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Memória Roda Viva

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Túlio

27/1/1997

Atacante do Corinthias, Túlio Maravilha, conta, com bom humor, sua transição do carioca Botafogo para o time mais popular de São Paulo

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[Programa gravado, permitindo a participação dos telespectadores por telefone, fax e e-mail]

Matinas Suzuki: Boa noite. Ele é o maior salário do futebol brasileiro. Na grande área do Roda Viva está o atacante Túlio, do Corinthians.

[comentarista]: O goiano Túlio Humberto Pereira da Costa sempre fez o que a torcida mais gosta: gols, muitos gols. Até agora foram 473 em nove anos de carreira. Ambicioso, o artilheiro garante que ainda vai superar a barreira dos mil gols, como fez o rei Pelé. Uma promessa corajosa para um jogador de 27 anos. Mas Túlio adora um desafio. Do mesmo jeito que inferniza a vida de zagueiros e goleiros, ele sabe se promover como ninguém: faz apostas, provoca duelos, dá nome aos gols. Irreverente, ganhou o apelido de Túlio Maravilha. Em campo é o típico matador. Fica parado no ataque, parece alheio ao jogo, mas, de repente, Túlio quase só pega na bola no momento da conclusão, na hora de fazer o gol. Depois é correr para as câmeras e para os abraços. Sempre foi assim, desde o início, quando ainda era conhecido como Beiço pelos companheiros de equipe. No Goiás, em 1989, foi artilheiro do Campeonato Brasileiro pela primeira vez, com 11 gols. Tentou a sorte na Suíça em 1992 e se deu mal. Voltou ao Brasil e acertou o pé no Botafogo, do Rio de Janeiro, cidade perfeita para acolher o espírito brincalhão do goleador. Em três anos de Botafogo, fez 130 gols e foi artilheiro do Campeonato Brasileiro mais duas vezes. Em 1994 com 19 gols e em 1995 com 22. Além de conquistar o título de 1995, em uma decisão contra o Santos, Túlio já marcou mais de cem gols apenas em jogos do Campeonato Brasileiro. Na Seleção não teve muita chance. As melhores recordações são o título de novos no Torneio de Toulon [França] em 1990, e o famoso gol com ajuda do braço, contra a Argentina na Copa América de 1995. No final do ano passado, Túlio resolveu mudar de área. O Banco Excel Econômico, novo patrocinador do Corinthians, contratou o jogador por cinco milhões de dólares. Na estreia, Túlio perdeu o duelo para Romário, antigo desafeto dentro e fora de campo. O Flamengo venceu o jogo por três a zero no Maracanã, pelo torneio Rio-São Paulo. Na partida de volta, no Morumbi, Túlio prometeu três gols, fez só um, batizado de “Salve o Corinthians”. Foi o primeiro gol dele com a camisa do novo clube, que ganhou o jogo por dois a zero, mas acabou eliminado da competição.

[fala de Túlio no VT, após o jogo contra o Flamengo]: Infelizmente perdemos já o primeiro título, mas nós vamos ganhar mais.

[fala de Romário no VT, após o jogo contra o Corinthians]: O Túlio é igual ao cometa Halley, passa a cada 50 anos, já passou, agora já era, compraram gato por lebre.

[Comentarista]: Tudo bem, como diria o artilheiro. O casamento com a Fiel está apenas no começo e o ídolo promete dar à maior torcida de São Paulo o que ela mais gosta: gols, muitos gols.

Matinas Suzuki: Para entrevistar o Túlio, esta noite, nós convidamos Alberto Helena Jr., colunista da Folha de S.Paulo e comentarista da Rede CNT; o Flávio Prado que é comentarista da rádio Jovem Pan e apresentador do programa Cartão Verde, aqui da Rede Cultura; a Maria Amélia Rocha Lopes, editora-chefe do programa Vitrine, aqui também da Rede Cultura; o Maurício Cardoso, editor de esportes da revista Veja, e o Luiz Antônio Prósperi, repórter especial do Jornal da Tarde. O Roda Viva é transmitido em rede nacional com 289 outras emissoras de todos os estados brasileiros. É uma grande rede a rede do Roda Viva. Você pode participar desse programa enviando as suas perguntas para o número 252-6525. Se você preferir o fax, use o número 874-3454. E agora nós também estamos aqui na era da modernidade com o nosso e-mail rodaviva@tvcultura.com.br. Se você quiser mandar suas perguntas aqui para o Túlio, via internet, utilize esse endereço. Boa noite, Túlio.

Túlio: Boa noite, né?

Matinas Suzuki: Feliz pelo primeiro gol com a camisa do Corinthians?

Túlio: Feliz pelo primeiro gol, e pela primeira vez estar participando deste programa também. Você vê que a audiência é enorme, mais de duzentas e tantas emissoras. Realmente estou feliz, um ambiente novo no estado de São Paulo, onde sempre tive vontade de trabalhar, de mostrar meu futebol. E vocês viram aí que só foi o começo, um aperitivo do que vai ser durante estes três anos que eu vou permanecer aqui no Corinthians.

Matinas Suzuki: Junto com o nome Túlio vem essa coisa do marketing, o Túlio é marketing, o Túlio se promove, o Túlio sabe se promover... Você não acha que isso pode uma hora mais prejudicar do que ajudar você na sua carreira?

Túlio: Não, pelo contrário, o Túlio não é só marketing, o Túlio é alegria também, é alegria do futebol. O futebol de uns tempos para cá ficou muito profissional, aquela coisa meio massificante, meio robótica, aquela coisa mecânica: chegar ali e jogar o futebol feijão com arroz, ir embora e dar aquela entrevista normal, de todo mundo, e fica por isso mesmo. E eu estou tentando reviver um pouco aquilo que o Dadá Maravilha [Dario Pereira, ver entrevista em www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/81/Dad%E1/entrevistados/dada_maravilha_1987.htm] fez em outros tempos, aqueles duelos que existiam entre Santos e Botafogo na época de Pelé, de Garrincha [apelido de Manuel Francisco dos Santos (1933-1983), grande jogador de futebol que se notabilizou por suas belas e divertidas jogadas e por suas pernas tortas], ver os estádios lotados. Eu acho que o público hoje sente uma carência muito grande, já que o exterior vem aqui e leva a maioria dos craques que estão surgindo. E eu estou brigando de uma forma indireta justamente pela permanência desses grandes ídolos, grandes craques aqui no futebol brasileiro, para justamente fortalecer mais ainda o nosso futebol e atrair o público. Porque além do marketing, de uma boa organização, de um calendário mais racional, o que leva realmente o torcedor, o que faz o interesse da mídia pelo espetáculo, sem dúvida nenhuma, são os jogadores, que são os artistas. Eu, de uma forma ou de outra, estou tentando firmar essas raízes para que os jogadores tomem essa consciência de que o Brasil possa ser a potência, como são hoje a Espanha, a Itália em relação ao marketing fora de campo.

Matinas Suzuki: Você tem assessoria, alguém que o ajuda nisso, alguém que...

Túlio: Eu tenho, claro, toda uma assessoria para justamente cuidar da minha imagem, da minha performance. Mas a criatividade, a imaginação sempre parte da minha cabeça. Eu, de repente, estou dormindo e, no sono, começo a sonhar, a imaginar as coisas, e vejo um futuro cheio de alegria, cheio de gols, homenageando cidades, homenageando comidas típicas, enfim, tudo o que o Brasil tem de bonito que é este país. Então, eu tento de uma forma ou de outra despertar esse interesse nos torcedores.

Alberto Helena Jr.: Nesse sentido, nessa coisa de recuperar a alegria do futebol, o futebol mais bonito, o futebol mais inteligente, o futebol mais criativo e com mais gols, como você está vendo essa experiência do Rio-São Paulo, da regra das 15 faltas e tal? Como é que você vê isso aí?

Túlio: Vocês podem ver que o número de gols aumentou, o número de faltas diminuiu. Jogadores considerados violentos estão sempre recebendo cartão amarelo, sendo expulsos, e hoje já estão pensando duas vezes antes de fazer alguma falta mais violenta. Então é um teste ainda, não está oficializado que vai ser assim daqui para frente, mas não deixa de ser uma iniciativa boa. Você vê que o futebol está mais solto, está mais alegre, os gols estão saindo com mais naturalidade. E estão se sobressaindo também os jogadores técnicos, que têm talento; que sabem, em uma cobrança de falta, bater colocado, em um lançamento. Isso tudo é uma iniciativa para fazer do futebol aquela coisa que chama o torcedor, que é gol. Podem inventar mil regras, mil esquemas táticos, técnicos, mas o que significa o futebol hoje é gol. Se não tiver gol, não tem graça.

Maria Amélia Rocha Lopes: Túlio, eu queria lhe perguntar uma coisa. Você viu na abertura do programa aquela apresentação da sua vida e obra, e no finalzinho aparece o Romário [de Souza Faria, conhecido como Baixinho, é o terceiro maior artilheiro da Seleção Brasileira] dizendo que você é o cometa de Halley, que aparece de cinqüenta em cinqüenta anos, e que o Corinthians comprou gato por lebre. Eu queria que você falasse sobre essa opinião do Romário.

Túlio: É uma rivalidade que também faz parte, é como se fosse assim o Tom e o Jerry.

[risos]

Maria Amélia Rocha Lopes: Quem é o Tom e quem é o Jerry?

[risos]

Túlio: Eu acho que... Não sei, as histórias estão aí, os números estão aí, a biografia de um e de outro estão aí para serem julgados. Mas isso é bom, é uma disputa sadia. Claro, desde que se mantenha um nível elevado.

Maurício Cardoso: E tem se mantido um nível elevado nessa rivalidade?

Túlio: Eu acredito que sim. Da minha parte, vocês nunca vão ver ou vão me ouvir criticar, não que seja o Romário, que seja um eterno rival meu. Mas qualquer outro jogador. Aqui em São Paulo, por exemplo, tem o Viola [Paulo Sérgio Rosa, atacante], que faz muito bem isso também, essa coisa de marketing, de promover jogos. E vocês não vão ver, tanto eu como ele chegar a esse ponto de menosprezar um... essa coisa no nível pessoal. Assim, eu tento tratar todos de uma maneira bem profissional para, justamente, promover o espetáculo e atrair o público, é isso.

Matinas Suzuki: Se vocês forem para a Seleção, suponhamos os dois ali, como é que vocês vão se comportar?

Túlio: É difícil ir para a Seleção, porque os dois praticamente têm as mesmas características. E hoje, no futebol moderno, é até um pouco inadmissível dois jogadores com as mesmas características jogarem no mesmo time. Poderia ser até uma curiosidade, para ver o que é que ia dar de repente eu jogar junto com ele. Mas não sei. Talvez até mesmo na Seleção, o treinador poderia até evitar esse tipo de confronto.

Luiz Antônio Prósperi: Túlio, no ano passado, você teve um problema mais sério com ele, inclusive parece que você tentou entrar na Justiça, porque teve um problema aí, ele acabou falando mal da sua família, da sua esposa e tal. Queria que você contasse se você foi à Justiça mesmo, se parou por ali, como é que foi essa história.

Túlio: Não, pois é... Eu sei separar bem as coisas. Eu vejo que quando o negócio está se criando, tomando um rumo para outro lado, o lado pessoal, não é interessante nem para mim, nem para ele e muito menos para os torcedores e para a imprensa em geral. Então eu decidi, a partir daquele momento, não brincar mais, na concepção da palavra, com ele. E sim só promover jogos, não aceitar desafios, não aceitar provocações, porque eu já aceitei uma vez e acabei caindo em uma cilada, entre aspas, acabei sendo prejudicado. Mas sempre quando a gente acaba apanhando, a gente aprende as lições e procura evitar para justamente não dar margem a esse tipo [de coisa]. Porque o interessante para mim não é ver o Túlio discutindo, o Túlio brigando, o Túlio em escândalo. Você sempre vai o Túlio de alto astral, sempre para cima.

