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Memória Roda Viva

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Paulo Vanzolini

31/3/2003

Médico, zoólogo e um dos principais compositores brasileiros, Vanzolini relembra histórias de grandes sucessos, como a canção "Ronda"

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Paulo Markun: Boa noite. Ele é médico, zoólogo e pesquisador, para sorte da ciência. Para nossa sorte ele é um dos mais expressivos compositores e poetas da música popular, com uma obra musical intimamente ligada à noite e à boemia de São Paulo. Essa obra acaba de ser reunida numa caixa de quatro CDs, num total de 52 músicas, cantadas por diversos intérpretes. No centro do Roda Viva, esta noite, Paulo Vanzolini, o zoólogo que faz música e que deixou em seus versos um dos mais poéticos relatos sobre os personagens das incertas madrugadas paulistanas.

 

[Vídeo mostrando a obra de Vanzolini e citando o lançamento de caixa com quatro CDs]

 

Paulo Markun: Para entrevistar Paulo Vanzolini convidamos: Mauro Dias, repórter de cultura do jornal O Estado de S. Paulo; Eduardo Gudin, compositor, violonista, arranjador e parceiro de Vanzolini; J.C. Botezelli, o Pelão, produtor musical e pesquisador; Francisca do Vale, artista plástica e bióloga do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), responsável pelos desenhos da caixa de CD's de Vanzolini - a caixa chama-se Acerto de Contas -; Lázaro de Oliveira, jornalista do programa Metrópolis da TV Cultura; e Saad Hossne, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), de Botucatu, e presidente da Comissão Nacional de Ética e Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, órgão do Conselho Nacional de Saúde ligado ao Ministério da Saúde. Participa do programa também Ricardo Dias, cineasta. Boa noite, Vanzolini.

 

Paulo Vanzolini: Boa noite.

 

Paulo Markun: Como é que dá para misturar, dá para juntar, a zoologia e a música popular?

 

Paulo Vanzolini: Porque ninguém consegue fazer zoologia 24 horas por dia, nem música popular 24 horas por dia. Sempre uma deixa um tempinho para a outra.

 

Paulo Markun: Sei. Mas, nesse tempo todo, você, quando...Desculpe te chamar de você...É um erro técnico, aqui. Quando você se inscreve num hotel, escreve o que na profissão?

 

Paulo Vanzolini: Zoólogo.

 

Paulo Markun: Zoólogo. Então, quer dizer, é mais tempo zoólogo do que mais tempo músico?

 

Paulo Vanzolini: Como é que você acha que eu ganho a vida? Essa é a do zoólogo [risos].

 

Lázaro de Oliveira: Paulo, a gente conhece, quer dizer, a minha geração te conhece como homem da noite, um boêmio e tudo isso. E eu me lembro que a minha geração ficou muito marcada por ouvir as suas músicas, cantadas pelo Mauricy Moura [cantor santista, falecido em 1977. Entre suas interpretações mais conhecidas está "Meus tempos de criança"]. Que relação você tinha com esse cantor?

 

Paulo Vanzolini: Mauricy Moura era um enorme amigo meu. Mauricy Moura, quando eu comecei com música, eu era estudante, e nós tínhamos um show universitário. Chamava-se Caravana Artística, que era da faculdade, estava dentro da faculdade de direito, mas eu participava e o Mauricy participava também. Fiquei amigo de Mauricy. Mauricy era de Santos e eu ia visitar Mauricy em Santos e ele fazia propostas assim: “Vamos lá no cais arrumar uma briga?” Quando eu fui trabalhar na TV Record, o Mauricy estava lá e eu peguei Mauricy para trabalhar comigo, porque ele era um enorme cantor, uma pessoa maravilhosa e eu queria muito bem a ele.

 

Lázaro de Oliveira: Foi o primeiro negro, digamos, que teve um programa na TV, segundo o Pelão?

 

Paulo Vanzolini: Foi. Sábado era um dia morto na TV. Então, me deram para inventar alguma coisa. Eu resolvi fazer um programa anticonvencional. Você sabe que tudo que é anticonvencional é muito convencional, não é? [Risos] Então, o primeiro programa que eu fiz, foi com o Mauricy. Mauricy chamava Grifo. Aí, a história era assim: Mauricy era um preto pobre, que gostava de uma branca rica. O pai da branca a mandou para Paris, para esquecer do Mauricy; ela foi e esqueceu. E o programa foi um grande sucesso. No sábado seguinte, lembra que não tinha gravação, no sábado seguinte, o Moura telefona de São Vicente, que não podia vir, porque a mãe dele estava no hospital. A mãe dele era muito minha amiga, Georgina, era uma mulher fabulosa. Ela tinha um atelier de costura e ela tinha um pódio, assim, a máquina dela era acima das outras e ela ficava de violão; as borra-tintas todas costurando e Georgina tocando violão lá em cima. E eu fui para São Vicente para ver Georgina, não sabia em que hospital ela estava, e fui na casa dela perguntar. Estava ela, com um regador de 20 litros, regando as plantas e eu vi que ela não estava doente, não é? Perguntei: Georgina, cadê Mauricy?  “Ê, Paulinho, estão há dois dias sentados dentro da Mercearia, comendo lasca de bacalhau cru e bebendo cachaça. Ninguém tira eles de lá.” Eu entrei, para dar a maior bronca no Mauricy. Ele olhou para mim e falou assim: “Estava tão gostoso!” Acabou a bronca, nessa hora [risos].

 

Lázaro de Oliveira: E como é que era a boemia, no final dos anos 1950, começo dos anos 60?

 

Paulo Vanzolini: Era a coisa mais ingênua do mundo. Era ficar bebendo cerveja em bar barato com os amigos.

 

Lázaro de Oliveira: E aí, nasceu a vontade de criar, de compor?

 

Paulo Vanzolini: Não, aí foi porque no nosso show...Primeiro, eu ouvia muito rádio, adorava rádio e ouvia, era o maior fã de Noel Rosa [sambista, cantor, compositor, bandolinista e violonista, que viveu entre 1910 e 1937, no Rio de Janeiro, e é considerado um dos mais importantes artistas brasileiros. Sua carreira foi marcada pela união do samba do morro com o do asfalto. Ele possui mais de 300 composições, entre elas "Fita amarela" e "Com que roupa"]. Eu descobri Noel Rosa, ninguém me falou que ele era bom, descobri sozinho. Mas, aí, nós tínhamos um regional muito bom no nosso show, principalmente tinha um grande violão, que era o Manoel Pedro Pimentel [professor de direito, autor de várias obras acadêmicas], que depois foi professor titular de... [interrompido]

 

Lázaro de Oliveira: Foi secretário, inclusive.

 

Paulo Vanzolini: Foi secretário, era um grande violão. E, então, comecei, ele sabia o que era muito ruim, não é? Só que Paulinho Nogueira [violonista que se destacou como solista e acompanhante em shows], que é um grande amigo meu, tem um grande orgulho de conhecer a única pessoa que não sabe a diferença de tom maior e tom menor. Você lembra Eduardo, nós fomos dar um show uma vez juntos, Eduardo, Paulinho Nogueira e eu, coisa de jornalista, no fim, Paulinho Nogueira levantou e disse para os jornalistas: “Olha, muito bom, mas vocês bateram palmas para a única pessoa que não sabe a diferença de tom maior e tom menor.”

 

Paulo Markun: Agora, Vanzolini. Eu queria entender o seguinte: como é que uma pessoa que tem essa história de vida com a música popular brasileira, que tem esse fantástico repertório, que essa caixa de CDs, Acerto de Contas, registra tão bem, dê uma declaração dizendo que não vai compor mais?

 

Paulo Vanzolini: Não é uma declaração que eu não vou compor mais. Eu já não estou compondo faz um tempo, eu já perdi a vontade.

 

Paulo Markun: O que aconteceu?

 

Paulo Vanzolini: Não sei, eu... Você sabe que eu tenho 79 anos, não é? Isso, por um lado, pesa. Por outro, eu estou muito sozinho. Morreu Paraná [Luiz Carlos Paraná, cantor falecido em 1970], morreu o Arnaldo D'Horta [(1914-1973, artista plástico e crítico de arte], os meus amigos com quem eu gostava de discutir as minhas músicas todas e fiquei desmotivado.

 

Mauro Dias: E é isso que motiva a fazer o Acerto de Contas? É essa certa solidão, essa ausência das pessoas...

 

Paulo Vanzolini: Não, Acerto de Contas foi invenção da dona Ana Maria Bernardes, que é uma pessoa que conhece muita da música popular brasileira, porque é, simplesmente, filha de Artur Bernardes, que foi o fundador dos Demônios da Garoa [grupo musical formado em 1940 e que ainda continua em atividade], o homem que fez o som dos Demônios da Garoa. A Ana é muito minha amiga e ela disse: “Não, tem que fazer, tem que fazer”. Eu não sou de contrariar ninguém, entrei nessa.

 

Mauro Dias: Mas, parece também que você quis acertar algumas coisas nas linhas melódicas, na poesia.

 

Paulo Vanzolini: Não, não, acerto é outra coisa, é a dívida que eu tenho, porque um cara ruim de música como eu, ter tido o acompanhamento, ter tido as gravações que eu tive e os cantores...Eu tenho uma gratidão muito grande. Para mim, Acerto de Contas, nesse disco, se vocês ouvirem, prestem atenção nisso, são os músicos, os músicos são o fino da música de cordas e de sopro. O alto-astral com que eles fizeram esse disco, a dedicação, a amizade, foi... O Ricardo filmou a feitura do disco e ele é testemunha disso. O show de lançamento, lá no Sesc, eu nunca vi um palco tão alegre na minha vida, tão gostoso. E a qualidade, vocês vão ver, não tem melhor!

 

Lázaro de Oliveira: Paulinho, quantas músicas ficaram fora do seu repertório? Você disse que as músicas que você não gostava, ou que achava ruins, você não pôs. Quantas: 5, 10?

 

Paulo Vanzolini: Não, não. Eu não sei quantas. Olha, quero dizer o seguinte: algumas, eu esqueci. Das que eu esqueci, alguém lembrou de duas, mas não prestam. Então, eu faço questão de não...[risos] Mas, se ficaram 4 ou 5 de fora, ficou muito. É, praticamente, tudo. A Ana fez um trabalho terrível de detetive.

 

Lázaro de Oliveira: Foi atrás de música por música?

 

Paulo Vanzolini: Foi, e letra por letra, e esse pessoal... Eu dou uma certa liberdade para o cantor mudar um pouco a letra, e tal e coisa, mas esse pessoal, ela, o Ítalo Peron, que foi o diretor musical, eles são de uma exatidão, de uma exigência, que eu nunca mais me meto nessa, não!

 

J.C.Botezelli: Paulinho.

 

Paulo Vanzolini: Diga.

 

J.C.Botezelli: É um grande prazer, uma alegria estar com você. Eu sempre fui um menino atrevido, sempre tive amizade com pessoas fantásticas da cultura brasileira e da ciência brasileira...

 

Paulo Vanzolini: Se mete, né?

 

J.C.Botezelli: Sempre assim, sempre assim. Paulinho, eu senti, eu achei fantástico seu Acerto de Contas, não sabia que a capa tinha sido da Francisca, maravilhosa, uma coisa que me chamou muito a atenção. E eu vejo Paulinho andando ali, eu vejo Paulinho andando pela capa. Mas, cadê o... Sem falar, claro, da nossa Claudia Moreno [cantora que iniciou carreira na década de 50], que está em Campinas.

 

Paulo Vanzolini: Não, eu perdi a Claudia completamente de vista, tentei achar. Foi a única pessoa que eu faria questão que estivesse nesse disco e não esteve, foi a Claudinha, porque eu procurei e não achei.

 

J.C.Botezelli: Ela está em Campinas.

 

Paulo Vanzolini: Eu sei que ela casou com o Barreto, em Campinas. Telefonei para todos os Barretos, em Campinas, ouvi palavrão, que não é brincadeira [risos].

