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Memória Roda Viva

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Ronaldo Sardenberg

9/4/2001

O ministro da Ciência e Tecnologia responde a questionamentos sobre o reduzido valor das bolsas de mestrado e doutorado, entre outros

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Paulo Markun: Boa noite. O Brasil precisa fazer a sua revolução científica e tecnológica para não ficar condenado ao atraso e ao empobrecimento. Desenvolvimento econômico não acontece sem investimento em pesquisa. O teorema que está colocado ao país, já faz tempo, começa a ser encarado agora como uma nova estratégia de busca do desenvolvimento tecnológico. Ela está nas mãos do convidado desta noite do Roda Viva, Ronaldo Sardenberg, ministro da Ciência e Tecnologia.

[Vídeo] [Narração: Patrícia Travassos]

Ronaldo Mota Sardenberg é diplomata, foi embaixador brasileiro em Moscou, Madri e nas Nações Unidas em Nova York. Em 1995, chamado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, ele assumiu a Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo. Ronaldo Sardenberg ficou encarregado de cuidar dos programas considerados estratégicos para o país, pensar o Brasil a longo prazo. A busca por novos cenários alimentou principalmente o debate sobre o desenvolvimento tecnológico nacional. No segundo mandato de Fernando Henrique, Ronaldo Sardenberg assumiu o Ministério da Ciência e Tecnologia, onde começou a montar estratégia para o desenvolvimento da pesquisa científica no país. O Brasil conquistou espaços importantes na ciência mundial, principalmente com o Projeto Genoma [trabalho realizado conjuntamente por diversos países, com o objetivo de mapear o código genético de um organismo. Tem como marco inicial o Projeto Genoma Humano, fundado em 1990]. O sequenciamento do código genético de uma bactéria responsável por uma praga agrícola deu projeção à pesquisa brasileira. Outros estudos estão avançando, mas a pesquisa mais sofisticada ainda é restrita a algumas poucas instituições estaduais e federais. O desafio e a proposta é despertar e capacitar as demais instituições de pesquisa do país a entrar na corrida pela geração de tecnologia nacional e entrelaçar progresso científico com progresso social. É nesse rumo que o ministro Ronaldo Sardenberg começa a pilotar o trabalho do Centro de Estudos e Gestão Estratégicos, criado no mês passado para organizar aplicação dos novos recursos que compõem o Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia. São recursos com diferencial importante: eles são formados por dez fundos setoriais, com dinheiro vindo de percentuais do Imposto de Renda e do faturamento de empresas. São verbas independentes que não estão sujeitas a cortes orçamentários. Os fundos setoriais já são responsáveis por um acréscimo de oitocentos milhões de reais ao orçamento, o que eleva os investimentos em Ciência e Tecnologia para R$ 1,8 bilhão este ano, quase o dobro do ano passado. Agora, vão ser estabelecidas as prioridades para aplicação do dinheiro e a forma de administrar os recursos para garantir a meta de em dez anos colocar a ciência brasileira num patamar compatível aos países desenvolvidos.

[Fim do vídeo]

Paulo Markun: Para entrevistar o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, nós convidamos Hernan Chaimovich, professor titular do Instituto de Química e Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade de São Paulo. Ele também é membro da diretoria da Academia Brasileira de Ciências. Convidamos ainda Fábio Feldmann, presidente do IPSUS, Instituto Pró-Sustentabilidade, e secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Está conosco ainda o matemático Marco Antonio Raupp, vice-presidente da SBPC, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Participa do programa ainda a jornalista Graça Caldas, doutora em ciências da comunicação, professora e pesquisadora do programa de pós-graduação em comunicação da Universidade Metodista de São Paulo e diretora acadêmica da Associação Brasileira de Jornalismo Científico. Está no Roda Viva ainda a jornalista Mônica Teixeira, da TV Cultura, e o engenheiro Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor do Instituto de Física da Unicamp e presidente da Fapesp, Fundação de Aparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Outro entrevistado do programa - entrevistador, aliás - é o empresário Roberto Nicolau Jeha, diretor presidente da Indústria de Papel e Papelão São Roberto S/A e vice-presidente da Fiesp, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. O Programa Roda Viva, você sabe, é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Para participar do programa o telefone é o (11), código de São Paulo, antes você disca aquele zero, código da operadora (0XX11) 252-6525. Nosso fax é (0XX11) 3874-3454 e o endereço do programa na internet rodaviva@tvcultura.com.br. Boa noite, ministro.

Ronaldo Sardenberg: Boa noite.

Paulo Markun: Nós falamos aí na reportagem, em dez fundos. Antes nós estávamos discutindo aqui se são dez, se são nove, se são quatro. Eu queria que o senhor explicasse: afinal de contas, quantos são esses fundos e o que eles significam de mudança importante para a Ciência e Tecnologia?

Ronaldo Sardenberg: Olha, várias maneiras de dizer. Vamos por categorias. Antes de tudo, havia CT-Petro, o Fundo de Petróleo e Gás. Depois foram criados, em junho do ano passado, quatro fundos. Os fundos Mineral e de Recursos Hídricos, Transportes, Espaço e Energia elétrica. Depois foram criados dois outros fundos que não são setoriais, mas são associados ao mesmo processo: o Fundo Verde e Amarelo, que alguns chamam de Empresa-Escola, e o Fundo de Infraestrutura de Pesquisas. Quatro fundos estão por ser criados: aeronáutica, biotecnologia, agronegócio e... e mais um...

Paulo Markun: Informática?

Ronaldo Sardenberg: Não. Saúde.

Paulo Markun: Saúde.

Ronaldo Sardenberg: E depois há dois outros fundos ainda: Informática e Comunicações, Telecomunicações, que se soma ao processo. Portanto, pode-se escolher um número qualquer para indicar quantos são os fundos. [Risos]

Paulo Markun: Agora, o que muda nisso aí? Quer dizer, para o leigo parece o seguinte: tudo bem, se o dinheiro é o mesmo, está no fundo, não está no fundo... o que modifica?

Ronaldo Sardenberg: Não, o dinheiro não é o mesmo. O dinheiro vem de fontes distintas. Alguns vêm e são calculados com base no Imposto de Renda, outros são contribuições derivadas de concessões, outros são contribuições derivadas de privatização, de maneira que cada fundo tem uma origem diferente.

Paulo Markun: Então eu vou inverter a pergunta: qual é o ponto incomum? Quer dizer, o que tem a ver... ? Por que botaram esse chapéu "Fundo" e começa a se anunciar que a partir de agora isso vai mudar alguma coisa?

Ronaldo Sardenberg: Não, o que tem de ponto comum é a oportunidade e a decisão de aumentar o investimento em Ciência e Tecnologia no Brasil. Esse é o ponto comum. É por aí que começa, né? Que foi uma decisão tomada pelo presidente em abril do ano passado. Em janeiro, o Paulo Renato [ministro da Educação entre 1995 e 2002] e eu apresentamos ao presidente o problema. Um problema muito simples: recursos escassos, por um lado, e recursos instáveis por outro. Então, a maneira que se procurava agora era corrigir esses dois problemas. E nós, de janeiro a abril, nós imaginamos os fundos. Paulo Renato, especificamente, trabalhou comigo no Fundo de Infraestrutura de Pesquisas, que diz respeito diretamente à universidade. E eu procurei desenvolver os outros fundos, naturalmente em contato com outros ministros. O processo de decisão não é nada linear. E em junho, eles foram aprovados pelo Congresso. Em dezembro foi aprovado pelo Congresso o Fundo Verde-Amarelo, o Fundo Empresa-Escola. E agora nós estamos no caminho de mais quatro fundos.

Paulo Markun: Agora, desculpe insistir na questão. Está bom. Em relação... é mais dinheiro, mas é mais dinheiro distribuído de uma maneira diferente? Gerenciado de outra maneira? Tem alguma mudança nisso também?

Ronaldo Sardenberg: Sim. Claro. Não é só recursos. Nós estamos falando em recursos, mas é também gestão. Nós estamos procurando uma gestão moderna, atualizada, para começar, que busque resultados. Segundo lugar, que seja a execução seja acompanhada, que haja um acompanhamento. Terceiro lugar, que haja uma avaliação ao final. Quarto lugar, que os recursos dependam de um exercício prévio de prospecção dos gargalos, de maneira que há uma mudança muito grande nesse sentido. Quer dizer, nós estamos buscando não mais uma gestão rotineira, mas uma gestão nova, uma maneira nova de fazer as coisas no Brasil. Ainda se pode dizer que os comitês gestores são compartilhados. O representante do ministério, suas agências, o ministério correspondente...

Paulo Markun: [Interrompendo] Quer dizer, não está mais na mão do ministro a caneta que assina a... ?

Ronaldo Sardenberg: A caneta está nas mãos de várias pessoas, nas canetas de várias pessoas. Isso é bom, porque exige uma interlocução entre os diferentes atores, também a comunidade acadêmica, o setor empresarial estão representados em via de regra. E ao final dá um resultado de transparência e, portanto, de controle social. Quer dizer, não é possível mais tomar decisões secretas sobre investimentos desse tipo.

Carlos Henrique de Brito Cruz: Ministro, por favor, esses recursos dos fundos, o senhor nos informa que eles deverão ser recursos adicionais àqueles já existentes. Como é que o ministério planeja trabalhar a questão do equilíbrio no investimento entre aquele investimento feito na pesquisa de natureza fundamental e aquele investimento feito na pesquisa de natureza mais aplicada? Quer dizer, as duas são muito importantes: a pesquisa fundamental porque ela gera a possibilidade do futuro do conhecimento, e a pesquisa aplicada porque ela gera riqueza imediatamente. Como é que o ministério... ?

Ronaldo Sardenberg: Não, e além disso, há uma sinergia entre as duas, permanente. Na verdade, uma puxa a outra. A estratégia é a seguinte, quer dizer, é uma gestão - vamos usar uma palavra pretensiosa - sistêmica. No sentido de que, na medida em que novos fundos são criados, certas despesas que antes eram atendidas, digamos, pelo orçamento regular do ministério e muito especialmente do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] deixarão de fazê-lo, ou deixarão, dentro de uma certa medida, de fazê-lo, de maneira que, ao final... vamos dar um exemplo: por exemplo, o Fundo de Energia Elétrica financia realização de um evento no campo da energia elétrica, o CNPq não precisará fazer na mesma proporção. Ele libera esse recurso para outras finalidades. No caso, a realização de outros eventos, porque tem que ser dentro da rubrica. Mas nos outros casos, no caso de bolsas, de fomentos de pesquisas, o mesmo princípio se aplica. É verdade que isso nunca será uma correspondência de um para um, porque isso seria, de certa forma, violar o pacto que nós temos com os outros ministérios, que nós nos comprometemos a não simplesmente substituir despesas. E eles mesmo também se comprometeram dentro de um outro sentido, no mesmo sentido. Então o caso é esse, quer dizer, a gente pode gerir isso como se fosse um sistema - é um sistema - e, portanto, uma gestão muito mais flexível.

Mônica Teixeira: Ministro, eu queria pedir sobre esse assunto ainda, pedir então para o senhor explicar melhor... por exemplo, pegar o Fundo de Energia Elétrica. De onde vem o dinheiro? Como que é a gestão? E quais são os acordos entre ministérios a respeito da aplicação desses... ?