Flávio Prado: Agora, teve um comentário muito forte quando da separação do Romário, que você teria tido um caso com a Mônica Santoro. Você é casado, sua esposa está inclusive aqui no estúdio. De onde surgiu isso, como é que você administrou isso?

Túlio: Primeiro, foi surpresa da minha parte. Até hoje eu estou tentando descobrir da onde surgiu isso. Mas, em se tratando de futebol brasileiro, em se tratando da imprensa, não generalizada, mas de uma imprensa pouco partidária, uma imprensa que até certo ponto chega até ser um pouco maldosa, a gente encara com naturalidade. Eu soube tranquilamente administrar isso, vindo a público, enviando fax a redações de jornais, revistas, desmentindo todo o episódio.

Flávio Prado: Você tem alguma amizade, algum contato, alguma vez você conversou mais diretamente com a Mônica Santoro, com a ex-esposa do Romário?

Túlio: Não, nós sempre fomos vizinhos. Mas, por meus afazeres profissionais, nunca tive um contato mais próximo com a Mônica, justamente porque nunca dava de nos encontrarmos. As minhas filhas sempre se deram bem com os filhos dela, quer dizer, uma coisa bem familiar mesmo, uma coisa de vizinhança, mas não passou nada mais do que isso. E o que inventaram realmente causou surpresa para mim, mas eu, com habilidade e com discrição, soube realmente administrar, e está aí, não se fala mais nisso. Hoje eu estou muito bem casado, diga-se de passagem.

Alberto Helena Jr.: Essa questão de imagem pública, de acordo com o que colocou no início o Matinas, você veio do Rio de Janeiro, onde há uma cultura mais do fair play [jogo limpo, em que o jogador demonstra respeito às regras e códigos de conduta do jogo de futebol], o bom humor...

Túlio: Oba-oba... Carnaval...

Alberto Helena Jr.: É uma festa, um oba-oba e tal, e esse tipo de coisa pega bem. Agora, São Paulo com negócio de futebol é meio ranzinza, sabe? Esse meu povo aqui é ranzinza, é meio chato e fica com esse negócio de “ele é torcedor do Corinthians, não pode...” Outro dia encontrei um ser que me disse o seguinte: “Olha, quando o Edmundo jogava no Palmeiras, eu não conseguia ver o que o pessoal via nele e tal, por que elogiavam tanto. Agora que ele foi para o Corinthians, foi que eu vi que ele joga pra burro e tal...” Quer dizer, o cara não tem olho para mais nada. Você não teme que essa sua atitude, esse seu comportamento, esse jogo de marketing venha a ser muito prejudicial para você neste clima que é muito mais competitivo das torcidas, do torcedor e da imprensa em São Paulo?

Túlio: Mas isso vai acontecer não só aqui em São Paulo, como no Rio, ou até mesmo em Goiás, se eu voltar a jogar lá, na Bahia ou em Porto Alegre, porque ninguém consegue ser unanimidade. Acho que até mesmo o Zagallo, que é o único tetracampeão do mundo, não consegue ser unânime perante todos. Por que eu, que ainda estou começando no nível profissional, de título, essas coisas, não vou agradar? Eu tento agradar principalmente a minha torcida, o time que eu estou vestindo, a camisa que eu estou vestindo, que é hoje o Corinthians. Então, é claro que, mesmo dentro da torcida do Corinthians, vai haver sempre um ou outro que não vai gostar de uma atitude, de uma declaração minha, de algum lance meu, mas isso tudo faz parte da profissão de jogador de futebol. Por isso eu sei muito bem administrar principalmente as críticas, que com certeza virão, do que propriamente os elogios. O elogio faz bem para o ego, mas é com as críticas que você aprende, que você tenta agradar pelo menos essas pessoas que criticam.

Maurício Cardoso: Você pretende adaptar seu marketing pessoal, promocional para essas características que o Helena descreveu bem aqui de São Paulo? Quer dizer, essa diferença que existe entre o Rio e São Paulo. Você vai se adaptar a um novo marketing para São Paulo?

Túlio: Claro. A gente sempre joga de acordo com o time que tem, com o material humano que tem. É claro que tem coisas que eu fazia no Rio que é impossível eu fazer aqui. Por exemplo, “vamos jogar uma pelada na praia!”. Então são coisas que você realmente tem que se adaptar. Eu, por estar aqui há pouco menos de vinte dias, um mês, ainda estou conhecendo a cidade de São Paulo...

Maurício Cardoso: [interrompendo] Já pegou uma enchente, né?

[risos]

Túlio: Já peguei uma enchente, mas até que me livrei bem, sabe? Peguei uns caminhos aí, estou bem assessorado nesse aspecto. Consegui chegar aqui a tempo no programa. Mas com um jeitinho, com habilidade, a gente consegue. Eu acho que para tudo tem que ter um pouco de paciência; com tranquilidade é que a gente chega ao objetivo.

Matinas Suzuki: Agora, Túlio, o Edmundo [Ver entrevista do jogador em www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/517/Edmundo/entrevistados/edmundo_1996.htm], por exemplo, que talvez tenha tido o melhor momento da carreira dele aqui em São Paulo no Palmeiras, era uma pessoa que dizia abertamente que não gostava de morar em São Paulo. E na primeira oportunidade pegava uma ponte aérea para o Rio e tal. Romário, que é outro jogador de expressão nacional, sabidamente não quer sair do Rio de Janeiro, trocou o dinheiro para poder continuar no Rio de Janeiro, essa coisa toda. Você disputou o título de “Rei do Rio”, você era uma pessoa muito integrada ao Rio de Janeiro e disse, inclusive, que a sua personalidade teria mudado no Rio de Janeiro. Você era mais introvertido e depois da sua passagem pela Suíça, que foi muito difícil pessoalmente para você, voltou para o Rio e ali redescobriu uma alegria, um prazer, essa coisa toda. Como é que você está encarando essa mudança para São Paulo? Como é que você se preparou para essa mudança?

Túlio: Bom, acho que o essencial você tem que ter, que é essa alegria, independente do ambiente, independente do lugar em que esteja. Como eu disse, eu vou trocar o Rio de Janeiro e São Paulo, mas só não vou trocá-los para jogar no exterior. Isso não, porque realmente o calor humano do povo brasileiro, seja ele do carioca, do paulista, do gaúcho, do goiano é o que importa; é esse calor que me contagia, é esse diálogo, essa facilidade de comunicação. Eu sou muito sensível a essas coisas. Então para eu me adaptar no exterior seria muito mais difícil do que me adaptar aqui em São Paulo. E a base, essa essência minha eu não posso perder nunca; essa alegria, esse alto astral. Independente do fato de estar chovendo ou fazendo sol, se tem enchente, se não tem praia, ou se tem. O importante é você manter realmente essa personalidade. E, em volta disso, com o tempo você vai melhorando uma coisa aqui, outra ali, para tentar agradar pelo menos as pessoas que estão lhe cercando.

Matinas Suzuki: Antes da próxima pergunta... Só um minuto, eu queria apresentar aqui o nosso companheiro Marcelo Duarte, diretor de redação da Placar, que acaba de chegar...

Marcelo Duarte: [interrompendo] Vítima da enchente.

Matinas Suzuki: Provavelmente, mais uma vítima da enchente.

Marcelo Duarte: Eu já não estou ficando tão alegre quanto o Túlio, assim com a enchente, né?

[risos]

Túlio: [dirigindo-se a Marcelo Duarte] Você trouxe minha Bola de Prata [tradicional prêmio da revista Placar], falando nisso? Não esqueceu na enchente não, né?

[risos]

Flávio Prado: Túlio, você falou da Suíça. E a gente tem mania no Brasil de dizer: “Bom, isso aqui não é a Suíça!”. A Suíça é tida como um paraíso. Como é que foi a sua vida na Suíça? Você aprendeu a... Eles falam lá todas as línguas, né?

Túlio: Todas.

Flávio Prado: Italiano, alemão... Você aprendeu alguma? Como é que era o negócio lá?

Túlio: Eu fui obrigado a aprender francês, porque justamente onde eu jogava, meu time era da Suíça francesa, era o F.C. Sion [Football Club Sion]. Então, quer dizer, é um paraíso, mas para outras coisas. Como eu acabei de falar, essas coisas de calor humano, essa coisa de sentir a torcida, sentir as coisas boas que o país tem, infelizmente, na Suíça, eu aprendi muito, mas pelo lado negativo. Muita solidão, a gente tinha uma rotina muito monótona na vida lá, que era só treinar, depois ir para casa, esperar o tempo passar, depois voltava para treinar. Não tinha uma vida social, era bem diferente do que aqui no Brasil.

Flávio Prado: Não tinha amizade com os outros jogadores?

Túlio: Isso. É muito difícil. O europeu, por si só, é uma pessoa bastante fria. Ele quer cuidar do seu e não se importa com o que está acontecendo com o vizinho, com o companheiro. Então, eu realmente senti bastante isso. Tanto é que em cinco meses já queria voltar, com cinco meses de contrato já queria voltar para o Brasil. Mas, infelizmente, eu tive um problema com o presidente, ele me fez ali cumprir o contrato. Mas tudo bem! Acho que de todo lado negativo se tira uma lição e eu aprendi que, mais do que nunca, hoje eu sou patriota. E para sair do país, eu vou pensar não só dez vezes, mas mil vezes.

Maurício Cardoso: Lá não tinha nem praia nem enchente, né?

Marcelo Duarte: E nem futebol, não é, Túlio?

Túlio: Também, nem futebol, o principal.

Luiz Antônio Prósperi: Foi lá que você descobriu que quando voltasse para o Brasil, teria que desenvolver essa estratégia de marketing, começar a pensar um pouco o futebol diferente do que simplesmente ganhar dinheiro e jogar no exterior e pronto. Foi lá que você percebeu de tanto levar pancada?

Túlio: É verdade. Porque na Suíça, eu costumo dizer, fiquei dois anos encubado, fiquei ali naquela... Então, quando eu voltasse para o Brasil, também só fazer gols não adiantaria. Porque poderia ser mais um goleador que chegou e tal, deu seu recado e foi embora também, seguiu caminho. Eu quero... sei lá, deixar história, como eu já disse, deixar uma biografia, um exemplo para os meus filhos, para os meus netos, de que realmente eu fiz alguma coisa em benefício, não só a mim próprio, mas para o futebol brasileiro. Então, é por isso que eu tenho essa coisa de querer atingir marcas significativas, como o Pelé conseguiu, tantos outros jogadores conseguiram, seja no Corinthians, seja na Seleção... Onde eu defender, no clube em que eu estiver, eu tenho essa coisa de chegar e marcar para a história do futebol.

Maria Amélia Rocha Lopes: Eu queria lhe perguntar uma coisa. Tenho uma curiosidade que não é só com relação a você, não, mas o jogador quando fica famoso, em geral, se refere a ele mesmo na 3ª pessoa. Várias vezes você já falou assim: “O Túlio...”, “Porque o Túlio...”

Túlio: Não, é porque eu já estou me referindo aos netos.

Maria Amélia Rocha Lopes: Eu queria saber por que isso? Quer dizer, o Túlio é uma marca, uma entidade? E não tem nada a ver com o Túlio Humberto, essa coisa?

