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Heródoto Barbeiro: Olá, boa noite. Como discutir mais abertamente com a sociedade temas bastante complexos, difíceis, delicados, como por exemplo sexo, erotismo, drogas, comportamento e mesmo educação? E como discutir essas questões especialmente com jovens? A resposta está sendo dada por um médico paulista que vem abrindo vários canais de comunicação em jornais, revistas, rádios e também na televisão. E para tratar o assunto que diz respeito aqui a jovens, mas que também preocupa educadores de famílias, o Roda Viva entrevista hoje o psiquiatra Jairo Bouer, especialista em temas relacionados com a juventude. Você acompanha esta entrevista em 30 segundos. Até já.
[Vinheta do programa]
Heródoto Barbeiro: Dúvidas, mitos e tabus sobre a sexualidade, erotismo, doenças sexualmente transmissíveis e as transformações que meninos e meninas passam ao longo da vida, alcoolismo, cigarro, drogas e também o comportamento. O debate e a reflexão sobre esses assuntos têm sido o eixo central do trabalho do médico psiquiatra Jairo Bouer.
[Vídeo] [Imagens de Jairo Bouer em programas de TV, de seus livros e sites em que atua] [Narração de Valéria Grillo]
Jairo Bouer nasceu em 30 de novembro de 1965, em São Paulo. Formado em medicina e especializado em psiquiatria, ele se voltou para o estudo da sexualidade humana depois de participar do Projeto Sexualidade, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Além da prática de consultório, tornou-se conhecido do público através dos meios de comunicação, e virou referência na discussão sobre saúde e comportamento jovem. Por sua atuação nessa área, foi consultor do governo do estado de São Paulo para o projeto Prevenção Também Se Ensina, aplicado em 4,5 mil escolas públicas paulistas. Jairo Bouer já publicou cerca de uma dezena de livros sobre sexualidade, adolescência, álcool, cigarro e drogas, incluindo dois áudio-livros com perguntas e respostas para garotas e garotos. Seus conteúdos de discussão ou de orientação também compõem a coluna semanal que ele escreve há 12 anos no Caderno Folha Teen do jornal Folha de S.Paulo, além de várias revistas e sites na internet, o principal deles no Uol [Univero On Line]. Jairo Bouer já marcou presença em vários canais de televisão e está de volta com a segunda temporada do programa Ao Ponto, uma parceria entre a TV Cultura e o Canal Futura, da Fundação Roberto Marinho.
Jairo Bouer [trecho de programa que apresenta]: Para começar essa nova temporada, a gente escolheu um tema polêmico: como é ser jovem e conviver com a Aids?
O programa é mais um espaço para que os jovens possam discutir todos os assuntos que têm a ver com eles, não só sexualidade, mas discutir também: família, drogas, escola, atitudes e relacionamentos.
[Fim do vídeo]
Heródoto Barbeiro: E para entrevistar o médico Jairo Bouer, nós queremos já agradecer a participação e citar aqui: Maria Helena Vilela, que é educadora sexual e diretora do Instituto Kaplan; a jornalista Tatiana Schibuola, que é redatora-chefe da revista Capricho; o jornalista Ivan Martins, editor-executivo da revista Época; a jornalista Fabiane Leite, que é repórter de editoria Vida&, do jornal O Estado de S.Paulo. Conosco está aqui também o Paulo Caruso, com sua charge e seus desenhos para registrar os momentos aqui da entrevista. E ao meu lado está a repórter Laís Duarte, que apresenta as perguntas encaminhadas ao programa através do nosso endereço eletrônico, através da internet. O Roda Viva é transmitido toda segunda-feira, ao vivo, pela internet, às 6h30 da tarde e você pode também vê-lo às 10h10 da noite, sem cortes, sem edição, aqui na nossa TV Cultura. Jairo, boa noite.
Jairo Bouer: Boa Noite.
Heródoto Barbeiro: E muito obrigado pela participação, agora aqui conosco, como entrevistado e não como apresentador.
Jairo Bouer: Pois é [risos], mudei de posição, né? Agora estou eu sendo entrevistado.
Heródoto Barbeiro: Jairo, eu queria que você comentasse um pouco, inicialmente, a respeito do comportamento do jovem em geral. Os jovens se interessam por política? Eles acompanham o mundo político ou você acha que esses escândalos que aparecem no Senado, jatinho para cá, jatinho para lá, não sei quantos diretores, verba de representação, essas coisas todas [alusão a casos de corrupção na política brasileira] chocam os jovens e os afastam desse ambiente político? Qual é a visão que você tem sobre isso?
Jairo Bouer: Olha, a sensação que eu tenho é que o jovem hoje talvez não tenha a mobilização política que o jovem já teve em outros momentos da história do país, mas eu acho algumas preocupações que a gente pode entender como preocupações sociais, econômicas, políticas estão muito presentes. A questão ambiental, por exemplo, é um questão que a gente vê muito presente, até estimulada a discussão nas escolas, pelos pares, enfim, é uma coisa que é muito próxima ao universo deles. Eu acho que política também, assim... talvez não, obviamente não como em gerações anteriores, mas eu percebo alguma movimentação para a participação, para a tentativa de representatividade maior.
Heródoto Barbeiro: Mas você acha que eles acompanham o noticiário, o dia-a-dia? Ou não? Esse pessoal lê jornal ou não?
Jairo Bouer: Eu acho que lê pouco; jornal lê pouco.
Heródoto Barbeiro: Lê pouco?
Jairo Bouer: A sensação que a gente tem é que eles, obviamente, utilizam muito mais internet como forma de conseguir...
Heródoto Barbeiro: [Interrompendo] É, o jornal pode estar "impresso" na internet.
Jairo Bouer: Não sei se eles vão exatamente nos sites dos jornais. Eu acho que eles vão cada vez mais nas notícias que interessam a eles. Eles vão selecionando, eles vão filtrando, se dirigindo a alguns temas específicos, mas jornal, papel mesmo, eu acho que eles lêem pouco. Revista eles lêem muito. Eu acho que a revista tem um interesse, chama mais a atenção do jovem.
Heródoto Barbeiro: Mas revista... você está falando de qualquer tipo, [como a revista] Época, onde trabalha o Ivan Martins, ou não?
Jairo Bouer: Revistas de comportamentos, revistas voltadas para eles, revistas específicas. Se ele gosta de música, uma revista de música. Se ele gosta de cinema, revista de cinema. Eu acho que a revista e a internet hoje chamam mais atenção do jovem do que o jornal propriamente dito, mas não dá para generalizar. Tem jovem que pega o seu jornalzinho bonitinho, todo dia, vai ler e lê as partes [de] que gosta, as áreas que tem interesse. Mas eu acho que, assim, há alguma resistência ao papel, ao papel do jornal.
Heródoto Barbeiro: Maria Helena.
Maria Helena Vilela: Boa noite, Jairo. [É um] Prazer estar aqui. Eu gostaria de saber... você anda aí pelo mundo afora, em vários estados, em contato com alunos de várias escolas. Eu queria ouvir a sua opinião em relação a por que as jovens engravidam num momento como a adolescência? Que dificuldades eles encontram para viver essa gravidez, por não conseguir evitar essa gravidez? E o que as escolas estão fazendo, na sua opinião, para ajudá-los a enfrentar essa dificuldade?
Jairo Bouer: Eu acho que a Helena é uma especialista nesse assunto “sexualidade”, mas eu acho assim: a gente cada vez mais enxerga - eu continuo a enxergar - a questão da gravidez na adolescência como um problema de saúde pública no país, né? A gente tem taxas altíssimas, variando de estudo para estudo, mas a gente tem taxas às vezes de 10 até 20% de jovens que engravidam ainda antes dos 18 anos de idade. É uma taxa que chama a atenção quando a gente compara com outros países, né? A gente tem até uma estatística que mostra talvez um ligeiro declínio dessa taxa de jovens que engravidam na adolescência. Hoje, de cada cinco jovens, de cada cinco partos que a gente tem no sistema público de saúde, um acontece em adolescente. Alguns anos atrás, de cada quatro partos, um acontecia em adolescente. Então, a gente tem taxas de 20, 25% do total dos partos que acontecem na rede pública, ainda uma taxa muito elevada. E aí, quando a gente tenta checar o porquê desse fenômeno, a gente se depara com algumas situações que fazem a gente refletir. É informação? É falta de informação? Não parece ser esse o gargalo da questão. Eu acho que o jovem hoje é mais informado, tem mais acesso à informação, discute mais essa informação com os outros jovens, com os professores, com os pais. Eu acho que a informação não é o grande ponto. Eu acho que o grande ponto é, de um lado: "O que eu faço com essa informação que eu tenho? Como eu metabolizo, eu uso, essa informação que eu tenho?". E a outra questão é assim, é que de fato muito jovem pretende, quer e planeja engravidar cedo, como um projeto de vida. A gente vê isso principalmente nas classes menos favorecidas, em que a gestação, a maternidade, é encarada como um status social, uma mudança de status social, um papel ali, naquele momento.
Maria Helena Vilela: Eu tenho visto, por exemplo, no trabalho que a gente realiza de prevenção de gravidez na adolescência, que a motivação é um ponto extremamente importante. Um tempo atrás, uma garota engravidar no período de adolescência, antes do casamento, era uma vergonha muito grande. Hoje, essa motivação não existe, porque esse conceito moral da gravidez diminuiu bastante. Não posso dizer que está extinto, mas diminuiu bastante. E o que a gente vê hoje, o que a gente tem obtido com eles é a percepção do impacto que essa gravidez traz na vida profissional deles. Você acredita que as escolas estão conseguindo trabalhar com o jovem no sentido de mostrar para eles essas conseqüências? Ou seja, a importância do projeto de vida deles?
Jairo Bouer: Pois é, né? Eu acho que algumas escolas fazem isso de uma forma muito bem feita, muito criativa, mas eu acho que esse não é o cenário de todas as escolas no país, não. Eu acho que a escola tem ainda muita dificuldade em lidar com essa questão da sexualidade, enxergando a questão da sexualidade junto com essa questão do projeto de vida. O quanto uma gestação na adolescência vai dificultar a própria permanência das meninas na escola é uma das principais causas de evasão escolar entre meninas, exatamente a questão da gravidez na adolescência. E a escola, eu acho que muitas vezes tem dificuldade de trabalhar essa questão, trabalha a sexualidade de uma forma muito biológica, muito apartada, muito separada da questão da motivação, da questão emocional, da questão do projeto de vida que hoje é uma questão tão importante a se colocar, né? Eu acho que a gente tem muita coisa para fazer. Eu acho que a escola é o grande palco para a gente fazer isso, é importante que a gente faça isso, a gente percebe algumas redes públicas se preocupando com essa situação e tendo projetos efetivamente implantados nas suas escolas, mas eu acho que há muito o que ser feito ainda.