Ronaldo Sardenberg: Olha, fundo de energia elétrica, nós estamos... Esses quatro fundos que foram criados...

Mônica Teixeira: [Interrompendo] Ou qualquer outro... Espaço... enfim, só para a gente...

Ronaldo Sardenberg: O Fundo de Petróleo, por exemplo...

Mônica Teixeira: [Interrompendo] Está bom, está bom.

Ronaldo Sardenberg: Ele vem de royalties [importância paga ao proprietário de uma patente de produto, processo de produção, marca, entre outros direitos, por aquele que o utiliza], da exploração de campos petrolíferos no Brasil. É uma porcentagem. Ok? Daí há um comitê gestor, né?

Mônica Teixeira: [Interrompendo] O que é o comitê gestor? Quem está... ?

Ronaldo Sardenberg: O comitê gestor é um comitê compartilhado. Então está o Ministério de Ciência e Tecnologia, o Ministério de Minas e Energia, a ANP [Agência Nacional de Petróleo], o CNPq, a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], dois representantes da academia e dois representantes do setor privado.

Mônica Teixeira: E esse comitê gestor decide sobre o quê?

Ronaldo Sardenberg: Decide sobre a aplicação do dinheiro. Para começar, faz o edital, ou editais, pedindo determinados tipos de projetos. E aí, evidentemente, há uma negociação dentro do comitê gestor.

Mônica Teixeira: Então, nesse sentido, ele dirigirá uma atividade de pesquisa, quer dizer, porque ao destinar dinheiro a determinado tipo de projeto, esses editais... eles vão dirigir?

Ronaldo Sardenberg: Nada impede que uma porcentagem disso não seja dirigida, quer dizer, que sejam projetos apresentados espontaneamente, uma porcentagem.

Mônica Teixeira: Ah. Está bom.

Ronaldo Sardenberg: Eu vou te dar um exemplo. Por exemplo, R$ 25 milhões, este ano, serão destinados à negociação com entidades da região Norte e Nordeste em busca de projetos. Quer dizer, ao invés de simplesmente o dinheiro sair de Brasília e ir para as regiões, nós estamos começando... testando a idéia de uma negociação entre o poder central e os poderes estaduais. Ou poderes, no caso, nós somos poderes, são entidades estaduais, mais do que poderes. de maneira que haja o maior sentido de participação. É muito difícil administrar recursos em grande escala, exclusivamente a partir de Brasília. A gente perde o retorno. Então é preciso criar esses mecanismos. No caso desse fundo, que é um fundo de R$ 150 milhões, R$ 25 milhões serão dedicados a esse tipo de exercício.

Hernan Chaimovich: Ministro, antes de perder a perspectiva de futuro, eu queria fazer uma pergunta muito curta. Tem quatro fundos em áreas essenciais para o desenvolvimento brasileiro, que foram criados com [...] de crédito entre três de abril de 2000: o Fundo da Saúde, o Fundo de Agronegócios, o Fundo Aeronáutica e o Fundo da Biotecnologia. Existe alguma novidade com relação à seqüência que vai desde o decreto da criação até a implementação do fundo?

Ronaldo Sardenberg: Não, eles não foram exatamente criados, quer dizer, o presidente da República, ao adotar a agenda de governo para este ano e para o ano que vem, selecionou esses quatros fundos como fundos que deveriam ser criados. Nós estamos num processo de criação. Já estamos há seis meses em processo de criação para ser cândido, ser absolutamente direto. E é complicado, porque envolve modelo, envolve fontes de recursos que são variadas, e exige uma negociação com os ministérios respectivos, com a Receita Federal. Hoje, nós temos uma Lei de Responsabilidade Fiscal que também tem que ser atendida, de maneira que esse é um processo que deverá tomar ainda algum tempo. Eu tenho a expectativa de que nós possamos concluir esse processo este ano, de maneira que os fundos possam estar operativos no início do ano que vem, e tem que passar pelo Congresso. É lei.

Graça Caldas: Ministro, existe uma expectativa muito grande com relação aos fundos setoriais, e também um pouco de ceticismo de parte da comunidade científica, né? Programas de outras naturezas, como o Pronex [criado em 1996, o Programa de Apoio a Núcleos de Excelência é um instrumento de estímulo à pesquisa e ao desenvolvimento científico e tecnológico, por meio de apoio continuado e adicional aos instrumentos já disponíveis], já tentaram redistribuir o processo de Ciência e Tecnologia pelo Brasil. E consta que 40% desses recursos serão voltados para o Norte e Nordeste. Considerando que hoje nós temos cerca de 90% da produção e C&T [Ciência e Tecnologia] na região Sul e Sudeste, como o senhor imagina fazer essa grande mágica, essa estratégia, tentar reverter esse quadro nacional de desequilíbrio na área de Ciência e Tecnologia?

Ronaldo Sardenberg: Olha, são 30%. [A proporção de] 40% [é] apenas o caso do CT-Petro, que foi o primeiro caso. Depois, nós negociamos... são processos de negociação. Nós negociamos com as bancadas uma porcentagem. Essas três regiões: Norte, Nordeste e Centro-Oeste, representam 25% do esforço nacional; 75% estão no Sul e Sudeste, né? Então, nós negociamos assim: agora, nós somos duas tranches, como se diria se fosse Fundo Monetário Internacional. Uma tranche nacional a qual os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste também podem concorrer, e uma específica para eles. E eles então concorrem às três regiões dentro desse espaço, né? Não é demais e não é de menos, vamos dizer, a projeção que nós estamos fazendo é que, na medida em que os recursos dobrem, os recursos que vão para essas três regiões triplicam. Triplicar 25%, e dobrar 75%. Basta fazer as contas, a gente vê que o processo tomará certo número de anos até que se estabeleça um equilíbrio. A diferença que há, é que há sim a decisão, mais do que a intenção, de fazer isso. E nós temos o amparo da lei, o que facilita muito.

Graça Caldas: Agora, estamos falando de recursos. Temos capacidade instalada tecnológica? Temos recursos humanos suficientes para isso?

Ronaldo Sardenberg: Olha, o primeiro momento é justamente equipar o Brasil inteiro, não é? E por isso que a...

Graça Caldas: [Interrompendo] Estrutura, né?

Ronaldo Sardenberg: ... a estrutura... o Fundo de Infra-estrutura já foi lançado e já está funcionando, para que todas as regiões, principalmente essas três, tenham melhores condições de competição. É claro que levam desvantagens, uma série de desvantagens, uma delas é a concentração. Você toma, por exemplo, a região Sudeste, há uma sinergia enorme dentro da região Sudeste, que não se replica para o Brasil inteiro, né? Então, para que se possa replicar, é preciso tomar medidas práticas de equipamento e incentivar muito o trabalho em rede. Nesse sentido, nós estamos aproveitando a experiência que já foi feita com a Fapesp, pela Fapesp, justamente com a Xylella fastidiosa [bactéria causadora de doenças em plantas, como a praga do amarelinho que afeta laranjeiras. O seqüenciamento de seu genoma foi o primeiro de uma bactéria fitopatogênica a ser realizado no mundo, no âmbito de um projeto pioneiro no Brasil lançado pela Fapesp], com o seqüenciamento do genoma, para usar em outras áreas. Isso nós temos uma grande esperança que vá contribuir para o sentido de inclusão e para a fixação dos pesquisadores nos respectivos estados. Senão, todo mundo que fosse fazer biotecnologia, por exemplo, vinha para São Paulo.

Graça Caldas: Mas o Brasil não é só formado em biotecnologia, né, ministro? Tem outras necessidades nacionais.

Carlos Henrique de Brito Cruz: Ministro, o ministério tem uma estratégia sobre essa questão regional, quer dizer, de tal modo que o recurso dos fundos, ao ser aplicado em projetos de pesquisa em várias regiões do país, não se torne um recurso que vá deslocar ou minimizar investimentos feitos pela própria região? Porque isso é uma diferença muito notável que há no país inteiro, né? Enquanto o estado de São Paulo investe quase 12% da sua arrecadação em ensino superior e pesquisa, nenhum outro estado brasileiro chega perto disso, e uma política federal que viesse a substituir o investimento estadual me parece que seria prejudicial para o país, né?

Ronaldo Sardenberg: Não, não, porque há um conceito de parcerias por trás disso, sabe? Desde que eu assumi, foi em julho de 1999, eu comecei a trabalhar diretamente com os estados. Por exemplo, este ano, eu já fui seis vezes ao Nordeste. Já vim a São Paulo, já fui a Florianópolis, já fui a Porto Alegre também. Mas ao Nordeste eu fui seis vezes. E aí o que se faz é ir criando um clima de parceria. Quer dizer, é emulação entre os estados, de certa forma. Então, por exemplo, o estado do Pará, que até o ano passado nunca tinha colocado nem um tostão, ano passado colocou R$ 5 milhões. O ministério colocou outros R$ 5 milhões lá. Antes o ministério colocava dinheiro no Pará, mas menos. Isso aconteceu agora com o Sergipe. Nós estamos fechando com Sergipe... em Sergipe, inclusive, há um caso interessante, que o governo do estado colocou este ano R$ 2 milhões e a municipalidade de Aracaju R$ 1,2 milhão. É também um negócio que anima, nos anima a todos, no sentido que - isso eu estou dando exemplo de um ou dois estados... Na realidade, dezesseis estados já estão nesse processo.

Carlos Henrique de Brito Cruz: Onde o dinheiro dos fundos chama mais dinheiro estadual.

Ronaldo Sardenberg: Dos fundos ou mesmo do próprio orçamento. Que como eu disse: a gestão sendo sistêmica, do ponto de vista prático, é tudo mais flexível. Então você não precisa carimbar o dinheiro em cada caso.

Mônica Teixeira: Agora, ministro, eu quero fazer uma pergunta politicamente incorreta.

Ronaldo Sardenberg: Posso dar uma resposta politicamente incorreta?

[Risos]

Mônica Teixeira: É a seguinte: Afinal, que diferença faz para o país se o conhecimento é produzido na Amazônia ou é produzido no Rio Grande do Sul?

Ronaldo Sardenberg: Ou em São Paulo?

Mônica Teixeira: Ou em são Paulo.

Ronaldo Sardenberg: Ou no Rio Grande do Norte...

Mônica Teixeira: É. Ou seja lá onde for.

Ronaldo Sardenberg: Acho que se você andar pelo Brasil - eu tenho certeza [de] que você anda - você terá notado que o princípio federativo hoje se afirmou completamente. Esse que é o ponto. Quer dizer, do ponto de vista da saúde do Sistema de Ciência e Tecnologia Brasileiro, é necessário ser inclusivo. Porque senão, além do valor em si da inclusão, senão o sistema não teria sustentação política a longo prazo. Acho que a grande guerra que nós temos que vencer agora é obter a sustentação política no Brasil. Isso se faz junto à opinião pública. Por isso a impressa é tão importante e junto aos meios políticos. E os meios políticos vivem um pouco do impulso que é dado a eles pela opinião pública.

Mônica Teixeira: Quer dizer, é o reconhecimento do papel estratégico, vamos dizer, que a produção de conhecimento...