 

J.C.Botezelli: E o que me deu uma falta, me deu uma saudade, era a nossa "nega véia" e o Adauto Santos [cantor, compositor e violonista, faleceu em 1999], que, eu acho, que foi um dos seus maiores intérpretes.

 

Paulo Vanzolini: Adauto, não foi. Eu não gostava do Adauto, como intérprete, porque Adauto exagerava na emoção.

 

J.C.Botezelli: Ele exagerava e tinha mania de querer discutir com você a letra.

 

Paulo Vanzolini: Não, até isso muito bem, porque uma pessoa que eu gostava...Você sabe que eu sou muito ruim de música. Então, eu penso de um jeito e penso que estou cantando daquele jeito e não estou. Então, mostrava para o Adauto, para Luiz Carlos Paraná, fiz uma música assim e ele dizia: “Não, Paulinho, não foi assim que você fez”. Como que não foi? Foi assim, mas eu não estou cantando assim não. E Adauto me foi utilíssimo para tirar meus próprios sambas. Eu gostava muito dele. E Adauto é uma coisa que não dão valor nele, foi o maior violeiro de 10 cordas, porque Adalto é ali do [rio] Paranapanema, ele é de, se não me engano, Presidente Bernardes [cidade do interior do estado de São Paulo]. Cantava ele no circo com a irmã dele, a Sebastiana, Xaninha e Paulistinha. E ele, com 10, 15 anos de idade, tocava violão, tocava viola de 10 cordas no circo e era um violeiro espetacular, comparável com seu amigo Pereira.

 

Francisca do Vale: Pereira da Viola [violonista mineiro, com carreira ligada às manifestações culturais regionais].

 

J.C.Botezelli: É, eu acho que, hoje, nós temos uma turma de violeiros fantásticos e todos novos, como Roberto Correia e um monte deles. Mas, vem cá, Paulinho, eu senti falta do Portinho, também.

 

Paulo Vanzolini: Ah, meu Deus do céu.

 

J.C.Botezelli: Ah, Paulo, desculpa, eu estou muito emocionado e feliz de estar aqui.

 

Paulo Vanzolini: Eu não estou dizendo para você que eu estou ficando sozinho. Portinho foi o homem que fez os arranjos do meu primeiro disco. Portinho, quando eu conheci ele com o Cipó, eles eram saxofonistas de dancinha, de tec-tec, de dancinha de furar. Começaram a vida, depois acabaram se transformando em maestros, mas eles eram mesmo saxofonistas de dancinha. Portinho, quando eu dizia: Portinho, vamos ver se esse arranjo? Ele falava assim: “Eu sei do que você gosta,  8 trambolhos no meio da rua, está tudo bem, vamos deixar assim”. [Risos]

 

Paulo Markun: Como é que é o seu processo de, ou era, seu processo de criação? Você não toca nenhum instrumento, não é?

 

Paulo Vanzolini: É ficar pensando.

 

Paulo Markun: Mas, aí, a música vem, a melodia e a letra junta?

 

Paulo Vanzolini: Junto, junto. Um puxa o outro, o outro puxa o um.

 

Paulo Markun: E aí você gravava ou decorava?

 

Paulo Vanzolini: Não, não gravava nada. Aí, um dia, eu mostrava, quando achava que estava pronto, eu mostrava, ou para o Paraná ou para o Adautinho, e aí a gente punha no violão e acertava.

 

Paulo Markun: Mas você anotava a letra, fazia algum tipo... Tudo era memorizado?

 

Paulo Vanzolini: Não, não, tudo memorizado.

 

Mauro Dias: Há um longo processo...Conta a história do "Pedacinhos de Céu", que foram 25 anos para fazer uma música.

 

Paulo Vanzolini: Eu sou o maior "macaco" [fã] de Waldir Azevedo [músico e compositor. Autor do choro "Brasileirinho"]. Adoro choro e Waldir Azevedo é meu ídolo. Eu queria fazer uma letra para "Pedacinhos de Céu" e levei 25 anos para fazer. Mas não é por problema de letra, choro é muito difícil, viu? Porque o que manda no choro é a pinicada do bandolinista. Então, a sílaba e o acento têm que cair exatamente. Mas, não foi por isso que eu apanhei, apanhei porque eu não consegui aprender a melodia. A segunda parte...[risos]

 

Eduardo Gudin: Paulo, eu, como compositor, acho que você fala que as suas melodias são muito simples, essa coisa de que as pessoas têm que fazer...Eu não acho que é verdade, eu acho que você descobriu um jeito, uma organização melódica, que é uma marca tão própria, que causa inveja a qualquer compositor, que você, não sei como é que você, dentro da sua cabeça...

 

Paulo Vanzolini: Isso é, só pode ser destilação de rádio. Quando ouve vai ficando no seu subconsciente. Porque eu não tenho consciência musical.

 

Eduardo Gudin: Então, mas você tem um esquema tão próprio, que a gente sempre identifica e eu acho que, eu queria te perguntar, você gosta de Ataulfo Alves [músico e compositor, falecido em 1969. Um de seus maiores sucessos é "Ai que saudade da Amélia"]?

 

Paulo Vanzolini: Demais.

 

Eduardo Gudin: Porque eu consigo ver, assim, um parâmetro...

 

Paulo Vanzolini: Você lembra, você chegou a conhecer o Zelão [compositor de sambas]?

 

Eduardo Gudin: Conheci.

 

Paulo Vanzolini: Zelão chamava Zé Henrique. Era um crioulo.

 

Eduardo Gudin: Ah, era o Zelão do violão? Ah, não, é outro Zelão, confundi.

 

Paulo Vanzolini: Não, como é o nosso morro? Do morro do Piolho, no Cambuci. E ele pertencia, era um tipo fabuloso, ele pertencia a um grupo tipo Bando da Lua, pegaram um empresário fajuto que largou eles no Chile, sem dinheiro para voltar para casa e sem comida. Um dos outros sentou na calçada e falou: “Zé, eu vou morrer.” E morreu, sentado na calçada. O Zé aprendeu a tocar dois violões num só, fazer acompanhamento de dois violões num só, ele virava as costas, você escutava os dois violões. Aí, um amigo meu, chamado Cilhão Macelta, que é um...

 

Francisca Duval: Arquiteto.

 

Paulo Vanzolini: Um arquiteto que era um apaixonado por samba trazia... O Zelão chegou aqui, em São Paulo, e guiava o caminhão do cunhado dele na feira. Mas, então, quando ele saía, 10 horas da noite, para a feira, vinha para o clubinho, tocava, eu passava o chapéu, ele ia para a feira. Aí, tinha lá no clubinho duas paraguaias, que eram donas do "inferninho" [casa de prostituição] e deram um emprego para Zelão tocar no inferninho delas. Você lembra disso, não é? E, um dia, as paraguaias chegaram para Zelão e disseram assim, ele não chamava Zelão, chamava Zé Henrique : “Seu Zé, você é bom demais para tocar em inferninho, vamos fazer um negócio? Nós te emprestamos um dinheiro sem juros e você faz a sua própria casa”. E ele fez a casa dele, que era na Peixoto Gomide [rua da cidade de são Paulo], a turma pedia muito para ele cantar a música de Sérgio Ricardo. Então, botaram, a casa chamada Zelão e ele ficou chamado Zelão. Em frente, tinha um subinferninho, não chegava a ser aquele inferninho, mas não era muito inferninho também, que chamava-se Sambalanço. E, lá, cantava um rapaz recém chegado do Paraná, que, na folga dele, atravessava a rua e vinha no Zelão. Assim, eu fiquei amigo de Luiz Carlos Paraná. Então, Zelão e Luiz Carlos Paraná foram duas pessoas extremamente importantes na minha vida, nessa parte artística, porque eles me entendiam, eles gostavam de mim, eles tinham um grande orgulho de eu ser zoólogo e eles me davam muita mão nessa parte musical. Isso que você está falando é muito por influência deles.

 

J.C.Botezelli: Paulinho, foi para ele que você deu "Volta por cima", para ele gravar?

 

Paulo Vanzolini: Foi. Eu fiz uma palhaçada com ele, porque ele me disse assim: “Olha, Paulinho, eu briguei com a gravadora e não vou poder gravar. Mas o Alfredo Borba (Alfredo Borba era um advogado, aqui em São Paulo) arranjou uma boca para o Mário e dá para o Mário gravar?” Eu disse: dou! E ainda brinquei: seu Zé, já falei para você, samba é que nem osso, está na rua vai na boca de qualquer cachorro. Então, Mário gravou o Noite Ilustrada [cantor de sambas, falecido aos 75 anos, em 2005, ficou famoso interpretando "Volta por cima", de Vanzolini, em 1954] e foi o sucesso que foi, mas o samba era de Zelão, era de seu Zé e eu mal conhecia o Mário, foi ele que deu para o Noite Ilustrada. Aliás, eu nem assisti a gravação e eu fui para uma zona, quando eu voltei, uns dois meses, eu liguei na Bandeirantes [rádio], ao meio-dia tinha um programa chamado Parada de Sucesso. De repente, quem eu escuto: papararará, pararará, [cantando] o arranjo de Portinho. Eu falei: isso é meu.  Era "Volta por cima", em primeiro lugar, na parada de sucesso e eu não sabia que tinha sido gravado.

 

Mauro Dias: Qualquer pessoa que compre, qualquer conhecedor de sua obra, mesmo que conheça muito pouco, vai lembrar do Noite Ilustrada, cantando "Volta por cima"...

 

Paulo Vanzolini: É, ele é um grande...

 

Mauro Dias: E ele não está no... Ele é uma das pessoas... Pelão [apelido do produtor João Carlos Botezelli, que neste programa atua como entrevistador] tinha falado de algumas pessoas que não estão no disco. Ele não está, por quê?

 

Paulo Vanzolini: Circunstâncias da vida.

 

Mauro Dias: Circunstâncias da vida? Não quis, não aceitou o convite?

 

Paulo Vanzolini: Circunstâncias da vida [risos].

 

J.C.Botezelli: Paulinho, eu me lembro que eu tenho, graças a você, eu tenho o querido privilégio de ter duas folhas de diários seus. Você fala hora, fala o tempo, como dormiu, como amanheceu e o que você escutava no rádio. Paulinho, daria um livro fantástico.

 

Paulo Vanzolini: Muita coisa daria livro, o que não dá livro é autor [risos].

 

Ricardo Dias: Uma coisa que eu acho que seria interessante, até você comentar...

 

Paulo Vanzolini: Ah, você conhece, não é?

 

Ricardo Dias: Eu conheço, eu conheço bem esses diários. Quando eu estava fazendo a pesquisa para o filme que eu fiz com Vanzolini, eu fui lá e fiquei um tempo dando uma olhada nos...

 

Paulo Vanzolini: Não é fantástico?

 

Ricardo Dias: É, realmente. Eu acho que assim, uma coisa que é importante lembrar no CD...[interrompido]

 

Paulo Vanzolini: A vida do zoólogo é a melhor vida do mundo. Deus, quando me fez zoólogo, sabia o que estava fazendo.

 

Ricardo Dias: Que o texto de Antonio Cândido [professor de literatura e crítico literário] chama a atenção para isso, não é? O texto de introdução do livro, que é a qualidade literária do texto, da poesia, da música e do texto científico, que esse é o que eu conheci primeiro. Na verdade, eu conheço Vanzolini por esse lado há mais tempo e sempre isso me impressionou, assim, a precisão...

 

Paulo Vanzolini: Se você vai escrever, você tem que escrever direito. Não vai... Só porque eu sou zoólogo não vou fazer uma "pachuchada", não é? Tem que... Ainda mais eu, que escrevo, principalmente, em inglês, o meu sofrimento para escrever é terrível. Eu escrevo um texto 7, 8 vezes. A maior invenção que houve para mim foi o computador, você imagina a coitada da minha datilógrafa, que copiava 7 vezes a mesma coisa, com as correções. Agora, você vai no disquete e corrige. Foi a maior invenção do mundo.

 

J.C.Botezelli: Paulinho, vem cá, você fala muito da Ana, sua produtora, do Omerinho, o pessoal que produziu o disco, fantástico...

 

Paulo Vanzolini: É, Omerinho, também.

