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Memória Roda Viva

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Jorge Gerdau

1/2/1993

Para o maior empresário do setor de aço do Brasil, para retomar o crescimento, o país deve retornar ao conceito de mercado, diminuir a intervenção governamental e criar estruturas competitivas

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Roseli Tardelli: Boa noite. A revisão constitucional vive esta semana seu momento decisivo. Está em um impasse. Parlamentares discutem no Congresso a convocação de uma nova Assembléia Constituinte para o próximo ano, já que o tema não tem atraído a atenção desses mesmos parlamentares que sequer têm comparecido às sessões de revisão. O procurador geral da República, Aristides Junqueira, argumenta que isso só poderia acontecer se houvesse uma ruptura institucional. Defensor intransigente da revisão constitucional para recolocar o país nos trilhos, o empresário Jorge Gerdau Johanpeter, presidente do grupo Gerdau e líder de uma frente de empresários pró-revisão constitucional, está hoje no centro do Roda Viva para falar sobre essa e outras questões. Jorge Gerdau é hoje o maior fabricante de aço do país. O grupo que preside responde pela administração de 13700 mil empregados, e exportou em 1993, 227 milhões de dólares. Gerdau já recebeu mais de trinta títulos e foi eleito por 11 vezes consecutivas líder empresarial do ano. Ele é considerado uma das maiores lideranças nacionais do movimento pela modernização do país. Ano passado, a convite do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, assumiu a coordenação do Conselho Consultivo de Competitividade. Conhecido como o senhor do aço, Jorge Gerdau tem paixão pelos cavalos e costuma dizer que: “Ou o governo, os trabalhadores e os empresários exercem o papel que lhes cabem, ou o Brasil continuará sendo um gigante perdido em devaneios”. Para entrevistar o empresário Jorge Gerdau, convidamos os seguintes jornalistas: Eleno Mendonça, chefe de reportagem do Jornal do Brasil; Alberto Tamer, comentarista de economia da Rede Bandeirantes; Rolf Kuntz, editorialista de economia do jornal O Estado de S. Paulo; Sérgio Xavier, editor da revista Isto É; Aluízio Falcão, jornalista da revista Exame; Stephen Kanitz, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo; Jorge Polydoro, diretor da revista Amanhã, de Porto Alegre, e Florestan Fernandes, repórter da Rede Cultura. Na platéia, convidados da produção. Seu Jorge, boa noite.

Jorge Gerdau: Boa noite.

Roseli Tardelli: O senhor, em uma entrevista à revista Exame, num artigo que o senhor publicou na revista Exame, o senhor disse que a revisão é uma oportunidade de ouro para recolocar o Brasil nos trilhos. Primeiro: por que o Brasil saiu dos trilhos? Segundo: nós estamos perdendo essa oportunidade?

Jorge Gerdau: É! Eu acho que estamos perdendo a oportunidade, mas cabe a todos nós, como neste momento, debater o tema e ver se conseguimos realmente, como eu mencionei, colocar o país nos trilhos. O que acontece? Se nós analisarmos o cenário mundial hoje e analisarmos onde é que o Brasil aspira chegar, e compararmos o Brasil com os países em desenvolvimento ou os países do Terceiro Mundo que estão procurando atingir um estágio de desenvolvimento, nós realmente temos uma estrutura obsoleta, e dentro disso a revisão constitucional é um fator importante. Realmente nós temos uma estrutura de não modernização e cabe neste momento aproveitarmos o momento da revisão, para darmos um passo à frente no sentido de dar condições para que o Brasil retome o desenvolvimento. Nós estamos estagnados praticamente há mais de dez anos.

Roseli Tardelli: E saiu dos trilhos por quê, o Brasil?

Jorge Gerdau: Eu diria o seguinte. O Brasil estruturalmente não percebeu o momento que aconteceu dos outros países há mais de dez anos, que é o  retorno ao conceito de mercado e de competitividade. O Brasil da crise do petróleo se fechou, quis ser uma ilha de desenvolvimento, de uma estrutura de não adaptação, e fez com que cada vez mais o Estado, a intervenção governamental crescesse, em vez de procurarmos fazer o contrário, como a maioria dos países, que ajustam seus mecanismos para criar estruturas competitivas. O Brasil se fechou, continua com uma estrutura praticamente – já houve evoluções – obsoleta, por não receber o fluxo aberto de capitais. O seu processo de exportação ainda tem também limitações enormes, seja pelo sistema financeiro, seja pelo sistema de carga tributária. Então, se nós analisarmos o cenário brasileiro comparado com os países que realmente têm tomado ações no sentido de desenvolvimento, com taxas de desenvolvimento elevadas, que geram empregos, que no fundo é o grande problema do país, a não geração do emprego, nós estamos realmente perdendo um momento fantástico de ajustarmos o nosso país aos patamares, aos padrões de outros países que estão no mesmo nível ou estão tentando atingir o nível de Primeiro Mundo, e nós estamos perdendo essa oportunidade fantástica.

