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Heródoto Barbeiro: Boa noite! No início deste ano, ao ser anunciado, o Plano Real foi recebido com desconfiança por alguns setores. O plano, diziam eles, havia sido criado exclusivamente para garantir a eleição do candidato à Presidência, Fernando Henrique Cardoso [eleito no pleito ocorrido 22 dias antes da entrevista]. Assim que os votos fossem apurados, imaginavam seus opositores, a economia voltaria a seus piores momentos - incluindo aí a teimosa inflação que, nos últimos tempos, andava pela casa dos 40%. No centro do Roda Viva que começa agora pela Rede Cultura, está o encarregado de mostrar que esse real é para valer: o ministro da Fazenda, Ciro Gomes. Deputado estadual, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e agora ministro da Fazenda - tudo isso com quase 37 anos de idade - a vida corre rápido para Ciro Gomes. Apesar da velocidade, se o ministro fosse comparado hoje a um veículo, a imagem mais apropriada não seria a de um Fórmula 1, mas a de um trator. É que Ciro Gomes costuma ser firme em suas opiniões. Ele já declarou publicamente ter nojo dos políticos e, logo ao tomar posse do Ministério, afirmou que daria quatro pancadas - aliás, a expressão não foi bem essa - para derrubar a inflação. E ainda classificou de "canalhice" a atitude dos empresários que cobram ágio e aumentam os preços. Certamente, o ministro vai precisar dessa energia nos 67 dias que ainda terá no seu posto para enfrentar, por exemplo, as críticas que são feitas às medidas de restrição ao consumo que acabam de ser adotadas - elas desagradaram a todos - empresários e também aos consumidores. Para entrevistar o ministro Ciro Gomes nós convidamos os jornalistas: Cláudia de Souza, que é chefe da sucursal de São Paulo do Jornal do Brasil; o José Casado, que é repórter especial do jornal O Estado S. Paulo; Stephen Kanitz, consultor da revista Exame e professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo; Celso Ming, que é comentarista de economia do Jornal da Tarde e do programa Opinião Nacional, aqui na Rede Cultura; o Otávio Costa, editor de economia da revista IstoÉ; Antonio Carlos Ferreira, repórter do Sistema Brasileiro de Televisão; Adrian Dickson, que é o correspondente da Agência Reuters; e Carlos Alberto Sardenberg, que é repórter especial da Folha de S. Paulo. Este programa aqui é transmitido simultaneamente para outras 23 emissoras de televisão que cobrem todo o Brasil. Você pode também participar do nosso programa através do telefone (011) 252-6525. A Shizuka, a Cristina e Ana Regina estarão aqui anotando suas perguntas. Se você preferir o fax, é o (011) 874-3454. Ministro, boa noite!
Ciro Gomes: Boa noite!
Heródoto Barbeiro: Ministro, inicialmente eu gostaria que o senhor respondesse à seguinte questão. Hoje à tarde, a diretoria da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] esteve reunida aqui em São Paulo e, entre outras coisas, a diretoria da Fiesp diz aqui, num telex da Agência Star, que a medida de contenção ao crédito inibe a produção e deverá colocar em sérias dificuldades as empresas não capitalizadas. E vai mais: diz que a posição da diretoria da Fiesp é de que o governo está adotando [a medida] com impacto linear sobre todos os setores da economia, o que é inadequado, porque as dificuldades de abastecimento são localizadas. Gostaria de um rápido comentário do senhor sobre essa decisão da Fiesp.
Ciro Gomes: Olha, certamente, a Fiesp terá muito o que explicar a mim sobre essa posição, de que eu estou tomando conhecimento agora. Talvez essa seja a razão de ter o presidente me pedido uma audiência. Eu já marquei, imediatamente, como eu procuro fazer sempre, para a próxima quarta-feira; e teremos então a ocasião de discutir o que aconteceu. E o que aconteceu, fundamentalmente, é que nós toureamos, fizemos o limite do possível para que não precisássemos tomar medidas amargas restritivas, que não nos agrada tomar, mas que têm que ser tomadas por um imperativo da responsabilidade. Eu prefiro ter a humildade de aceitar todas as críticas que se queiram fazer hoje e dar ao país a confiança de que o Plano Real continua com o seu sucesso - e isso é a percepção clara que a população tem - do que amanhã, por uma ou outra omissão, inclusive por uma fraqueza de caráter, não tomando as medidas preventivamente hoje, ser acusado de entregar o país com o fracasso de uma das melhores, se não as melhores oportunidades que nós temos, enquanto nação, de tirarmos o câncer da inflação da nossa convivência social. Isso não será feito sem sacrifício. E as pessoas que ganharam muito ao longo do passado darão agora os seus sacrifícios.
Heródoto Barbeiro: Ok. Vamos à pergunta da jornalista Cláudia de Souza. Cláudia.
Cláudia de Souza: Será mesmo, ministro? Eu gostaria de começar perguntando a respeito desse seu estilo de "trator". Será que ele é eficaz? O ministro da Fazenda do México, Pedro Aspe, no tempo do governo de [Carlos] Salinas de Gortari [1988-1994], que promoveu uma estabilização com sucesso, costumava ser conhecido pelo fato de prender oito empresários por semana e não fazer nenhuma declaração contra eles a público. O senhor parece que adota a posição contrária, gosta do estilo agressivo. Mas eu me pergunto se não é oco esse discurso. Se ele realmente leva a alguma coisa.
Ciro Gomes: Olha, eu tenho sofrido uma crítica sobre esse ponto de vista adjetivo - que, volto a dizer, eu tenho muita humildade para aceitar. Não quero dizer que isso é o certo, não. Quero dizer que isso sou eu. Defeito, eventualmente, para algumas pessoas; parece-me ser uma virtude para outras tantas pessoas. Não sendo um defeito de princípio morais, eu não quero corrigir, porque seria falso. Eu digo o que eu penso. Eu tenho o hábito da franqueza e sei que o hábito da franqueza, às vezes, é pouco educado, é pouco leve, é pouco - enfim, como é que eu digo? - é pouco nobre. Em certas rodas aristocráticas do Brasil, esse estilo nunca foi muito bem aceito. Agora, eu peço desculpas a essas pessoas, mas peço perdão para continuar sendo o que eu sou.
Cláudia de Souza: Mas agredir funciona alguma coisa?
Ciro Gomes: Não, eu nunca agredi ninguém, sabia? Eu nunca agredi ninguém. O encaminhamento é porque algumas pessoas adoram pinçar uma palavra que está fora do jargão branco aristocrático e ficar usando essa palavra como se fosse uma apologia de um discurso. E não é. O que eu disse: um repórter me perguntou, no dia em que eu acabei de votar, em que depositei meu voto: “Ministro, alguns empresários estão dizendo que, passada a eleição, vão poder aumentar preços. O que o senhor acha disso?” "Eu acho isso uma canalhice." Veio-me assim e é o que eu penso. Eu lamento muito, mas nunca soube, na minha vida, que eleição fosse item de custo de qualquer mercadoria. [fala bem calmamente, apesar das palavras fortes] E você dizer, num país que está surrado de sofrer como o Brasil, que passou a eleição e vai aumentar preço, eu acho uma canalhice. Mil perdões, eu acho isso mesmo.
Heródoto Barbeiro: Ministro, vamos a uma pergunta, agora, do jornalista Antonio Carlos Ferreira.
Antonio Carlos Ferreira: O Heródoto começou o programa colocando as posições da Fiesp na reunião de diretoria de hoje. Eu estive lá, inclusive, cobrindo pelo Telejornal Brasil, e eu vi, além dessas críticas ou dessas posições que foram colocadas aqui no início do programa, uma outra, também, que eu achei que foi mais forte ainda. Foi sobre a questão da forma como as medidas foram tomadas. Diferentemente do que vem sendo feito com o Plano Real, que foi discutido longamente com a sociedade etc., essas medidas foram tomadas assim, sem aviso prévio, sem consulta - quer dizer, eles evitaram, evidentemente, a palavra "pacote", mas eu acho que foi um pacote. Eu sei que o senhor também vai dizer que não é pacote. Mas a forma como as medidas foram jogadas, assim, assustou muito. Isso é uma forma nova que o senhor vai implantar? Como o senhor responde a essa crítica?
Ciro Gomes: Não, não é forma nova, não é pacote; é administração cotidiana dos problemas com a complexidade que eles recomendam - e preventivamente, digo mais. Quando nós fizemos, antes das eleições - e já fui eu que fiz - a redução das alíquotas de importação [no dia 14 de setembro, Ciro assinou uma portaria que reduziu de 35% para 20% as alíquotas de importação de 445 produtos; outra reduziu a zero a alíquota da nafta; mais 5 mil produtos tiveram suas alíquotas reduzidas para entre 14% e 20% nos dias 22 e 23], nós estávamos anunciando a nossa preocupação claramente, de forma explícita, com a manutenção do equilíbrio entre a oferta e a procura pelos bens. Porque sabemos, lá da experiência do passado, que, se nós permitirmos o desequilíbrio, o descompasso, ainda que momentâneo, entre [de um lado] a capacidade que as pessoas têm e o poder que têm hoje de comprar e [de outro] a capacidade que nossa indústria tem de oferecer na mesma proporção esses produtos... Nós já sabemos como é que acontece isso.
Antonio Carlos Ferreira: É...
Ciro Gomes: Só um minuto, por favor. Dá o ágio, dá o desabastecimento, dá a pressão de preço, dá o fracasso do plano. E nós não podemos deixar que isso aconteça. O que eu fiz? Reduzimos a alíquota de importação. E a Fiesp chiou violentamente! Foi uma coisa tentando na coluna da oferta. Depois, o que nós fizemos mais? Cansei de andar no Brasil, como vou continuar fazendo, apelando ao consumidor brasileiro por uma compra seletiva, por uma atitude seletiva. Porque o consumo é bom. Não passa na cabeça de nem uma única pessoa que seja equilibrada e que não esteja apaixonada achar que nós aqui no governo estamos querendo fazer alguma coisa amarga porque somos sádicos. Não é isso. Nós estamos querendo proteger o conjunto da sociedade brasileira de um desarranjo que poderia ser grave. Não o é, ainda - e é por isso que as pessoas não percebem. Alguns acham que foi desproporcional. Usa-se sempre a retórica pseudo-social contra alíquota de importação - seria o emprego brasileiro que se ia transferir... - quando não é verdade. Nós estamos querendo trazer mercadorias que a indústria brasileira não é capaz, hoje, de produzir. E temos já claramente que essa exposição dá ao consumidor um produto mais barato e de melhor qualidade. E, agora, a retórica é de que nós mexemos no consumidor. Nós mexemos nos bancos! Qualquer loja que queira fazer financiamento de dez, 12, 15 prestações pode continuar fazendo. Nós mexemos foi nos bancos. O compulsório... Agora mesmo, um candidato a presidente da República que já devia ter posto a viola no saco e que não entende patavina desse assunto e fica atrapalhando a compreensão das pessoas [disse] que nós estamos fazendo um imposto criminoso, chamou de roubo contra o cheque especial. Não tem nada disso. O cheque especial continua normal como sempre foi. O que tem é que o banco - esse, sim - vai ter que depositar 15% do que emprestar a qualquer forma. Isso não é um imposto, é um depósito compulsório. Apenas para quê? Para atacar a disponibilidade de crédito que está simplesmente pondo em risco uma coisa que é um grande sucesso, que o povo está percebendo que é um grande sucesso, que é o Plano Real.
Antonio Carlos Ferreira: Mas, ministro, não estou querendo entrar nessa pergunta, no conteúdo das medidas; [Ciro tenta interrompê-lo várias vezes com a expressão "não é verdade"] eu digo sobre a forma - quer dizer, o que houve foi uma crítica da Fiesp de que houve uma mudança. Até agora, no Plano Real, todas as medidas foram discutidas nos setores interessados. E, desta vez, chegou a coisa pronta sem discussão.
Ciro Gomes: Não é verdade, não é verdade. Eu, pessoalmente, estive na Fiesp. Eu, pessoalmente. Secretários meus, por várias vezes, estiveram na Fiesp. E nós estivemos o tempo inteiro insistindo na necessidade de se garantir esse equilíbrio. O tempo inteiro. Eu, pessoalmente, não tenho saído de São Paulo - basicamente, fazendo o quê? Encontrando empresários, encontrando lideranças sindicais, explicando, discutindo e falando. Não é verdade isso, de forma nenhuma.
Carlos Alberto Sardenberg: Mas o senhor falou, ali, que o consumo é bom e que tomou essas medidas a contragosto. O senhor se referiu a setores que não compreenderam a política, que ganharam dinheiro e queriam continuar ganhando muito dinheiro e tal? A quem o senhor se refere?
Ciro Gomes: A todo mundo que especula com o preço. Quer dizer, se você hoje tiver essa possibilidade de consumidores absolutamente conscientes, fazendo as suas compras proporcionalmente às suas disponibilidades de renda e se você tivesse empresários conscientes de que é melhor ganhar um pouco hoje e sempre do que ganhar muito hoje e nada depois, [então] nós não teríamos de fazer nada disso. Apenas, não aconteceu assim. Você tem sentido pressões de preços. E nós não estamos fazendo nada que seja hoje arriscado no plano, é uma coisa preventiva. Porque certamente, nessa escalada, houve lojas que dobraram seu volume de vendas. E a gente começa a sentir. É verdade ou não é verdade que tem se cobrado 70% de ágio sobre um carro popular? É verdade, isso, lamentavelmente.
Celso Ming: Mas, ministro, olha, o senhor por várias vezes foi à televisão, deu entrevistas e disse para o consumidor o seguinte: "Adie suas compras; se você compra agora, você vai se dar mal. Você é..." até "otário", não é? "Deixa para depois..."
Ciro Gomes: Não, por favor, "você é otário", eu nunca disse.
Celso Ming: Otário?
Ciro Gomes: O que eu disse foi o seguinte. É, são essas palavras que usam e começam a usar para todos os outros contextos. O que eu disse é que as pessoas não deviam se permitir serem tratadas como otários. Por quê? Quem é obrigado a pagar de 70% a 100% de ágio e aceita se deixar roubar assim, aí é otário...
Celso Ming: [interrompendo] Está bom, mas...
Ciro Gomes: Mas é bem claramente um parêntesis pequeno que vale para muito pouca gente.
Celso Ming: Perfeito, está bom. Mas, em todo caso, o senhor deixou muito claro que o consumidor que adiasse as suas compras estaria fazendo o melhor para si próprio e para o país. E, antes do senhor, também o ministro [Rubens] Ricupero [antecessor de Ciro no Ministério] foi várias vezes na televisão dizer isso. Agora, vem essa paulada aí e aquele que não comprou não pode comprar mais porque...
