Milani e Samanta Shiraishi. Até já.
[Intervalo]
Lillian Witte Fibe: O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, nosso entrevistado, cumpre desde abril um mandato de dois anos. O Supremo julga mais de quinze mil processos por ano e, por ser a última palavra da Justiça, as suas decisões em geral são sobre os casos mais complicados e mais polêmicos que passaram antes pelo julgamento de vários juízes. Ministro, na defesa da Lei da Anistia, agora, o senhor declarou que o terrorismo também é crime imprescritível. Em contraposição, há aqueles que defendem que é crime imprescritível a tortura e que os torturadores, portanto, devem ser responsabilizados. O senhor considera que aqueles que defenderam ou atacaram a ditadura - eles se defenderam ou atacaram a ditadura com armas na mão - são terroristas ou são terroristas aqueles que atiram bombas a esmo?
Gilmar Mendes: Lilian, eu não vou responder sobre isso, até porque o tema hoje está judicializado, há uma [...] que está distribuída ao ministro Eros Grau, que vai trazer isso para o Plenário. A única coisa que eu declarei é que a Constituição estabelece isso, está no texto constitucional que o terrorismo também é crime imprescritível. Portanto, é preciso que, para aqueles que estão a discutir o tema nessa perspectiva de que a tortura é imprescritível, que tenham presente também que o terrorismo também é imprescritível, apenas isso. Isso está no texto constitucional.
Reinaldo Azevedo: Ministro, o senhor está sendo - o senhor me perdoe - politicamente correto e talvez inexato nesse "também". Porque a Constituição estabelece mesmo... e eu não achei lá, eu posso estar enganado, mas eu acho que não achei a palavra tortura. O que a Constituição estabelece é que terrorismo é crime imprescritível, na Constituição brasileira. E com isso não estou - veja só - não estou fazendo defesa, evidentemente, de nenhuma posição, nem em relação a um crime e nem a outro. Só estou dizendo que a Constituição brasileira estabelece que imprescritível é o terrorismo.
Lillian Witte Fibe: O senhor pode responder, por exemplo, se na sua concepção, no seu conceito, as FARCs seriam chamadas de terroristas?
Gilmar Mendes: Eu não disponho de dados e também não estou muito interessado nas FARCs aqui.
Lillian Witte Fibe: [Interrompendo] Só para sair do Brasil, para não entrar no que está sub judice.
Gilmar Mendes: O que eu leio não é nada [...] em relação às FARCs. Inclusive o seu envolvimento com o chamado narcoterrorismo, mas isso eu não disponho de dados para fazer um juízo enquanto julgador. De fato, Reinaldo tem razão, o texto não é expresso em relação à tortura, mas nós extraímos do sistema, inclusive, de tratados internacionais, se diz que alguns tratados vêm informando esse pensamento, mas não vou entrar nessa polêmica. Só quero lembrar é que o texto constitucional é claro ao dizer que terrorismo é crime imprescritível. Portanto, quem participa desse debate tem que estar atento a ele.
Eliane Cantanhêde: Ministro, como é que o senhor classifica terrorismo? Porque tortura a gente sabe o que é. Tortura não precisa qualificar, todo mundo sabe, mas como o senhor classifica terrorismo? O que é terrorismo?
Gilmar Mendes: Na verdade é muito difícil de fazer essa classificação. Nós mesmos do Supremo Tribunal Federal temos muita dificuldade, por exemplo, em fazer a classificação sobre o chamado crime político. O crime político começa com aquele crime de idéias, liberdade de expressão, liberdade de manifestação, mas, por exemplo, nós temos um caso no Supremo Tribunal Federal, o chamado o caso La Tablada [Em outubro de 1997, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou um informe sobre o caso La Tablada, um ataque realizado por 42 pessoas armadas contra um quartel militar na Argentina. O combate durou aproximadamente trinta horas e resultou na morte de 29 atacantes e vários agentes do Estado. Os atacante sobreviventes denunciaram à Comissão a violação de direitos humanos estabelecidos na Convenção Americana por agentes de Estado], que era uma sublevação e que o Tribunal entendeu que era crime político. Portanto, não estava associado à idéia de terrorismo, mas essa é uma discussão que se tem que travar dentro de determinados contextos, de determinados limites. Portanto, vamos aguardar. Como essa matéria vai ter que ser decidida, uma vez que está judicializada, vamos aguardar para que nós examinemos. Aqui nós não temos um conceito preciso. Em geral nós fazemos um tipo de conceito negativo, aquilo que não é terrorismo, né? E, claro, a sublevação, a resistência etc.
Eliane Cantanhêde: A resistência a uma ditadura, por exemplo, é um terrorismo?
Gilmar Mendes: Sim.
Eliane Cantanhêde: Ou é uma defesa do estado de direito?
Gilmar Mendes: Sim, desde que as pessoas estejam realmente defendendo o estado de direito. Em muitos casos as pessoas não estavam defendendo o estado de direito.
Reinaldo Azevedo: Ministro, por exemplo, o manual de guerrilha que o Marighella escreveu, que defende explicitamente ação terrorista, inclusive contra hospitais, isso é fato, eu não estou inventando, é história, não é? E à organização do Marighella pertenceram, por exemplo, a ministra Dilma Rousseff [(1947-), ministra de Minas e Energia entre 2003 e 2005 e ministra-chefe da Casa Civil no segundo mandato do presidente Lula. Veja entrevistas com Dilma Roussef no Roda Viva] e o ministro [Paulo de Tarso] Vannuchi [(1950-), secretário especial dos Direitos Humanos no governo Lula]. E se pertenceram à organização do Marighella, que escreveu um manual chamado de Guerrilha [Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano], que defende terrorismo... porque ataque a hospitais está escrito lá, não é? O leitor pode procurar na internet que acha fácil, com fonte fidedigna, não é? Eu acho que isso é terrorismo. E quem se filia a uma organização que tem um manual que defende terrorismo, pelo menos enquanto esteve ligado a isso, terrorista era, e, se é imprescritível, parece que é um debate que, se for reavivado, vai ser incômodo para muita gente. O senhor não acha? O senhor não precisa nem achar [risos], mas enfim....
Gilmar Mendes: Eu quero que essa questão seja discutida num âmbito do Tribunal. Nem quero mais, porque ela, na verdade, está posta numa DPF. Agora, realmente não é resistente em favor da democracia quem prega, por exemplo, a instauração, se vencer, de uma ditadura, não é, Eliane?
Eliane Cantanhêde: Não sei, ministro. O senhor é que sabe.
Carlos Marchi: Ministro,...
Lillian Witte Fibe: Fala, Márcio.