Eleno Mendonça: Doutor Jorge, eu gostaria de saber o seguinte: o senhor acha que é possível, num país como o nosso, que está com um Congresso completamente desacreditado, com uma eleição presidencial em vários níveis ainda para este ano. O Congresso mergulhado em várias denúncias, tem a CPI do Orçamento, agora tem o caso dos bicheiros... O senhor acredita que esse Congresso tem moral, tem competência para desenvolver realmente uma revisão constitucional a contento? Não seria preferível transferir isso para outro ano?

Jorge Gerdau: Eu diria que o cenário do Congresso é difícil. Estou plenamente de acordo com esses fatores que você mencionou, mas de outro lado, se nós olharmos o cenário nacional, se nós analisarmos a falta de geração de empregos, o problema do déficit, as limitações em relação aos investimentos internacionais, o não ajustamento de toda a legislação brasileira, eu diria o seguinte. Nós temos dificuldades enormes no Congresso, mas postergar essas decisões... Dentro do que os empresários debateram, são poucos os pontos que realmente poderão fazer a reversão. Mesmo com todas as dificuldades do Congresso, os pontos hoje são tão evidentes, os pontos prioritários na revisão constitucional, que no meu entender há condições, mesmo nesse Congresso, de se tomar um posicionamento. Depende de uma vontade política. E ao se analisar as pesquisas...

Eleno Mendonça: Mas não é esquisito, por exemplo, políticos que estão na mira até de uma cassação, de repente estarem votando emendas? Se amanhã eles forem cassados, até emendas deles mesmos, de autoria desses próprios políticos.

Jorge Gerdau: Eu diria que esses deputados, senadores que estão na mira de serem cassados, acho que poderiam não participar do processo, que não modificaria de forma tão significativa o quorum. Lógico que cada voto pode, em determinado momento, ser importante na votação, mas eu diria o seguinte. O bom senso indica que os temas que realmente poderão levar o país a um novo patamar são tão evidentes, que é uma perda de tempo fantástica. Na realidade, o congressista não sente realmente as necessidades da nação, do povo. Encarar a realidade brasileira, o combate à miséria; as dificuldades, eu acho extremamente importante serem enfrentadas.

Florestan Fernandes Jr.: O senhor fala em alguns artigos aqui, critica o fisiologismo da política brasileira. O senhor propõe mudanças na Constituição para evitar esse fisiologismo. Agora, o que parece, muitos dos deputados que estão hoje no Congresso, chegaram lá através desse fisiologismo que o senhor critica tanto. Tanto que as reformas que foram feitas na Constituição até agora foram algumas reformas econômicas. No campo político, o aprimoramento da democracia, as propostas de aprimoramento não foram aprovadas, como a fidelidade partidária e o voto facultativo. O senhor não acha que seria melhor, então, eleger um grupo de pessoas só para fazer essa revisão?

Jorge Gerdau: Bom, eu diria que esse grande erro foi feito ao se estabelecer não uma Constituinte específica. Esse grande erro foi feito, porque o certo seria que as regras do jogo democrático, que é do fundo, a Constituinte tem que estabelecer, não deviam ser votadas pelos próprios políticos que vão fazer o exercício dessas regras do jogo. Essa falha foi gravíssima, no meu entender, mas nós nos encontramos diante de uma realidade e temos que conduzir o processo dentro dessa realidade. Porque realmente hoje os próprios deputados que obtiveram esse poder dificilmente vão aceitar que se faça uma Constituinte específica, porque se esses congressistas puderem exercer o poder e estabelecer as suas próprias regras, ou eventualmente em seu próprio benefício, dificilmente farão uma concessão ou transferirão esse poder. Então esse erro foi feito anteriormente e temos que conviver com ele. E é nisso que o empresariado hoje está engajado: tentar mostrar à nação a importância desse processo de revisão. É lógico que há uma parcela importante de fisiologismo, que não tem interesse nas mudanças, que são no fundo essas próprias estruturas corporativas, mas na realidade existe uma parcela... a maioria da nação precisa da revisão...