Heródoto Barbeiro: Ivan.
Ivan Martins: Existe uma coisa cultural nisso? A gente tem impressão às vezes [de] que a cultura da gente é demasiado sexualizada. A gente vê crianças, meninas, muito pequenininhas, se comportando como coquetes e se vestindo de um jeito aparentemente fora da idade, pré-adolescente já de sapatinhos altos, imitando as moças da televisão, dançando Bonde do Tigrão [grupo de música funk com canções de letras simples e vulgares, como Tchuchuca treme o bumbum, Só as cachorras, entre outras. Seu álbum de estúdio, também chamado Bonde do Tigrão, vendeu mais de 250 mil cópias no Brasil, e, em 2001, deu ao grupo o Disco de Platina pela Associação Brasileira de Produtores de Discos. Site oficial: http://www.bondedotigrao.com.br], tal. A minha pergunta é: comparada com demais culturas, a cultura brasileira é excessivamente sexualizada?
Jairo Bouer: Eu acho que esse é um ponto importante, quando a gente fica tentando entender por que a gente tem essa questão da sexualidade tão precoce, né? Por que meninos e meninas hoje têm vida sexual... começam a vida sexual tão cedo? Os dados hoje do Ministério da Saúde, das pesquisas que a gente lê, mostram que mais ou menos metade dos meninos e um terço das meninas vai ter uma relação sexual completa antes dos 15 anos de idade. Quer dizer, muitas vezes sem maturidade para administrar essa questão de "Como eu cuido da minha sexualidade, como eu cuido da minha saúde, como eu cuido do meu corpo", e aí a gente tenta entender esse fenômeno, o porquê dessa "precocização", né? Eu acho que um dos aspectos é exatamente esse que você falou. Eu acho que a gente tem uma questão cultural, não só no Brasil, acho que [em] outros países também, mas no Brasil também, que, de alguma forma, faz com que esse jovem, muito jovem, entre em contato com a questão da corporalidade, da sexualidade. É uma banalização, eu acho, né?
Heródoto Barbeiro: A televisão tem alguma coisa com isso, Jairo?
Jairo Bouer: Eu acho que tem, Heródoto. Eu acho que a televisão também tem o seu papel. Não dá para a gente demonizar a televisão e colocar na televisão toda a responsabilidade.
Heródoto Barbeiro: Mas tem uma importância?
Jairo Bouer: Eu acho que tem um papel. Alguns estudos até mostram isso. Maria Helena deve acompanhar isso também. Crianças mais expostas à sexualidade, à banalização da sexualidade, às cenas de sexo e de erotismo na televisão são crianças que podem ter uma manifestação aí da sua sexualidade de uma forma mais precoce. Até os neurocientistas, hoje, que tentam explicam assim, por exemplo, por que as meninas hoje menstruam tão cedo. Quer dizer, que seria um start [início, em inglês] aí para o começo da vida sexual delas. E aí, por questões alimentares, melhorou a questão nutricional nos países, no mundo desenvolvido, no Brasil também. Tem uma taxa de gordura mais cedo no corpo das meninas, uma taxa maior de gordura que propiciaria a questão da menstruação mais cedo e a questão dessas informações todas, desse estímulo todo, talvez interferindo aí no funcionamento do nosso sistema nervoso central e essas conexões com o funcionamento hormonal, e daí um desencadeamento de um processo todo de desenvolvimento todo físico-sexual também mais precoce.
Maria Helena Vilela: Você não acha que existe também aí uma mudança também no papel, na imitação dos papéis? Quer dizer, a criança se forma a partir de uma imitação, a partir de uma imagem que ela copia. Hoje o papel da mulher, e o papel do homem, é muito diferente do papel que foi do meu pai e da minha mãe. Eu nunca vi o meu pai e a minha mãe darem um beijo na boca. Hoje as crianças presenciam uma vida mais sexualizada entre os pais e, até, com as próprias separações, as mães estão procurando novos namorados e os pais estão procurando novas namoradas. Então, quando ela imita, ela imita não porque ela de fato deseje fazer sexo ou namorar, ou já dar um beijo na boca, mas porque ela está treinando o papel dela ou ele treinando o papel dele. Você não acha que essa mudança nos papéis sexuais também não é responsável por uma pseudo-erotização? Porque, na verdade, pode ser até que eles nem estejam erotizados, mas eles podem ser rotulados dessa forma e até interpretados dessa forma.
Jairo Bouer: Eu acho que sim. A gente falou da questão da cultura, mas eu acho que esse é um outro aspecto fundamental para explicar essa "precocização", essa erotização. Eu acho que a gente tem diversas possibilidades. A cultura talvez seja uma delas, a televisão outra. E essa questão dos modelos, de como mudou o papel de homem e mulher na sociedade, como mudou hoje, como mudaram os relacionamentos, o que a criança vê em casa, de alguma forma também, eu acho que tem um peso aí nessa questão toda, né? Hoje, a gente calcula que, nos lares do Brasil, 70, 75% das mulheres saiam para trabalhar. Quer dizer, elas têm uma atividade profissional além da atividade doméstica. Então, essas crianças ficam mais cedo sozinhas. Essas crianças convivem com outros modelos de família mais cedo. Essas crianças se socializam mais cedo com outras crianças, outros modelos, outras possibilidades. E aí, em casa, elas assistem também [a] modelos de famílias diferenciados. [Estima-se que] 20, 25% dos casamentos acabam antes dos dez anos no Brasil. E aí a mamãe vai namorar de novo, o papai vai namorar de novo, a mamãe vai trazer o namorado para dormir em casa, o papai vai trazer uma namorada para dormir em casa. "Uau! Papai e mamãe também têm vida sexual!". Isso está mais claro do que quando eles estão casados e de repente fecham a portinha discretamente do quarto.
Maria Helena Vilela: E aí aquela mãe que ela [a criança] tem que imitar, lavando roupa ou cuidando de bebê... já não é mais esse modelo que ela imita na brincadeira de boneca.
Jairo Bouer: Não é. Mudaram os modelos, modelo de papel. Os modelos de homem e de mulher, os papéis de homem e de mulher na sociedade mudaram muito, as relações familiares mudaram. Eu acho que isso tem um impacto também na questão do comportamento deles, sem dúvida nenhuma.
Heródoto Barbeiro: Tatiana, sua pergunta.
Tatiana Schibuola: Doutor Jairo, a revista [norte-americana] Time mostrou, há umas duas ou três semanas, uma reportagem falando de um novo programa de prevenção à gravidez na adolescência em que eles entram nas escolas durante três ou quatro anos no currículo mesmo, na grade, em que eles abrem para a discussão. Vai muito além de mostrar: "Esse é o pênis. Essa é a vagina.". Só que eles falam de uma coisa de estímulo à abstinência. E existe lá nos Estados Unidos um movimento muito forte a favor do conservadorismo, da virgindade, anel de pureza, bailes de castidade. Você acha que esse é o caminho? Como você enxerga essa questão conservadora?
Jairo Bouer: Isso é um ponto interessante. A gente acompanhou nesses últimos anos muitos projetos, nos Estados Unidos, de investimento na questão da abstinência sexual, né? Quer dizer, para tentar frear um pouco a questão da precocidade, ou da sexualização precoce, ou da gravidez na adolescência. "Ao invés de a gente falar de prevenção, vamos falar de abstinência.". E o que a gente vê no acompanhamento desses estudos é que, em termos práticos, ele é muito pobre, porque 90, noventa e poucos por cento dos jovens dos estudos que saíram, que se comprometem com a abstinência, não conseguem cumprir essa abstinência ao longo de um ano. Então, assim, "Se eu não consigo cumprir, e eu não fui exposto à informação, eu não trabalhei a prevenção, eu não trabalhei a camisinha, eu não trabalhei a questão de como me cuidar, como eu fico?". Talvez "eu" fique desamparado para o uso de um método anticoncepcional, ou para o uso de um preservativo, ou para a prevenção de uma DST [Doença Sexualmente Transmissível] ou Aids. Enfim, fica o elo... tem um elo nessa corrente toda que eu acho que fica mais fragilizado. Então, de uma forma geral, esses últimos anos todos nos Estados Unidos, dos dois governos anteriores ao Obama [presidente norte-americano eleito em janiero de 2009. Antes dele, presidiram os Estados Unidos Geroge W. Bush (2001-2009) e Bill Clinton (1993-2001)], foram marcados por um investimento maior, ou, talvez, de alguma forma, fazer com que esses projetos de abstinência tentassem ser implantados em várias escolas americanas; eu acho que com resultados que deixam muito a desejar, né? Então, quando a gente fala em prevenção, eu acho que a gente tem uma arma, um rol de possibilidades, de oportunidades, eu acho que muito mais ricos do que quando a gente fala em abstinência e ponto final. Abstinência funciona? Talvez funcione para quem acredita em abstinência. Então, num grupo de jovens, a gente tem feito algumas pesquisas de comportamento, com grupos grandes de jovens em que a gente perguntava: "abstinência é importante para vocês?". “É.”. Então, para 10, 15, 20% de jovens, por questões religiosas ou por questões pessoais, abstinência ou adiamento da primeira vez, é uma questão importante. Então, para esses jovens, eu acho que talvez funcione esse tipo de abordagem, mas para a maior parte deles, pelo que a gente tem visto, esse discurso afasta, porque você não tem a possibilidade de trocar, você não tem a possibilidade de mostrar o que você gosta, o que você é, como você pode se proteger ou não. Então, eu acho que, em termos de saúde pública, quando a gente fala em prevenção, eu acho que a gente tem uma arma muito mais poderosa do que investir em abstinência e ponto. Sensação.
Heródoto Barbeiro: Fabiane.
Fabiane Leite: Só para emendar, na verdade, recentemente a UNAids, o órgão das Nações Unidas para o combate à Aids, disse que é um grupo de estratégias que faz efeito. Quer dizer, não é só abstinência; é abstinência, camisinha... quer dizer, fica bem claro que não tem uma bala mágica para a prevenção da Aids, tem que ser um conjunto de estratégias. E na verdade eu queria saber a sua opinião. Atualmente o governo brasileiro tem discutido uma série de restrições em relação à propaganda de diferentes indústrias, propaganda de indústrias para o jovem. Então, o Inca [Instituto Nacional do Câncer] recentemente disse que quer banir os cigarros flavorizados, com sabores, esses cigarros com sabor de menta, que são um atrativo para o jovem. O governo debate aí há anos uma restrição para propaganda de cerveja, que no Brasil é totalmente liberada. E a comida pouco saudável, a comida gordurosa... também está aí o debate com a indústria alimentícia. Por outro lado, acham que isso pode restringir o direito à informação do jovem, que isso é um ataque à liberdade de expressão. Qual é a sua opinião? Você é a favor dessas restrições todas em debate, ou você acha que isso tudo pode...?