Carlos Marchi: Eu quero chegar um pouco mais junto disso. Terrorismo condenável, a essa altura, seria o chamado crime de sangue? Quer dizer, não o sujeito que eventualmente portou uma arma, mas o sujeito que atirou em alguém. E, vou mais adiante, recentemente, nós fizemos no Estadão [jornal O Estado de S.Paulo] um caderno sobre os quarenta anos do AI-5. Mencionamos duas histórias que são difíceis de interpretar nos dias de hoje: uma delas é o assassinato de um militar alemão no Rio, que foi confundido com o então major Gary Prado, que tempos antes tinha aprisionado Che Guevara na Bolívia, quer dizer, eles erraram de homem e mataram o sujeito, o sujeito era casado, tinha filho, estava fazendo um simples curso aqui no Brasil. Quer dizer, esse é um crime político, um crime desse tipo, dessa qualidade? Quer dizer, é o crime de sangue que é o crime condenável? Que pode mais ser qualificado que terrorista?
Gilmar Mendes: Na verdade, nós podemos ter casos de crimes de sangue, como podemos ter crimes patrimoniais. É evidente que podemos ter situações que podem ser enquadradas nesse conceito, mas realmente é preciso que haja algum esclarecimento, alguma explicitação. Não é fácil realmente nessas situações fazer-se um juízo apodítico em relação a isso e o tema agora está judicializado, como eu disse, o Tribunal vai ter que se pronunciar inclusive sobre a lei da anistia e esse tema então vai ser objeto de um juízo mais seguro. Nós mesmos, como eu já disse, do Supremo Tribunal Federal, temos discutido muitas vezes a questão do crime político, às vezes violências praticadas, mas que se inserem num contexto de protesto libertário e portanto se entende: “Ah! Isso seria um crime político.”. Mas muitos no Tribunal também têm feito reservas em relação a isso, quando ocorre o chamado crime de sangue. Entendendo que nesses casos não é possível admitir o crime político para absolvição e para o impedimento da extradição, mas são temas que nós precisamos discutir, tendo em vista inclusive a sua judicialização.
Márcio Chaer: Os grandes escândalos, os casos clamorosos, quando eles vão a julgamento, em geral ou muito comumente, eles decepcionam, né? Tem aí o caso do garoto que foi morto no Rio, tem o caso do promotor que deu tiro em São Paulo, foi absolvido aqui no TJ de São Paulo, tem esse caso do Daniel Dantas e todas essas operações da Polícia Federal. O que acontece? É a imprensa que erra ao exagerar no tamanho do suposto crime, e depois o que vai a julgamento não é a noticia, mas sim as provas? O erro está na acusação? A acusação foi mal feita? A polícia disse mais do que tinha na mão? O Ministério Público disse mais do que tinha na mão? Ou a Justiça está mancomunada com os criminosos? É possível saber se é uma dessas três, ou se são as três, ou é uma de cada vez?
Gilmar Mendes: Eu não acredito nessa hipótese de Justiça mancomunada com os criminosos. Muitas vezes, na verdade, aquilo que se alardeia não corresponde ao que está nos autos. Nós temos, inclusive hoje, uma técnica de relatório de inquérito que é uma técnica de romance, dizendo que determinadas pessoas integram o nível tal, o nível qual, da quadrilha, como se houvesse um estatuto da organização criminosa, e isso se divulga, se coloca na televisão. Isso acho que foi pensado como marketing, só que isso, depois, não ajuda no processo, porque ele se submete a um contraditório. É preciso ter provas e aí vêm essas frustrações. Cabe à Justiça julgar, não cabe à Justiça condenar. Tribunal que tinha que condenar, tribunal de Stalin [Joseph Stalin (1897-1953), político soviético bolchevista que governou a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) por quase trinta anos. Combateu severamente os inimigos do partido comunista, instaurando o terror na URSS através da supressão das liberdades individuais e executando 12 milhões de pessoas que se opunham ao seu domínio], tribunal de Hitler [Adolf Hitler (1889-1945), ditador alemão que assumiu o poder em 1933 e governou até 1945. Logo após a deflagração da Segunda Guerra Mundial, milhares de pessoas foram enviadas para campos de concentração, onde viviam em condições sub-humanas e foram sendo sistematicamente torturadas e assassinadas]. Tribunal no estado de direito democrático tem que julgar, não tem que produzir como um índice de produtividade de condenação, logo... Isso para a segurança de todos! Porque hoje está sentado lá no banco de réus o seu inimigo. Amanhã é você.
Reinaldo Azevedo: Tenho, se me permite, eu posso ouvi-lo, mas quero aqui fazer defesa de uma jornalista da Folha de S.Paulo, Andréa Michael, que, no primeiro relatório do delegado Protógenes, o delegado disse que a jornalista participava de uma conspirata a favor de Daniel Dantas, porque ela publicou na Folha de S.Paulo uma reportagem dizendo que o Daniel Dantas seria investigado. Segundo o delegado, a notícia de que o Daniel Dantas seria investigado era uma forma de avisar o Daniel Dantas e assim ele se preparar para a investigação. Ora, notem, e note o telespectador - não é? -, se a jornalista fazia parte da conspiração, por que é que ela não pegou e avisou ele privadamente? Por que é que ela precisava fazer uma reportagem para fazer isso? Então, isso é de uma estupidez palmar o que está acontecendo, a tentativa de transformar a imprensa, também os setores da imprensa, em co-partícipes de uma tramóia. Isso é gente querendo aparelhar o estado de direito brasileiro. Desculpem, estou aqui fazendo a defesa da minha profissão.
Gilmar Mendes: No início, Reinaldo, eu tive a oportunidade de me manifestar, dizendo que pedido de prisão preventiva de jornalista, na verdade, não se tinha visto. Às vezes se tinha constrangimento de ver até no regime soviético, e o ministro Tarso Genro [(1947-), ministro da Educação entre 2004 e 2005 e ministro da Justiça entre 2007 e 2010], me comentando esse episódio, disse que Andréa Michael só não foi presa porque a Polícia Federal, conhecedora do pedido, mandou os delegados especiais conversarem com o juiz para que não houvesse o decreto de prisão. Não sei se isso é verdade ou não, mas isso me foi dito pelo ministro...
Carlos Marchi: Mas quem pediu a prisão foi a própria polícia.
Gilmar Mendes: Mas delegados especializados foram enviados para conversar com o juiz, para que não decretasse essa prisão. Agora, se isso é verdade, não sei.
Reinaldo Azevedo: E certamente faço em nome da profissão a defesa da Andréia...
Eliane Cantanhêde: [Interrompendo] Ministro, isso realmente é um absurdo, é um escândalo. Todo mundo já tem escrito várias vezes sobre isso, enfim, os excessos do delegado Protógenes. Mas o senhor usou uma palavrinha meio chave nessa história toda, que é frustração. Uma frustração de delegados, de policiais, neste país, que fazem trabalhos de longo [enfatiza] alcance, durante meses [enfatiza]. Gravam, têm documentação, têm prova, pegam gente de... Quando pega peixinho miúdo tudo bem, vai preso numa boa. Agora, quando é desembargador, quando é presidente do Tribunal de Justiça, quando é banqueiro, quando é não sei o quê, aí eles têm um trabalhão. Às vezes um ano, dois anos, chega lá na Justiça, no dia seguinte o cara está....
