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[programa ao vivo]
Paulo Markun: Boa noite. Uma das mais importantes instituições brasileiras, cujo trabalho está ligado e é fruto do processo de democratização do país, é alvo de uma polêmica na área jurídica. É o Ministério Público, a entidade que funciona para defender os interesses da sociedade, que tem a função de reagir contra os desrespeitos à Constituição e processar até mesmo autoridades, ampliou a sua atuação no país nos últimos anos, mas foi acusada de cometer excessos e vem sendo questionada. O Roda Viva faz esta noite um programa especial. O centro das nossas das nossas atenções é o Ministério Público [no centro do auditório, há duas grandes letras: MP]. Neste programa especial, também montamos uma bancada de convidados especiais que estarão debatendo o papel do Ministério Público na sociedade brasileira.
[inserção de vídeo]
Narração de Madeleine Alves: Desde o descobrimento, e durante muito tempo, os portugueses que chegaram ao Brasil organizaram a colônia com base no direito lusitano. Embora ninguém falasse em Ministério Público naqueles tempos, as Ordenações Manuelinas [promulgadas por D. Manuel I de Portugal], de 1521, já faziam referências aos promotores de Justiça, dando a eles o papel de fiscalizar a lei e de promover a acusação criminal. Foi no Brasil Império [1822-1889] que começou a sistematização das ações do Ministério Público. Com a Proclamação da República [1889], ele nasce, ganha estrutura e vai adquirindo novas atribuições; na primeira metade do século XX, com os códigos civil e penal. Em 1951, foi criado o Ministério Público da União, ligado ao poder executivo, mas foi na Constituinte de 1988 que a entidade teve suas funções ampliadas e ganhou mais força; tornou-se uma espécie de ouvidoria da sociedade brasileira. Pela internet, é possível conhecer melhor a história e o trabalho do Ministério Público. Organizado de forma independente dos três poderes, é dividido em Ministério Público da União, com atuação federal, e Ministério Público dos Estados. Age no Brasil inteiro na defesa da Constituição, dos interesses coletivos e das minorias, da cidadania, dos bens públicos e pode agir até contra decisões do governo, levando à justiça qualquer autoridade pública envolvida em desvio de conduta. O ex-presidente [Fernando] Collor [de Mello] foi cassado em um processo que começou no Ministério Público, onde também tiveram origem ações judiciais que processaram dezenas de autoridades e dirigentes de empresas públicas que se envolveram em irregularidades. Com a atuação intensificada nos últimos anos para aumentar o combate ao crime organizado e à corrupção, a ação do Ministério Público em muitos casos foi contestada e até acusada de cometer excessos e abusos de poder. Promotores e procuradores foram criticados por vazarem informações à imprensa, agir politicamente, fazer prejulgamentos e, principalmente, de tomar o lugar da polícia nas investigações. Acusado também de corporativismo por não punir seus próprios integrantes envolvidos em irregularidades ou abusos, o Ministério Público passou a ter o seu papel questionado principalmente no que diz respeito a ele poder ou não conduzir investigações. A discussão está no Supremo Tribunal Federal e também no Congresso, onde a reforma judiciária já aponta para mudanças que poderão impor controle externo e limite às ações de procuradores e promotores.
Paulo Markun: Para participar deste debate sobre o papel do Ministério Público, nós convidamos Janice Barreto Ascari, procuradora regional da República em São Paulo; Márcio Chaer, jornalista e diretor do site Consultor Jurídico; Rodrigo Pinho, procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo; Luiz Flávio D'urso, advogado criminalista e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo; Fausto Macedo, repórter de política do jornal O Estado de S. Paulo; e Marco Antônio Nahum, juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais [IBCCRIM]. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Bem, botando a bola em jogo, já convidando a doutora Janice para dar o pontapé inicial, eu pergunto o seguinte: o Ministério Público tem ou precisa efetivamente do poder de investigação para exercer a sua função?
Janice Barreto Ascari: Sim, primeiramente boa noite a todos. A Constituição Federal e as leis orgânicas dos ministérios públicos federal e estadual asseguram ao Ministério Público a investigação criminal, e asseguram não só expressamente, segundo o nosso entendimento de Ministério Público, mas asseguram também por ser o Ministério Público o titular exclusivo da ação penal. Então, esses poderes de investigação são inerentes à atividade criminal. Nós entendemos que as leis orgânicas, com base na Constituição, dão ao Ministério Público essa prerrogativa, esse poder, essa ferramenta de trabalho, que é a investigação criminal.
Paulo Markun: Desculpe a minha ignorância, mas em que ponto da Constituição a senhora enxerga essa tão clara atribuição? Eu menciono aqui um enorme parecer do doutor José Afonso da Silva, que é professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, que diz exatamente o contrário. [O parecer] foi feito para o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Onde que está na Constituição essa identificação de que, sim, o Ministério Público tem o poder expresso de investigação?
Janice Barreto Ascari: A Constituição Federal, nos seus artigos cento e vinte e... posso pegar emprestado? [Pega um volume da Constituição] Cento e vinte e nove e alguns outros, ela fala dos poderes e das prerrogativas do Ministério Público. Eu não conheço o teor do parecer do professor José Afonso da Silva, mas pelo que li na imprensa, ele se baseia exclusivamente na interpretação do artigo 144, que fala da segurança pública, um capítulo que é separado, é isolado do capítulo do Ministério Público. Então, qual a interpretação que o Ministério Público faz? O artigo 144 da Constituição Federal deve ser interpretado em relação ao seu objeto, que é a segurança pública e a exclusividade da polícia judiciária em investigar em relação às outras polícias, a Polícia Civil, a Polícia Militar. Então, apenas a Polícia Federal é que teria a exclusividade de investigar, mas em relação às outras polícias; essa exclusividade não se aplica ao Ministério Público e aos outros órgãos públicos que têm também o poder investigatório e exercem esse poder de investigação no seu dia-a-dia, os órgãos públicos: o Banco Central, as receitas, Receita Federal, Receita Estadual, a secretarias de Fazenda, o Ibama, a Controladoria Geral da União, enfim, uma gama de órgãos públicos que exercem investigação criminal, só que contra essa investigação criminal ninguém se insurge, é só a do Ministério Público que incomoda.
Márcio Chaer: Mas a deles não é mais administrativa, doutora Janice?
Janice Barreto Ascari: Não é administrativa, porque de um procedimento administrativo você pode colher provas para um procedimento criminal e isso ocorre no âmbito do Ministério Público nos inquéritos civis públicos. Por muitas vezes, e isso aconteceu no caso da investigação do juiz Nicolau dos Santos Neto [conhecido popularmente como Lalau, foi acusado de desvio de recursos públicos e investigado pela CPI do Judiciário], [...] caso o TRT de São Paulo, a investigação do Ministério Público foi feita no âmbito de um inquérito civil público, e no âmbito de um inquérito civil público ressaltou-se que aquele fato, que caracterizava improbidade administrativa, caracterizava também uma infração penal. Então, o Ministério Público não pode fechar um olho para a atividade criminal e investigar a infração administrativa e a infração cível.
Márcio Chaer: Agora, doutora Janice, se está tão claro assim na Constituição, por que a Associação dos Procuradores da República levou uma proposta de emenda constitucional ao Congresso exatamente para que o Ministério Público possa ter esse poder de investigação na área criminal?
Janice Barreto Ascari: Não, na Constituição Federal, Márcio, não existe um artigo onde esteja escrito: “O Ministério Público tem poder investigatório para infrações criminais”. Isto não está escrito na Constituição, é toda uma interpretação dos outros dispositivos da nossa lei orgânica, dos princípios gerais de direito, da doutrina em geral é que nos leva a essa interpretação. Então, esse projeto de lei acabaria por vez com essa dúvida, aí sim deixando expresso na Constituição Federal; o que nós fazemos é uma interpretação sistêmica, uma hermenêutica do direito, porque não se pode pegar o artigo 144 da Constituição e interpretá-lo de uma forma isolada, como se ele fosse uma cápsula.
Marco Antônio Nahum: Pois é, eu queria fazer um parêntese, porque esse parecer foi feito justamente pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, do qual eu sou presidente, motivo pelo qual eu estou aqui independentemente de ser juiz. Na verdade, embora endereçado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, esse parecer foi feito a pedido de vários institutos científicos do Brasil. E eu, com todo respeito à doutora Janice, mesmo porque ela é sócia do IBCCRIM.
Janice Barreto Ascari: [interrompendo] E protestei de o IBCCRIM não ter ouvido os promotores de Justiça e membros do Ministério Público nesse parecer.
Marco Antônio Nahum: Pois é, essa foi uma decisão da diretoria. Na verdade, o parecer não se prende só no artigo 144 da Constituição, ele faz uma análise completa da Constituição e inclusive se fundamenta também no artigo quatro do Código de Processo Penal. Em verdade, o artigo 144 da Constituição estabelece uma exclusividade da segurança pública para a Polícia Federal e para a Polícia Civil, e à medida que ele estabelece essa exclusividade, ele é excludente em relação às demais instituições, salvo aquelas previstas em lei. Aquelas previstas em lei são a Comissão Parlamentar de Inquérito, enfim, outras que estão taxativamente previstas em lei. Conforme a doutora Janice acabou de afirmar, só uma interpretação mais ou menos oblíqua pode chegar à conclusão de que o Ministério Público, neste instante, possa investigar.
Paulo Markun: Agora, invertendo a pergunta que eu fiz à doutora Janice para iniciar o debate, por que o Ministério Público não deve ou não pode investigar?
[...]: Que mal há nisso?
Marco Antônio Nahum: Eu explico isso. O que ocorre é o seguinte: sob o aspecto do direito processual, o Ministério Público é parte, assim como é o advogado, e não cabe a uma parte poder fazer provas sem prestar qualquer satisfação para o poder judiciário, como pretende o Ministério Público através dos seus atos normativos, fazer inclusive oitiva de testemunhas, quando são coercitivas de testemunha e desistência de provas sem qualquer consulta ao poder judiciário. Não pode uma parte fazer isso e a outra parte não fazer nada.