 

J.C.Botezelli: Chamaram todo mundo, o Omerinho que te conhece de longa data. Mas, eu acho que elas deixaram um cantor de fora, que é o principal da sua obra: o Edson Gama.

 

Paulo Vanzolini: Ah, a minha obra é boa demais para Edson Gama.

 

J.C.Botezelli: Mas, como?

 

Paulo Vanzolini: Edson Gama, se vocês não sabem, sou eu [risos]

 

Paulo Markun: Por que, Edson Gama?

 

Paulo Vanzolini: Porque...

 

Francisca do Vale: Pseudônimo...

 

Paulo Vanzolini: É uma história meio complicada. Quando eu fui sorteado para o exército, eu tinha sido um menino muito doente e minha família não queria que eu fosse. Eu disse para minha mãe: eu vou, porque eu vou. E ela disse: “Você ainda mora na casa dos seus pais”. Eu disse: morava. E fui morar com um primo meu, que era "espiga" da Rádio América, o Henrique Lobo, e morava no prédio Martinelli. Eu nunca iria confessar no prédio Martinelli que eu me chamava Vanzolini [risos]. Então, inventei esse pseudônimo de Edson Gama. Aliás, foi muito engraçado, porque no mesmo andar que nós morávamos, era o Clube de Oficiais da Força Pública, e um dia meu pai comprou um carro novo e foi experimentar, na estrada de Santos, quando o carro andava, veio uma motocicleta da polícia: nhaaaaaauuummm. E o tenente Camilo: “Seu Gama, o senhor não tem vergonha de ameaçar a vida do nosso Edson?” Depois que ele foi embora, meu pai olhava para mim...[risos]

 

Mauro Dias: Paulo, me conta uma coisa, ficou, para mim, deu um nó na minha cabeça aqui: você é médico. Como é que se vira zoólogo?

 

Paulo Vanzolini: Não, eu sempre quis ser zoólogo, mas o André Drefisi, diretor da faculdade de filosofia, que era muito amigo de meu pai, deu o seguinte conselho: “Se você quer fazer zoologia de vertebrados (eu queria fazer répteis) não vá para a faculdade de filosofia, vá para a faculdade de medicina, onde o curso básico é muito bom. As cadeiras [disciplinas] de clínica você rola como Deus quiser e, depois, você faz um doutorado fora do Brasil”. Foi o que eu fiz. E vou lhe dizer, eu fiz doutorado na Universidade de Harvard em tempo recorde, sabe por quê? Porque me dispensaram de metade dos créditos que eu precisava fazer lá, por ter feito a faculdade de medicina em São Paulo. Isso eu devo para a minha faculdade e não nego. Dispensaram metade. Harvard pedia 16 cursos e me deixaram por 8, porque eu tinha feito a faculdade de medicina.

 

Saad Hossne: Mas, Paulo, você sempre fala que é formado em medicina e faz zoologia.

 

Paulo Vanzolini: É.

 

Saad Hossne: Você, realmente, não exerceu a profissão.

 

Saad Hossne: Diretamente. Mas, nas suas viagens para a Amazônia, você sempre fazia, procurava os amigos que você tinha no Hospital das Clínicas e fazia toda uma montagem de equipamento, das coisas que seriam urgentes. E eu sei que você atendeu...[interrompido]

 

Paulo Vanzolini: Mas, meu Deus do céu, engenheiro tem que fazer isso. Quando você vai para o sertão, você tem que atender doentes.

 

Saad Hossne: Pois, é. Mas espera um pouqinho, deixa eu chegar aonde eu quero. No entanto, o que você fez na faculdade de medicina é um negócio que deu uma grande contribuição para a área médica; não só na pesquisa, como na formação do senso crítico de vários médicos, de várias gerações de médicos, quando você orientou uma série de trabalhos e você ministrou a disciplina de estatística.

 

Paulo Vanzolini: Nós orientamos mais de 200 trabalhos de pesquisa na faculdade de medicina. Nós temos um escritório de estatística e orientamos mais de 200 trabalhos. E, de fato, foi bem feito, não foi?

 

Saad Hossne: Foi, a propósito, você sempre fala. Eu vi em uma reportagem sua, que você diz que não tolera o mau caráter. Nesse sentido, eu me lembro, ou pelo menos se comenta, se comentava na sala do pronto-socorro, onde você freqüentava a noite, que você teria dito para um pesquisador que foi pedir um acerto na estatística para ele apresentar para o laboratório. Você disse para ele: “Você usa chapéu?” Então, antes que ele respondesse, você falou: “Não precisa responder, porque com chapéu ou sem o chapéu, ponha-se daqui para fora”. [Risos] Isso é verdade?

 

Paulo Vanzolini: É um pouquinho enfeitado, mas não está longe [risos]. A coisa que mais me marcou e eu vou contar porque William é testemunha, quando estava fazendo o exame de anatomia o professor disse o seguinte: “A gente sabe que nos últimos dias do ano os alunos fazem algazarra e peço que não façam, não só em homenagem ao seu velho professor, mas como respeito ao cadáver, ao material cadáver, esses pobres indigentes que resgataram sua dívida com a sociedade, servindo para formar médicos”. Eu peguei a minha prova e entreguei, em branco. Ele disse: “O que é isso?” Eu disse: "eu vou em algum lugar que indigente não tenha dívida com a sociedade" [risos]. Tirei zero e repeti o ano. Anos depois, esse professor me mandou um recado pelo William: “Pensando bem, você tinha razão, indigente não tem dívida com a sociedade”. Na faculdade de medicina tinha a missa do cadáver, quer dizer, o indigente resgatava sua dívida com a sociedade, vocês já pensaram? Esse tipo de coisa que a gente tem que ser contra, a gente tem que se manifestar, porque não é possível, não é?

 

J.C.Botezelli: Mas era uma grande escola? Era uma grande escola, naquela época?

 

Paulo Vanzolini: Eu tenho a maior gratidão por ela. Não era uma grande escola. No Brasil, não tem nada grande, mas era o que podia ser [risos].

 

Paulo Markun: Paulo, nós vamos fazer um rápido intervalo e a gente volta daqui a instantes. Até já.

 

[intervalo]

 

Paulo Markun: Estamos de volta com Roda Viva, esta noite entrevistando Paulo Vanzolini, zoólogo e compositor, que acaba de ter uma antologia de 52 músicas, reunidas numa caixa com quatro CDs. Paulo, eu queria falar um pouco de zoologia, porque senão a gente fica aqui, a noite inteira, ouvindo essas maravilhosas histórias da música brasileira. Mas o fato é que há todo um trabalho atrás do Museu de Zoologia, enfim, um esforço enorme que foi feito para essa pesquisa, e nas suas últimas entrevistas que eu tive oportunidade de ler, você disse que já não se faz mais zoólogos como antigamente.

 

Paulo Vanzolini: O grande problema... A ciência no Brasil está numa hora muito ruim, porque o dinheiro está na frente. Hoje em dia, só se pensa em dinheiro para pesquisa, só vale pesquisa que custa caro. Eu me lembro quando o... Você sabe que a Faculdade de Medicina em São Paulo foi grandemente feita pela Fundação Rockefeller e o homem da Rockefeller para o Brasil chamava-se Miller [Harry Miller], foi quem trouxe genética para a USP, era um cara maravilhoso. Quando eu me formei em Harvard, ele mandou me chamar em Nova York, e disse: “Olha, eu sou paulista honorário, eu acompanho todo brasileiro que vem aqui, você terminou seu doutoramento, como é que eu posso te ajudar na sua pesquisa?” E eu disse: Olha, eu quero fazer alguma coisa em que o fato de eu ser brasileiro me ajude, não me atrapalhe. Eu não quero fazer pesquisa que dependa do último aparelho, que dependa de dinheiro. Eu quero fazer pesquisa que dependa de eu ser brasileiro e conhecer meu chão. Ele achou isso uma coisa horrorosa, me mandou para a Argentina, para ver o que o italiano estava fazendo na Argentina. Mas, eu sempre fiz isso, eu, com uma garruchinha e um litro de formol criei 5 filhos e fiz a minha pesquisa, que modéstia à parte é boa. Quer dizer, a minha impostação, a minha escolha de rumo, foi uma escolha sensata. É verdade que eu tinha meu pai atrás de mim, meu pai era professor da USP , não era um pesquisador, era engenheiro prático, mas era um homem que tinha uma grande paixão por cultura e por pesquisa e me dava muito apoio. Eu sabia que iria onde quisesse, que não iria ficar no meio do caminho por falta de apoio. Mas, o que aconteceu de pior com a pesquisa brasileira, foi o que aconteceu com a pós-graduação. A pós-graduação, quando eu via, primeiro lugar, não se pensava em mestrado. Mestrado não exige nem originalidade, mas doutoramento, o que era doutoramento? O doutoramento era a criação de um novo pesquisador. A tese de doutoramento mostrava que o indivíduo tinha aprendido a circunscrever um programa, atacar esse programa com as ferramentas da profissão, tirar um bom resultado e expor esse bom resultado num trabalho de peso. Hoje em dia, você não arranja emprego em nenhuma faculdade, em nenhum lugar, se não tiver, pelo menos, mestrado. Então, a pós-graduação, agora, virou curso de aperfeiçoamento profissional, de qualificação profissional e tirou a coisa da pesquisa.  As teses que se têm feito, aqui no Brasil, são, na maior parte, uma vergonha, porque, veja você, você vai reprovar um menino, tirar o pão da boca dele? Quer dizer, como a gente sabe que a pós-graduação é para ganhar a vida, então, aprova-se todo mundo. Então, está uma porcaria.

 

Saad Hossne: Paulo, por falar em pesquisa, eu queria te provocar um pouquinho. Eu acho que todos nós conhecemos a sua formação como compositor, zoólogo, mas há um aspecto importante, por falar em pesquisa, que foi a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a nossa Fapesp. E hoje, passados mais de 40 anos, se reconhece que um dos fatores importantes para sobrevida e desenvolvimento da fundação é exatamente a lei e as disposições estatutárias que criaram a Fapesp. E você foi que fez o anteprojeto. Eu queria que você comentasse um pouco, contasse, hoje, como um depoimento, que eu acho que é importante. Como foi esta fase e como é que você vê o futuro da Fapesp?

 

Paulo Vanzolini: Olha, o negócio é o seguinte, na constituição do estado, na década de 40, havia uma disposição transitória que dizia: "o Estado reservará, não menos que um meio por cento da sua receita ordinária para estabelecer uma fundação de amparo à pesquisa". Receita ordinária porque a receita é de impostos. Quer dizer, se não tivesse dito receita ordinária, se o estado quisesse um empréstimo no estrangeiro, que é coisa que teria que pôr. Então, não menos que meio por cento. Agora, sendo disposição transitória, só podia, precisava de lei para botar em atividade e nenhum governador quis fazer isso. Quando o governador Carvalho Pinto [Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, governou São Paulo entre 1959 e 1963] fundou o grupo de pesquisa dele, de planejamento do governo dele, eu disse para ele: "por que o senhor não ativa esse dispositivo?" E o Plínio de Arruda Sampaio, que era o grande teórico do governo Carvalho Pinto, achou isso uma boa idéia e me mandaram fazer a lei. Eu não fiz a lei porque eu quis, eu fiz a lei porque eu fui mandado fazer. Então, eu fui para os Estados Unidos e peguei o [?] [cita o nome de alguém ligado a fundações nos EUA] que era da melhor fundação que eu conheci. E o [?...] me orientou e eu fiz a lei da Fapesp, que deu certo durante 40 anos e agora está começando a cambalear. A Fapesp está começando a ficar marqueteira, perdeu aquela pureza de propósito. Acho que 40 anos até que durou bastante.

 

Lázaro de Oliveira: Paulo, me diga uma coisa, nessas viagens que você fez pelo interior do Brasil, a gente tem idéia de que é uma viagem glamourosa, cheia de aventuras, não?

 

Paulo Vanzolini: Viagem cheia de aventura é incompetência.O pesquisador vai para pegar bicho e para ver a natureza. Ele vai, vê, pega, não passa fome, não se machuca e volta para casa com o dado na mão. 

