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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]
Rodolfo
Konder:
Boa noite. Estamos começando mais um Roda
Viva. O convidado desta noite é o
deputado federal mais votado por São Paulo, José Serra. Você, que
está em casa nos assistindo, pode fazer perguntas pelo telefone
(011) 252-6525. Para entrevistar José Serra, estão conosco: José
Márcio Mendonça, comentarista político da TV Bandeirantes; Aluizio
Falcão, editor de finanças da revista Exame;
Mauro Lopes, editor de política da Folha de
S.Paulo; Stephen Kanitz, jornalista e
professor da USP [Universidade de São Paulo]; Fábio Pahim Jr.,
repórter especial do Jornal da Tarde
e comentarista econômico da TV Cultura; Ricardo Kotscho, repórter
especial do Jornal do Brasil;
Pedro Cafardo, editor de economia do jornal O
Estado de S. Paulo; Carlos Nascimento,
editor-chefe do São Paulo Já,
da TV Globo. José Serra tem 48 anos, nasceu em São Paulo e fez
engenharia na Faculdade Politécnica da USP. Presidiu a UNE [União
Nacional dos Estudantes] até 1964, quanto aconteceu o golpe militar.
Trocou a engenharia pela carreira universitária em economia.
Exilado, morou na Bolívia, na Europa e no Chile, onde conheceu sua
esposa e teve dois filhos. Morou também nos Estados Unidos, onde
completou seu doutorado. Voltou ao Brasil em 1978, foi secretário de
Planejamento do governo [do estado de São Paulo] Franco Montoro,
cargo que deixou quando se elegeu deputado constituinte pelo PMDB
[Partido do Movimento Democrático Brasileiro], em 1986. Bateu o
recorde na preparação e na aprovação de suas emendas. Dois anos
depois, deixou o partido para formar o PSDB [Partido da Social
Democracia Brasileira]. Em 1988, concorreu à prefeitura de São
Paulo e amargou um quarto lugar na preferência do eleitorado. José
Serra é presidente regional do PSDB e professor da Unicamp
[Universidade Estadual de Campinas]. Nas últimas eleições, foi o
deputado federal mais votado do estado de São Paulo com quase
quatrocentos mil votos. Em sua campanha, José Serra antecipou duas
prioridades para quando eleito: prosseguir com trabalhos para a
implantação do parlamentarismo e antecipar a revisão
constitucional, prevista para 1993. Boa noite, deputado!
José
Serra: Boa noite, Konder.
Rodolfo
Konder: É um prazer tê-lo aqui
conosco. Deputado, vamos começar pelo Plano Collor. Estamos vendo
que o número de concordatas aumenta. Isso significa que o Plano
Collor está "fazendo água" ou era previsível que
aconteceria uma série de concordatas, ou seja, que as empresas não
aguentariam o impacto desse plano? Como o senhor vê a evolução
disso?
José Serra:
Não se pode dizer que o Plano
Collor "fez água" no sentido de que naufragou e fracassou
inteiramente. Por outro lado, não se pode dizer também que ele foi
bem sucedido em tudo aquilo que pretendia. Na prática, o plano foi
capaz de baixar a inflação de 80% para 10%, 12% ao mês, mas não
de fazê-la ir abaixo desse ponto. Uma inflação de 10%, 12% ao mês
é muito alta. Na Europa, esse número, ao ano, é considerado uma
calamidade pública. Nós estamos com isso em cada mês, o quadro
ainda é de muita dificuldade. O governo não conseguiu e tem muita
dificuldade para trazer a inflação abaixo desse ponto. A recessão
significa, na prática, desemprego de máquinas, equipamentos e
pessoas, que pode atingir um nível gravíssimo nos próximos meses,
a menos que se chegasse a um outro entendimento a respeito da
condução das coisas.
Rodolfo
Konder: Essas concordatas já seriam uma
consequência...
José Serra:
Eu acho que são uma consequência disso porque, com o sequestro do
dinheiro da economia em 15 de março, o governo mudou uma relação,
mesmo temporariamente. Antes era o governo que devia para todo mundo
e agora são as empresas que devem aos bancos ou para o próprio
governo. Se você tem uma política monetária muito apertada, os
juros estratosféricos, combinados a uma situação de queda de
vendas, de movimento, você tem um terreno propício para um processo
de concordatas e um processo recessivo bastante forte.
José
Márcio Mendonça: Deputado, embora a
maioria dos políticos não concorde com essa interpretação, parece
muito evidente que aquela enxurrada de votos brancos e nulos que nós
tivemos no dia 3 de outubro [eleições presidenciais e estaduais]
significa, em grande parte, o repúdio da população a certo tipo de
comportamento do Congresso Nacional nos últimos anos. Pois bem, os
jornais divulgam hoje que foram apresentadas vinte mil emendas ao
orçamento do governo de 1991. Se tudo que os deputados querem a mais
for atendido, teremos uma despesa [governamental] de mais quinhentos
bilhões de cruzeiros. Eu lhe faço duas perguntas. O senhor acha que
é possível consertar os gastos do governo, as contas públicas com
o Congresso, adotando esse tipo de postura? Com esse tipo de postura,
o senhor acha que o Congresso recupera sua imagem?
José
Serra: Bem, vamos deixar a imagem para
uma segunda parte...Quanto à primeira, José Márcio, é direito dos
deputados e senadores apresentarem emendas. O que eles não vão
poder é aprovar, porque esse é um ponto que, às vezes, é deixado
de lado. A nova Constituição nessa parte de orçamentos foi muito
austera. Ela estabeleceu que um deputado só pode mexer no orçamento,
ou seja, criar uma despesa, se anular outra despesa correspondente,
está certo? Você não pode chegar lá e dizer: “Bom, eu quero
construir tal ponte” e criar essa despesa. Não, você tem que
dizer o que você está cortando simultaneamente. Ela não permite ao
Congresso estourar o orçamento. Aliás, essa é uma diferença
importante da Constituição de 1988 com a de 1946, que não punha
limite às emendas. Era uma tragédia, porque se aprovava o dobro, o
triplo daquilo que era possível gastar e o governo não gastava. Há
a famosa história do San Tiago Dantas [(1911-1964) jornalista,
advogado e político brasileiro]. Quando era ministro da Fazenda, um
deputado o procurou e disse: “Ministro, minha ponte foi incluída
no orçamento, mas por que não estão fazendo?”. Aí o Santiago
diz: “Meu filho, o problema é que a verba está no orçamento, mas
não temos dinheiro”. Quer dizer, o governo simplesmente não
gastava. A Constituição de 1967 fechou a participação do
Congresso, que era um autenticador de orçamentos, você não podia
fazer emenda nenhuma. A Constituição de 1988
reabriu a participação, mas o fez, ao meu ver, de maneira
extremamente responsável, ou seja, você só pode criar uma despesa
anulando outra. O grave foi o que aconteceu no final do ano passado,
quando o Congresso acabou aprovando dez bilhões de dólares de
despesas a mais, sem cancelar outras. Isso era inconstitucional. Eu
disse isso na época - não só eu, vários disseram - mas o governo
não vetou. O José Sarney disse: “Não, é inconstitucional, mas
eu não posso vetar porque estou saindo e não quero ficar mal com os
deputados”. Isso é o cúmulo! Essas despesas foram criadas, mas
isso acabou não sendo realizado dentro das redes orçamentárias e
tudo mais. Agora, outro problema é o da credibilidade do Congresso,
questão que vai muito mais a fundo. Se você me permite, acho que há
duas questões: as deficiências do Congresso, que são imensas, e a
incompreensão de como funciona o Congresso. Por exemplo, em época
eleitoral, uma das coisas mais comuns é os jornais publicarem o
número de projetos apresentados pelos parlamentares como se
isso fosse sinônimo de trabalho, de projeto de lei. Isso fomenta a
apresentação de mais projetos, porque não custa, você apresenta
projeto de tudo, não mede a relevância, não mede o trabalho, o que
é aprovado ou não é, a relevância das coisas, o que é feito em
comissões. Às vezes, você não apresenta um projeto, mas você
relata uma coisa. Por exemplo, o que eu fiz de mais importante,
tirando a fase da Constituinte, foi relatar um projeto de lei de
diretrizes orçamentárias, que é uma coisa meio abstrata, mas que
dava toda uma pauta, todo um comportamento, todas as regras para como
se gastar o dinheiro em 1990. Isso foi importantíssimo. Não foi um
projeto meu porque foi o governo quem mandou. Eu fiz o relatório e
muitos outros parlamentares fazem isso. Essas coisas, às vezes, não
são devidamente pesadas pelo menos nas questões de avaliação do
Congresso no seu conjunto. Mas, de toda forma, há problemas internos
muito graves. O Congresso está dominado por uma oligarquia composta
pelas mesas diretivas, pelas lideranças, por uma parte da alta
burocracia, que imobiliza o trabalho parlamentar. E isso se sintetiza
em uma coisa, que é o voto de liderança. Quando o Senado e a Câmara
estão reunidos, você só pode votar uma vez por hora, voto nominal,
ou seja, cada parlamentar apresenta seu voto. De resto, votam apenas
os líderes. Isso é o cúmulo! Esse é um problema que o próprio
Congresso tem que consertar.
Rodolfo
Konder: Mauro Lopes.
Mauro Lopes:
Deputado, o senhor resvalou aí pela questão política e eu queria
entrar nela. O senhor é um vitorioso em um partido derrotado nessas
eleições. O PSDB, que esperava fazer os governadores do Paraná,
São Paulo e Minas Gerais, sequer está no segundo turno nessas
eleições. Parece que, na campanha eleitoral, a fama de "indeciso"
pegou no PSDB e prejudicou o desempenho do partido nas urnas. E em
relação ao segundo turno em São Paulo, especificamente, o partido
adota uma posição que é de não apoiar nem Fleury [Luiz Antônio
Fleury Filho, governador de São Paulo entre 1991 e 1994. Ver
entrevista do político no Roda Viva]
e nem Maluf; apesar de ter uma origem no PMDB, com o candidato Fleury
e o governador Orestes Quércia. Eu pergunto ao senhor: primeiro,
essa decisão aqui em São Paulo não tende a aprofundar a imagem de
indecisão dos tucanos? Segundo, em função dessa decisão da qual o
senhor foi partícipe e importante articulador, o senhor faz uma
auto-crítica, ou seja, acha que o partido agiu incorretamente no ano
passado ao apoiar Luiz Inácio Lula da Silva para o segundo
turno?