Ronaldo Sardenberg: [Interrompendo] Eu vou dar um exemplo. O Nordeste hoje tem uns 42 milhões de habitantes, nessa ordem, né? O Nordeste em termos de renda, em termos de população, em termos de área, é como se fosse um país médio da América do Sul, não é? Terá um produto um pouco inferior ao da Venezuela, mais ou menos o tamanho do produto do Peru, Colômbia um pouco mais, mas desse tamanho. Então, o Nordeste é uma região – estou dando apenas um exemplo - que deve ter todas as instituições que um país médio na vida contemporânea tem. Esse acho que é o ponto central na colocação. Então, antigamente se dizia: “Olha, não pode ser, porque o Nordeste é pobre.”. Mas o Nordeste não é mais pobre. O Nordeste hoje é uma mistura de riqueza e de pobreza. Tanto é que tem esse Produto Interno Bruto de uns US$ 80 bilhões de dólares - né? -, para um país que tem US$ 600 bilhões de produto. Já é um valor muito considerável mesmo em termos internacionais. Então, na medida em que nós não caminhamos para entender essa realidade, nós iremos ficando para trás, iremos como um país perdendo o pé, e o ministério naturalmente perdendo o pé dentro do país.

Mônica Teixeira: Agora, é só uma questão de dinheiro? A Graça perguntou isso, mas eu queria voltar um pouquinho. Quer dizer, como é que o ministério então pretende criar as condições para que tenha pessoas capazes, capacitação científica e tecnológica então nesses estados para usar esse dinheiro da melhor maneira possível?

Ronaldo Sardenberg: Nos estados?

Mônica Teixeira: É.

Ronaldo Sardenberg: Nos Estados, isso é um processo do qual participa a sociedade brasileira como um todo. É surpreendente a quantidade de talentos que há no Brasil. Inclusive, nós temos tomado o cuidado, na constituição de comitês científicos, de incluir representantes de todas as regiões. Então não há nenhuma diferença de qualidade... Eu estou falando em qualidade, não em quantidade, porque aí a quantidade há diferenças regionais. Mas em termos de qualidade não há nenhuma diferença entre ter um representante do estado da Bahia, ou de Pernambuco, e um representante do estado de São Paulo, ou do estado do Rio, de maneira que esse não é o problema.

Graça Caldas: A Mônica falou da geração de conhecimento. Mas, além da geração de conhecimento, nós temos o problema da aplicação do conhecimento. Sabemos que várias universidades brasileiras, principalmente as públicas e algumas unidades de pesquisa tipo a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], têm muita aquisição de conhecimento. Mas nem sempre esse conhecimento chega ao domínio público, né? A Embrapa, por exemplo, tem cerca de duas mil pesquisas, que, por falta de extensionismo rural, ela não chega ao pequeno agricultor. Então, eu queria saber como o ministério, junto com, eventualmente, a Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], aqui representada e junto com as [...] pretende dar esse grande passo que é fazer com que o crescimento saia das prateleiras e chegue aqui?

Ronaldo Sardenberg: Ao setor produtivo?

Graça Caldas: Exato.

Ronaldo Sardenberg: Bom...

Fábio Feldmann: [Interrompendo] Posso fazer uma observação sobre isso?

Ronaldo Sardenberg: Pois não.

Fábio Feldmann: Eu li uma entrevista sua no Estado [jornal O Estado de S.Paulo] em que um dos pontos colocados é a questão da exportação brasileira, que ela continua sendo muito em produtos primários, quer dizer, o agregado tecnológico é muito pequeno. Então, diante disso, eu acho que a questão não e só do ministro de Ciência e Tecnologia. Até que ponto o senhor acha que a sociedade brasileira está convencida de que é importante o investimento tecnológico em termos de uma globalização que vem aí, que esse é um requisito essencial?

Ronaldo Sardenberg: Eu acho que nessa entrevista que eu mencionei que o apoio à Ciência e Tecnologia é um pouco como existe no Rio de Janeiro, é o apoio ao América, né? O América é o segundo time [de futebol] de todos nós no Rio de Janeiro. [Risos] Agora, todos nós temos um primeiro time que não é o América, de maneira que muitas vezes esse apoio difuso que existe na Ciência e Tecnologia não se traduz em resultados concretos. Isso está mudando. Está havendo uma revolução no Brasil, nesse sentido, de mentalidade. Quando assumi o ministério, eu pensava que seria necessária uma grande campanha de convencimento. Eu creio que não. A campanha que é necessária é precisar mais, quer dizer, é dimensionar o desafio. Essa que é a campanha...

Graça Caldas: [Interrompendo] Eu queria retomar a questão que eu coloquei e não foi respondida...

Carlos Henrique de Brito Cruz: Tem uma questão, ministro, relativa a isso, quer dizer, no Brasil, 10% dos cientistas trabalham em empresas, enquanto que, por exemplo, nos Estados Unidos, 80% dos cientistas são empregados de empresas e não de universidades. Na Coréia do Sul, 60% ou 70% dos cientistas trabalham na empresa. Como é que nós vamos fazer para mudar essa situação no Brasil?

[Sobreposição de vozes]

Carlos Henrique de Brito Cruz: Sem cientistas na empresa nunca vai ter conhecimento que vire riqueza, né?

Ronaldo Sardenberg: Eu acho que há instrumento sim. Quer dizer, o primeiro instrumento foi que nós criamos o Fundo Verde-Amarelo, o Escola-Empresa, que é um fundo de R$ 180 milhões. Este ano é o maior dos fundos. Na realidade, poderia ser maior ainda, mas nós obtivemos 180 milhões, vamos trabalhar com esse número durante três anos, mais adiante se verá a possibilidade de editar. Cento e oitenta milhões para aproximar, quer dizer, para todo tipo de atividade que traga a universidade e a empresa. Então, por exemplo, as bolsas ao estilo da Bolsa RHAE, que é a bolsa de recursos humanos em áreas estratégicas, que são justamente para pessoas que vão trabalhar em empresas, para facilitar a absorção, facilitar durante muito tempo a abosorção dessas pessoas, esse tipo de bolsa poderá ser multiplicada aproveitando o Fundo Verde-Amarelo, que, em parte, responde à sua pergunta.

Graça Caldas: Por falar em bolsas, ministro, os estudantes de pós-graduação do Brasil querem saber se vai haver aumento - né? - das bolsas. [Risos] Como fazer pesquisas sem recursos?

Ronaldo Sardenberg: Eu simpatizo muito com a idéia. Eu acho que essa é uma boa pergunta. O problema é que há uma certa vinculações...

Graça Caldas: Há quatro anos não [há reajuste no valor das bolsas] ...

Paulo Markun: Sete anos sem aumento, diz Alexandre Campos, doutorando de pós-graduação de geoquímica.

Ronaldo Sardenberg: O que houve, sim, foi um aumento extraordinário de número de bolsas, enorme, não é? Quer dizer, nos últimos seis anos foram concedidas duzentas e setenta mil bolsas no Brasil. Se nós continuarmos nesse ritmo, em oito anos, iremos conceder tantas bolsas quanto foram criadas, foram dadas em 44 anos, quer dizer, desde o começo do CNPq, desde a inauguração do CNPq. Então aí há uma diferença brutal nesse aspecto.

Paulo Markun: Ministro, nós vamos fazer um rápido intervalo, e a gente volta daqui a instantes com o Roda Viva. Até já.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg. Para você participar do programa, o nosso telefone é aqui em São Paulo, o código da cidade é (0XX11) 252-6525, o fax é o (0XX11) 3874-3454 também em São Paulo, e o endereço do programa na internet é rodaviva@tvcultura.com.br. Ministro, eu vou começar aqui com algumas perguntas de telespectador que tocam basicamente no mesmo tema. Acho que parcialmente o senhor já abordou a questão, mas eu insisto nela: "40% da produção científica do Brasil são feitos pelos estudantes de pós-graduação, mestrado e doutorado. Esses estudantes são obrigados a ter dedicação exclusiva, ou seja, viver somente com a bolsa. Esta está há sete anos sem aumento. Muitos são obrigados hoje, a abandonar a pós ou fazer biscates no decorrer da tese. Pergunto: O doutor Sardenberg acha que com o valor atual da bolsa, R$ 1070 de doutorado e R$ 750 para mestrado, o Brasil estará formando pesquisadores de qualidade?", pergunta Alexandre Campos, doutorando em pós-graduação em geoquímica.

Ronaldo Sardenberg: De onde?

Paulo Markun: Ele não diz de onde é, porque manda pela internet. Não tenho o endereço. O José Renato de Campos Araujo, da Aclimação, São Paulo, faz a seguinte pergunta: "Quando o CNPq e outras fontes de financiamento de pesquisa brasileira deixarão a hipocrisia de lado, retirando a proibição para que seus bolsistas trabalhem, por exemplo, em docência nas universidades particulares?". Ele faz uma argumentação dizendo o seguinte, que a atual política gera dois grupos de pesquisadores: o dos professores das universidades federais, que se licenciam com vencimentos acrescidos de uma bolsa para cursarem doutorado em universidades dos grandes centros, e os alunos de doutorado dos grandes centros, que não conseguem empregos nas universidades públicas- né? - e que têm que viver com esses R$ 1072 mensais”. E emendo aí a pergunta do professor doutor Júlio Meneguine, PhD pela Escola Politécnica da USP, Departamento de Engenharia Mecânica, ele diz o seguinte: “Atualmente no Brasil, estamos presenciando um aumento expressivo dos investimentos em pesquisas, através dos fundos setoriais. No entanto, aparentemente esses investimentos são apenas em equipamentos, laboratórios etc. Quando o governo brasileiro passará a investir na melhoria de condições de salários de pesquisadores e professores? O senhor acredita que um professor ou um pesquisador possa obter uma vida digna com o valor atual de uma bolsa de mestrado, ou mesmo com um salário de professor de uma universidade pública?

Ronaldo Sardenberg: Olha, as dificuldades não são apenas dos professores e dos bolsistas, dos estudantes. Há um problema geral de salários no país. É preciso enquadrar esse tipo de reivindicação dentro desse problema geral. Infelizmente, há peias de todos os lados, inclusive eu mencionei aqui problemas de isonomia, de maneira que nós temos que ver as coisas com um certo cuidado. Agora, com relação a regime de trabalho, que foi a outra pergunta, nós temos um magno desafio pela frente, que é, nos próximos meses, redigir, propor uma lei de inovação, ou seja, uma lei que mude o regime de trabalho de todos aqueles que se dedicam à pesquisa. Essa lei, essa proposta de lei está colocada na agenda de governo de novo, de maneira que nós temos um mandato para buscar. Minha tendência ou até, mais do que isso, minha decisão é estabelecer um diálogo com a comunidade a respeito desse aspecto: como fazer? Quais os limites? Como nós podemos fazer, por exemplo, para os pesquisadores possam ao mesmo tempo ser empreendedores? Isso ocorre na França, ocorre em muitos países e tem dado resultado fora. Então, agora, nesse aspecto, nós podemos dar um passo grande, quer dizer, por um lado, aumentamos substancialmente as bolsas. Aumentamos nesses seis anos 30% as bolsas, em relação a esses seis anos passados.