Túlio: Hoje é. Hoje o Túlio Maravilha virou uma marca, por incrível que pareça. Então qualquer produto aí que futuramente a gente vá lançar vai deixar de ser só o Túlio, vai ser o Túlio Maravilha...

Matinas Suzuki: Você pensa em entrar no ramo de confecção, é isso?

Túlio: Não, eu já tenho vários produtos alinhavados, justamente com essa marca, inclusive já está até patenteado. Então a gente tem que aproveitar justamente essa coisa de... Eu por saber um pouco de marketing, não sou aqui nenhum rei do marketing, mas vivendo, convivendo com grandes empresários, a gente tem que saber explorar também esse lado profissional que é o nome.

Maria Amélia Rocha Lopes: Você vai ser ator quando parar com o futebol?

Túlio: Ator? Está mais para ser à toa, viu?

[risos]

Maurício Cardoso: Agora, qual a diferença do Túlio Maravilha com o Túlio Humberto?

Túlio: Isso quem devia responder melhor seria a Alessandra, minha esposa. Mas a diferença básica é que um é bem profissional. Quando entra em campo, realmente tem aquela responsabilidade de defender; é uma cobrança muito grande, seja ela no Corinthians, na Seleção, em qualquer clube que ele defenda. Então você tem que deixar um pouco as brincadeiras de lado, porque eu sou muito brincalhão, gosto de levar a vida assim meio na brincadeira. E em casa não, o Túlio é um paizão, as filhas deitam e rolam mesmo, fazem o que querem, sempre desorganizado. E eu procuro sempre não misturar as coisas. Em casa é o Túlio pai. E fora de campo é o jogador. Tratar bem o pessoal da imprensa, enfim, os profissionais que cercam ali o futebol.

Luiz Antônio Prósperi: No ano passado, você chegou a declarar que ser ídolo não era fácil, você estava um pouco assustado com isso. Você fez toda a estratégia para ser um grande ídolo, conseguiu e de repente se retraiu. Como é que foi essa história? Explica...

Túlio: É, chegou um ponto, foi na época em que nós fomos campeões em 1995, pelo Botafogo. Então, realmente, eu imaginava uma coisa e aconteceu totalmente diferente. Aquela coisa de privacidade, de você poder sair, ir ao shopping, poder fazer algumas compras, [coisas] que você estava habituado a fazer e de repente eu me vi assim impossibilitado. Mas hoje não, hoje eu já sei administrar isso também. Da mesma forma, quando eu for campeão pelo Corinthians, seja ele pelo [Campeonato] Paulista ou [Campeonato] Brasileiro, eu vou saber realmente administrar isso. Porque tem uma frase aí de que eu sempre gosto, que o pessoal sempre fala: que o artista vai aonde o povo está, não é? Então o povo sente essa carência. E eu quero tirar um pouco essa imagem de jogador, aquela coisa mascarada, aquela coisa que ninguém pode chegar perto, que tem vários seguranças. Eu não. Já declarei aqui que a minha segurança é a torcida do Corinthians, né?

Flávio Prado: Você já se disfarçou alguma vez para andar na rua, Túlio?

Túlio: Não, de forma nenhuma, nem vou me disfarçar! E não adianta também ir para o exterior que é pior, entendeu? Aí que tem mais brasileiros mesmo!

Matinas Suzuki: Túlio, o Jacinto Júnior, aqui de São Paulo, pergunta o seguinte –vou fazer três perguntas mais ou menos relacionadas com a maneira como você está jogando. “Nos seus dois primeiros jogos, me pareceu que você ficou muito isolado na área adversária e muitas vezes chegou até a chutar de fora da área, o que não é muito do seu estilo. Você acha que seria necessário que o Nelsinho [Nelson Batista Júnior] armasse o time no sentido de que alguém encostasse mais em você?” O João Ribeiro Silva, lá de Campinas: “Túlio, você não acha que o [José Ferreira] Neto [também conhecido como “xodó da fiel”, é um dos maiores ídolos da história do Corinthians], juntamente com o Marcelinho [Carioca], seria o ideal para mandar as bolas para você fazer seus belos gols e sagrar-se artilheiro também em São Paulo?” E o Carlos Roberto Max, do Parque São Lucas, que é técnico sonoplasta, pergunta: “Como você gosta de jogar? Qual sua posição? Você acha também que no Corinthians começou meio mal colocado, não tão bem posicionado como costumava jogar?”

Túlio: As perguntas foram mais ou menos direcionadas. Eu acho que essa questão de esquema, quem joga do meu lado, quem não joga, quem é melhor, característica,  isso tudo o Nelsinho está vendo é um treinador experiente, já trabalhou no Japão, trabalhou no Sul, também no Corinthians, já foi campeão. Então ele está realmente tarimbado e tem bagagem para definir o esquema e os jogadores que ele pretende que formem o time titular do Corinthians. Então a questão é que são dois jogos apenas, e são três, quatro jogadores novos. Queira ou não queira, o time sofre uma alteração, tem uma mudança de característica. Então, até você se adaptar, os jogadores se conhecerem, [e conhecerem] como você gosta de jogar em campo, isso leva um pouquinho de tempo. Mas como já saímos desse torneio, agora vamos ter mais duas semanas para quando estrear no Paulistão, aí sim, não vai ter desculpa de falta de entrosamento, se o time está bem fisicamente ou não, o time vai realmente estrear 100%.

Alberto Helena Jr.: Você nunca foi um jogador de ficar burilando muito a bola, vindo aqui atrás etc. Você sempre foi um jogador de área, de movimentação limitada a um determinado setor do campo. Mas eu observei nesses dois primeiros jogos aí, eu achei você um pouco mais lento do que o normal. Fisicamente, como é que você está?

Túlio: Não, claro! Acho que nem deveria estar 100% agora. Seria até ignorância minha e do preparador físico, né? Estamos começando o ano, e como viemos de um período de férias, então eu mantive uma base aeróbica, mas o forte meu, para quem conhece, sabe que é justamente a arrancada, o reflexo, aquela potência do pique. Então isso leva um pouco de tempo, já que a gente está trabalhando mais a parte aeróbica, aquela coisa de manter o oxigênio para aguentar os noventa minutos. E isso vai ser com o tempo. A gente vai fazer trabalhos específicos para justamente perder essa lentidão, e quando a bola sobrar ali, estar esperto para fazer o gol.

Marcelo Duarte: Túlio, o Mirandinha já começou a... deu uma declaração reclamando um pouco da reserva. E o Corinthians fala ainda em contratar mais reforços. Você não acha que o Corinthians corre o risco de ter uma guerra de egos muito grande ali de jogadores que eram titulares e passaram a ser reservas, e aí começar essa discussão e depois “vamos derrubar o técnico e...”

Túlio: Não vai ocorrer isso, sabe por quê? Porque além de o Corinthians estar preocupado em contratar jogadores tecnicamente muito bons, no nível de Seleção Brasileira, também está fazendo o perfil do caráter do atleta, né? Justamente os seus antepassados. Você vê que o jogador não causa problema, não tem problema com o treinador, com o dirigente. Então o Corinthians está preocupado não só neste sentido, de fazer um grande time, um supertime, que futuramente ele vai chamar de Dream Team [alusão à seleção norte-americana de basquete, formada por grandes astros da NBA, campeã olímpica em Barcelona, no ano de 1992], com certeza, mas também formar jogadores capacitados, que realmente saibam dar declarações, que não possam criar justamente esse atrito entre nós mesmos. E essa competição é sadia, de todo mundo querer jogar. Todo treinador queria ter realmente vinte jogadores em condições de ser titular, para quando um der uma brecha, o outro vai lá, toma conta do recado, e continua o time sempre vencendo.

Matinas Suzuki:  Tem treinador que não se dá bem com essa história aí...

[risos]

Matinas Suzuki: Com jogador bom, não sai tão bem assim.

Flávio Prado: Você já foi vítima de ciúme de companheiro? Porque você ganha mais que os outros, você aparece mais que os outros...

Túlio: Mas isso é normal não só no futebol, em qualquer profissão. Mas aí é que está, você tem que saber também lidar com isso. Tem que ter um jogo de cintura, uma conversa franca, aberta, porque eu acho que todo mundo tem o seu valor, todo mundo merece aquilo que produz.

Flávio Prado: Mas você chegou a ficar isolado no Botafogo por um tempo?

Túlio: Fui isolado em dois sentidos: tanto dentro de campo, porque o time às vezes jogava isolado, e também fora de campo. E isso é inevitável, porque isso depende também da diretoria. Se, de repente, um time de futebol tem um jogador que ganha mais, os outros ganham menos. E aí começam a atrasar salários desses jogadores que ganham menos, com certeza, isso vai dar reflexo não só em mim mas também em todos os jogadores dentro de campo.

Luiz Antônio Prósperi: Mas esse é um problema que você pode enfrentar aqui, porque, se eu não estou enganado, no Botafogo, uma parte de seu salário, metade dele era paga pela Pepsi, a Seven-Up patrocinava. Aqui vai acontecer a mesma coisa, que é o Banco Excel que paga parte do seu salário.

Túlio: Mas aí, no caso, não seria só eu, né?

Luiz Antônio Prósperi: Eu sei, mas não é o time inteiro do Corinthians que vai receber o salário...

Túlio: [interrompendo] O Marcelinho, se não me engano, está no mesmo esquema, o próprio Ronaldo [goleiro]...

Luiz Antônio Prósperi: Quatro ou cinco, mas...

Matinas Suzuki: O seu passe é do Banco Excel? Como é juridicamente?

Túlio: Juridicamente está assim: o Banco Excel, se eu não me engano, detém 80% do passe, e o Corinthians [fica] com o restante dos 20%, porque tem um jogador também na transação, que está emprestado. Mas no final, acredito que todos vão ter a sua parcela de colaboração.

Matinas Suzuki: Se o banco, por exemplo, resolver patrocinar um outro time, como está patrocinando o Vitória, e decidir que o Túlio deve jogar o segundo semestre no Vitória. Como é que é resolvida essa questão?

Túlio: Não. Primeiro você tem que perguntar se o jogador quer ir. Acho que nesse lado aí, o jogador, pelo menos no meu caso, eu não me trato como mercadoria: “Você vai pra lá porque vai ser assim”. Não, primeiro você tem que ver se quer ir, se está se sentindo bem, se realmente é o melhor para você uma transferência. E segundo, você tem que ver as necessidades do time, o mercado no momento, em uma transação. Isso tudo tem que ser conversado. Mas, com certeza, vocês ainda vão ouvir falar muito de mim aqui no Corinthians.

Luiz Antônio Prósperi: Túlio, existe uma diferença muito grande entre ser um atleta, um jogador de uma empresa e outro só de um clube, por exemplo, ou não? Você tem mais obrigações com essa empresa?

Túlio: Ah, sem dúvida...

Luiz Antônio Prósperi: Queria que você falasse um pouco dessa diferença para gente.

Túlio: Primeiro que você tem o uso da sua imagem cedida, no caso aí, pelo Banco Excel, onde você realmente tem que... Aí vem aquela questão de se privar de certas coisas e manter aquela linha, aquela ética profissional. Um banco não vai patrocinar um jogador que tem um passado negro, que está envolvido em escândalos, que toda hora está em confusão. Então, realmente, eu prezo por isso porque, além de você estar vendendo sua própria imagem, está vendendo a imagem do parceiro que, no caso, é o banco. Então a cobrança é nesse sentido. Mas o normal, dentro de campo, é você ser igual a todos os outros jogadores; o desempenho é o mesmo, a vontade é a mesma e vou ganhar eu, vão ganhar todos. E o Corinthians está acima de tudo isso.

Flávio Prado: Túlio, sua conta é do Banco Excel?

