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Memória Roda Viva

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Fernando Henrique Cardoso

11/3/1991

O então senador avalia o desempenho do PSDB nas eleições de 1989, explica a posição do partido com relação ao governo Collor e critica o "raciocínio binário" na política

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[programa ao vivo]

Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. O nosso entrevistado desta noite é o sociólogo e senador pelo PSDB de São Paulo, Fernando Henrique Cardoso. Fernando Henrique Cardoso é parlamentarista e esta semana voltou a dar aulas na Universidade de São Paulo, de onde saiu compulsoriamente em 1969, aposentado pelo regime autoritário. Para entrevistar o senador Fernando Henrique Cardoso esta noite no Roda Viva nós convidamos os seguintes jornalistas: Carlos Tramontina, editor e apresentador do telejornal Bom Dia São Paulo, da TV Globo; José Márcio Mendonça, editorialista do Jornal da Tarde e comentarista político da TV Bandeirantes; Carlos Alberto Sardenberg, editor regional do jornal do Jornal do Brasil, sucursal de São Paulo; Clóvis Rossi, repórter da Folha de São Paulo; Florestan Fernandes Jr., repórter da TV Manchete; Roseli Tardelli, jornalista da Nova Eldorado AM; José Carlos Bardawil, editor de política da revista IstoÉ Senhor. Boa noite, senador.

Fernando Henrique Cardoso: Boa noite.

Jorge Escosteguy: Um pouco de chuva em São Paulo, começamos o programa um pouquinho atrasados.

Fernando Henrique Cardoso: Pouco de chuva? Quase morri afogado para vir da USP para cá.

Jorge Escosteguy: Recomeçou a dar aulas? Como foi a emoção de voltar à USP e dar aulas de novo?

Fernando Henrique Cardoso: Olha, uma amiga minha, a Gilda Portugal Gouveia, me telefonou e perguntou: “Você está muito nervoso?”. Eu disse: nervoso eu fico quando o avião vai levantar vôo, para dar aulas, não [ri].

Jorge Escosteguy: Foi tudo tranqüilo. Agora, vamos falar uma coisa um pouco mais difícil. O seu partido, o PDSB, às vezes é comparado um pouco com o Brasil, ou seja, um país que pode dar certo, com um grande potencial, é rico em riquezas naturais, o PSDB é rico em personalidades e políticos importantes, mas nunca consegue deslanchar. Onde o senhor encontra o problema mais importante, mais grave que impede essa deslanchada do PSDB?

Fernando Henrique Cardoso: Em primeiro lugar é o seguinte: depende do que se chama de deslanchar. Na verdade, havia uma expectativa muito alta com relação à votação que o PSDB teria, e efetivamente não conseguiu essa votação tão expressiva, tão grande. Mas, ainda assim, o PSDB tem hoje... vai ter agora quarenta deputados, tem dez senadores, um governador, alguns prefeitos de capital. Para um partido que tem dois anos, não é um desempenho tão negativo assim. Ora, que se esperava que se ganhasse em São Paulo, Minas, bom, você sabe que cada episódio eleitoral é um episódio, tem seus problemas e o PSDB efetivamente não conseguiu que sua mensagem chegasse à população. Então, eu acho que a dificuldade maior que nós temos é exatamente essa, é de fazer que haja uma ligação mais direta do partido, que suas propostas sejam mais conhecidas. E também não posso ser pretensioso, acho que partido político é assim mesmo. Há vários, não há um só; o eleitorado vai escolhendo, um momento acha que é um, depois acha que é outro. Eu acho que havia também uma certa arrogância do PSDB, das lideranças do PSDB no sentido de que, talvez, deixassem criar um clima de “vamos estourar na urna”, e isso não é assim. Agora, isso não impede, eu espero, que daqui a algum tempo o PSDB tenha realmente um resultado eleitoral bastante expressivo.

Jorge Escosteguy: Agora, uma das críticas que fazem ao PSDB é a sua indecisão, que o PSDB parece que não se define direito. Agora mesmo em relação ao governo Collor, quer dizer, não agora, desde a posse, antes da posse do governo Collor, sempre se fala no PSDB ou em alguns políticos do PSDB aderindo ou não ao governo Collor.

Fernando Henrique Cardoso: É engraçada essa questão da indecisão. No Brasil sempre se diz que os políticos devem ser pessoas que tomem em consideração a opinião pública, o seu programa, que não tenham açodamento, não corram para cargos e tal. Ora, o PSDB tem feito isso. O começo dessa questão da indecisão foi apoiar ou não apoiar o Lula no segundo turno. E nós levamos uns dez dias discutindo. Por quê? Porque os programas eram muito diferentes. Quando eu fui ver os 13 pontos da frente que o Lula tinha constituído, não eram palatáveis, não eram pontos... Por exemplo, havia a questão de fazer a reforma agrária sob o controle dos sindicatos e dos sem-terra; a questão da imprensa seria sob o controle dos sindicatos e dos jornalistas. Era quase como se ele estivesse fazendo uma revolução. Então nós não podíamos, sem discutir, apoiar. E discutimos. Aliás, não aceitamos esses pontos; tanto não aceitamos que nós demos o voto sem compromisso de apoio ao programa. E o partido discutiu. Algumas seções do PSDB, notadamente a de São Paulo e a do Ceará, onde nós tínhamos tido votações muito expressivas – no Ceará tínhamos ganho – se opunham. Aqui em São Paulo porque o Covas tinha ganhado do Lula por 30% a 15%. Então era difícil, 30% a 15%, [havia] a dificuldade da própria base de engolir. Mas depois que nós resolvemos, apoiamos. Aí, Mário [Covas] foi criticado porque foi para o palanque [de Lula]. Isso é uma coisa engraçada: primeiro criticam porque... depois vai para o palanque... Por que isso? Porque havia uma torcida; possivelmente, a maior parte da imprensa, dos jornalistas, gostariam que o PSDB apoiasse o Lula, como apoiou, [mas] eu não sei se os donos de imprensa queriam a mesma coisa. Então, havia aí uma indecisão que não era bem nossa, era uma diferença de opiniões.

Jorge Escosteguy: O senhor não diria que, mais uma vez, a culpa é da imprensa.

Fernando Henrique Cardoso: Não, eu acho que aí, no caso, seria dos donos [ri]. Mas eu acho o seguinte: depois disso, no dia 17 de dezembro, logo depois da posse do Collor, [depois do] segundo turno, o PSDB deu uma nota dizendo o seguinte: que ele ficaria na oposição e que não confundiria, entretanto, essa oposição com votar contra medidas favoráveis ao Brasil. E essa foi nossa posição e continua sendo até hoje.

Roseli Tardelli: Atualmente, qual é a posição do PSDB em relação ao governo do presidente Fernado Collor de Mello, que vai completar um ano esta semana?

Fernando Henrique Cardoso: É a mesma: nós reunimos agora recentemente a executiva e reafirmamos esse ponto de vista, com toda a clareza, uma nota dizendo isso. Agora, com uma diferença: é que hoje, todo mundo está sentindo que o Brasil precisa de um esforço para ele... por causa do país [...] uma troca, e que então nós somos favoráveis que haja um entendimento nacional. Nós nunca discutimos – eu vejo às vezes na imprensa – se [o partido] vai para o governo, porque até não nos cabe. Imagine você se algum de nós começa a dizer: vamos para o governo. O presidente da Republica vai dizer: mas, que é isso, eu não falei nada disso com vocês.

Carlos Alberto Sardenberg: A propósito desse tema, senador, o cientista político Sérgio Abranches tem uma argumentação que é a seguinte: o país vive em um estado de superinflação crônica que, de vez em quando, ameaça ir para uma hiperinflação, aí vem o governo dá um choque. Para resolver esse problema da superinflação é preciso fazer tanta coisa, acertar tanto o setor público, que não dá para fazer sem uma política de [...], um acordo nacional em torno de certos pontos básicos. E aí diz ele o seguinte: que as forças mais avançadas, as forças políticas mais esclarecidas do país estão deixando o presidente sozinho, isto é, não estão oferecendo a ele essa possibilidade de negociação, e que com isso... quer dizer, o cientista acha que há um certo preconceito em relação ao presidente e que com isso o presidente é atirado para bases conservadoras, fisiológicas etc. O senhor acha que isso faz lógica?

Fernando Henrique Cardoso: Vamos examinar com calma. Veja que nós somos perdidos por ter cão e perdidos por não ter cão, não é? Se apóia, por que apóia; se não apóia, por que não apóia? [Isso] até deixa o PSDB envaidecido porque parece que nós temos mais importância do que temos, não é? Na verdade, eu acho que o raciocínio do Sérgio Abranches tem sua base de razão; não é só com relação à questão do PSDB no governo Collor. O Brasil inteiro hoje percebe que está na hora de nós nos reunirmos ao redor de pontos objetivos concretos. Agora, como se faz isso? Precisa você estar no governo para fazer? Eventualmente, mas não é o ponto de partida. Não é verdade que o PSDB tenha deixado, para questões importantes, o presidente da República sem sustentação. Vou dar um exemplo agora: o Plano Collor 2, nós votamos a favor, apesar de termos dito claramente que ele não vai resolver os problemas... mas como vamos votar contra? Se você votar contra, você suspende o congelamento e cria hiperinflação imediatamente, [então] nós votamos a favor. Agora, nós não podemos concordar com o famoso artigo doze... ou nono, que dizia o seguinte: que convalidava todos os atos provisórios anteriores, com isso se barrava o acesso aos tribunais por parte dos sindicatos. Com isso não concordamos.

Florestan Fernandes Jr.: Senador, uma coisa ficou clara desde que o PSDB foi criado: ele não consegue, ou não conseguiu pelo menos, grandes vitórias em São Paulo, justamente o estado onde ele foi criado. Ao que tudo indica, o PSDB, ou pelo menos os políticos do PSDB que eram bons de voto, como o senhor, o Mário Covas, sem o aparelho estatal, sem a máquina partidária, parece que não conseguem avançar muito. O senhor acha que é possível para o PSDB sobreviver e conseguir alcançar, por exemplo, a prefeitura de São Paulo, o governo do estado de São Paulo sem o apoio de uma máquina? O PSDB está estruturado hoje para ser um partido grande?

Fernando Henrique Cardoso: Em primeiro lugar, eu não sei se essa questão de [ser] bom de voto... eu sempre disse uma coisa: voto, ninguém guarda na gaveta. Você tem votos em um dado momento, pode perder e pode voltar a ter. Eu nunca tive voto de máquina. Se você se recordar bem, na eleição em que eu perdi para senador, eu creio que o governador que se elegeu e eu não estávamos às mil maravilhas, eu tinha uma tremenda dificuldade com relação à máquina. Nunca fui uma pessoa de máquina. Acho que a máquina às vezes ajuda, mas nas eleições majoritárias a máquina não tem esse papel decisivo. Se tivesse, o Collor não seria presidente da República...

Florestan Fernandes Jr.: Mas como o senhor explica o fato de o senador Mário Covas não ter a mesma votação que teve...?

Fernando Henrique Cardoso: Como eu disse a você, voto, ninguém tem guardado na gaveta. São vários exemplos: o sujeito tem voto, depois deixa de ter e volta a ter. Depende muito do momento, ser capaz de sintonizar com a opinião pública naquele momento. Então, eu não acho que isso seja decisivo. Depois, em São Paulo, o PSDB fez dez deputados, fez a mesma coisa que o PT, fez quase a mesma coisa que o PMDB, que fez 12, de modo que eu não concordo também com esse raciocínio de que o PSDB teve um desempenho muito ruim em São Paulo. Ele não ganhou o governo de São Paulo, é verdade, mas eu repito: a eleição majoritária depende muito de circunstâncias. Aliás, quem me disse isso pela primeira vez foi o Quércia [Orestes Quércia], que, em matéria de olfato eleitoral, tem bastante. Ele disse: “Olha, em [eleição] majoritária, você joga e deixa bola correr, porque não tem jeito. Às vezes, enche o balão, às vezes não enche o balão”. E um pouco, isso é verdade, não é máquina partidária, a meu ver.

Jorge Escosteguy: Senador, pegando uma carona, você falou em [ser] bom de votos, o Jaime Marcos, aqui de São Paulo, pergunta: “Na sua opinião, por que Paulo Maluf tem tanto espaço no eleitorado de São Paulo?”