Ciro Gomes: [interrompendo] Pode, pode comprar.
Celso Ming: [interrompendo] ...não tem dinheiro...
Ciro Gomes: [interrompendo] Pode comprar. Não, não...
Celso Ming: [interrompendo] O senhor inibiu o consumidor...
Ciro Gomes: Essas providências são transitórias, absolutamente transitórias. Na proporção em que a economia venha a crescer, em que aumente a capacidade de oferta dos produtos da indústria brasileira, em que amadureçam as providências facilitadoras do acesso ao Brasil de mercadorias importadas, todas essas providências podem ser afrouxadas gradativa e paulatinamente. E o consumidor vai poder comprar com muito mais segurança, com muito menor preço e estará simplesmente garantindo aquilo que é essencial, que é o Plano Real.
Celso Ming: O que me preocupa, digamos, é a palavra do ministro que, de repente, fica sob... Não digo sob suspeita, mas o pessoal começa a desconfiar. Se o ministro vai à televisão e começa a dizer: "Olha, adie a tua compra..."
Ciro Gomes: [interrompendo] Não, permaneço dizendo a mesma coisa, não há razão para se preocupar.
Celso Ming: Sim, mas, de repente, as decisões todas foram tomadas para inibir o consumo. Então, essas pessoas - eu até sinto, já vi várias pessoas me falando isso - sentiram-se passadas para trás [Ciro tenta interrompê-lo várias vezes com a expressão "não é verdade"], lesadas, enganadas, porque elas queriam comprar e não compraram porque o ministro pediu para adiar a compra e, de repente, acontece isso.
Ciro Gomes: Não é verdade. Olha, é muito difícil a gente participar de uma discussão dessa natureza, porque as pessoas que estão nos assistindo estão aí fora e podem ser consultadas, como eu faço sistematicamente. As pessoas, seletivamente, querem o seguinte. Primeiro, que o Plano Real se garanta no tempo. E, se nós tivermos condições de lhes explicar que cada uma dessas providências guarda coerência com isso e de que não está se tratando aqui de nenhuma contradição, porque não houve reajuste de tarifas - senão para [...], depois da eleição -, não houve afrouxamento de controle pelo governo, não houve a famosa aliança espúria do governo com os egoístas que aumentaram os preços impunemente no país... E a população está percebendo que é um governo que poderia afrouxar já. Faltam sessenta e poucos dias [para o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso assumir], poderíamos largar mão, vamos bancar os populares, os demagogos. Mas não é disso que o Brasil precisa. Então, eu prefiro muito mais - digo de novo - ser mal compreendido... E tenho a humildade de aceitar todas as críticas, para que amanhã... e eu acho que nos vamos ser julgados por isso. Não é porque esse ou aquele fator muito restrito do consumo brasileiro foi adiado por alguma coisa... Não, não será, nós seremos julgados pela inflação. Se nós conseguirmos demonstrar isso, eu vou fazer, com a ajuda de Deus e da população, eu vou fazer, vou entregar o governo... O presidente Itamar Franco [1992-1994] vai entregar o governo ao presidente eleito Fernando Henrique Cardoso com a inflação absolutamente controlada. Isso é o que interessa.
Heródoto Barbeiro: Ministro, o senhor citou as pessoas que estão nos vendo e nós temos aqui uma série de novas perguntas. Queria destacar aqui que seu Elias Sampaio, de Salvador da Bahia, Dona Patrícia, aqui de São Paulo, e também seu Moisés de Pontes Lima, que é do interior de São Paulo, em Bauru. E ele dize o seguinte: em nome do emprego de milhares de pessoas, se o senhor não poderia rever as medidas que impedem a formação de novos grupos de consórcio. Segundo ele, muita gente está perdendo o emprego por causa dessa nova medida tomada recentemente pelo governo.
Ciro Gomes: Pode ficar tranquilo, porque ninguém está perdendo o emprego por causa disso, não.
Heródoto Barbeiro: Pois não, Casado, a sua pergunta.
José Casado: Ministro, o senhor diz que o consumo não foi restringido, que o alvo central não é esse, mas o sistema financeiro. Muito bem. Dentro do sistema financeiro, boa parte dele hoje é representada pelo sistema financeiro estatal. Os bancos estaduais acompanham uma parcela significativa dos problemas desse setor. Muitos deles estão em dificuldades, segundo o próprio diagnóstico do governo - mais exatamente, o seu diagnóstico antes de virar ministro, que lhe valeu um processo, por iniciativa do Banco do Estado de São Paulo [o Banespa]. Eu queria saber o seguinte: o senhor, como ministro, mantém o que o senhor disse a respeito dos bancos estaduais, especificamente do Banespa? E mais, que tipo de decisão o senhor pretende vir a adotar para resolver a questão dos bancos estaduais que estão em dificuldades?
Ciro Gomes: Deixa eu corrigir um pouquinho o que eu disse...
José Casado: [interrompendo] Tudo bem, fique à vontade.
Ciro Gomes: ...na sua percepção. O que eu disse não é que nós fizemos só contra o sistema financeiro - até que não é contra ninguém -; o que nós fizemos foi um ataque à oferta geral de crédito para, com isso, conter o que os economistas chamam de "demanda agregada", de maneira a garantir o equilíbrio entre oferta e procura, sem o que o Plano Real correria riscos.
José Casado: Mas contra alguém, é?
Ciro Gomes: Não é contra alguém, é a favor do Brasil.
José Casado: [sorrindo] A favor, tudo bem.
Ciro Gomes: É a favor do Brasil e contra o excesso de crédito. Pronto. Está certo? Não quero particularizar porque eu não gosto de fetiche. Virou moda no Brasil fazer fetiche no setor financeiro. Não, não gosto. Quanto às minhas opiniões, elas são muito amadurecidas. Às vezes, parece que não, pela forma com que eu as expresso; mas eu continuo pensando a mesma coisa.
Heródoto Barbeiro: Ministro, vamos a mais uma pergunta, mas eu queria que, antes, o senhor respondesse à telespectadora Ana Cristina Terra. Ela pergunta ao senhor o seguinte: “De quem é a culpa por aumentar os preços dos alimentos nos supermercados? Quer dizer, os nossos salários estão há quatro meses sem aumento; no entanto, os preços estão subindo, pelo menos aqui, na capital” - segundo testemunho dela.
Ciro Gomes: Os preços de alguns alimentos - basicamente carne, feijão e laticínios - subiram um pouco desproporcionalmente. Eles têm uma causa clara na baixa oferta destes produtos em função da seca, da estiagem que provocou uma quebra de safra, um adiamento da produção de uma nova safra de feijão e a questão da disponibilidade de estoque de carne, porque o boi está magro. Essa é uma razão sazonal que nós esperamos ver vencida agora com a benção das boas chuvas que começam a banhar o Sudeste e o Sul do Brasil. Em outros não, em outros há especulação e o consumidor precisa continuar dando certo.
Heródoto Barbeiro: Como é que o consumidor vai saber disso, onde é especulação e onde não é?
Ciro Gomes: Nós temos procurado informar. Quer dizer, nesses produtos que dependem de chuva de sazonalidade, nós temos essa explicação. Mas mesmo de feijão havia estoques especulativos; e nós começamos a trabalhar, o consumidor ajudou, retraiu-se o consumo...
Heródoto Barbeiro: [interrompendo] Como o consumidor se defende, ministro, se o sabão em pó sobe no supermercado, a pasta de dente, o sabonete, essas coisas? Como ele faz?
Ciro Gomes: Denuncia, denuncia para o Procon [Programa de Proteção e Orientação ao Consumidor], denuncia para o Ministério, que a gente desdobra essa denúncia. Ele pode denunciar, que nós temos um caminho.
Heródoto Barbeiro: Stephen Kanitz.
Stephen Kanitz: Ministro, três meses depois do término do Plano Cruzado, a inflação já batia em 17%. Três meses depois do fim do Plano Collor, a inflação batia em 25% foi para 30%, 35% e acabou nos 45%. Nós estamos agora a três meses do final do Plano Real. Do ponto de vista técnico, o Plano Real terminou com a conversão do real; quer dizer, no ponto de vista filosófico, 95% do plano já foi completado com sucesso. E, três meses depois, nós temos a inflação de 3%.
Ciro Gomes: Não dá 3%, não.
Stephen Kanitz: Nem isso, menos. Ou seja, o plano já foi um sucesso. E o que eu estou sentindo na sociedade é um enorme clima de incerteza, quando, na verdade, nós devíamos estar até muito contentes, porque o plano deu certo. Mas não é o que nós estamos sentindo nas perguntas. Há uma intranquilidade no ar.
Ciro Gomes: Eu compreendo por quê. O povo brasileiro, como gato escaldado tem medo de água fria, o povo brasileiro já sofreu muito amargamente decepções no passado, com essa mistificação de planos mirabolantes que congelaram e que tabelaram, que não prepararam o país para uma coisa séria, estrutural e, logo mais, viraram o que eram, mentiras. Não é? As pessoas, então, têm essa insegurança baseada no mau exemplo do passado. Em cima do mau exemplo, nós tivemos aí um processo eleitoral que foi qualificado basicamente por forças do mal contra forças do bem, e a referência do bem e do mal era o Pano Real. A oposição ao Fernando Henrique, que ganhou a eleição, dizia de todos os lados - direita, esquerda, centro, dizia de todos os lados - que o plano era eleitoreiro. Passada a eleição, ia se provar que o plano era eleitoreiro. Fernando Henrique dizia que não, que o plano era sério, era honesto, tinha outras bases conceituais que os diferenciava fundamentalmente das experiências anteriores. Passada a eleição, todos os momentos, todos os problemas gerenciais que o plano tinha em suas origens passaram a ser elementos de argumento para essa crítica provar o que foi no passado. Mas é essencialmente diferente. A revista Veja, nesta semana, está mostrando um quadrinho que é muito pedagógico. Ela diz lá: o Plano Real tem reserva de quarenta e tantos bilhões de dólares; o Plano Cruzado não tinha. O Plano Real tem mercado aberto, com a concorrência dos produtos estrangeiros; no Plano Cruzado, o mercado era fechado. O Plano Real tem emissão monetária austera; o Plano Cruzado não tinha. O Plano Real fez reajuste salariais pela média e arrostou essa crítica antes das eleições; e o Plano Cruzado transferiu renda 8% real acima do salário nominal do dia do congelamento. Congelamento, no Plano Cruzado; neste, não tem. Mas a inflação, desta vez, caiu por coisas muito objetivas, não foi por que alguém queria que ela caísse, os formadores de preços queriam que ela caísse.
Stephen Kanitz: Em resumo, quais são as chances da inflação explodir daqui para frente?
Ciro Gomes: Nenhuma, zero. Porque veja a nossa disposição. Não tem problemas. Eu tenho 36, vou fazer 37 anos, tenho uma carreira política toda centrada na opinião pública, com votos etc. Estou tomando providências concretas, maduras, frias e que podem gerar incompreensões - eu sei que geram incompreensões -, amargas. Eu falei a expressão "jiló", o [jornalista] Joelmir [Beting] usou como "Plano Jiló". Por quê? Porque, desta vez, é para valer, mesmo! É para valer, mesmo! A inflação não sai do controle até 31 de dezembro deste ano, garanto eu. E, de primeiro de janeiro em diante - o presidente Itamar tem essa segurança que me dá -, o presidente Fernando Henrique, que é o pai da criança, muito mais vai segurar. Então, todo mundo se acostume, que acabou a brincadeira.
Otávio Costa: Ministro, o mês de outubro foi marcado por esses aumentos de preços: de feijão, de carne, de frango, de queijo; e o governo, então, deu suas explicações, atribuiu alguma coisa à questão de sazonalidade e outra à "acidentariedade" e vinculando, por exemplo, o aumento do preço do frango, o aumento do preço da carne e até o sumiço da carne e também o do frango. Esse tipo de explicação...
Ciro Gomes: Sumiço, não, hein? Não houve desabastecimento de alimentos de nenhum item. Sumiço, não...
Otávio Costa: Não, o frango chegou a uma certa dificuldade.
Ciro Gomes: Aumento de preços, sim. Tem uma superoferta de frango. Pare com isso, não tem isso, não.
Otávio Costa: O feijão também, não é?
Ciro Gomes: O feijão não tem. O feijão sumiu...
Otávio Costa: E o senhor verificou que havia feijão.
Ciro Gomes: O feijão sumiu e nós localizamos estoques especulativos, isso é verdade. E eles já se repuseram e, nos últimos dez dias, o feijão já caiu 16% do preço, de tanto que tinha estoque especulativo. Só quero pontuar que carne e frango, não.
Otávio Costa: Então, perfeito. Eu lhe digo o seguinte: houve problemas com esses produtos. E problemas também com preços desses produtos. Tanto que o IPCR [Índice de Preços ao Consumidor Real] foi a 2% e talvez o índice da Fipe [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas] vá a 3%. As explicações do governo...
Ciro Gomes: O IPCR é de 1,86%.
Otávio Costa: Não, eu acho que é um pouquinho mais, é 1,89% se não me engano.
Ciro Gomes: Não, é 1,86%.
[risos]
Otávio Costa: E o índice da Fipe, prevê-se 3%.
Ciro Gomes: Não, por favor, por favor, isso é muito importante, o IPCR no mês de outubro foi 1,86%.
Otávio Costa: Está perfeito. E o da Fipe parece que vai ser de 3%.
Ciro Gomes: Isso é o senhor que está dizendo. Mas eu estou topando apostar hoje que nenhum índice dá 3%.
Otávio Costa: Está corrento. Agora, os problemas aconteceram e o governo, então, deu as suas explicações - como, da mesma forma, o governo diz "Real não é Cruzado", porque temos reservas, porque não há congelamento. Agora, a população, exatamente porque é gato escaldado... O que vai acontecer daqui para a frente? Foram tomadas medidas para conter o consumo. Você tem o mês de dezembro com o décimo-terceiro salário, famílias, casais recebendo o décimo-terceiro salário, reajustes salariais, dissídios. Então, o que o governo prevê na frente? Quer dizer, essas medidas tomadas, de contenção ao consumo, colocam a casa em ordem? O plano está absolutamente sob controle ou não? Porque até setembro, estava; depois, outubro...