Paulo Markun: [Interrompendo] Quantidade?

Ronaldo Sardenberg: Quantidade. Então, mais gente está recebendo bolsa. No estado de São Paulo, as bolsas são superiores a essas mencionadas graças à Fapesp. São em 40% superiores. Não sei se há satisfação. Em São Paulo, com isso, deve haver, de maneira que esse é um aspecto, é um dado importante. Até se pode notar que as pessoas estão fugindo das bolsas do governo federal e buscando em primeiro lugar as bolsas da Fapesp, que eu acho que é uma tendência muito razoável e interessante.

Fábio Feldmann: Eu queria mudar um pouco de assunto, ministro. O tema de Ciência e Tecnologia hoje desperta muitas questões e paixões na sociedade, especialmente quando se trata de questões éticas. O mundo hoje discute a questão dos transgênicos, a questão da clonagem, tem a discussão da energia nuclear e mesmo a questão da privacidade. E aí existe uma questão de quem decide, em nome de quem. Então, eu gostaria que o senhor comentasse um pouco a sua visão em relação a esses problemas, que têm sido objeto aí de intensa discussão interna e externamente.

Ronaldo Sardenberg: Bom, eu acho que, em primeiro lugar, indo para a questão ética propriamente dita, eu acho que a questão ética só pode ser resolvida, ou melhor será que seja resolvida pela sociedade, pelo governo. Eu confesso que me sinto um pouco incomodado em baixar critérios éticos com relação a essas questões. Eu espero que haja mais atividade por parte da sociedade nesse aspecto. E, claro, que, no que couber ao Ministério de Ciência e Tecnologia, nós estamos disposto a colaborar. Mas sermos apenas um dos interruptores desse processo. Outros casos, o caso da energia nuclear, eu não sou um fanático por energia nuclear, embora, por questão de acidente da minha vida, eu esteja há seis anos trabalhando com energia nuclear. Mas, na realidade, eu estava servindo em Moscou, quando houve o acidente de Chernobyl, de maneira que eu tenho um cuidado muito grande...

Fábio Feldmann: [Interrompendo] O senhor não visitou a usina?

Ronaldo Sardenberg: Perdão? Não visitei a usina de Chernobyl. O Itamaraty não me autorizou na ocasião, felizmente! E então eu acho que essa questão, especialmente a questão da segurança, tem que ser bem atendida. Eu, desde o primeiro dia que assumi, a primeira reunião que eu fiz quando assumi a Secretaria de Assuntos Estratégicos foi justamente sobre a questão da segurança dos reatores. Mas não foi apenas uma reunião. Eu criei o sistema de exercícios anuais, e, a cada ano, esses exercícios melhoram. E é preciso que seja assim. Mas há também outra questão que é o aproveitamento da energia nuclear. E aí eu estou convencido [de] que, para as necessidades energéticas para o Brasil, é necessário esse aproveitamento. Eu sei que cria muitos problemas, mas não vejo alternativa. Na realidade... E até não quero usar argumentos retóricos, no sentido de que essa discussão é muito marcada pela retórica, não é? Mas por isso eu não vou entrar aqui em exemplos disso, exemplos daquilo; eu acho que é perda de tempo. Eu acho que há uma necessidade prática, digamos assim, para que se use a energia nuclear.

Graça Caldas: Com relação ao aproveitamento da energia...

[Sobreposição de vozes]

Hernan Chaimovich: [Interrompendo] Ministro, nessa mesma linha, eu queria aproveitar e dizer o seguinte: o senhor tem declarado a importância das ciências sociais e das humanidades, de uma perspectiva geral, justamente seguindo a sua análise sobre a importância de lições éticas hoje na história não só desse país, mas do mundo. Eu não vejo, por outro lado, com clareza, como as humanidades e as ciências sociais, aplicadas ou não, entram no novo esquema de financiamento via fundo. Parece-me que tratar essa questão ou no ministério ou na sociedade sem uma inserção das humanidades, das ciências sociais, no esquema de financiamento novo, quiçá perde um pouco da objetividade, ou poderia eventualmente perder a objetividade da vontade ,que o ministro tem expressado publicamente, sobre a necessidade de esse país investir mais na reflexão social e nas humanidades em geral. Então, eu queria ligar a pergunta anterior com a compreensão de como que o senhor vê o apoio às humanidades e às ciências sociais através dos novos mecanismos de financiamento?

Paulo Markun: Só para pegar carona nisso, Werner Carmona, sociólogo, pergunta isso também, se o Ministério de Ciência e Tecnologia vai ter alternativa para financiar projetos que discutam a natureza das relações sociais num país tão desigual. E Jean França, historiador de São Paulo, é mais incisivo, ele pergunta se não há, nas políticas do Ministério, um certo menosprezo pela pesquisa na área de ciências humanas?

Ronaldo Sardenberg: Eu sou da área do direito [risos]. Deixa só eu dar um referencial. Eu não sou da área propriamente científica, na verdade. Em primeiro lugar, eu não creio que haja qualquer razão para esperar que os recursos destinados a ciências sociais, tanto pelo CNPq como pela Finep, diminuam, pelo contrário. Eu fiz referência aqui, ao conceito de um gerenciamento, de uma gestão sistêmica. Então, é normal e natural que, com a operação dos fundos, questões cobertas antigamente pelo orçamento do CNPq deixem de ser e, com isso, abra espaço para atendimentos não apenas de ciências sociais, mas de todos os setores que deixam de ser atendidos por fundos. Nós não podemos ter 36 ou 72 fundos. Isso não. Nós estamos chegando ao limite. E até, na realidade, é cada vez mais difícil, do ponto de vista social e político, criar fundos, né? Esse é um aspecto. O segundo aspecto é lançar mão de certas faculdades que nós temos. Nós assinamos essa semana, semana passada, com os franceses, um memorando de entendimento com o ministro [da Pesquisa, Roger-Gérard] Schwarzenberg. E aí há dois itens, em nove, que dizem respeito às ciências sociais: um de apoio direto às ciências sociais de brasileiros, nas relações franco-brasileiras, e outro do ponto de vista das cidades, a idéia de utilizar as ciências sociais, os recursos que as ciências sociais têm, para o melhor estudo das cidades no Brasil, de maneira que nós estamos sempre abertos a essa possibilidade. É claro que nós podemos ir além. E aí, talvez, já nem tanto falando em ciências sociais, mas dar aos aspectos sociais mais ênfase. Nós já estamos dando. Há uma série de programas da Finep e do CNPq, por exemplo o Prosab [Programa de Pesquisas em Saneamento Básico], o Habitare [Programa de Tecnologia de Habitação] e tantos outros programas que já se dedicam a isso, a resolver problemas de saneamento, na área de pesquisa... naturalmente, o problema da habitação, o problema das tecnologias apropriadas, o problema de adaptação ao trópico úmido. Tudo isso tem um conteúdo social importante. Isso é um lado, de tecnologias que têm resultados na sociedade. O outro lado é o apoio puro e simples diretamente às ciências sociais. O que eu tenho pensado - ainda não anunciei, mas tenho pensado - é a criação de um comitê representativo, inclusive com uma forte composição do pessoal de ciência social, para examinar essa última questão de como dar mais apoio e em que temas, porque um dos problemas das ciências sociais, como nós sabemos, é que elas abrigam uma variedade incrível, inacreditável de temas. Então, nós temos que pensar nisso sim! A minha idéia é caminhar... não anunciei isso de forma alguma, mas até nos meus papéis está escrito, porque eu mesmo escrevi... criar um comitê para essa finalidade. [risos] Depois eu lhes mostro, no final do programa.

Roberto Jeha: Ministro. Eu queria fazer uma pergunta para o senhor...

[Sobreposição de vozes]

[...]: Eu estou na fila!

[Risos]

Roberto Jeha: Ministro, eu queria falar um pouquinho sobre globalização. Para mim, está claro que no mundo de hoje alguns poucos países estão se inserindo na globalização de uma maneira autônoma. E, a grande maioria, de uma maneira subordinada. Eu queria perguntar para o senhor o seguinte: por melhor que seja o seu projeto no Ministério de Ciência e Tecnologia - e ele é bom -, o senhor não acha que, se ele não estiver inserido num projeto de nação, com política industrial clara, com política de comércio exterior, com política tecnológica, com política educacional comprometida com o desenvolvimento econômico e social dos brasileiros, nós não estamos correndo um grande risco de nos inserirmos de uma maneira subordinada?

Ronaldo Sardenberg: Olha, eu acho que nós estamos...

Marco Antonio Raupp: [Interrompendo] Ministro, deixa eu só complementar. Essa questão da tecnologia está dentro desse contexto aí, quer dizer, hoje a ciência brasileira tem uma excelente tradição. O crescimento dela... os indicadores são os melhores possíveis. Mas a tecnologia está muito fraca. Os indicadores são ruins, do ponto de vista de que não tem empresas de consultoria e engenharia, diminuíram bastante, as empresas, como o Brito mencionou, não contratam pesquisadores. Então, esse esforço que nós precisamos fazer para levar a ciência para o benefício da sociedade não está ligado a isso? E que é preciso uma política maior para promover realmente o beneficio da ciência... ?

Ronaldo Sardenberg: [Interrompendo] Olha, do ponto de vista do ministério, nós temos uma primeira preocupação que é inserir a Ciência e Tecnologia na agenda política e na agenda econômica do país. Quer dizer, de evitar uma "guetização" ou "guetorização", se pode usar a expressão, de manter a Ciência e Tecnologia dentro de um gueto, dentro de uns muros e tal. Nós temos que romper isso. Isso é uma primeira coisa. Mas é também mais do que isso, quer dizer, é a percepção de que o desenvolvimento é conhecimento, e desenvolvimento é tecnologia. Quer dizer, sem conhecimento e sem tecnologia não vai haver desenvolvimento favorável coisa alguma. Então, esse é um ponto em que nós estamos debatendo. O outro ponto é que não há Ciência e Tecnologia, hoje, que não tenha uma dimensão internacional. Quer dizer, o pessoal aqui da entrevista que é da área de Ciência e Tecnologia, provavelmente, todos eles, ou todos vocês, estudaram no exterior, tiveram um momento ou têm ainda um momento de vivência internacional. Mas também os países que estão se inserindo na globalização têm um esforço nacional de Ciência e Tecnologia sério, quer dizer, Índia, China, não é? Vou dar dois exemplos bem flagrantes. [Esses países] têm esse esforço e é esse esforço que nós estamos procurando fazer, né? Neste momento, o que eu acho que nós temos que fazer? Nós temos que internalizar o conhecimento no processo de desenvolvimento econômico, a sua preocupação, transformar esse conhecimento em tecnologia, e temos que internalizar também o conhecimento que existe sobre o Brasil no exterior, internalizar no país e no nosso processo de desenvolvimento econômico. Vou dar uns exemplos: a Universidade de Tsukuba tem estudos enormes sobre solos no Brasil. Universidade Tsukuba, no Japão. Kew Gardens tem um estudo sobre a flora brasileira no Nordeste, um grande levantamento, e assim por diante. Tem o Smithsonian, tem o Marks Plan. Então, eu acho que agora nós estamos nessa situação que estamos vivendo no Brasil, temos mais recursos, temos mais capacidade de gestão, estamos subindo de patamar. Nós podemos começar a buscar esse conhecimento que existe no Brasil, foi amealhado em décadas, e que é gigantesco, é enorme. E buscar trazer isso também para o Brasil, para acelerar justamente o processo de desenvolvimento econômico.