Jairo Bouer: Essa pergunta é boa. Eu acho que, de fato, a gente não tem a propaganda de cigarro, por exemplo, na televisão brasileira, e o cigarro também foi banido dos eventos esportivos e culturais já há bastante tempo. Então, acho que foi a primeira experiência que a gente teve nesse sentido, de que um produto que é nocivo à saúde teve uma restrição mais severa do ponto de vista de publicidade e propaganda, e, com isso...
Fabiane Leite: Mas eles têm outras formas de marketing, né? Nas festas rave [o assunto é tratado em mais detalhes por Jairo mais adiante nesta entrevista], algumas questões disfarçadas, né?
Jairo Bouer: Tem disfarces, tem formas de chegar lá, mas quando a gente vai ver, por exemplo, a questão do tabagismo na população brasileira, ele vem caindo nas últimas décadas. E um estudo que foi recentemente, ou está sendo, divulgado pelo Ministério da Saúde mostra que a gente tem em torno de 15% da população de fumantes no país. A gente já teve 25, 30%, dez anos atrás, por exemplo. Quer dizer, a restrição da propaganda talvez seja uma das armas para a gente conseguir reduzir isso. Em relação à questão, por exemplo, das bebidas alcoólicas, alguns anos atrás eu participei de uma reunião aqui em São Paulo, na Escola Paulista de Medicina, na Unifesp, em que a gente recebeu pessoas do mundo todo que lidavam com essa questão de prevenção, tal, e o representante, ali, da Organização Mundial de Saúde, estava chocado, impressionado com a quantidade de propaganda que tinha de cerveja na televisão brasileira, sem nenhuma forma de restrição, sem nenhuma restrição, sem nenhum controle. E, de fato, assim, o que a gente tem de lei hoje possibilita que a cerveja, bebidas com menor teor alcoólico estejam expostas na televisão ou sejam vistas pelas crianças, ou pelos adolescentes, a qualquer hora do dia. E trabalhos, estudos, mostram que isso, de alguma forma, também pode influenciar o comportamento do jovem para que ele tenha mais vontade de beber ou para que ele beba mais cedo. Então, de alguma forma, eu acho que a bebida... eu acho que a gente precisaria pensar um pouco mais nessa história da restrição de propaganda de bebida.
Fabiane Leite: De horário mesmo, né?
Jairo Bouer: Pelo menos de horário, né? Quer dizer, que as bebidas de menor teor alcoólico tivessem uma restrição similar às bebidas de maior teor alcoólico, em horário de exposição para crianças e adolescentes. E para a questão de alimentos que você pergunta, outros produtos... eu acho que, assim, há um exagero, de fato, também. Algumas indústrias começam a se conscientizar, alguns anunciantes começam a se conscientizar. Quem trabalha com publicidade e as próprias regulações de quem trabalha com publicidade tenta aí se organizar. Eu acho que talvez a gente veja nos próximos anos também algumas restrições. Eu, pessoalmente, eu acho que a gente tem demais... a gente tem propaganda demais. Eu acho que a gente devia ter uma restrição mais severa em relação ao álcool, sem dúvida nenhuma, e em relação aos alimentos calóricos, alimentos gordurosos, alimentos com muito sódio...
Fabiane Leite: Salgadinhos.
Jairo Bouer: Salgadinhos... Enfim, eu acho que também seria importante pensar nisso.
Heródoto Barbeiro: Jairo, nós vamos fazer o nosso primeiro intervalo. Nós faremos aqui um intervalo para o nosso convidado de hoje, nesta entrevista, falando sobre vários temas, inclusive sobre sexualidade, que é o médico psiquiatra Jairo Bouer. Nós voltamos em instantes.
[intervalo]
Heródoto Barbeiro: Nós voltamos aqui no Roda Viva, que hoje entrevista o médico psiquiatra Jairo Bouer, estudioso da sexualidade humana que também se tornou especialista em termos relacionados com a juventude de uma forma geral. Jairo, eu soube que na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], um laboratório está pedindo um registro de um medicamento para ejaculação precoce. Ejaculação precoce é doença?
Jairo Bouer: Pois é...
Heródoto Barbeiro: Você sabe que há esse pedido?
Jairo Bouer: Não entendi.
Heródoto Barbeiro: Você sabe que há um pedido lá? Estão registrando um pedido, laboratório europeu... inclusive esse produto é registrado na Europa, no FDA [Food and Drug Administration, organização dos Estados Unidos responsável pelas autorizações de novos medicamentos e alimentos] ainda não, mas no Brasil estão pedindo, tal. Então a minha pergunta é: ejaculação precoce é doença?
Jairo Bouer: Pois é. Hoje, quando a gente pensa em ejaculação precoce, quando você conversa com adolescente que está em começo de vida sexual, a gente tem índices altíssimos de ejaculação precoce. Metade dos meninos vão contar para a gente que têm algum nível de ejaculação precoce nas primeiras experiências sexuais. Com o tempo, com a prática, com essas questões todas, esse tempo para ejaculação vai aumentando e os meninos conseguem controlar melhor essa ansiedade e, enfim, conseguem controlar sua ejaculação precoce. Uma parte, uma porcentagem dos homens vai ter dificuldades...
Heródoto Barbeiro: Homens, estamos falando de jovens? Maduros? Homens em geral?
Jairo Bouer: Homens em geral, [em] adolescentes [é] mais frequente, e adultos jovens, e jovens, enfim. Também alguns têm ejaculação precoce que não se resolve com prática, com experiência, com intimidade. E, de fato, isso se torna um problema, uma questão que incomoda, uma disfunção sexual. A gente chama isso de uma disfunção sexual.
Heródoto Barbeiro: Mas é uma doença ou não é uma doença?
Jairo Bouer: Pois é, a partir do momento que ela atrapalha a vida da pessoa, e a gente tem casos graves de ejaculação precoce, que o garoto ou o homem ejacula antes mesmo de tirar a roupa, antes mesmo de fazer a penetração, ou mal iniciou a penetração já está ejaculando, isso, de alguma forma, tem um impacto na saúde emocional e na saúde dele como um todo. Então, pode ser encarado como uma disfunção, um distúrbio, uma doença, né? Então, para esses casos mais graves, hoje os médicos, como não têm um medicamento específico, você tem uma série de processos, terapia, piscoterapia, técnicas comportamentais, enfim, uma série de possibilidades para tratar ou tentar tratar a ejaculação precoce. E existe até medicamento. Então, hoje os médicos usam alguns antidepressivos que têm um perfil, que têm um efeito colateral que é o retardo da ejaculação, para tentar melhorar esse tempo até a ejaculação. E houve o desenvolvimento dessa molécula nova, dessa substância nova, que não foi aprovada pela FDA, está tentando ser aprovada nos Estados Unidos. Até onde eu sei não foi aprovada. Na Europa, acho que em alguns países, talvez...
Heródoto Barbeiro: Na Europa aprovou.
Jairo Bouer: Aprovou, e está se tentando também no Brasil. Um medicamento específico para os casos mais graves, eu acho que poderia ser benéfico, desde que a gente tenha um perfil de segurança desse remédio, que ele não cause efeitos colaterais piores do que o seu resultado e que ele tenha um perfil de segurança bom. Mas a gente precisa tomar cuidado, que todo remédio que é lançado com algum apelo sexual, de comportamento, de desempenho sexual, rapidamente deixa de ser usado só para aquilo para ter um uso muito mais ampliado.
Fabiane Leite: Recreativo, né?
Jairo Bouer: Recreativo. Vamos ver, por exemplo, remédios para...
Heródoto Barbeiro: Deixa de ser curativo e passa a ser recreativo?
Jairo Bouer: Exatamente. A gente vê os remédios que tratam, por exemplo, a disfunção erétil, que, de fato, têm um peso importante para quem tem problema de disfunção, dificuldade de ereção, e que são tomados, usados, por muitos adolescentes ou muitos jovens que querem prolongar a sua ereção, impressionar mais a sua parceira, rapidamente misturado muitas vezes com outras substâncias, outras drogas. Então, você deixa de ter um uso indicado para um uso recreativo. Então, é um perigo que a gente corre com qualquer medicamento que tenha um impacto na vida sexual.
Heródoto Barbeiro: Laís, o que dizem os telespectadores?
Laís Duarte: Bom, na enquête que nós propusemos na internet, a pergunta mais votada foi a seguinte: "Qual é o papel dos pais na educação dos filhos? Eles devem tomar a iniciativa na hora de conversar sobre sexo ou esperar que os filhos os procurem primeiro?".
Jairo Bouer: Eu não sei. Eu gosto de uma história que é a política da porta aberta, sabe? É assim: eu não abro a porta do quarto do meu filho para falar: “E aí, vamos conversar sobre sexo?”, mas eu deixo claro que a porta está aberta para que, se ele tiver dúvida, se ele tiver vontade, se ele tiver necessidade, ele venha falar comigo. Eu acho que a gente erra quando a gente começa a falar de sexualidade só na adolescência. Eu acho que as crianças têm dúvidas, as crianças têm perguntas. E se a gente conseguir responder a essas perguntas para as crianças de forma que elas possam entender, enterrar a cegonha de vez - chega de cegonha! -, contar para eles de fato o que acontece, como acontece, de forma que eles possam entender, que eles possam perceber, eu acho que a gente já vai treinando esse jovem, de alguma forma, ou para que, eventualmente, na adolescência, se ele precisar, ele venha tirar uma dúvida. Agora, quando a gente pergunta para o jovem: “Vocês conversam com seus pais em casa sobre sexo?”. É uma minoria. Nas nossas pesquisas, 20, 30%, topam falar com os pais em casa sobre sexo e normalmente eles dividem essa responsabilidade com os pais, ou seja: “Eu não quero falar com eles sobre sexo. Eu me sinto constrangido. Eu me sinto inibido.”. Então, eu acho que, nesse sentido, não tem que forçar. Tem que mostrar que ali existe a possibilidade, existe o canal de comunicação, é um canal importante, mas que a gente não tem que forçar a barra, não. Acho que tem que deixar eles virem perguntar para a gente.