 

Ricardo Dias: E o dia-a-dia é rotina, não é?

 

Paulo Vanzolini: E é rotina e é rotina e é rotina.

 

Lázaro de Oliveira: E aquele contato com os povos da região, isso...

 

Paulo Vanzolini: Isso é essencial. Por exemplo, eu tinha barco. Então, encostava numa vila, umas 6, 7 casas na beira do rio, os nossos banheiros eram de gente da região. Então, chegava o pessoal da terra e perguntava: “Como é que o homem é? O homem é legal”. Então, eles vinham bater papo, Então, eu dizia: estou comprando bicho. Uma cobra valia uma cerveja. Quer dizer, o preço de uma cerveja. Uma lagartixa, um pirulito. Então, a gente pagava certo, não discutia e a gente fazia, a gente acabava ficando dentro da comunidade, porque eles, sem nada o que fazer, iam ficar espiando o serviço da gente o dia inteiro e conversando, não é? Tem história muito engraçada.

 

Lázaro de Oliveira: E aí, essa relação, você aprendia música da região?

 

Paulo Vanzolini: Não, a Amazônia... O que eles chamam de música da Amazônia deve ser o carimbó do Ceará, que é um xaxado muito do ordinário. Amazônia não tem música.

 

Ricardo Dias: Você podia falar até, inclusive, nesse sentido, um pouco do papel do Galvão, assim, como era o trabalho seu com Eduardo Galvão [antropólogo responsável pela inclusão do ensino da antropologia na Universidade de Brasília]?

 

Paulo Vanzolini: Eduardo Galvão era um enorme antropólogo, o maior antropólogo que o Brasil já teve e era o pior viajante do mundo, o mais incompetente. Ele era muito meu amigo, ele tinha uma mala cabine, com duas latas de apresuntado no fundo e ele chamava esse equipamento de viagem. Então, eu viajava com ele, para gerenciar as viagens dele, aproveitava para coletar, é lógico, botava os índios coletando para mim; se bem que trabalhar com índio é uma coisa muito dolorosa, eu nunca mais quero isso na minha vida.

 

Paulo Markun: Por quê?

 

Paulo Vanzolini: Porque o destino do índio é fatal, é certa a corrupção, o desagregamento, não tem como salvar o índio. Então, a única experiência que deu certo foi a do Xingu, porque os Villas Boas disseram para os índios que é tanto garimpeiro, passa borduna, joga no rio, né? [irmãos Villas Boas, Cláudio, Leonardo e Orlando, sertanistas brasileiros, defensores dos índios e responsáveis pela criação do Parque Nacional do Xingu]. É único lugar que índio deu certo, mas, por quê? Porque é um jardim zoológico de índio. O índio não tem autonomia, índio não pode comprar cachaça, índio não pode sair na estrada, ele é tutelado no Parque do Xingu [norte do Mato Grosso]. É maravilhoso, mas é tutelado. Agora, Galvão morreu muito jovem, foi uma pena, porque nós iríamos fazer a ecologia dos índios do Xingu juntos, mas morreu muito jovem.

 

Francisca do Val: Eu participei de muitas expedições com o Vanzolini e acho que era o contrário do lado glamouroso. A gente brincava que tinha que sofrer na expedição. Várias vezes eu fui encarregada de comprar os mantimentos e até levei bronca, porque tinha que comprar o pior biscoito, a pior comida, para durar bastante, a gente brincava, não é? Era uma disciplina terrível.

 

Paulo Vanzolini: Nós sempre viajamos com verba do governo.

 

Saad Hossne: Paulo, nesse sentido, me satisfaça uma curiosidade, responda se quiser, evidentemente, que é uma pergunta meio indiscreta. Essas viagens na década de 50, 60, é como a Chica [Francisca do Val] estava dizendo, tinha todas essas dificuldades e você viajava com avião da FAB [Força Aérea Brasileira], ninguém sabia quando você voltava, você sempre deixava comigo um envelope fechado, lacrado, para ser aberto, se você não voltasse. Felizmente, eu nunca abri, porque você sempre voltou, graças a Deus. O que é que tinha nesse envelope?

 

Paulo Vanzolini: Distribuição dos meus quadros [risos].

 

Francisca do Val: Era testamento

 

Paulo Vanzolini: Eu sempre fui muito apaixonado por artes plásticas e fui muito amigo de diversos bons artistas plásticos: Marcelo Grassmann [1925, artista conhecido pelos desenhos e gravuras com traços peculiares, em tom pastel], Arnaldo D'Horta...Eu tinha muitas coisas boas e 5 filhos. Então, era uma grande preocupação minha dividir as coisas.

 

Francisca do Val: Eu tenho uma pergunta aqui, que meus colegas da USP fizeram. Diz que muita gente não sabe que o senhor é importante em zoologia, por causa do modelo dos refúgios na fauna amazônica. Então, a pergunta é: o que o senhor acha dos trabalhos que surgiram na década de 1990, alguns publicados no exterior, que contestam o modelo de refúgios?

 

Paulo Vanzolini: Acabo de publicar na Academia de Ciências a contestação de tudo isso. É uma...O principal é um canadense do Panamá, que é um grande mentiroso... [interrompido]

 

Paulo Markun: Desculpe, eu só queria que você explicasse o que é, em palavras de leigo.

 

Paulo Vanzolini: Negócio é o seguinte, você tem, vamos dizer, na Amazônia, uma grande biodiversidade, uma grande diversidade faunística. Como aconteceu isso? Então, teve um geólogo alemão, que diz que gosta muito de aves, que descobriu que o clima da Amazônia não é perfeitamente homogêneo, há zonas mais secas, e que se o clima secasse um pouco mais do que é hoje, essas zonas perderiam a mata. Então, se o clima secasse um pouco mais, essa grande mata amazônica ficaria reduzida a várias ilhas de mata. Quando você separa populações em ilhas, elas se diferenciam. Quando ela entra em contato de novo, já está diferenciado. Então, onde você tinha uma espécie, vai ser, agora, 4 ou 5. Isso ele publicou em 1969. E eu estava trabalhando na mesma coisa. Estava trabalhando com um amigo americano em lagartos a mesma coisa, nunca hei de me esquecer. Estávamos terminando nosso trabalho no museu, chegou um envelope da revista Science [revista científica americana], era o trabalho do alemão para eu fazer críticas. Eu disse: perdemos a prioridade. Mas foi o segundo trabalho, sempre valeu e ainda é o que vale.

 

Paulo Markun: E porque que essa crítica, na sua visão, não se sossegou?

 

Paulo Vanzolini: Porque o cara é muito mentiroso!

 

Francisca do Val: Mas eu acho que a discussão principal é em torno das datações. Tem gente que acha que...

 

Paulo Vanzolini: Não, não. Porque, agora, um dos jeitos de você ver climas antigos é o pólen. Você vê, o pólen vem no ar e cai na superfície da água num lago e afunda. Todo ano ele vai...Então, vai ficando aquela acumulação no fundo. Aquilo carboniza, fica uma turfa, se você tirar uma amostra, tirar um cilindro daquilo, você tem, com o carbono 14 , você data cada camada e pelo tipo de planta, pelo tipo de pólen, você vê que tipo de planta você tem. Se você encontrar pólen de gramínea, você sabe que não é da floresta amazônica; se você encontrar pólen de árvores, é da floresta. E hoje tem trabalhos de paleontólogo, principalmente de uma pesquisadora, Maria Lucia Absin e de uma francesinha, Marie Pierre Ledru, no momento, até acho que está aqui em São Paulo, que são...Não tem dúvida nenhuma, o clima passa por ciclos mais secos quando a mata diminui muito. Quando essa Ledru encontrou, em Uberlândia, pólen de mata amazônica, de mata de vargem amazônica. Quer dizer, houve tempo em que estava tudo embaixo de mata mesmo e houve tempo em que tudo estava embaixo de serrado.

 

Paulo Markun: O desmatamento já afetou a população, a fauna da Amazônia?

 

Paulo Vanzolini: Da Amazônia, ainda não. Ainda não. A Amazônia acho que não tem 10 por cento desmatada ainda.

 

Paulo Markun: E é realmente a maior biodiversidade do planeta?

 

Paulo Vanzolini: É, de terra firme, é.

 

Paulo Markun: Você tem 2...Há duas espécies de lagarto que tem, levam o seu nome, não é?

 

Paulo Vanzolini: Ah, tem mais. Isso é a coisa mais normal do mundo. Você pega uma espécie nova e dá para o colega descrever e bota o seu nome.Tem um sapo que se chama Vanzolini. Eu tenho um azar, eu pego sapo, gambá, bicho nojento, parasita intestinal [risos].

 

Paulo Markun: E você fez com o Ricardo Dias um documentário sobre o rio Amazonas, não é isso?

 

Paulo Vanzolini: Fizemos 2.

 

Paulo Markun: 2?

 

Paulo Vanzolini: É. Conta você, Ricardo.

 

Ricardo Dias: Um custo.. é em Roraima, que eu estou tentando voltar, 10 anos depois, a idéia é voltar para o Boiaçu, que é um lugarejo...

  

Paulo Vanzolini: Essa é uma expedição que o Ricardo fez no dia-a-dia da expedição, nosso relacionamento com o pessoal, a coleta...

 

Ricardo Dias: E agora são 10 anos e estou até com um projeto de retornar ao Boiaçu. E o outro, subi no rio Amazonas, que eu queria conhecer e eu levei um mestre de cerimônias muito especial. Mas eu acho que seria interessante, assim, acho que deu para perceber aqui, por essa última conversa dele, um lado do Vanzolini, da paixão pela ciência, que é, como ele gosta de falar, da cachaça da ciência. Esse mergulho que o cientista faz num campo, numa área, que vai se aprofundando e vai se transformando em poesia, não é? Acho que isso é uma das coisas que mais me agrada no trabalho dele, que ele transforma a ciência em poesia.

 

Paulo Vanzolini: Poesia coisa nenhuma, rapaz [risos]

 

Francisca do Val:.A expedição do Boiaçu era ainda com ..., era ainda expedição permanente da Amazônia, ou já é posterior?

 

Eduardo Dias: Não, isso era um barquinho de...

 

Paulo Vanzolini: Não, era com o rei do rio, um barco de Caracaraí.

 

Francisca do Val: É, eu não fui, eu só vi o filme.

 

Paulo Vanzolini: Agora, O rio das amazonas, que foi...É longa ou média metragem?

 

Eduardo Dias: É longa.

 

Paulo Vanzolini: É, esse, eu acho muito bonito, porque o Amazonas é muito mitificado, as grandes, a grande... E esse é o rio do caboclo da beira do rio. Vocês não esqueçam que o caboclo da Amazônia, que é o caboclo mais mateiro que existe no mundo, é neto de cearense, que nunca viu árvore na vida. A adaptabilidade do nordestino... Quem abriu o Amazonas, foram os nordestinos, principalmente o cearense, e a adaptabilidade dele é uma coisa fantástica. E você tem aquelas virtudes nordestinas, todas no barranqueiro do Amazonas. A cidade de Carvoeiro mudou, porque tiraram a escola, você já viu coisa mais bonita do que essa? Nesse filme que o Ricardo fez, ele interrogou um piloto, um prático nosso, sobre como se educar os filhos, tinha gente chorando no cinema, você lembra, Ricardo? Como é que ele chamava?

 

Ricardo Dias: Raimundo.

 

Paulo Vanzolini: Raimundo. Falando sobre educar o filho, como é que se educa um filho naquele sertão perdido e tinha gente comovida no cinema. O Brasil é... O Brasil é fogo, viu?

 

Paulo Markun: Qual é a sua visão sobre o rio Amazonas, sobre essa polêmica que volta e meia aparece, de internacionalização da Amazônia?