Aluízio Falcão Filho: Mas essa revisão – o senhor acabou de dizer – implica basicamente ter pontos críticos de mudanças. Quais são esses pontos críticos, afinal?

Rolf Kuntz: [interrompendo] Eu posso acrescentar uma questão? O senhor juntou na sua observação duas idéias: a revisão constitucional e a possibilidade de crescimento e criação de empregos. O senhor apontou a revisão constitucional como uma condição para que possa haver crescimento e criação de empregos. Eu acrescento à pergunta: quais são os pontos que deveriam ser mudados urgentemente para que urgentemente os empresários passem a fazer os investimentos que não estão fazendo hoje? Essa ligação que eu não vejo claramente.

Jorge Gerdau: Houve por parte dos empresários nesses últimos dois anos, um trabalho intenso de análise do que realmente seria importante de se trabalhar no sentido de modificar alguns pontos básicos. Esses debates baseados em estudos de todas as entidades de classes comerciais, industriais, comércio, transportes, a própria área financeira, chegaram à conclusão de que existem alguns pontos que nós convertemos numa pauta mínima. Essa pauta mínima, no nosso entender, caso fosse aprovada, realmente transformaria o país em captador de recursos e melhoraria enormemente a sua condição econômica. São seis esses pontos que nós entendemos, alguns deles nós já estamos perdendo o momento do campo político, mas vamos analisar. Primeiro é no campo econômico, que nós entendemos uma redefinição das funções de responsabilidade do Estado para evitar que haja repetição das funções. Isso ainda hoje existe no campo da saúde, educação etc. Existe repetição, existe esbanjamento de recursos e, vinculado a isso, [está] o conceito de reforma tributária. Depois eu vou entrar um pouco mais no detalhe de cada um dos pontos. Quanto ao ponto em relação ao capital estrangeiro, entendemos que não deve haver restrições ao capital estrangeiro. Que o capital estrangeiro que está alocado ao país tenha o mesmo tratamento do capital nacional. Terceiro ponto, sobre a parte da Previdência. A Previdência precisa de uma reforma. Hoje praticamente já temos uma relação que duas pessoas têm que sustentar o aposentado, e a perspectiva da falência está aí. Foram feitas promessas inviáveis, e temos que sair de um sistema de repartição para o sistema de capitalização. Depois o próximo ponto é em relação aos monopólios. Entendemos que os monopólios têm que ser rompidos, tanto aqueles que protegem a indústria nacional, como a exploração do subsolo, que é fechado ao capital estrangeiro, como também em relação ao monopólio da Petrobras e telecomunicações. Tem que sair da empresa para retornar ao Estado. Qual é a idéia? Não é neste momento pensar numa privatização da Petrobras. O que se pretende é aprimorar a Petrobras pela competição. Esse fenômeno está se verificando neste momento, até a Embratel já está baixando tarifa, só na perspectiva da competição, imagina se tivesse competição. Só a perspectiva da competição já faz essas empresas melhorarem o seu comportamento. Então, na realidade, o que está se pensando? Retornar a quem de direito os monopólios, para que gerencie e dê tanto para uma empresa pública, federal, estadual, que dê para os capitais privados, para estabelecer o regime de competição. Então o rompimento do monopólio. Depois nós temos...

Rolf Kuntz: [interrompendo] Desculpa. O rompimento do monopólio ou o rompimento do monopólio concedido a uma empresa?

Jorge Gerdau: Perfeito. O rompimento concedido a uma empresa...

Rolf Kuntz: [interrompendo] Não o rompimento do monopólio do Estado?

Jorge Gerdau: Eu defendo uma posição ainda mais aberta, mas é o rompimento de uma empresa. Quer dizer, realmente hoje o monopólio está concentrado em benefício de uma empresa, tirando praticamente o poder de gestão do governo, ou da nação, ou dos governantes e consequentemente de todos nós. Então realmente é preciso retomar o monopólio para a União, para que esta gerencie esse monopólio pondo essa empresa em competição. Nós, fora desse ponto, ainda temos na Previdência – conforme eu mencionei – o aspecto importante que nós entendemos que deve ser tocado, que é a reforma política e também o judiciário. Na reforma política, os empresários claramente se posicionaram a favor do voto distrital e se colocam favoráveis à fidelidade partidária. Entendemos que os dois elementos são chaves, a diminuição dos partidos também, são três elementos importantes para que o país seja viável na sua condição política. E tem ainda o aspecto judiciário, em que existe um conflito enorme. Mas eu acho que no judiciário, que não é eficiente, não se constrói uma democracia. Realmente precisa, no que concerne aos direitos do cidadão, o sistema democrático funcionar, precisamos de uma Justiça rápida e eficiente. Então esses são os seis pontos que o empresariado entendeu como chaves, e aí, dentro disso, talvez, convém detalhar um pouco o aspecto da matéria tributária, que nós entendemos da maior importância para o desenvolvimento como um todo. O empresariado, quando debateu esses temas, se aprofundou nesses debates, entre os vários segmentos, teve um posicionamento extremamente interessante: que todos eles abriram mão de suas posições históricas. O setor financeiro nacional abriu mão de uma posição de querer manter o privilégio sobre a abertura de novas agências bancárias; está aberto desde que haja reciprocidade ao capital estrangeiro. No que concerne à exploração da mineração, quantos empreiteiros também... Tem várias áreas que estavam fechadas e, dentro dessa pauta mínima, realmente houve uma evolução fantástica do empresariado no sentido de construir um sistema competitivo e aberto.