Fausto Macedo: Mas se existem abusos, doutor Nahum, os advogados podem recorrer ao judiciário.
Marco Antônio Nahum: Podem recorrer ao judiciário sobre um inquérito sigiloso que o Ministério Público vai fazer? Um inquérito que ele faz para ele próprio para verificar se há prova de indício de autoria e materialidade, isso aí é um inquérito sigiloso e o advogado não tem acesso. Aliás, eu estive lendo esse ato normativo e o advogado só tem acesso a algumas certidões feitas pelo Ministério Público.
Janice Barreto Ascari: No inquérito policial nem sempre o advogado tem acesso também.
Marco Antônio Nahum: O que eu quero dizer é o seguinte, só deixar bem clara a minha posição, gostaria de deixar a minha posição bem clara no seguinte sentido. Eu, como membro e presidente do IBCCRIM, sou obrigado a afirmar que aqui não há qualquer defesa dos advogados ou qualquer acusação ao Ministério Público, muito pelo contrário, nós do IBCCRIM somos a favor do Ministério Público, mas nós somos ainda e muito mais a favor da Constituição. Se nós não tivermos um equilíbrio das instituições democráticas deste país, com certeza nós vamos ofender a democracia do país e não é isso que se pretende. O que o Ministério Público, eu acho, quer e pretende, e se necessário é preciso ser feito, é uma reforma na Constituição. O dia em que se fizer uma reforma na Constituição e se colocar ou uma exceção ou explicitamente que o Ministério Público pode investigar, então nós vamos chegar à conclusão de que ele pode investigar. Agora, da forma como está escrito, é óbvio que é uma atividade exclusiva da polícia. Está escrito isso no artigo 144 da Constituição. E se ela é exclusiva da polícia, ela é excludente das outras instituições, inclusive do Ministério Público. É claro isso. Não cabe na Constituição uma interpretação oblíqua sobre as coisas.
Fausto Macedo: Mas as investigações do Ministério Público, no âmbito criminal, vêm se sucedendo desde a Constituição de 88, que atribuiu poderes extraordinários ao Ministério Público.
Marco Antônio Nahum: Sem dúvida nenhuma, bem antes disso.
Fausto Macedo: Por que só agora...
Marco Antônio Nahum: [interrompendo] Aliás, bem antes.
Fausto Macedo: Por que só agora essa reação?
Marco Antônio Nahum: Não, essa reação é uma reação do próprio Ministério Público, por que isso? Porque o Ministério Público já tinha perdido um habeas corpus na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, e agora o ministro Nelson Jobim [presidente do STF] resolveu levar esse julgamento para o Pleno do Supremo Tribunal Federal, e julgado no Pleno, acabou-se toda essa discussão. Aliás, é bom também a gente saber um pouco da história sobre a possibilidade de investigação do Ministério Público. Em 1935, o ministro Vicente Rao [1892-1978] já tentou colocar um Juizado de Instrução no Código de Processo Penal; ele foi vencido, tanto que na exposição de motivos do Código de Processo Penal, há um esclarecimento sobre a razão de não se aceitar o juizado de instrução. Depois, várias emendas da Constituição foram tentadas, em número de nove ou oito, e todas elas foram rechaçadas pelo Congresso Nacional. Então, não é de hoje que o Ministério Público tenta isso; eu até acho que ele está no lídimo direito de tentar isso. O que eu não é certo por parte do Ministério Público é tentar fazer uma interpretação oblíqua e, com todo respeito, às vezes a gente vê algumas manifestações das pessoas que dizem que há que ser respeitada a Constituição e [vê] o Ministério Público dizer que quem não estiver a favor do Ministério Público está a favor de bandido. Ora, são professores sérios que estão falando isso, eu acho que a discussão não é estar a favor de bandido ou estar a favor de quem quer que seja, todos nós estamos a favor da Constituição, todos nós estamos a favor do estado democrático.
Fausto Macedo: Mas a grande reação, doutor Nahum, está surgindo de advogados de acusados [de praticarem crimes] de colarinho branco.
Marco Antônio Nahum: Não, não só de advogados, eu cito inúmeros professores que já têm pareceres dizendo que não concordam porque a Constituição é taxativa.
Rodrigo Pinho: Eu gostaria de externar a minha posição: não é pacífico o posicionamento defendido pelo senhor. Existem também professores eméritos que defendem posição contrária: Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, advogados que sustentam essa possibilidade. A Constituição não estabelece a exclusividade da polícia na realização de investigações. O artigo a que o senhor se refere [diz] “Exercer, com exclusividade...”.
Marco Antônio Nahum: Exclusividade, doutor.
Rodrigo Pinho: “...as funções de polícia judiciária da União”. A Polícia Federal exerce com exclusividade...
Marco Antônio Nahum: [interrompendo] E o parágrafo quarto, o que fala?
Rodrigo Pinho: “As funções de polícia judiciária da União”. Em nenhum momento estabelece o monopólio das investigações. Eu acho que está havendo uma confusão entre o que é investigação e a presidência e a condução do inquérito policial. Esse é um ponto do Ministério Público que nós queremos deixar bem claro.
Marco Antônio Nahum: Como alguém exerce a presidência de um inquérito e não investiga?
Rodrigo Pinho: Um momento, eu ouvi o senhor, eu peço que o senhor me escute um pouquinho. O que eu queria falar é o seguinte: nós em nenhum momento queremos substituir o trabalho da polícia; a presidência do inquérito policial para o procedimento, para recolher indícios de autoria e a prova da materialidade do crime é atribuição da polícia, que deve ser prestigiada. O que nós entendemos [é que] mais do que o direito, nós temos o dever de investigar. O que é investigar? É buscar a verdade, fazer diligências, todas as partes, todos os atores processuais buscam a realização da verdade, realizam diligências. O juiz faz, o advogado também faz diligências na busca da prova da inocência do seu cliente; o que nós não podemos é admitir que o Ministério Público seja obrigado a trabalhar somente com as provas produzidas pela polícia, nem sempre da melhor maneira. Nós queremos ter a possibilidade de complementar essa prova e, infelizmente, enquanto nós só processávamos pessoas carentes, jamais se cogitou delimitar esse poder da instituição.
Fausto Macedo: O ministro José Dirceu pediu, em dezembro, quando o Ministério Público apertou o cerco no caso de Santo André [caso Celso Daniel], da morte do prefeito Celso Daniel, [em meio a] um suposto esquema de corrupção, [houve] uma investigação minuciosa feita pelos promotores da sua instituição, o ministro José Dirceu pediu controles para o Ministério Público. Como o senhor vê isso?
Janice Barreto Ascari: Como está pedindo [controle] para os jornalistas agora.
Rodrigo Pinho: O Ministério Público não é contra o controle, nós sempre defendemos o controle externo da atividade policial, o controle externo do Ministério Público e o controle externo do próprio poder judiciário. As instituições republicanas devem prestar contas de seus atos; quanto a isso, nós não temos o menor obstáculo. Nós entendemos, até para que o controle externo possa ser exercido com eficácia, nós, em determinados casos, [entendemos que] é imprescindível que a instituição possa realizar diligências, e a história recente do país aponta diversos casos que, se não fosse a atuação independente de promotores de Justiça, de procuradores da República, não teriam sido levados a ter uma boa apuração. Basta lembrar alguns casos: o do Fórum do TRT, no caso do Lalau, do bar Bodega, em que pessoas inocentes foram acusadas da prática do crime de tortura e que, se o Ministério Público não interviesse, acabariam sendo condenadas. Houve [esse resultado] em razão de diligências feitas pela própria instituição. Negar esse direito será um verdadeiro retrocesso que nem no tempo do regime militar se ousou tamanha barbárie. Basta lembrar que o Esquadrão da Morte, no tempo do regime militar, decorreu de investigações feitas pelo então procurador de Justiça Hélio Bicudo.
Marco Antônio Nahum: Doutor, com todo respeito, eu acho que é justamente o contrário: o regime militar é que fazia inquéritos sigilosos; o Ministério Público hoje está pretendendo fazer inquéritos sigilosos.
Rodrigo Pinho: Não é verdade.
Marco Antônio Nahum: É, está pretendendo, o senhor tem um ato normativo feito pelo procurador anterior do senhor em que há um inquérito sigiloso, inquérito administrativo criminal. Os senhores dão o nome de inquérito administrativo criminal, uma coisa que é sigilosa, que nem o poder judiciário tem acesso, isso é que não pode, isso é que é do tempo da ditadura, doutor, com todo respeito.
Janice Barreto Ascari: Doutor, isso se insere, com todo respeito, no que o Código de Processo Penal prevê e chama de peças de informação. O inquérito policial, vocês sabem muito bem disso, ele é perfeitamente dispensável para a ação penal. Então, a partir do momento em que o Ministério Público tem em seu poder peças de informação, sejam produzidas por ele mesmo, porque além de ser parte na ação penal... e esse argumento de que o Ministério Público é parte e, por isso, não pode investigar está sumulado pelo STJ na Súmula 234.
Marco Antônio Nahum: A Súmula 234 diz que o Ministério Público pode sim, pode participar dos inquéritos de que não há suspeição.
Janice Barreto Ascari: E quem é parte não tem impedimento de participar da ação penal.
Marco Antônio Nahum: Mas é óbvio que ele pode participar, [mas] nos limites da lei, doutora, não por fora da lei, não sigilosamente.
Paulo Markun: Eu só queria pedir licença para a gente ouvir o doutor Luiz Flávio e completar a rodada preliminar.