Túlio: Sem dúvida, né?

[risos]

Maurício Cardoso: E você já não toma mais Seven-Up.

Túlio: E não tomo Seven-Up, e tenho 12 dias no cheque [especial] também.

[risos]

Maria Amélia Rocha Lopes: Você costuma falar na NBA, a liga americana de basquete, como um bom exemplo de marketing e tudo isso... Você jamais seria um [Dennis] Rodman [jogador de basquete profissional norte-americano, especializado no setor defensivo e no rebote. Tornou-se conhecido pelo estilo extravagante – com cabelo pintado de loiro e o corpo todo tatuado – dentro e fora das quadras]?

Túlio: De jeito nenhum.

Maria Amélia Rocha Lopes: Tatuado, vestido de mulher e essas coisas. Você jamais chegaria a esse ponto pelo marketing?

Túlio: Não, pelo contrário.

Maria Amélia Rocha Lopes: O que você admira na NBA como marketing?

Túlio: Admiro a organização. Você vê que em todos os jogos o ginásio está superlotado, a televisão dá uma injeção financeira enorme. Por isso que os altos salários dos atletas são elevados, porque justamente tem essa assessoria, os times não têm prejuízo, podem investir com certeza. É por isso que está o melhor basquete do mundo.

Maria Amélia Rocha Lopes: O problema aqui então é dirigente?

Túlio: É a organização e o profissionalismo. Acho que...

Alberto Helena Jr.: Você, por exemplo, está tendo contato com profissionais de uma área econômica, no caso do GAP [Grupo de Apoio ao Presidente do Clube. O grupo foi formado para assessorar administrativa e financeiramente o presidente do Corinthians e reunia nomes do mercado financeiro, como o corretor Eduardo Rocha Azevedo, formador do grupo; Ibrahim Eris, ex-presidente do Banco Central; e o economista Luís Paulo Rosenberg], do Corinthians e o pessoal do próprio Banco Excel e tal, e esteve lá com o Botafogo também, no caso, com a Pepsi–Cola. Como é que é? Qual a diferença para um jogador de futebol tratar com essa gente e tratar com um cartola convencional, aquele dirigente amador, entre aspas, de um clube?

Túlio: É. Isso é o futuro. É bom todo mundo se acostumar, porque esse é o caminho que o futebol brasileiro vai tomar daqui uns cinco, dez anos. Realmente só vão ficar aqueles dirigentes competentes que pensam visar não só o lucro da empresa, no caso do patrocinador, mas também do clube, e tirar toda a vaidade, todo o interesse pessoal de querer aparecer, de querer se eleger alguma coisa através do futebol. Acho que isso é o que está realmente atrapalhando, essa coisa de misturar política com futebol. Nunca deu certo, eu acredito que não vá dar certo. Então essa é a tendência. E disso é que os dirigentes tem que tomar consciência. E os jogadores já estão tomando. Você vê que hoje para renovar contrato com qualquer jogador não é como antigamente: “Toma aí e está bom demais!” ou “É pegar ou largar!” Não, pelo contrário. Isso porque não veio ainda a Lei Pelé, que deve vigorar no ano que vem. Então, realmente, se os dirigentes não atentarem para esses fatos que estão acontecendo, os jogadores daqui uns dias...

Matinas Suzuki:  [interrompendo] Qual é a sua posição sobre a Lei Pelé?

Túlio: Eu acho que a Lei Pelé, como se diz, é uma injeção de ânimo. Mas, no meu caso, por exemplo, não faz muito efeito, porque eu sei aquilo que eu quero. Eu acho que ninguém trabalha obrigado. Claro, você tem um contrato, tem que cumprir, às vezes você não quer e vai brigar judicialmente, essa coisa toda. Mas desde que haja um diálogo, um bom senso de todas as partes envolvidas, acho que a Lei Pelé só vai lhe dar uma cobertura, só vai lhe dar como se fosse uma última opção para você seguir seu caminho.

Matinas Suzuki: Você me corrija se eu estiver errado, mas o passe do seu irmão era seu, não é isso? Continua sendo seu...

Túlio: É dele ainda. Era meu. Meu e dele, né?  Nós somos irmãos gêmeos.

[risos]

Túlio: Mas ele já está livre, está com o passe livre desde quando saiu do Goiás ainda, né? Então está sempre emprestando a vários clubes por um determinado período, e ao término, se o clube se interessar em comprar, tudo bem. Mas como não há interesse, ele continua sendo jogador livre.

Marcelo Duarte: Túlio, você falou que pela lei do passe, se o dono do passe quiser mandá-lo de novo para Suíça, ele poderia. Você falou: “Lógico, conversando a gente se entende...” Agora, o passe o obrigaria, sei lá... O Excel: “Ah, queremos que você vá à Suíça jogar de novo!”

Túlio: [interrompendo] Só se for para depositar o dinheiro lá, não é?

[risos]

Marcelo Duarte: Quando você fala que não muda muito a sua vida, é que você hoje já está com uma situação melhor. Mas pensando no jogador normal...

Túlio: [interrompendo] Que está começando, não é? Tem esse lado também. Porque o jogador que está começando precisa desta oportunidade para justamente aparecer e ter logo sua opção de clube. Então, acho que nada melhor que esse jogador que está começando, que está querendo – no caso do Télvio [Henrique Pereira Costa, irmão de Túlio], né? – que está querendo mostrar, acho que ele esquece até um pouco o lado financeiro para justamente provar para ele mesmo que tem condições de algum dia chegar e reivindicar: “Não, eu quero isso. Me sinto bem aqui”. Hoje, infelizmente, a maioria dos jogadores que sofrem dessa coisa de não serem conhecidos, às vezes, tem aquele negócio: ou pegar ou largar. E hoje não, hoje está mudando um pouquinho, justamente porque os dirigentes estão sabendo que no ano que vem, a maioria desses jogadores vão ter passe e vão ter o direito de escolherem onde querem jogar.

Matinas Suzuki: Túlio, vou apitar aqui o final do primeiro tempo...

Túlio: [interrompendo] Tempo técnico! Quantas faltas nós temos aí?

[risos]

Matinas Suzuki: Ainda tem crédito. A gente volta daqui a pouquinho com o segundo tempo da entrevista com o Túlio. Até já.

[intervalo]

Matinas Suzuki: Bom, nós voltamos com o Roda Viva que esta noite entrevista o artilheiro Túlio, do Corinthians. Túlio, olha, tem aqui, botafoguenses, são-paulinos, palmeirenses querendo se comunicar com você...

Túlio: Nenhum corintiano?

Matinas Suzuki: Não, tem uns corintianos também, mas vamos dar voz para os outros. Rodrigo Almeida, do Rio de Janeiro: “Você não acha que ao proteger os dirigentes do seu ex-clube Botafogo, você queimou a sua imagem com a torcida que te amava – eu te odiava, pois sou Flamengo doente – e te acolheu quando você voltou desacreditado ao Brasil?”

Túlio: Não. Acho que a torcida tem o seu papel. Quando eu cheguei ao Botafogo, também era aquilo: será que vai dar certo, não vai? Claro, a torcida acreditou, apostou. Mas, mais do que nunca, eu tive que mostrar ali, tive que suar a camisa e dar duro para merecer a confiança desses torcedores. Mas como tudo na vida tem o seu lado, um ciclo, eu acho que estava na hora, realmente... Eu fui bem sincero, porque não adiantava nada eu estar no Botafogo agora, ganhando cem, duzentos mil dólares, no caso, reais, e não estar satisfeito, não produzir aquilo que eu queria, que eu gostava. Então achei necessária essa minha mudança para o bem do Botafogo e para o meu bem próprio.

Matinas Suzuki: O Eduardo Milimel, aqui do Jardim Universal, que é economista, diz o seguinte: “Sou são-paulino, mas torço pelo seu sucesso no Corinthians”. O Petrônio Nascimento, de Osasco, diz o seguinte: “Túlio, desejo boa sorte para você no Corinthians, desde que não faça gol contra o São Paulo.” O palmeirense Leonardo Rogério também manda boa sorte para você, mas lembra que você será sempre vice-campeão aqui em São Paulo. Está bom?

[risos]

Matinas Suzuki: E o José Roberto, da Vila Gustavo, e o Luís Carlos de Almeida, de Itaquera, querem saber o seguinte: qual é a diferença entre jogar em São Paulo e jogar no Rio de Janeiro? Você já pode perceber alguma diferença? Você sentiu o ambiente diferente? Há uma preocupação muito grande aqui também dos nossos telespectadores sobre o que está acontecendo no futebol do Rio de Janeiro. Você tem uma análise sobre isso?

Túlio: Bom, a diferença eu ainda não pude notar, porque o Campeonato Paulista ainda não se iniciou, e no torneio Rio-São Paulo nós só jogamos com times cariocas. Mas com certeza, todo mundo fala que é mais duro, que é um campeonato mais competitivo, que os times do interior realmente investem muito para que possam, pelo menos, atrapalhar os clubes das capitais. Então é bastante difícil. Mas isso a gente vai provar ainda, quando começar o campeonato. E a decadência... não é decadência total. Acho que ano passado realmente o futebol carioca esteve em baixa, justamente por esse desleixo dos dirigentes em deixar salários atrasados dos jogadores, porque queira ou não queira, um mês ainda dá para se levar. Agora, dois, três, quatro, até cinco, chega a um ponto em que, dentro de campo, o jogador não vai corresponder mesmo. E isso serviu de lição para que este ano os times do Rio possam realmente se reestruturar fora de campo para formar times fortes.

Alberto Helena Jr.: Túlio, você agora há pouco falou em ciclos da vida. E um dos ciclos, uma das situações mais recorrentes no caso do artilheiro, que nem você, o goleador, é o período da entressafra, aquele negócio de: de repente seca, o gol não entra, a bola se perde, vai dentro do gol e ela não entra e tal. O Ronaldinho agora há pouco viveu essa experiência, então você já deve ter vivido. Como é que se enfrenta essa situação, no caso do artilheiro, que só vive e respira gol? Quando não faz, ele é execrado.

Túlio: É difícil. No meu caso, quem acaba sofrendo mais não é nem a própria torcida e nem o próprio eu, a minha pessoa, é a própria família. Porque você tenta descarregar, tenta desabafar, e para quem acaba sobrando as coisas é a família, no caso, a esposa, que está sempre ali do lado. Então, eu já tive este momento também de ficar cinco jogos sem marcar gols. Principalmente foi nesse [Campeonato] Brasileiro do ano passado, aquela marca de cem gols em [campeonatos] brasileiros. Então aquela coisa ficou entalada...

Alberto Helena Jr.: Teve um que você perdeu em cima da linha, não é?

Túlio: Ah, perde! São gols que você nunca imagina perder, mas acontece. Só está ali, realmente... quem perde é quem está ali. Mas eu também aprendi a conviver com isso, e nada melhor do que um dia após o outro, um jogo após o outro, para você corrigir isso e ter aquela esperança de poder quebrar aquele jejum de entressafra.

Flávio Prado: Você, segundo as informações, veio para o Corinthians ganhando 150 mil reais por mês, eu espero que seja verdade!  [risos] Agora, eu fico imaginando, como é que você investe esse dinheiro? Onde você coloca tanto dinheiro?

[...]: No Excel.

[risos]

Túlio: Com certeza. E sem IPMF [Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira], né? Porque senão o negócio fica bravo! Bom, é uma questão meio delicada, eu não gosto muito de falar sobre isso, o número, por uma ética minha mesmo, de princípio...

Flávio Prado: Onde você investe?