 

Paulo Vanzolini: Internacionalização da Amazônia, graças a Deus, já não se fala mais nisso, mas o problema da Amazônia não é a internacionalização. O problema é o seguinte: existe desenvolvimento sustentável? Não existe. O único jeito da Amazônia é trancar a porta e perder a chave. Não vender machado, nem fósforo. Você pode fazer isso? Vamos por a coisa num nível mais rampeiro. Você diz, por exemplo, conservar a natureza, está certo? Então, o caboclo vê um veado passar na frente dele e fala para o filho: você vai passar fome hoje, porque nós vamos conservar a natureza.

 

Mauro Dias: Quer dizer, todas as políticas de desenvolvimento sustentável...

 

Paulo Vanzolini: Ou então, ele matou o veado e não vai vender o couro? Vai perder 5 mil réis? Quer dizer, nós somos um povo pobre, nós temos esse bruta patrimônio na Amazônia, só que somos um povo pobre. Então, o que fazer, é um problema mesmo. E eu não vejo ciência no Brasil para isso. Não tem ecologia no Brasil, para dizer a verdade.

 

Mauro Dias: Mas você tem alguma opinião sobre como tratar essa questão, como usar isso para não passar fome, por exemplo?

 

Paulo Vanzolini: Não. Eu só vejo que você não leva ele para lá, mas ele está lá, agora, o que é que você vai fazer?

 

Francisca do Val: O senhor vê chance de melhorar?

 

Mauro Dias: Não há política, o senhor não vê políticas, não vê...

 

Paulo Vanzolini: Eu não vejo porque não tem a base para pensar alguma coisa positiva, você não tem base, como inventar nada. Não é só informação. É por falta de síntese, por falta de cabeça. A pesquisa não é só informação. Pesquisa é síntese, quer dizer, você tem que criar e nós não temos criadores.

 

Paulo Markun: Mas, o Inpa não faz um bom trabalho, o Instituto de Pesquisa da Amazônia?

 

Paulo Vanzolini: Não, o Inpa faz um trabalho medíocre que pode fazer manualmente. Não tem coisa, projeção nenhuma...É sério, faz o negócio dele direitinho, mas não tem significado para a Amazônia, não tem nenhum.

 

Lázaro de Oliveira: E você acha que a gente vai ter uma geração capaz de dar conta disso, ou a gente fica ...

 

Paulo Vanzolini: Pelos atuais estudantes de pós-graduação eu acho que não, porque a pós-graduação está muito ruim.

 

Paulo Markun: Mudando de assunto, Vanzolini, como é a sua visão da bioética, do uso de, por exemplo, da pesquisa de células-tronco, da clonagem. Quer dizer, essa polêmica que ocupa quilômetros de espaço na imprensa?

 

Paulo Vanzolini: Olha, para mim, a ética vem em primeiro lugar, depois vem o resto.Você tem, em primeiro lugar, que ser honrado e honesto. Eu tinha um amigo, Darci Albuquerque, que morreu, que dizia assim: “Paulo, você já reparou que certas palavras perderam a moda. Você não ouve falar em honra, parece que é vergonha você ser honrado”. Eu, para mim, a parte ética, a parte de honra pessoal e institucional, vêm em primeiro lugar. O resto é tudo substituído. A única coisa que não é substituída é o caráter, o resto... A pesquisa, se eu não fizer, outro faz. O caráter, se eu não tiver, ninguém vai ter no meu lugar.

 

Francisca do Val: Em relação a conservação, eu dou um curso de conservação ambiental lá no museu, especialmente para ouvir o Vanzolini, porque que ele teve uma assessoria ambiental e o senhor é super pessimista, assim, mas o senhor não vê uma chance de melhora na legislação que ...Porque eu acho, hoje em dia, a legislação melhorando, mas um desacerto entre a cultura. Quer dizer, eu vejo a minha família...., vamos cortar e pagar multa, que é mais fácil do que obedecer a legislação.

 

Paulo Vanzolini: Você respondeu...

 

Francisca do Val: Mas, não, mas, eu... O senhor não vê futuro nisso? Eu queria que a legislação melhorasse ou a minha família, não sei...

 

Paulo Vanzolini: O dia que o Brasil for um país culto, ninguém passa fome, ninguém queima o mato. Mas até ser culto eu não sei como é que nós vamos fazer.

 

Francisca do Val: Educação.

 

Paulo Vanzolini: Já começamos com esse azar de ser colônia de Portugal.

 

Paulo Markun: Esse negócio da queimada é uma coisa impressionante, porque desde, no mínimo, desde Monteiro Lobato [escritor, famoso principalmente por suas obras infantis, mas atuante também como crítico das políticas nacionais. Viveu entre 1882 e 1948] que isso vem sendo combatido, do ponto de vista racional, e não acontece nada.

 

Mauro Dias: Dom Pedro II já alertava para isso.

 

Francisca do Val: Os índios também não queimavam, fazendo...

 

Paulo Vanzolini: O índio queima, mas ele queima meio hectare.

 

Francisca do Val: E muda, também, de lugar.

 

Paulo Vanzolini: E muda, mas a queimada do índio é benéfica. Ela abre uma clareira, que é uma coisa importante na mata, a clareira. A mata contínua não é tão boa como a mata com certas clareiras, onde entra sol e crescem outras coisas. Então, a agricultura do índio é favorável.

 

Paulo Markun: Até porque a quantidade de índio é pequena.

 

Paulo Vanzolini: Pois é, é lógico.

 

Paulo Markun: E não tem propriedade privada.

 

Paulo Vanzolini: Pois é, o que eu digo é isso, com o aumento de densidade da população, o que lei adianta? Você vai dizer para o cara: não coma. O cara vai para a Amazônia, você vai dizer para o cara, não coma, não dê de comer para os seus filhos?

 

Francisca do Val: Mas o controle de natalidade seria um bom começo, não é? Controle de natalidade ou educação para controlar a natalidade, no Brasil, seria um bom começo.

 

Paulo Vanzolini: Aí, já vamos salvar o mundo.

 

Francisca do Val: E também tem queimadas naturais. Serrado tem muita queimada natural.

 

Paulo Vanzolini: É, mas essa não prejudica, não.

 

Francisca do Val: Não, pois é, mas faz parte do ciclo.

 

Paulo Vanzolini: Só queima palha. Como a grande armação da mídia, o incêndio de Roraima: um ano choveu muito, deu muito capim, no ano seguinte não choveu nada, deu muita palha. Quando eles botaram fogo para renovar o pasto, deu uma labareda, que eu não sei, inventaram que Roraima estava pegando fogo.

 

Francisca do Val: O chefe foi chamado, lá.

 

Paulo Vanzolini: O estrago não chegou a 6%, mas fizeram um carnaval, a mídia armou um carnaval.

 

Saad Hossne: Você esteve lá nessa ocasião.

 

Paulo Vanzolini: Fui, o Ibama me pediu, exatamente.  Eu fui ameaçado de morte, porque eu falei que o estrago era, no máximo, 5%. A Nações Unidas achou que era 3, ainda fui mais pessimista que a Nações Unidas. Não, mas tinha jornalista esperto lá. Quer ver, o cara pegou, encheu de palha um arbusto, botou fogo, deitou de costas e fotografou o "Inferno de Dante". Outro veio conversando com o presidente do Ibama. E porque não sei o quê  e tal...Quando chegou numa árvore queimada, ele parou o fotógrafo e fotografou o presidente do Ibama inspecionando o desastre. Foi uma armação espetacular.

 

Ricardo Dias: Você podia falar um pouco sobre as ONG's e qual o papel das ONG's, hoje em dia, nisso tudo.

 

Paulo Vanzolini: Aí já complica... Mas, quem gostou do incêndio de Roraima foram os bombeiros da Argentina. Veio uma companhia de bombeiros argentinos, média de altura 1,80, loiros e bonitos, mas foi um arraso. O argentino dizia para mim: “Doutor Vanssolini, brasilenã, maravilhosa, doutor Vanssolini”. [risos]

 

Lázaro de Oliveira: Paulo, quando você entrava na mata, você tinha medo do quê, você estava comentando isso no intervalo.

 

Paulo Vanzolini: Eu não tenho, porque ter medo da mata...

 

Lázaro de Oliveira: Não, não, quando você entrava, o que você tinha medo que pudesse acontecer: dor de dente, fazer parto...

 

Francisca do Val: Dor de dente.

 

Paulo Vanzolini: Não, na mata, quer dizer, você sair de viagem, você chegar num lugarzinho desses, a primeira coisa, me lembra os índios do Xingu. Os índios do Xingu uma vez fizeram uma revolução e foram falar com Orlando Villas Boas, que quando dentista ia lá, tratava de dente de branco e de índio só arrancava. Se você tem uma dor de dente num lugar desses a única coisa é arrancar.

 

Lázaro de Oliveira: E se chamasse para fazer parto, afinal de contas, você é formado em medicina.

 

Paulo Vanzolini: Pois é, ser formado em medicina é uma coisa e ser médico é outra [risos].

 

Francisca do Val: E o senhor quebrou a perna, uma vez...

 

Paulo Vanzolini: Muita coisa eu era capaz de atender na base do bom senso, mas...

 

Ricardo Dias: Não, inclusive nos diários tem um relato...

 

Paulo Vanzolini: E depois, você não tem, no sertão você não tem doença aguda, não é? Você tem anemia, você tem uma série de coisas, essas infecções ginecológicas longas, você não tem nada que você possa...É raro você ter alguma coisa que você possa tratar. No geral, você não pode nem diagnosticar.

 

Saad Hossne: O problema dos índios, que você comentou uma vez, era hérnia, não é?

 

Paulo Vanzolini: Hein?

 

Saad Hossne: Hérnia. Nos índios. Por causa do problema do exercício, não é? Você comentou, uma vez, que isso era um problema que eles tinham. Área umbilical, não é?

 

Paulo Vanzolini: É.

 

Eduardo Gudin: Paulo, assim, você fala das novas gerações, a questão do progresso, da ciência... E a questão dessa cota, essa reserva de cota para negros e pardos nos vestibulares, o que você acha disso?

 

Paulo Vanzolini: Eu acho que não devia precisar, não é? O que precisava era dar dinheiro para o preto desde pequeno.

 

Eduardo Gudin: Mas, você é a favor desse sistema?

 

Paulo Vanzolini: Eu sou a favor de que eles recebam todas as chances que os outros recebem. A cota é uma muleta. Não é só negro. Quem é que entra na USP aqui em São Paulo? É só filho de rico, que fez bom ginásio. Então, o problema de desigualdade social, no Brasil, não tem preto, nem branco, é desigualdade social grosso modo.

 

Paulo Markun: Nos últimos anos, na sua visão, Paulo, alguma coisa melhorou?

 

Paulo Vanzolini: Melhorou. O pessoal está ficando mais culto. Eu acho que a grande mudança que houve no Brasil foi a televisão, porque com todas as burrices que você aprende, que você assiste, ainda para o povão em geral é um aporte, é uma contribuição.  Eu, de vez em quando, com o dever do ofício, vejo esses programas de perguntas e vejo o completo analfabetismo desses meninos que vão no canal 9  e tal. Aí, quando eu penso, pelo menos sabe que existe isso agora, que não sabiam, né?

 

Paulo Markun: Paulo, nós vamos fazer mais um rápido intervalo, e a gente volta já, já!

 

[intervalo]

 

Paulo Markun: Bem, nós voltamos com Roda Viva, hoje entrevistando o zoólogo e compositor Paulo Vanzolini, pesquisador do Museu de Zoologia da USP. Uma outra paixão sua foi, ou é, a boemia, eu queria saber justamente isso, se é, ou foi?

 

Paulo Vanzolini: Foi. Boemia é coisa para jovem.

 

Paulo Markun: É? Há muito tempo você deixou a noite?

 

Paulo Vanzolini: Ah, faz. Eu estou com 79 anos, rapaz.

 

Paulo Markun: Sim, mas e aí...

 

Paulo Vanzolini: Não tenho mais aquela saúde. Não é pessoal, como diz você, eu fiquei muito sozinho.

 

Paulo Markun: Agora, a noite de São Paulo piorou muito.

 

Paulo Vanzolini: Eu creio que não.

 

Paulo Vanzolini: As poucas vezes que eu saio, sempre vou muito ao centro

 

Paulo Markun: É?