Gilmar Mendes: Recentemente, Eliane, o Supremo Tribunal Federal deu um habeas corpus para integrantes do PCC [Primeiro Comando da Capital, organização criminosa criada em 1993, que realizou vários ataques a militares e civis na cidade e no estado de São Paulo], por conta da duração do processo. A rigor, não havia nenhuma dúvida quanto à prática de crime. Aparentemente, não estava isso em jogo, mas o Tribunal entendeu que a Justiça de São Paulo demorara demais em ouvi-los, em tomarem as providências, que eles estavam naquele chamado excesso de prazo para a prisão. Veja: portanto, você vai ter vários exemplos tendo em vista as questões técnicas. Agora, a rigor, nós temos também muitas denúncias ineptas. Vou lhe contar uma que chegou ao Tribunal no caso Anaconda [a chamada Operação Anaconda monitorou, por meio de escuta telefônica, 181 linhas de 80 pessoas por mais de um ano. A polícia descobriu assim uma quadrilha formada por profissionais que deveriam combater o crime, como juízes, policiais e delegados, além de advogados e empresários]. Denunciou-se um juiz por ter dólares no Afeganistão.
Eliane Cantanhêde: Que juiz burro, hein! [risos]
Gilmar Mendes: Declarou que tinha nove mil e poucos dólares no Afeganistão. E denunciou-se esse juiz porque depois ele declarou que tinha esses nove mil e trezentos dólares consigo, em casa, declarou perante a Justiça Federal, naquela declaração de bens. Pois bem, os procuradores, os delegados, os procuradores, entenderam que isso era um crime, que ele cometera pelo menos o crime de falso... O Tribunal Regional Federal, julgando esse juiz, recebeu essa denúncia. O STJ manteve essa denúncia. O tema foi à segunda turma, da qual eu fazia parte, e o Tribunal deferiu o habeas corpus. Certamente, os delegados estão frustrados, os procuradores estão frustrados, os juízes que participaram desse julgamento estão frustrados. Agora, fazia sentido manter um processo desse?
Eliane Cantanhêde: Ministro, o senhor está usando um exemplo, e quantas outras centenas [enfatiza] de exemplos que a gente tem, inclusive de deputados que foram governadores, que têm pilhas e pilhas e pilhas de provas, há vinte anos?
Gilmar Mendes: Os processos estão sendo recebidos. Você sabe que, em relação a deputados, até 2001 os processos ficavam trancados se não houvesse licença. Agora as denúncias estão sendo julgadas e o Tribunal está recebendo denúncias, como muitas que já foram recebidas, e está rejeitando outras, como só acontece em qualquer Tribunal de uma democracia, Tribunal que só condena, só o soviético e o nazista.
Reinaldo Azevedo: Agora, ministro...
Laís Duarte: Ministro, desculpe, a Fabiana Tabeline, de São Paulo, escreve: “A impressão que tenho é [de] que o judiciário está fora de controle: integrantes do judiciário negociam sentenças, superfaturam obras, fazem parte de quadrilhas. O que isso significa?".
Gilmar Mendes: Na verdade, isso existe em qualquer categoria, em qualquer classe. Na verdade, quando nós defendemos a criação do Conselho Nacional da Justiça, é porque queríamos combater também a corrupção no âmbito do Judiciário, e estamos fazendo. Agora, esses casos que acontecem, a rigor, são casos de episódios, como acontece também no setor político, como pode acontecer no setor jornalístico. Os senhores mesmos estão informando que há jornalistas vendidos.
Reinaldo Azevedo: Ah, sim. E muitos.
Lillian Witte Fibe: Mas, ministro, vender sentença, como foi o caso do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, não escandaliza, mesmo o senhor sendo do ramo?
Gilmar Mendes: Claro, claro.
Lillian Witte Fibe: Vender sentença?
Gilmar Mendes: Sem dúvida nenhuma, e por isso nós estamos combatendo isso com grande seriedade.
Lillian Witte Fibe: E, nesse caso, eu só queria lembrar ou lhe perguntar se o relatório da Polícia Federal também foi leviano, não sei como o senhor...
Gilmar Mendes: Não conheço. Esse relatório acaba de ser revelado. Nós estamos ainda no inquérito. Nós estamos ainda na fase dessa investigação preliminar. Por isso que a Justiça decretou a prisão e não foi a polícia que decretou a prisão, foi a Justiça que decretou a prisão, e portanto vamos aguardar. Submetido isso ao contraditório, nós já vimos muitas coisas se esfumarem, pessoas que eram ditas como tais. Nós vimos, por exemplo, acusações a colegas nossos. O ministro Sepúlveda Pertence [(1937-), jurista brasileiro que atuou como ministro do Supremo Tribunal Federal entre 1989 e 2007. Veja entrevista com Sepúlveda Pertence no Roda Viva] foi acusado e depois logo se viu que era uma mentira, e isso foi divulgado para quê? Para impedir que ele virasse ministro da Justiça. Você se lembra, Lilian, isso foi colocado nos blogs, se sabia que era uma mentira. Qual foi o juízo do tal analista de informações? Como não tinha contato com o ministro Pertence, como não tinha contado com nenhum assessor seu, dizia-se: "Tudo indica que o contato do advogado falastrão, vendedor de fumaça, foi diretamente com o ministro.". Não ocorreu a essa inteligência em nenhum momento que não houve contato algum, que se tratava de venda de fumaça.
Lillian Witte Fibe: Nós vamos fazer mais um intervalo, lembrando que a memória do Roda Viva está no nosso site, tvcultura.com.br/rodaviva, onde você pode pesquisar o conteúdo do nosso arquivo e também mandar e-mails para a gente. Até já.
[Intervalo]
Lillian Witte Fibe: Nosso entrevistado, o ministro Gilmar Mendes, é presidente do Supremo Tribunal Federal, presidente também do Conselho Nacional de Justiça. Aliás, no bloco anterior, acho que eu falei que o Supremo julga mais de quinze mil processos por ano e na verdade julga muito mais que cem mil processos por ano, e eu me enganei. Ministro, a gente falou muito no começo, até nessa primeira metade do programa, sobre estado democrático, estado de direito. Nesse contexto, eu queria lhe perguntar sobre o foro privilegiado das autoridades, a edição, a quantidade de edição de medidas provisórias pelo poder executivo e a redução dos poderes dos promotores que o senhor tanto defende. Esses três aspectos podem, precisam, ou não são tão urgentes e não têm que ser aperfeiçoados, para que o nosso estado de direito seja cada vez mais democrático?