Ciro Gomes: O plano está sob absoluto controle. É preciso lembrar mais uma vez que até setembro... Não quer dizer que nós não temos que ter trabalhado todo o dia pelo sucesso do plano. Eu lembro de novo, tudo o que é ajuste gerencial hoje, essa crítica quer colocar como argumento de provar sua tese de que o plano não é uma coisa séria, não é uma coisa honesta. Esquece-se de tudo o que se fez antes. Falam que eu cheguei e, com meros 7 dias de Ministério, reduzi alíquotas, dando um novo patamar de inserção do país no comércio estrangeiro. Quantas providências nós tomamos na área de câmbio antes da eleição! Quantas intervenções o Banco Central fez na área do câmbio para equilibrar! Quantas outras nós fizemos, enfim, para incrementar o equilíbrio da oferta! Doutor [assessor especial do Ministério da Fazenda, Milton] Dallari trabalha todo dia. As pessoas não sabem, é meio invisível, mas todo dia um empresário bota a cabeça e tenta aumentar um preço, todo dia a gente recebe uma denúncia, todo dia a gente chama, todo dia a gente volta atrás. Quantas alíquotas não reduzi para zero, para incrementar... Então, isso tudo antes era esquecido. Olha, eu enfrentei uma discussão terrível antes da eleição! A Fiesp fez uma campanha violentíssima! Que eu estava matando os empregos! Isso foi incorporado ao discurso eleitoreiro: que o Fernando Henrique estava financiando, patrocinando um plano; que o presidente Itamar Franco, para transferir os empregos do Brasil para o estrangeiro... Nós enfrentamos isso antes da eleição. Agora, hoje, nós temos outros problemas gerenciais. Quais são os problemas gerenciais? Apontam uma tendência de alta exorbitante de consumo que o país não pode suportar. Eu quero repartir com as pessoas isso, ninguém precisa ser economista; suponha que o governo não tivesse feito nada - a gente pode não fazer nada e a gente pode não fazer nada -, então vai estourar ágio do carro popular...
Otávio Costa: [interrompendo] Não, espero que o governo reaja...
Ciro Gomes: ...faltar geladeira, faltar televisor, [haver] fila, desabastecimento. Daqui a sessenta dias, não vai acontecer nada com a inflação, mas daqui a noventa [dias], seis meses, a inflação explode. E aí o que se dirá nessa época? Se dirá: "Não fizeram as correções de rumo necessárias, não tiveram coragem, aquele ministro lá falava muito mas não fazia nada, não tinha coragem de fazer as coisas etc. etc." Eu prefiro, então, ter a humildade de aceitar as críticas pelo que eu faço - e, [para] muito do que eu falei, não quiseram prestar atenção, [para] muito do que eu falei não quiseram prestar atenção. Andei falando isso aí, andei falando o tempo todo: “Vamos cuidar do consumo, está explodindo; se se fizer um desequilíbrio, nós vamos ter que tomar uma providência que eu não quero tomar, não desejo tomar, não desejo tomar." Tem que tomar...!
Otávio Costa: O senhor considera essas medidas suficientes?
Ciro Gomes: Ah, na proporção... Eu faço, inclusive, um pouco mais do que precisa. Isso é do meu estilo. Essas coisas poderiam... Isso é que é bom, porque, no fim, ninguém vai nem perceber: porque nós estamos prevenindo disfunções que poderiam acontecer. Porque hoje é localizado, mesmo. Alguém poderia dizer: por que não fazem uma coisa só no carro, uma coisa só no eletrodoméstico, porque são dois pontinhos aí que estão dando um sinal? Mas é porque é um sinal generalizado. Esses dois já aconteceram; enquanto não generaliza, nós tomamos uma providência. É muito melhor vir voltando, penso eu, e liberalizando na proporção em que a indústria brasileira aumenta a oferta, em que volta a dar os descontos e as coisas serenam e as expectativas irrealistas provocadas pela demagogia política se provam inviáveis. Pronto, já chegou o IPCR deste mês; diziam que era 3%, que era 4%; deu 1,86%. Daqui a pouco chega o Fipe. Diziam que era 4%, chega a dar 2,4%; 2,5%; 2,7%. As pessoas veem que está tudo seguro, não é?
Heródoto Barbeiro: Ministro...
Ciro Gomes: Vem o outro mês e nós vamos andando.
Heródoto Barbeiro: Ministro, antes de passar a palavra ao Adrian, gostaria que o senhor respondesse ao nosso telespectador, o senhor Camilo Martins, porque ele está nessa linha de raciocínio que o senhor está desenvolvendo. O senhor falou aí que acabou com as alíquotas de alguns produtos para que eles possam chegar ao mercado brasileiro. Duas questões, ministro. Primeiro: "Não leva algum tempo para que esse produto, ainda que a alíquota esteja baixa, chegar até o mercado?"
Ciro Gomes: [interrompendo] Isso.
Heródoto Barbeiro: Segunda questão, ele diz aqui: "Eliminar a burocracia da importação" - inclusive, ele chama aqui a guia de importação de "jurássica".
Ciro Gomes: É, e ele tem razão.
Heródoto Barbeiro: Ele tem razão?
Ciro Gomes: Tem. Tem razão nas duas coisas. As medidas que facilitaram o acesso dos brasileiros aos produtos importados foram tomadas sob o ponto de vista da redução das alíquotas alfandegárias; mas, realmente, demora um certo tempo. O Diário Oficial do dia 15 de setembro publicou essa providência, nós estamos há um mês e pouco das providências. Isso envolve encomendas, acertos comerciais, embarques, o frete para cá, desvencilhar o alfandegário, onde vai-se encontrar essas barreiras burocráticas, as quais nós estamos estudando como facilitar. Mas, certamente, já funciona como uma contestação do mercado para aqueles preços que querem fazer ensaios de aumentos especulativos. Já produz esse efeito, mas a oferta mesmo do produto demora um pouquinho mais. O que quer dizer que, logo mais, nós vamos ter alguma coisa na área da oferta que vai nos permitindo ir facilitando de volta a maior liberdade das pessoas deliberarem aquilo que querem comprar. Desde que haja produtos para que elas comprem, isso é ótimo, pensamos nós. E, na segunda coisa, realmente, ele tem toda a razão...
Heródoto Barbeiro: [interrompendo] A questão da guia...?
Ciro Gomes: A guia, ela é um momento em que se apóiam pelo menos vinte providências. Desde as providências que nós todos defendemos, como aquelas que [dizem que é] preciso ver se tem armas, explosivos ou aquelas outras que dizem respeito às condições sanitárias do país, até outras que não têm cabimento, que realmente estão ali ninguém sabe por quê. Isso é o que estamos estudando para limpar.
Heródoto Barbeiro: OK. Adrian, por favor.
Adrian Dickson: Senhor ministro, o senhor diz que as medidas são transitórias. Mas em que período de tempo vocês estão pensando?
Ciro Gomes: [interrompendo] Depende do equilíbrio.
Adrian Dickson: Estão pensando nos primeiros meses do ano que vem, estão pensando após a reforma constitucional [de 1993, prevista na Constituição de 1988]...
Ciro Gomes: Depende do equilíbrio [entre] a oferta e a procura.
Adrian Dickson: Vocês estão sempre falando em nunca querer fazer prognósticos enquanto há inflação. Mas já está chegando o momento de se dar algum tipo de prognóstico, de se dar alguma idéia de quanto vai ser a inflação de 1995, por exemplo.
Ciro Gomes: Depende. A de 1994, eu garanto ao senhor que não passará de 3% ao mês, que é o limite extremo, que não deve acontecer. A de 1995 terá condições de se sustentar nesse mesmo patamar ou cair. Se o país conseguir realmente fazer, como eu tenho certeza que vai conseguir, as reformas estruturais que estabilizem para o futuro as expectativas em relação ao perfil fiscal do Estado, a condição do financiamento do Estado e ao desgravame da produção brasileira, através de um novo modelo tributário, a reforma do sistema previdenciário do país, a reforma patrimonial, que permite ao país desmobilizar alguns capitais imobilizados e sanear alguns passivos mais graves, isso tudo trazia para o Brasil um cenário fantástico, porque é um cenário em que o país já estará com a economia em expansão, com a moeda estabilizada - quer dizer, uma coisa muito boa, uma porta de entrada para uma década de grande progresso, que é o que eu sei que vai acontecer.
Carlos Alberto Sardenberg: Ministro...
Ciro Gomes: Por isso é que eu preciso trabalhar hoje forte, para não deixar que essa expectativa se desarranje.
Carlos Alberto Sardenberg: Um telespectador perguntou sobre o desemprego na área de consórcios, dizendo que vai haver desemprego. O senhor, de bate-pronto...
Ciro Gomes: "Milhares de pessoas desempregadas"? Paciência...!
Carlos Alberto Sardenberg: ...de bate-pronto, o senhor falou que não vai ter desemprego. Mas, aí, o senhor precisa mostrar a mágica. Porque a gente estava tratando desse assunto hoje, na Folha, e tem vinte mil pessoas que vivem de vender cotas de consórcios dos mais diversos tipos. Se não tem mais consórcio, eles vão fazer o quê?
Ciro Gomes: Não, a questão não é que não tem mais consórcio, é [que] foi reduzido o prazo do consórcio.
Carlos Alberto Sardenberg: Não, foi proibido abrir novos consórcios para eletrodomésticos.
Ciro Gomes: Sim, isso sim.
Carlos Alberto Sardenberg: Então?
Ciro Gomes: Mas não tem vinte mil pessoas trabalhando nisso, tenha paciência!
Carlos Alberto Sardenberg: Tem...! No Brasil inteiro, com a quantidade de consórcios que tem...
Ciro Gomes: Pois eu gostaria muito de conhecer, porque aí eu posso fazer um programa especial para esse assunto. Mas não creio nisso, não.
José Casado: Ministro, o senhor falou muito em coragem...
Carlos Alberto Sardenberg: Ele não falou do Banespa... Aliás, sua pergunta...
José Casado: Pois é, eu queria dar-lhe a chance de completar a resposta. Mas veja só, o senhor fala de coragem. O senhor teve, nesse assunto, um momento de coragem quando verbalizou seu pensamento sobre os bancos estaduais. Agora, me parece que há uma contradição entre aquilo que o senhor disse e aquilo que o senhor está fazendo, na medida em que o senhor passou a ocupar a cadeira de ministro da Fazenda. O governo federal está socorrendo esses bancos que estão em dificuldades na sua gestão. Não seria isso uma contradição entre o que o senhor diz e o que está fazendo?
Ciro Gomes: Não, em absoluto! O que eu disse foi que havia umas disfunções gravíssimas - eu usei uma palavra mais forte para isso - e que o governo tinha que socorrer, porque elas eram sistêmicas. Foi o que eu disse na coluna do Celso Ming. Apenas, a contradição é que fui eu que tive que praticar o que eu achei que devia dizer.
José Casado: É desconfortável ter de fazer aquilo que contraria o que o senhor pensa?
Ciro Gomes: Profundamente!
José Casado: [interrompendo] E até quando vai isso, ministro?
Ciro Gomes: Agora, eu cumpro o meu dever cívico...
José Casado: E até quando vai se opor?
Ciro Gomes: Agora, vamos separar uma coisa, vamos separar uma coisa. Primeiro: os bancos estaduais, a grande maioria deles se ajustou. Ajustou-se, arrumou-se, está diferente...
José Casado: [interrompendo] E quais são os que estão quebrados?
Ciro Gomes: Não, nenhum está quebrado. Porque aqueles grandes bancos que têm problemas, como o Banespa, o Banerj [Banco do Estado do Rio de Janeiro] e, em menor escala, o Banrisul [Banco do Estado do Rio Grande do Sul], são portadores das dívidas de seus respectivos estados. E esse é seu problema estrutural. Essas dívidas são títulos, basicamente; e houve um momento, agora, recentemente, em que essas dívidas não foram refinanciadas pela banca privada. Nós não permitiremos que nenhum desses bancos quebrem, porque não é honesto, não é uma coisa boa. Nós precisamos proteger o correntista, precisamos proteger o poupador e precisamos proteger o sistema. O que não quer dizer que nós estejamos dispostos a sancionar os desarranjos, os desequilíbrios, os desmandos que aqui e ali aconteceram num ou noutros desses bancos.
José Casado: Mas quem paga essa conta?
Ciro Gomes: Quem paga essa conta, por enquanto, ainda é o contribuinte brasileiro.
José Casado: E vai continuar pagando por quanto tempo mais?
Ciro Gomes: Bom, isso é o senhor que está perguntando, porque, na nossa estratégia...
José Casado: Eu estou perguntando!
Ciro Gomes: Não, mas quando eu digo que o senhor está perguntando, na verdade, é que o senhor está querendo dizer uma coisa. O que eu quero mais uma vez afirmar, para serenar o mercado - porque, se o senhor pode especular e eu não posso...
José Casado: [interrompendo] Não, eu não quero fazer especulações. Não, mesmo!
Ciro Gomes: ...é que não vai haver nenhum problema com os bancos. Só estou dizendo que não haverá nenhum problema com eles.
Antonio Carlos Ferreira: Ministro, as medidas que o senhor anunciou na semana passada são medidas que podem até ser consideradas tecnicamente corretas quando se quer abafar uma inflação que tendia a crescer por falta de oferta de produto...
Ciro Gomes: [interrompendo] Não, abafar, não. É não permitir que aconteça a inflação.
Antonio Carlos Ferreira: Perfeito...
Ciro Gomes: Não, perfeito não; a diferença é essencial...
Antonio Carlos Ferreira: Não, eu sei, impedir...
Ciro Gomes: ...porque, com "abafar", parece que a coisa existe e você põe o congelamento em cima...
Antonio Carlos Ferreira: Não, é "abafar" no sentido de impedir o crescimento...
Ciro Gomes: ...então, vamos esclarecer bem, porque...
Antonio Carlos Ferreira: ...impedir o crescimento de uma inflação que...
Ciro Gomes: Impedir o nascimento da inflação.
Antonio Carlos Ferreira: Perfeito, uma inflação... 2% também é inflação, não é? É uma inflação que vinha vindo por uma falta de oferta de produtos. Agora, o senhor sabe também que, quando o senhor faz um aperto de crédito - e essa é a medida clássica que se aplica nesses momentos -, quando o senhor faz um aperto de crédito, o senhor também impede, a médio prazo, o crescimento da oferta, porque as fábricas, as indústrias ficam com dificuldade de se financiar para ver o crescimento, para aumentarem suas instalações, aumentarem seus custos...
Ciro Gomes: [interrompendo] Esse é um raciocínio falacioso, porque o que nós estamos fazendo é de uma proporção tão modesta em relação a uma consequência dessa natureza, que esse argumento só se justifica para as pessoas que realmente não querem discutir de frente o problema.