Luiz Flávio D'urso: Bom, em primeiro lugar, eu quero dizer que no nosso país todos têm que se submeter a esta lei, que é a Constituição brasileira [mostra um volume da Constituição], todos, ninguém pode estar acima dela. E o que diz a Constituição? Diz o que nós já ouvimos aqui: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União,...” – que daí é a Polícia Federal – “...as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares” [do artigo 144]. Isto é o que diz a Constituição. Qualquer tentativa de interpretar dessa ou daquela forma, e há pouco a ilustre procuradora Janice disse: “Na Constituição, não existe um artigo que diz que o Ministério Público pode investigar”. Márcio Chaer perguntou: “Por que é que precisa de uma emenda constitucional para garantir a investigação do Ministério Público?”. Porque a Constituição hoje não autoriza. Abaixo da Constituição – esta é a lei maior, todos têm que se submeter a ela –, abaixo dela o que temos? Código de Processo Penal, que diz o quê? Que essa investigação, o inquérito policial, cabe à polícia judiciária, que é a Polícia Civil. Então, o primeiro ponto de defesa da Ordem dos Advogados do Brasil, nesta questão, é o da legalidade; por isso que nós montamos inclusive a Frente de Defesa da Constituição, com as entidades de classe, e não são só advogados não, são: OAB, Associação dos Advogados, o Instituto..., mas tem lá as entidades dos policiais, associação dos delegados, e nós estamos aqui com um magistrado, um magistrado que preside o Instituto de Ciências, que reúne professores respeitados.
Janice Barreto Ascari: Mas que não integra a Frente Democrática.
Luiz Flávio D'urso: Então, na verdade, a rigor, não é uma discussão segmentada deste contra aquele, é uma discussão constitucional, este é o primeiro ponto. Hoje, o Ministério Público pode investigar? Pela Constituição brasileira, não. Agora, vem a segunda indagação: se mudarmos a Constituição, e essa me parece que é a tese, se mudarmos a Constituição, deve o Ministério Público investigar? Aqui, eu coloco essa questão da seguinte forma: o Estado brasileiro, pela nossa lei, pela nossa dinâmica, o estado democrático de direito é dividido em partes para que haja o controle sobre o próprio Estado, e quais são essas partes no processo criminal? A primeira delas é um pedacinho do Estado que é formado pelas polícias judiciárias que investigam; esse pedacinho é isento, ele não tem interesse no resultado do processo e ele faz a investigação não contra alguém, mas para apurar o crime ocorrido, detectar autoria, reunir materialidade e provas, forma o inquérito; entrega para outro pedaço do Estado, que aí sim é o Ministério Público, que é parte nessa ação, que tem interesse, que foca a sua pretensão punitiva contra alguém determinado e tem interesse no resultado. E isso, ao final, antagonizando-se com a defesa, é aqui que funciona a defesa e os princípios que garantem a dinâmica do processo.
Janice Barreto Ascari: De jeito nenhum.
Luiz Flávio D'urso: Ao final, o que nós temos? O juiz. É o outro pedaço do Estado absolutamente isento, que ao examinar esse debate, decidirá. O que é isso? É tudo o Estado: a polícia, o Ministério Público e o juiz; só não é o Estado o advogado, que está na defesa do cidadão, mas nessa parte do Estado, por que dividir assim? Para um controlar o outro, para que haja equilíbrio, para que haja harmonia. Na medida em que um juiz venha a promover a ação penal, desequilibrou tudo; o Ministério Público venha a investigar, desequilibrou tudo; a polícia querer tocar a ação penal, promover a ação penal, desequilibrou tudo. Então, está perfeito, está equilibrado, e hoje é o sistema vigente. É por isso que nós não podemos admitir a possibilidade de o Ministério Público – isso é tese, é uma tese –, não se pode admitir a possibilidade de o Ministério Público investigar, porque ele estaria invadindo uma competência que não [lhe] é própria, ele não tem vocação para isso, a polícia está montada para isso e, ao final, o doutor Nahum colocou com muita precisão, é o controle disso, o controle da Justiça sobre a investigação. Hoje, se alguém for investigado pela polícia e a polícia não tiver motivo para investigar alguém, impetre uma ordem de habeas corpus e tranque a investigação e, se faltar, justa causa, mas tem materializada essa investigação no inquérito policial. Eu pergunto: como é que a Justiça, como é que a magistratura controla essa atividade de investigação se nós não temos na lei como materializá-la, como fiscalizá-la? E é aí que o doutor Nahum falou de investigação sigilosa ou que as pessoas não tenham acesso, inclusive a própria magistratura. Então, para encerrar, o que nós queremos é a defesa da Constituição; hoje não pode, se no futuro quisermos abrir esse debate, democraticamente vamos debater, mas a posição da OAB de São Paulo e de outras OABs, sem dúvida nenhuma é contrária à possibilidade de alterar a Constituição para dar poderes ao Ministério Público investigar.
Paulo Markun: Nós encerramos aqui esta primeira rodada do assunto; certamente voltaremos a ele logo depois do intervalo.
[intervalo]
Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, que esta noite discute o trabalho e o papel do Ministério Público na sociedade. Eu queria colocar em debate, neste segundo bloco, um pouco o papel que o Ministério Público tem e por que é que ele incomoda tanta gente?
Rodrigo Pinho: Bom, eu queria falar que nós do Ministério Público temos profundo apreço pela Constituição, a Constituição de 88, a Constituição cidadã que nos valorizou, que deu um novo perfil para a instituição. Eu vou fazer algumas considerações anteriores: ao nos dar como função primeira, no artigo 129, inciso primeiro, promover ação penal pública, obviamente nos dá também a possibilidade de recolher os elementos de prova necessários para a formação do convencimento; não teria sentido os promotores de justiça, procuradores da República trabalharem somente com as provas produzidas pela polícia, uma instituição que não tem a mesma independência e as mesmas garantias do Ministério Público. A respeito de uma colocação feita de que o Ministério Público atua como parte...
Paulo Markun: [interrompendo] Só para deixar claro, o senhor não está respondendo a minha pergunta.
Rodrigo Pinho: Não, estou falando.
Paulo Markun: Vamos esclarecer, porque é uma boa tática de advogado e eu queria deixar bem claro isso, apenas por uma questão de organização, nós estabelecemos...
Rodrigo Pinho: Está bom, eu vou...
Paulo Markun: Eu gostaria, porque senão o senhor vai subverter o debate aqui e nós vamos continuar discutir esse assunto candente, que será o tema do terceiro bloco. Então, eu volto à pergunta: por que o Ministério Público incomoda tanta gente?
Rodrigo Pinho: O Ministério Público, após a Constituição de 88, assumiu um novo papel claro, de ordem da defesa da sociedade, braço jurídico na conquista de direitos importantes. Nós temos uma atuação na área do meio ambiente, a proteção da vegetação, proteção do ar, a questão da proteção na área do consumidor, basta ver as recentes ações civis públicas propostas para a redução dos planos de saúde que tiveram aumentos abusivos de quase 82%, ações na área de proteção de pessoas portadoras de deficiência, remoção de obstáculos arquitetônicos, rebaixamento de guias, a proteção de idosos, a proteção de diversos segmentos da sociedade.
Paulo Markun: O senhor fala dos interesses difusos, não é?
Rodrigo Pinho: Os interesses difusos e coletivos, aqueles que abrangem um número indeterminado de indivíduos. Esse papel, que é um papel próprio do Ministério Público brasileiro, nós temos um perfil de Ministério Público que não encontra similar em nenhum outro país do mundo, e a instituição tem levado a fundo esse papel, tanto nessa área como também na área do combate aos atos de improbidade administrativa. Hoje, o político, o empresário que desvia dinheiro público, que tem aplicações no exterior de forma irregular, que faz movimentações financeiras sabe que, de um momento a outro, pode vir a ser investigado pelo Ministério Público. Nós passamos a incomodar pessoas que até então se consideravam intocáveis. Essa é a reação pelas novas atitudes da instituição.
Fausto Macedo: Mas, procurador, na ponta no lápis, o Ministério Público não faz muito barulho e o resultado é pouco? À exceção de um ou outro caso, como o caso que a doutora Janice conduziu do Tribunal Regional do Trabalho, o desvio de quase 200 milhões de reais, o Ministério Público ajuíza ações, processa freqüentemente políticos e grandes empresários, mas, no papel, qual é o político que devolveu o dinheiro que desviou do Tesouro? Qual é o político que está atrás das grades pela atuação do Ministério Público? O que é acontece?
Rodrigo Pinho: Na máfia dos fiscais, três vereadores aqui de São Paulo foram condenados, um está cumprindo pena e recentemente saiu para o regime semi-aberto, e nós tivemos diversos casos de políticos que foram condenados a devolver dinheiro ao erário.
Fausto Macedo: E devolveram?
Rodrigo Pinho: E devolveram. Nós podemos falar que a impunidade no país ainda existe, ainda existe e é muito grande, mas a instituição hoje tem um novo papel, e se não estivesse atuando, mesmo que pudesse fazer mais, com certeza não existiria a reação que hoje se apresenta contra o Ministério Público.
Janice Barreto Ascari: Na verdade, essa sensação de falta de resultado não é real, porque ela decorre muito mais do sistema processual, que hoje em dia há um número excessivo de recursos, tanto na área civil quanto na área penal, isso é objeto da reforma do judiciário e é algo que é pacifico, tanto para a advocacia quanto para a comunidade acadêmica, como para o próprio jurisdicionado, hoje em dia você tem uma ação em primeiro grau e essa decisão transitada em julgado, ou seja, aquela decisão da qual não vai caber mais nenhum recurso, vai se dar daqui a 15 anos, daqui a vinte anos, porque a nossa lei processual é anacrônica, a nossa lei processual é fraca, a nossa lei processual é feita para não funcionar, a nossa lei processual favorece a impunidade. Então, é por isso que há essa sensação de impunidade. No caso do TRT de São Paulo, por exemplo, houve a denúncia em abril de 2000, a sentença veio, com réu preso em junho de 2002, nós estamos em agosto de 2004 e o processo está parado há quase um ano no STJ com manobras da defesa, recursos legítimos, diga-se de passagem, todos previstos em lei, mas são recursos dos quais a defesa se utiliza para que o recurso do Ministério Público contra a sentença que absolveu os acusados não seja julgado. E esse processo está com uma ordem da Corte Especial do STJ, que são os ministros mais antigos, desde outubro do ano passado, e até agora o processo não baixa, porque a defesa não deixa, entrando com os recursos que a lei prevê. Então, quer dizer, a culpa é também da lei processual, e a culpa também nesse ponto é do poder legislativo, que é quem faz a lei processual, não é do poder judiciário, nem do Ministério Público e nem da advocacia.