Fernando Henrique Cardoso: Esse é um outro bom exemplo: Maluf perdeu sempre, não é verdade? Houve momentos em que ele perdeu feio e outros momentos em que ele quase ganhou...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] E quando ganhou, não levou.

Fernando Henrique Cardoso: ...e quando ganhou, não levou. Agora, por que o Paulo Maluf tem isso? Porque ele é persistente, combativo e ele corresponde a um setor importante de São Paulo. Eu acho que a gente não deve negar a realidade, quer dizer, uma pessoa que teve a votação que o Paulo Maluf teve e tem tido reiteradamente, ele toca em alguma coisa de São Paulo. Eu posso gostar ou não gostar desse tipo de mensagem que ele dá, mas que essa mensagem é uma mensagem que parte da população, pega, é verdade. Qual é a mensagem? Uma mensagem um pouco de que ele faz coisas, de que ele vai em frente, de que ele não cede, de que ele, de qualquer maneira, atropela mas chega lá. É essa a mensagem que ele dá, e também de que tem experiência. Isso deu certo em vários momentos, mas não o suficiente para ele ganhar jamais.

Jorge Escosteguy: Gostaria de dizer que a pergunta sobre o governo Collor, o senador respondeu a pergunta do Fortunato Donizete Alves, aqui de São Paulo.

José Carlos Bardawil: Senador, quando se vai a Brasília e se conversa com gente do governo Collor, sempre se recolhe a impressão de que o PSDB está prestes a aderir, ou que o PSDB simpatiza muito com o governo Collor. Conta-se até a história de que o senhor quase participou do governo e que o presidente Collor, no último momento, disse que não deu para esperar, ficou aguardando sua palavra. Eu gostaria, e primeiro lugar, de um testemunho seu sobre essa história: ela é verdadeira ou não? Em segundo lugar, aproveitando sua presença aqui, eu gostaria que o senhor clareasse de uma vez essa coisa tão obscura que é a posição do PSDB em relação ao governo Collor. O PSDB é a favor, é contra, critica, não critica? Qual é a crítica que ele tem ao governo Collor, se é que tem? Ou quer simplesmente aderir?

Fernando Henrique Cardoso: Primeiro lugar: não é verdadeiro que eu tenha jamais aceito qualquer conversa em termos de ministério. É verdadeiro que houve uma sondagem, até mais de uma, e todas as vezes a minha resposta foi a mesma, conhecida e pública, aliás: a de que eu estava em um partido que se colocou em oposição, e eu estava com o partido. Segundo lugar...

José Carlos Bardawil: [interrompendo] Mas houve aquela frase: “Não deu para esperar”?

Fernando Henrique Cardoso: Houve, mas eu vou dizer como foi. Essa frase foi pública, foi o seguinte: quando o presidente Collor foi ao Congresso para assumir, prestar o juramento... eu sou líder no Senado, então, eu e mais alguns líderes deveríamos estar à espera do presidente, pelo protocolo, na porta. Aí me telefonaram, do protocolo do Congresso, e disseram: o presidente está chegando e não tem ninguém lá. Eu corri; não tinha ninguém. Então nós fomos para o salão de honra; estávamos apenas eu e, depois, chegaram alguns líderes de partidos menos expressivos numericamente, mais eu, o presidente Collor e o vice-presidente Itamar Franco. O presidente Collor então sentou-se em um sofá e me convidou para que eu me sentasse. Eu não sabia que estava sendo filmado.

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Se soubesse, o senhor não se sentaria?

Fernando Henrique Cardoso: Sentaria [risos], eu apenas não sabia que era público. Então o presidente pediu para eu sentar e ele até fez assim: “Ah, esse sofá está rangendo”. [...] Isso quebra o protocolo. E nesse momento, ele me disse: “Olha, eu te esperei o quanto pude”. E eu respondi: “Você também sabe que eu não podia, porque não havia condições políticas”. Foi essa a conversa e foi uma conversa meramente assim... eu diria que o presidente Collor tem sido sistematicamente gentil com relação ao Mário Covas, a mim, ao PSDB. Então isso é mais uma expressão dessa manifestação dele.

José Carlos Bardawil: Mas qual é afinal a posição do PSDB?

Fernando Henrique Cardoso: A posição está clara. Eu não entendo por que alguém tem dúvida ainda. A posição é a seguinte: o PSDB tem votado – não é que ele diz que tem uma posição –, vota consistentemente no sentido da oposição, salvo quando ele acha que a medida do governo é uma medida boa para o Brasil. Por exemplo: na questão do imposto territorial rural, o governo fez uma medida correta... expressões que hoje estão quase fora de moda, mas que têm seu sentido, a “direita” e a “esquerda” votaram contra. Por quê? A direita, porque não queria imposto sobre a terra, nem sobre a terra ociosa; a esquerda, porque disse que iria pegar nos pequenos proprietários, o que não era verdadeiro. Mas houve uma conjuminação e nós votamos a favor. E freqüentemente nós votamos a favor de medidas concretas e corretas. Aqui no Brasil se confundem as coisas, é um pouca a coisa do Fla-Flu: está de um lado ou está do outro. E o Brasil, não existe? E o povo, não existe? O interesse do povo, da população, do país, não existem? Então, nós pensamos em termos do interesse da população e do país; não ficamos de estilingue na mão, estilingando o presidente da República. Agora, também não tenho nada para esconder nessa matéria, nem em nenhuma outra matéria. É o seguinte: nós achamos, está na última nota da executivo nacional, corresponde ao [que foi mostrado no] programa de televisão do PSDB, há um debate a respeito desse assunto, um setor importante do PSDB acha que é preciso que haja um esforço para um entendimento nacional. E eu vou então responder...

José Márcio Mendonça: [interrompendo] A pergunta é essa: todo mundo fala no entendimento. Quais são os pontos concretos que o PSDB quer para entrar nesse pacto?

Fernando Henrique Cardoso: O PSDB considera, no plano político, três pontos fundamentalmente. O primeiro ponto diz respeito a sustar esse jorro constante de medidas provisórias. Nós achamos que isso está tumultuando o processo legislativo. Não se discute aqui se o presidente tem ou não legitimidade para baixar uma medida provisória, ele tem, a Constituição permite. Mas acontece que isso rouba a agenda do legislativo. Quem faz agenda hoje é só o executivo, porque a cada momento em que ele vem com uma medida nova, tem trinta dias, e nós não fazemos outra coisa que não seja dizer "amém" ou dizer "não" àquela medida. E nós achamos que isso tumultua, porque a medida [provisória] é uma medida que devia ser usada com prudência e excepcionalmente e passou a ser rotina. Bom, então nós achamos que isso tem que ser resolvido. Devo dizer também, com franqueza, que resolver isso depende mais do Congresso do que do presidente. O Congresso tem instrumentos... eu fui o autor da resolução número um, ou melhor, fui o proponente, o autor foi o [Nelson] Jobim, que fez um substitutivo que diz como se julga a medida provisória, e criamos uma questão chamada de juízo de admissibilidade. Se o Congresso disser que ela não é urgente, nem é relevante, ele diz não. Só que [o Congresso] não disse, ou disse pouco, então está inventando uma regulamentação. Mas nós somos favoráveis a parar com isso. Ponto dois: nós achamos e isso, é responsabilidade nossa, um entendimento entre os partidos, que este ano nós devemos fazer uma reforma eleitoral e partidária. Eu pessoalmente sou favorável ao voto distrital misto; acho que nós não podemos continuar com essa enxurrada de partidos sem expressão. Não que eles não possam existir, mas devem existir na sociedade civil e não com as regalias de partido. Acho que deve haver uma limitação para a regalia de partido, em termos de número de votos, o percentual de votos obtidos na eleição, e acho que nós não podemos confundir essa espécie de vida anárquica como se fosse democrática. E ponto três: nós somos parlamentaristas. Claro que o conjunto das forças políticas não o é, então nós colocamos o parlamentarismo submetido ao plebiscito, mas achamos que deva entrar na agenda, isso na área política.

Jorge Escosteguy: O senhor é contra a antecipação do plebiscito?

Fernando Henrique Cardoso: Eu não sei se antecipação é o ideal. Eu acho que se fosse possível fazer um referendo, ou seja, nós aprovarmos uma lei e depois submetê-la seria melhor, porque plebiscito é uma forma ruim, porque você diz sim ou não, mas não sabe ao que é. Eu sou mais favorável que haja uma discussão, que pode ser em 1991, 1992, para nós termos delineado o sistema parlamentarista, e depois o plebiscito. Bom, depois, na área econômica, nós temos dois ou três pontos fundamentais. Um, não é de discórdia com o governo, é em geral. O Estado brasileiro – e por Estado, aqui, eu digo a União, os estados, os municípios, ou a maioria deles –está falido. E eu acho muito estranho que, estando falido o Estado... portanto não pode haver credibilidade de moeda, não tem como controlar a inflação, porque moeda hoje é a expressão da crença que se tem no Estado, porque não se tem lastro no ouro... Então não tem como segurar a inflação. Mas se o Estado está falido, [isso] significa que nós temos que definir de novo como nós vamos financiar esse Estado, e que Estado, para que esse Estado, qual é o tamanho desse Estado, em que áreas ele vai entrar. Isso tem que ser, a meu ver, um ponto importante. E o outro é que nós não concordamos com a questão relativa à recessão, como quase um objetivo. Nós estamos em 4,8% negativos no PIB, seis vírgula qualquer coisa per capita no ano passado; o país não suporta isso, isso é desemprego. Então, a nossa política econômica choca, colide com a política econômica que está proposta. Não é uma discordância menor, é uma discordância importante e fundamental. Na medida em que o governo se capacitar disso, ele pode evoluir, senão não. Eu quero dizer também, com relação ao Estado, que nós temos uma posição que é bastante clara nisso. O mercado é o principio fundamental das economias modernas, a nossa economia é capitalista, não estou discutindo isso. Mas o mercado resolve os problemas da prosperidade, não os da pobreza. Então, nós estamos preocupados com a erradicação da pobreza, e portanto nós queremos um Estado eficaz para realizar políticas sociais, e o governo atual está muito mole nessa matéria: em educação, praticamente nada, a não ser uma declaração ou outra; em matéria relativa à questão da Previdência, fala-se sempre do buraco da Previdência, mas eu já não sei mais o que é isso, e não se define a questão das aposentadorias, de elevar o nível mínimo de aposentadoria; não se define nada em relação a uma política mais consistente de habitação, e por aí vai. Então nós temos pontos que precisamos discutir, e sobretudo em todas essas áreas sociais é preciso estabelecer um esquema em que haja uma participação do público-alvo, dos interessados. Na Previdência, há propostas nessa direção, o próprio senador Mário Covas tem uma proposta de ampliar os controles da Previdência Social. Então, nós temos pontos concretos para discutir, tanto com outros partidos, como com a sociedade e com o executivo.

Jorge Escosteguy: Eu gostaria de anunciar que também está conosco o Jayme Martins, repórter da TV Cultura. Clóvis, por favor.

Clóvis Rossi: O José Simão, crítico da Folha, na sua coluna de domingo mudou o nome do Partido do PSDB para PSDPende, e a primeira palavra que o senhor disse neste programa foi exatamente “depende” quando lhe perguntaram a respeito do PSDB. Eu queria entender qual é a dificuldade de comunicação dos tão brilhantes quadros que o partido tem, tribunos excepcionais, professores da melhor qualidade, que não conseguem realmente se comunicar, e todos os programas de que participam representantes do PSDB, entrevistas coletivas, toda a conversa acaba girando em torno do “vocês são a favor ou contra; como é; etc.?”. Em um programa do Jô Soares, por exemplo, com o professor [Hélio] Jaguaribe, há uns dois meses, foi feita essa pergunta do “depende” e ele respondeu: “Depende da ‘dependabilidade' da pergunta” [risos]. O que acontece com a retórica do PSDB?