Gilmar Mendes: O foro privilegiado tem uma discussão, nós estávamos discutindo há pouco, estávamos falando quando eu me referia à Eliane, quando especialmente os parlamentares gozavam de um tipo de imunidade que lhes dava o direito de não se submeter ao Supremo Tribunal Federal sem que houvesse uma licença da respectiva casa, isso caiu a partir de 2001. Portanto, nós superamos e os processos estão fluindo, estão andando. Se se quer superar ou não essa questão do foro privilegiado é uma opção política. Eu fico a imaginar o presidente Lula respondendo a processos criminais do Brasil todo, ou o governador José Serra, em nome dessa democracia e dessa igualdade que você está preconizando. Eu não defenderia essa hipótese. Acho que colocaria em cheque a governabilidade. É muito fácil encetar hoje um inquérito e depois um processo contra alguém na primeira instância. Portanto, imagino que o procurador geral terá responsabilidade e fará os exames adequados, e ninguém tem dúvida, como ele fez, por exemplo, a denúncia do mensalão e tantas outras que ele já ofereceu. Portanto, não vejo nenhum problema nesse chamado foro privilegiado, que na verdade é uma prerrogativa de foro, se houver curso, se o processo tiver curso. O que acontecia antes de 2001 é que os processos não tinham, na verdade, curso.
Lillian Witte Fibe: Sabe o que é? É que acho que todo mundo ainda se lembra bem daquela promoção, entre aspas, do presidente do Banco Central, Henrique Meireles [presidente do Banco Central do Brasil desde 2003], a ministro, às vésperas de ele ser sujeito a um processo, que aí o presidente da República...
Gilmar Mendes: [Interrompendo] Nem por isso ele foi absolvido. O processo continua, sem talvez caráter grandemente espetacular, mas o processo prossegue! O procurador geral está inclusive pedindo quebra de sigilo do Henrique Meireles. Será que por isso o processo... talvez o processo estivesse mais na mídia, estivesse cheio de informações, mas o inquérito prossegue no Supremo Tribunal Federal.
Lillian Witte Fibe: E medidas provisórias?
Carlos Marchi: [Interrompendo] Recentemente, o Supremo adotou uma decisão muito elogiada sobre a infidelidade partidária. Incontinente, o Congresso começou articular um projeto que mudava o texto legal. Aí fica um estica e puxa entre o Congresso e o STF. Como é que o senhor analisa isso?
Gilmar Mendes: Bom, eu vou primeiro falar sobre as medidas provisórias. Eu já falei sobre isso. O Supremo Tribunal Federal tem feito críticas ao uso e ao abuso das medidas provisórias, e o Congresso Nacional está reagindo, a Câmara está aprovando um novo modelo. Esse sistema da Emenda 32, que permite o trancamento de pauta, com esse número de medidas provisórias, leva àquilo que eu chamei de uma roleta russa com todas as balas no revólver, para todo o tempo o Congresso Nacional reter ali o poder de agenda. Então, essa é uma questão que precisa ser discutida. Quanto à sua última pergunta, eu nunca defendi a limitação do poder de investigação do Ministério Público. Isso vai ser decidido agora. O que eu tenho dito é que não é possível fazer investigações secretas. Investigação secreta, Lilian, é compatível com aqueles regimes especiais, o Brasil não, [não] do estado de direito. Portanto, só isso que eu tenho dito, se o Ministério Público poderá investigar deve fazê-lo dentro de quadros, de macros transparentes. Agora, quanto a essa questão, a rigor, eu acho que essa decisão da fidelidade partidária foi uma das melhores decisões que o Supremo tomou nesses vinte anos, uma das mais significativas, porque preservadora do princípio da democracia. Os senhores sabem bem o modelo de cooptação e a que preço isso estava se fazendo...
Carlos Marchi: Da decência na política - né? -, para ser bem claro!
Gilmar Mendes: Hein?
Carlos Marchi: Da decência na política.
Gilmar Mendes: O mínimo de decência na política. É mais do que isso, preservação do princípio democrático, porque a oposição estava sendo asfixiada com esse tipo de prática, no plano federal, no plano estadual e no plano municipal. Agora, o Congresso está discutindo, dizendo que tecnicamente é necessário, por exemplo, abrir uma janela no período final, antes das eleições, para que haja a recomposição partidária. Vamos examinar a questão. Certamente, feita uma lei, o Supremo vai se pronunciar sobre isso.
Reinaldo Azevedo: Ministro, vamos um pouco para a floresta ou quase. O Supremo decidiu pela manutenção da demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, por oito votos - por enquanto - a zero, né? Eu estou entre aqueles que acham isso uma barbaridade. Vamos deixar de produzir 169 mil toneladas de arroz ali. Os índios já estão brigando entre si para ver quem fica com metade da plantação, a outra metade vai ser pasto. Se for pasto, vai diminuir o número de trabalhadores, porque o pasto, ou no caso a pecuária, emprega menos. Enfim, os índios que estão ali em Roraima [pronuncia com o "a" nasalizado e, em seguida, corrige-se:], Roraima [pronuncia o "a" aberto], como se diz, estão na verdade. Roraima está reproduzindo o ciclo de colonização que houve no Brasil, de miscigenação. É o processo como o Brasil se deu. Os índios que estão ali são índios aculturados, são pedreiros, são motoristas, são como todos os brasileiros, são empregados, trabalhadores, alguns com carteira assinada, outros universitários. Demarcou-se uma área que se supõe que esses índios na verdade vivam ainda da caça, da coleta, da pesca etc e, na minha opinião, o Supremo cedeu às ONGs que não distinguiriam um pé de feijão de um pedaço de mortadela, mas tudo bem, decidido está, por enquanto, vamos ver. A minha questão aí é, feito em introito, e o senhor não precisa se pronunciar, naturalmente, você vai votar ainda, a minha questão é outra. O ministro Direito estabeleceu 18 condições, Menezes Direito [(1942-2009), foi nomeado ministro do Supermo Tribunal Federal em 2007], para que então se mantenha a reserva contínua. Dezoito condições, corretíssimas. Li todas, gostei, muitas delas inclusive já estão na lei. Não obstante o fato de que o ministro Menezes Direito, ao redigir aquelas 18 condições, atuou como legislativo, executivo e até judiciário [enfatiza], até judiciário ele foi. Agora, ele foi mesmo é executivo, legislativo e órgão demarcador. Tem algum problema aí, independentemente do mérito. Por que é que o Supremo, numa questão como essa, é obrigado a descer a esse grau de detalhe? Não é? Lembrando que a reserva inclusive pertence ao território nacional - o que é quase um escândalo, porque isso é um princípio consagrado na Constituição -, por que um ministro precisa fazer isso? Por que o Supremo tem que descer detalhes na questão da reforma partidária? Enfim, o Supremo está atuando... Eu não estou dizendo que ele está roubando prerrogativas de outro poder, não. O que eu quero saber é se existe um vácuo aí e o Supremo está sendo obrigado a preencher. Nesse caso da Raposa Serra do Sol eu vejo um escândalo.