Antonio Carlos Ferreira: Mas não é modesto, ministro...
Ciro Gomes: É muito modesto, é muito modesto.
Antonio Carlos Ferreira: Hoje, por exemplo, o que se tem aqui, do mercado financeiro...
Ciro Gomes: [falando junto com Antonio Carlos Ferreira] Deixe-me dar um dado para o senhor, deixe-me dar um número, deixe-me dar um dado para o senhor...
Antonio Carlos Ferreira: ...não teve financiamento nenhum, hoje; ninguém conseguiu financiar nada, hoje...
Ciro Gomes: [interrompendo] Ah, este momento é atípico; as pessoas ainda estão estudando as consequências, a profundidade, o impacto e param para ver. Os próprios bancos pararam um pouco para dar uma olhada nas consequências totais. Mas a gente, quando estuda isso, quando a gente faz isso, a gente procura saber o que está fazendo. O nível de endividamento médio da empresa industrial brasileira hoje não é superior a 20%. Se nós imaginamos a providência foi a mais drástica, que gerou a maior polêmica - e é contra os bancos, nesse caso...
Antonio Carlos Ferreira: 15%.
Ciro Gomes: ... que foi obrigar um compulsório - não é empréstimo -, um compulsório de 15% sobre o X que foi emprestado - nada com o consumidor; é uma restrição na oferta geral do crédito -, então, com 15% para cada cem emprestado, se o nível de endividamento médio é esse - [apontando para Antonio Carlos Ferreira] você que faz matemática mais fácil, 15% sobre vinte dá o quê?
Antonio Carlos Ferreira: Não é 15%. Tem outros compulsórios. Tem compulsórios...
Ciro Gomes: Dá 3... Não, só um minuto, eu estou falando dessa providência, companheiro...!
Antonio Carlos Ferreira: Mas ela se soma a outras.
Ciro Gomes: Ah, bom, se se soma a outras... [sorrindo e olhando para o outro lado]
Antonio Carlos Ferreira: O crédito já estava curto, os juros já estavam altos.
Ciro Gomes: Então, não foi essa, então não foi essa. Eu só provo minha tese central...
Antonio Carlos Ferreira: [interrompendo] O dinheiro já estava contido.
Ciro Gomes: ...de que nós já tínhamos feito 100% de compulsório sobre os depósitos a prazo, 100% sobre o compulsório à vista, já administramos a política restritiva sobre a emissão monetária. Tudo isso é coerente com o plano...
Carlos Alberto Sardenberg: [interrompendo] Mas, além disso, tem um outro problema...
Ciro Gomes: Mas agravamos conceitos que já tinham.
Carlos Alberto Sardenberg: ...é que a empresa brasileira não está endividada justamente porque ela não está investindo, porque vem de dez a 12 anos de paradeiras...
Ciro Gomes: Não é bem verdade isso, não é bem verdade, não, [que está] livre de investimentos.
Antonio Carlos Ferreira: [falando junto com Carlos Alberto Sardenberg] O senhor acha que a oferta de produtos vai aumentar, ministro?
Carlos Alberto Sardenberg: E ela não precisa tomar emprestado para investir, porque não quer investir. Agora, se quer investir, precisa tomar emprestado e, aí, fica mais complicado.
Antonio Carlos Ferreira: [falando junto] Capital de giro, também.
Ciro Gomes: Não é também uma informação fiel à realidade. O nível de investimento hoje, no Brasil, já em setembro estava em 16% do PIB [produto interno bruto] - o que é o recorde dos últimos dez anos. E ainda temos outubro, novembro e dezembro no rendimento.
Carlos Alberto Sardenberg: Mas aí é baixo, ministro, é baixo...
Antonio Carlos Ferreira: É baixo.
[...]: Qual é o seu PIB, ministro?
Carlos Alberto Sardenberg: Comparado com que era... você está saindo de uma recessão, tudo bem...
Cláudia de Souza: Ministro, o senhor acredita que a entrada...
Ciro Gomes: Ah, eu também acho baixíssimo, acho ideal que fosse 50% do PIB. Eu só estou dizendo que esse é o maior dos últimos 12 anos. É só isso que eu estou querendo dizer.
Cláudia de Souza: O senhor acredita que a maior entrada de recursos estrangeiros prevista para o ano que vem, em termos de investimento direto na produção, vai melhorar o quadro da oferta?
Ciro Gomes: Com certeza.
Cláudia de Souza: Agora, eu tenho uma outra dúvida...
Ciro Gomes: Repare, nós temos o reconhecimento da comunidade internacional de que o Brasil é um dos melhores mercados emergentes do mundo na atualidade. Isso, só alguns poucos brasileiros aqui, na Avenida Paulista, não querem ver.
Stephen Kanitz: Mas, desde que o senhor assumiu o Ministério, a bolsa caiu 35%.
Carlos Alberto Sardenberg: [falando junto com Stephen Kanitz] Esses da Avenida Paulista são a Fiesp ou a Febraban [Federação Brasileira de Bancos]?
Ciro Gomes: Isso é o senhor quem está dizendo.
Carlos Alberto Sardenberg: Não, eu estou perguntando.
[risos]
Ciro Gomes: Têm o mesmo endereço, não é?
Cláudia de Souza: Agora, alguns empresários da Avenida Paulista, notadamente a Federação do Comércio do Estado de São Paulo, estão prevendo que as vendas do Natal continuarão aquecidas.
Ciro Gomes: Serão pelo menos 30% superiores às do ano passado.
Cláudia de Souza: Pois é. Isso não preocupa? Quer dizer, as medidas...
Ciro Gomes: Não, eu adoro consumo. Só não gosto do consumo que não tem onde se materializar porque não tem oferta. Meu problema é só garantir que o nível de consumo permaneça equilibrado com a oferta. Eu adoro consumo. Quanto mais consumo haja, melhor, porque significa que o plano, ao contrário do que a demagogia eleitoreira diz, não é recessivo, é expansionista. Significa que não houve arrocho salarial - ao contrário, houve um brutal fortalecimento de poder de compra do trabalhador brasileiro. Nós vamos desmentindo cada um desses argumentos pessimistas contra o Brasil com a prática. E o consumo significa um novo patamar de consumo, um novo patamar de produção, um novo patamar de emprego e um novo patamar de salário. Ótimo! Esse é um fim em si mesmo do Plano Real. Só que, na transição, se você permitir que haja uma demanda explosiva e que não haja, na mesma velocidade em volume, a oferta acompanhando, vai acontecer de muitas pessoas querendo e podendo comprar e não tendo produtos. O que acontece? Ágio, desabastecimento e o fim do plano. Isso é o que nós queremos prevenir que vá acontecer.
Heródoto Barbeiro: Ministro, você já usou várias vezes a expressão "demagogia eleitoreira". A quem o senhor está se referindo, exatamente?
Ciro Gomes: A todos os demagogos eleitoreiros.
[risos]
Heródoto Barbeiro: Ministro, seu Liro Araújo pergunta ao senhor o seguinte: eles trabalham em uma gráfica...
Ciro Gomes: Sabe por que eu não falo nomes? Porque não se tripudia sobre os vencidos. Senão, eu dava os nomes aqui.
Heródoto Barbeiro: Se o senhor quiser dar...
Ciro Gomes: Não é ético, porque eles estão vencidos, já.
Heródoto Barbeiro: Ministro, seu Liro Araújo pergunta o seguinte, que ele trabalha em uma gráfica e ele não encontra papel. E, quando encontra, o preço é um absurdo. É isso mesmo?
Ciro Gomes: Eu queria que ele me desse a indicação do produto, porque, se for...
Heródoto Barbeiro: Papel.
Ciro Gomes: Não, mas tem mil tipos; se ele pudesse escrever para mim, eu dou uma olhada. Não se justifica.
Cláudia de Souza: Mas, ministro, será que adianta escrever, porque...
Carlos Alberto Sardenberg: Mas o papel está subindo.
Cláudia de Souza: ...notadamente, no mercado internacional, subiram os preços...
Ciro Gomes: Adianta. Eu mando o Dallari ir lá.
Heródoto Barbeiro: Bom, eu tenho um recado aqui; depois, eu preciso passar para o ministro.
Cláudia de Souza: Pois é, quer dizer, o Dallari não vai conseguir fazer o mercado internacional de papel se comportar.
Ciro Gomes: [no início, falando junto com Cláudia de Souza] Tem conseguido. Tem conseguido, é porque o povo brasileiro não vê o trabalho que ele fez. Na semana passada, reduziu em 20% a tentativa de aumentar preços em têxteis e o feijão caiu 16% em dez dias e foi o Dallari que achou os estoques especulativos. Funciona, é só dar a indicação que a gente faz. Claro que ele não faz milagre...
Cláudia de Souza: Agora, papel e alguns insumos importantes...
Ciro Gomes: Todas as commodities estão crescendo de preço fora do Brasil.
Cláudia de Souza: Exatamente, quer dizer, isso não é possível a gente controlar com...
Ciro Gomes: É por outros argumentos. A gente conversa, a gente pode reduzir uma carga tributária, pode facilitar um financiamento... Há um conjunto de providências que a gente pode fazer, não é só repressão...
Cláudia de Souza: Setorialmente.
Ciro Gomes: Aliás, é muito pouca repressão, é muito pouca repressão, é mais diálogo, é criatividade, é vontade de fazer.
Heródoto Barbeiro: Ministro, no caso do leite, já que o senhor falou que é possível fazer alguma coisa. O Jonas, de Piracicaba, do interior de São Paulo, quer saber o seguinte: "Qual é a explicação para o preço da mussarela ser tão alto, se o produtor de leite entrega o litro de leite a R$ 0,25?"
Ciro Gomes: São dois problemas aí. A mussarela está mais cara porque está sendo desabastecida em função do volume do leite ter caído, em função do volume de produção de queijo ter caído em função da seca. Esse é um fenômeno. O outro fenômeno, que é a apropriação de lucro numa cadeia produtiva, depende do nível de organização de cada fração da cadeia produtiva, e é tradicional no Brasil, lamentavelmente - eu sou solidário com o produtor -, que o produtor acabe levando a pior. Mas isso é porque ele é o menos organizado, é o menos ativo politicamente.
Otávio Costa: Ministro, o senhor se referiu à vitória eleitoral. Eu queria saber o seguinte. Algumas pessoas comentam que esse pacote, as medidas baixadas na semana passada prejudicam o consumidor de baixa renda, na medida em que é ele que compra a prazos mais aumentados. Isso pode ter algum impacto sobre o segundo turno das eleições [para governador, pois a para presidente foi vencida no primeiro turno] e em cima das candidaturas do PSDB [Partido da Social-Democracia Brasileira, então partido de Ciro Gomes], ministro?
Ciro Gomes: Não, todo mundo percebe que nós estamos fazendo um esforço honesto, que, às vezes, pode ser amargo, mas que é um esforço honesto de manutenção da conquista que o povo brasileiro tem e que quer ter como definitiva uma economia estável, com os salários valendo alguma coisa depois que o cidadão recebe. E todo mundo está percebendo que isso é concreto e quer que isso seja protegido. O que nós precisamos, realmente, é sair um pouco dessa saraivada de pressões de grupos muito específicos de interesses poderosíssimos, para ver se o povo consegue entender as nossas razões. E é a esse esforço que eu estou me dedicando, trabalhado 14 ou 16 horas por dia, todos os dias. A conseqüência eleitoral disso não é minha tarefa - não foi nem mesmo naquele momento, quanto mais agora. Não é a minha tarefa. Mas, agora, as pessoas que falam verdade no Brasil serão eleitas; as que mentem, que mistificam perderão as eleições.
Adrian Dickson: Ministro, voltando ao caso dos bancos estatais. Semana passada, o presidente do Banco Central falou na possibilidade de titularizar a dívida dos bancos estatais, inclusive privatizá-las. Quais são as opções que vocês estão considerando para os bancos estatais?
Ciro Gomes: Os bancos estaduais pertencem aos estados, às unidades federadas, que, no Brasil, são autônomas.
Adrian Dickson: Não estaduais.
Ciro Gomes: Sim, eu quero só separar, porque estatais, os bancos federais também são. Só uma nuance. Agora, os estaduais - e é uma coisa que começa a responder à pergunta - os estaduais pertencem à autonomia dos estados. O que nós somos é, como governo central, os garantidores do sistema financeiro; e, por isso, nós tomamos essas providencias de securitizar títulos estaduais que o mercado não honra por títulos federais que o mercado honra e continuar garantindo a normalidade do sistema, que é o que nós vamos continuar fazendo. Mas isso não pode continuar indefinidamente. E os novos governadores eleitos, pensamos nós, terão que ter uma posição clara. E, basicamente, não tem muito erro, é uma coisa básica. Se o problema dos bancos estaduais é o passivo que eles têm dos estados, como ativo deles, claramente o que tem que ser feito é uma mudança da lógica.
Adrian Dickson: Mas, quando [Pedro] Malan [presidente do Banco Central de 1993 a 1994] fala de privatização, que tipo de privatização ele está considerando?
Ciro Gomes: Não, ele fala como alternativa. O problema de alguns setores da imprensa é que eles excluem as palavras dos contextos. Você tem algumas alternativas. Todas elas têm a ver com o seguinte: se o banco é portador de títulos dos estados e esses títulos não têm mais a confiança do mercado, os estados têm que trocar esses títulos por um ativo acreditado. Pode ser ações, pode ser ações das suas companhias e pode ser também o seguinte, que o estado resolva privatizar o seu banco, vender o banco. E, com esse produto dessa venda, limpar o passivo. Pode ser uma alternativa, mas, isso, consultando-se necessariamente os governos estaduais.
Heródoto Barbeiro: Ministro, na primeira parte, nós tivemos uma série enorme de perguntas dos telespectadores. Eu não consegui juntar todas aqui, mas existe uma porção delas a respeito da questão do ágio. E muita gente lembrando até a expressão "otário", que o senhor até explicou exatamente em que contexto o senhor havia dito. Mas eu gostaria, ministro, primeiro, que o senhor dissesse alguma coisa [sobre] como esse ágio pode ser combatido. Segundo, eu gostaria de saber também o seguinte: se o senhor vai pedir ao presidente Itamar para baixar a medida provisória proibindo que o carro popular recém-adquirido possa ser vendido para uma outra pessoa antes de um prazo de um ano. O senhor vai aceitar essa tese, essa proposta? O senhor acha que é o caminho para...?