Maria Helena Vilela: O que eu tenho percebido, Jairo, não sei se você tem lidado com essa mesma situação, é que, embora a gente saiba hoje que ser informado não significa incentivar o jovem a fazer sexo, ainda existe uma resistência muito grande do adulto em passar e conversar sobre sexo. Quer dizer, muitos pais acreditam que conversar com filhos sobre sexo é incentivá-lo para uma vida sexual [para] que eles acham que ele ainda não está pronto. A mesma coisa eu também observo com queixa de jovens em relação ao profissional de saúde, tanta campanha, tudo que é feito, e quando chega no posto de saúde para buscar um preservativo, aquele atendente de enfermagem ou aquela figura que está ali distribuindo o preservativo se sente cúmplice de um relacionamento sexual [com] que ele não concorda. Então, todo um trabalho que é feito vai por água abaixo por essa postura do adulto de achar que está sendo cúmplice com a vida sexual daquele adolescente que ele condena. Então, eu não sei se você tem passado por essa mesma situação e visto a colocação dos pais em relação ao o que é falar sobre sexo com seus filhos, eu queria que você colocasse um pouquinho isso.
Jairo Bouer: É uma questão interessante, porque eu acho que a gente percebe gerações diferentes de pais. Eu acho que, de uma forma geral, a geração de pais que hoje têm em torno de quarenta anos, quarenta e poucos anos, e que começa a ter filhos que estão entrando na adolescência, estão na adolescência, eu sinto que esse é um pai mais permeável à possibilidade do diálogo e da conversa, é um pai que já foi exposto a essas questões, é um pai que ele mesmo passou por uma fase de vivência da sua sexualidade na adolescência em um outro momento, em um outro contexto. Então, eu acho que é um pai que, potencialmente, é mais permeável a esse tipo de discussão. Mas não dá para generalizar. A gente tem, de fato, pais que são muito conservadores, que ficam envergonhados com essa discussão, que acham que incentivam ou estão autorizando de alguma forma a vida sexual dos filhos de uma forma mais precoce...
Maria Helena Vilela: [Interrompendo] Eu vejo muito, por exemplo, estimular assim: “Olha, usa camisinha. Usa camisinha.”, mas na hora [em] que o filho, a filha, principalmente a filha, vai sentar para conversar sobre vida sexual, os pais não querem saber dessa conversa, né? Eles fogem dessa conversa. Então, a sensação que eu tenho é a mesma quando o nosso filho está na escola e está indo mal na escola. Ou a gente fica: “Oh, vai estudar! Vai estudar!”... Então, “Compre camisinha.” ou “Use camisinha.” é como se [fosse] assim: “Eu lavei as minhas mãos. Eu já fiz o que eu tinha que fazer em relação à prevenção do meu filho.”. E, na verdade, o que a gente observa é que esses jovens têm tido aí momentos, embora com toda essa informação que circula... muitas vezes ele não sabe aplicar aquela informação à vivência que ele está tendo, e ele procura um adulto para conversar, para ter uma troca. E esse adulto, em vez de olhar para ele, para o sentimento dele, está ali preocupado em passar apenas os seus valores e fazer manter aquilo que ele tem de expectativa. E se - acho que, talvez - os pais ficassem um pouquinho menos, tivessem um pouquinho menos de ansiedade em passar a sua expectativa e um pouquinho mais de olhar para o seu filho, talvez essa conversa pudesse sair, não para se falar de sexo explícito, mas para se falar de sentimentos, de dúvidas, de inseguranças com a vida.
Jairo Bouer: As escolas reclamam que elas estão muito abandonadas. Quando você passa nas escolas, os professores falam: “Delegam tudo para a gente. Além dos conteúdos formais, delegam para a gente discutir droga, sexo, tudo. Os pais saem dessa discussão e sobra para a gente aqui.”. Então, a escola se sente muito abandonada. E, nesse sentido, acho que o que você fala é verdadeiro, né? Talvez fazer com que o pai se apodere mais dessa discussão. E não é só camisinha, tem muito mais além disso.
Ivan Martins: Jairo, o Brasil é um país muito diverso, é um país com diferenças de classes brutais, um país muito grande, com subculturas regionais muito fortes. Faz sentido falar em “um jovem brasileiro”? Essa conversa, a conversa que me parece muitas vezes que a gente tem no foco a classe média educada, a classe média, enfim, urbana... Faz sentido falar num jovem brasileiro, se você pensa nas regionalidades, nas diferenças de classes brutais? O comportamento é o mesmo? As ansiedades são parecidas? Os problemas são iguais?
Jairo Bouer: O que a gente tem visto das pesquisas que a gente tem lido e tem feito, e tem aplicado nos jovens, é que o comportamento dos jovens nos grandes centros urbanos, nas cidades maiores, é muito parecido, independente da região do país [em] que você está, né? Então, quando a gente compara o sul mesmo com o norte ou nordeste, às vezes você percebe algumas diferenças, mas nada que seja muito impactante, nada que chame muito a diferença. De uma forma geral, nos grandes centros urbanos, eu acho que o comportamento sexual é bem parecido. Talvez... talvez não, com certeza, quando a gente compara a grupos socioeconomicamente mais favorecidos e menos favorecidos, você começa a perceber algumas nuances mais claras. O que a gente vê... por exemplo, a precocidade tende a ser maior nos grupos, nas populações menos favorecidas, taxas de gestação também um pouco maiores, índices de não-uso de preservativo também um pouco maiores. Nos grupos menos favorecidos, do ponto de vista socioeconômico, talvez por um afastamento maior da escola, talvez por uma dificuldade, pelas próprias dificuldades econômicas e sociais muitas vezes ligadas, essas questões, às estruturas familiares mais precárias... Então, isso a gente percebe muito. Mas, de uma forma geral, quando contextualiza grandes centros urbanos ou cidades maiores, o comportamento é bem parecido. Se você vai para o interior, para cidades menores, numa população mais rural, eu acho que a gente encontra diferenças importantes. Mas, quando a gente fala... óbvio, não dá para generalizar, existem vários jovens, mas quando pensa no jovem de centro urbano, eu acho que a gente consegue um comportamento bem parecido, a gente vê um comportamento muito parecido.
Tatiana Schibuola: Jairo, a excelência do seu trabalho eu acho que está em conseguir falar com o jovem diretamente. Eu acho que isso é uma das coisas que a gente tenta falar em Capricho. E eu acho que a grande dificuldade, quando a gente fala de pais e de educadores, é exatamente falar essa linguagem do jovem. Eu sei que tem um hospital aqui em São Paulo que está fazendo uma pesquisa para orientar os funcionários que trabalham com o jovem, na orientação sexual, para ajudá-los a conseguir falar com o jovem e serem entendidos. O que você acha que é falar com o jovem, a linguagem do jovem? É usar o jargão? A gíria? O que a gente precisa para ser entendido pelo jovem, para despertar o interesse dele?
Jairo Bouer: Eu acho que o risco de usar o jargão, a gíria, é você soar falso: “O que esse 'coroa' [gíria para pessoa mais velha] está falando comigo? O que esse cara que não tem nada a ver comigo está querendo falar comigo e fingindo que sou eu, ou imitando o meu jeito de falar?”. Então, eu acho que a gente tem que respeitar a gíria e o jargão dele, mas não usar isso, né? Eu acho que a grande questão é você enxergar no jovem um protagonista real, concreto, da vida dele mesmo. Quer dizer, é o cara que vai tomar a decisão. E acho que ele tem que ser respeitado e entendido como o cara que vai tomar a decisão. Então, a gente fala que ele é mais precoce, a gente viu que ele fica mais cedo sozinho em casa, que ele vai tomar as suas decisões de uma forma hoje mais precoce mesmo, não necessariamente com muita maturidade para tomar essa decisão, mas é ele que vai tomar essa decisão, é ele que vai, em última instância, resolver se ele vai usar ou não a camisinha no momento [em] que ele está lá, é ele que vai resolver ou não se ele vai encher a cara com os amigos ou não. Quer dizer, é ele, né? Quem vai tomar essa atitude é ele. Eu acho que a gente tem que entender. Eu acho que ele acredita mais na gente quando ele percebe que a gente está entendendo ele como o cara que vai tomar [a decisão], é o protagonista, o cara que vai tomar conta da sua vida. Se a gente respeita isso e tenta municiá-lo de informações, enxergando o papel da gente, obviamente, eu acho que a gente consegue ter um sucesso maior do que se a gente tentar proteger ou assumir um caráter, uma coisa que a gente não é, né? A gente não é jovem. Quer dizer, a gente tem que falar com ele, mas a gente está distante dele.
Heródoto Barbeiro: Jairo, o Ivan falou em diversas classes sociais. Eu lembrei aqui de um assunto importante, que é o seguinte: em que classe social está a prostituição infantil? Ou a prostituição do adolescente? Isso é um problema da miséria ou é um problema, que já foi levantado aqui, de uma sexualidade precoce? Ou é uma junção dos dois? Onde é que fica a questão da prostituição infantil?
Jairo Bouer: Pois é. Eu acho que a miséria, as estruturas familiares muito frágeis... eu acho que a falta de perspectiva, a falta de projeto de vida, eu acho que tudo isso pode contribuir para a questão da prostituição infantil, além de todos os fatores sociais e econômicos que a gente está vendo aqui.
Heródoto Barbeiro: E do outro lado a pedofilia, obviamente?
Jairo Bouer: É, né? Quer dizer, você tem a oferta e você tem a procura. Eu acho que isso é uma coisa que é clara, mas eu acho que também tem uma questão de consumo, que a gente vê muito: o jovem que não é necessariamente um jovem que não tem dinheiro, não é um jovem que tem uma estrutura familiar absolutamente fragilizada, mas é um jovem que tem uma questão de consumo que é muito importante para ele. Ele quer ter aquele tênis de uma forma mais fácil. Ele quer ter aquela roupa de uma forma mais fácil. Ele ganhar dinheiro mais rápido do que ficar trabalhando das 8h às 20h numa loja ou num restaurante ou num bar, e ele acha quem pague isso, quem possibilite isso, né? Então, eu acho que a questão do consumo também tem um... isso principalmente em jovens de classe média. Eu acho que tem um papel importante na questão da prostituição infantil, da adolescência. Não é só a questão da miséria.
Fabiane Leite: Você, que é psiquiatra, não sei se você poderia comentar um pouquinho em relação à pedofilia. Já não é hora de começar a se discutir o que fazer, além de prisão, com esses pedófilos? Quer dizer, eu digo o seguinte: esses indivíduos, eles podem passar um tempo na cadeia ou podem nunca ser punidos, mas estarão sempre com essa condição, não exatamente uma doença. Então, é uma coisa que pouco se discute. Um psiquiatra aqui de São Paulo que tentou discutir isso, um tratamento para pedófilos, que era uma injeção, que impedia, que dificultava as ereções, ele foi massacrado...
Heródoto Barbeiro: Uma castração química?