Túlio: Não, com certeza eu invisto em Goiás [risos], minha terra natal, e futuramente, quando eu parar de jogar, a família toda está enraizada lá, então a gente procura sempre investir o que no momento está bom para o mercado. Tem hora que eu invisto em imóveis, tem hora que eu invisto em bolsas de ações, tem hora que eu invisto em dólares, tem hora que eu invisto em gado. Isso depende muito do momento. O importante é você estar sempre investindo bem, em determinado setor financeiro do país, para quando alguma coisa der errado, ter outro ali para cobrir. O importante é: se perder, perder pouco.

Flávio Prado: Você vai ter algum negócio seu? Já foi falado aqui de...

Túlio: Ah, já! Tem vários projetos para lançar aí camisetas, bolas... Até ursinho Túlio Maravilha vai sair. [risos]

Flávio Prado: Mas, no momento em que você parar, o que você vai fazer? O que o Túlio vai ser, fazendeiro?

[...]: Rei do gado.

Túlio: É difícil a gente falar agora. Eu procuro, não sei... Talvez ser um empresário... Como o Pelé tem a Pelé Sports, a gente pode ter o Túlio Esporte, alguma coisa ligada ao futebol.

Maurício Cardoso: [interrompendo] Pode ser ministro também, como o Pelé.

[risos]

Túlio: É, já ouvi falar que eu levo jeito para política, mas agora não quero misturar não...

Alberto Helena Jr.: Pelo menos tem uma boa demagogia, né?

[risos]

Matinas Suzuki: Túlio, por falar em Goiás e por falar em salários, o Eliseu da Cunha, que é de Leopoldo de Bulhões, lá em Goiás, pede para você fazer uma reflexão, na verdade, é mais uma reflexão do que uma pergunta. Você que ganha tão bem e tal, pensa o quê sobre a situação de tanto desemprego no país, tantas pessoas que estudaram para advocacia, tantos engenheiros, médicos, professores ganhando salários muito pequenos e num ambiente de desemprego no país?

Túlio: É um reflexo do país do Terceiro Mundo. Mas também você não pode culpar os próprios governantes, isso já vem se arrastando por muitos e muitos anos. Mas a minha preocupação é que os políticos, em vez de ficar brigando pelo poder, reeleição – ser candidato a presidente da Câmara, do Senado – em vez de estarem se preocupando com isso, porque isso é uma coisa natural, devem é se preocupar em acabar com a fome, em ver como é que se evitam tragédias quando chove demais; devem evitar a miséria quando tem seca. E investir milhões e milhões de dólares justamente na educação, na saúde. Você vê aí gente morrendo nas portas dos hospitais. Acho que a minha preocupação... Eu vejo a política desse lado e não esse lado... A questão financeira até que está estável, acho que foi uma coisa bem positiva. Mas justamente isto. Pessoas que estudam a vida inteira e têm um objetivo, aquele sonho de algum dia ser um grande médico, um grande dentista, enfim, ter aquele salário razoável para a família, e chega na hora, não tem emprego, a política [é] totalmente desfavorável. Então, eu vejo por esse lado. O político hoje, principalmente o presidente, tinha que investir principalmente na base, que é educação, saúde e acabar um pouco com essa violência.

[Sobreposição de vozes]

Matinas Suzuki: Acho que a pergunta é inevitável, mas está aqui o... Se você me permitir [falando para Alberto Helena Jr.], em vez de fazer a sua, vamos fazer pelo Carlos Valinda, que é um jornalista aqui da Bela Vista. Você é a favor ou contra a reeleição do presidente Fernando Henrique?

Túlio: Não, eu sou a favor. Eu acho que em time que ganha não se mexe, não é? Tem esse velho ditado. É como eu disse, está dando certo por um lado; pelo menos, não se ouve falar em inflação já tem o quê? Uns três, quatro anos. Isso pelo menos dá uma tranqüilidade. Mas isso é pouco. E se o povo reeleger Fernando Henrique, ele vai ter mais obrigação e mais responsabilidade de também, daqui a três, quatro anos, não se ouvir mais [falar] em miséria, não se ouvir mais [falar] em fome e em pessoas morrendo em porta de hospitais. Acho que ele tem que investir nisso, porque ele vai ganhar muito mais. Em vez de ficar quatro anos, vai ficar dez, vinte, trinta anos.

Maurício Cardoso: Túlio, você sente algum tipo de constrangimento ao saber, ao pensar que você ganha mil salários mínimos, que é a média de renda de três quartos da população brasileira?

Túlio: Eu não sinto nem constrangimento, o primeiro que eu tenho que dar é valor a isso. Primeiro agradecer a Deus por essa oportunidade. E sempre olho, como o menino [telespectador] me pediu para ter um momento de reflexão... Você chega em casa e às vezes não tem nem o direito de achar que isto está ruim, que aquilo está bom, que eu vou estar triste hoje, que eu vou estar alegre... Se for ver as coisas que estão acontecendo no mundo hoje, você é um privilegiado. Então, primeiro você tem que agradecer, pedir a Deus muita saúde para você brigar por mais e, claro, sempre que puder, [deve-se] ajudar, porque nunca é demais. Eu não tenho muito essa ambição de coisas materiais, porque um dia tudo isso acaba, vai ficar aí mesmo para a família, para os filhos. Então você tem que viver intensamente o seu momento, sua vida e dar alegria principalmente às pessoas que estão perto de você.

Marcelo Duarte: Túlio, você falou em ajudar, mas quando o Romário propôs aquela aposta agora, Corinthians e Flamengo, que era para doar cinquenta cestas básicas...

Túlio: Eu não aceitei.

Marcelo Duarte: Você não aceitou e disse que isso era um problema dos governantes.

Túlio: Mas justamente, eu não aceitei porque...

Matinas Suzuki: Túlio, essa pergunta é de... Está aqui no meu e-mail, mas eu não estou conseguindo acha o autor da pergunta. Enfim, essa pergunta veio também.

Marcelo Duarte: Sem contar que logo depois da sua declaração, o fax da redação da Placar tinha muita gente indignada com essa sua posição. A gente recebeu muita correspondência.

Túlio: Eu não aceitei por dois motivos. Primeiro que não foi a primeira vez que ele me desafiou tentando apostar, justamente porque você nunca sabe a reação. Então eu procuro evitar ao máximo esse tipo de conflito, principalmente envolvendo dinheiro. E segundo que eu não preciso, para promover um jogo, para aparecer em jornal, dizer que eu vou ajudar alguma entidade. Quando eu faço isso, faço numa boa, sem querer ibope para mim, sem querer aparecer, sem querer nada.

Maurício Cardoso: E você tem feito isso?

Túlio: Sempre tenho feito. Não é desde hoje não, é em Goiás, é no Rio, agora em São Paulo, eu estou chegando, vou procurar saber de alguma coisa assim, das entidades que com certeza vão me procurar e eu sempre atendo. Então, eu procuro separar as coisas. Não levar essa coisa, querer aparecer na desgraça dos outros, de forma nenhuma. Eu tento fazer a minha [parte], promover os jogos por mim mesmo, e não querer me promover através das pessoas.

Maria Amélia Rocha Lopes: Eu li uma declaração sua que dizia que os anos 80 tinham sido a era Zico [Arthur Antunes Coimbra, fez parte das seleções brasileiras de 1982 e 1986. Apelidado de "O Galinho de Quintino", foi um dos maiores goleadores do Flamengo], e que 90 seria a do Túlio...

Túlio: A era Túlio.

Maria Amélia Rocha Lopes: Mas você não acha que está mais para a era Ronaldinho?

Túlio: Pode ser uma dupla, não é? [risos] Uma dupla sertaneja...

Luiz Antônio Prósperi: Túlio, em cima disso que eu queria perguntar. Porque você foi muito bem em 1995, foi lembrado pelo Zagallo, disputou a Copa América; depois, como o Zagallo costuma fazer, foi colocado de lado. Ele já fez isso com o Rivaldo [Vítor Borba Ferreira, meio-campo, foi eleito pela Fifa, em 1999, melhor jogador do mundo. Pentacampeão em 2002], que foi mal na olimpíada, fez com você... Você acha que a Seleção acabou em vista até do sucesso do Ronaldinho? E o que você pensa do Zagallo? Porque a maioria dos jogadores e até da imprensa falam “Ah, o Zagallo é o único tetracampeão!”, elogiam muito, mas ele também tem algumas incoerências na Seleção. Queria que você falasse um pouco sobre você na seleção e depois sobre o Zagallo.

Túlio: Bom, primeiro que, justamente, é aquela questão do ciclo. Vindo para o Corinthians, minha probabilidade de voltar para a Seleção aumenta mais, não com desrespeito ao Botafogo pela estrutura, mas pela minha própria motivação. Acho que aqui, encontrando desafios novos, ares de um ambiente novo, isso vai me trazer de volta aquela empolgação de querer sempre ser o artilheiro, sempre fazer gols, para chegar um dia a despertar interesse no Zagallo e ele possa me convocar. E a respeito do Zagallo, como você falou, é unanimidade, tetracampeão, mas não consegue agradar a muitos. Mas eu gosto do estilo que ele está usando, principalmente esse esquema de 4-3-1-2 para justamente não deixar os atacantes isolados. Por isso a Seleção Brasileira, nesses últimos tempos aí, tem um índice de vitórias muito grande, porque joga com o ataque. O Zagallo está tentando resgatar aquele futebol arte, aquele futebol de habilidade, em que só vai sobressair aquele que realmente tem técnica. Então, eu realmente o admiro muito e com certeza vou continuar fazendo gols aí...

Alberto Helena Jr.: Mas a restrição que ele faz a você é de ordem tática e é exatamente em função disso que você acabou de dizer. Porque ele disse que você é um jogador que joga num limite muito estreito do campo, quer dizer, só dentro da área etc e tal. E que um jogador para jogar no esquema dele, como um centroavante precisa saber sair, voltar, tocar a bola...

Túlio: É claro!

Alberto Helena Jr.: ...driblar e tal. Como é que você vê isso aí?

Túlio: Eu comecei a fazer isso e tive uma passagem muito boa, até com ele mesmo, em 1995, quando fomos até para a Copa América e perdemos nos pênaltis, o que era normal. Mas eu aprendo muito com ele, e eu procuro sempre... Agora que eu estou entrando em forma, eu vou tentar fazer essa movimentação que ele deseja.

Matinas Suzuki: Túlio, pelo menos de um jogo importante para você eu lembro que você fez essa função até quase por um time todo, que foi a final do Botafogo contra o Santos, aqui em São Paulo, quando você teve um companheiro que não estava em condições de jogar, estava fisicamente prejudicado, não estava em melhores condições físicas para desempenhar [seu papel], e você foi uma espécie de líder do time: voltou, marcou, correu, deu trombada etc e tal. Não daria para você ser o tempo todo assim?

[risos]

Túlio: Aí tinha que ganhar dobrado, né? [risos] Mas isso depende muito do momento. Se tem jogador específico para aquela posição, acho que aí é que está. Eu poderia até me atrapalhar se eu quisesse fazer tudo ao mesmo tempo. [Atrapalhar] A mim mesmo e ao próprio esquema, os demais jogadores. Então acho que nós temos que saber o que aproveitar, tirar o melhor que o jogador tem; e dentro da cada um, na sua característica, sua função, fazer um conjunto para que todos possam se sobressair.

Flávio Prado: Túlio, analisando dois momentos da sua carreira, tão importantes, que eles foram mostrados no começo do programa. Primeiro aquele gol de mão contra a Argentina: você não ficou com vergonha depois daquilo? E segundo... Não, vamos um por um! O gol da Argentina. Você não ficou com vergonha quando o juiz mostrou que foi no peito?