Ciro Gomes: Bom, vamos repartir com nossos telespectadores essa compreensão do ágio, porque, aí, fica muito mais fácil entender tudo que nós vivemos nesta semana. Todas as providências que nós tomamos nesta semana se materializam nessa coisa sem que nem eu seja nem ninguém precise ser economista para entender. O que está acontecendo? O carro dito "popular"... Eu digo "dito popular" porque eu conheço o povo brasileiro e o povo brasileiro tem como carro popular o ônibus, o "cambão" [como é chamado o ônibus coletivo no Ceará]. Conheço bem isso aí. Mas o carro dito "popular" foi barateado pelo presidente Itamar Franco na boa intenção de facilitar o acesso de funcionários públicos, bancários, comerciários a esse bem, que é paradigmático do status da pessoa. A pessoa, no Brasil, que conseguir um carro, ainda que seja um carro de segunda mão, tem uma sensação de que mudou de patamar social. E o presidente Itamar é muito solidário, eu acho isso maravilhoso nele. Então, o que ele fez? Tirou todos os impostos federais dos carros populares, dos carros de mil cilindradas e liderou um acordo dos estados para reduzir de 18% para 12%, de maneira que o carro popular ficasse a 7 mil reais, mais ou menos. Muito bem. A produção está aí e, com o Plano Real, as pessoas puderam comprar mais. O dinheiro passou a valer alguma coisa, ainda que os salários não tenham melhorado do dia para a noite. As pessoas sentiram no bolso, nos restaurantes, nas farmácias, nas lojas de roupa, na comida, em tudo; as pessoas melhoraram um pouco o poder de comprar. Então, mais pessoas puderam comprar carro. E a indústria já está produzindo recorde na história brasileira. Vamos produzir, neste ano, quase um milhão e seiscentos mil carros. Nunca houve nada parecido. Nós tivemos, em 1982, 850 mil. Muito bem. Apesar de a indústria brasileira estar operando com toda a sua capacidade e estar investindo na expansão - várias indústrias estão investindo na expansão, mas isso demora um pouco -, as pessoas querem comprar hoje e muitas pessoas podem comprar hoje. Resultado: dá-se uma espécie de leilão espúrio. Lá vai uma palavra mais forte, desculpem, mas dá-se uma espécie de leilão safado, em que o mais rico, aquele que tem mais dinheiro, passa na frente do que tem menos e dá um lance a mais que se chama "ágio". Isso é um crime. Por quê? É um crime literalmente, porque esse ágio, essa diferença de preço não paga impostos. Então, é um crime de sonegação fiscal. Mas mais do que isso, ela é uma...
Heródoto Barbeiro: [interrompendo] Mas, se pagasse, estaria tudo bem, então?
Ciro Gomes: Se pagasse o imposto, sob o ponto de vista legal, penal, sim. Mas isso não pode ser formalizado, porque caracteriza o ágio. Então, normalmente isso vai para caixa dois etc. Como nós já autuamos mais de trezentos. Então, o que fazer? Estruturalmente, só tem um jeito. Isso só acaba mesmo, sem erro de não acabar, na hora em que a quantidade de pessoas que quer comprar e que pode comprar corresponder à quantidade de carros que há para se oferecer. [Aí,] isso acaba. Como é que você faz isso? Basicamente, estimulando a indústria a produzir mais - o que nós estamos fazendo, mas demora um pouco - e facilitando a entrada de carros vindos de fora, porque essa é a diferença, ou seja, sem tirar o emprego de ninguém - porque a indústria já está no seu limite -, vêm os carros que estão faltando. Nós já fizemos essa providência, mas isso demora sessenta, noventa dias para chegar. Então, é por isso que eu peço às pessoas para adiarem um pouco...
Heródoto Barbeiro: [falando junto com Ciro] Será que isso não inibe a abertura de novas fábricas aqui, como...
Ciro Gomes: ...porque daqui a pouco vai dar onze mil reais num Corsa. Pagando ágio de seis mil, de cinco mil, você pode comprar um carro; ou esperar o Corsa.
Heródoto Barbeiro: Ministro, isso não inibe a abertura de novas unidades das fábricas existentes no Brasil?
Ciro Gomes: Não, não...
Heródoto Barbeiro: No caso da GM do Brasil, só vai importar, não vai abrir?
Ciro Gomes: Não, não é verdade, porque o carro estrangeiro ainda está com uma barreira de 20% e tem sobre ele o custo do frete... Ou seja, se um carro brasileiro da mesma proporção, da mesma qualidade, não conseguir ser mais barato no Brasil do que um carro que vem lá da Coréia com transporte, com frete e com 20% de barreira ainda, então o consumidor brasileiro não pode ser punido.
Heródoto Barbeiro: Então, quer dizer que o presidente da GM não tem razão de dizer que não vai abrir porque não tem concorrência?
Ciro Gomes: Não, de jeito nenhum. Até porque essa tarifa já estava acertada no Mercosul. Então, não procede de forma nenhuma. Agora, segundo o [...], três providências. [A primeira é] aumentar a oferta. Nós estamos agindo facilitando importações, estimulando os investimentos. A segunda é o consumidor retardar. Se, no Brasil hoje, todo mundo, por uma coincidência, estivesse nos assistindo e se nós resolvêssemos fazer juntos um boicote - vamos passar 15 dias sem ninguém comprar carro popular -, daqui 15 dias tinha desconto.
José Casado: O senhor está propondo isso?
Ciro Gomes: Não, porque não estão nos ouvindo todos. Infelizmente, os trabalhadores já estão dormindo numa hora dessas [o programa Roda Viva começava às 22:45]. As pessoas que estão me ouvindo... Até uma parte delas deve ter mais raiva de mim do que confiança...
José Casado: [interrompendo] O senhor pode começar a propor confiança.
Ciro Gomes: ...mas funciona. E a terceira providência, a terceira providência é a repressão. Essa é a menos eficaz, mas também está sendo feita. Nós já autuamos trezentas concessionárias no país. Disso estão derivando procedimentos penais. Infelizmente, eu não divulgo os nomes, porque, por uma dessas coisas, a lei brasileira proíbe que, até que a culpa seja formada, a gente divulgue quem que está fazendo isso.
Heródoto Barbeiro: Nós temos gente nos vendo no país inteiro.
Ciro Gomes: Pois é! Nós vamos fazer isso, suspender todo mundo.
Heródoto Barbeiro: Celso Ming.
Celso Ming: Ainda nessa questão do carro popular, enquanto o senhor foi o governador do estado do Ceará, o seu secretário da Fazenda lá no Confaz [Conselho Nacional Nacional de Política Fazendária] tomou decisões, evidentemente com orientação do senhor, que aparentemente boicotavam o carro popular. O senhor parece que tem uma "pinimba" contra o carro popular, porque sempre o estado do Ceará e o estado do Rio Grande do Sul eram contra renovação do acordo, pois vinha aquela coisa toda. O senhor é contra o carro popular, em primeiro lugar?
Ciro Gomes: Claro que não! Eu sou contra a renúncia fiscal em favor de quem pode mais.
Celso Ming: Sim, mas aí...
Ciro Gomes: Porque repare, em economia - você sabe bem isso -, não há "todos ganham". Em economia, se um ganha outro perde. Então, o que acontece com o carro popular? Com a renúncia fiscal... Eu acho que é muito importante, o acordo foi extraordinário por razões macroeconômicas. Ativou a economia, melhorou o nível de emprego, melhorou o nível de salário real no setor; tudo isso faz do acordo uma coisa digna de ser aplaudida. Só que eu, lá no Ceará, como governador do estado, era obrigado - e por isso orientei a minha posição no Confaz; [...] cedi porque o presidente Itamar quis, e eu atendi porque as ponderações dele eu atendo e as razões eram nobres -, mas, lá no Ceará, meu ponto de vista, qual era? Nós vamos fazer uma renúncia fiscal aqui no Ceará, e isso será apropriado para São Paulo. Então, é o primeiro lugar do mundo em que pobre abre mão para rico, é por isso.
Celso Ming: O senhor não respondeu...
José Casado: [interrompendo] O senhor pretende acabar com isso?
Ciro Gomes: Isso não é da minha área, não. Se fosse da minha área, eu já teria acabado.
José Casado: Mas como? Renúncia fiscal não é pela Fazenda?
Ciro Gomes: Não, não, o acordo foi feito no Ministério dos Transportes. Eu acabaria conjunturalmente, porque não teria sentido eu fazer a renúncia fiscal para o especulador se apropriar do ágio. Não tem cabimento, eu sou comovido com isso.
Carlos Alberto Sardenberg: Então, quer dizer que neste momento o senhor voltava os impostos?
Ciro Gomes: Claro, voltava o imposto...
Celso Ming: [interrompendo] É, mas, ministro, dentro desse aspecto aí...
Ciro Gomes: [Para o] consumidor, não mudaria nada, estava obrigado a comprar com ágio. [...] [ao invés de financiar] um especulador, um bandido, ele iria ajudar a pagar um hospital que está em situação difícil, até que você normalizasse a situação.
Celso Ming: Mas, mesmo dentro desse assunto...
Carlos Alberto Sardenberg: [interrompendo] Não, mas, se o sujeito hoje entrar na fila, se ele esperar, ele compra pelo preço normal.
Ciro Gomes: E você acredita mesmo nisso?
Carlos Alberto Sardenberg: Ah, tem gente comprando Uno Mille, tem...
Heródoto Barbeiro: Ministro, se dependesse do senhor, o senhor acabaria com o carro popular?
Ciro Gomes: Não!
Heródoto Barbeiro: Não?
Ciro Gomes: Não, absolutamente! Não estou falando isso, não. Estou falando que eu, conjunturalmente, para eliminar a figura do ágio, eu voltaria a cobrar, na proporção do que é o ágio, um IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados], e aí o preço ficaria do mesmo jeito para o consumidor, só que ele teria a sensação de não estar sendo lesado por um especulador...
Heródoto Barbeiro: [interrompendo] O senhor está falando do preço lá em cima com o ágio, não é isso?
Ciro Gomes: É claro.
Celso Ming: Agora, o senhor está devendo a resposta daquela questão da medida provisória.
Ciro Gomes: Mas, na hora em que se normalizar isso, se reduz de novo.
Heródoto Barbeiro: [interrompendo] Reduziria novamente.
Celso Ming: O senhor está devendo uma resposta para a questão da medida provisória.
Ciro Gomes: [interrompendo] Não, não me anima essa idéia, não. Nós estamos discutindo isso lá. Tem uma idéia, alguém sugeriu isso, nós estamos amadurecendo, mas a minha opinião é de que isso não é a melhor saída.
Celso Ming: Por que o senhor não permite a redução da alíquota sobre o carro popular importado até se resolver esse problema? Ou então por que o senhor não permite...
Ciro Gomes: [interrompendo] Porque isso é contra a política industrial do país.
Celso Ming: Por que o senhor não permite a importação de carros usados temporariamente?
Ciro Gomes: Porque essas duas coisas são contra a política industrial do país.
Celso Ming: Eu vi membros da equipe econômica defendendo essa posição.
Ciro Gomes: Mas eu sou contra.
Celso Ming: O senhor é contra, mas por que não temporariamente... O que tem que se preservar...
Ciro Gomes: Porque eu quero preservar a política industrial do país. Política industrial você não faz assim, mudando de humor todo dia. Política industrial, não. Faz-se até política tributária.
Celso Ming: Mas não é política industrial, é uma questão conjuntural, a que o senhor está dizendo, por causa do consumo.
Ciro Gomes: Não, não. Olha, seria o primeiro país do mundo que tem aspirações a ser desenvolvido e que iria importar bens de consumo duráveis usados. Seria a primeira vez no mundo e eu não quero isso para o meu país. E, em segundo lugar, se você tirar completamente as barreiras, aí sim, você vulnera os planejamentos estratégicos da indústria brasileira. Isso não tem cabimento. Essa outra tarifa, não, essa outra é um acerto estratégico. O país discutiu, amadureceu, é um acordo internacional, entra em vigor dia primeiro de janeiro. Então, tudo bem, é uma política industrial casada com a de comércio exterior, o que é normal. Houve uma chiadeira, mas eu estava seguro, confortável, porque eu estava fazendo uma coisa honesta. Agora, você, por conjuntura, pelo sabor conjuntural, fazer variações conceituais nesse limite, não é possível.
Celso Ming: Mesmo temporariamente?
Ciro Gomes: Não, não se pode fazer política industrial temporária.
Celso Ming: Mas não é política industrial.
Ciro Gomes: Você pode fazer política tributária temporária. Eu tinha no Ceará alíquotas sazonais. [Para] o leite, por exemplo, no Ceará, na safra se pagava uma taxa alta e depois eu reduzia [de forma] sazonal. Você faz isso. Agora, política industrial de comércio exterior, tem que ser com regra clara, estável, definitiva, para as pessoas se planejarem.
Carlos Alberto Sardenberg: Ministro, tem chance do IPMF [Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira] sobrar para o ano que vem?
Ciro Gomes: Não creio.
Carlos Alberto Sardenberg: "Não creio", não apóia...?
Ciro Gomes: Não creio nem apoio; sou contra.
Carlos Alberto Sardenberg: OK.
José Casado: Ministro, neste programa, até agora o senhor usou as seguintes expressões - algumas das que eu anotei aqui - a respeito dos especuladores: "nojentos", "canalhas", "safados".
Ciro Gomes: [interrompendo] Espera aí um pouquinho, eu não falei nem "nojentos" nem "canalhas", foi o senhor que falou.
José Casado: O senhor falou "canalha". Mas tudo bem. De qualquer maneira...
Ciro Gomes: Não é possível! Na verdade, o senhor está querendo desqualificar a minha opinião. O senhor não está preocupado com as minhas palavras, o senhor está preocupado em desqualificar a minha opinião...
José Casado: [interrompendo] Não, muito pelo contrário.
Ciro Gomes: Mas o senhor não pode dizer que eu falei "canalha", porque eu não falei.
José Casado: O senhor mencionou aqui...
Ciro Gomes: Não, eu não falei, não. Eu expliquei para ele em que contexto eu tinha usado a expressão "canalhice". Daí ao senhor dizer que eu usei aqui a relação aos especuladores a palavra "canalha"...
José Casado: Tudo bem, me desculpe...
Ciro Gomes: O senhor me desculpe também, porque eu estou meio comovido com isso. As pessoas abandonam a minha opinião, abandonam as minhas providências e querem desqualificar a minha posição. E eu conheço isso, ó, [estala os dedos] de longa data! Ficando numa palavra assim parece que o cara é um destemperado...
José Casado: Não, não, muito pelo contrário, não me parece, isso não...