José Serra: Olha,
primeiro, essa questão do indeciso...No ano passado, o PSDB definiu
o apoio e o voto ao Lula, não teve nada de indecisão, está certo?
Muita gente, inclusive o atual governador de São Paulo, sequer disse
em quem ia votar e não aconteceu nada. Então, na verdade, não
houve a questão de indecisão nesse aspecto. Por outro lado, Mauro,
no segundo turno é uma opção legítima você decidir, como partido
político, não apoiar nenhum dos dois candidatos. Eu não sei se
você recorda... Na França, quando concorreram, se eu não me
engano, [Valéry] Giscard d'Estaing, [Jacques] Chaban-Delmas, o
partido socialista de [François] Mitterrand não apoiou nenhum dos
dois [refere-se aos candidatos que disputaram a Presidência da
França nas eleições de 1974]. Quer dizer, o segundo turno não
obriga você a apoiar um candidato do ponto de vista partidário.
Portanto, eu não creio que a posição atual do PSDB aqui em São
Paulo reflita qualquer indecisão. Agora, devo reconhecer que a
imagem da indecisão atrapalhou na campanha eleitoral deste ano para
governador. Isso foi mais, ao meu ver, fruto da propaganda dos
adversários, porque ela veio de todos os lados, da esquerda e da
direita, e foi efetiva do ponto de vista de criar perturbações
eleitorais para o partido, o que não significa que seja verdadeira.
Quando há uma luta, os adversários usam determinadas armas. Essa
foi uma delas e acabou atrapalhando o processo de eleição. Acho que
os resultados para o PSDB não foram bons, é óbvio, mas esse
resultado foi ressaltado negativamente pela expectativa que se tinha.
Na verdade, quando o PSDB foi fundado, criou-se a expectativa,
internamente e externamente, de que ele ia ser o primeiro. Os
resultados das urnas, em duas eleições, mostraram que não era
assim, que o caminho é mais longo do que se imaginava ou que
instintivamente se pensava, embora não racionalmente. Nós estamos
fazendo uma bancada federal importante, que é da ordem de 37
parlamentares - ainda não está totalmente definido - é uma bancada
significativa. No Congresso conjunto, somando senadores e deputados,
nós provavelmente seremos o terceiro partido, na fronteira com o
quarto.
Mauro Lopes:
E a opção Lula no ano passado, o senhor acha que foi correta?
José
Serra: Eu acho que a opção Lula não
era a posição predominante aqui em São Paulo. Aqui em São Paulo a
posição predominante era de que o partido deveria abrir questão,
mas foi a posição firmada nacionalmente. E, como tal, foi a que nós
seguimos, inclusive em São Paulo. Agora, as realidades locais
tiveram um peso tremendo nisso, porque o PSDB, praticamente em todo o
Brasil, tomou a posição que devia ser do apoio e ela foi seguida em
São Paulo.
Rodolfo Konder:
Fábio Pahim.
Fábio
Pahim Jr.: Deputado, no começo desse
governo, se previu um déficit público de 4% a 5%. Posteriormente,
esse número não foi muito citado, eu não vi estimativas mais
recentes. Neste momento, está havendo déficit? Ele é dessa
magnitude ou, como diz o governo, ele terminou? Na hipótese de não
ter terminado, quais são as alternativas para eliminá-lo?
José
Serra: Pahim, eu acho que nessa questão
do déficit, assim como em várias outras questões do plano
econômico, houve talvez um excesso de triunfalismo por parte do
governo, porque o déficit este ano está diminuindo
significativamente com relação ao ano passado. Essa é uma
vitória.
Fábio Pahim Jr.:
[interrompendo] Que foi altíssimo, não é?
José
Serra: Altíssimo. Agora, dizer que vai
virar superávit é um exagero. Não sei se você percebe...
Fábio
Pahim Jr.: [interrompendo] Qual é
sua estimativa de déficit?
José
Serra: ...mas o governo corre risco de
ter uma frustração, não porque não tenha tido uma política firme
com relação ao déficit, mas porque não cumpriu uma meta, que era
exagerada. Isso aconteceu em várias outras coisas. Agora, na questão
do déficit, o grande problema é a transitoriedade de alguns fatores
que, neste ano, estão diminuindo o déficit. Eu te dou dois
exemplos. Uma parte importante do dinheiro que está entrando para o
governo provém de um aumento temporário do IOF [Imposto sobre
Operações Financeiras, cobrado sobre operações financeiras e
seguros], que vale para 1990, não vale em 1991. Você teve o imposto
sobre o ouro, lembra? Bom, isso é temporário, porque no ano que vem
não vão fazer de novo. Pelo lado da despesa, você não está
pagando juros...Você está pagando os juros da dívida nova e de 20%
da que ficou. Quanto ao resto que ficou retido, os 80%, naturalmente
diminuiu, porque muita gente pagou imposto com isso, o juro está
sendo contabilizado, não está sendo desembolsado. Mas isso não
significa que não seja uma despesa, vai ter que se fazer no ano que
vem. Esse é um fator transitório do lado da despesa. Além disso,
você está cortando coisas do plano da despesa que não poderão ser
cortadas por muito tempo, especialmente no plano de obras, de capital
social básico mínimo. O Brasil gastava, nos anos 70, 1,5% do PIB
[Produto Interno Bruto] da produção total em investimentos federais
governamentais, que são estradas, escolas, portos, etc. Isso caiu,
nos anos 80, para 0,7%, portanto, a metade, e agora deve estar em
0,2% ou 0,3%. Não é uma coisa que você consegue manter durante
muito tempo. Agora, houve uma contração do déficit. Em economia, o
que importa, muitas vezes, não é o valor absoluto a que você
chega, mas é o movimento. Nesse sentido, o déficit não está
eliminado. Agora, melhorou a situação? Melhorou. Ela é permanente?
Não, há coisas importantes para serem feitas nessa área para o
futuro.
Fábio Pahim Jr.: E
quais seriam as principais?
José
Serra: Há uma coisa, aliás, que é
permanente, que o governo fez e que foi muito boa para o país nesse
aspecto do déficit: o término do anonimato fiscal. Isso é um
efeito muito importante contra a sonegação.
Agora, a médio e longo prazo, você realmente vai ter que pensar em
uma melhor definição de funções entre União, estados e
municípios, você realmente vai ter que pensar em uma reforma
administrativa que seja menos "videoclipe" e mais
substancial. Eu acho que tem que haver mexidas na própria
Constituição, você tem que manter um resultado importante no
sentido de, a médio e longo prazo, diminuir significativamente a
carga que se reitera com relação à dívida. Enfim, isso "dá
pano para muita manga"...
Rodolfo
Konder: Deputado, eu vou só pedir ao
senhor, para nós termos tempo de terminar pelo menos a primeira
rodada ainda no primeiro bloco, para...
José
Serra: [interrompendo] Ser mais
breve!
Rodolfo Konder:
...sintetizar mais suas respostas. Pedro Cafardo!
Pedro
Cafardo: Deputado, talvez nenhuma outra
pessoa tenha sido tão lembrada para ser ministro da Economia e da
Fazenda nos últimos anos quanto o senhor. Foi assim quando o doutor
Tancredo Neves foi eleito. O senhor dirigiu o Copag [Comissão do
Plano de Ação do Governo], mas era quase certo que o senhor seria o
ministro, mas não foi, foi o doutor [Francisco] Dornelles.
José
Serra: Melhor você dizer o que é
Copag, senão os telespectadores vão pensar que isso era carta de
baralho! [faz a brincadeira, porque uma empresa líder no segmento de
cartas de baralho também leva o nome de Copag]
Pedro
Cafardo: É verdade...
[risos]
José
Serra: Eu não sei jogar cartas.
Pedro
Cafardo: Copag foi uma comissão que fez
o plano de governo para o doutor Tancredo Neves. Ele nomeou
Dornelles, depois veio o Dílson Funaro (1933-1989). Quando o Funaro
caiu, muita gente dizia que seria o senhor. O senhor não foi, foi o
[Luiz Carlos] Bresser. Depois, quando o Bresser caiu, também se
dizia que poderia ser o senhor, mas o senhor não foi. Seu nome foi
lembrado também para o governo Collor e agora, quando a ministra
Zélia começa a ter problemas, seu nome volta a ser citado. O senhor
aceitaria ser ministro do governo Collor? O que seria necessário
fazer para mudarmos a economia neste momento?
José
Serra: Olha, Pedro, esse é um assunto
que volta a todo momento. Se toda hora em que vai mudar o ministro,
lembram do meu nome, é uma coisa que...Está bom, o pessoal acha que
eu tenho condições de ser ministro, mas pouca gente pergunta, às
vezes, o que há de concreto no assunto. Na maior parte dessas vezes,
nunca houve nada de concreto, foram especulações. E a última, com
relação à questão do Collor...
Pedro
Cafardo: [interrompendo] O senhor
aceitaria?
José Serra:
Eu vou chegar aí. Disseram que eu tinha encontrado com
ele, o que não é verdade! Nunca recebi nenhuma espécie de convite.
Acho meio chato, incômodo, negar uma coisa que não me foi
oferecida, você percebe? Isso foi o que
aconteceu no fim do ano e é o que está acontecendo agora. Acho,
inclusive, que é bom para o governo a Zélia ficar. Ela é uma
pessoa séria, está no meio da negociação da dívida etc. Eu não
vou ser ministro do Collor. Para eu ser ministro do Collor, eu
precisaria ser convidado, o que eu não fui. Nunca fui nem sondado,
isso é preciso deixar muito claro! E não seria também porque eu
pertenço a um partido. Isso só seria possível com o partido
entrando no governo. O partido teria que deixar de ser oposição e
nós teríamos que estar, no meu entender, em um regime
parlamentarista. Eu acho que eu só vou ser ministro no Brasil quando
vivermos em um regime parlamentarista...