Fernando Henrique Cardoso: Simplesmente é o seguinte: vocês estão habituados a um raciocínio binário do “sim” ou “não”, que é um raciocínio pobre: cara ou coroa. E nós não somos desse raciocínio pobre. Mas no caso mais grave ainda é que uma parte do nosso eleitorado quer uma coisa, outra quer outra. Dos nossos amigos, é a mesma história. E projetam sobre nós um fogo cruzado. Então a questão do depende é uma coisa de bom senso. Qualquer pessoa madura sabe disso, que depende de circunstâncias [...]. Eu sou parlamentarista, não depende; eu sou contra a recessão, não depende; para uma porção de coisas, não depende. Agora, quem usou essa expressão “depende” fui eu mesmo, em uma entrevista que dei à Folha, só que eu dei em um contexto mais intelectualizado, e não foi nem o repórter, mas a manchete foi: “Para o PSDB tudo depende”. Agora, é fácil, se a gente quiser realmente transformar tudo num raciocínio pobre: “ah, quem faz isso ganha”, só que não é sério.

[sobreposição de vozes]

Carlos Alberto Sardenberg: Existe uma ambigüidade, ou algumas ambigüidades, no curso dessa coisa. O senhor estava comentando há pouco que na questão da escolha entre Lula e Collor, foi ver o programa do Lula e era incompatível com o programa do PSDB; já com o programa do Collor era parecido com o do PSDB. Aquele discurso do Mário Covas [sobre] o choque de capitalismo era muito parecido com o que o Collor andou falando depois inclusive do senador. [Candidato à Presidência da República pelo PSDB, Mário Covas leu, no Senado, em 28/6/1989, o discurso “O desafio de ser presidente”, no qual defendeu que “o Brasil não precisa apenas de um choque fiscal. Precisa, também, de um choque de capitalismo, um choque de livre iniciativa, sujeita a riscos e não apenas a prêmios”]. Quer dizer, se fosse pelo programa, teria mesmo que apoiar o Collor, mas aí, por razões de história...

Fernando Henrique Cardoso: Aí vem o “depende” [risos]. Por quê? Porque depende das condições em que o programa é posto. Veja bem a “questão do depende” aqui, é verdade isso: o programa do Collor, até porque foi posterior ao nosso, é mais parecido com o nosso, muito mais, do que aquele do Lula. Agora, depende do quê? Depende das forças que estão apoiando, depende da credibilidade do governo que está surgindo.

[sobreposição de vozes]

Fernando Henrique Cardoso: Qual foi a nossa resolução? Foi não ficar com o Collor. Nós analisamos as várias condicionantes do comportamento e dissemos: não, por aí não vai, porque mesmo que haja uma declaração nesse sentido... especialmente no final da campanha do Collor, as forças mais conservadoras se alinharam ao programa dele. Então nós dissemos: como [ele] vai fazer reformas estando apoiado pelas forças às quais nós sempre nos opusemos? Não dá.

Carlos Tramontina: Dentro dessa linha ainda da questão da ambigüidade, como o senhor analisa o comportamento de algumas das principais figuras do partido que hoje são muito mais pró-Collor e têm feito declarações favoráveis ao...?

Fernando Henrique Cardoso: Isso não é ambigüidade, eles têm declarado com toda franqueza, e nós achamos que é normal isso, que num partido democrático as coisas evoluem. Você tem um processo que em um dado momento não dá para fazê-lo, mas no momento seguinte é imperativo fazer-se. É exatamente essa dinâmica... se eu fosse dar aula aqui, eu diria: olha, esse raciocínio é aristotélico-tomista, em que você acha que tudo é cara ou coroa, um ou dois, e o nosso é mais um movimento.

Carlos Tramontina: Mas o senhor, que é um dos principais líderes e uma das principais figuras do partido, faz toda essa longa digressão sobre a questão do “depende disso, depende daquilo”, aí alguns líderes importantes, como Arthur Virgílio Neto, do Amazonas, o governador eleito do Ceará [Ciro Gomes] são francamente... como fica o partido dentro dessa...?

Fernando Henrique Cardoso: Veja como nós não estamos acostumados à democracia. Nós achamos que é preciso que o partido esteja unido sempre em tudo, [mas] não. Há uma dinâmica, e essa dinâmica está aberta, nós até pusemos na televisão no nosso programa, mostramos que havia posições diferentes e achamos isso correto.

Roseli Tardelli: Não é meio confuso, senador?

Fernando Henrique Cardoso: Confuso para quem? É um processo no qual algumas pessoas acreditam que já há todas as condições para que o PSDB apóie o governo Collor; outras dizem: não, não vai apoiar nunca, porque fomos eleitos para estar na oposição; e outros dizem: é verdade que, num dado momento, nós ficamos na oposição, mas é possível que tenha havido uma transformação, só que ela não amadureceu. O que adianta alguém sair da posição em que está hoje, no PSDB, e ir para o governo? Muda alguma coisa? Eu acho que não. Na nossa análise, não é por aí que se faz a mudança. A mudança só existiria, ou só existirá, e eu gostaria que ela existisse, num momento em que houver consciência na sociedade, por exemplo, de que o Estado está falido e que é preciso tomar medidas concretas, e que isso depende não apenas do presidente da República mandar uma mensagem para você votar sim ou não, mas de os partidos dizerem: não dá para continuar assim. Não dá para nós votarmos sempre contra tudo que é dinheiro para o Estado e sempre a favor de tudo que é benefício. Então, essa consciência está crescendo. Pode ocorrer que daqui a pouco – e eu tenho conversado com o Lula, com o Brizola, com o pessoal do PFL, com todo mundo a respeito dessa matéria –, pode ser que, daqui a pouco, nós tenhamos um amadurecimento que nos leve a dizer: bom, há condições para um programa a ser sustentado parlamentarmente. Nós não vamos dizer: um programa para ser executado por nós, porque isso não depende de nós. A diferença entre legislativo e executivo...

[sobreposição de vozes]

Carlos Alberto Sardenberg: [...] o governo sabe que está falido e isso seria um ponto de... Mesmo porque a base da equipe econômica é tucana, ou era.

Fernando Henrique Cardoso: Eu vejo que há muitos tucanos pelo mundo [ri].

José Carlos Bardawil: O senhor colocou que o raciocínio é meio primário, mas eu me permito discordar pelo seguinte: quando o senhor colocou as condições políticas para o apoio ao presidente Collor, o senhor colocou três condições básicas: a primeira, ele acabar com o festival das medidas provisórias; a segunda seria uma reforma eleitoral e partidária; a terceira, o parlamentarismo. Agora está se percebendo que nitidamente essa não é a posição do PSDB, essa é a sua posição.

Fernando Henrique Cardoso: Por quê?

José Carlos Bardawil: O senhor tem essa posição, mas existem várias lideranças do partido que querem já um acordo direto sem essas condicionantes.

Fernando Henrique Cardoso: Mas não são majoritárias. Eu repito: o partido é democrático, ele não tem o monopólio do saber. Se dentro do partido as pessoas, como o Hélio Jaguaribe, que acham que chegou o momento de fazer um programa e que basta um programa e uma intenção do governo para que isso seja um passo adiante, se convencerem a mim, ao Covas, ao [José] Richa, ao Tasso [Jereissati], ao [Franco] Montoro, ao [José] Serra e à base do partido, nós vamos com eles. Como vocês querem que se faça a coisa: que tire do bolso do colete a solução? É esse o certo? Não, há um debate, há uma dinâmica nisso aí. Simplesmente, nós não estamos habituados à democracia.

[sobreposição de vozes]

Fernando Henrique Cardoso: Não há indecisão nenhuma. Veja você, estão transformando seriedade em indecisão; respeito à opinião e à diversidade em indecisão; isso, desculpem, é meramente uma manchete, não é certo.

Clóvis Rossi: O senhor mencionou, além de sustar as medidas provisórias, [...] o PSDB foi para o oposição porque a base de sustentação do presidente da República era contrária ao partido, vamos dizer, claramente fisiológica, de direita etc e tal. Essa base não mudou, ao contrário, ficou muito mais... Por que reabrir o debate, na medida em que havia sido encerrado com a nota oficial da executiva [...]?

Fernando Henrique Cardoso: Nós não abrimos debate nenhum; o debate está sendo reaberto na sociedade e não é para o PSDB, é para todo o país. Só que aqui se vê de uma maneira pobre: “vai para o governo”, não é isso. Ou alguém pensa que o Brasil está indo muito bem na história; que o Brasil não está perdendo o novo o bonde da década de noventa; que o povo não está na pior; que as condições do empresariado são muito negativas e não há investimento; que o Estado está desorganizado... É essa a realidade. É diante disso que nós temos que reagir, não diante de uma coisinha menor, se vai apoiar Collor ou não vai apoiar Collor. O Collor, do jeito que ele está, ele está isolado; o seu propósito inicial, que foi combater a inflação, foi frustrado pela incapacidade de os planos resolverem a questão da inflação; ele foi julgado semanalmente pelo seu mau desempenho na questão inflacionária; os avanços que ele pretendeu fazer, e alguns ele fez, não foram tomados em consideração pela opinião pública, exatamente porque tudo ficou em torno da inflação. Por exemplo, ninguém fala da dívida externa, e o governo tem uma política consistente, pelo menos do [...] das oposições, e ninguém menciona isso. Ninguém menciona que o governo Collor conseguiu colocar os militares no lugar devido numa democracia. Sumiram; me dê o nome de dez generais. Não obstante, o que prevaleceu? O fracasso na questão da inflação. Isso por quê? Porque o governo se isolou, a situação do Brasil está muito ruim, e eu acho que, como político, como senador por São Paulo e como político do PSDB e como outros políticos, nós temos a obrigação de discutir a saída para o Brasil. Eu acho que esse pensamento não é só meu, é de qualquer líder responsável.

Jorge Escosteguy: Senador, todas as pessoas que vêm ao Roda Viva e criticam o governo Collor fazem sempre a ressalva em relação à negociação da dívida externa. O senhor acha que o governo está fazendo uma boa negociação?

Fernando Henrique Cardoso: Eu não conheço a negociação que está sendo feita agora. Eu acho que o governo conseguiu colocar uma política. O único ministro, a meu ver, que tentou ter uma política, antes da atual, foi o ministro Bresser Pereira, que tentou colocar certas condicionantes para a negociação. Atualmente, o governo disse uma coisa importante: “Olha, nós queremos pagar, mas para nós pagarmos a dívida externa, como nós, o Estado, não produzimos divisas, nós temos que comprar divisas dos que exportam; para comprar divisas, nós não temos dinheiro, então temos que emitir bônus, e é isso que leva a inflação a não parar; como vocês esperam que eu ponha em ordem a casa e, ao mesmo tempo, que eu pague? Eu só posso pagar se eu responder a um conceito – que eles propuseram – de capacidade de pagamento. Só vou pagar se houver não só divisas lá fora, mas excedentes no Tesouro”. Essa foi a base da negociação, que parece ser um avanço. Agora, eu não sei, na negociação concreta [...], o Senado já se definiu, deu os parâmetros e tal, vamos ver como ele está fazendo essa negociação. Mas pelo menos há uma base, e eu creio que muita gente não gosta dessa base. Os setores mais conservadores acham que isso é demagogia nacional populista.

Jayme Martins: Hoje, todos sabemos, é um dia muito especial na vida do político e professor Fernando Henrique Cardoso: o seu retorno, como professor da USP, depois de mais de vinte anos de afastamento compulsório. Uma pergunta que deveria estar sendo feita aqui hoje, pelo Fernando Pedreira, que infelizmente não pôde sair do Rio, ele pergunta: “Esse retorno teria o claro objetivo de realizar uma compatibilização que parecia impossível? A compatibilização do intelectual bem-sucedido com o político bem-sucedido? Nesse caso, como detalharia a compatibilização do dever do intelectual de defender princípios com a tarefa do político de modificar a realidade?”