Gilmar Mendes: Bem, esse debate é um debate aberto sobre ativismo ou não-ativismo do judiciário. Nós sabemos que temos uma Constituição que já preconiza um certo ativismo, quando cobra que o judiciário controle as omissões inconstitucionais do legislador. Temos a ação direto por omissão, temos um mandado de injunção e o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu, por exemplo, naquele caso célebre das greves do serviço público, que era necessário paralisar essas greves, tendo em vista a ausência de regulação por parte do poder legislativo. E esse debate, Reinaldo, você sabe, é velho. Esse debate sobre usurpação de competência vem de 1803, no célebre caso Marbury versus Madison [processo resultante de uma petição à Suprema Corte dos Estados Unidos por William Marbury, que havia sido nomeado pelo Presidente John Adams como Juiz de Paz no distrito de Columbia, mas cujo cargo não foi posteriormente entregue. Marbury pediu ao supremo tribunal dos EUA que o secretário de Estado James Madison apresentasse suas razões, mas o tribunal, negou a petição de Marbury, sustentando que a parte da lei sobre a qual se baseava sua afirmação, o Judiciary Act, de 1789, era inconstitucional. O caso criou as bases do controle judicial difuso de constitucionalidade da lei], nos Estados Unidos, saber se os juízes estavam ou não usurpando. Nesse caso específico, para ficarmos nesse caso, o Supremo Tribunal Federal pela primeira vez está se pronunciando sobre uma questão dessa dimensão, sobre a Constituição de 1988, e entendeu que era necessário dar respostas a muitas questões. Por quê? Porque, de alguma forma, a administração procedia de outra maneira. A Funai [Fundação Nacional do Índio] tinha um outro entendimento; as ONGs sustentavam determinadas teses. Então, o Tribunal está fazendo uma leitura crítica do texto constitucional na sua completude, e fazendo então essa resposta segundo a técnica proposta pelo ministro Carlos Alberto Direito e já aceita pelos ministros que aderiram ao seu pronunciamento. Portanto, o Tribunal está respondendo a uma questão que causa desassossego à comunidade nacional.
Eliane Cantanhêde: Agora, ministro, o Rui Barbosa já dizia alguma coisa como "O Supremo Tribunal Federal é a última instância, é o último acerto ou o último erro.". Não é perigoso essa crescente expansão do Supremo sobre o Legislativo, sobre o Executivo? E o senhor mesmo já chegou [a dizer], quando teve o problema da fita, o senhor já disse: “Chamaram o presidente da República às falas.”. O Supremo não está indo um pouco demais? Porque depois o Supremo não tem mais a quem recorrer; chega no Supremo, errou, acertou, acabou. O senhor não acha que o Supremo está indo longe demais?
Gilmar Mendes: Não acho que esteja indo longe demais. Nos casos a que me referi, o caso da greve do serviço público, o Tribunal tinha se pronunciado em 1989 e repetiu esses julgados várias vezes. O Congresso não conseguiu deliberar por uma disfuncionalidade - não vou examinar isto aqui -, inclusive por dificuldades de deliberar contra as organizações sindicais, vamos dizer isso claramente. Então, o Supremo Tribunal Federal deu uma resposta provisória. O Congresso sempre poderá fazer uma nova regulação sobre esse tema, mas, enquanto não vier essa regulação, finja aquela que o Supremo estabeleceu. Nesse caso específico, havia essa dúvida, se as Forças Armadas podem entrar, se elas precisam pedir licença às ONGs ou às comunidades indígenas que lá estavam. O que o Supremo disse? “Pelo texto constitucional elas não precisam pedir licença.”.
Eliane Cantanhêde: Porque não há um Estado indígena.
Gilmar Mendes: Não há um Estado indígena. Portanto, a rigor, se tinha desenvolvido um tipo de modelo que dava ensejo a esse tipo de questionamento. O Supremo está respondendo responsavelmente a essa questão, pacificando, portanto, essas gerações, ou, quando o Supremo diz: “Havendo uma dupla afetação, é área indígena e também é área de meio ambiente, preserva-se primeiro ou predomina o critério meio ambiente”. Ou quando o Supremo diz, por exemplo, que num Estado federal, e nós dizemos, é cláusula pétrea o princípio federativo, o Estado membro deve participar do processo demarcatório se retiram as suas terras. Ora, parece que o Tribunal está fazendo a interpretação de seu conjunto. Será que o Tribunal está exagerando ou será que houve exagero em outros setores e que o Tribunal agora está fazendo apenas correção? Eu diria: o Tribunal não está exagerando.
[Sobreposição de vozes]
Eliane Cantanhêde: A frase do Lula, dei a frase do Lula.
Lillian Witte Fibe: Márcio Chaer.
Márcio Chaer: O independentismo...
Gilmar Mendes: Não, a rigor, eu conversei com o presidente, com quem eu tenho uma relação bastante cordial, apesar de as pessoas não imaginarem que exista essa relação. Na verdade, o que eu disse, o presidente tem que ser chamado às responsabilidades, porque isso que nós estamos falando mesmo, quando começa a banalizar esse tipo de grampo, esse tipo de prática, e eu também já conversei com o presidente, inclusive sobre os abusos... O presidente me disse, por exemplo...
Eliane Cantanhêde: Então aqui o senhor está chamando de novo o presidente às falas?
Gilmar Mendes: Não, não, não. Era responsabilidade política como chefe de Estado e como chefe de governo. Era isso que estava em jogo. Eu não podia dizer outras coisas. Eu falei com ele e ele me disse: “Não, inicialmente eu acho que o Paulo Lacerda deveria processar a Veja.”. Eu disse: “presidente, é uma questão mais séria. Nós temos um cadáver agora. Nós precisamos conversar, depois continuamos essa conversa na segunda feira.”. Essa foi a conversa que eu tive com ele no domingo, quando a Veja publicou a matéria e eu disse: “presidente, nós precisamos conversar.”. E aí surgiu então o debate: “Ah, o Paulo Lacerda é culpado ou inocente?". Eu disse: “nós não estamos lidando com Madre Teresa de Calcutá [(1910-1997), missionária católica, símbolo de bondade e caridade por suas ações. Metáfora usada aqui para dizer que não se estava lidando com pessoas tão bondosas], todo mundo está sabendo disso, mas não é disso que se trata. A responsabilidade penal, administrativa, vai ser apurada, é a responsabilidade política, isso é que precisa ser definido.", e foi isso que o presidente definiu naquela da segunda-feira.