Aluízio Falcão Filho: Só para terminar, porque ele acabou não respondendo uma coisa. No lado mais pragmático, que é, inclusive, a pergunta do Rolf, em termos da criação e geração de novo empregos, eu vejo que é mais pelo lado, talvez, da liberalização do capital estrangeiro como investidor aqui no Brasil, mas os outros pontos...

Jorge Gerdau: Sim, isso é evidente...

Rolf Kuntz: Por que a ruptura desses monopólios ou a mudança do regime de monopólios vai alterar a disposição do empresário brasileiro de investir?

Jorge Gerdau: Bom, eu diria o seguinte: o grande problema que o Brasil tem envolve dois aspectos. A carência de recursos para investimento no social e, consequentemente, se tivermos a abertura da competição, nós poderemos, ao invés de estar investindo em energia, em petróleo, em telecomunicações, se esse processo for aberto, podemos desonerar o sistema estatal de investir nesses recursos. E o orçamento, a contribuição de todos, com uma concentração maior no sistema de educação e saúde. Se realmente hoje nós analisarmos o cenário nacional, está praticamente esgotada a capacidade investidora do governo, consequentemente isso nos leva a uma limitação de crescimento. No momento em que houver a abertura dos capitais estrangeiros, que hoje entram no país, praticamente, num cenário de competição ou participação no mercado financeiro, se nós tivermos tratamento de capitais iguais, possibilidade de participação dos investimentos dessas várias áreas, terá um fluxo de capital de tal ordem, que fará com que realmente haja investimentos novos, geração de empregos novos e, consequentemente, o crescimento como um todo. O capital nacional não deixa de se comportar dentro do cenário global. Quando se cria um cenário de confiança, o capital estrangeiro e nacional criam uma conjugação no aspecto de confiança, porque o comportamento no cenário de confiabilidade no fim não deixa de ser um só.

Stephen Kanitz: Mas, desculpe, isso já está acontecendo. Já está havendo um fluxo de capital enorme no Brasil, só que comprando empresas familiares brasileiras, que não se estruturaram corretamente na sua sucessão familiar. Fizeram uma pesquisa: 256 empresas familiares foram vendidas para o capital estrangeiro. Isso não é criação de emprego. Outro dia a Nestlé comprou a Tostines. Ela não trouxe empregos novos, ela simplesmente comprou um parque industrial obsoleto, interno aqui. O que há de bom nisso?

Rolf Kuntz: Além de quê, isso, do ponto de vista da economia como um todo, não é investimento, é apenas transferência de propriedade.

Jorge Gerdau: Bom, eu diria o seguinte: esses capitais colocados no Brasil também não desapareceram. Esse capital que esses investidores receberam deve estar destinado a algum lugar. Dentro da balança global, surgem novos investimentos, não interessa em que setor é. O importante é que haja fluxo de capital, porque esse capital surgiu de algum lugar; ou a multinacional trouxe capital novo ou deixou de remeter para fora. A verdade é que houve investimento nesse setor e esses capitais recebidos por esses investidores históricos estão sendo destinados a algum lugar, nem que seja para a compra de imóveis ou mesmo para consumo, estabelece demandas maiores. O importante é que haja fluxo de capitais. Agora, o que me preocupa, dentro da análise global, o importante nesse fluxo de capitais é que, enquanto a economia não tem taxas de crescimento significativas, realmente o movimento é muito mais de compra de espaço no mercado, compra de posições. Quando o mercado cresce, é que realmente vem o fluxo de capitais novos. Eu menciono o próprio setor nosso, o siderúrgico, em que nós temos patamares de demanda praticamente iguais, de demanda interna, de dez anos atrás. O que é isso? É que realmente os investimentos se estagnaram. No momento em que há uma modificação de fluxo de capitais internacionais, começa a haver uma comunicação de crescimentos globais. Eu, num processo de empresas nacionais, familiares que se vendem ou não se vendem, eu acho que isso é um processo normal. Se você analisar a história dos processos econômicos, o capital flui para os que gerenciam melhor. O importante é que o consumidor seja mais bem atendido. Se essa empresa tiver um produto de maior qualidade a oferecer ao consumidor, esse consumidor receberá um produto de maior qualidade com custos melhores, gerará mais empregos ou poderá gerar mais divisas. Então a mobilização do capital é um processo socialmente normal e que pertence até a um processo democrático de mobilização dos capitais ou da sociedade.