Márcio Chaer: Agora, doutora Janice, o legislador brasileiro não é lá essas coisas, é sabido que o sistema judicial brasileiro, idem. Agora, nós temos visto com muita freqüência, antes mesmo de apresentar uma denúncia, o promotor, o procurador divulga as suspeitas, as acusações, e muitas vezes depois sequer há a denúncia apresentada, ou ainda, a denúncia é apresentada, mas já se deu todo o ouro para o inimigo, de maneira que o acusado já está totalmente coberto, já foi lá no exterior, já pagou suas contas, já apagou seus rastros e, no final, fica a impressão de que aquele integrante do Ministério Público tinha mais compromisso com os holofotes do que com o resultado do seu trabalho, quer dizer, não há nesse ponto também uma responsabilidade do integrante do Ministério Público nesse grau de eficiência, que nós estamos aqui admitindo relativamente, que é baixo?
Janice Barreto Ascari: Márcio, excessos são cometidos, há eventualmente alguma conduta que não se adequa à grande maioria do Ministério Público, só em São Paulo, Rodrigo, são quantos promotores, 1.600?
Rodrigo Pinho: São 1.720.
Janice Barreto Ascari: São 1.720; no Brasil, nós somos um pouco mais de 700 procuradores da República, nos três níveis da carreira, para todo o Brasil. Então, quer dizer, são muitos membros no Ministério Público, e você conta nos dedos de uma mão os excessos; a grande maioria dos membros do Ministério Público trabalha sério, trabalha direito, trabalha em lugares onde a luz elétrica nem chega, defendendo os interesses da população. Isso não sai no jornal; só os casos que interessam, por envolverem uma pessoa importante, uma pessoa influente [saem no jornal].
Paulo Markun: A senhora tenha certeza absoluta de que esses casos, eu sei porque já várias vezes fui chamado, são os jornalistas que são chamados pelos promotores para divulgar aspectos muitas vezes sequer resolvidos no assunto, disso eu fui testemunha mais de uma vez...
Janice Barreto Ascari: Isso pode ocorrer, e efetivamente...
Paulo Markun: É claro que a imprensa tem todo interesse de transformar em manchete se um político [...].
Janice Barreto Ascari: ...deve até ocorrer, mas não é a regra, efetivamente não é a regra.
Luiz Flávio D'urso: Eu queria fazer uma intervenção sobre esse aspecto, que é um ponto que me preocupa muito, doutora Janice, que é exatamente esse momento em que integrantes do Ministério Público divulgam fatos que estão no bojo de uma suposta investigação, às vezes uma informação ou outra obtida, e isso ganha a opinião pública, ganha o horário nobre da televisão e sequer a defesa constituída daquele eventual apontado como investigado tem acesso a essas provas ou a esses elementos. Nós temos um sistema que garante o equilibro das coisas; se de um lado está o Estado na condição de Ministério Público a acusar, do outro lado tem que se garantir os princípios constitucionais da defesa para haver esse equilíbrio. Todos nós procuramos a mesma coisa, o importante é que se diga isso, inclusive à população que está nos ouvindo: quem procura acabar com a impunidade neste país é o Ministério Público? É, mas também a magistratura, também a advocacia, também a polícia, nos níveis estadual e federal, todos nós somos contra a corrupção, todos nós queremos acabar com essa bandalheira que existe por aí. Agora, cada um na sua função. Não é porque alguém é acusado que necessariamente é culpado. Por isso é que existe um mecanismo no nosso sistema para garantir-lhe a defesa, para que esse julgamento seja justo. Eu, como advogado criminal, às vezes sou interpelado por alguém que diz: mas o advogado criminal defende o bandido. Não, está errado. O advogado criminal defende o inocente e garante o julgamento justo para quem quer que seja, quem for culpado vai ser condenado sim. O advogado não faz milagre, é importante que se diga isso. E, por outro lado, esse equilíbrio das coisas para garantir o devido processo legal, ele passa necessariamente pelo limite de atuação de cada um, e aí o Ministério Público é que às vezes, nesse ponto, precisa ser alvo de uma reflexão, pois se nós estamos respeitando a Constituição, os princípios constitucionais, a defesa não pode ser impedida de ter acesso a essa investigação. E nesse ato do procurador-geral de Justiça, que antecedeu o meu amigo Rodrigo, evidentemente que ali fica evidenciado, já foi dito pelo doutor Nahum, que a defesa tem acesso a certidões ou, quando muito, só ao depoimento daquele que está sendo investigado. Não, está errado, quem acusa e tem prova suficiente, mostra tudo, mostra tudo e abre o debate, é isso que a Justiça quer, para absolver quem é inocente e condenar quem é culpado. É isso que todos nós estamos...
Janice Barreto Ascari: [interrompendo] Não, mas aí a gente está se distanciando do tema e voltando à investigação criminal, que não é o objeto do bloco.
Luiz Flávio D'urso: Mas insisto, esse é um ponto [...].
Janice Barreto Ascari: Uma coisa que eu queria ressaltar é que, muitas vezes, é imputado ao Ministério Público vazamento de informações e nem sempre é o Ministério Público, muitas vezes é o próprio advogado ou o juiz [que vazam informações].
Luiz Flávio D'urso: Janice, essa questão é tão delicada que, se nós estivermos dentro dos limites, todos nós estamos trabalhando naquilo que a gente almeja como família forense... o que nós queremos com isso? É que haja uma família, o juiz, o promotor e o advogado trabalhando juntos para fazer justiça, é esse o anseio da nação e dos operadores do direito. Agora, no momento em que desequilibra, no momento em que o papel do Ministério Público trasborda, ultrapassa isso, negando princípios constitucionais, evidente que aí a sociedade não pode concordar com isso, e eu registro que isso é exceção, graças a Deus é exceção, mas nós precisamos estar atentos para que isso não se torne regra.
Marco Antônio Nahum: Eu acho que a todos interessa um Ministério Público extremamente forte, mas a todos interessa também que as outras instituições sejam fortes. Há necessidade, para um Estado democrático, que as instituições tenham esse equilíbrio de que fala o doutor D'urso. Eu acho que o grande problema que o Ministério Público enfrenta em relação às provas criminais – e não quero voltar ao tema da investigação – decorre de uma coisa simples que nós precisamos encarar, a sociedade brasileira precisa enfrentar, que é a estrutura da polícia brasileira. Nós precisamos valorizar o policial, nós precisamos dar condições de trabalho científico para o policial, porque não é se mudando o nome da instituição que você vai melhorar ou piorar o trabalho. As instituições têm gente boa e as instituições têm eventualmente um ou outro que possa não servir para aquela instituição. Agora, o que o Brasil precisa entender é que ele precisa de instituições democraticamente fortes, precisa sim de um Ministério Público extremante forte. Eu acho até que se o Ministério Público parar um pouco para pensar, ele vai verificar que a sua atividade relacionada ao nosso meio ambiente é tímido ainda, que o diga a devastação da Mata Atlântica e por aí afora, esses exemplos a gente vê todo dia na televisão. Então, por isso, o Ministério Público precisa ser muito forte sim, precisa ser bem estruturado sim, mas a polícia também precisa ser, o poder judiciário também precisa ser. O que eu acho que todos nós buscamos é exatamente isso, o Ministério Público muito forte, mas as outras instituições também muito fortes para que haja esse equilíbrio democrático. Sem equilíbrio democrático, uma instituição mais forte que a outra, não haverá democracia.
Rodrigo Pinho: Bom, estamos todos de acordo na necessidade do fortalecimento de todas as instituições, o Ministério Público, magistratura, advocacia e polícia, mas, voltando ao tema, eventuais excessos cometidos não podem servir de pretexto, como nós temos visto, para inibir atitudes da instituição. Obviamente, um promotor que leva ao conhecimento da impressa, de forma precipitada, fatos que ainda estão sob suspeita age de forma leviana e deve ser punido por isso, e já existem mecanismos inibitórios para essa forma de atitude, mas muitas dessas atitudes...
Fausto Macedo: [interrompendo] Quais são estes mecanismos?
Rodrigo Pinho: Tem dispositivos na Corregedoria e tem dispositivos até na lei de indenização por danos morais, que o autor de uma denúncia precipitada pode sofrer. Mas é importante que se diga: as reações decorrem muito mais dos acertos do que dos erros da instituição. Nós devemos aprimorá-la, nós defendemos um procedimento administrativo, obviamente que seja assegurada à defesa os mesmos direitos previstos no inquérito policial para o advogado, ninguém deseja um processo sigiloso fora das hipótese em que seja decretado. Se existem equívocos, não devemos corrigir o excesso e não matar, eliminar o remédio. Eu acho que é essa a preocupação que nós devemos ter.
Fausto Macedo: Procurador, o presidente do PT, o José Genoino, disse que existe politização em setores do Ministério Público.
Rodrigo Pinho: Eu entendo que não existe essa politização na grande maioria, posso falar em 99,9% da instituição. O que existe é uma dificuldade de alguns segmentos políticos, quando alcançam o poder, de compreender o papel de isenção, de autonomia do Ministério Público em relação aos partidos políticos.
Fausto Macedo: Mas houve uma época em que havia uma afinidade muito grande entre o Ministério Público e o PT, quando o PT era oposição.
Rodrigo Pinho: Não, existia uma afinidade muito grande entre o Ministério Público e a defesa da ordem jurídica e a apuração de atos de improbidade administrativa de outros partidos que estavam no poder. E alguns segmentos de partidos, quando chegam no poder, têm essa dificuldade de compreensão, e nós não podemos generalizar essa acusação para qualquer partido.
Paulo Markun: O fato de grande parte do Ministério Público ser composta por jovens, em muitos casos jovens advogados que prestaram concurso público – e com pouca vivência, em todos os sentidos, conquistam um papel tão poderoso – não complica as coisas?