Márcio Chaer: Agora, ministro, isso também vem da cultura do Brasil, quer dizer, o legislativo, o judiciário, sempre foi um departamento do executivo. Então, ainda se acha... tem a hipertrofia de um, atrofia do outro. Ainda se acha que o presidente [enfatiza] então vem daí. Agora, o ativismo do judiciário, do Supremo em especial, tem servido para suprir as omissões do Congresso, que, como se sabe, não tem grande paixão pela atividade legislativa, e a imprensa também não tem amor nenhum pelo ato de legislar. Ninguém vota num candidato a deputado porque ele é um bom legislador, porque ele entende de leis, não é? Ele vota lá porque diz: “Meu nome é Enéas.” [frase repetida pelo candidato à presidência da República Enéas Carneiro (1938-2007) ao final de seus programas de propaganda eleitoral gratuita. Enéas candidatou-se a presidente nas eleições de 1989, 1998 e 2006] ou qualquer outra bobagem desse tipo. Agora, se a criatividade do juiz do Supremo é boa, por que a criatividade do juiz da primeira instância não é? Por que o senhor criticou o independentismo da primeira instância?
Gilmar Mendes: Na verdade, eu nem falei nesse contexto de independentismo da primeira instância. Eu fiz uma referência a uma situação de contradição entre decisões de um dado Tribunal e do STJ, em que a matéria já repetida, dizendo que, nesses casos em que a matéria já está pacificada, sei lá, juros de 12%, matéria técnica que já está definida, o sujeito pode averbar a sua posição, declarar ser contrário àquele entendimento, mas dizer: “O entendimento do STJ é esse.”. Porque, do contrário, nós criamos uma ilusão para aquele que ganha a causa, porque ele sabe que inevitavelmente vai perder no terceiro grau, ou no segundo grau. Então [é] só isso, é para isso que eu chamei atenção. Eu não estou discutindo, eu vivo defendendo a independência judicial e saúdo a criatividade dos juízes. É fundamental, e quando nós referendamos muitas vezes essas decisões tomadas por juízes, em muitos casos ações civis públicas, estamos na verdade homenageando essa criatividade. Aqui a discussão foi específica. O que houve foi uma distorção do jornal. Não critiquei a independência do judiciário e muito menos a independência do juiz de primeira instância.
Lillian Witte Fibe: A gente vai fazer um intervalo e voltamos daqui a pouco com a entrevista do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo. Até já.
[Intervalo]
Lillian Witte Fibe: O Roda Viva entrevista o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Ministro, o senhor, depois do Supremo, vai se candidatar? Vai entrar para a política? Tem vontade de se filiar a algum partido político? Aliás, a sua família em Mato Grosso tem bastante tradição e cultura de política.
Gilmar Mendes: Lilian, não pensei nisso ainda não, sabe? Porque tenho tanto tempo para ficar no Supremo Tribunal Federal - né? -, em princípio, de modo que não cogitei isso não. Depois vamos ver. Eu tenho uma atividade acadêmica também muito intensa aqui e no exterior. Na verdade, eu não tenho problema de vagas, empregos. Eu não estou preocupado com isso, não.
Lillian Witte Fibe: Sim, mas o senhor tem vontade de política?
Gilmar Mendes: Não estou preocupado com isso, não, sabe? Na verdade, eu estou cogitando hoje de ser um bom presidente do Supremo Tribunal Federal. Depois volto para a bancada, continuarei a ser um bom ministro do Supremo Tribunal Federal, porque eu acho que eu sou e, a rigor, não estou preocupado com isso.
Lillian Witte Fibe: Ministro, a....
Eliane Cantanhêde: [Interrompendo] Ministro, esse seu não foi tão sim.
[Risos]
Lillian Witte Fibe: [Interrompendo] Ministro, a Laís estava comentando comigo no intervalo que ela nunca participou de nenhum Roda Viva que tenha recebido tantas perguntas, e eu estou, assim, morrendo de remorso com os telespectadores, me sentindo culpada. Diga, Laís.
Laís Duarte: A maioria chegou pelo telefone 011-3677-1310, ministro. E o Eraldo Melo, de Brasília, pergunta: “Terá o Supremo condições de efetivamente julgar o processo envolvendo os mensaleiros [envolvidos no esquema do Mensalão], considerando-se o sistema processual existente, favorável à protelação, o número de réus e as testemunhas?
Gilmar Mendes: A rigor, se nós tivéssemos aqui, inclusive, um bom argumento quanto ao foro privilegiado, se esse processo estivesse em primeiro grau, de forma desconexa, com a possibilidade de habeas corpus em todas as instâncias, muito provavelmente nós não teríamos tido um julgamento uniforme como esse do Supremo Tribunal Federal. É um bom exemplo daquilo que os senhores chamam foro privilegiado. Pode ser positivo. Mas nós temos todas as expectativas de que haverá um julgamento desse caso num tempo social e politicamente adequado. O ministro Joaquim Barbosa [(1954-), ministro do Supremo Tribunal Federal. Em abril de 2009, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes discutiriam publicamente, na sessão plenária do Tribunal] já disse que estima que em 2009 para 2010 poderá julgar esse caso. Nós vamos realmente ter condições de julgá-lo. Não acredito que haja grandes problemas. Agora, claro, estamos modernizando o sistema processual, estamos discutindo novas fórmulas legislativas. Muitas delas certamente não vão se aplicar a esse caso.
Lillian Witte Fibe: A próxima [pergunta] da Laís, espera aí. A próxima é da Laís. Diga, Laís.
Laís Duarte: Ministro, a Ana Vinagre, de Salvador, pergunta: “O senhor tem alguma idéia do por quê de as mais de trinta ações impetradas contra o seu irmão ao longo dos anos jamais terem sequer chegado à primeira instância?".
Gilmar Mendes: Se não chegaram à primeira instância - veja que desinformação -, então elas nem começaram.
[...]
Gilmar Mendes: Veja que... Esse é o nível da revista que publicou essa informação.
Laís Duarte: Chegaram pelo menos umas quatro ou cinco perguntas assim.
Gilmar Mendes: Exatamente. Veja o nível da revista que publicou essa informação. Não tem seriedade alguma. Não vou me ocupar com isso.
Reinaldo Azevedo: Ministro, eu vou ler uma coisa aqui, entre aspas mesmo: “A Constituição não é mais importante do que o povo. Não é possível inverter e transformar o povo em modelo e a Constituição em representado. Nós somos a Constituição, como diria Carl Schmitt [(1888-1985), filósofo alemão]”. Ao telespectador que não sabe quem foi Carl Schmitt, é um jurista que serviu ao nazismo, embora tenha uma contribuição no debate constitucional importante. Essa frase é do juiz Fausto de Sanctis. Eu não quero que o senhor se pronuncie sobre o juiz Fausto de Sanctis, nem o convido a tanto. É que o senhor também já citou um texto do Carl Schmitt. Eu quero saber qual é a diferença entre o seu Carl Schmitt, que o senhor cita, e esse Carl Schmitt que diz que nós somos a Constituição e a Constituição em suma é um mero documento?