Stephen Kanitz: Não, mas eu não falei...

Roseli Tardelli: [interrompendo] Só para a gente ir fechando a roda, primeiro o Sérgio Xavier e na sequência o Jorge Polydoro.

Sérgio Xavier: Eu só cedo, porque acho que o Kanitz vai continuar. Porque eu gostei do tema, está bom.

Roseli Tardelli: Pois não, Kanitz, vai lá então.

Stephen Kanitz: Eu preferia que você abrisse o capital das suas [...] e gerisse uma empresa muito maior. Porque, ao contrário do que se fala, a Gerdau é um grande grupo, mas é um grande grupo no Brasil. Internacionalmente, você sabe melhor do que eu, você está competindo com enormes feras. Então eu preferia ter um bom empresário, controle minoritário, como é nos Estados Unidos, no mundo inteiro, não existe essa empresa familiar que tem que ter o controle. Então a minha preocupação é: quando que a empresa familiar, que não é o seu caso, porque você já é de capital aberto... mas quando os outros vão pensar isto: “Olha, eu prefiro ter uma empresa muito maior e ter que dar talvez 20% dessa empresa, do que ter 100% de controle e provavelmente ser atropelado por esse capital estrangeiro que virá para o Brasil”. Eu concordo com o senhor.

Jorge Gerdau: Eu tenho uma posição completamente aberta nesse sentido. Eu acho que deve existir empresa aberta e fechada. Num sistema de economia aberta, dentro do sistema de liberdade, cada pessoa deve decidir se ela quer trabalhar [em escala] maior ou menor, [em] empresa aberta ou fechada. Se existe um determinado grupo que acha errado que uma pessoa trabalhe com uma empresa fechada e outros querem fazer uma empresa aberta maior, não está proibido. Dentro de uma visão de mercado, nós temos no mundo dezenas de empresas fechadas, familiares, nos Estados Unidos, da maior eficiência. Então a eficiência da empresa aberta ou fechada não está vinculada ao sistema de aberta ou fechada. Não está vinculada ao sistema de familiar ou não familiar. Eu tenho uma análise completa, porque eu sou quarta geração. Está começando, ou já está atuando hoje a quinta geração do nosso grupo. E se tiver competência para gerenciar, gerencia; se não tiver, tem que passar o comando a quem tiver competência. A profissionalização na realidade. O mercado nos força a ser competitivos internacionalmente. Então a abertura ou não abertura da empresa são fatores globais. Se o capital próprio de uma empresa familiar for o suficiente para aquele nicho de mercado e aqueles proprietários tiverem uma solução de trabalhar com ela aberta, eu acho que tem que ter a chance de trabalhar fechada. Agora, se houver chance de um concorrente trabalhar com aberta, nós vamos ter uma aberta e fechada. Nós temos nos Estados Unidos cenários fantásticos, tem empresas enormes fechadas. E quando no fim de uma geração, ela não tem competência, aquela empresa se abre. Eu acho que este ponto – aberta ou fechada – não é o importante. O importante é o consumidor, o importante é a qualidade do produto, o importante é o cliente. Então, eu não tenho uma preocupação... Como nós trabalhamos com noventa mil acionistas, o grupo controlador tem uma parcela necessária ao controle e comando e capitaliza-se dentro das proporções do crescimento e desenvolvimento. Então é um processo absolutamente aberto, com participação de fundos e nós... Tem mais: com a tecnologia do nosso grupo, hoje nós já estamos em três países fora do Brasil e gradativamente conquistando, inclusive, no cenário canadense americano, em que nosso julgamento de competitividade é dentro do maior cenário de competição talvez do mundo. Então, eu acho que isso é um processo aberto, eu não estou preocupado em pôr o processo aberto ou fechado. No fundo, o processo ainda tem mais um aspecto: o ciclo das empresas são ciclos de gerações. Quando você tem uma liderança muito forte num ciclo, normalmente no próximo ciclo, você tem problemas. E esse fenômeno acontece tanto no sistema de empresas abertas como no de fechadas ou familiares ou não familiares. É normal ter ciclos extremamente complexos, inclusive, nos Estados Unidos, de gerenciamento profissional, de repente muda, e a gente observa isso. Agora isso é um ciclo natural da vida. O importante é que o consumidor... No sistema de economia aberta, a empresa é competente e quem tem que ser atendido é o mercado, se é com aquela empresa ou outra, eu não estou tão preocupado. O importante é que a economia funcione no sentido do atendimento ao cliente, capital nacional ou estrangeiro.