Fernando Henrique Cardoso: Esse é o drama, não é? O drama que vem do Weber [Max Weber], que vem de todos os... mas eu acho que nós temos que conviver com esse drama e tentar resolvê-lo da melhor maneira possível. Por que eu voltei agora, e não antes, a dar aula? São algumas, não são tantas assim. Pelo seguinte: na verdade, eu sempre respeitei muito a atividade universitária, como respeito a atividade política, e eu sempre me recusei a ser “professor tapa buraco”. Nunca aceitei dar aula na Universidade de Brasília, onde me convidaram, fazer um curso aqui, outro curso ali; no máximo, eu fiz conferências, em geral até mais no exterior, no âmbito acadêmico, do que aqui. Primeiro, nós tínhamos as eleições diretas [Diretas Já], nós tínhamos depois a Constituinte, eleições todos os anos. Agora, pela primeira vez, não tem Constituinte, não tem eleição este ano, dá para ter um mínimo de agenda, quer dizer, de eu não faltar ao compromisso, que é a condição fundamental para o professor ser levado a sério, dar aula. Segundo lugar, eu acho que já há um distanciamento no tempo suficiente para que eu possa me dedicar e discutir a transição democrática brasileira, até o governo Sarney, não vou entrar no governo Collor, que aí entram questões já de opção partidária, e eu não quero que se misturem. Mas, até o governo Sarney, acho que já tem distância suficiente para que eu possa passar a limpo a experiência concreta que eu tenho com a formação acadêmica de que também disponho. Então, eu acho que seria oportuno aproveitar essa chance para começar a realizar aquilo que eu sempre prometi a mim mesmo, que eu iria escrever um trabalho sobre essa transição democrática, fazendo uma espécie de síntese da minha experiência política e da minha formação acadêmica. Essa é a razão. O Fernando Pedreira, que é um homem inteligente, colocou o dedo na ferida. A lógica do político não é a mesma lógica do intelectual. Ele disse a coisa verdadeira: o político, quando anuncia, às vezes ao anunciar o seu propósito, ele impede a realização dele, e o intelectual vive o tempo todo anunciando e pondo o seu nome embaixo. As lógicas não são as mesmas, mas não são contraditórias, porque se o político, por outro lado, não tiver convicções, ele é um politiqueiro, ele não um político. Se ele tem convicções, ele tem também propósitos, tem princípios. Então eu acho que, sendo um político de convicções, não é tão difícil assim conciliar com a atividade acadêmica.

Florestan Fernandes Jr.: Senador, apesar de o senhor ser jovem, quando eu era criança o senhor me conheceu pequeno, nós tivemos uma conveniência grande no passado. E eu me lembro de algumas coisas interessantes, porque o senhor é um intelectual respeitado, sério, e às vezes o senhor me levava para a escola junto com seus filhos, o senhor guiava – e isso ficou guardado na minha cabeça – fazendo uma figa [com os dedos das duas mãos], quando segurava a direção, e depois, em uma entrevista que o senhor deu durante a campanha da prefeitura, o senhor disse que não era supersticioso, nem tinha uma religião. Naquela época, o senhor era mesmo supersticioso, e hoje o senhor é católico?

Fernando Henrique Cardoso: Veja, qual é a lógica? [risos] Eu não sei qual é a lógica entre superstição e catolicismo. Eu não sou supersticioso, não.

Jorge Escosteguy: A lógica é se o senhor acredita no sobrenatural.

Fernando Henrique Cardoso: Já me perguntaram neste mesmo programa isso, mais de uma vez. Mas vou responder: eu não sou supersticioso, não sou excessivamente supersticioso. A figa, dizem que é porque sou pão-duro [risos], segurando a mão para evitar que os dedos escapem. Mas eu não sou assim particularmente supersticioso. Agora, católico, eu não posso dizer que sou porque seria uma mentira. Eu sou de formação cristã e católica. Se quiser saber, fiz primeira comunhão, casei no religioso, tudo isso é verdade, a cultura é essa. Mas não sou praticante da religião católica. E a questão do sobrenatural, quem hoje pode ter a arrogância de dizer que não? Como você hoje pode dizer simplesmente que sabe que esgotou o conhecimento todo e que você tem condições de pôr à margem qualquer coisa que seja transcendente? Eu não ousaria tanto.

Jorge Escosteguy: O Márcio, de Fortaleza, telefonou perguntando: “No momento, a estrela maior do PSDB é o governador Tasso Jereissati. O partido vai barrá-lo a ser candidato à Presidência da República por ser nordestino?”

Fernando Henrique Cardoso: [ri] Se o Tasso quiser ser presidente da República e tiver chance, tem meu aplauso e meu voto, e não por ser nordestino. Acho que isso seria colocar uma condição que seria péssima: imagine barrar alguém por ser nordestino, ou também por não ser nordestino. Eu acho que a Presidência da República não depende de onde a pessoa nasceu, depende do desempenho, das características e das condições dessa pessoa. O Tasso foi um governador – digo “foi” porque ele vai deixar de ser dentro de dois ou três dias – de muito boa qualidade. Tomara possa ele não só aspirar, mas organizar-se para ser candidato à Presidência da República. O PSDB precisa ter um candidato e eu não tenho nenhuma restrição pessoal ao Tasso.

Roseli Tardelli: Tasso é um bom nome, senador?

Fernando Henrique Cardoso: Primeiro, quando houve a discussão de vice, eu disse que o Tasso podia ser um bom vice; ora, de vice para presidente é um pulo. Mas eu não estou lançando ninguém, não, nós não estamos nessa fase; o PSDB tem que examinar essas coisas com muita cautela, com muito pé na terra. Nós temos que nos viabilizar, primeiro, como partido, ampliar nossas bases, ter um reconhecimento mais forte e, como diz você [Jorge Escosteguy], depende do que está acontecendo. Eu acho que não depende, é assim.

Carlos Alberto Sardenberg: A propósito dessa questão do governador Tasso, como o senhor explica que a social=democracia, que é uma coisa assim tão moderna, que nasceu em países desenvolvidos, aqui no Brasil frutificou num estado como São Paulo, acabou dando tão certo num estado atrasado, mais pobre, tal como o Ceará?

Fernando Henrique Cardoso: Com toda a sinceridade, não foi a social-democracia que deu certo, foi o Tasso e foi seu candidato, o Ciro [Ciro Gomes]. Eles entraram para o Partido da Social Democracia e houve uma grande discussão no Ceará. Até eu participei disso, houve uma discussão, um seminário, com os prefeitos, com os deputados, e todos apoiaram, acharam que essa proposta da social-democracia brasileira era uma proposta conveniente. Mas eu acho que seria um equívoco de nossa parte imaginar que foi a social-democracia quem fez o Ciro Gomes governador do Ceará. Foram as qualidades dele. E nós ainda estamos longe de imaginar que um partido novo faça o candidato. Nem mesmo os partidos de maior enraizamento, de definição partidária, não são eles diretamente que fazem os candidatos. A coisa que é importante é que tanto o Tasso quanto o Ciro, que são pessoas destacadas, que no Ceará tiveram um desempenho excelente, que modernizaram a política cearense, encontraram no PSDB um canal para a sua expressão. Isso é que é significativo e que é importante e mostra que esse partido tem não só o charme, mas tem viabilidade. Pelo menos para aqueles que tenham afinidade com esse tipo de postura, acredito que o PSDB é uma boa alternativa.

Jorge Escosteguy: Por falar em charme, o telespectador Marcelo Silva, de São Paulo, pergunta se o senhor não concorda que o Mário Covas não consegue mais vencer as eleições por parecer muito bonzinho.

Fernando Henrique Cardoso: Eu nunca achei o Mário bonzinho. O Mário é temperamental, o Mário é brigão, o Mário nunca foi uma pessoa de duvidar. É uma coisa tão engraçada, ele é teimoso.

Jorge Escosteguy: Ele passa essa imagem [de bonzinho], de repente?

Fernando Henrique Cardoso: Eu não sei.

Clóvis Rossi: Senador, aqui em São Paulo, uma boa parte das razões para a criação do PSDB estava aqui em São Paulo e chamava-se Orestes Quércia. E agora o PSDB negociou com o novo governador, Luiz Antônio Fleury Filho - que é produto do quercismo claramente-, eventual participação no governo e ainda dos dois lados: o líder do PSDB na Assembléia Legislativa e o governador Fleury anunciam que, embora o casamento não tenha ocorrido, o namoro continua. E o líder do PSDB não descarta a hipótese de participar futuramente do governo; depende de circunstâncias etc. Como se explica mais essa contradição, agora em termos estaduais?

Fernando Henrique Cardoso: É uma coisa engraçada: imagine se nós pegássemos partido por partido do Brasil: tudo o que se aplica ao PSDB, aplicar-se-ia exato, porque é da dinâmica política isso, qualquer partido.

Clóvis Rossi: Sim, mas o PSDB é que se diz um partido moderno, novo...

Fernando Henrique Cardoso: Mas o fato de ser moderno não implica ser fora da realidade, não implica você não tomar em consideração os fatores políticos. No caso específico, não aconteceu isso, não. Houve uma reunião da qual eu participei, da executiva de São Paulo na Assembléia Legislativa, onde nós discutimos com toda a clareza as implicações de uma eventual aliança, ou mais do que uma aliança, uma participação no governo, e a decisão foi por unanimidade que não, de modo que eu não vejo qual é o problema. Realmente eu não entendo essas dúvidas que assaltam aqui a todo mundo. Eu acho que vocês estão muito [...].

Clóvis Rossi: Até onde os jornais disseram, vocês descartaram por enquanto.

Fernando Henrique Cardoso: “Por enquanto”, o que significa isso? Nós descartamos. Agora, o que acontece no processo político? Ele não muda? Você vai dizer que é sempre por enquanto. Eu não acho que essa mudança seja previsível, pessoalmente, por uma outra razão. Eu acho que nós temos que nos colocar do ponto de vista nacional, temos que ter muita clareza sobre quais são os objetivos do partido em nível nacional. Evidentemente, se nós achássemos que seria possível constituir uma aliança com o PMDB em termos de participação no governo, era melhor dissolver o PSDB. Por que qual é a razão? Eu não acho isso, portanto eu acho que não deve.

Florestan Fernandes Jr.: Senador, por que os políticos, já que o PSDB não é um partido tão grande, é um partido jovem, novo, brigam para ter o PSDB no governo? Por que o Collor, por exemplo, paquera o PSDB? E por que o PSDB pensa em ir para o governo Collor; pensa em ir para o governo Fleury?

Fernando Henrique Cardoso: A primeira parte está certa: o PSDB é paquerado, e daí se pergunta: vai para cá, vai para lá? Suponho que nós tenhamos algumas qualidades, eu suponho, não quero ser arrogante, mas se todo mundo quer, por alguma razão há de ser. E nós é que estamos aqui como aquela moça: ai, não, eu não quero casar. Nós estamos o tempo todo nessa e o outro diz: não, no fundo ela quer. E é o que vocês estão dizendo: no fundo, quer. A executiva nacional, a executiva estadual, ao considerar essa matéria, a última questão que passou pela nossa cabeça foi "fazer parte de". Eu disse isso um milhão de vezes: como você faz parte de um governo? Ou você é eleito, então você assume a responsabilidade, ou há um processo político pelo qual, como conseqüência, para a realização de um programa, se chega ao governo. Nós não fomos eleitos e não há um processo político no Brasil – alguém já me perguntou isso aqui – que leve à consideração de que mudanças são necessárias. No momento em que entrarmos nessa discussão, repito, o presidente Collor vai dizer: mas que gente enxerida, meu Deus, eu nunca falei disso com eles, como é que agora inventaram que vão ser parte do meu governo? Nós não entramos nunca nessa discussão.

Florestan Fernandes Jr.: Mas essa conversa já vem antes do segundo turno. Quando terminou o primeiro turno, o Collor procurou o PSDB e queria o apoio do PSDB. Isso eu sei de fonte segura. O Collor procurou o apoio de vocês no segundo turno.

Fernando Henrique Cardoso: Então você sabe mais do que eu. Entre o primeiro e segundo turnos, que eu saiba, e é natural, havia uma expectativa, e efetivamente algumas pessoas ligadas ao Collor procuravam Montoro, procuraram "A", "B" ou "C", tudo bem.

Florestan Fernandes Jr.: Inclusive, ele queria ter visto o Mário Covas.

Fernando Henrique Cardoso: Ele lançou o Mário Covas para a Presidência da República. Agora, parece que é um pecado o atual presidente da República ter lançado alguém, querer que esse alguém participe. Eu acho que isso é normal no processo político. O que é estranho, para ser franco, é como em um país como o Brasil tem gente que diz “Não, não, não, não, que é o que nós estamos fazendo. Por que estamos fazendo isso?” Porque nós temos horror ao poder? Não. É porque nós não queremos confundir a formação de um partido e a posição diante de problemas nacionais que nós precisamos ter de peito aberto, inclusive apoiar [o governo] quando necessário. Não queremos confundir essa posição com a coisa menor, que é: vai ou não vai para o governo? E, não obstante, o tempo todo só se fala na coisa menor: vai ou não vai? Não vamos. Não há nenhum preparativo nesse sentido. O que há é outra coisa, repito, uma tremenda preocupação com a situação do Brasil.