Gilmar Mendes: Na verdade, Carl Schmitt é um pensador importante, que também prestou serviços a Hitler, ao nazismo, e era um pensador extremamente conservador e que tinha uma visão integralista, totalitária do Estado. Certamente, esse pensamento de que nós somos o povo e o povo é a Constituição pressupõe uma unidade que não existe.
Reinaldo Azevedo: A não ser nas ditaduras, não?
Gilmar Mendes: A não ser nas ditaduras ou num tipo de pensamento integracionista, totalitário, que não se sustenta. Porque que eu cito Carl Schmitt? Eu cito Carl Schmitt num debate com Hans Kelsen [(1881-1973), jurista judeu perseguido pelo nazismo], pensador democrático e liberal. Schmitt defendia que o presidente do Reich deveria ser o defensor da Constituição. Hans Kelsen dizia que deveria ser uma corte constitucional. Hans Kelsen dizia: "Jurisdição constitucional deve ter como missão defender a minoria.". Então por que eu cito Schmitt? Para mostrar que Kelsen tinha e tem razão. Portanto, é nesse contexto. Schmitt também tem importância como pensador da Constituição que desenvolve algo que hoje nós chamamos, talvez, uma fórmula embrionária das cláusulas pétreas. Esse é um outro contexto. Mas Schmitt, enquanto pensador político, especialmente com essas considerações, ainda que não envolvidas com o nazismo, é um perigo numa sociedade pluralista e democrática, porque ele tem esse tipo de pensamento. Quem somos nós, o povo, para dizer qual é o conteúdo da Constituição? Temos esse direito?
Lillian Witte Fibe: Márcio.
Márcio Chaer: O professor [José Gomes] Canotilho [(1941-), professor catedrático da Faculdade de Direito na Universidade de Coimbra, um dos nomes mais relevantes em direito constitucional], que esteve aqui para uma homenagem que foi prestada ao senhor, defende que a Constituição não é uma bíblia. Ele defende a Constituição participativa, a Constituição aberta. Como é que tem sido no Supremo o desenvolvimento desse conceito da Constituição aberta?
Gilmar Mendes: O Supremo Tribunal Federal hoje tem uma lei que regula o processo constitucional, a lei 9868, que regula o processo constitucional da Adin, Ação Direta de Inconstitucionalidade, e da Ação Declaratória de Constitucionalidade, que permite a participação de amicus curiae ["amigo da corte", instituto de matriz democrática que permite que terceiros passem a integrar a demanda, para discutir objetivamente teses jurídicas que vão afetar a sociedade. Está previsto na legislação brasileira desde 1976] no processo. Portanto, esses interessados podem vir ao processo. É essa lei que permite também a audiência pública, que permite que também interessados façam defesa dos seus pontos de vista. Isso traduz até um pensamento moderno que encontrou uma formulação teórica num autor que eu traduzi, professor Peter Häberle [(1934-), constitucionalista alemão para quem a Constituição deve ser manejada não só pelos operadores tradicionais do direito, mas por entidades representativas que levem a voz da população aos frios tribunais], meu amigo lá de Bayreuth, que escreveu A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, claramente inspirado em Karl Popper [(1902-1994), filósofo austríaco caracterizado pela liberdade intelectual e por propor os limites da atividade científica, defendendo a idéia de que o conhecimento é um processo de observação e descrição de fenômenos que geram teorias falseáveis], como pensador democrático, responsável e aberto, dizendo: “A jurisdição constitucional deve dialogar nessa perspectiva com a sociedade”, e o Supremo tem evoluído. Veja, no caso da fidelidade partidária, o Tribunal fez uma leitura em 1989 e agora fez outra, levando em conta inclusive os fatos. Na questão da progressão de regime, o Tribunal se informou devidamente e fez uma reavaliação. Inicialmente considerava que os crimes hediondos deveriam ser todos ter as suas penas cumpridas em regimes integralmente fechados. Depois fez uma reavaliação à luz do texto constitucional. Certamente, também por esses influxos. Acredito que nós estamos praticando bem essa orientação.
Márcio Chaer: E quanto à contribuição dos sete ministros que recentemente chegaram ao Supremo? Seria possível essas inovações sem essa renovação?
Gilmar Mendes: Na verdade esse é o um misto compósito. Nós temos mudança de pessoas e também mudança de perspectiva. Alguns ministros evoluíram também com o tempo. O ministro Celso de Melo [(1945-), foi o mais jovem presidente do Supremo Tribunal Federal (biênio 1997/1999), com 51 anos], por exemplo, nessa questão do depositário infiel, assumiu uma posição muito mais enfática agora, embora tivesse tido uma outra posição em outro momento. A rigor, não é só a mudança de composição, é um todo, e isso precisa ser analisado. Não é só a mudança de composição. Muitos ministros que vinham do sistema anterior fizeram uma releitura e vêm fazendo uma releitura do texto constitucional, e isso é um processo dinâmico.
Lillian Witte Fibe: Laís Duarte. Deixa a Laís fazer só mais uma pergunta.
Laís Duarte: O Cassiano, de São Paulo, pergunta: “Por que se dão direitos humanos aos desumanos que não cumprem os deveres humanos?".
Gilmar Mendes: Direitos humanos são para todos, não vou entrar nesse debate. Eu sei que existem essas questões.
Reinaldo Azevedo: Até para banqueiros?
Gilmar Mendes: Pois é, para todos, para todos. Os direitos humanos não estão em cheque. Nós não podemos fazer esse tipo de discrime. Quem pode fazer esse discrime, quando, na verdade, nós podemos ter até acusações indevidas, não é, Eliane? Como nós já vimos muitos casos de acusações indevidas, eu acredito, por exemplo, que aquela acusação contra a Andréia Michael é uma acusação indevida, não obstante ela poderia estar presa hoje. Então, eu acho que direitos humanos existem para todos. Agora, é interessante, e essa é uma observação que não é minha, é de Frankfurt, um juiz da Corte Suprema americana; ele dizia: “Em geral, nós reconhecemos esses direitos em pessoas que não são exatamente elevadas, que não são exemplares.”. Esses direitos, especialmente do processo of law [refere-se provavelmente à expressão inglesa due process of law (devido processo legal), processo que pode ser substantivo - quando constitui limite ao legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, razoabilidade e racionalidade - ou processual - quando garante às pessoas um procedimento judicial justo, com direito de defesa], esses direitos ligados ao processo constitucional especial muitas vezes se desenvolvem em relação a criminosos efetivos. É nesse contexto que nós às vezes evoluímos e reconhecemos, até porque Madre Teresa de Calcutá raramente pede habeas corpus.
Lillian Witte Fibe: Eliane.