Rodrigo Pinho: Eu acho que a juventude da instituição é um motivo de orgulho, de força para nós. O que nós devemos evitar são investigações precipitadas, mas jovens que tenham vontade de levar o conhecimento da Justiça à apuração de fatos criminosos são um motivo que deve ser elogiado e que nós devemos preservar para garantir o aperfeiçoamento do nosso Estado democrático.
Janice Barreto Ascari: E muitas vezes levando a um juiz que também tem 23, 24 anos de idade. Os juízes também são muito jovens.
Fausto Macedo: No caso das investigações sobre o ex-prefeito Paulo Maluf, ele próprio tem dito repetidamente que os promotores que o investigam estão a serviço do PSDB. A sua instituição serve ao PSDB aqui em São Paulo?
Rodrigo Pinho: A minha instituição não serve a nenhum partido. Nós apuramos atos cometidos por todos os partidos. Neste caso, os documentos chegaram em maio, foram traduzidos, estão sendo submetidos, estão sendo feitas as perícias necessárias para uma futura eventual propositura de ação de improbidade administrativa.
Márcio Chaer: Doutor Pinho, o senhor disse que o integrante do Ministério Público pode responder por dano moral; ele responde em nome próprio ou é o Estado que responde?
Rodrigo Pinho: Obviamente, ele pode responder se agir com dolo, se agir com dolo ele pode responder, mas a ação pode ser proposta contra o Estado e, regressivamente, contra o autor.
Luiz Flávio D'urso: Para esclarecer este ponto, que é delicado, isso é interessante, quer dizer, se ele agir de má-fé, aí ele responde pessoalmente; se ele não agir de má-fé, mas estiver convencido de que aquele é o caminho, mesmo que erre, mesmo que destrua a vida de alguém, aí não o alcança pessoalmente, alcançaria indiretamente o Estado.
Janice Barreto Ascari: Bom, isso acontece com o poder judiciário também...
Luiz Flávio D'urso: Com o poder judiciário também.
Janice Barreto Ascari: ...quando um juiz julga um caso erradamente, destrói a vida da pessoa, então se ele está de má-fé ele não vai responder também.
Luiz Flávio D'urso: É por isso que nós precisamos cada vez mais garantir a menor possibilidade de erro. A nossa Justiça é a Justiça dos homens, a nossa Justiça erra, o Ministério Público erra, a magistratura erra, o advogado erra, médico erra, somos homens, erramos.
Paulo Markun: Até jornalista erra [risos].
Luiz Flávio D'urso: Até jornalista erra. O que nós precisamos fazer? É criar mecanismos que possam diminuir o risco desse erro, é por isso que nós temos que respeitar esta lei que deve reger toda a vida de todo brasileiro, que é a Constituição.
Paulo Markun: Doutor Flávio, vamos respeitar os quatro blocos e a gente volta daqui a instantes.
[intervalo]
Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, que esta noite debate o trabalho e o papel do Ministério Público na sociedade. Eu queria voltar para o cerne do programa, que é a questão de se o Ministério Público pode ou não investigar, e a gente retomar aquela discussão que começamos no primeiro bloco, porque eu tenho certeza que vai esquentar mais ainda.
Marco Antônio Nahum: Posso começar?
Paulo Markun: Por favor.
Marco Antônio Nahum: O doutor Rodrigo Pinho me disse que, na verdade, eles não têm um procedimento administrativo criminal, esse é o nome, processamento administrativo criminal sigiloso que, na verdade, ele pretende uma investigação criminal que, abrindo vista para o advogado, fazendo o contraditório...
Rodrigo Pinho: Eu não falei isso.
Marco Antônio Nahum: Ah, não? Eu entendi isso.
Rodrigo Pinho: Isso eu não falei. O procedimento do inquérito é inquisitivo. Ele... obviamente não existe o contraditório, o contraditório é próprio da fase processual. O que eu falei é que não havia o sigilo fora das hipóteses previstas em que a lei autoriza a decretação do sigilo. Eu entendo que, nesse procedimento, o papel do advogado pode e deve ser preservado. Eu acho que a pessoa que é investigada tem o direito de ampla defesa desde do início, que pode e deve ser respeitado.
Marco Antônio Nahum: Então, essa posição do advogado precisa ficar mais clara no ato normativo, porque ela não está tão clara assim; mais do que isso, eu acho também [necessária] a participação do poder judiciário, por exemplo, para conduzir coercitivamente testemunhas. Eu vejo ali que o Ministério Público pode conduzir coercitivamente testemunhas sem consultar o poder judiciário. Isso me parece um pouco...
Rodrigo Pinho: [interrompendo] Se a autoridade policial, no inquérito policial, ao intimar uma testemunha, ela se recusa a comparecer, pode determinar... se no inquérito civil há essa possibilidade, eu entendo que [existe] igual possibilidade no procedimento...
Marco Antônio Nahum: Mas ela tem, inclusive... o próprio Ministério Público fazendo corregedoria na polícia, é isso que eu não consigo entender: se o Ministério Público faz a corregedoria na polícia, se o Ministério Público é quem deve observar o inquérito, se o Ministério Público deve requisitar provas do inquérito, por que a polícia atrapalha? Eu não consigo entender isso. O Ministério Público é responsável pelo andamento do inquérito, o Ministério Público é responsável pelas provas conseguidas no inquérito, o Ministério Público pode requerer provas novas no inquérito, a polícia está atrapalhando?
Rodrigo Pinho: Vamos falar com clareza, a polícia não atrapalha, o ideal é que o Ministério Público e a polícia trabalhem em sintonia, o que normalmente ocorre, e diversas investigações o Ministério Público tem feito com apoio das corregedorias da Polícia Civil e da Polícia Militar, mas, infelizmente, em certos casos, se não houver essa possibilidade de o Ministério Público realizar essa investigação, em caso de tortura no interior dos estabelecimentos, em caso de corrupção, nós estaremos contribuindo para o aumento da impunidade em nosso país, pois nós não vamos esperar que a própria polícia vá investigar atos de tortura e de corrupção lá dentro com a mesma desenvoltura que o Ministério Público. Nós não queremos ter o monopólio da investigação criminal, nós só entendemos, num país que tem tanta impunidade, por que limitar essa possibilidade...
Marco Antônio Nahum: Sinceramente, um segundo só.
Rodrigo Pinho: ...respeitado o direito de defesa [...].
Marco Antônio Nahum: É isso que eu não consigo entender. Se o Ministério Público tem um procedimento administrativo disciplinar interno e pune seus próprios membros quando, eventualmente, raras vezes, praticam algum ato antiético ou até ilícito; o poder judiciário faz o mesmo; por que a polícia não pode fazer o mesmo? É uma instituição que não pode tomar conta de si própria?
Rodrigo Pinho: Nós temos um profundo respeito pela polícia, não queremos criar um conflito entre o Ministério Público e a polícia, mas vamos falar de casos concretos, feitos por investigações do Ministério Público. No caso do grupo de extermínio de Ribeirão Preto, em que um grupo de policiais matavam diversas pessoas, se não fosse a atuação de um promotor de Justiça de Ribeirão Preto no caso, contando com o apoio da corregedoria da Polícia Civil de São Paulo...
Marco Antônio Nahum: Ah, então a corregedoria da polícia também agiu no caso.
Rodrigo Pinho: Nesse caso... sempre que possível, é o ideal.
Marco Antônio Nahum: A corregedoria de polícia agiu nesse caso, doutor.
Rodrigo Pinho: Nesse caso, a corregedoria da Polícia Civil atuou a contento, mas em outros casos...
Marco Antônio Nahum: Então, não foi [apenas] o Ministério Público, foi o Ministério Público e a corregedoria da Polícia Civil.
Rodrigo Pinho: Teve um caso no Vale do Paraíba, em que a cúpula da Polícia Civil estava envolvida com bingo e com máquina de videopôquer, onde havia corrupção evidente. Se não fossem as investigações feitas pela própria instituição, esses fatos não teriam sido devidamente apurados.
Paulo Markun: Doutor Rodrigo, se eu li bem aqui o parecer do doutor José Afonso da Silva, que aliás eu recomendo como documento de informação bastante interessante, uma das dúvidas que ele levanta em relação a essa prerrogativa que o Ministério Público se arvora de... e que já está sendo praticada, não é que nós estamos discutindo uma questão em tese, isso é o que está acontecendo efetivamente: o Ministério Público, em diversos processos, atua sim como se fosse a polícia, investigando, e isso até que tem, do ponto de vista de quem defende esse procedimento, tem resultado em efetividade da sua atuação. Mas é o fato de o Ministério Público escolher: isso aqui eu investigo, isso aqui não, aquilo sim, quer dizer, é uma investigação seletiva e, dentro dela, você teria todas as condições e as mesmas condições que a polícia de investigar?
Rodrigo Pinho: Bom, o Ministério Público não tem condições e nem pretende investigar todos os casos, mas, falando com clareza, há casos especiais em que, se a investigação não for feita pela instituição, infelizmente não chega a bom termo.
Marco Antônio Nahum: E quem define qual é o caso especial?
Rodrigo Pinho: Quem vai definir é a própria realidade, isso aqui é um caso a caso que nós vamos ter que assumir...
Márcio Chaer : Não cabe uma regulamentação como a polícia tem?
Rodrigo Pinho : Há necessidade de regulamentação, eu concordo plenamente com uma necessidade de uma regulamentação legal do procedimento administrativo e criminal estabelecendo, e pode existir...
Marco Antônio Nahum: Espere aí, essa regulamentação só é possível se se alterar a Constituição. Nós estamos partindo do pressuposto de que a Constituição permite a investigação.
Rodrigo Pinho: Não é o entendimento de diversos autores e de ministros. Há precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal.
Janice Barreto Ascari: Doutor Nahum, se nós fôssemos levar apenas em conta o texto frio da lei e a expressão escrita da Constituição federal, o Supremo Tribunal Federal não teria autorizado o aborto dos fetos com anencefalia. Então, há que se fazer uma interpretação sistêmica.
Marco Antônio Nahum: Ah, doutora, isso não, doutora, isso é outra coisa completamente diferente.