Fabiane Leite: Uma castração química. Ele foi massacrado, mas é algo que se faz. Estudos, trabalhos lá fora, tem um tempo... mas ele foi massacrado pelos juristas. Enfim, essas pessoas vão para prisões, às vezes não vão, enfim, ou saem, ou é uma condição para o resto da vida, né, Jairo? Se você poderia comentar um pouco o que em temos de saúde pública deve ser feito em relação ao agressor, a esse agressor que vai estar sempre aí com essa...
Jairo Bouer: Alguns anos atrás a gente participou de um congresso de sexualidade no Rio de Janeiro, e nessa ocasião, um especialista, o John Money [(1921-2006) psicólogo e sexólogo especializado em pesquisa em identidade sexual e biologia do gênero], que trabalhava com arcabouço teórico que ele chama de Lovemaps, ele falava da importância da gente tratar esses pedófilos. Por algum motivo eles têm alguns imprints [registros] na sua cabeça, no seu cérebro, no seu funcionamento psíquico, quando eles são muito jovens. Isso fica lá presente e isso se estrutura depois num comportamento como a pedofilia, ou, enfim, alguns outros distúrbios sexuais que aparecem. E John Money falava da importância de se tratar essas pessoas. E lá nos Estados Unidos o que chamam sexual offenders, os ofensores sexuais, quando é diagnosticado que são eles têm esse tipo de distúrbio, eles são encaminhados para uma instituição especializada, ficam presos, são privados de liberdade, mas recebem tratamento também, até para que eles possam ser reintegrados à sociedade e na tentativa de tratar, ou de melhorar, ou de minorar, essa condição deles. Então, nesse sentido, a castração química, o John Money na época usava, no centro que ele trabalhava, como uma possibilidade, né? O cara, que o próprio... Eu lembro de alguns casos que ele que contava, o pedófilo tinha o telefone do psiquiatra ou da referência de saúde dele, ele ligava e falava assim: “Eu estou aqui na rua. Eu não estou me controlando. Estou circulando o parque que tem um monte de crianças.”. Então era chamada uma ambulância, que o levava para o hospital.
Fabiane Leite: Sim, mesmo uma redução de danos, aprender a conviver com isso. “Você não vai poder conviver com crianças. Você não pode trabalhar com crianças.”, né?
Jairo Bouer: Exatamente. Ou o tratamento mesmo oferecido. Há tratamentos mais agressivos, mas que talvez tenham um peso, nessa condição dele.
Heródoto Barbeiro: Jairo, vamos fazer mais um intervalo? Ok. Vamos fazer mais um intervalo aqui, lembrando que a memória do Roda Viva está a sua disposição aqui na internet, no nosso site. É só você entrar no: tvcultura.com.br/rodaviva. Você pode então pesquisar e pode ver todo o conteúdo do nosso arquivo e também mandar aqui os seus e-mails com críticas e sugestões, como você faz, inclusive, ao longo de todo o nosso programa. A gente volta com Jairo Bouer daqui a pouco. Até já.
[intervalo]
Heródoto Barbeiro: O nosso entrevistado hoje aqui no Roda Viva é o médico psiquiatra Jairo Bouer. Jairo, tem uma palavra que os pais ficam arrepiados, preocupados, o que é uma rave? [Jairo ri] Os pais ficam assim, assustadíssimos. "Rave", imaginam droga, 24, 48 horas de festa etc etc. O que é exatamente uma rave? O que leva um jovem a participar de uma rave?
Jairo Bouer: Rave é uma grande festa, né?
Heródoto Barbeiro: Aliás, é bom você definir para mim, porque eu sou de outra geração. "Há quarenta anos falava-se de sexo de um jeito e agora fala-se de outro”, diz aqui o pessoal da internet.
Jairo Bouer: A rave é uma grande festa, uma festa que dura muitas horas, normalmente, às vezes finais de semana todos. Acontece normalmente em espaços abertos, afastados das grandes cidades, grandes centros urbanos. Há música, normalmente música eletrônica. Os jovens vão dançar, vão acampar, vão conviver, vão namorar. Enfim, é um espaço em que eles vão se divertir e passar um bom tempo.
Heródoto Barbeiro: Com drogas ou sem drogas?
Jairo Bouer: Muitos com, muitos sem. Quer dizer, as chamadas “drogas sintéticas”, as drogas produzidas em laboratório para que se consiga um determinado objetivo, um determinado fim, elas ganham espaço e oportunidade de venda, de consumo, com as grandes festas, mas a rave não tem que estar necessariamente associada à droga sintética e nem todo mundo que vai para a rave usa droga, da mesma forma que tem gente que não vai para rave e usa drogas sintéticas. Mas todo mundo fica muito preocupado.
Heródoto Barbeiro: E quando a filha ou o filho disser para o pai: “Eu estou indo para uma rave.”, o que o pai ou a mãe faz numa situação dessa? Se é que dá para fazer alguma coisa.
Jairo Bouer: Eu acho que dá. Eu acho que esse canal aberto de discussão, de informação, de diálogo que a gente falou em relação à questão da sexualidade, é um canal que também tem que funcionar em relação à questão das substâncias. Hoje a gente sabe que as substâncias, de uma forma geral, têm uma capilaridade muito grande, estão muito próximas ao jovem em qualquer lugar: na rua dele, no condômino dele, na escola, no clube. É tudo muito próximo. Então, de fato, é bem possível que ele seja exposto a algum tipo de substância na adolescência ou no início da sua vida adulta, né? E aí? Ele vai consumir ou não? Ele vai entrar em contato com essa substância ou não? Quem vai definir isso, em última instância, é o jovem autônomo, é o jovem protagonista. Ele que vai tomar a decisão dele. Então, eu acho que, se a gente teve a oportunidade...
Heródoto Barbeiro: [Interrompendo] Mas numa hora dessas a educação influencia? O que influencia a tomada da decisão?
Jairo Bouer: Eu acho que essa questão... exatamente, se a gente conseguiu durante esses anos todos estabelecer um canal de comunicação, um canal de diálogo, e fazer com que essas questões de drogas também estejam permeando a discussão entre pais e filhos, eu acho que a gente tem uma possibilidade maior de o jovem pensar mais antes de consumir ou de usar, ou se, eventualmente, usar, ficar mais atento para a questão do abuso. A experiência pode até acontecer, mas a chance de você caminhar para o abuso ou para a dependência talvez seja um pouco menor.
Fabiane Leite: Mas o que você houve mais deles? O que eles dizem? Por que eles usam camisinha? O que eles falam? O que convence o jovem? Por exemplo, os que dizem que usam camisinha, usam por quê? Os que dizem que sabem controlar a dose de álcool, os que têm um comportamento que dá para levar, que transitam nessas raves sem parar no hospital, na ambulância, ou enfim, coisas piores...
Jairo Bouer: O que convenceu eles a tomar essa decisão?
Fabiane Leite: É, o que convence.
Jairo Bouer: Eu acho que um pouco a questão de: “Eu tenho a informação.”. Mais do que “Eu tenho informação.", "Eu quero me cuidar. Eu preciso me cuidar. Eu acho importante me cuidar.”. É muito... é um senso talvez de um pouco mais de cuidado, de responsabilidade, com ele mesmo e com a saúde dele.
Fabiane Leite: Auto-estima.
Jairo Bouer: É uma questão de auto-estima, às vezes uma questão de projeto de vida. Não que quem usa uma droga sintética não tem um projeto de vida, ou quem, eventualmente, usa algum tipo de substância não tem um projeto de vida, mas eu acho que fica talvez mais fácil olhar, Fabiane, quem acaba tendo um consumo excessivo ou quem acaba entrando num...
Heródoto Barbeiro: Você já foi a alguma rave?
Jairo Bouer: Já fui, já fui sim.
Heródoto Barbeiro: Você aguentou aquele som 24 horas?
Jairo Bouer: Para a gente é um pouco mais complicado.
[Risos]
Jairo Bouer: Mas eu fui em rave sim. Obviamente eu não agüento muito, eu vou embora rápido, e aí você vê de tudo. Só voltando à pergunta da Fabiane, como a gente percebe quem são esses jovens que acabam fazendo mais sexo sem proteção, se cuidando menos, usando mais substâncias, ou quando usam substâncias, abusam, exageram? Muitas vezes é o jovem que está muito tímido, é o jovem que está muito ansioso, é o jovem que está com alguma questão, está mais vulnerável, do ponto de vista emocional, é o jovem que tem uma estrutura familiar muitas vezes muito mais resolvida, se dá muito mal com os pais ou não tem uma presença materna ou paterna muito próxima. É...
Maria Helena Vilela: [Interrompendo] Como fica a expectativa dos pais em relação a isso? Você acha que isso ajuda nessa tomada de consciência dele, nesse autocontrole diante das situações?
Jairo Bouer: Eu acho que sim. Eu acho que o pai que conseguiu estabelecer ou tentou estabelecer, ou mostrou uma preocupação concreta, real, próxima do filho, eu acho que, de alguma forma, faz com que esse jovem seja mais resistente ou resiliente, ou pense mais antes de tomar uma atitude. Nesse sentido, eu acho que, de novo, a questão de estabelecer o canal de comunicação, de você ajudar, a questão do filtro, você ajudar o jovem a elaborar os seus filtros, já que a tomada de decisão é dele, já que a autonomia é dele, já que o protagonismo é dele...
Maria Helena Vilela: Limite é uma questão extremamente importante, né, Jairo?
Jairo Bouer: Sem dúvida.
Maria Helena Vilela: Porque hoje a gente percebe que existe assim, uma... quase que uma... o limite caiu no esquecimento. É quase uma aberração para um pai você dizer que ele tem que colocar limite nos filhos, como se isso fosse uma coisa ruim para os filhos, né?
Jairo Bouer: E os filhos pedem esse limite o tempo inteiro, né? Às vezes de forma concreta ou não, mas, enfim, esse limite é fundamental. É importante que eu saiba até onde eu possuir, como eu posso ir, de fato: qual é o limite.
Maria Helena Vilela: Esses pais que colocam limites são pais desses filhos que ela colocou nos comportamentos? Ou seja, esses meninos que se comportam de uma forma mais adequada a uma perspectiva melhor de vida são filhos de pais que colocam limites, que mostram as suas expectativas em relação a eles?
Jairo Bouer: Eu acho limite importante. Não o limite estanque, não o limite inegociável. Eu acho que limites podem ser negociados, à medida que você sente que o seu filho ou a sua filha tem maturidade, capacidade de lidar com eles, mas o limite é fundamental de estar presente. O que a gente vê muito é o pai culpado: “Não posso ficar com o meu filho o tempo inteiro, raramente eu estou junto. Então, quando eu estou junto eu deixo ele fazer o que ele quer, dou presente, compro o que ele precisa, o que ele pede.”.