Florestan Fernandes Jr.: O senhor não aceita ser ministro do Collor?

Fernando Henrique Cardoso: Você é o Collor para me convidar?

Florestan Fernandes Jr.: Não, mas se ele o convidasse, você não aceitaria?

Fernando Henrique Cardoso: Eu já disse a ele, no momento devido, que isso é uma questão política que não está posta. Essa pergunta não se pode fazer para um político sério. Porque, para um político sério, ou há condições políticas para ele entrar na discussão, ou então é piada. E não há condições políticas. E o presidente Collor tem sensibilidade, ele jamais perguntaria a mim: “Você aceita ser meu ministro?” Não, ele não faria isso, porque ele saberia minha resposta de antemão. O que ele tem que perguntar a mim, eventualmente ele pode fazer, e a outras pessoas também, é: “O que se pode fazer? Dá para caminhar junto em tal ponto?”. Essas é que são as questões.

Jorge Escosteguy: Senador, nós voltamos em seguida a esse assunto. O Roda Viva faz agora um rápido intervalo, e está entrevistando hoje o senador Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Até já.

[intervalo]

Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva, que hoje está entrevistando o Senador, pelo PSDB de São Paulo, Fernando Henrique Cardoso. Senador, o senhor tem muitos cruzados bloqueados?

Fernando Henrique Cardoso: Você sabe que eu quase não tenho? Mas não é que eu soubesse, não, é que eu não tinha [ri].

Jorge Escosteguy: O telespectador Vicente Bianchi, de São Paulo, pergunta: “Qual seria a postura do partido se a partir de setembro o governo não devolvesse os cruzados bloqueados?”. E eu acrescentaria lhe perguntando se há viabilidade de se devolver ao mercado essa enxurrada de dinheiro.

Fernando Henrique Cardoso: São duas questões. Primeiro, nós tentamos de toda maneira, na negociação do Congresso, durante a votação do Collor 1 [Plano Collor 1], desbloquear cruzados pelo menos até um nível mais elevado. Aquilo foi, a meu ver, uma violência, um engano bloquear as pequenas poupanças. Segundo, eu acho que é impensável que não devolva, tem que devolver, porque se não devolver, estão arranhando de novo as leis, o estado de direito e tudo mais. Tem que devolver. Terceiro, a sua pergunta, e é aí que a porca torce o rabo. Por quê? Porque são quatro bilhões de dólares que vão ser devolvidos a partir de setembro.

Jorge Escosteguy: Não são quase dez [bilhões]?

Fernando Henrique Cardoso: A partir de [setembro]; quatro [bilhões] por mês. Como vai ser isso? Quais são as conseqüências disso? Razão adicional para nós estarmos todos aflitos com o Brasil. Todo mundo diz: bom, mas o governo conseguiu não ter mais déficit no orçamento. É verdade, só que é no orçamento corrente. Todo mundo sabe que daqui a pouco ele tem um tremendo problema, que é a devolução dessa massa de recursos que está bloqueada lá. Todo mundo sabe que há uma porção de contas que estão bloqueadas, atrasadas.

José Márcio Mendonça: Senador, sobre uma declaração sua, eu gostaria que o senhor explicasse direitinho. O senhor disse que foi um engano bloquear as pequenas propostas. Quer dizer, [bloquear] as outras, o senhor acha que não foi uma violência, uma agressão à Constituição?

Fernando Henrique Cardoso: Violência foi. Agora, no caso das pequenas, foi uma violência inútil, porque o peso delas não era grande, do ponto de vista da massa global, e o desastre ocasionado na população foi muito grande. Mas violência foi para todos.

José Carlos Bardawil: Senador, hoje existe no Brasil uma profunda descrença na política, nos políticos, em soluções políticas para melhorar a situação do país. O senhor acha que essa situação de total descrença pode facilitar a implantação do parlamentarismo? Porque eu já ouço falar, de pessoas do povo, que o parlamentarismo é uma solução, e isso é uma coisa que alguns anos atrás a gente não ouvia.

Fernando Henrique Cardoso: A primeira questão a enfrentar é essa [...], mas, na verdade, na opinião pública, isso pode vir confundido. Há uma descrença nos políticos, sabidamente, generalizada, há razões para isso, muitos políticos deram margem para que essa descrença existisse, com esperanças frustradas, eleição do Tancredo, morte do Tancredo, governo Sarney, que não foi dos mais felizes da República, para dizer docemente, e agora o Collor, que vem com muita ênfase em promessas que ele não pode cumprir, então o povo está desiludido. Eu não sei se já há uma consciência do parlamentarismo. Eu acho até que é importante fazer uma distinção, mostrar bem que a vantagem principal do parlamentarismo, a meu ver, é que no parlamentarismo o Congresso é solidário ao executivo. Ele não pode fazer o que hoje pode. Hoje, o Congresso deixa: ah, isso é problema do executivo, e não tem responsabilidade nenhuma, é até um “torço contra”. Então, a maioria atual é sempre uma maioria precária, e sempre está até com capacidade de pressionar e até mesmo de chantagear o executivo. No parlamentarismo, não, porque se cai o executivo, conforme a queda dele, também cai o Congresso, também a Câmara é dissolvida. Então, tem um remédio muito forte para que haja uma conduta mais responsável. E dois: essa responsabilidade se manifesta não só no ato do escolher o primeiro-ministro e aprovar o gabinete, mas na de sustentar a política do gabinete, porque senão cai. Hoje, acho que nós estamos no pior dos mundos, porque o Congresso pode ser levado à demagogia fácil, porque ele não paga preço nenhum.

Florestan Fernandes Jr.: Senador, como pode existir parlamentarismo quando não há proporcionalidade de deputados? Porque tem mais deputados do Nordeste do que deveria, por exemplo.

Fernando Henrique Cardoso: Eu acho que esse é um dos problemas sérios. [...] questão de São Paulo, efetivamente, é uma distorção do princípio representativo. Acho que nós temos de reabrir essa discussão para poder fazer o parlamentarismo...

José Carlos Bardawil: O senhor vê chances de o parlamentarismo...?

Fernando Henrique Cardoso: Eu vejo, mas eu vou dizer com sinceridade: para que isso ocorra, nós precisamos, primeiro, ter uma idéia mais clara de que tipo de regime parlamentarista. Precisamos desenhar o que é isso. Depois, mostrar ao povo como funciona o parlamentarismo. Dois, e aí a pergunta sobre a antecipação do plebiscito tem de novo sentido, porque os candidatos a presidente da República, à medida que vão se fortalecendo como candidatos, vão se opondo à mudança de regime. Na verdade, o aliado potencial no caso é o presidente atual, porque já é presidente, como o Sarney poderia ter sido. Então eu acho que se não houver na discussão nacional alguma coisa mais sólida sobre o parlamentarismo, vai ser difícil. Se houver essa proposta mais sólida, se a sociedade se convencer disso e se as forças políticas se entenderem sobre o porquê desse parlamentarismo, é possível que nós tenhamos um regime parlamentar, que tem vantagens. O regime presidencialista é um regime que distorce tudo, até o próprio poder do presidente, porque aumenta a desconfiança que os próprios ajudantes têm uns dos outros com relação ao presidente; a fofoca também aumenta muito; há uma ligação entre alguns setores políticos do Congresso com os setores da burocracia, tudo atacando às vezes o próprio executivo. Quer dizer, não é um regime tão forte quanto parece. Mas, por outro lado, ele bloqueia, por causa dos mecanismos disponíveis, as formas de ampliação nas participações nas decisões. Então, nós ficamos no pior dos mundos com esse nosso presidencialismo assim imperial. O único lugar onde o presidencialismo funciona é nos Estados Unidos, mas os Estados Unidos têm, primeiro, um sistema judiciário diferenciado do nosso, com muito maior peso; uma sociedade muito mais ativa; uma renovação da Câmara a cada dois anos; e o voto é distrital. Há outros mecanismos que compensam o poder do presidente. O Congresso nos Estados Unidos põe e dispõe sobre o orçamento, que é uma maneira muito mais ampla do que o nosso. Então, há contrapesos. No nosso sistema, não há nada disso: aparentemente, o presidente tudo pode; as críticas são sempre endereçadas ao presidente e, na prática, ele não pode tanto assim, mas ele pode atrapalhar, e atrapalha. Então eu acho que nós deveríamos realmente marchar para o parlamentarismo. No parlamentarismo, o atual “gabinete”, para pô-lo assim, já teria caído, e o presidente não e nós já teríamos encontrado fórmulas de nova negociação.

Jayme Martins: Mas se não for o parlamentarismo para já, não correríamos o risco de mais tarde termos uma solução parlamentarista apenas como solução para a crise como aconteceu com João Goulart?

Fernando Henrique Cardoso: Aí seria muito mau. Eu acho que nós deveríamos preparar desde já a discussão do parlamentarismo e enfrentar o plebiscito. Sem plebiscito não vai, por uma razão simples: se a população não estiver realmente entendendo do que se trata, é um engodo, é nós não queremos esse engodo. Eu não sou a favorável ao golpe parlamentarista.

Carlos Alberto Sardenberg: Senador, o senhor havia dito, em outra resposta, sobre aquela questão do empobrecimento do país. Às vezes dá a impressão de que é até pior que isso, que o Brasil está piorando, acabando. O país empobreceu 5% no ano passado, quando ele precisa crescer 5% ao ano só para dar emprego aos jovens que chegam ao mercado de trabalho. O senhor falou daquela questão da consciência de que os estados estão quebrados...

Fernando Henrique Cardoso: A começar pelo estado de São Paulo.

Carlos Alberto Sardenberg: ...quer dizer, os estados brasileiros estão falidos, e ao mesmo tempo em que a gente vê isso, que o estado está quebrado, atrasa salários e tal, a gente vê salários milionários pagos a magistrados, conselheiros, procuradores etc. Não lhe dá a impressão de que o Brasil está indo para um buraco monumental, está piorando e, sei lá, a gente está discutindo...

Carlos Tramontina: Como está o Congresso diante disso tudo? O Congresso tem consciência da situação em que o país se encontra e da importância de ele atuar de alguma maneira?

Carlos Alberto Sardenberg: O Brasil atrasou-se dez anos, uma década de empobrecimento.

Fernando Henrique Cardoso: Vou responder às duas questões...

Jayme Martins: Acrescentando a essa colação do Tramontina: em relação à legislação anterior, o senado considera que o Congresso e os partidos estão mais ou menos amadurecidos para enfrentar o agravamento da crise?