Pedro
Cafardo: Se o partido concordasse, o
senhor aceitaria se sentar à mesa com colegas, entre os quais
pelo menos um deles assinou o AI-5 no regime militar, que fez com que
o senhor ficasse dez anos ou mais exilado do país? [refere-se à
indicação do político e militar Jarbas Passarinho, que foi
ministro da Justiça do governo Collor]
José
Serra: Eu acho que nós não vamos para
o governo e eu não vou ser ministro do Collor.
Pedro
Cafardo: E quanto às medidas, o que o
senhor proporia para resolver esse problema da inflação?
José
Serra: A questão da inflação não é
só um problema de medida econômica. Primeiro, você tem que ter um
entendimento a respeito de preços e salários. A política monetária
está apertada, a política fiscal está apertada conjunturalmente. É
inegável que agora haja um aperto muito forte. Isso se sustenta por
muito tempo? Não sei, mas agora há. Você tem que ter um terceiro
pé, porque é um tripé, é a política de preços e salários. Do
contrário, o custo de você baixar a inflação é muito alto, e é
do tipo "cura a doença matando o doente". Nós já vimos
isso em outros países, o custo em temos de desemprego, de queda da
produção etc. Isso implica em uma política de preços e salários.
Foi um equívoco o governo ter abandonado a política de prefixação,
assim como foi um equívoco ter anunciado uma livre negociação - eu
sou a favor, de forma geral, em um sistema econômico - mas para as
atuais condições brasileiras, isso não se aplicava. Não temos
política nenhuma, isso contribuiu para desorganizar mais o processo
e não para organizar. Acho que essa é uma questão vital. Agora,
isso não se resolve simplesmente com você sentar à mesa e botar o
ministro da Justiça falando em pacto. É uma coisa que vai muito
mais longe no Brasil, é muito mais profunda. Agora, sem isso, eu não
tenho dúvida de que o custo de baixar um pouquinho essa inflação
de 10%, 11%, será brutal em um futuro imediato.
Rodolfo
Konder: Carlos Nascimento.
Carlos
Nascimento: Deputado, o presidente tem
insistido muito em que, nesse momento, só vão sobreviver as
empresas que forem eficientes. Estão quebrando ou vão quebrar
aquelas que não têm competitividade e produtividade ideais. O
senhor acha que esse é o problema ou está havendo um certo exagero
na dose de recessão imposta pelo governo?
José
Serra: O Pedro lembrou há pouco a
Copag, que era o grupo que o Tancredo organizou para fazer o programa
de governo, do qual eu fui coordenador. Nós, pela primeira vez, como
oposição, fizemos documentos, inclusive de política industrial,
que propunham uma abertura maior da economia, maior concorrência,
porque o Brasil já tem uma indústria razoavelmente integrada.
Agora, quando você pensa em concorrência, você tem que pensar sob
um ponto de vista mais sistêmico. Você tem o problema da
infra-estrutura, de estradas, transportes, o problema da formação
da mão-de-obra e o problema dos custos financeiros. Não posso
pensar em concorrência me abstraindo disso tudo. Eu não acho que
quebradeira de empresas signifique dar mais eficiência para a
economia. Eu acho que a política de eficiência é de sintonia muito
mais fina de médio e longo prazo. É como você pegar um doente, um
sujeito que bota uma ponte de safena numa quinta à noite, e o médico
chega para ele e diz, na sexta de manhã: “Olha, você tem que
fazer jogging na
avenida Rebouças [importante avenida paulistana], quatro
quilômetros, senão você vai ter enfarte de novo”. Ele morre,
embora andar quatro quilômetros ao dia seja importante para que ele
não venha a ter, mas ele está na UTI! Quer dizer, essa política
tem que ser muito bem dosada, senão pode levar a uma situação de
perda geral para o país e que não melhora eficiência nenhuma. Isso
também se aplica à questão da abertura externa. Importar mais é
importante, agora eu tenho que importar permanentemente, eu tenho que
ter dólar para isso etc. Importar apenas para punir essa ou aquela
empresa porque ela fez preço alto ou para absorver poder de compra
de uma classe média alta, que não tem onde gastar, não é política
de eficiência.
Carlos Nascimento:
Bom, então aí o senhor quer dizer que o governo está em dois
caminhos absolutamente errados neste momento, que é exagerar na dose
da recessão e praticar uma política de importação
incorreta.
José Serra:
Na questão da recessão, o governo não está
perseguindo eficiência. Isso que se diz que vai aumentar a
eficiência é discurso, o que ele está perseguindo é abaixar a
inflação. E na questão da abertura, eu acho que aí há uma falsa
discussão, se você me permite, porque você tem críticas dizendo
que o governo vai quebrar o país no estilo Martínez de Hoz, na
Argentina.
Carlos Nascimento:
Importando coisas desnecessárias...
José Serra:
É, você tem gente dizendo que isso resolve a situação
do país. Os dois estão errados. Não temos dólar para bancar isso.
O Martínez de Hoz tinha a possibilidade de pegar dólar fora,
emprestado. A Argentina pegava dólar para comprar televisão a cores
do Brasil. Nós quebramos a indústria eletroeletrônica argentina
com exportações subsidiadas no Brasil e com o dólar que o Martínez
de Hoz pegava emprestado. Isso hoje já não existe mais. Eu não sei
se você lembra, no debate para governador, quando o Plínio
[Sampaio] perguntou ao Mário Covas a respeito da política
industrial, ele dizia: “Haverá o sucateamento da indústria”.
Não vai ter sucateamento, porque para sucatear você precisaria ter
dinheiro para bancar as importações para quebrar a indústria
durante muito tempo...
Pedro
Cafardo: É verdade.
José
Serra: ...e de maneira persistente.
Esse
filme passou no Chile, esse filme passou na Argentina. A resposta do
Mário Covas naquela ocasião foi a mais correta possível, dizendo:
“Há uma política no plano das intenções”. E aí o Plínio
disse: “Não, você é indeciso, está em cima do muro, isso e
aquilo”. É interessante até reconstituir isso para se ver o
absurdo de certas colocações. Na verdade, aquela era a resposta
correta pela razão que eu estou dizendo.
Rodolfo
Konder: Ricardo Kotscho.
Ricardo
Kotscho: Deputado, o Jornal
do Brasil publicou uma enquete nesse final
de semana sobre a questão da indicação do coronel [Jarbas]
Passarinho, que foi lembrado pelo Cafardo. Várias personalidades
respondiam se isso representava um retrocesso político, uma
contradição do Brasil chamado novo. O senador Mário Covas
respondeu que depende e deu uma longa resposta. Eu queria saber sua
opinião sobre esse fato que o Cafardo levantou e que é central
nesse momento político do país.
José
Serra: Eu não vi a pesquisa. Agora, o
fato é o seguinte, Ricardo: a transição democrática no Brasil foi
feita com elementos que vinham do regime autoritário, a começar
pelo Sarney. Sempre houve gente, inclusive que depois passou para a
oposição, que era da Arena [partido de sustentação
político-parlamentar dos governos militares pós-1964]...
Ricardo
Kotscho: Teotônio Vilela.
José
Serra: Teotônio Vilela, Severo Gomes
etc. Nesse sentido, eu não acho que defina nada muito especial
daquilo que vem acontecendo do Brasil, na nova República. Eu
realmente não vejo.
Ricardo
Kotscho: Então o Brasil novo não é
diferente da nova República?
José
Serra: O presidente Collor até
declarou, você lembra disso, que não haveria ministros que haviam
ocupado cargos... aliás, seja na época do regime militar...
inclusive no governo Sarney, nesse sentido. Agora existe uma bela
contradição nesse aspecto.
Rodolfo
Konder: Stephen Kanitz.
Stephen
Kanitz: Deputado Serra, o presidente do
Banco Central, Ibrahim Eris, está adotando a política monetária
que está elevando os juros a níveis estratosféricos, como o senhor
disse, de 100% a 160% ao ano. Eu não conheço atividade econômica,
com exceção do tráfico de cocaína, capaz...
[risos]
José
Serra: [interrompendo] Você conhece o
tráfico de cocaína?
Stephen
Kanitz: ...capaz de...
José
Serra: Rodolfo, você podia convidá-lo
uma vez aqui, porque eu também quero informação sobre
isso!
[risos]
Stephen
Kanitz: ...capaz de pagar a dívida
externa. Os colombianos pagam a dívida externa com um mês de
tráfico de cocaína, com esse juro de 160%. Minha pergunta é a
seguinte: como fica a Constituição, que limita bem claramente os
juros reais na economia de 12% ao ano, o que já acho excessivo, e
como fica o pequeno empresário?
José
Serra: Bom, o pequeno empresário fica
na pior se estiver endividado, a menos que não tenha dívida nenhuma
ou que tenha dinheiro aplicado. O que você tira por um lado, você
está ganhando pelo outro. É impossível a economia funcionar nessa
situação. Inclusive, você concorda comigo sobre a questão da
competitividade. Quando você fala em competitividade com um pessoal
que paga juros de 5% ao ano, você está pagando, dependendo da
época, 50%, 100%, 120%, é impossível! Agora, com relação à
Constituição, eu quero te dizer o seguinte: eu achei errado fixar
taxa de juro real. Eu fui contra! Eu e o César Maia fomos à tribuna
[da Câmara] falar contra. Aliás, quem defendeu foi o Gastone Righi,
e outro deputado de Minas, cujo nome eu esqueci, que era do PFL
[Partido da Frente Liberal], os dois do centrão foram defender a
fixação da taxa de juro real na Constituição. A Constituição
não é o lugar para isso. Você teve ao longo da história,
governos, desde a antiguidade, que fixavam taxa de juros mas era
sempre nominal. Você tem razão em uma coisa: 12% já era uma taxa
altíssima. Isso, aliás, é o que eu dizia: "vocês estão
pensando que 12% é uma taxa banal? Isso não existe em quase nenhum
país do mundo, porque não há rentabilidade média de 12% em
nenhuma economia, nem na japonesa nos melhores tempos". De fato,
o que a experiência está fazendo agora é passar solenemente por
cima dessa expectativa.