Eliane Cantanhêde: Mas, ministro, o senhor, nesse processo todo... Uma coisa que se diz contra o Protógenes, o delegado Protógenes Queiroz, é que ele se sente, assim, o paladino da moralidade, que ele extrapola os limites e tal. Mas o senhor às vezes não faz uma polaridade do outro lado, assim: o paladino do estado de direito a qualquer custo? Porque o senhor, nesse processo todo, o senhor se indispôs com delegados, com a Polícia Federal, com o Ministério da Justiça, com o Ministério Público, com juízes e com associações de juízes, quer dizer, num determinado momento, o senhor ficou: o senhor e os advogados. O que está acontecendo? Então, esse conjunto todo do sistema brasileiro de justiça é um conjunto que é contra o estado de direito? O que aconteceu?
Gilmar Mendes: Eliane, eu não estou, primeiro, disputando campeonato de popularidade, não estou aqui realmente para... E, por definição jurisdição constitucional é anti-majoritário. Essa é uma das missões onerosas da jurisdição constitucional, é ser anti-majoritário, é eventualmente contrariar o que você quer que eu faça.
Eliane Cantanhêde: Eu? [aponta para si e arregala os olhos]
Gilmar Mendes: Ou o público, que eventualmente você representa. Então, é nesse contexto que se coloca. Então, a rigor, se você disser: “Ah...”. No caso dos habeas corpus, por exemplo, esses dias a Folha [de S. Paulo] publicou uma teoria interessante, dizendo que só o Supremo deu habeas corpus para [Daniel] Dantas e que as outras instâncias negaram. Poderia dizer isso em relação...
Eliane Cantanhêde: [Interrompendo] Até por isso chegou ao Supremo.
Gilmar Mendes: Exatamente, só por isso chegou ao Supremo. E poderia ter dito isso em relação a vários habeas corpus: 30% dos casos que chegam ao Supremo Tribunal Federal merecem concessão de habeas corpus. Por quê? Porque foi negado no âmbito no primeiro grau, do segundo grau, do STJ, essa teoria futebolística da Folha está furada, evidente, não tem consistência. Agora, claro que nós estamos decidindo, portanto, contra o juiz, contra o STJ, contra o TRF [Tribunal Regional Federal]. Há aqui sempre pelo menos uns três...
Eliane Cantanhêde: [Interrompendo] Contra a Polícia Federal, contra a opinião pública, mas com os advogados que ganham fortunas para deixar essa gente toda livre.
Gilmar Mendes: Isso não é uma opinião. Em todos os casos, Eliane, nós decidimos independentemente de ter advogado rico ou pobre. O caso da progressão de regime foi provocado por um sujeito pobre que estava lá num cárcere, jogado lá, um pastor, um evangélico, que fez o seu habeas corpus escrito à mão. Vamos respeitar um pouco o Supremo Tribunal Federal e ver o esforço que se faz. O caso do chamado sargento gay [o sargento do Exército, Laci Marinho de Araújo, foi condenado pela Justiça militar ao revelar, em 2008, que era homossexual], que foi decidido, não tinha advogado de nome. Todo dia nós estamos decidindo esses casos de anônimos. Esses 30% que eu falei... chegam ao Supremo Tribunal Federal sabe o quê? Casos de pessoas que furtaram um chinelo! O princípio da insignificância foi desenvolvido por Celso de Melo... Alguém que furtou uma fita de vídeo. Certamente, não é defendido por grandes advogados, e por que chegou ao Supremo? Porque foi negado o habeas corpus, em segundo grau, pelo STJ, e chegou ao Supremo. Ora, vamos fazer um pouco de justiça ao Tribunal.
Eliane Cantanhêde: Então, o senhor está querendo fazer justiça ao Tribunal, mas o senhor está condenando a Justiça brasileira?
Gilmar Mendes: Eu estou lhe dizendo que há erros. Quando eu digo que há 30 % de concessões de habeas corpus depois de todo esse passeio eu estou dizendo que há déficits que precisam ser consertados.
Carlos Marchi: Ministro, tem uma....
Lillian Witte Fibe: O Marchi está inscrito faz tempo, ministro, e a gente só tem mais um minuto e meio para a sua pergunta e a resposta dele, tá bom?
Carlos Marchi: Ok. Lá no começo, o senhor mencionou o caso Eduardo Jorge e citou de raspão que poderia haver uma certa culpa da imprensa. Como é que o senhor vê, nessa emoção toda em que se transformou a política brasileira nos últimos anos, o papel da imprensa?
Gilmar Mendes: Na verdade, eu acho que...
Reinaldo Azevedo: [Interrompendo] O senhor acha que a imprensa tem exagerado? Tem pegado pesado?
Gilmar Mendes: Muitas vezes tem exagerado. Acho que tem exagerado. Muitas vezes tem publicado inverdades, como já se demonstrou, muitas vezes se deixam instrumentalizar. Isso ocorre. Agora, eu acho que a imprensa é um dos pilares desse modelo poliar que nós construímos, temos que reconhecer judiciário, legislativo, executivo, Ministério Público autônomo, imprensa. São fatores decisivos para que nós tenhamos esse estado de direito constitucional que nós conseguimos, mas é preciso realmente discutir. É preciso discutir uma lei de imprensa. É preciso assegurar direito de resposta para inverdades que se publicam.
Eliane Cantanhêde: Existe direito de resposta.
Gilmar Mendes: Pois é, mas é depois de cinco anos. Muitas vezes, depois de seis anos.
Eliane Cantanhêde: Bem, a Justiça demora vinte!
Gilmar Mendes: Claro, sim, mas é preciso ganhar efetividade nesse contexto, Eliane. Vamos discutir isso, está sendo discutido, tem uma ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental], de novo vem o tema do Tribunal legislando, tem uma ADPF posta no Supremo Tribunal Federal por um partido político para que diga o que foi recebido da Lei de Imprensa e o que não será recebido. Vamos discutir isso. O ministro Britto [ministro do Supremo Tribunal Federal em 2003, quando o ministro Ilmar Galvão aposentou-se. Presidiu o Tribunal Superior Eleitoral de maio de 2008 a abril de 2010] está pedindo para que nós pautemos ainda no início do próximo ano. Vamos discutir.
Lillian Witte Fibe: Bem, a gente promete que as perguntas dos telespectadores que estão aqui empilhadas na frente da Laís Duarte vão ser encaminhadas ao ministro Gilmar Mendes, porque infelizmente não foi possível ela fazer sequer as que ela tinha selecionado, por terem vindo com maior recorrência etc. Agradecemos à presença do ministro aqui no Roda Viva. Agradecemos à presença também dos nossos colegas jornalistas e entrevistadores e a sua atenção e colaboração. O Roda Viva volta na semana que vem, na segunda-feira, às 10h10 da noite. Uma ótima semana para todo mundo.