Sérgio Xavier: Eu queria só voltar a um dos seis pontos aí que o senhor estava debatendo antes. O senhor falou, não diretamente, mas o senhor falou de privatização, não é? Eu acho que poucos grupos participaram tão ativamente, em tantos leilões, quanto o grupo Gerdau nos últimos tempos, no leilão de companhias siderúrgicas. Eu queria saber a nota que o senhor dá ao processo de privatização brasileiro? De um a dez, vai.

Jorge Gerdau: Eu daria nota 6,5.

Sérgio Xavier: Seis e meio, por quê?

Jorge Gerdau: Porque eu acho que o importante é privatizar. Nós contribuintes aqui, todos, a nação brasileira, aqui ainda tem capacidade, mas se tira de quem passa fome neste país. Pararam de ter o ônus de subsidiar os buracos da siderurgia, então isso foi um alívio fantástico. E essas empresas que davam prejuízo e tiravam dinheiro todos os dias do bolso do contribuinte brasileiro passaram a pagar impostos. A Companhia Siderúrgica Nacional, que era uma empresa que não pagava o ICM, ou sempre atrasava, fazia recontratações no Rio de Janeiro, conseguiu não só ajustar o acordo dela, como antecipar aquelas contratações, ajustamentos dos atrasados e que possibilitou o pagamento do 13º salário no último ano no Rio de Janeiro. Então realmente esse processo foi fantástico, nós todos ficamos desonerados desse processo. Cada tonelada de aço no Brasil, se nós já tivéssemos privatizado isso dez anos antes, que foi a segunda etapa das grandes empresas, provavelmente o Brasil teria poupado 15 bilhões de doares. Sabe de quem saíram esses quinze bilhões de dólares? Esses quinze bilhões de dólares é a fome que está aí na rua. Então nós, pelo aspecto de falta de inteligência gerencial, não mudaria nada no país, fizemos a tonelada de aço mais cara, talvez do mundo, estatal, então eu acho que nesse aspecto foi perfeito o processo. Eu diria que o processo sob o aspecto de outros modelos que foram desenvolvidos talvez ficou um pouco fechado. Numa primeira etapa, alguns grupos conseguiram adquirir posições maiores e, dentro do programa teórico, eu diria que se tivesse um processo mais aberto – ele poderia ser – mas os mecanismos de privatização no Brasil ainda não chegaram a isso. Mas o mais importante é privatizar. Eu prefiro esse sistema que é um sistema de leilão, a moeda podre é um sistema inteligentíssimo. É o único modo de limpar a moeda podre, porque a moeda podre não é a moeda podre, é o credor, o governo que é podre que não paga as contas...

Sérgio Xavier: Mas qualquer empresa boa com moeda podre não é desvantajoso para o Estado?

Jorge Gerdau: O valor da cotação é absolutamente igual, porque a avaliação da empresa é feita em dólar, e a avaliação da moeda adquirida é feita por uma cotação de mercado que está disponível a qualquer investidor que comprar, tanto no estrangeiro como internamente. Então o processo em valor de dólares praticamente não teve diferença. Então eu diria o seguinte: que o processo teve efeitos e resultados fantásticos, teve leilões de que todos puderam participar, os valores das empresas se discute se foram caros [altos] ou baratos [baixos]. Eu acho que foram ótimos valores para desonerar o futuro, porque o maior futuro ainda é o que nós deixamos de gastar nos próximos anos, porque a siderurgia ia gastar mais dez bilhões do contribuinte. Agora, dez bilhões gastos na usina custam 12 ou 13, até que cheguem lá no sistema de arrecadação, quando não tem outras corrupções no meio. Então realmente foi uma vantagem fantástica, o setor está andando bem, está exportando mais do que nunca, se ajusta às necessidades do cliente, os clientes estão mais satisfeitos. Quer dizer, todo mundo ganhou e os operários também. Melhorou a produtividade, melhorou a remuneração.