Ivan Martins: Jairo, deixa eu te perguntar uma outra coisa a respeito da presença dos pais. Tem um outro grande interlocutor dos adolescentes e dos jovens que é a internet. É um espaço no qual eles passam horas por dia e é um espaço no qual os pais não têm controle, ou têm muito pouco controle. Eu estava conversando com o pessoal do site. Não é só que os pais não sabem programar o DVD. Eles também não sabem lidar com a internet, têm uma cultura de tecnologia digital que afasta as pessoas. Eu queria que você falasse um pouquinho da influência da internet na vida desses jovens, porque temas como a pedofilia, quase tudo que a gente pode pensar, propaganda de drogas, negociação de drogas, construção de identidade, sexualidade, exposição da própria imagem, são coisas todas que vêm pela internet. Eu queria que você falasse um pouquinho disso.
Jairo Bouer: Eu acho que a internet está moldando um comportamento jovem muito diferente do que a gente via nas gerações anteriores, e acho que, cada vez mais, a gente vai ter que entender, estudar e tentar perceber o impacto que ela está tendo nesse comportamento do jovem. Nas pesquisas que a gente tem feito de comportamento jovem, a gente pergunta para eles o peso da internet na vida deles, e é grandíssimo, independente da classe social. Uma vez que eles têm acesso à internet, a internet passa a exercer e ter um papel muito importante na vida deles. Eles preferem a internet aos outros veículos de comunicação. Preferem ler na internet do que no jornal e na revista. Preferem ver na internet do que ver na televisão. Quer dizer, eles têm uma ligação, essa possibilidade de: “Eu vou aonde eu quero. Eu interajo. Aqui eu exerço o meu protagonismo, talvez de uma maneira mais clara.”. Isso faz com que a internet seja um veículo muito mais próximo do desejo, da vontade do adolescente, do que outros veículos.
Maria Helena: Você acha que a internet, de uma certa forma, “substituiu”, entre aspas, a experiência de uma casa de prostituição para o jovem masculino, uma vez que eles hoje não têm mais tanto acesso à experiência com uma mulher que não faz parte do seu meio social?
Jairo Bouer: Eu acho que tem uma questão da internet... A gente pergunta na pesquisa, por exemplo, nas pesquisas que a gente faz: “Você já ficou com alguém que você conheceu pela internet?”. A gente tem 20, 25% dos jovens [que] já ficaram pelo menos uma vez na vida com alguém que conheceram pela internet. Quer dizer, ou entra numa sala de bate-papo, viu alguém que nunca tinha pensado na vida e foi lá marcar um encontro, e ficou com essa pessoa, ou através das redes sociais, indicação de um amigo, amiga, os Orkut, os Facebook, Twitter [sites de relacionamento muito populares entre os jovens, mas com alcance em todas as faixas etárias]. Enfim, encontra alguém, vai atrás dessa pessoa e fica com essa pessoa. [Segundo as pesquisas,] 10, 12% dos jovens já fizeram sexo com alguém que conheceram pela internet. A gente está falando de jovens de 13, 14, até 17, 18 anos de idade.
Ivan Martins: Esses jovens de quarenta parece que estão fazendo muito também.
[Risos]
Jairo Bouer: Estão também. Então, eu acho que sim. A internet tem um papel em diversas áreas da vida deles, e, na sexualidade, isso está muito presente. Eu acho que cada vez a gente vai ter que prestar mais atenção nisso. Até para isso que você está falando, Maria Helena, eu acho que é muito fácil para o jovem... Antigamente ele queria comprar uma revista de mulheres nuas, tal, tinha o trabalho de ir na banca, se expor. Hoje entra na internet, tem milhares de sites, filmes para tudo quanto é gosto, de tudo quanto é forma. Quer dizer, se você não consegue trabalhar com ele aonde ele vai e como ele vai, e o que ele vai fazer com isso, ele não sai da internet, fica o dia inteiro lá vendo isso. Então, eu acho que...
Tatiana Schibuola: [Interrompendo] Jairo, você falou dessas pessoas que elas conhecem, ficaram com uma pessoa que conheceram na internet, ou transaram com uma pessoa que conheceram na internet, mas o que eu tenho visto entre as minhas leitoras hoje é que o namoro acontece só na internet. Você fala assim: “Você namora?”. “Namoro”. “Há quanto tempo?”. “Três, quatro meses, por aí.”. “E aí, como é? Ele é legal? Vocês já se encontram? Onde vocês se encontram?”. “Ah, no MSN [site de bate-papo na internet].”. Será que está se desenhando aí uma nova forma de relacionamento que a gente não entende? Eu vi que, no seu livro, aqui, no Primeira vez, você fala: “Ah, não. Você tem que levar isso para a vida real, tentar conhecer o cara e tal.”, mas a gente tem visto que não, que elas levam durante um ano, cinco meses, seis meses, uma coisa que eles realmente consideram como um namoro, sem nunca ter tido um contato físico. Você acha isso possível?
Jairo Bouer: É engraçado, a gente vê mesmo. Eles se conhecem no site de alguém, às vezes moram em outra cidade, e ficam lá trocando correspondências. Até do ponto de vista lúdico é interessante, se você pensar nisso: “Eu vou namorando na internet, conhecendo, tal...”, mas o risco disso é essa questão substituir a questão da realidade, a questão da possibilidade concreta de encontrar alguém, né? Não que a internet não possa possibilitar o encontro de casais. Eu tenho vários amigos que se conheceram pela internet, namoraram, casaram, às vezes até de outros países, e estão morando juntos. Não que isso não possa acontecer. Eu acho que relações nos tempos modernos têm que pensar na possibilidade de internet, mas eu acho que o grande risco é ficar nisso, é não sair do lúdico, só ficar nisso: brinca, brinca, brinca... e começa a achar que essa é a relação definitiva.
Tatiana Schibuola: Modelo ideal, né?
Jairo Bouer: Começa a ter ciúme: “Ele não entrou. A gente marca bate-papo todo dia às seis da tarde e não entrou!”. Aí você fica com ciúme de uma pessoa que você nunca viu, que você não conhece. Então que namoro é esse? É uma questão importante para a gente pensar. Para onde a gente está indo?
Laís Duarte: Jairo, uma outra pergunta apontada aqui na nossa enquête é a seguinte: "O que mudou na sexualidade de hoje comparada a quarenta anos atrás? O sexo deixou de ser tão especial, de ser tão idealizado, pelo menos o físico, né, que já pela internet tem?".
Jairo Bouer: Eu acho que eles experimentam mais, e eu acho que eles variam mais do que as gerações anteriores. Então, começa-se a vida sexual mais cedo, há uma experiência maior até a sua relação definitiva. E eu acho que muitas vezes você conhece ou tem a possibilidade de conhecer parceiros ou parceiras diferentes ao longo dessa sua experiência sexual. Isso banalizou totalmente, e a sexualidade perdeu aquela questão especial de estar ligado ao sentimento, ao afeto? Eu acho que para muita gente não. Para alguns, ou em algumas fases, talvez sim. Talvez [para] o adolescente que está louco para fazer tudo o mais rápido possível a internet facilita, ele encontra, ele faz. Talvez haja uma certa banalização, né? Mas vai nas festas, fazem os concursos de "ficadas", quem fica mais, quem fica com mais gente naquela noite, enfim, talvez isso aponte uma banalização, uma perda desse sentido especial da afetividade, do emocional. Talvez isso seja uma fase, talvez ele precise passar por isso. Precisa brincar para amadurecer o comportamento dele.
Heródoto Barbeiro: Isso quer dizer o quê? Isso quer dizer que ele é um hedonista, é isso? É aquela busca? Porque os pais também, muitas vezes, falam para os filhos: “Você só gosta de fazer aquilo que lhe traz prazer. A hora que tem que fazer outras coisas...”. O que é? Essa sociedade leva a esse hedonismo, a essa busca desenfreada do prazer? Porque inclusive você citou que isso é uma forma de você exacerbar os sentidos, não é verdade?
Jairo Bouer: É.
Heródoto Barbeiro: Você citou aí várias situações, mas está espantado o hedonismo?
Jairo Bouer: Pois é. Quando você pergunta para eles mesmos: “Como você vê a sua geração?”, eles falam assim: “Eu acho que a gente é mais consumista. Eu acho que a gente muitas vezes é mais individualista. A gente está mais preocupado com o prazer da gente mesmo. Muitas vezes a gente não está tão atento, tão preocupado, com o outro. Tem uma baixa tolerância ao diverso, ao diferente, ao que te faz esperar, ao que te faz sofrer, ao que te faz...”. Então, eu acho que, talvez, de alguma forma, é uma geração que talvez esteja mais preocupada com questões individuais ou questões de prazer. Isso é definitivo? Eu não acho. Eu acho que eles passam por uma fase e depois, um pouquinho mais maduros, eles conseguem enxergar e entender um pouco melhor tudo isso.
Heródoto Barbeiro: Mas a sociedade também não está organizada para levar nessa direção, por tudo aquilo que foi falado aqui?
Jairo Bouer: É, eu acho que sim, de alguma forma sim. E aí ele encontra eco nisso.
Maria Helena Vilela: A gente, falando dessa forma, fica parecendo que o jovem é do jeito que é porque essa geração nasceu desse jeito. E, na verdade, o jovem não é do jeito que ele é simplesmente porque ele quer ser. Ele é porque ele pode ser. A gente vive hoje numa comunidade. A gente vive hoje numa sociedade muito mais liberal em relação à sexualidade, em relação ao comportamento jovem, à colocação de limites que a gente acabou de falar, que é muito mais flexível, ou seja, hoje o jovem tem uma possibilidade de ditar as suas normas e regras dentro de um corpo que, obviamente, tem desejo sexual, dentro de um corpo que, obviamente, quer o prazer. Se tiver que escolher entre o prazer de estar numa balada, de estar fazendo sexo, do que estudando, é óbvio que ele vai preferir fazer sexo, estar na balada, ou estar na internet. Agora, a sociedade conduz, as regras sociais conduzem as normas.
Ivan Martins: Posso complementar? Esse raciocínio é meio esquisito, porque, dentro dessa idéia, quanto maior o grau de liberdade, maior o grau de hedonismo? Quer dizer, a diferença em relação às gerações anteriores seria que eles têm mais liberdade do que os outros tiveram? Logo, eles estão fazendo opções erradas?
Maria Helena: Não, porque existe uma série de comportamentos que são naturais do ser humano, uma vez que ele tem a liberdade, possibilidade. Por exemplo, o sexo é uma coisa natural: uma vez que você recebe um estímulo sexual, a sua tendência é querer realizá-lo. Se você está num determinado contexto aonde isso é possível, com certeza você vai até o final. Agora, se você vive numa sociedade que reprime, uma sociedade que contém, você acaba idealizando muito mais, romanciando muito mais, e criando uma forma alternativa de vivenciar aquela frustração que aquele momento está lhe dando.