Stephen
Kanitz: E a Constituição?
José
Serra: A Constituição tem que ser
regulamentada. Ela não foi regulamentada até agora por obstruções
e pelas dificuldades práticas de uma regulamentação. Você sabe
disso, você entende mais do que eu nesse aspecto. Como você
introduz uma regulamentação para juro externo, que você paga em
moeda nacional mas que é empréstimo em dólar e que depende da taxa
de câmbio? Quer dizer, qual é a taxa de inflação: é a média ou
é a que a empresa paga? E por aí vai...Agora, sobre qualquer um,
evidentemente, uma taxa de cento e tantos por cento é
inconstitucional, sem dúvida.
Stephen
Kanitz: E há essa contradição de não
gostar de pagar um juro real de 3% para os banqueiros externos,
contra pagar internamente 160%. Como é que fica?
José
Serra: Agora, eu vou ser bem franco. No
caso, isso não está regulamentado, mas eu estou mais preocupado com
o efeito real disso sobre a economia, porque ela não vai aguentar
isso muito tempo. Nós podemos ver empresas sadias com pequeno
endividamento "bater com a cara na parede". E empresa sadia
é empresa que tem boa produtividade, que emprega, que paga salários
e tudo mais. Eu acabei de chegar do Chile, que está reconstruindo
sua economia, enfim eles encontraram até uma maneira de retomar o
desenvolvimento. Agora, tanto o Chile nos anos 70 quanto a Argentina
foram economias que sofreram uma regressão, que andaram para trás.
Com o Brasil isso ainda não aconteceu. A economia ficou parada, mas
não teve nenhum processo de destruição, não sofreu, não ficou
aleijada. E eu tenho muito medo que venha a ficar no futuro se não
chegarmos a um equacionamento para a inflação.
Rodolfo
Konder: Aluízio Falcão.
Aluízio
Falcão: Deputado, depois das eleições
de 3 de outubro, o PSDB aparece como um partido um tanto dividido,
pelo menos aos olhos da população. Há algumas pessoas do
PSDB...
José Serra:
[interrompendo] Ou pelo menos da imprensa, não sei se da
população.
Aluízio Falcão: É,
pelo menos da imprensa.
José
Serra: Da imprensa, certamente.
Aluízio
Falcão: Há algumas pessoas dentro do
PSDB que desejam apoiar o governo Collor e já se manifestaram até
publicamente a respeito disso. Há outras que rechaçam tal hipótese
violentamente. Agora, o PSDB surgiu justamente do PMDB para acabar
com aquele critério de frente política e se tornar um partido de
verdade. Com essas divisões internas, o PSDB não corre o risco de
se transformar em um PMDB número dois?
José
Serra: Mas é que eu não vejo essa...
Quem defendeu que o PSDB deve se integrar ou apoiar o governo
Collor?
Aluízio Falcão:
Vários políticos, vários deputados.
José
Serra: Por exemplo?
Aluízio
Falcão: Por exemplo, vários deputados
do Sul, do Paraná.
José Serra:
Não vi, sinceramente, só se foi... Eu estive três dias fora, só
se alguns dos eleitos aí...
Aluízio
Falcão: Saiu na imprensa e nos
jornais.
José Serra:
Não, isso aí provavelmente deve ter algo a ver com a eleição no
Paraná e não com uma posição de natureza nacional. O que eu acho
é o seguinte: existe isso do pessoal falar que tem gente que tem uma
linha com relação ao governo, tem gente que tem uma outra. Ninguém
foi capaz de me apontar até agora diferenças substanciais concretas
do ponto de vista desta ou daquela posição, exceto ênfases de
natureza pessoal. Não vejo nada de substantivo, não vejo nada de
substantivo. O que existem são discussões, às vezes, sobre questão
de formação de blocos. Eu fiquei espantado outro dia dando uma
entrevista que as pessoas que estavam me entrevistando não sabiam
que, se você formar um bloco no Congresso, teu partido é
dissolvido. Se houvesse um bloco entre três partidos, os três
desapareceriam no Congresso, ficariam com um líder só. Ora, no dia
seguinte da eleição, alguém me perguntou: “Você é a favor de
bloco?”, e eu falei: “Eu sou contra bloco, porque não quero
dissolver o PSDB em outros partidos". Quer dizer, essa que é a
questão, e não há, na verdade, critérios divergentes substanciais
sobre isso. Nós não tivemos na campanha presidencial e para
governador, no caso de São Paulo, diferenças do ponto de vista de
condução da campanha. Eu sou o presidente do partido em São Paulo
e acompanhei muito de perto a campanha nacional.
Aluízio
Falcão: Mas já se falou várias
vezes...
José Serra:
Agora, ficam sempre olhando para procurar. Agora, claro, não é todo
mundo igual... Você não tem um partido de soldadinhos de chumbo. É
óbvio que há peculiaridades, mas não vejo diferenças substanciais
nisso.
Aluízio Falcão:
Mas já disseram várias vezes, por exemplo, que o governador Franco
Montoro gostaria de uma aliança com o governo Collor.
José
Serra: Eu nunca ouvi do Montoro, em
nenhum momento, o desejo de se integrar ao governo do Collor, nunca
ouvi.
Aluízio Falcão:
Em nenhum momento também ele negou isso.
José
Serra: Como não negou? Ele sempre disse
que o PSDB era um partido de oposição e que ele não integraria...
Nunca vi e nunca ouvi dele nenhuma proposta nesse sentido de mudança
de linha. Eu estou aqui dizendo com muita sinceridade, porque é um
testemunho que eu tenho que dar. Eu não nego que existam
especulações, o que eu nego é que elas tenham base real.
Rodolfo
Konder: Nós vamos dar um espaço agora
para os telespectadores. Inclusive, a primeira pergunta que eu ia
encaminhar ao senhor era exatamente essa. A Larissa Campos pergunta
se é verdade que o ex-governador Franco Montoro e o senador Fernando
Henrique vão deixar o PSDB e entrar no partido do Collor. O senhor
acaba de responder.
José Serra:
Não, não. Pode dizer para a Larissa que não há a menor hipótese
a esse respeito.
Rodolfo Konder:
Delson de Assis, de Santo André, São Paulo, pergunta:
“O que o senhor acha da privatização das siderúrgicas e do fim
do monopólio da Petrobras?".
José
Serra: Olha, eu sou a favor da
privatização das siderúrgicas. A Siderbrás deu de prejuízo, nos
anos 80, quatro bilhões de dólares, por causa da repressão aos
preços. Os ministros da Economia, por mais lucidez que tenham,
quando chegam no governo acabam se preocupando com a inflação no
mês que vem e vão reprimindo os preços. Então, no caso da
siderurgia, eu sou a favor da privatização até para não continuar
dando subsídio que a sociedade não decidiu. Quanto à questão do
petróleo, ela é bem mais complicada do que parece, porque estatal
ou não estatal, esse sempre vai ser um preço controlado, um preço
estratégico de muita importância.
Rodolfo
Konder: Mas o telespectador pergunta se
o senhor é a favor do fim do monopólio, não da privatização da
Petrobras.
José Serra:
O monopólio de quê, da distribuição ou da exploração?
Rodolfo
Konder: Da exploração.
José
Serra: Olha, eu sou a favor de que
existam contratos de risco.
Rodolfo
Konder: Edson Serra, do Butantã, São
Paulo, pergunta: “O que o senhor acha dos empregados que estão em
disponibilidade no governo Collor?”.
José
Serra: Eles estão em uma situação que
é angustiante do ponto de vista pessoal e o país continua gastando
com eles. Eu preferiria que eles tivessem procurado uma solução até
constitucional, racional para isso.
Rodolfo
Konder: Radir Sabino, da Vila Olímpia,
pergunta se o senhor é a favor de que os deputados tenham o seu
mandato ligado à pessoa deles ou ao partido a que eles pertencem,
isto é, se um deputado, por exemplo, mudando de partido, deve
continuar a exercer o seu mandato ou deve ser cassado.
José
Serra: Eu sou a favor da fidelidade
partidária, que hoje não existe, ou seja, mudou de partido, você
perde a legenda. Isso faz parte de uma reforma política que o Brasil
precisa nos próximos anos.
Rodolfo
Konder: Maria Aparecida de Souza, de
Jundiaí, ligou para perguntar como foi a sua experiência com o
golpe do Pinochet, no Chile.
José
Serra: Foi muito ruim, foi pior do que a
do Brasil. Se ela quiser, um dia eu conto para ela.
Rodolfo
Konder: Está certo.
José
Serra: Eu já estive em 1964 no Chile.
Na verdade, eu acabei sendo exilado ao
quadrado!
Rodolfo Konder:
Mas o senhor chegou a ficar preso no Estádio Nacional
de Chile [estádio multiuso localizado em Santiago. Em 1973, durante
a ditadura de Augusto Pinochet, o estádio foi transformado em um
campo de prisioneiros políticos]?
José
Serra: Cheguei a ficar um dia, embora eu
fosse - para você ter uma idéia, você que tem uma atuação tão
importante na anistia - um funcionário internacional e tivesse
imunidade diplomática, porque eu era funcionário de um organismo
internacional ligado à Organização das Nações Unidas.
Rodolfo
Konder: Paulo Marcos Simões, de São
José dos Campos, pergunta: “Faz parte dos seus planos disputar o
governo do estado de São Paulo?”.
José
Serra: Olha, agora eu quero atuar
bastante no ano que vem para justificar a grande quantidade de votos
que eu tive. Eu acho que o resto ainda é muito remoto.
Rodolfo
Konder: Está certo. Nós temos ainda
muitas outras perguntas de telespectadores, mas vamos ter que fazer
um pequeno intervalo. Voltamos daqui a pouco com o Roda
Viva.