Rodrigo Pinho: Espere um pouquinho, há diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal também reconhecendo o poder de investigação do Ministério Público, mesmo depois desse caso que está em julgamento. Um caso, por exemplo, agora...
Fausto Macedo: [interrompendo] Tem uma decisão do próprio ministro Jobim...
Rodrigo Pinho: Duas do Jobim.
[sobreposição de vozes]
Marco Antônio Nahum: Não, mas aí são requisições, são requerimentos, são participações. São participações específicas.
Rodrigo Pinho: Tem caso que pode, o próprio Supremo...
Marco Antônio Nahum: Não, tem atos que pode...
Rodrigo Pinho: Então, há casos que pode, então está bom.
Marco Antônio Nahum: Atos, diligências e requerimentos, isso está previsto na Constituição.
Luiz Flávio D'Urso: Nesse ponto, é importante ressaltar mais uma vez o seguinte: eu acho que tentar colocar de novo o tema global, Constituição: não autoriza o Ministério Público investigar, isso está pacifico.
[sobreposição de vozes]
Janice Barreto Ascari: Não segundo o Ministério Público e os tribunais.
Luiz Flávio D'Urso: O que nós estamos discutindo aqui é a tese: poderá em uma alteração da Constituição o Ministério Público investigar? Deve ou não? Porque hoje o Ministério Público estaria desaparelhado para acompanhar essas investigações e eu vou de novo na nossa lei maior: artigo 129, que está estabelecendo as atribuições do Ministério Público, está lá: “Exercer o controle externo da atividade policial”. Quem controla a polícia no Brasil é o Ministério Público. Está lá, inciso oitavo: “Requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial”.
Marco Antônio Nahum: Isso pode.
Luiz Flávio D'Urso: Ou seja, requisitar, é ordem: determina que realize determinadas provas e determina a instauração de inquérito policial. Então, quando nós temos uma ou outra decisão que reconhece legítimo para o Ministério Público realizar uma diligência, está previsto aqui sem sombra de dúvida. Agora, para fazer a investigação não, isto é a polícia, sob o controle do Ministério Público. E digo mais, só para concluir esse ponto, de trinta em trinta dias, o inquérito que a polícia faz vai a juízo, o Ministério Público examina e pode nesse instante determinar o que deve ser feito, de 30 em 30 dias. Se a polícia não funcionou bem, se a investigação não está indo bem, o Ministério Público está controlando pari passu isso e pode determinar as diligências, conforme a Constituição prevê, e pode determinar até a condução do que deve ser feito, razão pela qual eu estou aí com o procurador-geral, doutor Rodrigo, quando diz que a polícia deve trabalhar junto com o Ministério Público, polícia investigando e Ministério Público fazendo o controle dessa atividade, como está previsto na Constituição.
Fausto Macedo: Doutor Flávio, o senhor exibe a Constituição e fala dela com bastante ênfase, mas tem um detalhe: no caso de Santo André, um caso emblemático da morte do prefeito Celso Daniel, que seria o coordenador de campanha do presidente Lula, neste caso a defesa foi ao Tribunal de Justiça com habeas corpus e os senhores desembargadores entenderam que o Ministério Público pode sim investigar. Apenas determinaram que os autos voltassem à Comarca de Santo André para que os envolvidos, os suspeitos fossem ouvidos, o que não tinha ocorrido no procedimento que eles haviam [...].
[sobreposição de vozes]
Márcio Chaer: Fausto, logo em seguida, o Tribunal de Justiça, num caso amplo também, não foi abstrato, foi concreto, mas ele decidiu que o Ministério Público não poderia investigar, e agora...
Rodrigo Pinho: Em uma outra câmara.
Márcio Chaer: Sim, agora, espere aí...
Rodrigo Pinho: Agora, [sobre] a questão da Constituição, não é um entendimento como o nosso representante da Ordem fala que é pacífico. A Constituição pode e deve ser interpretada.
Marco Antônio Nahum: Mas o Tribunal de Justiça tomou duas decisões...
Rodrigo Pinho: Mas são duas câmaras distintas.
Marco Antônio Nahum: Não, mas não decisões antagônicas. Nessa decisão do caso de Santo André, o que o desembargador pediu foi que se cumprisse o contraditório no inquérito, que fosse ouvido também...
Fausto Macedo: Mas expressamente [...] os promotores podem investigar.
Marco Antônio Nahum: Claro, a partir daí, tudo bem. Mas do jeito que vocês estão conversando, estão debatendo, parece que o Tribunal de Justiça tomou decisões antagônicas, e não corresponde...
Márcio Chaer: Agora, só concluindo, uma informação importante é que o Supremo Tribunal Federal começou a examinar essa matéria em cima de um caso terrível, em que o Ministério Público sequer investigou, e parece, tudo indica que o larápio lá realmente fez o trabalho dele. Agora, vamos deixar claro: os cinco primeiros ministros que se manifestaram disseram não à investigação criminal.
Janice Barreto Ascari: Naquele caso específico.
Márcio Chaer: Naquele caso específico, que aliás é péssimo.
Janice Barreto Ascari: Assim como há decisões, há outras decisões...
Márcio Chaer: Deveria servir para ajudar o Ministério Público.
Janice Barreto Ascari: ...do Supremo, inclusive do próprio ministro Nelson Jobim...
[sobreposição de vozes]
Rodrigo Pinho: O Superior Tribunal de Justiça, no caso do Celso Daniel, levado para o conhecimento... o ministro Arnaldo da Fonseca entendeu que o Ministério Público tem legitimidade para realizar investigações. O acórdão existe.
Marco Antônio Nahum: Eu sei, mas o senhor sabe que o Superior Tribunal de Justiça examina a legislação ordinária, quem examina a Constituição é o Supremo, é o Supremo que vai resolver isso, não é o Superior Tribunal de Justiça.
Rodrigo Pinho: Se a lei fosse inconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça não a aplicaria.
Luiz Flávio D'urso: O que é investigação? Quem está nos ouvindo, o que é investigar? Esse tema é tão delicado, eu fiquei indagando outro dia, discutindo com alguns colegas, e até um dos colegas falou o seguinte: eu fico imaginando, isso faz parte da investigação, um carro de madrugada com dois promotores de campana esperando o suspeito sair de um lugar e ir para o outro. O promotor vai fazer isso? Não vai, isso é trabalho da polícia, isso é investigação. Então, como a gente pode admitir que, em tese, vão mudar a Constituição para entregar a investigação para o Ministério Público, se essa atividade não é própria dele, ele não está preparado para fazê-la, ele não está vocacionado para fazê-la, não deve fazê-la porque é parte. E aí nós estamos sobrepondo atribuições que estão muito bem definidas no nosso [...].
Fausto Macedo: Mas tem a investigação, doutor Flávio, que o Ministério Público executa, que é de extrema importância, que é a coleta de documentos para comprovar o crime de corrupção.
[sobreposição de vozes]
Fausto Macedo: O crime de corrupção, essa campana, como o senhor lembrou aí...
Paulo Markun: Só um minutinho, vou lembrar uma regra, doutor Flávio...
Luiz Flávio D'urso: A lei é clara...
Janice Barreto Ascari: Mas há uma confusão proposital entre inquérito policial e diligências investigatórias criminais, são coisas diferentes. O Ministério Público não quer presidir inquérito policial, o Ministério Público não quer ser polícia, o Ministério Público não quer substituir a polícia e o Ministério Público quer que a polícia seja aparelhada.
Marco Antônio Nahum: Mas então o Ministério Público não quer investigar, pronto.
Janice Barreto Ascari: Não é que não queremos investigar, doutor Nahum...
Rodrigo Pinho: Não, é uma confusão de conceitos.
Marco Antônio Nahum: Não, senhora, requerer documentos, requisitar...
Janice Barreto Ascari: São diligências investigatórias que vão apurar um ilícito penal.
Marco Antônio Nahum: Mas então não precisa mudar mais nada, porque isso está permitido na Constituição.
Janice Barreto Ascari: Então, mas é exatamente o que nós sustentamos.
Marco Antônio Nahum: Mas é só isso que está permitido na Constituição, é só isso.
Márcio Chaer: O que não pode é conduzir a investigação.
Marco Antônio Nahum: Não [pode] conduzir coercitivamente testemunha, isso não é conduzir.
Janice Barreto Ascari: Doutor, nós comentávamos aqui, no intervalo, o Márcio Chaer perguntou-nos se nós já fizemos um laudo cadavérico.
Márcio Chaer: Ou se sabem a diferença entre uma xícara de talco e uma de cocaína.
Janice Barreto Ascari: Para isso, o Ministério Público jamais irá se arvorar em fazer uma diligência desse porte, porque, muitas vezes, o próprio delegado não sabe, porque isso é coisa para a perícia. Então, vamos diferenciar as diligências investigatórias.
Marco Antônio Nahum: Sabe o que eu sinto? Infelizmente, o que eu sinto...
Janice Barreto Ascari: E, aliás, eu gostaria também de saber a posição da OAB e do IBCCRIM a respeito das outras pessoas que realizam investigação...
Marco Antônio Nahum: Infelizmente, o que eu sinto é o seguinte...
Janice Barreto Ascari: ...Receita, INSS, Banco Central e inclusive empresas como a Kroll [empresa privada de investigação empresarial], por exemplo. Qual a posição da OAB sobre isso?
Marco Antônio Nahum: O que eu sinto é o seguinte: o Ministério Público só quer fazer investigações especiais e só quer fazer provas especiais. Ir na esquina, cercar carro etc e tal, o Ministério Público não quer fazer.
Janice Barreto Ascari: Isso é atividade da polícia, doutor.
Marco Antônio Nahum: Agora, também investigar aquele caso do “Joãozinho da esquina”, o Ministério Público também não quer fazer. Mas como é? O Ministério Público só quer investigar quem? Só os casos especiais?
Fausto Macedo: Doutor Nahum, é porque a polícia, e o senhor sabe disso, a polícia tem lá independência para investigar os casos especiais do colarinho branco?