Heródoto Barbeiro: Eu gostaria também de ouvir a resposta do Jairo sobre isso.
Jairo Bouer: De fato, eu acho que a gente só consegue enxergar esse jovem hoje, com a questão do prazer, da forma que ele vivencia o prazer. Não dá para enxergar ele descontextualizado dessa sociedade. A gente... de alguma forma, a sociedade se organizou para que o jovem pudesse fazer isso, mas eu continuo a achar que essa questão do prazer, a busca desenfreada do prazer, "Ele só quer prazer", eu não vejo isso como, assim... a gente foi ter uma sociedade com mais liberdade, com menos cobranças, com menos limites. Ele deixou de idealizar tanto para colocar mais em prática, mas eu não acho que isso necessariamente significa que ele vai se tornar um hedonista, ponto final, e não vai estar atento às outras questões. Eu acho que é o jovem que, sim, talvez, seja mais individualista, mais consumista, mais preocupado com seu prazer, mas que ele vai também... em algum momento, ele amadurece isso, ele integra isso, ele começa a perceber um pouco melhor essas coisas e ele, enfim, vai...
Maria Helena: [Interrompendo] Maturidade.
Fabiane Leite: Jairo, há algum tempo, um profissional que vende, [há] muitos anos, livros voltados para essa questão de como lidar com seu filho, enfim, ele defendeu que, para impor limites, o pai deveria checar a mochila...
Jairo Bouer: Ah, eu sou totalmente contra.
Fabiane Leite: ... checar o computador, ver se ele vê com quem ele está falando. Quer dizer... e tem pai que faz isso, o que você acha?
Jairo Bouer: Eu não gosto dessa postura. Eu não sei a Maria, o que ela acha. Eu sou contra essa história assim. Eu acho que você tem que respeitar a autonomia e liberdade do indivíduo. Eu acho que você tem que chegar antes, conversar, trocar, explicar, para que você não tenha que ficar vigiando mochila, ficar...
Fabiane Leite: Entrando no MSN depois, no arquivo...
Heródoto Barbeiro: Grampo não.
[...]: Só com autorização da Justiça!
[Risos]
Heródoto Barbeiro: Jairo, nós vamos fazer um intervalo então.
Jairo Bouer: Está ótimo.
Heródoto Barbeiro: Nós vamos fazer um intervalo e, em instantes, o Roda Viva volta aqui. Hoje estamos conversando com o médico psiquiatra Jairo Bouer. Até já.
[intervalo]
Heródoto Barbeiro: Pelo Roda Viva de hoje, o nosso convidado é o médico psiquiatra Jairo Bouer. Jairo, vamos falar um pouco a respeito de espiritualidade, desse contato que você tem especialmente com o jovem. A gente acompanha seu trabalho. Os jovens acreditam em Deus? São mais ateus do que eram os jovens de antigamente? Não são? Acreditam em vida após a morte? O que tem a ver a religião e a espiritualidade com o comportamento geral dos jovens?
Jairo Bouer: Aí é uma questão que é difícil a gente generalizar. E, nesse caso, eu acho que a gente tem vários jovens. A gente não fala de um jovem. A gente tem uma quantidade razoável de jovens para os quais a questão da religião, a questão da espiritualidade, é muito importante. E é curioso que alguns trabalhos mostram que esse jovem em que a religião tem um papel importante na sua vida, ou que a família tem uma religião definida, são jovens que tendem a ter um início de vida sexual um pouco mais tarde do que a média do jovem da população. Muitas vezes também têm um contato menor com as substâncias, com o álcool, como se, de fato, a religião fosse, talvez, um desses fatores de proteção para os jovens onde ela tem um papel importante, onde ela tem uma presença marcante. Boa parte dos jovens tem famílias que têm uma religião, mas eles não seguem essa religião, essa religião não é um pano de fundo importante para a existência deles, para a vida deles. E alguns jovens são completamente ateus, não acreditam em religião e a espiritualidade também não tem um papel na vida deles. Então, eu acho que a gente tem padrões. Não tem um jovem nesse caso. A gente teria vários jovens em relação à questão da religião.
Laís Duarte: Jairo, outra pergunta aqui na nossa enquête é a seguinte: "Como adolescentes e jovens adultos lidam com a questão da homosexualidade? Está mais fácil falar sobre esse assunto?".
Jairo Bouer: Eu acho que está mais fácil falar desse assunto. O que a gente percebe... a sociedade, eu acho que ela derrubou ou está derrubando alguns preconceitos, alguns tabus. Então, a impressão que eu tenho é que é mais fácil falar hoje sobre homossexualidade do que vinte ou trinta anos atrás, e a gente vê mais na escola. Quando você vai para a escola, você vê mais jovens que já têm uma questão de sexualidade ou de homossexualidade já bem definida, no seu papel ali está marcado, na sua cabeça, ele sabe o que ele está fazendo ali. Mas a gente também tem, né? Tem preconceito, tem bullying [termo inglês que designa atos intencionais e repetidos de violência física ou psicológica, praticados por um ou mais de indivíduos, com o objetivo de intimidar ou agredir outro (ou outros) incapaz(es) de se defender], tem violência, porque nessa fase eu acho que é diferente ainda incomoda, ainda chama muita atenção. A necessidade de pertencer a um grupo, de fazer parte de um grupo, faz muitas vezes com que esse jovem que tem uma orientação homossexual acabe sendo discriminado ou sofrendo preconceito por parte dos grupos.
Tatiana Schibuola: Agora, Jairo, eu tenho visto um movimento exatamente contrário a esse, que é uma glamourização do homossexualismo entre garotas. Então, elas ficam juntas quando vão na rave, na badala... A Lindsay Lohan [(1986-), atriz e cantora norte-americana que assumiu sua bissexualidade em 2008] está namorando a Samantha Ronson [(1977-), DJ, cantora e compositora birtânica]. Você tem a Britney Spears [(1981-), cantora e atriz norte-americana] beijando a Madonna [na abertura do Video Music Awards (VMA) 2003, as cantoras Britney Spears e Christina Aguilera cantaram trechos da canção de Madonna Like a virgin para homenagear os 20 anos do VMA e os 20 anos de carreira de Madonna. Elas beijaram Madonna na boca, fato que chamou a atenção da mídia mundial, foi notícia de abertura de vários telejornais internacionais e capa de várias revistas]. Como você vê essa glamourização? É um espaço de experimentação e isso é positivo? Porque até entre elas, elas falam em “modinha”.
Jairo Bouer: É, a gente vê muito mesmo hoje. Um estudo interessante americano que se chama Youth risk behavior, o comportamento jovem, e aí ele analisa um pouco a questão do padrão de comportamento das meninas. E, se eu não me engano, se não me falha a memória, 15% das meninas universitárias já tinham experimentado uma relação homossexual, um companheiro homossexual, na sua vida. E esse número mais alto entre as meninas, entre as garotas, do que entre os garotos. E eu acho que existe um certo modismo nessa história, sim. Existe a experimentação natural dessa fase da adolescência: meninos e meninas experimentam muitas vezes, estão em dúvida, querem explorar outras possibilidades. Não é uma maioria. Eu ainda acho que é uma minoria, mas existe o processo de experimentação e, no caso das meninas, eu acho que há um certo modismo nesse momento, há uma certa glamourização. Elas fazem para provocar os meninos, elas fazem porque elas querem passar por essa experiência mesmo, elas fazem porque a cantora faz, o grupo de rock faz. Enfim, eu acho que há uma cópia de um comportamento. A gente percebe isso, de uma forma mais presente nas meninas, já que, socialmente, ou culturalmente, talvez isso seja mais fácil de lidar, mais aceito, do que entre os garotos.
Maria Helena Vilela: Você não vê isso também como uma provação erótica para os meninos?
Jairo Bouer: Acho, acho que sim.
Maria Helena Vilela: Os meninos não têm, assim, um erotismo especial em ver duas mulheres se beijando, se acariciando, e elas, de certa forma, criam uma provocação?
Ivan Martins: Aparentemente eles incentivam, não é?
Jairo Bouer: É, eu acho que sim.
Maria Helena Vilela: Porque eu recebo muitos e-mails de jovens perguntado: “Como convencer a minha namorada a transar com uma outra pessoa?”, e, em geral, essa outra pessoa é uma outra menina e não um outro menino. Então,...
Jairo Bouer: [Interrompendo] Tem muito isso sim. Eu acho que elas sabem que os meninos ficam mais... de alguma forma, provocam mais os meninos quando elas fazem isso. Os meninos, de alguma forma, talvez incentivem esse comportamento, né? Até por uma questão pessoal. Então, eu acho que acaba complementando.
Maria Helena Vilela: Então, a gente pode dizer que esse comportamento homossexual entre as meninas é mascarado? Ou seja, é mais difícil de se identificar quando, de fato, essas meninas são ou não homossexuais até para elas mesmas ou apenas na aparência?
Jairo Bouer: Eu acho que, quando eu vejo hoje a questão da orientação sexual, eu acho que existe muito mais um contínuo de comportamentos do que uma coisa muito estanque. Existe o comportamento hétero, o comportamento homo e o comportamento bi ali, no meio caminho. Eu acho que a gente tem uma gama maior de possibilidades que a gente está imaginando, mas eu acho que isso que você diz é verdade. Talvez para a menina que esteja experimentando isso, fique uma dúvida mesmo: “Será que eu estou fazendo porque eu tenho orientação homosexual? Será que eu estou fazendo só porque eu estou brincando? Será que eu estou fazendo isso porque eu estou provocando o menino?”. No meio dessas todas eu acho que as que sabem, de fato, que têm uma orientação ou sentem um afeto, a questão do desejo mais marcado pelas outras meninas talvez, para elas, isso esteja mais claro, mas para as outras que estão na questão do modismo ou da experimentação, eu acho que talvez isso demore um pouquinho mais de tempo para se resolver ou para entender o que está perguntando.
Ivan Martins: [Interrompendo] Deixa eu fazer uma pergunta sobre identidade sexual. Você está falando das meninas, de identidade sexual. E os meninos? A gente tem impressão, às vezes - isso se diz repetidamente na mídia -, que existe uma crise de identidade masculina. Se existe uma crise de identidade masculina, deve começar em algum lugar, provavelmente na adolescência ou antes dela.
Jairo Bouer: Eu acho que na adolescência.
Ivan Martins: Então, há uma crise de identidade masculina na adolescência? Será que isso, de alguma forma, está conectado com comportamentos violentos? Quer dizer, "O papel de macho que me resta é esse: dar porrada, matar, ou, no limite... ", né?