Fernando Henrique Cardoso: Começando pela questão do empobrecimento: esse empobrecimento é real. Todo mundo está vendo os resultados dele, e ele deriva de muitas coisas. O mundo mudou, e o Brasil não entendeu essas mudanças que ocorreram no mundo. O que mudou no mundo? Mudou basicamente o modo de produzir; a transformação tecnológica [foi] brutal, não só a microeletrônica, a biogenética, [mas] todos os novos materiais, tudo isso que alterou, o que é importante, como também mudou o modo de organizar a produção. Ainda hoje, na USP, eu discuti um pouco essa questão. Eu li recentemente um trabalho de um economista de Berkeley, Stephen Cohen, que faz uma análise do que aconteceu no Japão, nos Estados Unidos e na Europa. Houve uma mudança na organização da produção. A linha de produção, o taylorismo e o fordismo, que foram a espinha dorsal da organização da economia moderna, estão dando lugar ao que eles chamam lá de organização enxuta, ou então a produção em massa flexível, em que você dá muito maior responsabilidade ao trabalhador direto e o qualifica mais, aumenta o nível de educação dele, de competência, e ele pode parar a linha, ele pode resolver na linha. Isso tem dado ganhos de produtividade do Japão incalculáveis sobre os Estados Unidos. Essa mudança que o mundo moderno... o que é o mundo moderno hoje? É empresa, mas empresa no sentido amplo, quer dizer, é organização, mais ciência e tecnologia, mais criatividade e, portanto, liberdade. Isso matou a economia centralmente planificada. A União Soviética perdeu chances, no momento em que, dogmaticamente, o partido comunista soviético não acreditou no que chamavam então de cibernética, porque diziam que era uma regra binária que não dava lugar à dialética, então a informatização ficou para trás, [e foi] recuperada anos depois, [mas] só na área militar. Hoje, você vai lá e não existe informatização. Não tem clima de liberdade para aumentar a criatividade, nem responsabilidade que passa diretamente para o trabalhador. Então, isso mudou o mundo, e o Brasil ainda pensa que ainda hoje depende de ter riquezas naturais e mão-de-obra barata. Esses são dois elementos muito pouco importantes para o futuro. A mão-de-obra barata é negativa, não é positiva; foi positiva antes, em um certo tipo de exploração, hoje não. Hoje, em grande medida, ela é inempregável e não é mais nem explorável, fica à margem, isso está acontecendo no mundo. Vários setores da humanidade estão ficando à margem. Nós não estamos ainda à margem, mas corremos o risco de ficarmos desimportantes, nem para sermos explorados, porque hoje a exploração se faz de outra maneira, não é nessa base. E nós não fizemos aquilo que os países asiáticos fizeram, os tigres asiáticos. Eu li também recentemente um livro do professor Manuel Castells, que estuda Cingapura, Hong Kong, Taiwan e Coréia, onde se vê claramente o seguinte: lá, primeiro, o Estado teve um papel enorme, assim como no Japão. Aqui, nós estamos achando que a questão toda é desregular: deixa o mercado, que dá tudo certo. Eu sou favorável ao mercado; acho que a regra fundamental do mundo moderno é o mercado e é a iniciativa livre, mas compensada. Compensada por quê? Porque eles fizeram lá nos países dos tigres asiáticos; fizeram distribuição de renda, e em alguns deles até da propriedade, da terra. Então isso mudou o padrão da sociedade; eles não fizeram outro passo; deram a liberdade, que é necessária para que haja um mundo realmente moderno, sem você pôr aspas nem ter medo de dizer a palavra. Nós aqui descuidamos disso. Então, quando a gente fala de modernização, parece piada. Modernizar o quê, com essa massa de analfabetos? Modernizar, se não tem hospital? Modernizar, se a pessoa trabalha, trabalha e não tem nem a esperança de ter uma aposentadoria condigna? Isso não é modernização. Então, o Brasil ficou para trás em tudo isso na década de 80, desde 70, que deu um grande salto, mas antigo, baseado em um tipo de industrialização pesada: aço, esse tipo de coisa, e ainda na forma antiga de exploração capitalista. Hoje não; nós ficamos para trás. Nós não entendemos que é preciso comerciar, e hoje o comércio mundial cresce acima do produto bruto mundial. Há maior relação de trocas do que o próprio produto bruto interno. Nós aqui ainda fazemos uma oposição antiga entre externo e interno, como se para crescer o mercado interno não pudesse ter o externo. É o contrário: tem que haver uma exportação para poder melhorar o nível de vida e para poder também haver o mercado interno. Nós ainda não vimos isso.

Carlos Alberto Sardenberg: A exportação aumenta o mercado interno.

Fernando Henrique Cardoso: A exportação aumenta o mercado interno, não diminui. Nós não vimos isso. Nós não percebemos que a economia realmente se internacionalizou. Eu gosto de repetir sempre a expressão de um comunista italiano, Giorgio Napolitano, secretário de relações internacionais do Partido Comunista, que deu uma entrevista à IstoÉ Senhor, em que ele disse o seguinte: “O problema não é saber se vai haver ou não internacionalização, é se nós vamos nos internacionalizar ou eles nos vão internacionalizar”. Então, se nós vamos definir os modos pelos quais vamos participar do mercado ou nem disso vamos ter essa chance. Nós perdemos tudo isso; nós não vimos nada disso; ficamos sempre no cara ou coroa, na briguinha menor, não percebendo os grandes desafios. Então estão aí esses grandes desafios.

[...]: Qual é o papel do Congresso...?

Fernando Henrique Cardoso: O Congresso também não percebeu. Para ser totalmente sincero, também não percebeu, assim na média do Congresso.

José Carlos Bardawil: O senhor não tocou em um dos pontos básicos da pergunta dele, que eu acho fundamental, é essa história de o Brasil ser o país dos privilegiados, de classes privilegiadas...

Fernando Henrique Cardoso: Sim, mas eu disse, com a desigualdade social, não dá...

José Carlos Bardawil: Não há saída para isso?

Fernando Henrique Cardoso: Há saída sim.

José Carlos Bardawil: O Congresso não mexe, a Constituinte não mexe, ninguém mexe.

Fernando Henrique Cardoso: Há saída sim. A Constituinte mexeu em alguma coisa; o Congresso tem de mexer mais; a sociedade tem de reagir mais. Qual é a saída? É aumentarmos o nível de consciência disso e votando a favor. Agora, você perguntou sobre o Congresso atual. Eu acho que o Congresso anterior... esse é o terceiro Congresso de que eu participo. No primeiro, era ainda o regime autoritário, general [João Batista] Figueiredo presidente, era um Congresso, digamos assim, sem garra. Aliás, o parlamento... o Bardawil andou por lá naquela ocasião, nós tínhamos muita pompa, mais do que hoje, mordomia e nenhum poder. O Congresso andava meio às moscas, ou então os parlamentares ficavam lá nas repartições públicas tratando de obter favores para os seus eleitores, para suas cidades e tal. Depois, veio o Congresso de 86 e a Constituinte, aí mudou. Mudou porque houve muita vitalidade, a sociedade invadiu o Congresso, grupos de pressão, eram freiras, eram militares, até banqueiros apareceram por lá, coisa que antigamente [não ocorria, porque] eles não saíam dos seus casulos.

Jorge Escosteguy: Até banqueiros ou principalmente [com ênfase]?

Fernando Henrique Cardoso: Não, principalmente não, porque o banqueiro não aparece; pode ser até que tenha interpostas pessoas, mas aparecer fisicamente é um progresso, porque vê como é, negocia e discute, claramente. Militares, sindicatos, aquela coisa toda. Eu tenho a impressão de que o Congresso de 86 se exauriu na Constituinte. Quando terminou a Constituição em 88, ele cansou e não fez mais nada. Ele ficou praticamente desarvorado...

José Carlos Bardawil: [interrompendo] Ou seja, a idéia correta seria uma Constituinte exclusiva, não é?

Fernando Henrique Cardoso: É possível, [mas] não sei se seria muito diferente. Mas, de qualquer maneira, se esgotou naquela função e não teve condição de dar outros saltos. O atual vem com mais gás, respondendo ao Jayme. Tem mais presença, está com [...] mais elevado, está querendo exigir, como nessa questão das medidas provisórias. Eu acho que ele tem mais gás, e também a sociedade hoje cobra mais, e isso é bom, porque não vai haver modificação de nada disso se a sociedade não tiver consciência e não cobrar. A classe média tem que entender que os privilégios também a pegam [...].

Clóvis Rossi: Senador, e o executivo, o presidente Collor tem noção desse brutal atraso?

Fernando Henrique Cardoso: Retórica. Eu acho que o presidente Collor fez discursos colocando essas questões... ainda o último dele ao Congresso.

Jayme Martins: O último foi o de hoje, lá na fronteira...

Fernando Henrique Cardoso: Esse eu não li. Mas no último que ele fez no Congresso, ele colocava essas questões. Ele viu alguns aspectos importantes da necessidade do aggiornamento do Brasil, mas eu acho que entre a proposta e a ação tem um vazio. O governo atual é um governo que não tem gestão, não tem controle. Entre o que diz e o que faz, vai uma distância grande. Não tem nem equipe para fazer isso. Talvez por isso que busquem tanto outros partidos, e também a questão da credibilidade, que lhe adveio inicialmente das urnas, mas que vai se esgotando. Então, o que é o governo hoje? É o presidente... Tem um livro de um romancista americano chamado [William] Saroyan [1908-1981], que se chama O jovem audaz no trapézio volante. No fim da minha adolescência, eu gostava muito de ler esse autor. Bom, o presidente parece que é o jovem audaz no trapézio volante: [...] está lá no trapézio, propõe uma coisa, outra, mantém a marca e tal, faz cooper e manda uma mensagem; ele tem muita capacidade de mandar mensagens subliminares. Tudo bem, então está o presidente. E de vez em quando ele quebra a louça, quer dizer, ele não é um presidente conformista nem conservador, ele vai lá e quebra a louça. Depois, o que sobra? A equipe econômica. Qual é o problema desta ou de qualquer outra equipe econômica...?

Jorge Escosteguy: O que o senhor acha da equipe econômica do governo Collor?

Fernando Henrique Cardoso: Eu acho que é gente séria, competente, mas que ainda acredita, no fundo, no fundo: “Meu Deus, como seria boa a vida boa se não tivesse política; como o Congresso atrapalha; como o conflito é chato”. Se houvesse a possibilidade de produzir aquelas idéias em uma redoma, em condições quimicamente puras, daria tudo certo. Infelizmente, a vida não é isso, a vida é conflito, é interesse e contradição. Então, não é a qualidade da equipe, é o elo político e a noção de que a economia não depende de uma boa idéia, mas de bom processo. E depois, além da equipe econômica, tem o ministro [da Justiça Jarbas] Passarinho, que é o único elo político – e novo, que está no Congresso, não novo o Passarinho, mas para o governo – tentando fazer alguma coisa, e nada mais. Então, tudo se perde um pouco no inefável, lá em cima: proposta correra, mas cadê a ação? Como se articula para chegar lá?

José Carlos Badawil: Por falar em elo político, nesse momento o Congresso tenta, como o senhor mesmo já revelou aqui, mexer na medida provisória, e no entanto o presidente resiste, já declarou várias vezes que não se pode mexer nesse assunto. O que o senhor pode informar aos telespectadores do Roda Viva sobre essas negociações que estão se processando nesse momento para que o presidente aceite uma forma de as medidas provisórias serem reduzidas?

Fernando Henrique Cardoso: Medida provisória é o seguinte: a Constituição declara que, em caráter excepcional, urgente e relevante, o presidente pode baixar, com força de lei, uma medida provisória que deve ser julgada pelo Congresso em trinta dias. Muito bem, no início do governo Sarney, quando ele começou a baixar essas medidas, nós ficamos assustados. Então, o projeto de resolução número um do Congresso Nacional é de iniciativa minha; aliás, minha e do então senador Itamar Franco, hoje vice-presidente da República, que foi substituído depois por uma proposta correta do deputado Nelson Jobim. Esse mecanismo que nós propusemos diz o seguinte: antes de dizer sim ou não, o Congresso tem que tramitar essa medida provisória. E nós inventamos uma coisa... foi o Jobim quem inventou, chamada “juízo de admissibilidade”, ou seja, o Congresso tem de dizer se a medida é urgente e relevante. De fato, portanto, o Congresso pode parar o presidente; não parou porque não teve coragem, porque o Congresso tem os instrumento para dizer não. Já tem esses instrumentos. Com isso, eu não estou dizendo que eu não vou votar a favor de ampliar essa... ou de definir melhor. Mas não é por isso que está virando essa enxurrada. Agora, o deputado Jobim novamente fez uma proposta arredondando um pouco mais essa questão, dizendo o seguinte: certas medidas, o presidente não pode baixar, sob a forma da provisoriedade, porque elas constitucionalmente são vedadas ao presidente. Matéria tributária, por exemplo, é só no ano seguinte, embora haja uma discussão sobre se o presidente deva ou não incluir a área tributária nas medidas provisórias, mas certamente matéria penal não pode, porque daí você condena alguém à morte a partir de uma lei que dali a trinta dias não vale mais. Então matéria penal não pode. Há outras que a Constituição diz que são de exclusiva competência do legislativo, então também não pode, ou do judiciário, também não pode. Então, o que o Jobim está fazendo é uma codificação do que já existe. O que falta mesmo ao Congresso é a vontade de dizer não, e precisa dizer.

Carlos Alberto Sardenberg: O que quer dizer o juízo de admissibilidade? Por exemplo, o governo diz assim: os preços estão congelados; o Congresso se reúne e fala: não, isso aqui não é uma medida urgente, então...?

Fernando Henrique Cardoso: Acabou.

Carlos Alberto Sardenberg: Dança tudo?

Fernando Henrique Cardoso: Dança...

Carlos Alberto Sardenberg: O Plano Collor 2, por exemplo, [o Congresso] podia dizer...?