[intervalo]
Rodolfo
Konder: Voltamos aos estúdios da TV
Cultura, com o programa Roda Viva,
hoje entrevistando o deputado federal, José Serra. Deputado, vamos
dar mais um espaço aqui para os telespectadores.
José
Serra: Vamos lá.
Rodolfo
Konder: Há muitas perguntas. Isso é
sinal de interesse pelo programa e pelas suas respostas.
José
Serra: E são perguntas tão agudas
quanto as dos jornalistas!
Rodolfo
Konder: É verdade. O Gaudêncio
Torquato, de Moema, São Paulo, pergunta: “Qual é a sua opinião
sobre a formação de um movimento suprapartidário, que reuniria
diversos partidos como PSDB, PMDB, PL [Partido Liberal] e PFL, para
preservar as condições de governabilidade no país?”.
José
Serra: Eu acho que a questão da
governabilidade, mais do que um acordo entre esses partidos, tem que
passar pelo Congresso e pelo governo. Eu acho que nós temos que
manter o país governável, isso interessa a todo mundo, porque se a
casa cair, o telhado vai cair em cima da cabeça da grande maioria da
população, que já tem sofrido tanto nessas últimas décadas.
Agora, essa questão da governabilidade não é desses partidos, é
uma questão do Congresso e do próprio governo.
Rodolfo
Konder: Mauro Hioleo, de Guarulhos, São
Paulo, pergunta se o senhor tem conhecimento de intenções do
governo federal sobre um novo confisco do dinheiro...
José
Serra: Não, eu não tenho. Nem sabia do
confisco anterior e muito menos sei de algum novo. Agora, pela
lógica, eu acho quase impossível, não é?
Rodolfo
Konder: Silvestre Ferreira, de Ribeirão
Pires, pergunta o seguinte: “Sempre se procurou baixar a inflação
reduzindo a demanda. Não seria agora o caso mais adequado de
incentivar a oferta?”.
José
Serra: O problema da oferta é que
quando a inflação é de 300% ao ano, se você tiver um crescimento
da produção japonês, que é 10%, isso é muito pouco se comparado
com 300%. Não é que seja ruim aumentar. É melhor a produção
subir do que cair, mas não é isso que pára a inflação.
Agora, a inflação via recessão não é só para cortar demanda
porque há excesso de demanda, ou seja, não é que a inflação
exista, ela é alta porque tem muita gente querendo comprar e pouca
coisa ofertada. A inflação atual não se deve a isso. A ideia da
recessão é de provocar uma reversão de expectativas, ou seja, é
uma teoria sadomasoquista do combate à inflação. Por incrível que
pareça, para você se convencer de que a inflação vai parar, você
tem que sofrer. O [Plano Cruzado] foi uma tentativa oposta, em
que você convencia que a inflação ia parar porque você garantia
que ela pararia. A credibilidade foi muito alta, tivemos uma chance
incrível. E agora, como se chegaria a uma estratégia oposta? Isso
não é do desejo nem da Zélia, nem do Kandir [economista e político
brasileiro. Foi integrante da equipe econômica do governo Collor],
nem de ninguém, mas, de repente, se não houver um outro
entendimento, podemos chegar a isso.
José
Márcio Mendonça: Deputado, eu quero
retomar um ponto da pergunta do Aluizio. O senhor disse que não há
divergências de fundo no PSDB, que não isso existe. Mas, eu me
lembro que na reunião da semana passada em Brasília, o senador
Mário Covas discordou totalmente de uma nota que havia sido
preparada e pediu para que fosse escrita uma outra. Ele considerava a
posição do partido absolutamente ambígua. Como o senhor explica
isso?
José Serra:
Olha, eu não estive nessa reunião e, portanto, não conheço essa
nota. Eu só posso lhe assegurar que, do que eu soube, é que essa
nota não refletia uma posição contrária a algum grupo dentro do
partido. As observações, pelo que me consta, foram no sentido de
que não seria oportuno se manifestar sobre determinados temas, por
exemplo, a ideia da fusão com o PDT [Partido Democrático
Trabalhista], que não tem cabimento nenhum. Não era uma nota no
sentido de apoiar ou fazer oposição ao governo. Não era isso que
estava em jogo. Isso é normal também! Você pode ter divergências
sobre entrar em determinados assuntos em uma nota, mesmo quando você
não tem divergências sobre aquilo que está sendo dito.
Rodolfo
Konder: Carlos Nascimento.
Carlos
Nascimento: O senhor vai votar em quem
no segundo turno em São Paulo?
José
Serra: Olha, Carlos, o problema é o
seguinte: eu sou presidente do PSDB em São Paulo. O partido decidiu
que não vai apoiar nenhum dos dois candidatos.
Carlos
Nascimento: Eu sei.
José
Serra: Eu sou contra o voto branco e o
voto nulo. Eu pessoalmente não voto e respeito que pessoas decidam
isso. Portanto, eu vou votar positivamente. A declaração do meu
voto, mesmo como indivíduo neste momento, tem uma implicação
porque eu sou presidente do PSDB em São Paulo. Na nota do PSDB, cada
membro, cada eleitor do PSDB deve votar segundo sua convicção de
natureza pessoal. Portanto, eu, José Serra, como indivíduo e não
como presidente do partido, vou dar meu voto para um dos dois
candidatos. Eu não vou...
Pedro
Cafardo: O senhor não pode dizer hoje
que não vai votar no Maluf?
José
Serra: Poderia dizer isso.
Pedro
Cafardo: Pode?
José
Serra: Posso.
Pedro
Cafardo: Então está bom! O senhor se
considera de esquerda?
José
Serra: Olha, dentro do panorama do
espectro político, eu diria [que sou] de centro-esquerda. Agora, eu
acho que "esquerda" e "direita" não definem tudo
no Brasil, está certo? Por exemplo, quando o pessoal pergunta: “O
Congresso vai ser mais à esquerda ou mais à direita?”, eu digo
“não sei, porque depende etc". E perguntam: “E vai ser
melhor ou pior?", eu digo “não sei, porque eu preciso saber
se vai ser mais ou menos fisiológico, mais ou menos contra o déficit
público, mais a favor da austeridade etc". Você tem, na
direita e na esquerda, gente que tem posições muito diferentes
sobre isso. Você tem, na direita e na esquerda, gente que é mais
estatizante, gente que não é, gente que topa uma briga pela
austeridade e gente que não topa. O famoso centrão na Constituinte,
que supostamente seria direita, foi quem enfiou as coisas mais
pródigas em matéria de gasto público. Em tese, você devia dizer:
“Não, o pessoal mais à direita é mais ortodoxo!”. É nada! Na
hora do gasto público, você tem uma frente única da esquerda com a
direita contra o erário [finanças do governo], que é o inimigo
comum. Nesse sentido, eu acho que há outras questões que também
definem...a abertura maior ou menor da economia, a questão do
déficit público, a eficiência econômica, a fisiologia, etc. O
conceito "direita e esquerda", embora continue vigente, não
esgota a caracterização de ninguém no processo político.
Ricardo
Kotscho: Deputado, queria sair um pouco
das questões políticas e econômicas mais imediatas e discutir um
pouco este nosso país. A impressão que dá é que o país está
anestesiado com tantos problemas econômicos e políticos graves. Há
um marasmo total na sociedade. O senhor foi presidente da UNE e eu me
lembro no meu tempo de estudante... Acho que somos
contemporâneos.
José Serra:
Não somos, Ricardo! Você é bem mais novo que eu...
[risos]
Ricardo Kotscho:
O presidente da UNE era uma figura nacional, quer dizer, todo mundo
conhecia o presidente da UNE. Outro dia eu fui a uma faculdade e
ninguém mais sabe quem é o presidente da UNE. É só um
exemplo...
Rodolfo Konder:
[interrompendo] Ninguém mais sabe o que
é UNE!
Ricardo Kotscho:
Ninguém sabe mais o que é UNE, que é União Nacional dos
Estudantes, para quem não se lembra. O senhor já viajou muito o
mundo, viveu fora. O que está acontecendo com o Brasil, na alma
brasileira, e como romper esse marasmo que existe hoje no país?
José
Serra: Particularmente com relação à
juventude, é interessante. Quando houve o golpe em 1964, eu tive que
ficar escondido porque se eu saísse na rua, seria reconhecido, pois
eu era presidente da UNE, tinha 22 anos. Era um absurdo aquela
repressão e tudo mais. Agora, se houvesse um golpe - acredito que
nada disso vai acontecer - o presidente da UNE poderia caminhar
tranquilamente, porque ninguém sabe quem ele é. Eu acho que aí
houve mudanças, porque naquela época os movimentos sindical e
social eram muito mais incipientes. Por exemplo, os professores não
existiam como movimento, hoje têm um peso tremendo. Os operários do
ABC [região industrial da Grande São Paulo, considerado o berço do
movimento sindicalista no estado] não existiam como sindicatos,
porque era tudo muito recente na industrialização, ela foi feita na
segunda metade dos anos 50. Na medida em que outros setores falam
mais alto, os estudantes perdem voz. Ao mesmo tempo, aumentou muito o
número de universitários. Havia cem mil, 120 mil universitários.
Hoje, temos um milhão e meio! Eu fui presidente da UEE, União dos
Estudantes de São Paulo, e havia sessenta mil universitários, agora
são 450 e tudo muito heterogêneo. Nós lutávamos para democratizar
o acesso ao ensino superior. Houve uma democratização mas perversa,
porque ela foi feita através da escola privada, do ensino indústria.
O Brasil é um dos poucos países do mundo em que ensino é como
fabricar sapato, em uma boa parte das escolas privadas, você investe
para ganhar dinheiro e não importam o conteúdo, o significado e
tudo mais. Isso quanto à questão dos estudantes. Agora, no Brasil,
tem havido realmente isso que você aponta, eu estou de acordo. Nós
estamos com dez anos de estagnação, a inflação exacerba um
individualismo possessivo. Essa é uma coisa triste realmente no
país. Falta uma utopia no Brasil, que eu acho que tem uma
importância tremenda...