Paulo Markun: Agora, ministro, essa questão dos fundos, voltando ao começo do programa, mas inserindo o raciocínio nesse tema que estamos discutindo neste momento, de certo modo, ele não significa uma escolha de determinadas áreas e dizer: “ok, nessas áreas, nós vamos nos desenvolver mais rápido”, ou "vale à pena a gente investir mais do que em outras áreas"?

Ronaldo Sardenberg: [Interrompendo] Não, não.

Paulo Markun: E termino a pergunta: não tem uma coincidência entre os fundos e justamente as áreas que foram privatizadas...

Ronaldo Sardenberg: Tem, tem.

Paulo Markun: ... e as áreas que há investimento do capital estrangeiro, enfim, áreas da nova economia brasileira, se é que a gente pode usar essa expressão?

Ronaldo Sardenberg: Não, mas não há intenção, não houve intenção e nem intencionalidade.

Paulo Markun: Foi por acaso?

Ronaldo Sardenberg: Não. Houve uma janela de oportunidade. Houve um momento em que se criou oportunidade. Então havia uma opção a fazer: ou nós aproveitávamos a oportunidade e criávamos os fundos, ou nós deixávamos essa oportunidade de lado e íamos planejar o desenvolvimento da ciência e tecnologia brasileira.

Paulo Markun: [Interrompendo] Mas aí o senhor imagina...

Ronaldo Sardenberg: Daí, correndo o risco de quando o nosso planejamento estivesse pronto, já não tivéssemos mais o dinheiro para o fundo. Um risco realista, porque nesse período apareceram campanhas enormes no Brasil, e todas elas justificadas: campanha contra a violência, campanha contra pobreza, campanha pelo assentamento rural... tudo isso são problemas verdadeiros, né? Então nós provavelmente teríamos perdido essa oportunidade se não tivéssemos capturado ou captado, para usar uma expressão mais suave, esses fundos.

Paulo Markun: Mas o senhor acha que pode haver, por exemplo, digamos assim, um efeito dominó? E um fundo chama ao surgimento de outro?

Ronaldo Sardenberg: Está se chegando ao limite. Nós estamos chegando ao limite. Precisamos ter consciência. Eu tenho expectativa de criar só mais quatro fundos, que já é uma expectativa altíssima...

Mônica Teixeira: [Interrompendo] E esses fundos, uma vez que eles têm ali presente, vamos dizer, representantes do mercado, eles não vão, em vez de servir a um projeto nacional, no qual já falou o doutor Roberto Nicolau Jeha aqui, será que eles não vão servir afinal aos interesses das empresas que estão cada vez mais interessadas no que é gerado dentro da universidade?

Paulo Markun: Só para atrapalhar um pouco mais, o Saulo Moreira, de Recife, pergunta o seguinte: "Existe uma emenda na Câmara dos Deputados propondo a destinação de até 80% dos recursos do fundo setorial de energia elétrica para custear emergencialmente o programa de racionalização de energia lançado na semana passada pelo governo. Isso não vai representar menos dinheiro para as pesquisas?".

Ronaldo Sardenberg: Eu nunca ouvi falar dessa emenda, mas, mesmo que ela exista, é uma simples emenda.

Roberto Jeha: Ministro, eu queria fazer uma pergunta também dentro daquilo que a Mônica falou...

[Sobreposição de vozes]

Paulo Markun: [Interrompendo] Deixa só ele responder...

Roberto Jeha: Ah, bom. Desculpa.

Mônica Teixeira: Então, a pergunta é essa: será que... ?

Ronaldo Sardenberg: Ah, das empresas. Sim. Os comitês gestores são mistos. Tem representantes de empresa, de academia, talvez do Ministério de Tecnologia e do governo. Ninguém vai capturar, ninguém vai... Eu vou dar uma resposta mais ampla. Então, eu posso dar até agora, quer dizer, é o seguinte: além disso, o ministério está constituindo uma unidade de inteligência, que é esse Centro de Estudos e Gestão Estratégica. Ou Centro de Gestão e Estudos Estratégicos para nós ficarmos com a concordância verbal ou concordância das palavras, de maneira que esse centro é um centro de pilotagem. Quer dizer, o que ele faz? Faz prospecção, vai fazer prospecção, acompanhamento ou monitoramento, avaliação ao final, e vai ter certos focos. Por exemplo, um dos focos que nós precisamos ter é direção mesmo, ação regional, que nós já comentamos aqui, e outro: indústria, ter tecnologia industrial. Por enquanto é isso. Então, nós estamos organizando o sistema.

Mônica Teixeira: Então, eu fiz essa pergunta, porque parece ser... é uma espécie de uma coqueluche o diagnóstico. Todos nós, nós lemos as revistas científicas internacionais, tal, da necessidade de aproximar a indústria e a universidade, a indústria e a pesquisa, a indústria e a academia. E a indústria está cada vez mais fortemente na academia. Quer dizer, a indústria farmacêutica norte-americana financia o projeto de pesquisa dentro da Universidade de Berkley; isso para citar um da Novartis. E isso, quer dizer, tem causado também, dentro da academia, fora do Brasil e acho que dentro do Brasil também, um certo... Não sei se é um receio, uma preocupação, mas, quer dizer, mas uma pergunta: só será gerado o conhecimento que, afinal, de alguma maneira, encontrar esses financiamentos? Que, de alguma maneira, supra demandas que são muito aplicadas, muito claras? Quer dizer, uma das pessoas... Que vão gerar diretamente, que tenham uma perspectiva imediata de trazer ganho. O que vai acontecer do outro conhecimento? Essa é a primeira pergunta. Quer dizer, o conhecimento fundamental, aliás, o que o professor Brito já perguntou. E a outra coisa é a seguinte: será que a gente sabe tudo que vai ser realmente importante no futuro? Será que não é dessa diversidade que está contida dentro da idéia da universidade que poderão nascer os conhecimentos que, de fato, em vez de ser nanotecnologia... sei lá, pode ser que seja outra coisa, né?

Ronaldo Sardenberg: Olha, a comunidade brasileira tem uma devoção especial pela liberdade acadêmica, quer dizer, o princípio da liberdade acadêmica, o princípio da liberdade de pesquisa. E não há nenhuma intenção, por parte do governo, de violar esse princípio. Agora, precisa ter mais direção, porque o Brasil - se você comparar com os outros países, Coréia já foi citada aqui - induz muito pouco, ou induz quase nada.

Mônica Teixeira: [Interrompendo] Isso é o papel do governo.

Ronaldo Sardenberg: Nós temos que induzir mais. Então, é o papel do governo. Mas como é que nós trabalhamos no ministério? Nós trabalhamos no ministério criando comitês científicos e comissões científicas. Nós estamos procurando incorporar o mais possível, como nunca foi feito no Brasil, de resto, a opinião da comunidade ao que nós estamos fazendo. É um trabalho constante. Por exemplo, até quando nós examinamos a relevância, a validade dos institutos que existem dentro do ministério, nós nomeamos uma comissão científica de dez membros, chefiada pelor professor Tundisi [José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional de Ecologia de São Carlos], para fazer essa avaliação. Vamos entregar essa avaliação no início do mês de maio. Então, há um ano trabalhando. Então, essa é uma maneira de fazer. Outra coisa, não é só a empresa que, nos Estados Unidos, tem acesso a universidades, o governo também. Outro dia, eu estava numa conferência internacional de polímeros avançados, lá em Recife, e o Prêmio Nobel, que fez a apresentação, mostrou a lista de projetos. Em todos o Ministério da Defesa tinha participação de financiamento. Quer dizer, esse é o fenômeno moderno, é o fenômeno, de certa forma, de derrubar certos números. Agora, sem perder o sentido de direção...

Graça Caldas: [Interrompendo] Mas as empresas vão poder também ter nelas mesmas espaços para o desenvolvimento da pesquisa, que não fossem apenas no espaço das universidades?

Ronaldo Sardenberg: Olha, nós estamos criando isso no Brasil. A mentalidade e a evolução. Certo? Quer dizer, antes não era assim. Hoje em dia já é. Hoje em dia, nós não sabemos sequer qual que é o verdadeiro volume de investimentos das empresas. Eu calculo que seja da ordem aí de uns R$ 4 bilhões. Talvez, o doutor Brito ache que seja muito mais do que isso. Mas eu calculo que seja em torno de uns R$ 4 bilhões e R$ 12 bilhões no Brasil de investimento por ano em Ciência e Tecnologia, contanto educação...

Graça Caldas: Ministro, existe uma iniciativa louvável do ministério, coisa que há muito tempo não ocorria, de uso de um chamado programa Prospectar, como o senhor falou recentemente, de planejar o desenvolvimento nacional. E esse projeto, esse programa tem recebido bastante sugestões, já recebeu bastante sugestões. Em que medida essas sugestões serão aceitas e incorporadas ao plano de desenvolvimento da Ciência e Tecnologia?

Ronaldo Sardenberg: Olha, é o seguinte: então, como eu estava dizendo antes, nós aproveitamos uma oportunidade. Tivemos êxito no aproveitamento, mais do que nós esperávamos. Se nós completarmos mais quatro fundos, nós passaremos de R$ 1 bilhão adicionais por ano, todo ano, né? Então isso aí está resolvido. Então, nós começamos um processo de planejamento no final do ano passado. Este ano vai combinar na Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, em setembro. Nós estamos preparando desta vez o Livro Verde da Ciência e Tecnologia, para ser lançado no conjunto de comemorações do quinquagésimo aniversário do CNPq que começa agora dia 17, tá? E aí nós vamos discutir isso abertamente: tendências. Ele estava perguntando como é que a gente vai saber no futuro, como é que vai ser. O futuro a gente não vai saber. A gente espera que haja outras conferências nacionais de Ciência e Tecnologia. Para se ter uma idéia do retardo do setor, essa é apenas a segunda conferência que se fez no Brasil. A primeira foi com o Renato Archer, o ministro Renato Archer, o primeiro ministro de Ciência e Tecnologia no Brasil, quinze anos atrás, e que foi uma conferência no contexto da democratização ou redemocratização do Brasil. Essa conferência agora já não, será no contexto da criação de um futuro específico de Ciência e Tecnologia. E isso nós estaremos fazendo até ao final do ano, com o lançamento de algumas diretrizes. Eu acho que diretrizes é até uma expressão muito forte, mas de algo que possa servir de uma orientação a médio e longo prazo, porque esse setor não se resolve ano a ano...