Fernando Henrique Cardoso: Na hora. São 11 senadores e 11 deputados que se reúnem e dão um parecer inicial... tem o relator e dão um parecer inicial que vai ao plenário. O que acontece é que o Congresso se deixou, digamos, castrar. Agora nós reagimos. E no ano passado, as comissões nem se reuniam. O líder designava o relator de plenário, e quem fazia isso era o PMDB, que tinha a maioria. Agora, como o PMDB perdeu, aparentemente, a maioria, quer outras medidas para compensar. Mas, de fato, ele tinha a faca e o queijo na mão, e só não fez porque, por razões políticas...

José Carlos Bardawil: [interrompendo] Mas o senhor acha que, dessa vez, vai sair ou o Congresso mais uma vez vai se ajoelhar perante o executivo?

Fernando Henrique Cardoso: Não, eu acho que, dessa vez, existe a vontade política de barrar esse abuso. Veja, nós defendemos a medida provisória na Constituição; essa proposta foi do Ulysses [Guimarães] e do Nelson Jobim, e é correta. É verdade que foi tirada do direito italiano, onde há o sistema parlamentarista, em que a maioria garante sempre. Mas, no mundo moderno, você precisar ter uma medida de urgência. O que está errado? É o abuso. [São] 168 [medidas provisórias]. E por que está errado? Porque isso perturba, não só pela insistência, e em algumas em matérias que não são nem urgentes nem relevantes, e aí é erro do Congresso em não barrar, mas porque isso perturba o processo legislativo. Nós, ao invés de julgarmos na Câmara primeiro, no Senado depois, ou vice-versa, uma lei, discutirmos, negociarmos e aprovarmos um texto, não, nós estamos o tempo todo sendo chamados pelo presidente da República, que dá o nosso dia-a-dia. Quem dá a lição de casa para nós é o presidente da República, porque ele faz a medida provisória: [por exemplo] o Jayme Martins não pode mais usar óculos. Nós vamos lá discutir. Mas será que ele tem o direito de tirar os óculos de um cidadão? Perde-se um tempo enorme nessa discussão.

José Carlos Bardawil: O senhor fez uma observação muito importante. O senhor disse aqui, agora mesmo, que a medida provisória foi feita para um regime parlamentarista que depois não veio, veio foi o regime presidencialista. Então eu pergunto: não foi um erro, então, manter a medida provisória, que dá tantos poderes ao executivo, em um regime presidencialista, em que o executivo já tem poderes imperiais, como o senhor qualificou aqui?

Fernando Henrique Cardoso: Eu acho que sim. Eu acho que nós deveríamos rever essa matéria, embora sempre deixando margem para que existam algumas medidas de urgência. Qualquer país moderno tem isso. O erro maior não é esse. O erro maior é político, é o Congresso não barrar, dizendo não.

Roseli Tardelli: Pois é, senador, o senhor fala do Congresso e me vem a imagem do deputado Roberto Cardoso Alves, do “é dando que se recebe”.

Fernando Henrique Cardoso: A ética franciscana? Coitado de São Francisco.

Roseli Tardelli: Esses novos parlamentares, essa nova legislatura vai mudar essa imagem no Congresso, senador?

Fernando Henrique Cardoso: Eu espero que sim. Aliás, devo fazer justiça, o próprio governo não entrou nesse sistema do “dá cá, toma lá”, pelo menos não generalizou esse sistema. Eu espero que sim. Acho que isso é muito ruim, essa coisa do “é dando que se recebe”.

José Márcio Mendonça: O senhor diz que espera que sim, mas num primeiro momento mais importante o Congresso já fraquejou, quer dizer, pelo menos a Câmara já votou que o governo pode continuar baixando medidas provisórias sobre tributária, caderneta de poupança e depósito, exatamente o que todo mundo tem medo.

Fernando Henrique Cardoso: Tributária não. Votou outra: que pode dar medidas provisórias... tributária está em suspenso.

José Márcio Mendonça: Não, tributária foi votada e [...], o senhor está com esperança [...].

Clóvis Rossi: [...] antes de chegar lá, aceitou, admitiu o Plano Collor 2, consubstanciado em medidas provisórias, nem sei quais são... E já é o novo Congresso.

Fernando Henrique Cardoso: Veja, não adianta a gente... é fácil atacar com estilingue, não é? Tem que entender as razões das coisas. O Plano Collor 2: ao votar não, você acaba com o congelamento na hora. Isso não tem muita importância, só que provoca uma crise inflacionária imediata. Então, você fica entre a cruz e a caldeirinha. O que o Congresso tem feito não é dizer sim, é dizer: olha, do jeito que está vindo essa lei, eu não voto, vamos mudá-la, e tem mudado a lei. Faz o projeto de conversão, porque você tem uma tremenda responsabilidade, você aperta o botãozinho ali...

Clóvis Rossi: Mas não mudou; a questão do congelamento não mudou...

Fernando Henrique Cardoso: Não, do congelamento não, porque se tirássemos o congelamento, explodiria a inflação.

Clóvis Rossi: Na prática não há congelamento, exceto no supermercado.

Fernando Henrique Cardoso: Não. Vai perguntar para população, e a população já respondeu ao seu jornal por que ela sustenta o congelamento. Porque, por mais impreciso que seja, algum benefício ele dá para o povão; não para nós, mas dá para certo tipo de mercadoria. E não é essa a questão no caso, não é nem isso, é que o sinal do Congresso ao dizer não para isso, ele explodiria a política econômica toda. Então, o que o Congresso fez? O Congresso precisou forçar uma rediscussão dessa política econômica. De novo, não adianta pensar em termos de cara ou coroa, porque o cara ou coroa é fácil quando você não está com a responsabilidade de uma decisão. Quando você está com o poder na mão, você tem que usar esse poder e medir as conseqüências dele. Não é o ato ético só, é a conseqüência desse ato. Eu não estou com isso defendendo que o Congresso não devesse pôr um freio às medidas provisórias, mas eu reafirmo o que eu disse: é preciso que haja algum mecanismo de medida urgente. O que não pode é haver o abuso da medida urgente.

José Márcio Mendonça: Esse seu raciocínio de que o Congresso não pode atuar por causa dos riscos coloca uma situação perigosíssima, quer dizer, o governo começa a baixar o que quer e o Congresso tem que aceitar senão a situação piora... O senhor não acha que nós podemos chegar a isso?

Fernando Henrique Cardoso: Raciocinando por absurdo, sim, mas sem ser pelo absurdo, não.

José Márcio Mendonça: [São] duzentas e tantas medidas provisórias, todas passando um pouco por esse raciocínio.

Fernando Henrique Cardoso: [Medidas] às quais eu acho que nós erramos em várias por não dizer não. Agora, no caso específico do Collor 2, eu estou dizendo as razões pelas quais se disse sim, e depois se mudou o projeto. Porque ao dizer não, você realmente explodiria a situação econômica brasileira.

Clóvis Rossi: O plano, a rigor... a própria ministra disse, dias atrás, que no lançamento do Plano Collor 2 toda a nação estava contra a equipe econômica, conseqüentemente o plano era julgado ruim por todo mundo. Por que então não recusá-lo de cara...?

Fernando Henrique Cardoso: Eu estou dizendo a você: qual seria conseqüência disso? Aqui há economistas, eu suponho... ninguém é? Qual seria a conseqüência imediata disso? Esse é que é o problema. É muito fácil você dizer: joga fora, mas se você apertou um botão e detonou a bomba. Bomba atômica mata, mas mata todo mundo.

Florestan Fernandes Jr.: Alguma coisa tinha que ser feita...

Fernando Henrique Cardoso: Alguma coisa foi feita. Nós não votamos o plano na sua integralidade, nós mudamos uma porção de coisas e votamos não naquilo que nos pareceu que não se devia votar, mas não no congelamento.

Jorge Escosteguy: Senador, mudando um pouco de assunto, o telespectador Carlos Garcia, aqui de São Paulo, queria que o senhor dissesse que diferenças há entre a socialdemocracia do PSDB, seu partido, e a do PDT, do Leonel Brizola.

Fernando Henrique Cardoso: Não sei por que ele não perguntou do PT também, que está cada vez mais social democrático.

Jorge Escosteguy: Mas pelo menos não se diz socialdemocrata.

Fernando Henrique Cardoso: Eu estive em uma reunião em Paris agora com o Lula, no Partido Socialista francês, e ele mandou a mesma carta que eu ao [...], pedindo para ser observador nas reuniões da Internacional Socialista, de modo que eu acho que há uma convergência crescente. Hoje eu li uma entrevista do [...], na Folha, propondo aliás a social democratização do PT. Veja, há diferenças, apesar disso, entre todos esses partidos. No caso do PDT, embora o PDT tenha uma filiação expressa social democrática, o PDT é um partido que está muito ligado à tradição do PTB, de um certo nacionalismo, com a defesa intransigente do estatismo e, até certo ponto, uma defesa corporativista. Isso não é válido para o PT nem para nós. Nós não temos essa mesma visão que tem o PDT. Isso se vê não nas palavras, mas no voto, na hora de votar medidas concretas no Congresso. O voto fica muito diferenciado. Geralmente, o PDT apóia tudo que é medida de um nacionalismo visto à luz dos anos 50, eles votam a favor.

Jorge Escosteguy: De repente, o senhor concordaria com o professor Roberto Campos, que esteve aqui na semana passada, e disse que se pode acusar o governador Brizola de várias coisas, menos de ter tido alguma idéia nova nos últimos trinta anos [risos]. [Refere-se a esta entrevista: http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/648/entrevistados/roberto_campos_1991.htm]

Fernando Henrique Cardoso: Isso é maldade do Campos. Como ele é mais velho do que eu, ele deve saber o que fala [risos].

Jayme Martins: Senador, a instalação, sábado último, aqui em São Paulo, com a sua presença, de uma nova central de trabalhadores, a Força Sindical, significaria, na sua opinião ou na do PSDB algo de qualitativamente novo, diferente na vida sindical brasileira?

Fernando Henrique Cardoso: Veja, primeiro eu fui lá pessoalmente, não tive a representação do PSDB. Agora, eu acho que é importante ter mais uma central sindical, e que não seja ligada a partido. Eu acho que é bom que existam várias centrais sindicais, e que não havendo ligação direta com um partido também amplia a possibilidade de negociação. Sou favorável ao pluralismo nessa matéria, e por isso dei força, ou fui buscar força, não sei, na Força Sindical.

Florestan Fernandes Jr: Eu queria fazer uma pergunta não para o senador, mas para o sociólogo. Uma das coisas que me angustia muito é ver o país num estado de violência quase que completo. As notícias que a gente tem no dia-a-dia de pessoas que são violentadas, que são mortas, as casas hoje são cercadas, tem policiais na rua, enfim, há muita violência. E uma violência que, de certo modo, até parece, em alguns casos, uma maneira que as pessoas encontram de fazer uma redistribuição de renda que não existe no país. O senhor, como sociólogo, acha que essa violência pode provocar uma anarquia no país, ou pode provocar uma guerra civil, ou uma revolução?