Jorge Polydoro: Eu queria voltar à questão do desemprego. É claro que o desemprego é provocado pela recessão, mas nós temos indicadores preocupantes. No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, de 1988 para cá, a produção cresceu em 20%, e o número de empregos decresceu 20%. Isso mostra que aquele trabalho de aumento de competitividade das empresas está começando a funcionar, ou seja, está se produzindo mais com menos empregados. Mas esse não é um problema brasileiro, ele está acontecendo no primeiro mundo também, onde há recessão. Mas parece que aquelas previsões de que a adoção de novas tecnologias, o aumento da automação na produção das empresas, estão provocando um fenômeno de fim de século muito delicado, muito perigoso. Sobre esse aspecto, como é que o senhor está vendo o aumento do emprego no Brasil?

Jorge Gerdau: Eu diria que esse processo hoje é um debate internacional, mas se olhar o sistema histórico, eu acho que sempre existem ciclos de adaptação complexos. E eu diria que, no meu entender, essas fases de transição de que as modernizações geram temporariamente desempregos e tem que se procurar novos caminhos para a geração de empregos é um fenômeno que vem acontecendo há mais de duzentos anos. Se nós voltarmos ao processo histórico, dos primórdios da industrialização na Inglaterra e imaginarmos como é que funcionava aquele tear praticamente manual, e eu pergunto hoje, dentro de uma indústria moderna, um operário chega a cuidar de vinte teares, deslocando-se sobre patins, para poder acompanhar esse processo. Se você analisar por um metro de tecido, em relação ao que hoje produz um operário daquele, você vai dizer: “Está todo mundo desempregado!” A relação devia ser de 1000%. As relações de ajustamento têm ciclos de novas adaptações. Então eu estou convicto de que as modernizações fazem mais um ponto importante, que é a redução do produto, o custo do produto que aumenta a demanda. Então a diminuição do custo do produto potencializa aumento de demandas e, consequentemente, cria novas gerações. Se nós analisarmos o processo histórico e não esses últimos anos que está se vivendo, e se você analisar também a taxa de desemprego, isso se dá normalmente nos países onde existe uma intervenção governamental ou excesso de cargas tributárias sobre os sistemas, e faz com que os fatores de mercado funcionem pior. Então o fenômeno na Europa é muito pior do que no Japão e é muito pior do que nos Estados Unidos. Então as economias que são menos intervencionistas têm problemas de desemprego muito menor. Por quê? Porque a economia tem capacidade de ajustar os processos. E todas as áreas onde existe intervencionismo, com menor liberdade de ajustamento de horários de trabalho, sindicalismos que limitam a capacidade de ajustamento dos fenômenos ao mercado, faz com que os fenômenos de desemprego sejam maiores do que em economias que têm mais flexibilidade. Então eu digo o seguinte: é preciso ter mecanismos de recapacitação dos homens que não têm condições de se manter no mesmo emprego, mas o processo, se nós olharmos dentro do cenário histórico, eu diria o seguinte: será que hoje o processo de automação tecnológica é maior do que já houve em etapas históricas nos primeiros momentos?

[entrevistador interrompendo]: E nós temos esses mecanismos? Só para complementar.

Jorge Polydoro: Mas aqui no Brasil, o fenômeno se dá com o aumento da economia informal. Um dos fenômenos muito sérios que nós estamos acompanhando e que faz com essas populações e esses setores produtivos saiam da economia formal. Não será que uma das formas de fazer com que isso diminua nas estatísticas é criar mecanismos para que essa produção volte à economia formal?

Jorge Gerdau: Eu novamente volto...

Eleno Mendonça: [interrompendo] Ou se retarde o processo de capacitação, informatização das empresas?