Carlos Henrique de Brito Cruz: [Interrompendo] Ministro, deixa insistir um pouco na pergunta que o doutor Nicolau fez agora há pouco, porque eu acho que tem uma parte que talvez valesse apenas discutirmos um pouco mais. Tem havido um esforço do MCT [Ministério de Ciência e Tecnologia] para incluir Ciência e Tecnologia, ou a questão do conhecimento, na agenda nacional. Esse esforço tem sido, em parte, bem sucedido, o assunto tem aparecido muito na mídia, o próprio presidente Fernando Henrique tem mencionado várias vezes. Entretanto, há uma outra parte de colocar Ciência e Tecnologia na agenda, que é a questão de convencer outros setores de governo de que Ciência e Tecnologia são coisas importantes do ponto de vista do desenvolvimento nacional, e não algo como simplesmente ter uma espécie de "museu de cientistas" onde as crianças podem ir lá e ver como que um cientista trabalha para não perderem a noção disso. Como é que o senhor avalia o sucesso, ou as possibilidades de sucesso, nesse aspecto, que é justamente aquele de tratar Ciência e Tecnologia não como algo isolado, mas algo que está inserido dentro de uma taxa de juros, de uma política de exportação, de uma taxa de câmbio, de política industrial e assim por diante? Isso...

Graça Caldas: [Interrompendo] Para complementar a pergunta, o senhor falou há pouco tempo que era necessário fazer um pacto nacional para criar essa agenda de Ciência e Tecnologia. O senhor acha que esse pacto está sendo construído? Está inserido na agenda econômica do governo?

Ronaldo Sardenberg: Acho que sim. [...] e torcer para a Ciência e Tecnologia.

[Sobreposição de vozes]

Paulo Markun: Vamos deixar o ministro responder. Se a gente não fizer...

Hernan Chaimovich: Eu acho que complementa a pergunta do professor Brito.

Paulo Markun: Só um minutinho.

Hernan Chaimovich: Lógico!

Paulo Markun: O ministro vai responder e depois o senhor complementa.

Ronaldo Sardenberg: Enfim, eu acho que esse trabalho, esse trabalho de convencimento junto aos ministros, é um trabalho que eu tenho feito. Quer dizer, é parte do meu contrato, né? Mas não é um contrato que possa se executado individualmente, solitariamente. Eu preciso, o Ministério da Ciência e Tecnologia precisa, o setor de pesquisa e desenvolvimento precisa que os cardeais do setor – vamos colocar assim, né? - se manifestem, estejam sempre falando, estejam usando os acessos que têm. Por exemplo, os reitores têm um enorme acesso às bancadas estaduais, os governadores têm um enorme acesso às bancadas estaduais, os pesquisadores de muitos estados têm acesso também aos meios de poder. E é preciso que haja realmente um empenho coletivo, né? Isso não é, de forma nenhuma, um contrato que possa ser executado individualmente. Eu acho que está ocorrendo.

Marco Antonio Raupp: Agora, ministro, uma questão específica aqui muito importante é a questão da renovação do pessoal técnico-científico que opera na pesquisa, pessoal tanto dos institutos de pesquisa do ministério, como também das universidades. Isso é um caso...

Ronaldo Sardenberg: [Interrompendo] É um grave problema.

Marco Antonio Raupp: Grave, grave. Tem-se durante décadas. A essa altura [...] pode se falar em décadas, e tem sido restringida aí essa ampliação dos quadros científicos das instituições que se dedicam efetivamente à produção de ciência. Se o senhor olhar aí esses nossos institutos, e mesmo universidades, tem mais, a pirâmide está invertida: a base está para cima e a ponta está para baixo. Isso está relacionado com esse problema de absorção de novos doutores e tudo isso. Neste momento desse grande desafio, que é realmente concretizar essas oportunidades que os novos modelos de financiamento. a nova política de Ciência e Tecnologia está criando, isso é uma questão crucial. O senhor tem alguma coisa... ?

Ronaldo Sardenberg: Nós estamos vivendo um momento de transição né, doutor Raupp? Quer dizer, hoje nosso Brasil está formando cinco mil doutores por ano. Seis anos atrás formava mil. Então está mudando. O sistema está mudando, quer dizer, e nós estamos criando... Nós... estão se criando novas pressões dentro do sistema. E uma delas é essa. É claro que há um esforço que foi iniciado relativamente recentemente, que é para com as bolsas para recém-doutores, é um caminho. Mas não resolve isso sozinho. O caminho fundamental é o caminho do investimento por parte das empresas. E nós ainda não falamos sobre esse ponto especificamente, nã é? Podemos falar talvez no próximo intervalo.

Paulo Markun: Sem dúvida! Vamos então para o nosso intervalo e a gente volta já, já.

[intervalo]

Paulo Markun: Nós estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg. Para você participar do programa, o telefone é o código de São Paulo (0XX11) 252-6525, (0XX11) 3874–3454, aqui em São Paulo também, é o número do nosso fax. E o endereço do programa na internet é rodaviva@tvcultura.com.br. Aldrin Cobert, de Belo Horizonte, pergunta o seguinte, ministro: "O presidente norte-americano George Bush já disse que não vai aceitar o Acordo de Quioto, ou a Convenção de Quioto, em torno do aquecimento do planeta e da redução dos gases que são produzidos.". O senhor divulgou uma nota... ele queria saber a opinião do senhor e eu acrescento o seguinte: o senhor divulgou uma nota em que exerceu competentemente o lado diplomata da questão. Eu queria entender mais claramente: qual é a posição do governo brasileiro em relação a essa coisa?

Ronaldo Sardenberg: O governo brasileiro é a favor do Protocolo de Quioto.

Paulo Markun: Não. Tudo bem, disso não há dúvidas [risos], mas eu digo o seguinte: qual é a posição em relação a quando o principal protagonista se recusa a assinar um documento...

Ronaldo Sardenberg: É preciso ter presente isso, quer dizer, nós somos a favor, genuinamente a favor do Protocolo de Quioto, porque nós consideramos que é o melhor instrumento que nós temos para regular essa questão. Esse que é o ponto central. Essa questão só pode ser negociada globalmente. Não pode ser negociada numa ação entre amigos ou entre aliados. Todos têm que ser ouvidos. O que é que vai acontecer agora? Eu acredito em negociação. Eu creio que nós vamos passar por uma etapa muito difícil, muito dura mesmo. Todos os dias há rumores. Por exemplo, o rumor hoje é que o governo americano iria propor que todos os países pagassem igualmente, ou equitativamente, que todos participassem. Na realidade, o aquecimento da atmosfera não é obra dos países em desenvolvimento. Não fomos nós que provocamos isso nos últimos 150 anos. Esses gases ficam em suspensão, é preciso dizer, de maneira que o aquecimento que nós temos hoje é fruto do passado. É natural que os países que mais se beneficiaram no passado paguem as correções que têm que ser feitas, se responsabilizem. É claro que nós temos "n" possibilidades de flexibilizar, de criar mecanismos de desenvolvimento limpo, como já se está fazendo. Mas o importante é que a gente tenha presente que nós vamos ter um período difícil pela frente.

Paulo Markun: E, nesse período, que papel um país como o Brasil pode desempenhar?

Ronaldo Sardenberg: Nós trabalhamos com todos os países do mundo. A nossa delegação é uma delegação negociadora. Eu comecei a trabalhar nesse processo em julho de 1999. Já então, nós tínhamos uma tradição de negociação nesse termo. Nós somos um dos peões desse processo de negociação, nós movimentamos o processo de negociação. Fizemos isso no passado e vamos continuar fazendo no futuro. Agora no dia vinte eu estou indo a Nova York para uma reunião de quarenta ministros das Nações Unidas sobre o tema do Protocolo de Quioto, para que nós possamos acertar o que nós podemos fazer.

Paulo Markun: Agora, a posição norte-americana, se eu não estou enganado, tem outro viés, que é a possibilidade de... vamos usar uma palavra, um formato grosseiro, de comprar áreas, digamos, preservadas nos países que ainda tenham florestas para "limpar a barra", digamos assim?

Ronaldo Sardenberg: Isso coloca problemas de soberania, né? Quem é que pode se comprometer a colocar uma grande parte do seu território em regime de monitoramento internacional? Porque isso leva necessariamente a um monitoramento, saber se o país está cumprindo. Isso é impossível no direito internacional contemporâneo.

Mônica Teixeira: Ministro, por que o senhor acha que tem pouca inovação tecnológica, tem pouca indústria de base tecnológica no Brasil? É por que os industriais brasileiros não têm interesse? Quem é que vai fazer a inovação?

Ronaldo Sardenberg: Eu acho que tantos os industriais precisam fazer mais... eu estava mencionando aqui, eu até citei o doutor Brito Cruz indiretamente... Parece... o que parece é que já estão fazendo, e é preciso que façam mais, porque hoje o mundo é competitivo e a maneira de competir é ter a boa tecnologia. Quer dizer, é levar, chegar ao mercado. Então, aquele regime anterior de economia fechada acabou. Quer dizer, antigamente as parcelas de mercado já eram definidas, ninguém precisava se preocupar em investir em tecnologias. Isso está mudando muito rapidamente. Hoje em dia, a competição estrangeira vem à nossa porta, não precisa exportar mais. Isso é uma coisa. Agora, o governo também tem que fazer mais. O governo tem que criar, e está criando, os instrumentos para permitir que essa boa idéia chegue ao mercado. Então, prospectar é um caso, é um inquérito de opinião, todo mundo... são dez mil pesquisadores que responderam, 270 mil respostas, né? Mas tem o projeto Inovar, que é a criação de fundos de capital de risco por parte da Finep, né? Veja como é interessante, eu tenho dito isso: nos Estados Unidos no mundo anglo-saxão, o capital de risco chama venture capital, quer dizer “capital de empreendimento”, coisa boa. No Brasil é capital de risco [risos]. Então, é isso. Mas hoje são protótipos, estão em forma prototípica. Tem quarenta empresas que estão participando depois de selecionadas. É preciso que haja muito mais. O programa Project de estímulo à exportação por empresa pequena e média é muito importante, acabou de ser lançado. O Brasil Empreendedor é um programa para pequenas e médias empresas, que agora, nessa terceira fase, vai ser anunciada no mês de julho, se dedicará a empresas de base tecnológica. Então, está havendo um surgimento, uma percepção de que é preciso criar os instrumentos, é preciso investir mais. Por isso eu sou otimista.

Roberto Jeha: Ministro, dentro desse assunto que a Mônica levantou, quer a gente goste ou quer a gente não goste, houve uma grande desnacionalização da indústria brasileira, especialmente em duas cadeias produtivas, que eu diria, a cadeia automotiva, no segmento de autopeças, e na cadeia eletroeletrônica, no segmento componentes. O senhor sabe, só na cadeia eletroeletrônica nós temos um déficit de balança comercial de sete bilhões [de reais]. Nós praticamente estamos montando os componentes. Eu pergunto: qual o espaço político que tem um Ministério de Ciência e Tecnologia para induzir essas empresas multinacionais a fazer os seus investimentos em pesquisas em tecnologia aqui no Brasil e não nas suas matrizes? 