Luiz Flávio D'urso: Precisa ter; se não tem hoje, a gente precisa mudar isso.
Marco Antônio Nahum: É um problema institucional; não é mudando a instituição que você fazer isso, porque o Ministério Público também tem seus problemas políticos.
Fausto Macedo: Bom, mas se a gente for esperar uma mudança institucional, já se passaram séculos e nada. Não é bom o Ministério Público fazer isso?
Marco Antônio Nahum: Não, parece que a polícia...
Luiz Flávio D'urso: [...] o Ministério Público está exercendo esse controle, essa atividade externa, se a polícia não estiver investigando adequadamente, está ali o Ministério Público junto, esse controle externo já existe hoje pela Constituição: de trinta em trinta dias, ele está acompanhando o que está acontecendo.
Janice Barreto Ascari: Doutor, nem sempre, a partir do momento... quantos advogados a OAB tem que já foram presos fazendo acerto com a polícia? Nesse momento, não há condição de o Ministério Público estar presente; nós não vamos saber nunca.
Luiz Flávio D'urso: Veja, aí eu preciso registrar um dado. Ninguém está isento de ter uma mau profissional; se nós temos nos quadro da Ordem um ou outro advogado que se desvia da conduta, isso é alvo do tribunal de ética e vai ser desligado; se ele deixou de ser advogado e partiu para o crime, ele será [desligado].
Paulo Markun: Mesma coisa para o Ministério Público, jornalistas também, juízes também.
Luiz Flávio D'urso: No Ministério Público também, doutora, é alvo da corregedoria.
Janice Barreto Ascari: No judiciário também.
Luiz Flávio D'urso: E o Ministério Público, como a OAB, como o judiciário, precisam depurar. Quem comete assassinato, quem provoca estelionato, quem tem um desvio evidentemente que se caracteriza crime precisa sair da instituição, é isso que todos nós queremos. Então, isso não pode ser exemplo para justificar algo que está na Constituição. O que nós queremos é partir do exemplo de todos aqueles que atuam bem – o advogado que atua bem, o promotor que atua bem, o juiz que atua bem, o policial que atua bem –, essa é a garantia das instituições que precisam ser fortalecidas, e parece que isso é consenso.
Janice Barreto Ascari: É o ideal percebido por todos nós, sem dúvida.
Luiz Flávio D'urso: Queremos fortalecer todas as nossas instituições. O ponto aqui é o seguinte: a Constituição não autoriza... a tese: podemos admitir que, em um projeto de alteração da Constituição, o Ministério Público deva investigar? Aí vem esta questão: o que é investigar? O Ministério Público quer presidir o inquérito? Já foi dito que não. Então, quer investigar junto com a polícia? Até que ponto, qual é essa interação, como isso funcionaria? Junto? Mas já tem o controle externo. É isso que não fica claro, é isso que fica em dúvida e que traz, de repente, um procedimento que é totalmente alheio à polícia. Quando nós vemos aquela resolução...
[...]: É ato normativo.
Luiz Flávio D'urso: ...ato normativo da Procuradoria...
[...]: Ato Normativo número 314 de 2003.
Luiz Flávio D'urso: ...que estabelece todos os momentos de uma investigação administrativa pelo Ministério Público, ali está tudo, está o começo, o meio e o fim, estabelecendo inclusive a condução coercitiva de testemunhas e estabelecendo também o que se pode ter acesso, que não é tudo, e esse é o ponto com o qual nós não podemos concordar. E mais, quando...
Janice Barreto Ascari: Mas no inquérito policial, o advogado também não tem acesso a tudo.
Luiz Flávio D'urso: ...o doutor Nahum falou que nesse procedimento se estabeleça a posição do advogado, não quero, que se estabeleça a possibilidade ou quando trazer e conduzir coercitivamente, também não queremos. Nós queremos é que isso esteja na lei, não numa decisão normativa. O negócio tem que estar na lei e tem que estar em sintonia com a Constituição. Esse é o debate que se trava aqui hoje.
Rodrigo Pinho: Bom, eu gostaria... a questão da Constituição, mais uma vez, eu faço questão de realçar: o Ministério Público postula o poder de investigação com fundamento na Constituição. Se a Constituição...
Luiz Flávio D'urso: Cadê o artigo que autoriza isso?
Rodrigo Pinho: ...no artigo 129, nos dá a função de promover a ação penal pública, obviamente, para formar a nossa opinião, nós temos a possibilidade de realizar diligências...
Luiz Flávio D'urso: [interrompendo] Esse é o argumento de quem pode o mais, pode o menos...
Rodrigo Pinho: Me dê licença, agora eu estou falando, só um minuto.
Luiz Flávio D'urso: [interrompendo] Me dê só esse aparte; esse é o argumento de quem pode o mais, pode o menos...
[...]: Quem é o mais e quem é o menos?
Paulo Markun: Um minuto, Flávio.
Luiz Flávio D'urso: Se amanhã nós tivermos o controle externo do Ministério Público, e nesse controle externo...
Rodrigo Pinho: O debate tem outras pessoas na mesa.
Luiz Flávio D'urso: ...tiver assento um advogado ou um outro integrante da sociedade, poderá ele promover a ação penal? Não, ele pode controlar o Ministério Público e não pode promover [...].
Rodrigo Pinho: [...].
Luiz Flávio D'urso: Por quê? Porque quem pode o mais, não pode o menos.
Rodrigo Pinho: Eu gostaria que a minha palavra fosse respeitada, porque isso daqui é um debate.
Luiz Flávio D'urso: Não, só para pegar o ponto principal e enriquecer o debate.
Paulo Markun: Doutor Flávio, ok, já enriqueceu.
Rodrigo Pinho: Isso aqui é importante, porque senão passa como se a instituição pretendesse algo que fosse contra a Constituição. Nós temos um profundo apreço pela legalidade, pela Constituição, e nós podemos realizar diligências. E é importante realçar: enquanto a instituição processava só pessoas que não tinham recursos, pessoas que não tinham poderes, jamais se cogitou de limitar poderes [do Ministério Público, mas] na medida em que nós estamos atingindo...
Marco Antônio Nahum: Mas sempre se cogitou; não é verdade...
Rodrigo Pinho: ...pessoas com poder político e econômico, na medida em que nós estamos colocando no banco dos réus pessoas que se consideravam intocáveis, é que em razão de um novo perfil dado por esta Constituição ao Ministério Público que se pretende limitar a nossa atuação. É isso que nós não podemos aceitar. Concordo com você: se há necessidade da regulamentação do procedimento, vamos melhorar o procedimento, até isso estamos todos de acordo. Mas há casos que, se a instituição não investigar, não serão devidamente apurados, e a história recente do país aponta diversos exemplos. Se a impunidade é maior, é gritante, é porque ainda há muito a ser feito, mas num país em que existe tanta impunidade, é um absurdo querer limitar o poder de investigação de qualquer instituição. A Receita pode, o INSS pode...
Marco Antônio Nahum: Doutor, ninguém quer limitar, nós só queremos respeito à Constituição, só isso.
Rodrigo Pinho: Eu também defendo a Constituição.
Marco Antônio Nahum: Eu acabei de dizer para o senhor o seguinte...
Rodrigo Pinho: Nós todos defendemos a Constituição.
Marco Antônio Nahum: ...a teoria que o senhor está colocando é a teoria dos fatores explícitos e implícitos, mas acontece que isso só ocorre quando as coisas não estão às claras na Constituição; quando ela está às claras, como está aqui dizendo que a investigação criminal é exclusiva da polícia...
Rodrigo Pinho: Não está escrito isso na Constituição.
Marco Antônio Nahum: Mas, doutor, então o artigo 144 diz o quê?
Rodrigo Pinho: Fala da exclusividade da polícia judiciária para realizar feitos que interessam à União.
Marco Antônio Nahum: Ah não? E aqui no parágrafo quarto, o que diz? “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvar a competência da União, as funções de polícia judiciária”.
Rodrigo Pinho: Cadê a palavra “exclusividade”?
Janice Barreto Ascari: Para diferenciar da Polícia Militar, doutor Nahum.
Rodrigo Pinho: Não tem a exclusividade.
Marco Antônio Nahum: A exclusividade está aqui em cima, doutor... não, doutor, com todo respeito, jogo de palavras, eu me nego.
Rodrigo Pinho: Não é jogo de palavras, é interpretação sistemática.
Marco Antônio Nahum: Jogo de palavras, eu me nego, com todo respeito, doutor, jogo de palavras, eu me nego.
Rodrigo Pinho: Interpretação sistemática da Constituição.
Janice Barreto Ascari: Bom, mas os senhores não me responderam à pergunta que eu fiz em relação à investigação para os outros órgãos.
Marco Antônio Nahum: A senhora está perguntando também?
Janice Barreto Ascari: Nós não estamos em um debate?
Marco Antônio Nahum: Eu pensei que só os jornalistas perguntavam.
Janice Barreto Ascari: Não, como vocês estão fazendo conosco.
Márcio Chaer: Não tem exclusividade [risos].
Paulo Markun: Nós vamos fazer um intervalo e voltamos com a pergunta da doutora Janice, até já.
[intervalo]
Paulo Markun: Bom, um programa Roda Viva deste tipo que a gente está fazendo hoje tem sempre uma característica: a gente acaba abordando questões importantes, relevantes e obviamente polêmicas e não consegue chegar a um consenso e nem consegue fazer com que a pessoa que tem um ponto de vista já firmado e estabelecido mude de opinião ao longo do programa. O objetivo deste programa é fazer um painel de opiniões e de pontos de vista para que o telespectador conheça melhor o assunto e possa se aprofundar sobre isso. Assim, nós tivemos dezenas de perguntas muito específicas que eu não pude formular, porque eu achei que não havia condição de atender a isso e peço desculpas aos telespectadores, as perguntas serão encaminhadas aos participantes do debate para que possam respondê-las diretamente. Nós vamos ter uma última rodada aqui, para que cada um dos participantes possa externar o seu ponto de vista sobre as duas questões que foram aqui debatidas. A primeira delas: se o Ministério Público pode ou não investigar por conta própria, e a segunda questão é: que papel o Ministério Público tem na sociedade brasileira e o que é preciso fazer para que continue a ser um instrumento importante. Não há quem neste debate ou nesta mesa tenha um ponto de vista contrário de que o Ministério Público não deu avanços importantes para a democracia e para transparência da coisa pública no país. Então, começamos com a doutora Janice.