Ciro Gomes: ...que não pensa no que está falando e tal. Só repito para o senhor: um cidadão dizer que vai aumentar preços porque passou a eleição, para mim é canalhice. Foi nessa hora, nesse contexto que eu usei, e usarei até a morte, pedindo desculpas com quem se choca com isso. Mas, por favor, não desqualifique a minha opinião.
José Casado: Perfeito, mas eu gostaria de aproveitar a oportunidade e lhe pedir os nomes dessas pessoas. Quais são? Que segmentos da sociedade? Quais são essas pessoas?
Ciro Gomes: Eu acho isso uma provocação e passo a pergunta ao seguinte. De quem é?
[risos]
José Casado: Não é justo, isso...
Otávio Costa: Ministro, o senhor vetaria o salário mínimo de cem reais?
Ciro Gomes: Imediatamente!
Otávio Costa: Por quê?
Ciro Gomes: Sem vacilação.
Otávio Costa: Por quê?
Ciro Gomes: A economia brasileira suporta muito bem, a economia privada, um salário de cem reais. Os trabalhadores brasileiros merecem um salário mínimo muito maior, até, do que cem reais. Só que, se você fizer simplesmente a alta do salário mínimo hoje para cem reais, você aponta um déficit sem financiamento, infinancável de dois bilhões de reais na Previdência Social e, com isso, você deixaria 14 milhões de idosos, pensionistas etc. que não têm mais condições de se humilhar na rua pedindo 147% nessa mesma mendicância.
Otávio Costa: Se for desvinculado...?
Ciro Gomes: Se for desvinculado, sim, nós temos que ir para um galope rápido...
Otávio Costa: O senhor concordaria com isso?
Ciro Gomes: Lógico, claro. Agora, tem outro...
Antonio Carlos Ferreira: Mas os aposentados não merecem cem reais, também?
Ciro Gomes: Merecem, claro! Estou falando é da vinculação do salário mínimo com o benefício da Previdência Social, que não suporta, quebra. É concreto, como também é outro setor, a administração pública - os estados e municípios mais pobres do país que incharam as suas folhas de pagamento com um empreguismo desbragado no passado e que, por cima disso, tiveram em 1988 a estabilidade do funcionário. Então, se você manda pagar cem reais de salário mínimo e não se permite, na Constituição, gastar mais de 65% com o pessoal, não se permite demitir e deu estabilidade para prefeitura de cinqüenta mil habitantes que tem cinco mil, sete mil funcionários, você está pedindo para morrer.
Otávio Costa: E agora, a indexação do salário? O senhor é contra o IPCR?
Ciro Gomes: O IPCR... Quer dizer, eu compreendo o que aconteceu. Ele não fazia parte da lógica do Plano Real, ele foi um objeto de uma transação política democrática no Congresso Nacional para aprovar o Plano Real. Só que, na passagem, ele trouxe um vício que eu acho muito ruim. Ele trouxe uma memória do resto do cruzeiro real [moeda vigente no Brasil de agosto de 1993 a junho de 1994, quando foi trocada pelo real pelo Plano Real], da inflação do cruzeiro real para dentro da lógica do real. E isso certamente criou um constrangimento. E é uma iminência de indexação, quando o Plano Real quer, ao fim do seu êxito, como está acontecendo, desindexar a economia.
Otávio Costa: Mas há a idéia de zerar mesmo o IPCR e até janeiro e fevereiro...
Ciro Gomes: Não, a partir daí o IPCR é um item de confiança do plano; portanto, é intocável.
Stephen Kanitz: Voltando ao problema da previdência. Nós temos uma série de pessoas que se aposentaram com salários altos com 42 ou 43 anos de idade e esses, no fundo, são os marajás da aposentadoria; e esses, no fundo, é que causam o rombo da previdência, não é o fulano de cem reais...
Ciro Gomes: Não, não é mesmo.
Stephen Kanitz: ...mas essas pessoas que trabalham quatro anos no governo, por exemplo, e aí têm direito a aposentadoria até o resto de suas vidas, apesar de, nos quatro anos, não terem criado o fundo atuarial para permitir a sua aposentadoria... Você, acho que têm direito adquirido, mas não aceitou por razões éticas - e nem pode, porque, no fundo, você não criou o fundo para a sua aposentadoria. Infelizmente, tem uma série de pessoas, inclusive no governo, no Congresso, que já são aposentadas. Então, quais são as chances de a gente realmente conseguir uma solução correta para a previdência, que é todo mundo só poder se aposentar com o equivalente ao fundo atuarial que tem?
Ciro Gomes: Eu acho que nós tínhamos que ter coragem e objetividade em relação a essa questão. Coragem para repartir com a população a consciência plena do problema. Qual é a consciência plena do problema? [Do modo] como está, nós estamos dizendo a quem tem 35, 37, 38, quarenta anos hoje, que nós não teremos previdência dentro de dez ou vinte anos, porque ela quebra, ela não suporta, nessas bases atuariais em que se encontra, uma projeção para o futuro, quando há um perfil de envelhecimento gradual da média da sociedade brasileira. E, assim sendo, é preciso urgentemente fazer uma reforma da Previdência Social, em que alguns conceitos têm que ser feitos. Eu acho que a gente pode até, para não dar polêmica - e o Brasil tem essa tradição -, deixar assim, como o padre Cícero [(1844-1934), sacerdote cearense muito influente, inclusive politicamente no Nordeste, hoje objeto de devoção popular na região] dizia - foi o padre Cícero quem disse! -, "Quem matou, não mate mais; quem roubou, não roube mais!" Está certo?
[risos]
Heródoto Barbeiro: Ministro, tem outra pergunta aqui.
Ciro Gomes: Então, deixa assim como está, faz o direito adquirido para essas pessoas aí e vamos consertar para a frente. Em que base? Primeiro: a previdência pública é para as maiorias pobres; quem quiser uma previdência maior vai concorrer em planos previdenciários privados - é a previdência privada concorrente, que nós devíamos ter a coragem de assumir com transparência que isso é uma possibilidade e é uma necessidade. Segundo: fim da aposentadoria por tempo de serviço. Todas as aposentadorias deveriam ser por idade, e aí acharíamos qual é a idade mais razoável.
Heródoto Barbeiro: Ministro, gostaria de saber do senhor o seguinte: caso o senhor seja convocado pelo presidente eleito Fernando Henrique Cardoso para ficar no Ministério da Fazenda, o senhor aceita?
Ciro Gomes: Não.
Heródoto Barbeiro: Não aceita?
Ciro Gomes: Não.
Heródoto Barbeiro: O senhor não troca a [universidade de] Harvard [nos Estados Unidos] pela continuidade em Brasília?
Ciro Gomes: Não.
Heródoto Barbeiro: Outra questão ministro.
Stephen Kanitz: Não seria bobo!
[risos]
Cláudia de Souza: Mas eu faria...
Heródoto Barbeiro: Outra questão...
Cláudia de Souza: Posso só complementar?
Heródoto Barbeiro: Pois não, pode fazer.
Cláudia de Souza: Qual é o seu projeto pessoal, ministro? O senhor vai para Harvard por um ano...?
Ciro Gomes: Todos os meus projetos pessoais foram satisfeitos, já. Eu só quero viver com meus filhos num país que seja digno de a gente viver.
Heródoto Barbeiro: Ô ministro, nessa linha toda de raciocínio, tem uma questão aqui que eu gostaria que o senhor respondesse como pai. Seus filhos estudam em escola pública ou particular?
Ciro Gomes: Privada, particular.
Heródoto Barbeiro: Particular. Ministro, parece que o setor das escolas particulares não atende muitas das medidas provisórias baixadas pelo presidente Itamar Franco.
Ciro Gomes: Mas não é bem assim...
Heródoto Barbeiro: E ela...
Ciro Gomes: Não é bem assim. O presidente Itamar Franco, mais uma vez, procurou fazer, no limite do que tinha condição de fazer, uma regulamentação dessa área. Expediu quatro medidas provisórias. Contra as quatro foram levantadas óbices de natureza judiciária e o Supremo Tribunal Federal decretou a não vigência das quatro medidas provisórias. Por fim, rendida a evidência de que há uma vedação judicial, nós reeditamos uma medida agora, sancionando os acordos que tinham sido feitos.
Heródoto Barbeiro: Sim, mas, ministro, parece que as escolas particulares vão reindexar novamente as mensalidades escolares a partir do próximo janeiro, agora.
Ciro Gomes: Não.
Heródoto Barbeiro: Eu quero saber se o governo vai reagir a isso ou se as escolas vão continuar fazendo como fizeram...
Ciro Gomes: Tudo que foi indexação no Brasil é crime. Se não é crime do direito penal, é crime moral.
Celso Ming: Ministro...
Heródoto Barbeiro: Pois não, Celso.
Celso Ming: O jornal O Estado de S. Paulo publicou, neste final de semana, uma matéria contando que a Petrobras estava divulgando dados falsos sobre o custo de produção do petróleo. Em vez de 14 dólares ou um pouquinho mais por barril, na verdade, os custos são muito inferiores. Uns dados falam em 11, outros falam em 7. Primeiro, eu quero saber se isso é verdade. E, em segundo lugar, se o governo pretende, por conta disso, fazer uma nova redução dos preços dos combustíveis.
Ciro Gomes: O presidente Itamar Franco determinou uma auditoria na Petrobras, para conhecer as suas entranhas contábeis e suas estruturas de custos, seus estipêndios, seus gastos etc. E o ministro Delcídio [Amaral], que é o ministro das Minas e Energia [de 1994 a 1995], concluiu e deu divulgação a um resumo dessa auditoria. E é verdade que a auditoria aponta para alguns problemas graves, coisas de que eu já andei falando, também, muitas vezes. Os seus "mirabolantes fundos de pensão" - essa expressão eu também já usei muitas vezes. Aí está um exemplo, quatro por um - quatro do dinheiro público por um do funcionário. Enfim, um monte de coisas; entre elas, essas estruturas de custos da Petrobras. Eu não conheço ainda oficialmente; conheço essa expressão. Eu vou ter ainda, com o ministro Delcídio, para fazer... Mas nossa intenção é repassar ao consumidor brasileiro o que seja possível repassar, como é a lógica da economia sem inflação.
Celso Ming: Agora, o senhor se lembra de que a Petrobras é uma empresa de capital aberto que tem a obrigação de divulgar corretamente os seus dados.
Ciro Gomes: É, não me parece que tenha sido falseado, não. O que tem é o seguinte: essas planilhas de custos têm lá: "remuneração do capital imobilizado, X". Pronto. É meio arbitrário, isso.
Celso Ming: Sim, mas e auditor? Até tem auditor independente.
Ciro Gomes: Está bom, mas isso é um juízo de valor, mas isso é um juízo de valor, Celso, é você dizer assim...
Celso Ming: Mas são dados técnicos! Como pode falsear tanto?
Ciro Gomes: Quando que eu digo que a remuneração do imobilizado é 300%...
Carlos Alberto Sardenberg: Mas tem um dado técnico que diz que isso ou está certo ou está errado. Não pode ser assim...
Ciro Gomes: Não tem, não, isso é meio arbitrário, é meio arbitrário. Você pode dizer o seguinte: é corrente nas empresas que se remunerem com 10% e tal; mas é corrente, é costume, não é uma lei, certo?
Carlos Alberto Sardenberg: Em resumo, tem chances de abaixar o preço do combustível de novo?
Ciro Gomes: Não sei, eu não posso falar isso agora se eu não tomei conhecimento dos detalhes.
Celso Ming: Eu estava fazendo essa pergunta porque o senhor é responsável pelo Tesouro, e o Tesouro, por sua vez, é proprietário da Petrobras. Agora, eu vejo que o Tesouro, como proprietário, não manda na Petrobras, não consegue ter a ascendência... O senhor, como...
Ciro Gomes: Hoje manda mais do que já mandou no passado recente, desde o Itamar Franco...
Celso Ming: Quem manda mais?
Ciro Gomes: Hoje, o Tesouro, quer dizer, o governo tem maior ascendência sobre as estatais do que tinha até o presidente Itamar assumir...
Cláudia de Souza: Quais são os indícios disso, ministro? Dessa maior ascendência do Tesouro hoje sobre a Petrobras?
Ciro Gomes: Ah, tudo. Tudo, ela foi devassada contabilmente, ela administrou essa crise com os petroleiros da forma como o governo orientou, eu abaixei os preços com a portaria minha - foi uma portaria minha, o que eu acho que é um absurdo...
Carlos Alberto Sardenberg: O episódio reforça a tese...
Ciro Gomes: Eu acho um absurdo - não baixar o preço, mas ser um homem que, por uma portaria, faz uma coisa dessas. Isso é uma coisa meio inquietante.
[risos]
Carlos Alberto Sardenberg: Na sua opinião, o episódio reforça a tese de privatização dessa área?
Ciro Gomes: Da Petrobras? De jeito nenhum. A Petrobras não deve ser privatizada, porque não é interesse estratégico do país que ela seja privatizada - porque no mundo do petróleo só existem “as sete irmãs” [as sete maiores companhias transnacionais de petróleo], o grande cartel internacional [a Opep, Organização dos Países Exportadores de Petróleo] e as estatais, e uma nação com as características do Brasil não pode abrir mão de uma ascendência estratégica sobre isso. Essa é uma razão. Outra razão é que não tem quem compre.
[...]: E a quebra do monopólio?
Ciro Gomes: A quebra do monopólio seria imediata se dependesse de mim.
Celso Ming: Abre uma outra empresa que...
Ciro Gomes: Quebra o monopólio e pronto.
Stephen Kanitz: Eu vou poder importar petróleo?
Ciro Gomes: Quebra o monopólio, faz o que quiser.
Stephen Kanitz: Quando?
Ciro Gomes: Não, eu estou dizendo se dependesse de mim. Isso é inconstitucional.
Otávio Costa: Isso. E a Vale do Rio Doce?
Ciro Gomes: A Vale do Rio Doce pode ser privatizada, não há problema, no meu juízo. Veja bem, eu estou falando coisas de juízos pessoais meus. Nem são juízos do governo Itamar Franco, nem quero dizer que são juízo do futuro governador. É meu, pessoal.
Otávio Costa: Ministro, só um outro assunto. Esse pacote anti-consumo, é evidente que, por enquanto, ele é uma tentativa - ele pode dar errado ou dar certo. E se falou que o trunfo que o governo teria seria mudanças nas alíquotas no imposto de renda para o ano que vem. Isso vem sendo estudado, ministro?
Ciro Gomes: Não.
Otávio Costa: Mas o senhor concordaria com uma mudança na alíquota de imposto de renda, se houver...