Ricardo
Kotscho: Isso que eu queria
saber...
José Serra:
Como é que nós vamos caminhar para algo? Em um artigo, eu fiz um
paralelo com um filósofo polonês, o [Leszek] Kolakowsky
[(1927-2009)], com relação ao papel da utopia em uma sociedade. Ele
falava sobre a miragem em um deserto. Uma caravana em um deserto
tende a ver os oásis, tende a ver a miragem, a água, fontes de suco
de laranja, seja o que for, toda aquela maravilha. Quando chegam lá,
existe uma bica d’água. Qual é o papel da miragem? É fazer com
que a caravana não desanime e morra de sede. Ao mesmo tempo, ao
caminhar, ela abre caminho para o inesperado, para encontrar alguma
outra coisa. Aquilo garante a sobrevivência e, talvez, a
possibilidade de uma coisa mais importante, de alguma conquista
maior. O Brasil está precisando dessa utopia. Se você tiver que
movimentar a sociedade achando que vai encontrar só uma bica d’água,
você não mobiliza a energia social, e disso o Brasil está carente.
Eu não tenho a minha proposta de utopia. O que eu tenho é uma
preocupação obsessiva com o caminhar, isso eu procuro fazer
sempre.
Stephen Kanitz:
Mas isso não é o resultado de uma sociedade que sempre ficou
prevendo o futuro, prevendo o mês que vem, e nunca decidindo o que
queremos?
José Serra:
Pode ser, mas é que a sociedade não é uma pessoa que você pode
tratar com essa perfeição. A maneira como você galvaniza a energia
social é muito complexa, ninguém tem a fórmula. Agora, de uma
coisa eu tenho certeza: acabou no Brasil esse negócio de "país
do futuro". Isso acabou, ou nós construímos o futuro a partir
deste presente ou o futuro vai ser vítima deste presente. E nós
vamos ser responsabilizados.
Mauro
Lopes: Na sua avaliação, o governo
Collor constrói hoje esse futuro? De certa forma, ele carrega uma
utopia liberalizante, modernizante, de integração do país ao
Primeiro Mundo, ao menos na retórica do presidente da República.
Ele constrói esse futuro hoje? É sua impressão?
José
Serra: Eu acho que o Collor ganhou
credibilidade, isso aí aparece nas pesquisas...A maioria das pessoas
achava que ia perder com a continuidade do plano, mas não tinha uma
posição de não apoio, de hostilidade, que é um pouco reflexo
disso. Agora, eu acho que, pelo tempo que passou e pelo que fez, [o
governo] está longe de encarnar essa grande esperança do
futuro.
Carlos Nascimento:
Deputado, o senhor não acha que essa
situação toda é consequência da fragilidade das lideranças
políticas no país? Essa coisa possessiva que o senhor falou, esse
excesso de individualismo, a falta de planejamento, de
pensar grande, tudo isso não é reflexo das lideranças políticas
que nós temos?
José Serra:
Carlos, eu acho que não. Estou até à
vontade para falar disso porque no Congresso eu vivo brigando, de
maneira amigável e não violenta, em várias questões. Acho que há
muitos erros, deficiências e tudo mais. Mas, o Congresso é o
reflexo do Brasil. O subdesenvolvimento é um fenômeno que pega o
empresariado. Com muita frequência, eu vejo críticas dos
empresários aos políticos como se eles, do ponto de vista político,
fossem desenvolvidos também, como se não tivessem
responsabilidades, você percebe? O subdesenvolvimento é uma coisa
mais ampla, ele pega nossas elites empresariais, políticas,
sindicais e intelectuais, ou seja, é um fenômeno muito mais amplo.
A briga é muito maior. O fulano que está dentro do setor dele,
preocupado com a classe política, tem contribuições
importantíssimas para fazer. Ele pode ajudar em diagnósticos mais
realistas, a formar núcleos de pressão melhores e tudo mais. Eu
tenho até uma experiência. No ano passado, eu fui relator de uma
lei de diretrizes orçamentárias, fizemos um aperto, uma mudança de
critérios em matéria de gasto público, o que foi inédito no
Brasil na época. Grande parte não foi cumprida, apesar de a lei ter
sido aprovada. Aliás, o Congresso aprovou por causa dos jornalistas
que davam a cobertura e que estavam a favor, está certo? Eles
acabaram movendo a opinião pública para essa direção, acabaram
desempenhando um papel muito importante. Eu estou dando apenas um
exemplo. No caso empresarial, você tem dezenas de coisas, porque, em
geral, o empresário é a favor de cortar o gasto público do
vizinho. O Adam Przeworski, que é um cientista [político] genial -
hoje eu estou aqui citando poloneses - escreveu um artigo que, ao ser
traduzido para o português, levou um título que não era original,
mas que dizia o seguinte: “Ame a incerteza e seja um democrata”.
Você percebe a profundidade dessa frase? No Brasil, no entanto, o
que existe é “Ame a incerteza dos outros e seja um democrata”.
Todo mundo tem paixão pela incerteza alheia, mas para si não. É o
negócio de verbinha vinculada, está certo? Corta-se o gasto público
em todos os lados menos no seu! Então, eu acho que a gente tem que
fazer a guerra ideológica o tempo inteiro para derrubar aquilo que
existe no Brasil, que é um "muro de burrices". Os alemães
não derrubaram o deles? Para minha geração, isso foi tremendo. O
Rodolfo, que é praticamente da minha geração apesar de parecer
mais jovem, lembra da questão do Muro de Berlim. Quando eu era líder
estudantil, eu ia falar contra a pobreza e diziam que eu queria
levantar o Muro de Berlim, sabe? Era acusação, era um inferno! Pois
bem, os alemães ergueram e derrubaram pacificamente. O Brasil foi
erguendo um "muro de burrice" que está cada vez mais
sólido. O debate, muitas vezes aqui, tem parâmetros e referências
do começo dos anos 60. Às vezes, se discutem as mesmas questões. É
que você não tem idade para isso, Carlos, você não pode lembrar
ou saber o que tinha acontecido naquela época. É espantoso como se
discutem as mesmas coisas e o quadro mudou inteiramente. Nós temos
um atraso brutal no plano das idéias. Eu sou convicto - posso me
considerar um otimista exagerado - de que você pode mudar a idéia
das pessoas pregando, discutindo, esperneando.
Aluízio
Falcão: Deputado, o senhor tocou de
raspão em um ponto importante, eu queria desdobrá-lo um pouco, que
é a questão do engajamento dos repórteres que cobrem o Congresso
na questão orçamentária e daí a sua aprovação. O senhor é
comentarista de um programa de televisão no qual um outro
comentarista também é deputado federal e um outro comentarista
acabou de ser eleito entre os três mais votados do estado de São
Paulo. O apresentador também é deputado estadual eleito. Parece que
somente o locutor não é político naquele programa...
[provavelmente refere-se ao programa de debates Record
em Notícias, cuja bancada era integrada por
comentadores como Arnaldo Faria de Sá, João Mellão Neto, que
tornaram-se políticos]
Carlos
Nascimento: Mas teve muitos
votos!
[risos]
Aluízio
Falcão: Então, eu queria saber se essa
participação na televisão teve também uma importância na sua
votação e o quanto o senhor considera a importância desse programa
ou de qualquer outro na vida de um político.
José
Serra: Olha, eu acho que minha presença
na televisão teve importância, sem dúvida, não só nesse
programa, mas em outros. Eu fui, talvez, um dos deputados que mais
deram entrevistas, especialmente durante a Constituinte. Em geral,
depois do Ulysses Guimarães [(1916-1992) político do PMDB, deputado
por diversos mandatos e um dos responsáveis pela redemocratização
do Brasil nos anos 80. Foi presidente da Assembléia Nacional
Constituinte entre 1987 e 1988] e do Lula, que era deputados federais
como eu, eu era o terceiro que dava mais entrevistas, porque as
questões que eu estava tratando lá eram de interesse. Nesse
sentido, eu considero que, para minha votação, a presença na
mídia, na televisão, no rádio, na imprensa... Eu tenho uma coluna
regular na Folha de S.Paulo,
escrevo toda terça-feira. Não estou fazendo propaganda, mas é bom
registrar que isso tem uma importância enorme porque pega formadores
de opinião. Eu maximizo, se eu puder aparecer falando na televisão,
no rádio ou nos jornais, eu apareço a todo momento. Eu digo aquilo
que eu penso. Procuro ser coerente naquilo que eu digo e procuro
fazer aquilo que eu digo. Todo instrumento de comunicação com o
público, desde que não te obrigue a dizer coisas que você não
pensa e nem te impeça de dizer o que você pensa, é
importante.
Aluízio Falcão:
Depois dessa decisão de aparecer bastante na...
José
Serra: [interrompendo] Não, não é uma
decisão, acontece!
Aluízio
Falcão: O senhor acredita que se
concorresse à prefeitura de São Paulo novamente, como fez há
alguns anos, poderia pelo menos ter um resultado melhor?
José
Serra: Olha, quando fui candidato a
prefeito em 1988, foi cumprindo uma missão partidária. Eu não era
o candidato, não sei se você se lembra disso... Eu acabei sendo
pela força das circunstâncias. Foi uma campanha que valeu a pena,
que ajudou a elevar o nível da campanha em geral, nós tivemos um
papel nesse sentido pelo tipo de discussão que se colocou. É uma
campanha que eu faria de novo se o tempo voltasse atrás. Agora,
quanto ao futuro, minha preocupação central é a reforma política
do país, isso é básico. Penso em parlamentarismo, voto distrital,
mudança da legislação partidária, há uma série de coisas que
estrangulam o desenvolvimento das nossas forças produtivas no
desenvolvimento, que hoje estão esganando o país, estão apertando
o seu pescoço. Essa é a minha tarefa fundamental, inclusive
começando com a antecipação da revisão da Constituição.