Fernando Henrique Cardoso: Eu acho que anarquia no país já existe. E você tem vários setores do país onde você tem “áreas liberadas”: os morros no Rio; a questão do [jogo do] bicho e da droga; sei lá o que está acontecendo nas fronteiras do Brasil com a Colômbia e com a Venezuela. Você já tem muitos setores onde, digamos assim, o estado de direito não tem vigência, e o Estado, como organização pública, não tem capacidade de coibir, portanto, a transgressão das leis. Isso existe, isso é grave e isso se explica, evidentemente, tem mil razões para explicar, um Estado, sociologicamente falando, de quase anomia. Há áreas que são anômicas, quer dizer, não têm um corpo definido de regras, de conduta; pelo menos não são as regras vigentes no resto da sociedade, digamos que são regras próprias, a lei do cão, a lei do bandido etc. Isso existe, isso é muito grave. Se isso vai ter efeitos propagadores, aí eu já tenho muitas dúvidas, porque a sociedade brasileira, nesse aspecto, já é uma sociedade bastante modernizada e, portanto, fragmentada. O que acontece em um lugar não tem influência em outro lugar; ela é muito separada, muito dividida, muito hierarquizada, muito cheia de compartimentos. Isso existe, por exemplo, nos Estados Unidos. Uma coisa que sempre me impressionou nos Estados Unidos é a segregação espacial e a violência que existe em várias áreas. Uma vez eu vivia em Princeton, em um instituto de estudos avançados de Princeton, que é uma área, digamos assim, uma torre de marfim, a universidade, o instituto e tal. E você nem tem preocupação: dorme com a porta aberta, porque tem muita polícia em volta e você nem percebe que tem. Você sai dali e vai para Trenton, que é a capital de New Jersey, onde está Princeton, você entra numa cidade conflagrada, cidade onde tem uma população negra muito forte, e as ruas, as janelas das casas foram fechadas por causa dos conflitos raciais havidos no passado, com tijolos. Então, é uma cidade tenebrosa. Bom, se você sai dali... Uma vez, tinha um aluno meu que era porto-riquenho, descendente de porto-riquenhos, ele me convidou para visitar a avó dele que morava no South Bronx, em Nova York. Quando eu disse em Princeton que eu ia ao South Bronx foi um pânico: não pode, porque a violência... mas eu fui. Fui com esse meu aluno, e aquilo parecia uma cidade bombardeada, na região que é depois do Harlem, subindo lá depois de Manhattan. Você chega lá no South Bronx, você tem essa senhora, a avó desse meu aluno vivia sozinha com uma neta, e na casa ela tinha cancelas, trancas nas portas e enormes cachorros. E ela não podia fazer compras, senão acompanhada de uma gangue porto-riquenha, porque a gangue dos outros, italianos, judeus, não sei o que lá, batia em quem não estava acompanhado das suas defesas. É violência pura. Os Estados Unidos são uma sociedade onde isso existe abundantemente, terrivelmente, coisa que já não existe na Europa, e aí eu acho que é mérito de ter havido na Europa políticas sociais mais fortes, melhor distribuição de renda, mais, enfim, luta contra isso. Infelizmente, o Brasil é uma sociedade americana, não é européia, nesse aspecto. Então, é possível que nós tenhamos aqui um mundo difícil, duro, um mundo de isolamento, segregação, sem que daí derive, como não derivou nos Estados Unidos, uma possibilidade de uma comoção mais geral. Então, é o pior dos mundos, porque quem está submetido a essas regras da violência, está perdido. E claro, depois, mais tarde, a violência acaba se ligando ao poder; a máfia se liga ao poder, à política, e aí a coisa complica muito. Então, a nossa situação, a meu ver, é mais essa do que de uma iminente revolta. Pior: é uma violência larvar, sem esperança de solução.

Clóvis Rossi: Eu queria voltar à questão do PT, PDT e PSDB. O senhor não acha que tem partidos social-democratas demais no Brasil para pouco voto?

Fernando Henrique Cardoso: Pouco voto? Em conjunto, eles tiveram mais de trinta milhões votos, quer dizer, não se pode esquecer que o nosso sistema aqui é de dois turnos, e nós temos que aprender a jogar com os dois turnos. E esses três partidos juntos tiveram trinta milhões de votos e foram eles que enfrentaram o outro partido, o outro lado, não foi?

Clóvis Rossi: Isso na última eleição presidencial, [mas] na eleição mais recente para governador, nenhum dos três teve lá muito voto, nem somando os três.

Fernando Henrique Cardoso: Acho que é preciso aprender essas coisas, mas devo dizer, com toda a sinceridade, e vou repetir o que eu já disse. Cada eleição é um episódio à parte, e depende não tanto da estrutura dos partidos; no Brasil, depende muito dos candidatos, da capacidade naquele momento de o candidato tocar em uma corda da opinião pública. Isso eu não digo para justificar a existência de três ou quatro partidos, foi a história que criou esses partidos. Eu acho que esses partidos deveriam, cada vez mais, negociar entre si. Aliás, pessoalmente, eu sempre me forço para que isso ocorra. Pelo menos eu mantenho conversas constantes com o Brizola, com o Lula. Eu acho que é importante que se forme um pensamento social mais amplo; acho que não deve se confinar esses partidos, esse pensamento... há setores do PMDB que são social-democratas. Historicamente, eles se dividiram dessa maneira. Eu não sou muito daqueles que acreditam na necessidade de um só partido para unir, nem acredito que a mudança decorra da força de um partido. Eu acho um pouco, como falei da sociedade americana, da sociedade moderna... na sociedade moderna, a mudança se dá em vários níveis, e muitas vezes desengonçadamente, com a pressão da sociedade. O que é importante é que haja um pensamento que leve a mudança em favor da maioria: políticas sociais capazes de sustentar o bem-estar geral. Eu acho que isso, se possível, com aliança entre os partidos, se possível; senão, como Deus permita. São circunstâncias [...].

Carlos Tramontina: Eu gostaria de fazer uma pergunta ao senhor sobre política local. Eu gostaria que o senhor analisasse esse final de governado Quércia. O governador admitiu que gastou todo o dinheiro que tinha e que não tinha para eleger o candidato dele, Fleury Filho, e conseguiu eleger. Em seguida, as obras nas estradas pararam; ao funcionalismo, atrasou o pagamento cinco vezes, coisa que nunca aconteceu. Mesmo assim, o governador, na recente pesquisa publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, tem mais de 50% de aprovação da população. O que o senhor acha de tudo isso e como fica o futuro do PSDB aqui em São Paulo diante da máquina Quércia que vem com força total por aí?

Jorge Escosteguy: Essa pergunta também é feita pelo Marcelo Taca, de Presidente Wenceslau, e pelo Luís Antonio, de Jacareí. O Luís Antonio quer saber como o PSDB vai enfrentar o PMDB de Quércia na disputa para a eleição presidencial.

Roseli Tardelli: E aproveitando que o senhor voltou a dar aulas hoje, senador, que nota o senhor dá para o governo Quércia?

Fernando Henrique Cardoso: [ri] Eu reprovo. Eu saí do PMDB por causa disso. Nota abaixo da média.

José Carlos Bardawil: Senador, só aproveitando essa pergunta que é mais ou menos a que eu ia fazer, só que a minha é um pouco mais pessoal. Eu gostaria que o senhor fizesse uma análise dos três candidatos mais fortes, pelo menos no momento, para a Presidência da República, que são o Quércia, o Brizola e o Lula.

Fernando Henrique Cardoso: Vamos do local ao nacional. Vocês não querem saber quem vai ser o secretário-geral da ONU? A gente pode palpitar também [risos]. [...] Eu acho que, no Brasil, o crime compensa, pelo que parece, porque se isso que você está dizendo é verdade, o que a gente vai fazer? Se o governo realmente deixa o estado com déficit pesado... e é verdade isso, não é? E, aliás, surpreendentemente, o governo atrasa salário. Se na área de educação, na área de saúde... na educação, ainda fez alguma coisa, mas [houve] muita rotina; um ou outro secretário tentam fazer, mas a marca do governo foi fazer obras, e isso eleitoralmente compensa. E você precisa dizer: bom, quem sabe o país queira realmente mais cuidar dos monumentos do que das pessoas. Mas eu repito, isso é o momento, e isso deriva do fato de que o governador Quércia tem muita capacidade de criar um sistema e de fazer com que as pessoas se sintam parte desse sistema: o sistema que ele faz com os prefeitos, com os deputados, com os seguidores, com os membros do partido, com os membros da sociedade que se dispõem a colaborar com o governo. Ele fica como uma espécie de chefe desse grande sistema. Eu acho que a força conservadora maior no país, hoje, é essa. É a força de um líder que consegue realmente aglutinar em torno de si... que tem êxito nessa aglutinação, e que na verdade não tem nenhuma proposta de mudança substancial. Não tem sequer algum pensamento mais vivo, como tem o próprio Collor... você pode discordar dele, mas ele propõe: vamos internacionalizar, vamos participar do mercado internacional, vamos modernizar a ciência e a tecnologia, vamos mudar a questão do meio ambiente...

José Carlos Bardawil: Quer dizer que o senhor prefere o Collor a Quércia. Seria isso?

Fernando Henrique Cardoso: Você está preferindo, pelo jeito, eu estou fazendo uma análise [risos].

José Carlos Bardawil: E eu estou perguntando, baseado em suas análises.

Fernando Henrique Cardoso: Parece que minha análise o levou a preferi-lo.

José Carlos Bardawil: Não, não, eu estou fazendo uma conclusão em cima de suas palavras.

Roseli Tardelli: Eu pedi a nota, senador, o senhor não deu a nota.

Fernando Henrique Cardoso: Eu reprovo, mas eu tenho que qualificar. Eu reprovo porque, para mim, política é mudança e mudança em termos de novas práticas, de reorganização da vida, da sociedade, então eu reprovo. Isso não quer dizer que ele não tenha sido um governador, administrativamente, capaz. Só que, no final, essa capacidade administrativa deixou um buraco enorme no estado. Eu nunca vi São Paulo de joelhos diante da União, e hoje está. Quer dizer, o Banespa, que é um banco sólido, está ameaçado porque o governo não paga o Banespa. E isso vale para tudo, inclusive agora não sei como vão ser pagas as obras que virão daqui para frente, os empreiteiros e tudo mais, de modo que eu dou [nota] três.

José Carlos Bardawil: Mas o senhor não falou de Lula e de Brizola ainda.

Fernando Henrique Cardoso: Vou falar, quer que eu fale? Se houver tempo, eu falo.

Jorge Escosteguy: Lula e Brizola, rápido, e uma última pergunta.

Fernando Henrique Cardoso: Primeiro, vai ser parlamentarista o sistema, de modo que eu acho que precisa ver qual deles tem mais vocação para ser presidente em nível internacional e tal, que lide com a política externa. Segundo, eu acho o seguinte, eu acho que haverá outras opções: aqui mesmo acabaram de propor o nome de um companheiro, que é o Tasso; não sei se será este, mas o partido terá um candidato, e ninguém pode dizer de antemão se tem ou não tem chance, porque o Collor não tinha chance nenhuma.

José Carlos Bardawil: Mas o senhor disse que vai ser parlamentarismo agora?

Fernando Henrique Cardoso: É, eu aposto no parlamentarismo.

José Carlos Bardawil: Isso é uma aposta? Porque antes o senhor não tinha uma resposta tão conclusiva sobre parlamentarismo [risos].

Fernando Henrique Cardoso: Olha como é difícil a gente entender as coisas. Eu disse outra coisa, eu disse quais eram os obstáculos [...]. Eu sou parlamentarista e eu tenho que agir em função disso.

Jorge Escosteguy: Senador, conclua, por favor, porque o tempo está se esgotando.

Fernando Henrique Cardoso: Eu acho que, se for o caso, e havendo dois turnos, um desses dois... Nós já apoiamos uma vez o Lula; apoiaríamos o Brizola... eu, pessoalmente, não teria dificuldade em apoiar o Brizola, dependendo de quem seja o outro, [que] pode ser um dos nossos; então, neste caso, eu fico com o nosso. Eu estou torcendo para que aconteça isso, aí eu pediria o apoio deles para nós.

Jorge Escosteguy: Uma última pergunta, até em função dessas interpretações que a imprensa faz, de declarações ou da própria posição do PSDB, aquele discussão sobre o “depende” do começo do programa, o Carlos Mesquita Neto, aqui de São Paulo, pergunta como o senhor convive com a “burrice” conveniente de grande parte da imprensa, pois para ela muita coisa "depende”.

Fernando Henrique Cardoso: [ri] Eu não acho que a imprensa tenha burrice; eu estou vendo aqui um show de inteligência, tanta que eu fiquei confundido a todo instante [risos].

Jorge Escosteguy: Nós agradecemos a presença do senador Fernando Henrique Cardoso [risos].

Clóvis Rossi: Candidato a alguma coisa.

Fernando Henrique Cardoso: A membro da imprensa, quem sabe? A repórter. Escrever de vez em quando eu escrevo, quer dizer, eu posso ser repórter, se você deixar [...].

Jorge Escosteguy: Nós agradecemos então a presença esta noite no Roda Viva do senador Fernando Henrique Cardoso, do PSDB de São Paulo; agradecemos também a presença dos nossos convidados jornalistas e a atenção dos telespectadores. As perguntas que não puderam ser feitas ao senador serão entregues a ele no final do programa. O Roda Viva fica por aqui e volta na próxima segunda-feira, às nove horas da noite. Até lá e uma boa noite a todos.

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