Ciro Gomes: [rindo] Manchete no jornal dele amanhã: “Ciro Gomes prevê aumentos”. Não, não...
Heródoto Barbeiro: Ministro, tem aqui uma pergunta do telespectador para o senhor. Ele diz o seguinte: "Se cem reais é muito para um trabalhador, o que o senhor tem a dizer a respeito do..."
Ciro Gomes: Não, não, quem falou isso?! Cem reais é muito pouco!
Heródoto Barbeiro: O senhor acha muito pouco?
Ciro Gomes: Claro!
Heródoto Barbeiro: Então, desculpe, ele se enganou. Mas, de qualquer jeito, ele quer que o senhor faça um rápido comentário...
Ciro Gomes: O que estou dizendo é o seguinte: é que cem reais é muito pouco e a economia privada - indústria, comércio etc. - pode perfeitamente pagar mais sem problema. O que não dá hoje é para fazer de uma vez só, do dia para a noite, porque quebra a Previdência Social e as administrações estaduais e municipais mais pobres.
Heródoto Barbeiro: Agora, o senhor Paulo Silva, de São Paulo, perguntou ao senhor o seguinte: “Qual é o comentário que o senhor tem a fazer a respeito dos salários dos deputados, que parecem que agora foram, no mínimo, dobrados?"
Ciro Gomes: Olha, não foram, não, e não podem ser. Deixa eu ver se eu acho uma palavra aqui. [abaixa-se e pensa]
[muitos risos]
Ciro Gomes: É um abuso inominável que se faça isso numa hora dessas. É um escárnio contra o povo pobre brasileiro. Eu não acredito que o Congresso Nacional faça isso.
Heródoto Barbeiro: Ministro, ainda nessa linha...
Ciro Gomes: Acho que fui moderado, não é? Fui elegante desta vez?
Heródoto Barbeiro: Foi bastante. Ministro, o senhor é a favor da manutenção da estabilidade para os funcionários públicos?
Ciro Gomes: Eu sou contra.
Heródoto Barbeiro: Contra?
Ciro Gomes: É uma perversão que só faz mal ao bom funcionário. Isso só protege o mau funcionário. E, obrigando os dois a ficarem juntos, significa meio salário para cada um. Ou seja, o bom funcionário é pessimamente pago e o mau funcionário é regiamente pago. E nós somos obrigados a ter os dois.
José Casado: Mas, ministro...
Heródoto Barbeiro: Pois não, Casado.
José Casado: Com todas essas posições que o senhor está colocando aqui, "sou contra isso", "aquilo", fica a seguinte dúvida: parece-me que é muito difícil ser ministro da Fazenda sem poder realizar algumas das suas próprias idéias. É isso mesmo?
Ciro Gomes: Não, eu acho que o senhor...
José Casado: O que lhe impede, por exemplo...
Ciro Gomes: ...é um repórter muito instigante - a palavra "instigante" é melhor que "provocador", não é?
[risos]
Ciro Gomes: O senhor está aqui fazendo perguntas a mim sobre questões estruturais, sobre conceitos. Eu não quero mentir. Então, eu vou dizer o que eu penso.
José Casado: O senhor está dizendo que é contra a estabilidade do funcionário...
Ciro Gomes: Eu sou contra a estabilidade.
José Casado: O senhor pretende mandar um projeto para o Congresso?
Ciro Gomes: Não.
José Casado: Não, por quê?
Ciro Gomes: Porque não é meu papel.
José Casado: Não é seu papel?
Ciro Gomes: Não, claro que não é. Você acha que é meu papel? É papel do ministro da Fazenda mandar projeto?
José Casado: O senhor é governo.
Ciro Gomes: Não, isso aí é uma ficção que o senhor está fazendo. Eu sou ministro da Fazenda, modestamente ministro da Fazenda, só.
[...]: Então, ministro, o senhor vai estar no projeto por dois meses e meio...
[sobreposição de vozes]
Ciro Gomes: [...] A Constituição brasileira não elenca entre os homens que podem ou entre as instituições que podem ter autoria de projeto o ministro da Fazenda...
Carlos Alberto Sardenberg: Ah, isso é lógico, ministro. O senhor encaminha ao presidente da República um projeto dizendo que...
Ciro Gomes: Não, mas isso aí... Houve uma revisão constitucional agora, o Congresso não fez e tal. O senhor quer que eu diga o quê? Que só porque não sou eu que posso fazer agora, seria a favor de uma Previdência Social quebrada? Não sou, sou contra. O senhor pergunta se sou a favor do monopólio. O país está querendo que as pessoas falem a verdade, ponham suas posições, se referenciem para o debate nacional. Eu, agora, porque estou ocupado com os negócios da Fazenda, não vou me demitir das minhas opiniões de brasileiro. Sou cidadão, tenho o direito de dar minhas opiniões e não sou obrigado a fazê-lo.
Carlos Alberto Sardenberg: Ah, mas ninguém está dizendo que o senhor não pode dar opinião...!
Ciro Gomes: Eu sou a favor de meter na cadeia quem praticar ágio. Claramente. Agora, a lei não permite. Agora, eu sou a favor.
Carlos Alberto Sardenberg: Então põe um projeto de lei dizendo que ágio é crime.
Adrian Dickson: O senhor vai entregar o poder em dois meses e meio. Se o senhor tivesse que dizer três logros desses dois meses e meio...
Stephen Kanitz: Para o futuro, né?
Adrian Dickson: ...quais mencionaria?
Ciro Gomes: "Logros" são conquistas?
Stephen Kanitz: As três cartas que você vai deixar para o próximo...
[...]: "Logro" é "sucesso" em espanhol.
Stephen Kanitz: Sucessos.
Ciro Gomes: Eu acho que a inserção do Brasil no comércio exterior é uma coisa definitiva. Foi uma obra definitiva, não conjuntural. Acho que, se eu conseguir, como tenho certeza que vou conseguir, mostrar ao povo que o Plano Real é um caminho definitivo, que não foi um ato de oportunidade, [isso] é o que eu vou levar para casa com grande satisfação. E o terceiro é o privilégio de trabalhar com um homem com as características do presidente Itamar Franco.
Adrian Dickson: Ministro, mas isso não é um sucesso? Algumas pessoas possivelmente diriam que sim.
Ciro Gomes: Sim, é um sucesso.
Adrian Dickson: Mas...
Stephen Kanitz: Agora, ministro, um dos problemas do Brasil é que não se tem uma visão de longo prazo neste país. Nós estamos aqui há uma hora e o senhor não falou muito desse longo prazo e o que tem que ser feito.
Ciro Gomes: Eu só falei o que me perguntaram.
Stephen Kanitz: O senhor é ministro, o senhor tem autoridade para falar. O que nós precisamos fazer a longo prazo?
Ciro Gomes: A longo prazo? O Brasil precisa fazer uma reforma estrutural no Estado, de maneira a remontar não só as bases de seus financiamentos, mas também a forma de repartir esse financiamento entre os diversos setores produtivos. Isso permitiria uma nova inserção, um novo relacionamento do país com a economia. E, nesse caso, nós teríamos que remontar toda a modelagem econômica do país, que deve ser novamente um país capaz de dar ao Estado um papel de grande relevo. Eu não sou defensor do Estado mínimo, mas esse grande relevo deve ser absolutamente prioritário. O Estado deve fazer um agudo processo de conscientização, de disciplina na área da política pública de educação, um processo de aguda interseção nas áreas de políticas públicas de saúde e uma coisa grave e urgente, inadiável na coisa da infraestrutura, para o que o capital privado, inclusive - pode ser acionado por diversas parcerias - para ser um país que restaure com a poupança pública a nossa capacidade de desenvolvimento. É construir uma poupança pública, e essa será a alavanca, dirigista - no bom sentido - da nova etapa do desenvolvimento nacional. Dessa feita, marcada pela liberdade, pela democracia e pela consciência de que não é possível mais vivermos com a exclusão social como o Brasil viveu até agora.
Heródoto Barbeiro: Ministro, agora há pouco o Sardenberg falou...
Ciro Gomes: Mais do que falar, eu acho que isso está começando a acontecer.
Heródoto Barbeiro: Ministro, o Sardenberg falou agora a respeito das pessoas do setor de consórcios, de que teriam perdidos seus empregos. Que, aliás, foi motivo até de uma pergunta aqui. Eu tenho aqui um fax de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, dizendo para o senhor o seguinte: que "O setor atacadista exportador do país, está marcando a pior crise com essa defasagem cambial"...
Ciro Gomes: Calçadista, não é atacadista.
Heródoto Barbeiro: Perdão, calçadista e diz mais: “...já causou desemprego direto de mais de vinte e duas mil pessoas, além de outros milhares de empregos indiretos." O senhor tem conhecimento disso?
Ciro Gomes: Tenho, estive lá pessoalmente e discuti com eles o assunto. Eles têm, em boa parte, razão, porque eles estão sofrendo um problema estrutural agravado por um problema conjuntural. No plano estrutural, é que são dez mil empresas de calçados no Brasil e quatrocentas delas trabalham praticamente só para exportação. E aquelas que trabalhavam com calçados mais populares têm um problema de concorrência profundamente agressiva da China e conjunturalmente da Espanha e de Portugal, que depreciaram seus câmbios e ficaram competitivos também nos principais mercados. Com isso, eles ficaram muitos estreitos e a margem de lucros deles desceu para qualquer coisa ao redor de 3%. E, como houve uma apreciação do câmbio, o real se apreciou frente ao dólar, eles passaram para a faixa de prejuízo. Eu estou profundamente sensibilizado, como estou procurando revelar aqui em detalhe, no conhecimento do problema e estamos trabalhando para ver o que podemos fazer para ajudar. Talvez o caminho seja uma linha de financiamento; nós estamos tentando criar, para ajudar a atravessar este momento, até que eles se reconvertam e se adaptem ao novo quadro do mercado.
Heródoto Barbeiro: Eu queria, antes de passar para o Ming, que o senhor respondesse rapidamente para o senhor Mário Leonardo - ele é dono de uma pequena pizzaria - e ele diz o seguinte: ele quer saber como é que ele pode absorver até 120% de aumento nos preços derivado de leite sem repassar isso para o produto, que é a pizza que ele vende lá para seus fregueses.
Ciro Gomes: Olha, ele tem razão, se o preço relativo dele subiu nessa exorbitância, isso reestrutura, recompõe a estrutura de custo. O que ele deve é recusar esse tipo de aumento, que não cabe: para 120% de aumento, não há razão. O problema da seca provocou uma crise nos laticínios, no leite, no queijo etc., mas não nessa proporção. Se o seu fornecedor, digo eu a ele, está cobrando 120% de aumento, troque de fornecedor, porque isso não está correto.
Antonio Carlos Ferreira: Ministro, o senhor falou aqui, no começo do programa, que o senhor tomou na semana passada as medidas mais duras possíveis, para depois até poder recuar, na medida em que as coisas se ajustarem...
Ciro Gomes: Não necessariamente.
Antonio Carlos Ferreira: Se for possível. Então no caso...
Ciro Gomes: Eu gosto de ser popular, rapaz! Eu gosto é de ser generoso! Eu gosto de dar as coisas.
Antonio Carlos Ferreira: Então, eu vou dar a oportunidade para o senhor ser generoso. Qual é a...
Ciro Gomes: É verdade, eu gosto mesmo. Agora, o que eu posso fazer? Vou ser generoso com chapéu alheio, deixar o plano se afundar? Não vou deixar, não. O plano é um sucesso por quê? Porque nós estamos fazendo tudo que tem que ser feito sério, desde o começo.
Antonio Carlos Ferreira: Mas, ministro, então, quem está querendo comprar um carro e agora está querendo entrar num consórcio, está limitado agora a 12 meses e estava antes com prazo de até cinquenta meses. Que sugestão o senhor dá a esse consumidor? Que ele deve entrar no consórcio com 12 meses? Ou deve esperar que isso talvez volte atrás...
Ciro Gomes: Deve esperar.
Antonio Carlos Ferreira: Deve esperar? Então há uma perspectiva de um alongamento...
Ciro Gomes: Não de revogação da medida. Deve esperar porque, se todo mundo se retrair, o carro desce para 7 mil reais. Depois nós não precisamos mais restringir crédito.
Antonio Carlos Ferreira: Não, mas no caso do consórcio, não, porque ele está pagando o preço sem ágio; então, ele...
Ciro Gomes: Não, mas o problema é que o consórcio foi usado... Isso é uma explicação que eu preciso dar às pessoas que realmente tem razão. Por que aconteceu isso? Porque o consórcio é uma porta para espertalhões fazerem o seguinte. Entram no consórcio com vinte, trinta, cinquenta cotas; no dia seguinte, dá o lance e retira o carro sem ágio para vender com ágio lá fora. Então, nós acabamos foi por isso, não foi por outra razão.
Antonio Carlos Ferreira: Agora, esse consumidor, o consumidor honesto, está querendo comprar. Hoje, ele só tem 12 meses, ele vai se apertar muito, mas pode haver uma ampliação do prazo? Há uma perspectiva?
Ciro Gomes: [falando junto com Antonio Carlos Ferreira] Espera um pouco, se ele me permitir uma ponderação, por mais que ele tenha se aborrecido eu diria a ele que ele espere um pouco. Essa medida, em última análise, é para proteger a essa pessoa.
Stephen Kanitz: É aquela idéia que implantaram pela Argentina, onde eles permitiram a importação de somente cinqüenta mil carros importados, populares, sem nenhum imposto? E aí a população entrava com pedido e seria sorteado um em dez; mas, com isso, 500 mil pessoas postergaram as suas compras na sorte de ser...
Ciro Gomes: É diferente um pouco, a Argentina, porque a Argentina tem proporções muito menores. Só na fila do Mille nós temos notícias de quarenta mil pessoas. Do Fiat Mille, já no cadastro que a Fiat fez direto de fábrica.
Carlos Sardenberg: Quarenta e sete mil.
Ciro Gomes: Quarenta e sete mil. Então, as proporções no Brasil já são bem diferentes da Argentina. E há outros problemas. O nível de industrialização brasileira recomenda a nós, brasileiros, mais estabilidade na definição de regras de política industrial e de comércio exterior. Quer dizer, não há, afinal de contas, uma emergência. Estão com um probleminha aí de dois ou três meses de universo.
Stephen Kanitz: E esse décimo-terceiro não vai complicar um pouquinho mais?
Ciro Gomes: Não vai... Eu creio que não vá, não. Ainda tem o PIS [Programa de Integração Social] que vai entrar aí.