Jairo Bouer: Eu acho que a mulher mudou muito mais do que o homem nessas últimas décadas assim, e o adolescente percebe isso, quer dizer, a menina tem um comportamento diferente hoje do que tinha vinte anos atrás, mais diferente do que tinha o menino tinha, do que o menino tem, né, quer dizer, eu acho que o papel da mulher mudou mais, a mulher se posicionou de forma diferentes em relação a diversos aspectos da sua vida, social, cultural, sexual. E acho que o menino ficou meio perdido, o garoto está meio perdido, está se achando ou está tentando se achar, mas está meio perdido, e aí eu acho que a questão da violência muitas vezes aparece isso, aparece aí, como uma forma de identidade com outro garoto, com um grupo. Acho que não é a única explicação, mas eu acho que o menino fica meio acuado frente a alguns comportamentos da menina. Por exemplo, "Ela chega e fala que está a fim de mim, e aí o que eu faço? Eu que tinha que chegar, na minha cabeça. Eu fui... de alguma forma, a sociedade, o meu pai, o meu tio, o meu avô, falou que eu tenho que tenho que chegar. Então, como que faz quando ela chega?". Então, eu acho que o menino se questiona mais a respeito do seu papel. Eu acho que ele está tentando enxergar um pouco melhor para onde ele vai, como ele faz, do que a menina. Eu acho que a menina está brincando mais com essa questão do papel dela, está podendo viver uma coisa um pouco mais flexível, e acho que isso assusta um pouco o garoto. Eu acho que ele fica meio perdidão mesmo em algumas situações.
Tatiana Schibuola: Jairo, a gente tem visto algumas pesquisas sobre adolescentes, sobre os jovens, que eles estão se tornando - ou são - extremamente conservadores. Então, assim, os propósitos de vida são: ter um bom emprego, uma casa, um carro... eles não têm aqueles ideais que vêm junto com a palavra “adolescência”, que é rebeldia... Enfim, até as bandas de rock já não são mais drogadas. Enfim, como você vê isso? A adolescência deixa de ser um período dessa ebulição? É simplesmente uma fase de busca de identidade pessoal? Não existe mais esse movimento?
Jairo Bouer: Eu vejo um pouco de restrição nesse modelo, porque eu ainda percebo, ou ainda sinto, das coisas que a gente conversa, ou quando você reúne esse grupo de adolescentes, que eles vêm com as questões que são naturais da adolescência mesmo, as incertezas, as dúvidas.
Fabiane Leite: Talvez eles tenham mudado o foco, né? Questões do meio ambiente talvez mobilizem mais do que algumas questões políticas...
Jairo Bouer: Eu acho que sim.
Fabiane Leite: Você vê muitos jovens mobilizados em grupos de proteção ao meio ambiente?
Tatiana Schibuola: Mas não existe mais aquela ruptura que existia, de...
Jairo Bouer: Eu acho que, com relação a alguns comportamentos deles, me dá a sensação assim: eu não percebo eles de uma maneira mais conservadora do que as gerações anteriores. Eu acho que não. Eu acho que eles continuam vivenciando as suas dúvidas da mesma forma, enfim, desafiando, tentando quebrar barreiras, se rebelando com relação a algumas questões, que eu acho que são comportamentos naturais dessa fase mesmo. Agora, quando você pergunta de futuro, aí talvez pareça um modelo mais conservador. Aí, "o modelo que você tem em casa é o modelo que você gostaria de seguir?". "É.". "O que você quer?". "Ter um bom emprego, ganhar dinheiro, casar e ter filhos.". Nesse sentido, o modelo para o futuro é um modelo talvez que se aproxime mais de um modelo - vamos chamar assim - conservador ou de cópia do modelo dos pais, mas eu acho que isso, em relação ao comportamento deles, naquele momento, quando você faz a fotografia naquele momento, eu não vejo eles como mais conservadores. Talvez a projeção eles façam de uma forma mais conservadora.
Heródoto Barbeiro: É possível identificar os ídolos dessa geração como a gente identificava no passado? Ou está correto aquele verso que diz que “meus heróis morreram todos de overdose” [o verso da canção Ideologia, de Cazuza, a que Heródoto se refere é: "meus heróis morreram de overdose"]?
Jairo Bouer: Eu acho que tem de tudo. Eu acho que a gente tem uma diversidade grande nessa questão de ídolo.
Heródoto Barbeiro: [Interrompendo] Mas os ídolos são aqueles apresentados pela televisão? Da onde [eles] vêm? Vêm da leitura de livros? [Vêm de] exemplo de pessoas que você conhece?
Fabiane Leite: O que causa mobilização assim?
Jairo Bouer: Eu acho que a televisão [causa mobilização] muitas vezes, o desempenho em alguma área que chame muita a atenção deles, por exemplo, esporte: “Esse cara é o meu ídolo porque ele ganhou a prova, porque ele é bom no que ele faz.”. Eu acho que a televisão muitas vezes vende esse modelo do ídolo. A banda, a música também...
Heródoto Barbeiro: [Interrompendo] Sumiram um pouco ídolos que vinham da área política, ideológica ou da literatura?
Jairo Bouer: Eu não percebo muito uma liderança nesse sentido de eles identificarem um ídolo como alguém que venha da literatura ou alguém que venha da política, ou alguém que venha mesmo da questão ambiental. Eu acho que talvez aquele que, de alguma forma, consegue o sucesso, alguém que consegue estar, de alguma forma, passando o recado para eles: ou através da música, ou da televisão, ou do esporte. Eu acho que esses são os ídolos que eles têm. Enfim, eu acho que esses são ídolos que eles têm uma...
Heródoto Barbeiro: Você acha que o Lula é um ídolo entre os jovens?
Jairo Bouer: Pois é, né? Eu acho que em parte dos jovens sim. Eu acho que eles enxergam o Lula no sentido de que ele propõe um modelo, ou ele propôs um modelo de ruptura em relação a um modelo que vinha acontecendo. Enfim, propôs. E eu acho que, nesse sentido, talvez para o jovem, ele seja um ídolo, mas não sei se para todo jovem. Eu ainda acho que há preconceito em relação ao Lula para muito jovem de classe média, média alta. Mas eu acho que sim, eu acho que sim. Talvez o presidente, nesse aspecto, seja um ídolo para eles.
Heródoto Barbeiro: Agora, aqueles outros mais clássicos, você acha que os jovens esqueceram um pouco? Por exemplo, está vivo o Mandela, o Papa [líder mundial da Igreja Católica], e outros ídolos do século passado... bom, o Fidel Castro está vivo ainda, o Gandhi morreu no século passado, esse pessoal... ?
Jairo Bouer: Eu acho que não. Talvez, para o adolescente um pouco mais velho, o Fidel [Castro] talvez. Enfim, mas o universitário, não o jovem adolescente [de] que a gente está falando... Eu acho que o ídolo do adolescente é construído muito em função dessa questão da imagem, do sucesso, do...
Fabiane Leite: Os caras como o Bono [ou Bono Vox (1960-), nome artístico de Paul David Hewson, cantor irlandês que lidera o famoso grupo musical U2 e participa de ações pelos direitos humanos], por exemplo. O Bono - né? - ...
Jairo Bouer: [Interrompendo] Talvez. Até ídolos de outras gerações que são incorporados como ídolos dessa geração, né?
Ivan Martins: Mas há uma ruptura danada, uma geração que não olha para trás, se pensar assim, uma geração que não tem ídolos mais velhos, não tem ídolos de cinqüenta anos ou de setenta anos. Se você está olhando só nos seus pares, se você está olhando na internet quem está brilhando hoje, isso é uma ruptura histórica, me parece, se for isso mesmo.
Jairo Bouer: Eu acho que não existe muito esse recall de quem já foi, de quem já fez. Eu acho que é uma coisa mais imediata. Eu acho que é uma coisa mais de enxergar ali uma coisa mais próxima deles, uma coisa que está mais próxima ao universo deles, que...
Maria Helena Vilela: [Interrompendo] Qual é a influência da família, do avô? Porque a gente vê hoje que muitos jovens... quem fica, quem toma conta da casa, quem está com eles em geral são os avós, porque a mãe está trabalhando, o pai está trabalhando. Qual é a influência desse avós? Você tem algum depoimento de jovens, da influência, do convívio, com essas figuras mais velhas?
Jairo Bouer: Quando a gente investiga ou pensa um pouco nessa questão das relações familiares, de uma maneira geral, apesar das críticas, das contestações, o pai e a mãe continuam sendo apontados como modelos e ídolos, né? Quer dizer, são importantes. O pai e a mãe são importantes para eles [os jovens], a não ser em casos excepcionais. Enfim, os avós, nesse sentido, também. Mas eu vejo muito uma identidade, apesar dos conflitos naturais e existentes dentro da família. Eu acho que pai e mãe são figuras importantes. Os avós também, né? Mas eu não sinto tanto essa proximidade que você está colocando, do avó que hoje toma conta da criança porque o pai e a mãe estão trabalhando. Eu não sinto esse modelo tão próximo. Em algumas situações sim, mas eu acho que pai e mãe... nas pesquisas aparecem pai e mãe como as pessoas que eles mais se preocupam. Se acontecesse alguma coisa com o pai, se acontecesse alguma coisa com a mãe, se eles tivessem um comportamento, se eles tivessem um modelo de família, eles gostariam de copiar, na maior parte das vezes, o modelo dos pais e das mães, com um pouquinho mais de liberdade para os filhos. Quer dizer...
Maria Helena Vilela: [Interrompendo] Querem mais liberdade. [risos]
Jairo Bouer: É. Em geral são essas a colocação que eles têm.
Heródoto Barbeiro: Bom, Jairo, estamos encerrando a nossa edição do programa Roda Viva. Eu queria agradecer à sua participação aqui conosco, Jairo Bouer, médico psiquiatra. Eu queria agradecer também à participação de toda a bancada que está aqui conosco. Nosso agradecimento também aos operadores de Twitter, que colocaram na internet as suas impressões e comentários aqui sobre a entrevista de hoje, participaram também do bate-papo na internet. Nós agradecemos também à sua atenção, colaboração, lembrando então aos telespectadores que nós temos perguntas, obviamente enviadas pela internet; a gente vai passar para o nosso entrevistado. E lembrando também que o Roda Viva é apresentado toda segunda-feira, ao vivo, a partir das 6h30 da tarde. E você pode ver também na íntegra, sem edição e sem cortes, aqui na nossa TV Cultura, às 10h10 da noite. Boa noite, muito obrigado pela sua audiência mais uma vez, e até a próxima semana.