Túlio: Eu fiquei, né? Primeiro que nem foi gol de mão, foi uma ajeitada [risos], porque gol de mão assim...

Flávio Prado: Gol de mão não foi, né? Foi só uma ajeitada.

Túlio: Só uma ajeitadinha de leve, né? Então é engraçado, porque pela posição dele [árbitro] realmente não dava, porque ele estava nas minhas costas, e no gesto que eu fiz... Acho que o culpado maior não foi nem o juiz, foi o bandeirinha que não marcou. Eu até pensei em parar, porque todo mundo parou, eu falei: “epa, será que ele marcou alguma coisa?” Mas como tem essa coisa de faro de artilheiro, de sempre conferir, graças a Deus naquele momento a gente ficou até um pouco mais no Chile, né?

[...]: No Uruguai.

Túlio: No Uruguai! Então passou. E a outra [pergunta]?

Flávio Prado: A outra é aquele lance em que você fez aquele gol de calcanhar, que você meteu a bola de calcanhar contra o time chileno, depois você não foi para o Chile. Duas respostas. Primeiro: você se arrependeu de ter feito o gol ou se arrependeu de não ter ido para o Chile, deixando seus companheiros numa gelada?

Túlio: Nem uma coisa nem outra. Primeiro porque eu não me arrependi porque eu acho que não menosprezei ninguém, não desrespeitei nenhuma regra do futebol. Que eu me lembre, não está escrito que é proibido fazer gol de calcanhar, que é proibido fazer gol de nuca...

Flávio Prado: Eu achei bárbaro, mas os chilenos não acharam...

[Sobreposição de vozes]

Túlio: E eu acho que essa coisa só tomou ênfase, [ficou] polêmica, porque foi com o time do Chile, porque se fosse com algum time do Brasil, aqui mesmo, não ia acontecer nada, todo mundo ia encarar numa boa. Então entrou mais esse lado...

[Sobreposição de vozes]

Flávio Prado: ... a propósito, eles ficaram numa gelada.

Túlio: Não, eu não fui porque um jogo antes, contra o Flamengo, se não me engano, eu já estava machucado, fui para o jogo no sacrifício, e no final acabei sentindo. E como o time já estava classificado, não precisava vencer, e eu como estava me recuperando dessa contusão, achei por bem não arriscar e não prejudicar a mim...

Matinas Suzuki: Se o Helena me permitir.... Olha o gol, nós estamos vendo um... [VT do jogo mencionado por Flávio Prado em que Túlio passeia tranquilamente com a bola perto do gol, sem a defesa do time adversário, e faz um toquinho de leve com o calcanhar]

Túlio: Estou vendo ali.

Alberto Helena Jr.: Ah, é esse lance aí! Olha, eu não sei. No instante em que eu vi esse lance, achei que você fez isso menos para... mais assim por molecagem...

Túlio: [interrompendo] Um sonho de criança! Porque eu sempre tenho na minha cabeça fazer gol de tudo quanto é tipo. Se for pegar um pouco dos meus gols, vocês vão ver que tem gol de tudo quanto é jeito, até sem querer. Então ainda tem essa coisa de sempre querer um dia fazer gol de calcanhar e tal. Sabe o que eu penso um dia? Bater um pênalti de calcanhar. Entendeu?

[risos]

Flávio Prado: Que não seja contra o Chile de novo!

Túlio: Se um dia for possível, por que não?

Flávio Prado: Mas, Túlio, os companheiros não pegaram no pé e disseram: “Poxa, você aprontou isso aí e não foi?” Os seus companheiros do Botafogo não pegaram no pé?

Túlio: Não, de forma nenhuma! Porque eles sabiam do meu problema de contusão. Tanto é que logo em seguida em fiz ressonância magnética que constatou que eu tinha três ou quatro centímetros de lesão muscular. Então seria arriscado. E como era um jogo atrás do outro, seria arriscado por um jogo, eu ficar de fora do restante da [Taça] Libertadores [da América].

Flávio Prado: Vocês tiveram problemas lá, os jogadores do Botafogo? Foi na boa?

Túlio: Não tivemos problemas, não.

Maurício Cardoso: Mas voltando ao gol contra a Argentina, você que é tão bom moço, não ficou com dor de consciência, não?

Túlio: Não, pelo contrário, porque a rivalidade é tão grande, né? E eu sou muito patriota, então acho que teve um gostinho especial. E eu não fiquei com remorso, não.

Matinas Suzuki: Eu quero dar o meu palpitezinho nessa história. Voltando ao gol de calcanhar, se na NBA, o cara está sozinho, ele pode escolher quatrocentas maneiras de fazer aquela bola, ele enterra, ele dá pirueta, ele joga de costas...

Túlio: O pessoal acha graça, não é?

Matinas Suzuki:  Aquilo vira um momento especial do jogo. Por que no futebol a gente vai ter esse moralismo, essa falta de vontade de que seja bonito, de que seja um espetáculo? O jogador não pode ali fazer uma embaixadinha, com o gol aberto e fazer o gol? Por que é desrespeito ao adversário? Não é desrespeito, a bola chegou ali e você faz como quiser.

Túlio: As oportunidades de acontecer isso são tão raras, como aconteceu, de você chegar sozinho... O futebol tem tanta marcação, todo mundo em cima... Quando ocorre uma oportunidade dessas, isso é raro.

Alberto Helena Jr.: Quer dizer, o cara fica mais indignado com o fato de você fazer uma jogada pirotécnica, bonita, engraçada ou divertida, do que com o jogador que vai lá e dá pontapé, dá pontapé, dá pontapé no outro e não joga bola.

Túlio: Pois é, é isso que tem que acabar, com essa mentalidade no futebol.

Matinas Suzuki: Agora, eu não estou deixando de lado a questão do Flávio, porque realmente o time do chileno pode ter reagido muito violentamente a essa questão.

Túlio: Não reagiu não.

Matinas Suzuki:  Quer dizer, isso sempre existe no ambiente do futebol.

Túlio: Num momento lá, em que eles foram e entrevistaram, eles até acharam que foi uma coisa normal, que não teve culpa, que não ia ter troco, que não ia ter revanche, não ia ter nada disso. Eles assimilaram bem isso.

Marcelo Duarte: Mas os técnicos não usam isso depois nas preleções seguintes? Tem um caso na revista Placar, da final entre Corinthians e Palmeiras, em 1995, se não me engano. E nós fizemos o pôster do Corinthians e do Palmeiras, nós pedimos para fazer antes para dar o do campeão, só o Corinthians aceitou. E o Carlos Alberto Silva, que era o técnico do Palmeiras, usou isso na preleção, do tipo “Olha, eles estão pousando de já ganhou”, para criar situações assim para dar o clima de rivalidade.

Túlio: Não, mas eu acho que o que tem que acontecer acontece, independente se um já ganhou, se um já fez aquilo, se não fez. Eu acho que o brasileiro tem que acabar com essa mania de superstição...

Marcelo Duarte: Mas os técnicos não usam esse tipo de coisa para motivar a equipe...?

Túlio: Não, com certeza. Só por ser uma decisão, já é uma motivação natural. Então não precisa fulano esnobar, não precisa provocar para dar injeção de ânimo no adversário. Acho que o cara por si só já tem que ter uma motivação natural em ser o melhor.

Matinas Suzuki: Túlio, nós temos no ponto o gol contra a Argentina, vamos rever, e se alguém ainda tiver algum comentário, alguma pergunta... [VT do momento em que Túlio teria ajeitado a bola com o braço e feito o gol contra a Argentina e do juiz apontando para o próprio peito]

[risos]

Túlio: Olha lá...

Flávio Prado: Os argentinos falaram alguma coisa com você, Túlio?

Túlio: Não! É o que eu falei: nessa história eu fui o menos culpado.

Matinas Suzuki: Você não parou para pensar no juiz? Porque, às vezes, o juiz dá aquela vacilada...

Túlio: Não, eu parei... Você viu que na hora em que eu dominei, o outro na minha frente já levantou o braço, o goleiro já não sabia se ia na bola, se parou ou não, entendeu?

Flávio Prado: Você poderia tomar um cartão, não é?

Túlio: Também, poderia tomar. Naquelas alturas poderia acontecer qualquer coisa.

Maria Amélia Rocha Lopes: Mas aí não é coisa de bom moço isso o que você fez aí...

Túlio: O quê? Não, mas o Maradona [Diego Armando Maradona, argentino, é considerado um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos. Na Copa do Mundo de 1986, em que foi campeão, marcou o chamado “gol do século”, driblando dez jogadores ingleses, e ainda um gol feito com a mão esquerda, pelo que foi chamado de “la mano de Dios” (“a mão de Deus”)] não fez de mão na Copa do...

[...]: Foi a mão de Deus.

Maria Amélia Rocha Lopes: [interrompendo] Mas ele não quer posar de bom moço, não é?

Túlio: Não, tudo bem! Isso depende do momento.

Luiz Antônio Prósperi: Eu queria mudar um pouquinho a discussão. Você disse aí no começo que o futebol está mudando, que jogador para renovar contrato agora é mais difícil, não é chegar e assinar qualquer coisa e tal, os jogadores estão se aprimorando mais. Mas tem uma questão também que a gente não consegue entender: é como que a classe continua desunida. Por exemplo, os maus gramados, péssimas condições para vocês jogarem, vocês treinarem, calendários horríveis, horários dos jogos os piores possíveis, a televisão faz o que quer com o futebol aqui... E não acontece nada de atitude do jogador. Na Itália, eles param por qualquer coisa, tem greve, adia-se a rodada. Por que a gente não tem isso aqui no nosso futebol? Por que os jogadores ainda são tão desunidos nesse momento?

Túlio: É a cultura, isso tudo vem de tradição. O brasileiro, o país, o Brasil já é grande por natureza. Então é fácil você administrar um futebol italiano que é pequenininho, um futebol holandês, um futebol francês, é fácil administrar, porque está tudo ali regionalizado, tudo centralizado. No Brasil não, você faz uma coisa aqui no Rio e em São Paulo, mas estão fazendo outra lá no Pará, em Minas... Quer dizer, é uma regra aqui e outra regra lá. As federações têm muita autonomia no sentido de cada um ter a sua maneira de organizar seus campeonatos. E a CBF [Confederação Brasileira de Futebol], nesse caso, deveria se impor mais e não ficar restrita apenas ao Campeonato Brasileiro, mas sim aos campeonatos regionais também. Regionalizar um pouco os campeonatos, porque aí uniria mais os clubes, uniria mais os dirigentes e, de uma forma ou de outra, natural, uniria mais os jogadores. E aí sim, fazer simpósios, fazer convenções para justamente debater esses assuntos, essa questão de trabalho...

Luiz Antônio Prósperi: É porque na hora de cobrar, eles vão cobrar de vocês, né? Vocês que não jogaram bem, o jogo foi ruim por causa de vocês, mas ninguém...

Túlio: [interrompendo] Mas ninguém sabe que choveu, que o gramado está cheio de buraco. Mas aqui em São Paulo, pelo que eu estou sabendo, os gramados, principalmente do interior, aqui em São Paulo, já estão merecendo uma atenção especial em relação à drenagem e a qualidade do terreno vai ser bem melhor do que foi há uns anos atrás.

Alberto Helena Jr.: Vamos ver, a federação prometeu. Prometeu.

Flávio Prado: Dizem, dizem... Ano passado prometeram e não cumpriram.

Marcelo Duarte: E quando você fala de campeonato regional, você está falando de Rio-São Paulo, Copa Nordeste ou estadual?

Túlio: Regionalizado: é Sul, Santa Catarina...