Ronaldo Sardenberg: Nós vamos lançar um programa nacional na área de eletroeletrônicos, microeletrônica, especificamente. É um dos programas que nós vamos anunciar. O que nós estamos procurando fazer, no sentido de levar à indução, é lançar uma série de programas. Por exemplo, estamos lançando um programa sobre a Amazônia, que seja um programa de pesquisa para a Amazônia como um todo, que integre todos esses atores, um programa sobre o mar, um programa sobre software, um programa sobre microeletrônica, de maneira que o setor como um todo fique mais organizado. Agora, com relação às multinacionais, é preciso que haja não só uma atitude de governo no Ministério de Ciência e Tecnologia, mas uma participação mais ampla. De novo, eu volto. Quer dizer, essas empresas multinacionais, nas suas sedes, elas são excelentes cidadãos econômicos. E não há razão nenhuma para que elas não sejam aqui excelentes cidadãos econômicos. Como é que é isso? É ter interface com o governo, com a sociedade, com universidades, com centros de pesquisas, de maneira que não se fique com a impressão [de] que essas empresas apenas desejam ocupar o mercado. Eu acho que tem uma contribuição que já está acontecendo. Eu não sou pago para fazer comercial de empresas específicas - o meu comercial é do governo [risos] -, de maneira que não vou citar nenhuma. Mas há vários casos, inclusive aqui no estado de São Paulo, de empresas que estão caminhando nesse sentido. E nós esperamos que esse exemplo contagie outras.

Marco Antonio Raupp: Essas empresas estrangeiras vão ser usuárias também dos investimentos que estão disponíveis aí para o desenvolvimento de competitividade?

Ronaldo Sardenberg: Os fundos? Fundos é via universidade, né?

Marco Antonio Raupp: Via universidade?

Ronaldo Sardenberg: É. Centro de pesquisa e universidade.

Hernan Chaimovich: Ministro, deixa eu voltar para o assunto da globalização. A produção de ciências neste país de certa forma está globalizada na prática. Mas um terço dos trabalhos científicos produzidos pelo Brasil têm o endereço em um outro lugar do mundo, 30%. Agora, é interessante ver a distribuição dessa colaboração internacional. Com relação à França - e aí eu queria entender uma parte do seu discurso -, a colaboração do Brasil com a França em termos de trabalhos científicos publicados é quase o dobro da contribuição da França para o conhecimento universal. Com relação à França. Com relação à América Latina, que é nosso parceiro declarado e tal, a colaboração científica expressa dessa forma é muito pequena, é muito pequena. Aí eu pergunto o seguinte: o que tem de especial esse acordo assinado com a França no ano passado, em termos dessa colaboração? E segundo: como andam as iniciativas do governo e do ministério para aumentar a nossa colaboração científico-cultural com parceiros econômicos que estão crescendo? A economia, a troca, o Mercosul, América Latina está crescendo. A troca cultural não está crescendo. Então, eu vejo duas questões aí: bom com a França, o que vão fazer - e o que é isso bom? -... o que vão fazer com a América Latina?

Ronaldo Sardenberg: Olha, a França nos ofereceu uma oportunidade muito importante, muito rica. Nós assinamos esse memorando de entendimento na semana passada e vários temas de alta tecnologia foram incluídos. Quer dizer, não é só um reforço do que já vem sendo feito. Por exemplo, estamos criando um comitê brasileiro e francês para Amazônia, para fazer o recenseamento do que já foi feito. É uma coisa extraordinária, que ambos os governos têm dúvidas sobre o que já foi feito em termos de cooperação na Amazônia. Então, nós começamos por recenseamento e, em seguida, vamos desenhar um programa para pesquisas de franceses e brasileiros na Amazônia. Quer dizer, acaba um pouco essa indeterminação que hoje existe. Mas isso é apenas um aspecto. Há um aspecto de nanotecnologia, um aspecto de biotecnologia muito importante, especialmente para depois do seqüenciamento do genoma, o pós-seqüenciamento ou pós-genoma, como se diz popularmente. Todas aquelas etapas que levam ao aproveitamento científico e ao aproveitamento econômico do que foi feito. Esses dois programas na área de ciências sociais - né? - que eu acho que são muito interessantes, até pelo peso da França nesse campo. Há um programa interessantíssimo na área de matemática, que é o lançamento da rede franco-brasileira de matemática, não só para pesquisa, mas também para formação de matemáticos. E a perspectiva de estender essa rede à América do Sul e, adiante, à América Latina como um todo, de maneira que nós temos um ganho muito importante. Há o programa de tecnologia da informação e assim por diante. Quer dizer, aí a França, até agora, dos parceiros que nós temos, foi aquele que abriu o maior leque e o maior leque para as tecnologias contemporâneas, as tecnologias que vão mudar o mundo. Por isso que é importante. A sua segunda pergunta era sobre a América Latina e sobre a América do Sul, especialmente. Bom, em primeiro lugar, é preciso ter presente que há dois mil pesquisadores latino-americanos no Brasil, segundo o último diretório do CNPq, que é um dado bastante interessante. Eu imaginava que houvesse dois mil pesquisadores estrangeiros, perdão... dos quais seiscentos latino-americanos. Quer dizer, então, a internacionalização da ciência brasileira se faz não só com a presença de brasileiros no exterior, mas a vinda de um bom número de sul-americanos e latino-americanos ao nosso país. Em segundo lugar, nós estamos fazendo certos esforços. Nós assinamos um documento com os argentinos, por exemplo, no início do ano passado, mas houve essa crise argentina e a crise na própria ciência e tecnologia argentina, que fez com que demorasse o lado argentino a poder nos dar uma resposta. Eu pretendo, passado mais um mês, 45 dias, ir a Buenos Aires - já pretendia ter ido semana passada, mas há de se compreender que não era o melhor momento... Cabe a nós empurrarmos isso. Temos um acordo de princípio com o Chile, e eu sei que o presidente [Ricardo] Lagos [presidente do Chile de 2000 a 2006] está interessado no tema, inclusive chamou o nosso embaixador lá em Santiago, para conversarmos. Com o Peru, temos em andamento esse exercício da matemática, principalmente, que é... enfim, o Peru aparentemente será um nó para uma rede andina de matemática, de maneira que há coisas que estão sendo feitas. E a minha intenção é, por um lado, modernizar a cooperação tradicional, por outro lado, ativar essa cooperação regional nossa, e ainda, por um terceiro lado, buscar novos parceiros. Nós já estamos começando. Índia: veio aqui o ministro de Tecnologia e Informação. Nós estamos fazendo um arranjo de tecnologia e informação com a Índia, que no caso é um país líder. Austrália: esteve aqui o ministro de Ciência e Tecnologia da Austrália, parceiros desse tipo. Nós fomos à Coréia, assinamos um documento lá e devemos estar lançando um memorando de entendimento com a Coréia dentro de um mês, talvez; talvez menos até, de maneira que é uma abordagem que vai... ataca de diferentes maneiras o problema. Enfim, também há outros problemas. Por exemplo, nós precisamos e não temos ainda um instrumento para atrair companhias estrangeiras de alta base tecnológica, que tenham alta tecnologia, entende? Temos que dar uma facilidade que deixe que naturalmente uma parte dessa alta tecnologia se internalize no país.

Marco Antonio Raupp: E a cooperação com a China?

Ronaldo Sardenberg: A cooperação com a China é um caso de sucesso. Está chegando o presidente da China aí. Nós já estamos com o segundo satélite. O primeiro satélite já está voando. O segundo satélite sendo brasileiro está sendo integrado no Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais]. Nós estamos fechando já o terceiro e quarto, e agora estamos examinando a possibilidade de um quinto, de maneira que, por esse lado, está perfeito. Agora, o que nós queremos? Nós queremos é a cooperação também em tecnologia da informação, em biotecnologia, especialmente na área de saúde, agricultura, e em materiais novos. E paleontologia. Por que paleontologia? Porque está sendo destroçado o patrimônio brasileiro de fósseis, sendo vendido na feira a preço vil - não é? - e destruindo a capacidade que nós temos de estudar. Os chineses desenvolveram num país como o deles a capacidade de evitar que isso ocorra. Então, nós estamos propondo aos chineses que nós possamos nos beneficiar da experiência que eles têm nesse campo: controle desses fósseis.

Fábio Feldmann: Ministro, eu queria voltar um pouco aqui. O senhor tem uma ampla experiência, negociou a conferência no Rio [Rio 92], que houve uma enorme dificuldade. O senhor chefiou a delegação [brasileira] em Haia [Conferência de Haia (ou COP 6), realizada em 2000 com o objetivo de fixar as regras de aplicação do Protocolo de Quioto, para permitir sua entrada em vigor], foi embaixador na ONU [Organização das Nações Unidas]. Como o senhor verifica...? Qual é a sua avaliação sobre a ação em relação à posição do presidente Bush? Porque, quer dizer, de certa maneira, rompeu com o que havia sido feito, como dizendo assim: “não brinco mais!”. E houve uma reação da sociedade norte-americana. Eu queria saber uma opinião pessoal, como o senhor avalia... Até que ponto a posição do presidente Bush é sustentável na comunidade internacional e é sustentável diante da pressão internacional? A revista [norte-americana] Time desta semana tem como capa a global warming [aquecimento global, em inglês]; eu não trouxe, eu esqueci. Então, ministro, eu queria saber mais um pouco disso.

Ronaldo Sardenberg: Olha, a informação que eu tenho... quer dizer, claro que declaradamente a motivação do presidente norte-americano é o mercado interno e a questão interna dos Estados Unidos, não é o aspecto internacional, em primeiro lugar. Depois, em segundo lugar, é a idéia de distribuir o ônus para os demais países. Aí sim há um aspecto internacional. Bom, eu acho...

Fábio Feldmann: [Interrompendo] Que rasga a convenção de mudança climática, de certa maneira, e o próprio Protocolo de Quioto, quer dizer, volta atrás uma discussão que ocorreu com o pai dele dez anos atrás.

Ronaldo Sardenberg: Sem dúvida. O pai dele inclusive tinha dúvida se ia à reunião do Rio, se não ia. Acabou indo. Muito bem...

Paulo Markun: [Interrompendo] Quer dizer, o pai aprendeu, mas o filho ainda não?

Ronaldo Sardenberg: É. São suas palavras [risos], eu sou diplomata. Mas, olha, é o seguinte: pelo menos, a lenda - né? -, a lenda urbana aí desses dias é que a Casa Branca [sede do governo norte-americano] está recebendo uma mensagem por segundo de protesto. Evidente, se essa lenda é verdadeira, esse protesto terá uma conseqüência de política interna importante, e vai ser um dos fatores que vai facilitar, ou levar, ou induzir, estimular o governo norte-americano a evoluir em sua posição. Eu não creio que isso seja um processo assim que se resolva num curto prazo. Nós vamos passar algum tempo numa atmosfera muito tensa em relação a isso.

Fábio Feldmann: Quer dizer, essa próxima reunião da COP 6,5 [reconvocação da COP 6, realizada em Bonn, na Alemanha, em julho de 2000, sob incertezas quanto ao futuro do Protocolo de Quioto. Porém, a conferência superou as expectativas e ficou conhecida por seu sucesso em retomar as propostas do Protocolo], em Bonn, provavelmente não vai existir? Quer dizer...

Ronaldo Sardenberg: Vamos ver primeiro o que acontece em Nova York este mês, para saber depois o que vai acontecer em junho, né? Há umas vagas promessas no ar de uma nova iniciativa americana. Mas todos hão de entender a dificuldade disso, não é? Porque negociação é baseada em credibilidade. Acho que eu não preciso dizer mais do que isso.