José
Márcio Mendonça: Deputado, o senhor
fez aí uma lista de mudanças, o senhor fala na reforma política do
país, mas todas essas mudanças dependem basicamente do Congresso
Nacional. O senhor mesmo afirmou aqui que o Congresso Nacional tem
alguns problemas sérios de postura, de comportamento. O senhor não
acha que o caminho inicial deveria ser a mudança do processo
legislativo? O senhor não está começando a
mexer na Constituição em um processo legislativo viciado?
José
Serra: É, qual é a minha tese? A
própria Constituição previu sua revisão para o final de 1993, ou
seja, invadirá 1994. Em um ano eleitoral, você não pode refazer
uma Constituição por dois motivos: você vai ter um eleitoralismo
brutal - eu acho que isso não depende de posição ideológica, quem
pensa no país não pode querer isso - e os candidatos a presidente
vão interferir na Constituição segundo aquilo que acharem mais
interessante para sua vitória. Você está de acordo? Então não
dá, tem que antecipar [a revisão] para o final de 1992 para
fazermos em 1993. Com isso, você antecipa o plebiscito sobre o
parlamentarismo e o presidencialismo. Márcio, temos praticamente
dois anos até lá. Temos que fazer um movimento no Congresso muito
importante, suprapartidário, para reformá-lo. Eu acho que isso é
fundamental. Você tem deputados de diferentes partidos que topam
isso: o Nelson Jobim, o Antônio Britto, o José Genoino, o Miro
Teixeira, gente do PDT, gente do PFL, gente praticamente de todos os
partidos, até o Bonifácio [(1935-2008) José Bonifácio Andrada],
que é do PDS [Partido Democrático Social] de Minas Gerais.
Independentemente da sua diferença ideológica, política, essa
gente quer um Congresso, um poder legislativo, no mínimo à altura
daquilo que a Constituição fixou. Você sabe que um grande problema
no Congresso é que ele não quer assumir o poder que efetivamente a
Constituição lhe deu. Outro dia, o Congresso aprovou excluir os
juros da dívida governamental, da dívida de curto prazo, da
apreciação do legislativo. Isso foi aprovado por voto de liderança.
Isso foi uma conquista de anos para a chamada transparência das
contas governamentais...
Mauro
Lopes: Mas se o Congresso abre mão do
poder que ele se auto-conferiu enquanto Constituinte, como é
possível fazer parlamentarismo?
José
Serra: Eu não posso ser desse
pessimismo de achar que não vou mudar as coisas, está certo? O
parlamentarismo, Mauro, obriga você a assumir responsabilidades. Eu
acho um horror mas para muita gente é muito gostoso, ao invés de
assumir responsabilidade, conseguir as coisas. Para que eu vou ficar
decidindo? É muito melhor para mim conseguir uma obrazinha, uma
outra coisinha lá, e eu garanto minha eleição, ao invés de
compartilhar, ser responsável por decisões que, às vezes, são
impopulares para meu eleitorado. O parlamentarismo, ao contrário,
inibe ou pelo menos ajuda a combater o fisiologismo. Você é
co-responsável pelo governo.
Mauro Lopes: Ou não, já que os deputados estão com o poder na mão, vamos distribuir, né?
José Serra:
Ah, mas o parlamento pode ser
dissolvido. Você teria razão se o parlamento não pudesse ser
dissolvido.
Mauro Lopes:
Na Constituinte já se tentou fazer um parlamentarismo sem poder
dissolver a Câmara!
José Serra:
Mas agora eu acho que só vale assim. Parlamentarismo perneta é pior
do que o presidencialismo! Aí eu estou de acordo com você. Suponha
que você é ministro da Fazenda e sai do gabinete ministerial para
apresentar seu programa de governo. Você vai ao parlamento e
apresenta seu programa. Sem acordo, se fosse antigamente, você
pegaria o chapéu e tchau, punha outro, porque "esse é o meu
programa". Se te dão apoio, são obrigados a te apoiar. Você
não vai ter mais um legislativo que gosta de aumentar gastos,
diminuir imposto, aumentar incentivos e subsídios, e ainda quer que
o déficit diminua! Isso tem a mesma viabilidade de uma espingarda de
cano torto para quando o alvo virar a esquina. Isso é o que a gente
vive no Brasil. É uma inviabilidade que acaba, inclusive,
desgastando o legislativo. O parlamentarismo é para melhorar o
Congresso, assim como o voto distrital. Você
pode estar certo que ele é mais incômodo para o pessoal
fisiológico.
Pedro Cafardo:
Eu queria voltar um pouquinho à economia. Eu fico sempre aqui
pensando... Quando a gente fala com economistas, eles são bastante
teóricos, mas não é o caso do senhor. Eu gostaria de perguntar o
seguinte: o que uma pessoa física deve fazer neste momento para se
preparar, evitar ou se prevenir contra os efeitos de uma recessão
que é quase certa? Em segundo, o senhor não acha que o governo já
está demorando demais para tomar algumas medidas na área social a
fim de diminuir esses efeitos?
José
Serra: Começando pelo segundo, acho que
o seguro-desemprego é uma alternativa. Eu fui o autor na
Constituição e na nova legislação sobre o seguro-desemprego. Na
época do Plano Collor, eu propus, aliás, com o apoio de várias
outras pessoas, flexibilizar mais a legislação para a eventualidade
de um desemprego, ou seja, dar autorização legislativa para que ele
fosse usado, não era obrigatório. Nós não conseguimos. Defendo,
por exemplo, uma medida como essa. Defendi ainda - isso não passou -
que houvesse um percentual mínimo de investimentos...
Pedro
Cafardo: Sim, na área social.
José
Serra: E, às vezes, é uma miséria se
você comparar com aquilo tudo que se gasta! Bom, essa questão de
atuar preventivamente me parece básica. Agora, a medida da pessoa
física depende da situação de cada um, se é assalariado, se não
é. Eu acho que, neste momento, a questão fundamental é manter o
emprego, porque recessão não é só queda de salário. A recessão
é duas coisas: queda de salário e desemprego. Desemprego é o
salário zero. Se o sujeito está pensando em mudar de emprego, se
não tiver outro emprego na esquina, eu não faria isso.
Pedro
Cafardo: Fizeram recentemente um perfil
seu na [revista] Veja,
em que dizem que o senhor não gosta muito de por a mão no bolso,
que só conhecem uma pessoa que gosta menos que o senhor, que é o
senador Fernando Henrique [Cardoso]. Por menos a mão no bolso também
é uma medida preventiva, não é?
José
Serra: [risos] Como eu te falei, é o
ângulo de assalariado. Mas deixa só eu te falar, eu concordei que
eu era muito pão-duro com o dinheiro público...
Pedro
Cafardo: Ah, com o público!
José
Serra: Aí foram perguntar a mesada dos
meus filhos e acharam muito baixa...
[risos]
José
Serra: E realmente é baixa, mas não
leva em conta, você sabe disso...Criança não gasta aquilo apenas
que vai como mesada, gasta com outras coisas, estou sempre prevenindo
coisas.
Aluízio Falcão:
Vinte e um anos de idade não é tão criança assim!
[risos]
José
Serra: É, desculpe, realmente a gente
tem a tentação...
Pedro Cafardo:
A mesada era de dez mil e seis mil
[cruzeiros], né?
José Serra:
Podia ter deixado passar essa, agora eu fui obrigado a dizer que eu
já tenho filho de 21 anos! Agora a outra questão é a seguinte: não
sou consumista, entendeu? Eu não gosto de ir a shopping center. Tem
gente que vai passear em shopping e acaba gastando. Se dependesse do
meu comportamento individual, o consumo sempre seria moderadíssimo
na economia, apenas isso. Agora, realmente, pão-duro que eu conheci
é o exemplo que foi dado.
Pedro
Cafardo: É o Fernando Henrique!
[risos]
Fábio Pahim Jr.: A
questão do dinheiro retido realmente é uma questão essencial para
o consumidor hoje, para o futuro consumidor de setembro de 1991. Esse
assunto não me pareceu suficientemente explorado pelo senhor
aqui.
José Serra:
Não, é porque não foi perguntado.
Fábio
Pahim Jr.: Quais são as condições
para que aquele dinheiro volte? Na sua opinião, como as pessoas
podem ficar tranquilas que, daqui a dez meses, vão sofrer um
pouquinho menos?
Rodolfo Konder:
Aliás, o empresário Antônio Ermírio
de Moraes, que esteve aqui no Roda Viva
recentemente, achava que o dinheiro não seria devolvido, não
é?
José Serra:
Bom, ele deve pensar algo muito ruim, porque ele é uma das raras
pessoas jurídicas que ficou com muito dinheiro preso até agora. A
maioria das empresas se safou. Ele deve ficar pensando no pior,
porque tudo o que vier é lucro. Agora, eu vejo aí o seguinte: do
ponto de vista político, a não devolução seria um desgaste brutal
para o governo. Eu não sei se politicamente o governo aguenta não
devolver. Do ponto de vista econômico, será mais fácil devolver se
não precisar devolver. Quer dizer, se a situação econômica
estiver de uma tal maneira que ninguém vai pegar o dinheiro para
gastar imediatamente, será mais fácil para o governo devolver. É
um paradoxo. Quanto mais ansiedade para ter o dinheiro, mais difícil
o governo devolver. Não estou defendendo que não devolva, eu estou
tentando explicar a partir da sua pergunta. Eu
até digo em uma conferência: "olha, pessoal, se vocês estão
muito ansiosos, disfarcem a ansiedade, façam de conta que não têm
nenhuma necessidade do dinheiro, aí aumenta a chance!".
Mauro
Lopes: Agora, do ponto de vista
econômico, o senhor acha que dá para devolver? São cerca de 58
bilhões de dólares, o déficit público não está resolvido. No
ano que vem a situação é mais difícil, pois há dez bilhões de
dólares em atraso para pagamento de empreiteiras, fornecedores, há
os juros da dívida externa...Quer dizer, há fôlego no governo para
devolver esse dinheiro retido?