Celso Ming: Ministro, a medida provisória do Real tem lá um artigo que diz que “a base monetária tem que se limitar rigidamente àqueles níveis conhecidos". Por exemplo, 7,5 bilhões de reais até setembro, mais uns vinte depois. Mas, em dezembro, seriam nove bilhões de reais mais os vinte, o que dá [...] e tal. Só que houve um estouro - não foi um estourinho, foi um estouro, ministro, porque então nós temos hoje já coisa de 13 bilhões de reais de base monetária. Em primeiro lugar, de quem é a responsabilidade por esse estouro? Porque obviamente a equipe econômica, ou, mais particularmente, o ministro da Fazenda, tinha que segurar isso. Porque está na medida provisória, está na lei. Em segundo lugar, havendo uma responsabilidade, como é que será cobrada essa responsabilidade por esse estouro?
Ciro Gomes: Não houve estouro, não. Porque o que está escrito na medida provisória foi rigorosamente cumprido no trimestre que terminou e nós estamos começando outro. E o que a medida provisória diz é que, na média do trimestre, a base monetária será X mais 20% de X e tal. Então, nós ainda estamos iniciando um trimestre.
Celso Ming: Mas já está 13!
Ciro Gomes: Se o senhor quiser, eu respondo. Parece assim, que houve uma coisa que foi à revelia, que houve um crime, que alguém tem que pagar por isso. Estou querendo apenas situar que não é bem assim, porque não houve estouro. O que está acontecendo é um fenômeno que, inclusive, eu já apurei na experiência do México, na experiência da Argentina, também na do Chile: é que, com a estabilização, aumenta o nível de confiança da população na moeda - na moeda literalmente considerada, quer dizer, no papel, na moedinha. E isso aumenta o nível de manutenção, de transporte individual de moedas pelas pessoas e aumenta também o nível de depósito à vista nos bancos, que é 100% do depósito compulsório do Banco Central. Então, a explicação para monetização é exatamente essa. Não houve nenhum problema de desequilíbrio de caixa do Tesouro da União que se precisasse financiar como emissão monetária. Não houve nenhum desequilíbrio no financiamento interno do país que se precisasse financiar como emissão monetária. Não houve nenhum desequilíbrio no financiamento externo do país que se precise financiar com emissão monetária. Portanto, nenhum problema houve, a não ser isso: aumentou muito fortemente o nível de monetização da economia, porque as pessoas acreditam mais na moeda, deixam mais dinheiro na conta à vista, no depósito à vista do banco e isso tudo significa uma base monetária maior. Mas tudo isso se dá na total transparência na reedição da medida provisória.
Otávio Costa: Mas essa explicação, ministro, foi dada em setembro, se eu não me engano, quando os meus pagamentos atingiram acho que 8 bilhões...
Ciro Gomes: Não, nós cumprimos... Olha, nós mandamos para o Senado, nós cumprimos rigorosamente a meta monetária escrita na medida provisória apurada na média do trimestre...
Otávio Costa: Não, está perfeito, mas agora está se falando de até em mudar o conselho, ministro...
Carlos Alberto Sardenberg: A do último trimestre está perdida.
Otávio Costa: Já está perdida, já.
Carlos Alberto Sardenberg: Não tem jeito de voltar o número.
Ciro Gomes: Não, o senhor conhece o número? Nós vamos reeditar a medida provisória agora.
Otávio Costa: Sim.
Carlos Alberto Sardenberg: Ah bom, mas vai mudar o número.
[...]: Ah bom! Vai mudar. Vai mudar a regra do jogo?
Ciro Gomes: Eu não sei. Haverá total transparência sobre o assunto.
Carlos Alberto Sardenberg: Ah, mas isso, ministro, isso é uma coisa que é realmente relevante, porque, quando o plano foi lançado...
Ciro Gomes: Quem está dizendo que é irrelevante?
Carlos Alberto Sardenberg: ...quando o plano foi lançado, foi uma das coisas que mais se acentuou como garantia...
Ciro Gomes: O que eu só quero ponderar é que eu não vou especular sobre isso, porque essa especulação não é ociosa, ela faz pessoas ganharem dinheiro e pessoas perderem dinheiro. Eu estou só querendo lhe dizer que não houve problema nenhum a ser arrumado com a emissão monetária. Portanto, não há nenhum processo inflacionário de emissão monetária, nenhum, e tudo o que acontecer nessa área será discutido de forma absolutamente transparente com a população.
Otávio Costa: Ministro, quando se atribui...
Carlos Alberto Sardenberg: No mínimo foi um erro de cálculo?
Ciro Gomes: Não, o senhor sabe que ninguém impõe meta monetária a si próprio tecnicamente de forma absolutamente segura. Não há isso no mundo, nunca houve no mundo. Qual é o nível de dinheiro que você carrega no bolso? Quem pode vaticinar isso? Você pode trabalhar por médias, e foi o que as pessoas tiveram. O que eles quiseram fazer, e mais [como] um gesto de boa fé, foi dizer o seguinte: "Nós estamos jogando dinamite atrás de nós na ponte e estamos dizendo ao país, aos formadores de preço, que nós não financiaremos mais desarranjos fiscais do Tesouro ou crises de financiamento interno ou externo do setor público com emissão monetária." É só isso que se quis dizer e é só isso que se está se cumprindo.
Otávio Costa: Mas o que há além da remonetização?
Ciro Gomes: Só isso.
Otávio Costa: Porque, se a remonetização explicou em setembro e a base monetária continua a se expandir, continua a se expandir... Tanto que vem uma reedição de medida provisória; deve-se mudar, inclusive, o critério...
Ciro Gomes: Isso é o senhor que está dizendo.
Otávio Costa: ...deixar de ser o critério de M1 para M4. Não, essa é a sugestão do professor [Mário Henrique] Simonsen [(1935-1997), eminente economista e ministro da Fazenda de 1974 a 1979]. Desde o início do plano, ele declarou que era uma camisa de força...
Ciro Gomes: Sim, mas isso é o senhor que está dizendo, não sou eu. Eu quero pedir desculpas, mas eu não quero especular sobre isso, porque falar sobre essas coisas significa fazer gente ganhar dinheiro e gente perder dinheiro sem trabalhar. E eu tenho horror a isso. Nas minhas costas, não.
Otávio Costa: Mas, então não há nenhuma outra informação, ministro?
Ciro Gomes: Não.
Otávio Costa: Quer dizer, além... Só a monetização explica?
Ciro Gomes: Qualquer informação sobre o assunto, o doutor Pedro Malan, do Banco Central, com seu talento, genialidade e honestidade será capaz de dar.
Otávio Costa: Falando nisso, no doutor Pedro Malan, o senhor o acha um bom sucessor, ministro?
Ciro Gomes: De todos, nenhum pode ser melhor.
[risos]
Heródoto Barbeiro: Ministro, tem vários aqui...
Ciro Gomes: Aliás, igual ao nível de competência tem o professor [Edmar] Bacha ou doutor Clóvis Carvalho, que é um extraordinário...
Otávio Costa: Mas nenhum pode ser melhor que Pedro Malan, é isso?
Ciro Gomes: Não, ninguém. Podem ser iguais.
[risos]
Heródoto Barbeiro: Ministro, vários bilhetes de telespectadores, alguns apoiando plenamente o que o senhor está dizendo aqui, dizendo que até pode contar que... Dona Marlene Rosa, por exemplo, dizendo: "Nós estamos dando a maior força, é isso aí! Pau neles!" Nos especuladores.
Ciro Gomes: Que é isso, dona Maria, calma...!
[risos]
Heródoto Barbeiro: Diz que "Aqui em casa, nós não temos raiva do que o senhor disse, mas pelo contrário, uma série de elogios"...
Ciro Gomes: Eu estou sabendo.
Heródoto Barbeiro: Mas tem aqueles que fazem críticas ao senhor.
Ciro Gomes: Vamos ouvi-las.
Heródoto Barbeiro: Nós temos aqui uma no cravo e outra na ferradura. O senhor professor Dário de Oliveira diz o seguinte, em outras palavras: que os pobres estão sendo usados como bodes expiatórios e [pergunta se] essas medidas agora tomadas pelo governo, de contenção dos gastos, não são medidas socialmente injustas, uma vez que, agora que um cidadão iria comprar uma geladeira, não pode comprá-la.
Ciro Gomes: Não, ele... essa medida é para proteger o cidadão para comprar uma geladeira.
Heródoto Barbeiro: Ele é de São Paulo.
Ciro Gomes: Ele só precisa entender isso. Professor, nós não fazemos isso porque temos qualquer vocação para o sadismo. Um objetivo em si mesmo do plano é fortalecer a renda das pessoas, mas nós somos comovidos com a idéia, provada já, de que a melhor contribuição que nós podemos dar ao povo mais pobre é não permitir que a inflação suba. Com isso, as pessoas vão viver uma vida estável no tempo. Pode até ter a decepção agora de querer açodadamente melhorar de vida do dia para noite e a gente ter posto areia no...
Heródoto Barbeiro: Isso não é mais ou menos ir à praia e não poder tomar banho de mar, ministro?
Ciro Gomes: Só um pouquinho, enquanto a maré se assenta, não é? Porque a maré está tão brava que o salva-vidas proíbe o cidadão de tomar banho, [diz] para ele tomar cuidado que ali tem um tubarão que vai passando, [mas] vai passar rapidamente e daqui a pouco está normal e ele toma banho normalmente. É só isso.
Cláudia de Souza: Agora, acho que tem aqueles que já estão no mar e que preocupa um pouquinho. Por que...
Ciro Gomes: Isso. Tem que tirá-los de lá, porque o tubarão...! [risos]
Cláudia de Souza: Pois é. E, com essas medidas restritivas da semana passada, ministro, é evidente que uma das consequências inevitáveis é que os juros subam. Se os juros vão ficar mais altos por um período de tempo, eu lhe pergunto se não haverá de novo uma transferência de renda daquelas pessoas que não podem mais comprar o fogão, porque, enfim, já com o salário no mesmo nível, terminou o poder aquisitivo de se comprometer com mais prestações, sejam elas permitidas ou não. E, no entanto, com os juros mais altos, aquelas pessoas que já estão no mar, que detêm a riqueza, já estão sujeitas a uma remuneração mais alta.
Ciro Gomes: Não, não por essa providência. Isso é uma coisa verdadeira ao longo da história brasileira recente. É muita verdade, e eu me bato contra isso...
Cláudia de Souza: Pois é, mas será que, com esse plano, a gente vai sair desse círculo vicioso?
Ciro Gomes: É claro que sim. Repare, isso tem números. Nós terminamos alguns estudos que demonstram que o imposto inflacionário tirava do povo, do assalariado brasileiro 18 bilhões de dólares por ano. Isso significa que nós devolvemos ao povo brasileiro, ao conjunto do trabalhador brasileiro, do assalariado algo ao redor de um bilhão, um bilhão e meio de dólares por mês. E é isso que explica o porquê do plano ser expansionista, das pessoas estarem podendo encarar um pouco mais seguramente seus custos de vida. E é isso o que nós queremos lutar para manter. Claro que, com algumas providências conjunturais, você agrava um pouco. Mas os juros... Dizem aí, na hora da crítica mais azeda, que os juros poderiam, sobre a taxa atual, crescer 8%; não creio que aconteça isso, porque o que nós estamos assistindo hoje é uma taxa de juros declinante sob o ponto de vista real. Isso é o que é fundamental anotar.
Cláudia de Souza: Agora, eu tenho uma outra pergunta um pouco prosaica, mas que eu acho que é relevante. É o seguinte: é sobre a moedinha, o problema do troco. Não é uma arrogância do governo até agora não ter produzido moedinhas que facilitassem o troco das pessoas que compram dois pãezinhos e um litro de leite por dia?
Ciro Gomes: Não, não é uma arrogância, não. É assim: nós imprimimos, cunhamos dois bilhões de moedinhas...
Cláudia de Souza: Pois é, mas nós somos 150 milhões de pessoas, nós precisamos de mais...
Ciro Gomes: É, isso daria uma proporção... Parece que, na América do Norte, há quatro bilhões de moedinhas circulando. E lá tem duzentos milhões de habitantes. Portanto, essa proporção que nós temos cunhado no Brasil - eu já não falo das de 25 centavos que saíram, que se agregam aos dois bilhões de moedas -, em princípio seriam tecnicamente ou estatisticamente suficientes. Só que, de fato, estão faltando moedas. Por que estão faltando moedas?
Cláudia de Souza: Isso atrapalha...
Ciro Gomes: As pessoas estão guardando moedas. E é uma coisa sadia e nós temos que, realmente, emitir mais. Isso já é uma decisão tomada.
Heródoto Barbeiro: Ô ministro, nós estamos praticamente encerrando o Roda Viva de hoje, apenas dizendo ao senhor o seguinte: qual é a mensagem, então, que o senhor dá para os consumidores, ministro, especialmente ao pessoal de baixa renda que tinham, nesse crédito mais facilitado, a possibilidade de comprar e que agora, como o senhor disse, vai ter que esperar um pouco?
Ciro Gomes: Eu peço às pessoas que compreendam que nós estamos fazendo aquilo que, a nosso juízo - nós temos que ter a humildade para receber todas as críticas -, aquilo que, a nosso juízo, nós achamos que é o melhor que nós podemos fazer. Na nossa cabeça, o que nós temos que fazer é proteger a moeda contra o mal da inflação. Se nós conseguirmos que a inflação fique baixa, nós vamos dar ao povo brasileiro o conforto e a segurança de que ele precisa, merece e tem direito. Portanto, se alguma medida menos popular ou menos simpática [que] nós tivermos que tomar, nós pedimos a compreensão das pessoas para tomá-la, porque, em nome da moeda, em nome do Plano Real, em nome da segurança que nós queremos dar ao povo de que esse é um plano que veio para ficar e que não foi, ao contrário do que os políticos quiseram acreditar ou fazer o povo acreditar, um gesto de oportunismo... Portanto, pedimos desculpas por uma ou outra providência mais amarga. Receberemos com toda humildade todas as críticas que queiram fazer. Mas pedimos ao povo brasileiro mais uma vez e quero dizer que temos tido toda a compreensão para seguir protegendo o Plano Real, que é um tesouro que nós conquistamos.
Heródoto Barbeiro: Ministro, muito obrigado pela sua participação aqui no Roda Viva.
Ciro Gomes: Obrigado.
Heródoto Barbeiro: Nós queremos agradecer também a presença de todos os jornalistas aqui e a sua presença, telespectador. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às 22:45. Uma boa noite e uma boa semana a todos.