 

Paulo Vanzolini: O que tem de músico bom dando sopa por aí, é uma coisa de louco.

 

Mauro Dias: Inclusive, você trouxe alguns para o seu disco.Você trouxe alguns para o seu disco, que se não são novos, pelo menos não são tão conhecidos, vamos dizer assim.

 

Paulo Vanzolini: São, na roda artística, não só são conhecidos, como são o topo.

 

Mauro Dias: Mas não são conhecidos... Bom, porque o conceito de novo acaba mudando na medida em que você não consegue tocar em rádio, nem aparecer em televisão.

 

Paulo Vanzolini: Não, não é isso, eles são acompanhadores, não são solistas, não é? Mas, veja, por exemplo, quando eu convidei Paulinho Nogueira para cantar. A primeira vez que Paulinho Nogueira canta, ele falou assim: “Faço uma exigência”. Eu falei: "qual é?" “Quero o Isaias”. Eu falei: "já está". Quando ele quis o Isaias, o Isaias já estava. E no show de lançamento, quando o Paulinho foi cantar, ele olhou para trás e falou: “Pronto, Isaias?” Isaias falou: “Pronto”. E os dois entraram juntos e eu quase chorei.

 

Francisca do Val: Bom, a outra paixão, eu acho que é o Museu de Zoologia, não é? Eu tenho uma pergunta meio engraçada que uma colega da USP fez. Eu acho que conheço uma história diferente, mas ela falou, me pediu para perguntar, como é que o senhor chegou a ser diretor do museu.O senhor teria dito que parece que o senhor chegou a ser diretor, porque ninguém queria ser diretor.

 

Paulo Vanzolini: Não. Porque eu era o único.

 

Francisca do Val: Único, o quê?

 

Paulo Vanzolini: Não tinha mais ninguém. Era o Lindolfo Guimarães e eu. Foi o Lindolfo, depois o Lindolfo se aposentou, tinha que ser eu. Chegou a minha vez.

 

Francisca do Val: Ah, bom, não é porque ninguém queria.

 

Paulo Vanzolini: Não.

 

Francisca do Val: Porque não tinha ninguém formado.

 

Paulo Vanzolini: Não, não tinha, e eu era, naquele tempo era uma posição de muito pouco prestígio. Era um departamento da Secretaria da Agricultura e dentro da Secretaria da Agricultura tinha... Quem é que trouxe o museu para a universidade fui eu, esperando ter uma grande oposição. Foi a coisa mais fácil.

 

Ricardo Dias: Acho que seria interessante você comentar...Eu fui testemunha da... Porque ele dirigiu o museu e fazia o trabalho científico normalmente, né? Você vê em outras escolas...

 

Paulo Vanzolini: Todo museu é assim.

 

Ricardo Dias: Mas, aqui no Brasil, não. Você vê chefes de departamento que só cuidam da parte administrativa.

 

Paulo Vanzolini: Estou falando de museu.

 

Ricardo Dias: Ele trabalhava meia hora por dia na administração e só, não precisa mais do que isso.

 

Paulo Vanzolini: Bom, mas tinha um...Eu tocava aquele museu com 9 funcionários, 9 funcionários tomam muito pouco tempo. O funcionalismo do museu é excelente, viu? É um pessoal que faz muita questão do emprego, porque moram todos perto de casa, moravam todos perto do emprego, era tudo gente do Ipiranga [bairro de São Paulo]. Então, dá para ter filho, dá para dar de comer ao marido. O funcionalismo do museu é excepcionalmente bom, não dá trabalho nenhum.

 

Saad Hossne: Paulo, nessa fase que você foi diretor do museu, tem uma história de você cumprimentar o censor, o homem da censura, todo dia, como é que é essa história?

 

Paulo Vanzolini: Isso foi no tempo dos militares foi um cansaço, porque eu saía, o guarda noturno vinha, botava o jornal em cima da minha mesa e virava a cesta de lixo e examinava. A correspondência vinha aberta, o telefone grampeado... Até um dia, lembra aquele oficial de marinha? [pergunta para Francisca do Val] Inclusive um oficial de marinha escalado para ficar em cima de nós. E ele falou assim para mim: “Olha, você e o Kerr [Warwick E. Kerr, um dos maiores especialistas mundiais em genética de abelhas, foi diretor do Inpa, na Amazônia] não vão ser presos nem torturados porque não vale o escândalo, vocês vão perder o emprego”.  E um dia o general Golbery [Golbery do Couto e Silva] me chamou em Brasília e disse assim: “É, nós estamos acompanhando o seu trabalho no Amazonas, vai muito bem, mas tem um grande problema. O senhor só escreve em inglês”.  Eu disse: E qual é o problema?  “Não, é que a oficialidade da Amazônia tem que estar a par do seu trabalho”. Eu disse: general, quem não lê inglês, não entende meu trabalho em português. É, isso é uma atitude que pode dar mal resultado, o senhor pensa bem. Eu falei: general, depende de quem ficar mais, vocês ou nós. Fomos nós, né?

 

Saad Hossne: E você pegava o telefone e cumprimentava: “Bom dia, censor”.

 

Paulo Vanzolini: É cumprimentava. Quando eu escutava o estalar do escutador, eu falava: bom dia, tudo bem aí? Mais um dia de companhia [risos].

 

J.C.Botezelli: Paulinho, Markun começou a falar e aí eu não peguei... Eu acho que você tem que dar uma grande aula e tem uma meninada nova aí, tem um site de gafieira [gênero musical], um pessoal... Todo mundo quer falar da noite de São Paulo e você conheceu. Mas, eu queria que você falasse um pouco mais, um dia você me deu uma aula, mas a minha memória já é um pouco velha, das polacas [mulheres polonesas]. Ia o Lacerda, ia o diabo, ia todo mundo lá, que foi aonde tinha uma música, o começo de alguma música.

 

Paulo Vanzolini: Foi, na década de 1940.

 

J.C.Botezelli: Como chegaram os bares com música.

 

Paulo Vanzolini: Na década de 40, rua Vitória, rua Aurora, ali, tinha uns bares que se chamavam bar de orvalho, era bar de cerveja, umas garçonetes polacas, muito gordas, tinha russo que tocava balalaica...E aí é que apareciam esses caras tocando violão por 500 réis, um real, tocava um pouco na mesa. A minha idéia do jogral foi exatamente essa. Falei: Paraná, vamos fazer um bar de música na mesa. Não é o cantor no microfone, o cantor chega na sua mesa e pergunta: “O que é que você quer ouvir?” E toca na intimidade da sua mesa. Foi o grande truque do jogral foi esse. Isso vem...

 

J.C.Botezelli: Na galeria?

 

Paulo Vanzolini: Isso aí vem da minha... porque que nós freqüentávamos esses bares? Porque era muito barato. Você precisa pensar que nós éramos uma turma de estudantes pobres, que voltava para casa de bonde, tinha o último bonde. Era religioso, se perdesse o último bonde, só no dia seguinte. É a história do Adoniran: só amanhã de manhã. [referindo-se à famosa música "Trem das onze", de Adoniran Barbosa (1910-1982), cantor e compositor paulista de nascimento e paulistano de coração, cujo nome verdadeiro era João Rubinato].

 

J.C.Botezelli: É, e eu pegava o...

 

Paulo Vanzolini: Ah, eu queria falar um pouco sobre Adoniran, posso?

 

J.C.Botezelli: É, isso que eu queria que você...

 

Paulo Vanzolini: Porque Adoniran era, na minha opinião, um gênio. Um gênio autônomo não, um gênio...

 

Paulo Markun: Dono do gato da sua música: Rubinato.

 

Paulo Vanzolini: É, isso aí foi porque Luiz Carlos Paraná ia dar uma medalha para Adoniran, no jogral, medalha de velho. É um romantismo do Paraná e pediu para eu fazer uma música, mexendo com o Paraná, com Adoniran e imitando o estilo dele. Nesse tempo, Agostinho dos Santos [cantor e compositor, viveu entre 1932 e 1973] tinha voltado da Itália, onde ele tinha armado o maior "rolo" [confusão] na embaixada brasileira, porque tinham roubado uma música do Adoniran. Botaram com o nome de um tal de Giovane Rubinato e Agostinho armou o maior rolo.

 

Paulo Markun: Não sabia que era o verdadeiro nome de Adoniran.

 

Paulo Vanzolini: Não sabia que era Adoniran. E eu conheci Adoniran, como tinha esse primo, conhecei Adoniran. Sempre conheci Adoniran na minha vida e o Adoniran foi discípulo de um indivíduo muito estranho, que era Osvaldo Molles, um jornalista muito talentoso, mas muito neurótico, se não me engano, acabou se matando e foi quem deu a linha de pensamento para Adoniran, também Adoniran devolveu como gênio que ele era. Eu falo em Adoniran, tenho sempre que lembrar uma coisa, Adoniran tem uma música que começa assim: “Inês saiu, dizendo que ia comprar pavio para o lampião”. Certo? Se você escrever 7 volumes sobre a periferia de São Paulo, você não define melhor que alguém comprando pavio de lampião. Ele tinha um poder de síntese, que era fabuloso.

 

Paulo Markun: E o Adoniran nunca foi aquele, se eu não estou enganado, pela informação que eu tenho, nunca foi o personagem Adoniran que ele representava publicamente.

 

Paulo Vanzolini: Não, aquele era o Molles, aquele personagem era o Molles que fez para ele.

 

Paulo Markun: Que foi inventado e interpretava como ninguém, tanto que colou de tal maneira que as pessoas de hoje não distinguem uma coisa da outra.

 

Paulo Vanzolini: E ele não era nada daquilo, quer dizer ele andava na vida... Engraçado, tem gente que fica vítima da personagem. Outro dia me perguntaram como eu fui trabalhar na televisão. Eu fui para fazer programa da Aracy de Almeida [cantora, viveu entre 1914 e 1988], para produzir Aracy de Almeida. Falavam que ela era desbocada, ela era horrível e não era nada disso. Era uma pessoa humilde, boa, só que ela era uma pessoa muito, como é que se chama, muito acanhada. Então, ela fazia aqueles rompantes todos para esconder o acanhamento, mas era uma pessoa perfeita e eu tive o melhor relacionamento com Aracy, o tempo todo que eu trabalhei com ela. E todo mundo. Era uma ótima pessoa. Agora, quando ela se via apertada, quando ela se via no canto, ela saía com aqueles desboques, com aquelas coisas, mas era uma atitude de defesa, ela não era uma pessoa agressiva. Adoniran também, Adoniran era o maior burguês, ele gostava de ficar em casa fazendo brinquedo, fazendo locomotiva com lata de azeite, cortando uma roda bem redondinha na serrinha tico-tico. É o que ele gostava.

 

J.C.Botezelli: Agora, Paulinho, você deu sorte com música, não é? Se pensar bem...

 

Paulo Vanzolini: Olha, eu dei sorte com tudo, rapaz.

 

J.C.Botezelli: É, com tudo...

 

Paulo Vanzolini: Você vê, o "cuspirão" [?] que a vida tem e o bom resultado que eu tive.

 

J.C.Botezelli: É. Quando você gravou "Ronda" com a Inezita, você estava no estúdio, você foi com ela.

 

Paulo Markun: Gravou por acaso, né? Porque encontrou ali no estúdio.

 

J.C.Botezelli: Não, eles tinham ido para o Rio juntos.

 

Paulo Vanzolini: Minha mulher é amiga da Inezita e nós fomos para o Rio fazer companhia para ela. Chegou no estúdio de gravação e o cara perguntou: “E o lado B?”

 

Paulo Markun: Era o lado B.

 

J.C.Botezelli: E a Inezita não sabia que tinha o lado B?

 

Paulo Vanzolini: Não, lá não tinha lado B. Ninguém tinha pensado em lado B.

 

Paulo Markun: Ah, não tinha lado B?

 

Paulo Vanzolini: Aí, a Inezita diz: “Eu sei muito da música, posso gravar o que vocês quiserem. Não, mas tem que ter o autor para dar autorização?” O único autor que estava presente era eu. Foi por isso que foi gravado "Ronda" .