José
Serra: É, eu acho que você resumiu as
dificuldades como um economista brilhante. Tudo o que você falou é
real. Eu contraponho isso com a questão política. Segundo, o
governo pode encontrar formas não compulsórias, se a situação
econômica estiver razoável, para o pessoal não gastar todo o
dinheiro, você percebe? Por exemplo, eu só teria retido a poupança
que foi resultado de movimento especulativo. Isso não significa que
o sujeito vai pegar a poupança e vai "torrar"! Uma pessoa
idosa, que no final foi duramente prejudicada, quem precisava do
dinheiro para viver, que não paga imposto de renda, quem tem renda
baixa, não queria aquele dinheiro para "torrar" no dia
seguinte porque depende dele para viver. Então, eu acho que vai ter
que se procurar mecanismos voluntários para que não se derrame
cinquenta bilhões de dólares em dez meses sobre a economia em
shopping center e supermercado.
Mauro
Lopes: O que seria isso, certificados de
privatização [criados em abril de 1990, foram títulos do Tesouro
Nacional correspondentes ao pagamento de ações do setor público a
serem desestatizadas]?
José
Serra: Garantia para a poupança, você
dar garantia àquelas poupanças casadas que havia, insistimos para
que se deixe isso, está certo? Você pode criar mil coisas para que
as pessoas se sintam tentadas a deixar. Eu acho que a armadilha que
se fez é perigosa e agora ela vai ter que ser desarmada sem nada
compulsório porque, do ponto de vista político, vai ser muito
difícil o país aceitar.
Mauro
Lopes: Ou seja, o negócio é torcer
para que o plano dê 100% certo, porque aí dá para devolver. Se não
der certo...
José Serra:
Não, o negócio é torcer para que o quadro econômico não piore de
uma forma que o governo fique assustado. Eu estou aqui reagindo como
uma pessoa física, porque os elementos de incerteza são muito
grandes. Não é o fato de você ser economista que vai te permitir
prever o que vai acontecer daqui a alguns meses.
Rodolfo
Konder: Deputado, nós vamos dar mais um
pequeno espaço para os telespectadores. Temos muitas perguntas
acumuladas e eu queria fazer algumas delas. Marco Antônio Garcia, de
Guarulhos, pergunta se a grande quantidade de votos brancos e nulos
nas últimas eleições não vai prejudicar o plebiscito sobre o
parlamentarismo.
José Serra:
Não, eu acho que não. Eu acho que voto branco e nulo é um fenômeno
que não é só brasileiro, tem uma escala mundial. Nos outros
países, às vezes isso não aparece porque o voto é voluntário. No
Brasil, você tem um componente que talvez pese mais do que nos
outros países no equívoco na hora de votar: a proliferação de
partidos, que é uma coisa incrível. Temos uma indústria de
legendas de aluguel que multiplicam o número de candidatos, a
chatice do horário [eleitoral] gratuito, o desgaste do parlamento
por razões que já analisamos. É uma situação difícil, é um
desafio que se coloca. A gente tem que mudar isso através do voto
distrital misto.
Rodolfo Konder:
Gildo Cantelle pergunta: “Se as eleições municipais fossem
conjuntas, isso não motivaria mais os eleitores?”.
José
Serra: Não, sou a favor de termos uma
maior coincidência de eleições. Pela Constituição atual, você
tem sete eleições a cada dez anos, sendo sempre três consecutivas.
Eu acho um exagero, ou seja, não sou a favor de diminuir o número,
de deixarmos de eleger prefeito, governador ou presidente. Você tem
que votar em todo mundo, mas poderia haver um esquema de coincidência
para termos pelo menos cinco eleições a cada dez anos e nunca
consecutivamente, porque, inegavelmente, três anos de campanha e
horário gratuito é dose.
Rodolfo
Konder: Antônio Luiz Vieira, de
Guarulhos, pergunta: “Se o senhor fosse presidente do Banco
Central, se preocuparia em ouvir os profissionais de carreira dos
bancos estatais e dos grandes bancos do país?”.
José
Serra: Certamente, porque a burocracia
do Banco Central - aliás, é uma boa burocracia - é que move a
instituição.
Rodolfo Konder:
Walter, do Campo Limpo, pergunta qual sua opinião sobre a tarifa
zero nos transportes, que a prefeitura de São Paulo está...
José
Serra: [interrompendo] Eu acho que não
tem nenhuma viabilidade. Se tem dinheiro para gastar em transportes,
eu sou a favor de gastar mais e de ter um financiamento adequado.
Agora, eu insistiria para melhorar qualidade, rapidez, frequência.
Eu acho que essas são as coisas fundamentais para você proteger a
população mais pobre, é a maneira que pode ser sustentada ao longo
do tempo. Essa idéia que se levantou agora pode ser explosiva pelo
seguinte: quando faz uma medida ousada, você precisa saber se haverá
retorno. Se der errado, como é que eu faço? Uma coisa dessas dando
errado, o que eu acho altamente provável, seria uma explosão na
questão de transportes em São Paulo.
Rodolfo
Konder: Rafaela Prado, do Morumbi, em
São Paulo, pergunta o que o senhor acha da intenção do presidente
Collor de mudar o nome do Brasil para Pasárgada, que é a utopia
dele.
José Serra:
[risos] Eu nunca ouvi a
respeito
dessa intenção, mas é um nome no mínimo difícil, não
é?
Rodolfo Konder:
Maria Soares, do Ipiranga, pergunta: “Quem se aposentou depois da
Constituinte, tem que aguardar agora a medida provisória?”.
José
Serra: É, a medida provisória já foi
feita. Antes da Constituição, a aposentadoria era calculada com a
média do salário de contribuição dos últimos 36 meses. Como
tinha a inflação, se corrigia pela inflação, mas só 24 desses 36
meses, o que é um absurdo, porque 12 meses ficavam sem correção e
a aposentadoria inicial caia muito. A Constituição corrigiu isso.
Eu, inclusive, participei dessa idéia de corrigir os 36 meses
integralmente. Agora, o Congresso fez uma provisória que repete
isso. Então, eu acho que a partir da vigência da provisória,
porque ainda há um prazo para isso valer, as pessoas devem se
aposentar. Aposentar-se antes pode dar dor de cabeça no futuro. Eu
acho que ela deve aguardar um pouco ainda.
Rodolfo
Konder: Pedro Guerra, de Mauá, São
Paulo, pergunta: “Quanto dinheiro seu ficou retido?”.
José
Serra: Foram, na época, trezentos mil
cruzeiros cruzados.
Rodolfo
Konder: Está certo. Stephen
Kanitz.
Stephen Kanitz:
A intenção do governo de devolver esse dinheiro que está retido
não deveria começar com uma antecipação? Todo mundo espera aquilo
em setembro, mas não seria interessante começar antes? Por
exemplo, já acostumar todo mundo com o recebimento do juro
principal que está retido...
José
Serra: Eu acho, viu! Eu acho que ele
deveria pensar de forma criativa. Se eu estivesse no governo, eu
chamaria você para dar alguma idéia, porque você já teve idéias
bastante criativas, inclusive na questão da dívida externa. O
governo deveria procurar formas criativas, heterodoxas, mas não
aquela surpresa negativa, para haver um bom efeito nas expectativas.
Por outro lado, acho que foi um erro não ter ligado a questão da
privatização aos cruzados. A ambição foi tanta em pegar os
certificados de privatização em cruzeiros, que acabaram não usando
cruzados para efeitos de privatização. Isso não teve nenhum efeito
de expansão de poder de compra, o que já poderia ter limpado uma
boa parte do dinheiro depositado. Depois isso foi se
inviabilizando... Agora, eu pensaria em dez medidas criativas do
gênero que você apontou, ou seja, sem o impacto significativo do
ponto de vista de meios de pagamento e do poder de compra, que dessem
uma sinalização de tranquilidade para as pessoas.
Stephen
Kanitz: E no Congresso, não dá para
fazer isso?
José Serra:
É difícil no Congresso...
[sobreposição
de vozes]
Ricardo
Kotscho: Eu estava querendo voltar um
pouco à questão da campanha. A última campanha eleitoral me chamou
muito a atenção como repórter. Eu nunca vi tanto dinheiro correndo
como este ano. Você foi candidato este ano e deve ter visto isso
também, falou que vai se dedicar à mudança da organização
política do país. Você vê um jeito de impedir que, no futuro, só
donos de grandes trens pagadores se elejam? Por exemplo, você,
professor da Unicamp, acha que um professor da Unicamp hoje tem
condições de ser candidato a deputado estadual ou federal e se
eleger sem esse trens pagadores?
José
Serra: Bom, eu participei da eleição
para deputado, né...
Ricardo
Kotscho: [nterrompendo] Não, você é
uma exceção, você tem acesso à mídia.
José
Serra: O Luciano Coutinho, que é amigo
meu, foi professor da Unicamp e não se elegeu.
Eu acho que a legislação trata essa questão de uma
maneira hipócrita. Ela coloca tais restrições que é como se a
gente vivesse em um outro país. Evita a explicitação que doações
sejam feitas, tudo é proibido. Acho que deveria haver coisas na
legislação que supusessem um esquema mais realista e mais efetivo
no controle. O sistema atual é tão drástico que, na prática,
não...
Ricardo Kotscho:
Não há controle.
José Serra:
Não há controle! Agora, essa é uma
questão para se analisar melhor. Curiosamente, nessas eleições que
passaram, nem todos os candidatos que gastaram mais se elegeram como,
por exemplo, em 1986.
Pedro
Cafardo: Quanto o senhor gastou?
José
Serra: Isso para São Paulo. Agora, do
ponto de vista do Brasil, eu não sei.
Rodolfo
Konder: Deputado, infelizmente nosso
tempo chegou ao fim. Queria agradecer muito sua presença aqui,
agradecer aos jornalistas que nos ajudaram a fazer a entrevista,
agradecer aos telespectadores que nos honraram com sua atenção.
Aquelas perguntas que não foram encaminhadas ao deputado serão
deixadas com a assessoria dele.
José
Serra: Com o maior prazer! Se tiver o
telefone...
Rodolfo Konder:
Quero convidá-los para estarem novamente conosco na próxima
segunda-feira, às nove e meia da noite, em mais um programa Roda
Viva. Muito obrigado e até lá.