Carlos Henrique de Brito Cruz: Ministro, fale um pouco para nós sobre os... Porque nós falamos aqui de várias dificuldades, problemas de Ciência e Tecnologia. Fale um pouco dos sucessos que o Brasil teve em Ciência e Tecnologia, porque tem algumas realizações que o Brasil fez; falou-se há pouco dos satélites, tem os aviões a jato da Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica], tem o assunto todo da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], aumentando a produtividade da agricultura, tem assuntos em telecomunicações... Quer dizer, são todos assuntos cujo valor, se for medido estritamente em termos de exportações, nós estamos falando de medida de bilhões de dólares por ano.

Ronaldo Sardenberg: É, enfim, você se esqueceu - talvez não seja politicamente correto lembrar hoje - de águas profundas, tecnologias de petróleo em águas profundas [em março de 2001, ocorreram duas explosões na plataforma de petróleo P-36, da estatal brasileira Petrobras. Segundo a petroleira, 175 pessoas estavam no local no momento do acidente, das quais 11 morreram. Depois das explosões, a plataforma tombou, sofreu alagamento e então afundou. A P-36 foi a maior plataforma de produção de petróleo no mundo antes de seu afundamento e custou 350 milhões de dólares]...

[Risos]

Carlos Henrique de Brito Cruz: [Interrompendo] Eu lembrei, mas fiquei na dúvida se...

Ronaldo Sardenberg: Mas, enfim, sem dúvida, há esse volume impressionante. E, a meu juízo, há uma coisa subterrânea também - não submarina, mas subterrânea - que não aparece e que está expressa, por exemplo, no Prêmio Finep de Tecnologia. O fato é que esse prêmio está ganhando força. Hoje são centenas de empresas que concorrem com soluções tecnológicas em todo o Brasil. O prêmio é nacional e é regionalizado. E eu creio que esse deve ser o "Oscar" no futuro da Ciência e Tecnologia. [risos] Hoje em dia é muito modesto, mas... em termos de cerimônia e de divulgação mesmo. Mas como está havendo uma enorme adesão a esse prêmio, esse é um dos aspectos que me faz supor que existe muito investimento em pesquisa e desenvolvimento que não chega a ser declarado como tal.

Roberto Jeha: Ministro, eu queria fazer uma pergunta para o senhor sobre medicamentos genéricos, inclusive esses medicamentos anti-aids. Além da vitória política do governo brasileiro nessa questão de enfrentar os Estados Unidos e de conseguir fabricar esses medicamentos no Brasil, eu pergunto para o senhor: do ponto de vista tecnológico, o que a gente deve esperar do Brasil, da tecnologia no Brasil na fabricação de remédios, de genéricos, enfim? Como a gente pode consolidar essa vitória política que nós temos hoje no mundo a nível interno, progredindo nessa questão de medicamentos genéricos?

Fábio Feldmann: E ela abre um precedente, ministro?

Ronaldo Sardenberg: Os medicamentos genéricos não são cobertos por patentes...

Fábio Feldmann: [Interrompendo] E abre um precedente importante?

Ronaldo Sardenberg: Abre um precedente. Com relação aos da aids sim. O que acontece é o seguinte: de 25% a 30% dos recursos do ministério estão na área da saúde. É um segredo de morte, mas, enfim, 25 a 30%, quer dizer, há umas mil e duzentas, mil e trezentas ações de saúde, de pesquisa em Ciência e Tecnologia que são financiadas pelo ministério. São esses segredos que há no ministério. O ministério, por exemplo, financia... 45% das bolsas de doutorado do ministério vão para o estado de São Paulo. Coisa desse tipo, né?

Fábio Feldmann: Já foram mais.

Ronaldo Sardenberg: Já foram mais no passado. São Paulo se queixa que está sendo abandonado [risos], mas, enfim... mas é só brincadeira. O fato é que essa ação é uma ação muito importante. É também preciso dizer que esse padrão brasileiro não discrepa do padrão dos países desenvolvidos. Nos países desenvolvidos também a área de saúde, sustentabilidade geral, tem preeminência, né? Isso que ocorreu com relação aos medicamentos da aids é uma coisa muito importante, e as conseqüências vão além do Brasil. Quer dizer, hoje em dia, a maior calamidade, a maior catástrofe que nós estamos vivendo é a penetração da aids na África, que é uma região próxima do Brasil, é uma região que, enfim, não preciso elaborar sobre isso. Todo mundo no Brasil sabe como a África é próxima do Brasil. E é necessário que haja um esforço internacional muito mais vigoroso, porque são milhões e milhões de vítimas. Nós, com o que nós fizemos - embora não fosse essa a nossa intenção -, na realidade, nós provamos que é possível fazer sim, tomar certas medidas que diminuem os custos do tratamento, e campanhas educacionais que diminuem a velocidade da propagação dessa epidemia, epidemia mundial e que é muito forte na África, de maneira que eu acho que o grande desafio que nós temos é traduzir de uma forma positiva, de uma forma criativa, esse êxito que nós tivemos para o plano internacional, tendo presente especialmente a questão da África.

Graça Caldas: Os indicadores sociais divulgados no início deste mês mostram alguns avanços na área de educação, na queda da mortalidade infantil etc. Entretanto, ainda apontam para uma péssima distribuição de renda, né? E a minha pergunta é: de que maneira Ciência e Tecnologia podem contribuir para melhorar a qualidade de vida do cidadão? Cidadão que paga impostos, o cidadão que espera da Ciência e Tecnologia muito mais do que uma discussão em torno de recursos. Eu queria saber a opinião do senhor: como o cidadão que está nos vendo pode... o que ele pode esperar de C&T [Ciência e Tecnologia]?

Ronaldo Sardenberg: Olha, realmente, nos indicadores sociais há progressos importantes, embora a questão da distribuição de renda realmente esteja atrasada. E essa é uma coisa terrível. E esse é um fato que tem uma raiz histórica profunda - eu não vou recensear aqui este fato -, mas tem uma tradição histórica no Brasil, um peso histórico muito grande. Nós temos que prosseguir com o esforço que foi feito. Em termos de Ciência e Tecnologia, o que estamos procurando fazer? Desconcentração dos investimentos, direção para questões sociais, para a inclusão social. Você veja: o principal programa do ministério em termos de recursos, hoje, é o programa da sociedade de informação. O programa de sociedade de informação, o aspecto de inclusão social e inclusão digital, no caso que é, enfim, o caminho do futuro para o mundo inteiro, é fundamental, é muito grande, não é? Quer dizer, eu mencionei aqui que esse ano, por exemplo, nós estamos com uma expectativa de aplicar trezentos milhões nesse campo, só a partir do fundo Fust [Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações], do fundo do Ministério das Comunicações. Mas há outros esforços, quer dizer, em quatro anos, nós pretendemos aplicar três bilhões e quatrocentos milhões nesse campo da sociedade de informação. Nós temos que prosseguir. Não é fácil. No Brasil, a tradição é que Ciência e Tecnologia não estivessem vinculadas nem às preocupações sociais e nem diretamente às preocupações econômicas. Porque assim impera no Brasil.

Fábio Feldmann: [Interrompendo] Mas às vezes está vinculado e não se percebe. Como o senhor falou aí, efeito subterrâneo...

Ronaldo Sardenberg: [Interrompendo] Pois é, mas não há condições de fazer essa vinculação explícita. Quando o CNPq foi fundado, eu estava na escola. O Brasil era um país essencialmente agrícola, tinha uns cinqüenta milhões de habitantes por aí, em 1950, 51. Eu não sabia qual era o produto bruto do Brasil, até porque esse dado não chegava à escola, né? E também porque... Talvez eu acho que não havia nem curso de economia no Brasil, naquela época. Se havia, havia um ou dois, né? Então, nós temos que ter presente isso. Num período de vida, nós saímos daquele tipo de sociedade... Porque hoje, muitas vezes, a gente pensa que era formidável, mas não era. Os indicadores sociais seguramente eram os piores naquela ocasião do que hoje, para um novo tipo, um novo estilo, um Brasil que está atrás, procurando, está buscando alcançar os países mais desenvolvidos. Pelo menos no campo da Ciência e Tecnologia há uma boa possibilidade nesse sentido, se nós formos persistentes em nossos esforços.

Mônica Teixeira: Ministro, eu vou fazer uma pergunta que se pede que a sua resposta seja rápida. O senhor é um homem de cenários. Na Secretaria de Assuntos Estratégicos, o senhor traçava cenários para o futuro do Brasil. Com essa política que os senhores estão implantando no Ministério da Ciência e Tecnologia, o que o senhor acha que é um cenário realista da Ciência e Tecnologia brasileira para daqui a dez ou quinze anos?

Ronaldo Sardenberg: Dez anos, digamos, quer dizer, o nosso horizonte no momento é de dez anos. É pouco, mas é o nosso horizonte. O nosso cálculo é que nós estejamos gastando mais ou menos 1,2% do produto em Ciência e Tecnologia, quer dizer, da ordem de R$ 12 bilhões. Os países desenvolvidos da OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico] gastam tipo 2,8, 2,6[%]. A média deles é por volta de 2,4[%]. Se nós tendencialmente pudermos chegar em dez anos a 2,4[%] com nossas despesas, já será um resultado extraordinário, o nosso gasto. Eu acho. Não é claro que a gente consiga, não, porque nada nesse jogo fica parado. É igual àquela expressão de Alice no país das maravilhas [obra clássica da literatura inglesa escrita por Lewis Carroll, pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson, e publicada em 1865]: "pode jogar à vontade, mas o jogo vai mudando de forma", né? E realmente nós temos que ser persistentes em olhar para frente e olhar para o futuro, mas estar preparados para fazer as correções de custos que serão necessárias. Eu acho que é esse o essencial.

Paulo Markun: Para finalizar, ministro, a última pergunta, porque o nosso tempo acabou. Michel Strugari, de Curitiba, Paraná, faz a pergunta, e eu acho que ela encerra bem o programa: "Como o senhor pretende despertar o interesse daqueles que vão estar pilotando o país, de alguma forma, quando esse cenário for desenhado, que são os adolescentes e as crianças, para a questão da Ciência e da Tecnologia?".

Ronaldo Sardenberg: Olha, eu sei da dificuldade. Eu tenho uma filha de doze anos. Eu tenho esse problema em casa. Sei que é difícil de despertar...

Paulo Markun: [Interrompendo] O senhor fala para ela estudar matemática, ela não quer, eu sei como é isso.

[Risos]

Ronaldo Sardenberg: Especialmente, Ciência e Tecnologia. Ciência, que é uma lista de palavras incompreensíveis para uma criança. Nós temos que fazer um esforço nacional muito grande, já estamos fazendo... Quer dizer, a academia está fazendo, e nós temos que prosseguir nesse esforço. Nós temos que ter uma penetração maior na imprensa, na mídia, de maneira geral, para atrair a atenção dos jovens para esse ponto.

Paulo Markun: Ministro Sardenberg, muito obrigado pela sua entrevista. Obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em casa. E o Roda Viva volta na próxima segunda-feira sempre às dez e meia da noite. Uma ótima semana e até lá.
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