Marcelo Duarte: [interrompendo] Mas são estas turnês: Rio-São Paulo, Copa Nordeste... Você acha que os campeonatos estaduais também já deram o que tinham que dar?

Túlio: Eu acho que é deficitário. Você vai ver, às vezes, já começou um campeonato estadual no Sul, lá no Pará ainda nem acabou ou já foi campeão. Eu acho que essa coisa devia ser mais integrada, regionalizada, isso no nível regional. E no Campeonato Brasileiro, dentro desse regional, deve-se tirar os melhores e fazer aquele campeonato de elite, considerado de elite, que seria o Campeonato Brasileiro.

Flávio Prado: Túlio, você falou que a superstição precisa acabar. Você não tem nenhuma superstição?

Túlio: Não.

Flávio Prado: Nada, nada?

Túlio: Eu tenho muita fé em Deus, chegar antes do jogo e pedir muita sorte, muita proteção... Não sei se isso é superstição, mas eu sempre faço isso.

Flávio Prado: E você tem algum vício, Túlio?

Túlio: Vício de fazer gols.

[risos]

Flávio Prado: Só?

Túlio: Só!

Matinas Suzuki: Túlio, a Sônia Maria Braga, que é de Andradas, Minas Gerais, diz o seguinte: “Aqui é a terra de seus avós e de sua esposa. Gostaria de saber como anda sua vida espiritual, se você continua na comunidade evangélica cristã?”

Túlio: Primeiro é a terra dos meus avós, mas não é da minha esposa, minha esposa é de Goiânia também. E continuo, tenho uma fé muito grande em Deus, acabei de falar, tudo que tenho agradeço a ele, não esqueço nada disso. E tudo que está acontecendo ao meu redor também tem um significado, não é nada por acaso, tudo tem a mão dele. E acho que a fé, a religião todo mundo tem várias, mas Deus é só um.

Matinas Suzuki: O Flávio Catão, que é consultor empresarial de Belo Horizonte, pergunta assim: “Como você vê o caso Reinaldo [Lima, ex-centroavante do Atlético-MG, que na década de 1990 foi acusado de envolvimento com o tráfico de cocaína, foi absolvido, mas confessou que era viciado nessa droga]? Qual é a sua reflexão sobre isso?”

Túlio: Eu acompanhei, o Reinaldo sempre foi meu ídolo, no nível profissional. Até hoje estou tentando bater o recorde dele em campeonatos brasileiros, com certeza, acho que este ano vou conseguir. Então é uma pena. Mas eu acho que ele foi pego mais como vítima nesse caso aí, do que propriamente um autor. Acho que ele, por esse vício, da mesma maneira que eu tenho esse vício de gols, ele realmente está sofrendo com esse problema. Mas nada que um tratamento, que uma atenção real não possa fazer para que ele dê a volta por cima aí.

Alberto Helena Jr.: Rola muita droga nesse meio do futebol?

Túlio: Não, antigamente rolava mais, agora não. O jogador está mais profissional, já tem uma base familiar bem sólida, já pensa mais nos filhos antes de fazer qualquer tipo de coisa, e você vê que é caso esporádico.

Matinas Suzuki: Você acha que as escolinhas tenham contribuído para isso? As escolinhas dos clubes?

Túlio: Têm, principalmente. A hora em que começou essa febre de escolinha tanto feminina quanto masculina acho que isso já tira do vício, não é? Já evita que essa criança pense besteira. Acho que o vício, essa competição, essa coisa de saúde, de dormir cedo, de se alimentar bem já começa desde cedo para que eles possam ter um futuro melhor.

Alberto Helena Jr.: Você nunca foi assim... Tentaram seduzir você, aqueles caras que chegam, vão lá e tal, “Eu faço tudo para o jogador...” Os amigões do jogador, compra carro e mete a droguinha no meio, como a gente conhece alguns exemplos...

Túlio: Eu, graças a Deus, nunca...

Alberto Helena Jr.: [interrompendo] Nunca?

Túlio: Nunca tive esse tipo de problema, sempre soube selecionar bem meus amigos. Então, nesse ponto, eu posso falar de carteirinha que desse mal eu não sofri.

Maria Amélia Rocha Lopes: [interrompendo] Túlio, me dá licença, só um pouquinho! É o seguinte: se o futebol feminino vingasse no Brasil, você deixaria suas filhas serem jogadoras de futebol?

Túlio: Claro, por que não?

Matinas Suzuki: Maria Amélia, se você me permite, a Sabrina e a Simone Kodama querem saber sua opinião sobre o futebol feminino também. Então, as mulheres...

Túlio: Completando a pergunta dela, inclusive a minha filha mais nova, como todo mundo esperava que fosse homem e queriam um Tulinho, veio uma Marcela, uma filhinha. Então, hoje se você der uma boneca para ela, ela não quer, ela quer bola. Chega brincando, chutando, é como se fosse o Tulinho da família.

Maria Amélia Rocha Lopes: E ela tem jeito?

Túlio: Tem jeito, chuta forte, pé direito e pé esquerdo.

Flávio Prado: Túlio, qual foi o treinador que mais lhe ensinou?

Túlio: Foi Mário Juliato. Na época do Goiás, eu era reserva de um centroavante chamado Sabará, que até faleceu há pouco tempo, então ele me ensinou bastante, principalmente naquela região ali, na grande área: “Quando a bola vem do lado direito, domina com a perna esquerda e chuta com a direita. Quando vem do lado contrário, domina com a perna direita e chuta com a esquerda”. Acho que isso, ele me ensinou muito. Eu tento e procuro me aprimorar mais ainda nos treinamentos.

Flávio Prado: E qual foi o técnico que mais o decepcionou?

Túlio: Mais decepcionou? [fica pensativo, tentando lembrar] É difícil lembrar, eu nunca tive problemas assim com treinador. Quando eu comecei a ser titular num dia, desse dia até hoje, eu nunca fui para o banco, entendeu? Então, eu posso ter tido decepção em júnior, juvenil, mas eu não lembro.

Marcelo Duarte: Você falou do ídolo Reinaldo, você está falando do técnico, e você falou no começo do programa que você não se julga o rei do marketing. No futebol, quem é para você o rei do marketing?

Túlio: Pelé. O Pelé é o rei do marketing, Pelé é o atleta do século. Você vê que até hoje, depois de vinte anos sem jogar futebol, continua com a sua imagem sólida, limpa, continua fazendo marketing no mundo inteiro. Esses dias, saiu o Café Pelé na Rússia. Isso é um exemplo, depois mesmo de vinte anos o Pelé consegue manter sua imagem limpa, sólida, que vende qualquer produto.

Marcelo Duarte: Você tem um pouco de inspiração do Dario assim?

Túlio: Não, o Dario é pelo folclore, pela...

Marcelo Duarte: Mas você se inspira um pouco?

Túlio: Eu me inspiro em coisas boas. É no marketing do Pelé, no atleta do século, é no folclore do Dario, que sempre foram artilheiros, o Reinaldo, que é um atacante técnico...

Alberto Helena Jr.: [interrompendo] Mas você não pára no ar que nem um helicóptero, não, né? [referência à jogada que Dario se vangloriava fazer]

[risos]

Túlio: Não, cada um tem sua característica. Mas o produto final, todo mundo sabe de quem é o gol, né?

Maria Amélia Rocha Lopes: Túlio, você concorda que o Ronaldinho [considerado o melhor do mundo em 1996 e 1997] hoje é o maior jogador do mundo?

Túlio: Concordo, mas eu só não concordo como é feito esse julgamento da Fifa, porque eles só olham para os europeus. Eu acredito que se estivessem olhando para o Brasil, para a Argentina, em vez de ter o Ronaldinho competindo com o liberiano, com o inglês lá, poderia estar competindo com Romário, com Edmundo, com Djalminha [Djalma Feitosa Dias, meio-campista que atuou pelo Palmeiras e Guarani, entre outros], comigo. Enfim, teríamos cinco, seis jogadores brasileiros para ganhar essa bola de ouro.

Maurício Cardoso: Os primeiros a valorizarem pouco o futebol brasileiro não são os jogadores? Você mesmo saiu daqui para jogar no Sion, que seria a terceira divisão no Brasil. O Juninho [Osvaldo Giroldo Júnior, meio-campista, no Brasil atuou pelo São Paulo e Palmeiras, entre outros] sai daqui para jogar no Middlesbrough [clube inglês, Juninho atuou no clube de 1995 a 1997, retornando após deixar o Atlético de Madrid], que é de quinta.

Túlio: Hoje, por que está todo mundo voltando? Porque as pessoas se arrependem, é aquela coisa da primeira vez. Eu saí quando tinha 22 anos, não tinha essa visão que eu tenho hoje. E eu já estava há muito tempo no Goiás, e como meu passe na época estava fora da realidade do futebol brasileiro, a única opção para eu sair era indo para o exterior. Mas hoje, se chegar aqui uma proposta de dez, vinte, trinta milhões para jogar na Europa, eu vou pensar dez vezes para ver se eu vou.

Maurício Cardoso: Mas seus companheiros continuam indo.

Túlio: Não...

Maurício Cardoso: [interrompendo] E nem sempre para times de primeira.

Túlio: Mas continuam voltando. Estão indo e estão voltando, entendeu?

Luiz Antônio Prósperi: Queria que você falasse um pouquinho do Corinthians. Você está aí há vinte dias treinando. Você já descobriu quem vai ser o seu parceiro ali na frente, como era Donizete e Túlio no Botafogo?

Túlio: Todos têm...

Luiz Antônio Prósperi: [interrompendo] E você tem preferência por alguém?

Túlio: Não, de forma nenhuma. Seria anti-ético eu estar aqui escalando time, todos têm condições...

Luiz Antônio Prósperi: Não estou dizendo escalando, é uma coisa pessoal.

Túlio: Essa coisa pessoal fica para mim mesmo. Acho que o treinador é pago para isso, não vamos aqui entrar em polêmica, porque de repente, amanhã, já falam: “Mas Túlio prefere fulano”. Eu não sou esse jogador polêmico. Eu quero justamente o contrário: unir mais o grupo para que sejamos fortes neste campeonato.

Matinas Suzuki: Durante a transmissão do jogo contra o Flamengo chamava muito a atenção os comentários do Flávio pela Jovem Pan, e eu estava no Morumbi, e ele dizia: “O torcedor do Corinthians precisa aprender a ver o Túlio jogar como o Túlio joga”. O que é o melhor do Túlio? Ele não é um cara como o Ronaldinho que sai para fazer uma jogada, que passa por vários adversários na corrida, não é o jogador que vem buscar o jogo. O Túlio é aquele jogador, o antigo centroavante bem posicionado dentro da área, e que vai ter uma hora em que vai aparecer a oportunidade e ele vai fazer o gol. Agora, dada altura do jogo, você já tinha feito o primeiro jogo pelo Corinthians e não tinha feito gol, já estava no meio do segundo tempo do segundo jogo e não havia o gol, e começou ali uma espécie de zunzunzum de: o Túlio pegava na bola, errava o passe ou não saía. Como é que é jogar sob essa pressão? Quer dizer, tudo tem que dar certo, ou não tem que dar... E se não der, é Deus ou é o diabo em uma fração de segundos. Como é que você consegue lidar com isso?