 

J.C.Botezelli: Aí, o lado A era "Moda da pinga", né? Vendeu muito...

 

Paulo Vanzolini: É, "Moda da pinga".

 

J.C.Botezelli: Quer dizer, você levou os direitos.

 

Paulo Vanzolini: Não, não levei. A única música minha que deu dinheiro foi "Volta por cima". Com "Volta por cima" eu fiz um banheiro novo na diretoria do museu .

 

Saad Hossne: Você criou uma Fundação Volta por Cima, não criou?

 

Paulo Vanzolini: Ah, essa foi a pior que me aconteceu, porque eu não queria levar dinheiro de música para casa, porque é um dinheiro muito incerto. No mês que vem a mulher pergunta: “Cadê o dinheiro?”

 

Paulo Vanzolini: Então, eu guardava o dinheiro numa gaveta no museu e gastava em pequenas despesas, não era muita coisa, mas pequena despesa do museu. Precisava comprar isso, vai lá e compra. E inventaram o negócio de Fundação Volta por Cima. Gozação comigo.

 

Paulo Markun: Era a gaveta.

 

Paulo Vanzolini: Um dia, aparece o doutor Conrad, da Fundação Rockefeller. Doutor Conrad queria conversar comigo. Falei: pois, não. “É que nós soubemos da sua fundação”. Eu fui lá, abri a gaveta, quando ele viu meia dúzia de notas de 50 velhas na gaveta, ele fez...[imita a pessoa respirando fundo] Eu disse: matei o velho! [Risos].

 

J.C.Botezelli: Paulinho, depois de Caimmy [Dorival Caymmi (1914-), cantor e compositor baiano, autor de obras primas da música popular brasileira, como "É doce morrer no mar"] e João Gilberto [músico, cantor e violinista baiano (1934-), considerado o criador da batida da bossa nova, influência para mais de uma geração de músicos brasileiros], não teve mais baiano?

 

Paulo Vanzolini: Parece que não, não é? Eu não tenho andado por lá.

 

J.C.Botezelli: A cantora é para cantar ou para falar, Paulinho?

 

Paulo Vanzolini: Eu prefiro para cantar, né? Declamação é uma arte respeitável, mas é outra. Eu adorava o Dorival, viu? Uma vez eu estava fazendo uma excursão zoológica no estado do Rio de Janeiro, aliás, Espírito Santo, e vinha voltando de carro, para ir num lugar chamado Rio das Ostras, e um cara encostado na porta falou: “Olha Dorival, que é a cara de Dorival”. Era Dorival. Tinha se mudado para Rio das Ostras, no estado do Rio, numa casinha de pau-a-pique, encostado, ali na porta. Esse era um gênio. Eu acho "João Valentão" [música de Caimmy] uma das coisas mais...

 

J.C.Botezelli: Que também demorou 20 para fazer.

 

Paulo Vanzolini: O que é 20 anos? [Risos] Vocês não sabem a história do fazendeiro deitado, que disseram para ele que ele dando uma certa ração à vaca economizava 3 anos no crescimento? Ele falou: “O que é 3 anos para uma vaca?”  O que é 20 anos para um compositor? [Risos]

 

Mauro Dias: Eu queria falar...O Adoniran e você são os dois cantores mais identificados com São Paulo.

 

Paulo Vanzolini: E graças a Deus que nós éramos muito amigos.

 

Mauro Dias: Pois é, e nunca houve parceria entre vocês, houve tentativa e essa história é engraçada. Eu gostaria que você contasse.

 

Paulo Vanzolini: É, ele apareceu uma vez e disse: “Vamos fazer uma parceria”. Aí, era a história, porque tinha uma favela lá perto do museu e ele falou que queria fazer a coisa acontecer lá naquela favela, hoje é bairro. Aí, a história é que nós chegamos no botequim da favela, ele pensando que eu tinha dinheiro, ele pensando que eu tinha, nenhum dos dois tinha, na hora de pagar, o dono do botequim tomou o cavaquinho dele, pendurou na parede e disse: “Quando você pagar, você leva”. Aí, com essa história dos 2 réis. Ele foi e arranjou 5 mil réis emprestados com a vizinha. Voltou e na hora que ele entrou e pagou o cavaquinho, riu para ele e disse: “Eu sabia que você vinha me buscar”. Agora, era para eu fazer a letra, ele faria a música. Eu disse: Adoniran, você já fez, o que mais que você quer? Porque ele era... Vocês não esqueçam que "Bom dia tristeza" ele recebeu uma carta do Vinícius [Vinícius de Moraes, (1913-1980), músico, diplomata, poeta, cantor e compositor e boêmio carioca, autor de clássicos da música popular brasileira] e botou a melodia, que é para não por defeito. E não só a melodia, mas o entrosamento de melodia com letra. Era uma figura também.

 

Lázaro de Oliveira: Paulo, nas suas composições, acho que a história mais curiosa é "Capoeira do Arnaldo", que foi um desafio do Arnaldo Pedroso Horta, não foi?

 

Paulo Vanzolini: Não, foi assim: nós tínhamos um grande amigo, que era o Caribé e o Caribé uma vez, aqui em São Paulo, começou a cantar capoeira no clubinho e no barzinho do museu. E o Arnaldo falou assim: “Você não presta para nada, porque esse gringo chegou aqui cheio de capoeira e você nunca fez nenhuma”. Disse: “Amanhã, te trago uma”. E trouxe!

 

J.C.Botezelli: Com o tamanho daquela letra você fez de um dia para o outro, Paulo?

 

Paulo Vanzolini: Sendo rimado é fácil. A rima se chama, é, é...

 

J.C.Botezelli: Você fez de um dia para o outro aquelas estrofes?

 

Paulo Vanzolini: Fiz, fiz no ônibus.

 

J.C.Botezelli: No ônibus?

 

Paulo Vanzolini: No ônibus.

 

J.C.Botezelli: E o Arnaldo?

 

Paulo Vanzolini: Adorou. Arnaldo era meu maior fã de música. Um dia, nós estávamos no barzinho e ele disse: “Tem algum samba novo?” Eu cantei, no dia seguinte estava no Jornal da Tarde: "Samba abstrato". O nome "Samba abstrato" foi o Arnaldo...Quando eu cantei para ele tinha feito, não tinha posto nome ainda, "Samba abstrato". Ele que pôs o nome.

 

J.C.Botezelli: O Arnaldo viajou com você...

 

Paulo Vanzolini: É terrível, viu? Arnaldo não vivia sem uísque e nós não tínhamos geladeira.

 

J.C.Botezelli: Você prometeu que tinha, não era isso?

 

Paulo Vanzolini: Não prometi coisa nenhuma.

 

Francisca do Val: Tinha geladeira no barco, mas um...

 

Paulo Vanzolini: Não prometi coisa nenhuma. Não sou louco de prometer o que não posso cumprir.

 

J.C.Botezelli: Você falou que tinha geladeira, agora me explicou que a geladeira não fazia o gelo.

 

Paulo Vanzolini: Não expliquei nada, falei não tem, mas vamos que algum a gente arranja. Aí, chegamos numa casa de palha em cima do morro: "pára o barco, pára o barco, quem sabe lá tem geladeira, quem sabe tem um gelinho". Ele escreveu uma série muito boa no Jornal da Tarde sobre essa viagem, reclamando que eu lavava o barco demais.

 

Paulo Markun: As suas letras são autobiográficas?

 

Paulo Vanzolini: Não, não, isso é a maior mentira.

 

Paulo Markun: Quer dizer, não tem toda essa dor de cotovelo na história do Paulo Vanzolini.

 

Paulo Vanzolini: Não, não é isso e nem refere a acontecimento nenhum. Letra é você... É trabalho meu amigo, é suor, você resolve fazer e começa a puxar.

 

Paulo Markun: Surge como, surge um tema primeiro, surge um pedaço.

 

Paulo Vanzolini: É. Geralmente surge a frase musical com... Já a frase, mas é 1 em 20, não é? Aí, o resto tem que fazer.

 

Francisca do Val: E "O leilão", "O leilão" era do quê? Me perguntaram se era de...Estava sendo leiloado, eu sempre pensei que fosse um animal.

 

Paulo Vanzolini: Ah, que bobagem, uma mulher que se vendeu.

 

Francisca do Val: Mas a mulher se vendeu e foi leiloada, como é que é? Eu não entendo.

 

Paulo Vanzolini: Ela se botou em leilão. Aí, apareceu um cara com mais dinheiro que eu, e levou. Qual é a novidade? Acontece todo o dia, principalmente comigo.

 

Francisca do Val: Eu pensava que fosse um cachorro, um burro... [risos]

 

J.C.Botezelli: Você até é feminista, não é, Paulo? Você não é machista, não é?

 

Paulo Vanzolini: Olha, rapaz, eu fiz cada serviço na minha vida que você não acredita. No governo Carvalho Pinto, a secretária do Palácio pediu para eu falar com o governador, para ela ser autorizada a trabalhar de calça comprida. Carvalho Pinto achava que calça comprida era de homem; mulher era de saia. E eu consegui que a secretária do Palácio trabalhasse de calça comprida. Isso é ser feminista, mesmo.

 

Ricardo Dias: Um serviço que você fez, e que pouca gente sabe foi a reforma agrária. Isso no tempo do Carvalho Pinto, também, né?

 

Paulo Vanzolini: É, mas aí...

 

Saad Hossne: Mas a música salvou o Vanzolini de ser preso, você sabe disso.

 

Ricardo Dias: Não, é, eu sei.

 

Paulo Vanzolini: Hein?

 

Saad Hossne: Você deixou de ser preso, porque você estava assobiando uma música que o delegado conhecia.

 

Paulo Vanzolini: Não, não foi isso.

 

Saad Hossne: Não foi em Santa Fé?

 

Paulo Vanzolini: Não, não.

 

Saad Hossne: Acho que é esse episódio que o Ricardo está falando.

 

Paulo Vanzolini: É o seguinte: eu estava fazendo um serviço, uma briga entre fazendeiros e 800 famílias de meieiros. E estava o Partido Comunista no meio, era uma bagunça danada, e no lugar mais longe que tem no estado de São Paulo, Santa Fé do Sul. Eu tinha, não tinha rádio, era o telégrafo de morse [código morse], e o meu telegrafista me falou: “Olha, o colega de São Paulo me passou o recado que vem um delegado a  para atrapalhar o seu serviço”. O trem chegava às 2 horas da madrugada. Duas horas da madrugada eu fui lá, e, de fato, chegou um delegado com um investigador. E eu, para fingir que não estava ligando, que estava muito a vontade, comecei a assobiar. Ele falou: “Que música é essa?” Eu falei: essa é a música de um velho amigo meu, Angelino [Angelino de Oliveira, cantor e compositor, viveu entre 1889 e 1964], que eu dei para Inezita. No dia seguinte, ele disse: “É meu pai”. [risos]

 

Paulo Markun: Resolveu o problema. E, ali, acalmou a coisa.

 

Paulo Vanzolini: Vim aqui para te ajudar. Angelino me cantou essa música. Ele veio para São Paulo, ele era agente de seguros em Botucatu, ele veio para São Paulo, arranjou apartamento emprestado na rua Martins Fontes, só que não tinha água, nem luz e nem mobília. E eu fui lá, ele tinha um caixote no chão, com uma vela em cima, nós sentamos, ele me cantou a música "A tristeza do Jeca", maravilhosa, né?

 

Paulo Markun: Você falou que nunca recebeu muito dinheiro pelos direitos autorais, mas deveria ter recebido, não é?

 

Paulo Vanzolini: Como é?

 

Paulo Markun: Pelos direitos autorais. Música nunca lhe deu dinheiro?

 

Paulo Vanzolini: Não, quer dizer, "Volta por cima" deu. Um tempo, "Volta por cima" deu.

 

Paulo Markun: Sim, mas "Ronda" é uma das músicas mais executadas.

 

Paulo Vanzolini: Ih, mas "Ronda" dá algum dinheiro de karaokê. Japonês quando fica com dor de corno, vai no karaokê e canta essa música, o que eu vou fazer? [Risos]

 

Paulo Markun: Qual é sua visão desse projeto de numeração de CD e das tentativas de, de alguma forma, organizar essa bagunça?