Janice Barreto Ascari: Novamente. Bom, em resumo, é posição do Ministério Público Federal, a instituição que integro, e que coincide com o Ministério Público Estadual, que, com base, com fundamento na Constituição federal – porque nós não fazemos nada fora da Constituição federal –, com a interpretação das normas contidas na Constituição federal, complementadas pelas leis orgânicas dos ministérios públicos da União e estaduais, e com base na própria legislação, no Código de Processo Penal, que o Ministério Público tem o poder investigatório na área criminal. Ele tem o poder de realizar diligências investigatórias, que não devem ser confundidas com inquérito policial, porque o inquérito policial é uma atividade da polícia, que muitas vezes trabalha em conjunto com o Ministério Público, e nós temos tido excelentes resultados trabalhando em parceria com as polícias. Mas há casos onde a investigação pela polícia não é conveniente, isso é um critério constitucional também, o princípio da conveniência do serviço público, ou a investigação não é necessária pela polícia, porque muitas vezes um crime para nós é apurado com meia dúzia de documentos e ele já é caracterizado, então não precisa da atividade da polícia para apurar aquele delito. Como o inquérito policial é uma peça importante, mas pela própria legislação é uma peça dispensável à instauração da ação penal, o Ministério Público, conforme a legislação permite, com base na Constituição e no Código de Processo Penal, ele pode oferecer a denúncia com base em quaisquer peças de informação, que podem ser um inquérito policial ou não, podem ser procedimentos administrativos de outros órgãos, como eu já mencionei a atividade investigativa de outros órgãos, ou diligências feitas pelo próprio Ministério Público. É importante ressaltar também que os tribunais, o Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais da Terceira Região, da quarta região, o Superior Regional de Justiça, nas suas duas turmas criminais, quinta e sexta turmas criminais e acórdãos da sua corte especial, todos eles têm uma posição firme e pacífica a favor da investigação pelo Ministério Público e entendem que isso está embasado na Constituição federal e na lei orgânica. O Supremo Tribunal Federal tem acórdãos em casos específicos, por exemplo, de abuso sexual contra menores, um caso de corrupção que houve no Rio Grande do Sul e um habeas corpus em que o Supremo Tribunal Federal, unanimemente, entendeu que a investigação pelo Ministério Público é constitucional.
Paulo Markun: Márcio Chaer.
Márcio Chaer: Olha, eu acho interessante essa menção ao Supremo, até porque me parece que está havendo uma mudança no clima. Eu diria que, se essa decisão fosse colocada na mesa há dois meses atrás, o Ministério Público ia ter os seus poderes bem diminuídos nessa matéria da investigação criminal, mas houve de fato um debate nacional que foi muito útil, muito bom. Agora, eu continuo batendo nessa tecla, nós fazemos notícias diariamente sobre inquéritos, processos, denúncias... bater na tecla de, se passar uma suspeita para a imprensa, sai a notícia e depois se abre o inquérito com base na notícia. Eu acho que isso realmente é uma coisa muito ruim para o Ministério Público e para o Brasil. Agora, o Ministério Público foi o motor das grandes mudanças no Brasil nos últimos vinte anos. Eu acho que, na área judicial, ele impulsionou um novo trabalho do judiciário e deixou aí... provocou uma melhora na advocacia, que teve de correr bastante diante de uma advocacia pública mais vigorosa e mais valente. Mas, realmente, enquanto aumentou os seus poderes, desenvolveu a sua musculatura, o Ministério Público realmente andou fazendo essas coisas que eu acho que não são elogiáveis, que o ministro do Supremo definiu em uma frase talvez um pouco pesada, como o papel equiparado ao de um mau policial que planta cocaína no carro da vítima para depois prendê-la; talvez tenha um pouco de exagero, mas eu acho devemos pensar sobre isso.
Paulo Markun: Doutor Rodrigo.
Rodrigo Pinho: Bom, eu quero, assim como feito pela doutora Janice, entender que, mais do que o direito, o Ministério Público tem o dever de investigar para contribuir para o aperfeiçoamento do estado democrático de direito, para combater atos que, se não fosse a participação de promotores de justiça da Procuradoria da República, não teriam tido a devida apuração. É importante que se diga que se limitar esse poder, nós vamos estar contribuindo, infelizmente, para a não apuração de atos de violência cometidos no interior de estabelecimentos oficiais, atos de tortura, e não é aqui a intenção de qualquer um de nós. Existem equívocos, excessos, como mencionados pelo Márcio Chaer, [mas] esses excessos não justificam a generalização da conduta e uma limitação; os excessos, por exemplo, de um jornalista não podem justificar a limitação da liberdade de imprensa. Nós devemos punir o excesso, corrigir o que está errado, preservando o que é mais importante. Em relação a algumas questões aqui levantadas pelo Luiz Flávio Borges D'urso e pelo doutor Marco, eu entendo que o procedimento precisa ser melhor regulamentado; o procedimento precisa ser melhor explicitado à participação da defesa, para que não haja qualquer dúvida e para que esse mesmo procedimento, sendo inquisitivo, esse direito seja devidamente preservado como uma garantia também estabelecida na Constituição. Mas eu vou realçar que é fundamental para a sociedade brasileira que esse poder de investigação seja preservado.
Paulo Markun: Doutor Flávio.
Luiz Flávio D'urso: É a última intervenção?
Paulo Markun: Sim.
Luiz Flávio D'urso: Quero agradecer a oportunidade de estar aqui. Estar com o Fausto e com o Márcio é um privilégio, estar com vocês neste programa; agora, debatendo ao lado do Nahum, que é um ilustre presidente do IBCCRIM, e com dois expoentes do Ministério Público, também é um grande privilégio, porque enriquece o tema, eles são inteligentes, muito, doutora Janice, doutor Rodrigo, e trazem os seus argumentos. Agora, a posição da OAB, que é a posição da advocacia, que é a posição das entidades de policiais, de alguns magistrados também, antagoniza-se com essa tese. Primeiro lugar: não estamos discutindo diminuição dos poderes do Ministério Público, partimos da premissa de que, pela Constituição brasileira, o Ministério Público não tem esses poderes. A tese é: deverá em uma alteração da Constituição adquirir esses poderes? Reiteramos o seguinte: o Estado precisa de controle, esse controle do Estado, ele divide justamente para se auto-controlar, polícia investigando, Ministério Público, titular da ação penal, interesse, parte e isenção na magistratura para decidir. Com essas três etapas distantes, nós temos o equilíbrio do sistema. Agora, veja como a legislação é sábia: a polícia investiga com isenção, mas o Ministério Público, que é o destinatário dessa prova, durante a investigação está presente, fazendo o controle externo – é o que diz a Constituição –, de trinta em trinta dias, essa investigação está em suas mãos e ele necessariamente pode requisitar diligências, determinar que a polícia realize provas. Portanto, esse sistema é equilibrado, esse sistema deve prevalecer. A tese de mudar isso está em debate dentro da absoluta e apropriada democracia que nós tanto desejamos no equilíbrio das funções das instituições.
Paulo Markun: Fausto Macedo.
Fausto Macedo: Bom, eu acho que o papel do Ministério Público, eu queria deixar bem claro para os senhores advogados, e eu acho que os senhores concordam com isso, é extraordinariamente importante. Em um momento em que o país vive uma crise em suas instituições, um judiciário moroso, que na verdade abriga muitas vezes os interesses de pessoas envolvidas com fraudes contra o Tesouro, em razão da mora em suas decisões, então eu acho que o Ministério Público deveria sim ter ampla autonomia para fazer as investigações. Porque o contribuinte está lá esperando o resultado das instituições que já estão aí há muitos anos e que não trazem efetivamente respostas para suas dúvidas, principalmente nos casos de corrupção. E eu acho que, nesse momento, o Ministério Público é a instituição mais importante para executar esse trabalho.
Paulo Markun: Doutor Nahum.
Marco Antônio Nahum: Bom, eu gostaria também agradecer a presença e a oportunidade de estar com os senhores aqui debatendo esse tema, e eu vou terminar mais ou menos como iniciei neste programa, dizendo que o Ministério Público tenta essa investigação que, correta ou não, necessária ou não, desde 1935. Na exposição de motivos do Código de Processo Penal do Brasil, já se encontra uma explicação de por que não houve o Juizado de Instrução no Brasil. Depois disso, várias emendas à Constituição foram tentadas e o Congresso decidiu que não seria oportuno para o Brasil. Eu tenho a impressão de que esse direito não existe na Constituição, e o próprio Ministério Público reconhece isso à medida que tenta várias emendas à Constituição, ou seja, não está tão claro assim na Constituição a ponto de exigir que o Ministério Público faça emendas. Mas eu também, é obvio, quero um Ministério Público forte, eu também quero que os crimes sejam descobertos, como todo cidadão brasileiro quer. Agora, o que eu particularmente acho é que eventuais deficiências da polícia não serão suprimidas simplesmente com a substituição de uma instituição por outra. Então, eu acho que nós precisamos encarar o problema de frente, ou seja, se há crimes impunes no Brasil é porque as nossas instituições não estão estruturadas, isso é outra discussão.
Paulo Markun: Ok. Queria agradecer a presença de todos, a você que está em casa, e dizer, como sói acontecer neste tipo de programa, a gente não consegue esgotar o assunto, mas acho que o simples fato de debater esse tema durante uma hora e meia com uma bancada tão ilustre e competente já é um passo no sentido de que a opinião pública conheça melhor o assunto, que não pode ser resolvido apenas e tão somente no âmbito do judiciário e de seus integrantes, porque interessa à sociedade como um todo. A gente fica por aqui e volta na próxima segunda-feira com mais um Roda Viva . Uma ótima semana e até segunda.