Túlio: Consigo com muito otimismo. Para mim não tem o “não vai dar certo”, para mim não tem o “vai dar tudo errado”, para mim não tem o “não vou conseguir”. Para mim é tudo ao contrário: vou conseguir, vai dar certo, o time vai vencer, vamos ser campeões. Porque se isso tudo der errado, nós ainda vamos chegar perto. Mas o que não pode faltar é força de vontade, é todo mundo ver que você está querendo. E a questão de sair o gol ou não está naquele dia em que nada dá certo, mas você buscou, você procurou. Uma coisa é você se omitir, não querer buscar esse gol, não querer buscar ajudar seus companheiros a buscar a vitória. E outra coisa é você mostrar garra, mesmo com as dificuldades de entrosamento, fora de ritmo, fisicamente não estar 100%, mas você acreditar sempre que uma bola vai sobrar e, com seu faro de artilheiro, com sua estrela, você vai chegar a fazer isso.

Maria Amélia Rocha Lopes: Isso tudo você aprendeu nos livros do doutor Lair Ribeiro [autor de livros de auto-ajuda popular no início dos anos 90]? Você gostava desses livros, você leu tudo.

[risos]

Túlio: Eu li muito isso na Suíça, eu aprendi muito. A terapia que eu fazia na Suíça era ler livros, revistas do Brasil, fitas de vídeo. Então eu aprendi muito na Suíça essa coisa de sempre dar certo. Eu uso muito essa psicologia, essa força da mente, mesmo quando as coisas parecem que estão difíceis, sempre tem uma luz ali no túnel.

Matinas Suzuki: Você é muito paciente dentro de campo? Você tem paciência? Porque a torcida é impaciente por natureza.

Túlio: É claro, eu sei esperar a hora certa. Não adianta ter vontade demais, cedo demais... Tem aquele ditado, o apressado demais come cru. Você tem que saber esperar o momento certo, porque futebol tem noventa minutos, às vezes, tem até 180.

Alberto Helena Jr.: Naquele instante em que a bola veio no gol – “Salve o Corinthians” – você pressentiu que aquela era a bola do jogo? E mais, eu queria saber se a técnica que você utilizou também foi a do Mário Juliato. Quer dizer, você mergulhou no sentido contrário do curso da bola e colocou no canto oposto, que não tinha como o goleiro pegar a bola.

Túlio: E se eu falar que eu errei a cabeçada e pegou no ombro, você vai acreditar, né?

Alberto Helena Jr.: Claro.

Túlio: Pois é. E às vezes, se pegasse na cabeça, a bola não entraria. Então, eu acho que aquele era o momento certo. Porque no lance anterior, eu já tinha perdido um gol. Acho que o zagueiro chegou até na hora em que eu ia chutar. E aquele momento era primordial, como o Matinas falou, já estava começando um zunzunzum. E se naquele lance, eu não faço o gol, poderia aí tomar outro rumo, essa coisa toda.

Flávio Prado: Túlio, quais foram os nomes que você mais gostou dos gols que você deu?

Túlio: Nomes? Do “Salve o Corinthians”.

[risos]

Flávio Prado: Fora o “Salve o Corinthians”.

Matinas Suzuki:  Depois do “Salve o Corinthians!”

Túlio: É que eu tenho a memória curta. [risos] Não sei, são vários gols, são quase 470 gols. Com certeza, a gente vai chegar ao número de quinhentos este ano no Botafogo. Vamos chegar, né? Não tem essa de não vai, vai mesmo! E eu não sei, felizmente, eu...

Luiz Antônio Prósperi: Túlio, você não lembra?

Túlio: Não lembro.

Luiz Antônio Prósperi: Você é um jogador que faz muitas promessas à torcida. Das promessas que você fez, houve alguma que você não conseguiu cumprir? E qual aquela que pesou mais e que você falou: “Por que eu fui prometer isso? Não deveria”.

Túlio: Deixe-me ver. [fica pensativo] Toda competição, quando eu entro para jogar, eu entro para ser o melhor na minha posição e para que o time vença. É claro que de dez competições, você não vai conseguir ser campeão das dez. Mas se pelo menos você chegar à metade, já vai ser um grande negócio. Eu acho que, no ano passado, eu havia prometido... não para torcida, mas prometido a mim mesmo que poderia ter sido tetra artilheiro do Brasil; seria o único jogador a conseguir isso em vinte anos de Brasileiro. Então, acho que essa foi uma promessa que realmente decepcionou a mim mesmo, porque eu sou muito exigente, eu quero sempre estar ali bem para não dar margem a que as pessoas falem de mim. Então essa foi uma promessa que eu não pude cumprir, mas que este ano, com certeza, a gente vai cumprir.

Maurício Cardoso: Túlio, tudo o que você diz a favor do Corinthians aqui até um mês atrás, você dizia em relação ao Botafogo. A gente deve acreditar em quem? No Botafogo ou no Corinthians?

Túlio: Você deve acreditar no Túlio, não nos dois, [risos] deve acreditar em mim. E os números não mentem. Em três anos de Botafogo, fui duas vezes artilheiro do Brasil, duas vezes artilheiro do [Campeonato] Carioca, campeão brasileiro, campeão carioca. Quer dizer, no Corinthians tem muito mais.

Matinas Suzuki: Túlio, o João Luiz, que diz que é amigo da sua família lá em Goiânia, pergunta o seguinte: “Quando você promete um gol para a torcida e não cumpre essa promessa, você fica muito frustrado? Como é que você lida com essa frustração?”

Túlio: Fico frustrado e já prometo para o outro jogo.

[risos]

Flávio Prado: Qual foi o jogador mais desleal que o marcou até hoje, hein, Túlio?

Túlio: Desleal? Eu lembro que foi o... deixe-me ver... [tentando lembrar] Na decisão da Taça Guanabara, do ano 1995, Botafogo e Flamengo; inclusive eu nunca tinha sido expulso na minha carreira profissional, fui expulso nesse dia. Então acho que o Agnaldo, se não me engano, que era o zagueiro do Flamengo na época, me provocou bastante, me segurava, e eu cheguei ao ponto de perder a cabeça e discutir com ele e o juiz acabou me expulsando. Acho que isso não chegou nem a ser um jogador desleal. Mas de tanto me provocar, acabou me irritando e eu acabei perdendo a cabeça. Isso nunca mais vai acontecer. Podem me provocar, zagueiros, que eu não vou entrar nessa mais.

[risos]

Marcelo Duarte: Mas não foi a sua única expulsão, não é?

Túlio: Foi, foi minha única expulsão. Profissionalmente foi. E a última, a primeira e a última.

Flávio Prado: Palmeiras disse que vai contratar o Agnaldo na semana que vem...

[risos]

Matinas Suzuki: Túlio, a Francine Franco Rodrigues pergunta: “Quais são as regras que você acha que deveriam mudar no futebol? O que devia mudar no futebol para melhorar o espetáculo?”

Túlio: Bom, já está mudando, já está tendo esse tempo técnico, que é interessante para as duas equipes, para quem está perdendo, para os patrocinadores, essa coisa toda de mídia. E essa questão das faltas também é interessante, já é um avanço. Eu achava também que deveria mudar o número de substituições, acho que deveria ser igual ao basquete: o mesmo jogador que sai poderia retornar. Às vezes não está atravessando um bom momento ali, mas ele poderia voltar e decidir um lance. Acho que acabaria com aquela coisa de queimar o jogador. O jogador de repente não está num dia bom: “Vem cá, senta aqui um pouquinho”. Vai lá o outro. “Tal e tal, faz assim e entra lá de novo”. Acho que isso poderia ser uma opção.

Matinas Suzuki: O que você acha que precisa aperfeiçoar?

Túlio: Cabeçada. Andei perdendo uns dois gols de cabeça nesse jogo aí. Tem que ter mais força assim, na cabeçada, e melhorar justamente esse arranque, aquela chegada, aquela explosão que precisa um centroavante rápido, como está sendo o Ronaldinho.

Luiz Antônio Prósperi: Túlio, mas para um jogador de 27 anos, ainda dá tempo para aprender isso?

Túlio: Claro! Nunca é tarde para ser feliz. [risos] Eu quero estar com quarenta anos e com essa disposição de um garoto de vinte, 25 anos...

Maria Amélia Rocha Lopes: Você vai acabar jogando futebol de praia como o Júnior?

Túlio: Não sei, de repente até profissional mesmo. Eu quero jogar futebol profissional até a hora em que as pernas estiverem aguentando, até a hora em que eu estiver chegando na frente do zagueiro, fazendo gols. E aí vamos ver. Eu sou bastante otimista quanto ao meu futuro.

Matinas Suzuki: Túlio, quem parece que não o perdoa aqui em São Paulo é a torcida do Santos. Tem muita gente aqui querendo saber como é que você se sente tendo marcado aquele gol impedido, o juiz tendo roubado aquela final etc e tal.

Túlio: Eu me sinto feliz, né? [risos] Acho que quem não está bem é o juiz. Mas ele se redimiu, fez uma ótima final do Brasileiro no ano passado. E errar é humano. Acho que o juiz nessas horas... Ainda tem que inventar uma regra para auxiliar o juiz, porque o espetáculo está melhorando, as faltas estão diminuindo, a violência, mas ainda tem que inventar alguma coisa para ajudar o juiz; talvez, quem sabe, dois juízes para diminuir o número de erros.

Alberto Helena Jr.: Mas aí o cartola disse que não pode, porque tira o sumo do futebol que é a discussão, que é a mutreta [risos], ele não quer acabar com a mutreta.

Túlio: Aí sempre vai ter uma justificativa para os perdedores.

Flávio Prado: Túlio, acho que nunca você jogou em time de massa, né? Porque o time de massa em Goiás é o Vila, no Rio é o Flamengo, na Suíça não tem time de massa...

Túlio: Só de chocolate.

[risos]

Flávio Prado: Você está no Corinthians, e o Corinthians é paixão. Você já aprendeu o hino do Corinthians, Túlio?

Túlio: Já.

Flávio Prado: Já? Canta um pouquinho para nós aí!

Túlio: [cantando] "Salve o Corinthians, campeão dos campeões. Eternamente, dando alegria aos corações. Salve o Corinthians, de tradições, de glórias mil. Tu és orgulho dos desportistas do Brasil. Pamparampampampam”.

[risos e sobreposição de vozes]

Matinas Suzuki: Bom, com o Túlio cantando o hino do Corinthians, nós chegamos ao final do Roda Viva. Túlio, eu queria agradecer muito pela sua presença. Queria que você respondesse duas perguntinhas. Uma é da Raquel, da Freguesia do Ó, que pergunta se já sabe em qual escola de samba você vai desfilar, se vai desfilar este ano, como é que é.

Túlio: Se não tiver jogo no sábado de Carnaval aqui é na Gaviões da Fiel.

Flávio Prado: Tem jogo no domingo. Então você vai estar concentrado.

Túlio: Infelizmente, este ano, não vou poder desfilar na Gaviões. Mas no Rio de Janeiro vou desfilar pela Império Serrano.

Matinas Suzuki:  Você já tem o nome do próximo gol?

Túlio: É contra o Inter de Limeira, né? É o gol “suco de laranja!”

[risos]

Matinas Suzuki: Então está bom, Túlio. Gostaria muito de agradecer a sua presença aqui no Roda Viva, desejar muita sorte na sua carreira, muitos gols, muita alegria no seu futebol aqui em São Paulo. Queria agradecer a nossa bancada de entrevistadores que hoje, heroicamente, enfrentou aí a tempestade para chegar aqui aos estúdios da TV Cultura. Agradecer a sua atenção e a sua participação. Aliás, hoje, Túlio, nós batemos aqui os recordes de fax, telefonemas e parece que recebemos mais de cem mensagens pelo e-mail, pelo nosso endereço na internet.

Túlio: Isso é um bom sinal, hein...

Matinas Suzuki: Um bom sinal para você. Queria agradecer a sua grande participação esta noite.

 

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