 

Paulo Vanzolini: Isso estava na Lei de Direito Autoral que vale hoje, estava na proposta. O governo Geisel [Ernesto Geisel, general e político brasileiro, foi o quarto presidente do governo militar, depois do golpe de 1964] vetou, pela coisa mais anedótica que eu já vi na minha vida, porque, já que a gravadora vai contar para o governo quantos discos fez, porque que precisa mais? Quer dizer, bote o cabrito tomando conta da horta, que está tudo bem. Ainda dizia que o compositor popular, sendo geralmente uma pessoa ignorante, pode se atrapalhar com os números. Se ele visse a fila do ECAD [Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, é o órgão brasileiro responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais], a turma sabe que vendeu 17 em Goiás e quer receber tudo. Direito autoral é uma brincadeira.

 

Paulo Markun: Mas um dia vai mudar, ou não? Também é outro lado pessimista seu.

 

Paulo Vanzolini: Não, eu penso que muda.

 

J.C.Botezelli: Mas, Paulinho, teve um amigo nosso, você sabe quem é, falou que o Tinhorão [crítico musical, José Ramos Tinhorão], quando o Tinhorão era pobre, não é? Intelectual pobre, hoje ele está bem ...Muito bem, você sabe da história. Ele via Tinhorão colocando os discos, 78 rotações, na estante, guardando. Falou: “Rapaz, um dia o Tinhorão vai entrar aí e vai virar um disco 78”. Às vezes que eu fui ao museu, fico olhando aquilo, calculando o tempo que você está lá...

 

Paulo Vanzolini: É, eu estou desde 1946...

 

J.C.Botezelli: Desde 46 do século passado. Um dia você não vai virar um daqueles répteis? E se você virar, qual que você gostaria de virar?

 

Paulo Vanzolini: Se já não virei.

 

Francisca do Val: Já virou [risos]. Ainda está no museu, 6 dias por semana, regularmente.

 

Paulo Vanzolini: Não sei fazer mais nada.

 

J.C.Botezelli: Você chega de manhã e sai à noite?

 

Francisca do Val: Todo dia, inclusive sábados. Maior disciplina.

 

J.C.Botezelli: Sábado. E domingo você dorme?

 

Paulo Vanzolini: Não, domingo vejo futebol na televisão.

 

Francisca do Val: Depois da feira.

 

Paulo Markun: E você imagina que essa convivência com os répteis, de alguma forma, ensina alguma coisa sobre ser humano? Tem coisa parecida, tem gente parecida com lagarto?

 

Paulo Vanzolini: Eu acho que você não pode compartimentar a vida. A sua experiência é de bicho, é de outras pessoas, e vem tudo junto... Eu não compartimento a minha vida.

 

Lázaro de Oliveira: Paulo, a Inezita Barroso [(1925-) cantora, instrumentista, atriz, arranjadora, folclorista e apresentadora de programa de música caipira na TV Cultura, gravou "Ronda" de Vanzolini] esteve aqui nesse Roda Viva e ela falou, muito por cima, sobre o Clubinho. O Clubinho o que era, na verdade? Como é que ele funcionava, era uma resistência ao parnasianismo em São Paulo?

 

Paulo Vanzolini: Não, o Clubinho era o seguinte, o Chateaubriand tinha um museu de arte, na sete de abril, no edifício Diários Associados. E tinha um barzinho onde a gente freqüentava. Daí, fecharam o barzinho. Então, Rebolo [Francisco Rebollo Gonsales, artista plástico que viveu entre 1902 e 1980] e outros fizeram o Clube dos Artistas e Amigos da Arte, mais conhecido como Clube dos Artistas e Amigos dos Artistas.

 

Paulo Markun: Ali na sede do Instituto de Arquitetos? No subsolo do Instituto de Arquitetos.

 

Paulo Vanzolini: Não, começou na rua Barão de Itapetininga, no fundo de uma galeria de pintura. Depois, passou para outro, foi a Boate Oásis, o subsolo do edifício Ester, que era os arquitetos.  Agora, os arquitetos venderam o contrato deles para fazer o prédio e o Clubinho comprou o porão do prédio dos arquitetos. E a Inezita pagou, porque quem pagou aquela coisa foi a Inezita. Ela dava show quase toda noite e corria o chapéu. Ela, o Renato Consorte [violinista, baixista e produtor musical], eu ajudava, foi assim que se pagou o Clubinho.

 

Lázaro de Oliveira: E nesse lugar, o que faziam, discutiam o quê? Música, literatura, o que rolava ali?

 

Paulo Vanzolini: Tudo. Era lugar para estar. Exatamente. Um lugar para estar entre a hora do serviço e a hora do jantar, e de noite também.... E para namorar, então, não tinha melhor.

 

Lázaro de Oliveira: Você namorou muito lá?

 

Paulo Vanzolini: De jeito nenhum. Rapaz sério está aqui [risos].

 

Paulo Markun: E o seu último reduto na noite qual foi? O último reduto seu, na noite, o último bar que você...

 

Paulo Vanzolini: O Jogral. Quando morreu Paraná, eu perdi o gosto. Paraná era muito meu amigo. Paraná era um menino de roça. Ele aprendeu. Ele, com 17, 1 anos , dava para ser ministro do Meio Ambiente. Veio para São Paulo, eu nunca me esqueço, ele contava que quando ele descobriu que filme de cinema não era o mocinho e a mocinha, tinha o negócio mais diretor, e ele descobriu isso na revista Manchete, então, ele passou... Quando ele morreu, no apartamento dele tinha uma trincheira de Manchete, de uns 2 metros de altura, por uns 4 metros de comprimento que ele nunca teve coragem de jogar fora. Ele tinha uma paixão por cultura. Ele era completamente autodidata.  Ele ia para o museu, eu no microscópio, ele sentava numa cadeira perto e ficava vendo eu medir lagarto. E nisso a gente conversando. Ele acreditava que música é cultura e ele ganhou muito dinheiro no Jogral. E quando ele morreu, ele tinha comprado, eu não sei se é rua Maceió ou Alagoas [ruas do bairro de Higienópolis em São Paulo], é uma rua que vai da Consolação para Angélica, ele tinha comprado 2 andares, o térreo e o primeiro andar; porque no primeiro andar ele queria fazer um estúdio de gravação ao vivo. Ele chegou a importar o equipamento, em relação à gravaçãoao vivo, a maioria de vocês sabeque é a coisa mais difícil que tem. As besteiras que Marcus Pereira [produtor musical nos anos 70, viveu entre 1930 e 1980] fez, querendo gravar ao vivo são épicas, não é? E ele, nessa hora, ele morreu. Paraná teve uma hepatite que chamaram de ...

 

Francisca do Val: Cirrose.

 

Paulo Vanzolini: Hein?

 

Saad Hossne: Ele teve uma hepatite B, não é? Naquele tempo se chamava hepatite B.

 

Paulo Vanzolini: Não, mas, como é que o pessoal chama?

 

Saad Hossne: Mas ele acabou com cirrose.

 

Paulo Vanzolini: Não, não, como é que o povo chama, essa... Quando fica amarelo?

 

Saad Hossne: Icterícia.

 

Paulo Vanzolini: Icterícia. Ele teve uma icterícia e não tratou. Quando eu peguei, ele já estava com cirrose. Nunca bebeu na vida.

 

Paulo Markun: Marcus Pereira foi também seu companheiro, nessa época?

 

Paulo Vanzolini: Marcus Pereira eu conheci do jeito mais engraçado. Eu estava fazendo uma excursão de coleta, em Recife. Em Recife tem um jardim zoobotânico maravilhoso para se coletar, chama Dois Irmãos.  E cheguei lá e fiquei amigo do pessoal e era exatamente Arraes [Miguel Arraes de Alencar foi prefeito do Recife, deputado estadual, deputado federal e 3 vezes governador do estado de Pernambuco] que tinha ganho a eleição. Eu fiquei muito amigo do pessoal do Arraes, sou amigo do Arraes até hoje, da irmã dele. O Marcus Pereira era relações públicas do Arraes, aí que eu fiquei conhecendo.Quando ele veio para São Paulo, aí, amigo do Paraná e tal, então nós ficamos muito, fomos sempre amigos.

 

Paulo Markun: E ele teve uma marcante atuação na área de gravação, com as duas gravadoras que ele fez?

 

Paulo Vanzolini: É, mas ele não tinha cabeça de negócios nenhuma, era um péssimo negociante, acabou estourando, matou-se porque estava completamente quebrado e tinha levado muita gente com ele. Era um sujeito de uma generosidade muito grande, de uma alma muito grande, mas não tinha senso comercial nenhum. Fez a maior besteira, se metendo a ter empresa.

 

Paulo Markun: Nosso tempo está acabando. Eu queria fazer uma última pergunta e voltar a um tema que acho que fica aqui como...Não sei nem se é uma pergunta, ou se é uma proposta. Se eventualmente os seus fãs, que não são poucos, se organizarem num abaixo-assinado, para você poder rever essa idéia de não mais compor, o que é que poderia, enfim, te fazer voltar a compor?

 

Paulo Vanzolini: Se um dia eu tiver vontade, eu volto a compor. A última música que eu fiz, já fazia alguns anos que eu não fazia, sentado no terraço de uma fazenda em Mato Grosso, me deu vontade de fazer, eu fiz. Chico [Chico Buarque de Holanda, cantor e compositor] gravou aí, você pode ouvir, "Quando eu for você ...". Foi Chico?

 

J.C.Botezelli: É, o Chico.

 

Paulo Vanzolini: Hein? É. O Paulinho [Paulinho da Viola, cantor e compositor] gravou o quê? Paulinho gravou "Bandeira de guerra", não é?

 

J.C.Botezelli: É.

 

Paulo Markun: E o que você escuta, de música? O que você escuta, de música?

 

Paulo Vanzolini: Tudo o que tem na televisão.

 

Paulo Markun: Televisão é a sua principal fonte de música?

 

Paulo Vanzolini: É a única.

 

J.C.Botezelli: E o rádio, Paulinho, você era o maior apaixonado por rádio.

 

Paulo Vanzolini: Eu nem tenho mais rádio. Acabou meu rádio.

 

J.C.Botezelli: Então, eu vou te dar um de presente [risos].

 

Lázaro de Oliveira: Paulinho, então, você conhece todo o repertório da Kelly Key [cantora popular], desse pessoal todo que aparece na televisão.

 

Paulo Vanzolini: Não, Deus me livre, Deus me livre.

 

Francisca do Val: Muda de canal.

 

Paulo Vanzolini: Deus o livre. Desses modernos, o que eu gosto mesmo, é Zeca Pagodinho [sambista e compositor].

 

Lázaro de Oliveira: Que não é tão moderno assim, não é? Deve ter uns 15 anos de carreira, talvez.


Paulo Vanzolini:
Não sei, mas eu gosto dele. Agora, essas...Aquela coitada que morreu, como é que é o nome? Morreu faz pouco tempo.

 

Paulo Markun: Ah, claro, a Cássia Eller [cantora de rock, morreu em 1992, aos 39 anos].

 

Lázaro de Oliveira: Cássia Eller.

 

Paulo Vanzolini: Essa era um desastre. Sem falar nos "sertanojos" todos, aí. Que isso aí...

 

J.C.Botezelli: Então, acho que você tem que voltar para o rádio. Escutar a [Rádio] Cultura...

 

Paulo Vanzolini: Eu vou ouvir. Vindo de você, eu vou ouvir.

 

Lázaro de Oliveira: Claro, Paulinho.

 

Paulo Markun: Paulo Vanzolini, eu queria agradecer muito a sua presença aqui no Roda Viva, desejar boa sorte, com os lagartos e com as canções.

 

Paulo Vanzolini: Com todos esses amigos, ao mesmo tempo, eu que agradeço.

 

Paulo Markun: Muito obrigado. Roda Viva fica por aqui e nós voltamos na próxima segunda-feira, às 10h30 da noite. Uma ótima semana e até lá!

 

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