Jorge Gerdau: A primeira correção que o Brasil tem que fazer é diminuir a carga que existe sobre o custo do operário. Eu ainda agora fiz um levantamento, nesses últimos dias na nossa empresa, comparando o que o operário leva para casa em relação ao que custa, comparando Brasil, Uruguai, Chile e Canadá. E a verdade é o seguinte: o operário no Brasil, naquilo que leva, considerando a sua remuneração, ele custa 163%, na nossa empresa. É que nós, pela ineficiência da Previdência, pela ineficiência do sistema, temos uma assistência médica, dentária, educacional etc. Então eu tenho gastos fora da média, através da nossa fundação, que talvez me deem um custo de mais trinta, quarenta dólares por operário médio, por pessoa, maior do que, talvez, a média das empresas no Brasil. Mas o custo no nosso caso é 163; no Uruguai é 54; no Chile é 42 e no Canadá é 56. Eu posso estar errando em 1%, mas são os patamares. Na realidade, o Brasil tem em relação ao líquido que o operário leva. Então o microempresário tem que pôr o empregado com o salário mínimo na carteira e pagar por fora mesmo, ou seja, não tem outra opção. Então, quando eu mencionei as regras globais, o intervencionismo, a nossa empresa, as grandes empresas organizadas como nós, multinacionais, é que têm a estrutura toda normal. Dentro de um cenário real, você não pode estar onerando, sobre aquilo que o operário leva para casa, 160%. É um convite, quase uma obrigação de buscar uma sociedade paralela. A sociedade aprende a se defender. Então o que eu menciono? Qual é a diferença das estatísticas de desemprego que funcionam pior? Quanto maior esse mecanismo burocrático estabelecido, comparado com os Estados Unidos, maior é o mecanismo de sociedade que não funciona. Nós criamos um monstro pensando que estamos ajudando e estamos destruindo.

Alberto Tamer: Parece evidente que a revisão é necessária. Parece evidente que todo mundo concorda que é preciso mudar. Por que então no Congresso ficou tudo parado até agora e se vai tentar, desesperadamente, fazer alguma coisa? Quem são os inimigos da revisão, afinal?

Roseli Tardelli: Aliás, só para lembrar, a última emenda aprovada foi na sessão de 22 de março.

Eleno Mendonça: Eu queria perguntar, para aproveitar a carona, como é feito o lobby dos empresários no Congresso e se é um lobby que o senhor considera caro. Porque a gente sabe que isso envolve escritórios de representação e viagens... Como é que se organiza esse lobby dos empresários? Que existe também dos trabalhadores e dos banqueiros...

Jorge Gerdau: Eu diria que o lobby dos empresários, hoje, no meu entender... barato, nada é barato, mas realmente eu diria o seguinte: caro é o que hoje as estatais estão tirando do bolso do contribuinte, para fazer o processo de lobby que elas estão fazendo. Quem é realmente o inimigo da revisão constitucional? Hoje nós temos pesquisas que mostram que praticamente 40% do Congresso está totalmente a favor de uma revisão, 30% adicionais nos levam a um percentual de uma revisão não de privatizar totalmente, mas de fazer revisões parciais, que nos levam a um número ao redor de 65% a 75%, conforme o tema, a favor da revisão. Essa é a opinião hoje de pesquisas repetidas nos últimos meses, no sistema de avaliação do Congresso.

Alberto Tamer: Por que não caminhou, então? Quem são os inimigos?

Jorge Gerdau: Não caminhou pelo seguinte: dentro de um período pré-eleitoral, existe uma tendência do político de ficar em cima do muro. Existem mais os cenários, ainda, de conflitos de definição das lideranças, quem deve ser presidente ou não; esse processo existe muito forte hoje dentro do PMDB. O PSDB também tem posições um pouco antagônicas de gente que defende mais a revisão e outras não. E esses dois partidos hoje deixam uma situação delicada. No PFL, no PPR, existem posições mais claras em favor da revisão, mas que faz com que esse cenário não ande. E quem é realmente contra? São os corporativismos. Aquele que tem o privilégio, uma estrutura como a Petrobras, Telebras ou Embratel, assim por diante, com toda a sua máquina, não quer saber de mudar essa situação privilegiada. Quer dizer, não quer ter competição. Então, essa estrutura, que é uma estrutura fortíssima, e com isso está vinculada uma estrutura enorme da nomenclatura com fisiologismo etc, esse pessoal está hoje, realmente, trancando o processo. Então realmente a nação tem que vencer essa etapa, se nós não vencermos essa etapa, nós vamos continuar como já estivemos nos últimos dez anos. O Brasil deu uma melhorada, mas estamos estagnados. Então esse é o pessoal. Agora sobre o lobby, eu gostaria de mencionar que o lobby empresarial hoje é um sistema extremamente interessante que foi construído, porque historicamente o lobby dos empresários, era para cada um defender o seu interesse. O empreiteiro defendeu um, o pessoal da mineração outro, o pessoal dos bancos outro, a Petrobras outro etc. O empresariado hoje, através das suas lideranças, das confederações e das diversas entidades – são mais de quarenta entidades que se conjugaram neste esforço de avaliação – disse assim: “Chega! O que adianta eu ter o privilégio como a concorrência da mineração, se não tem exploração”. Os próprios geólogos que, de repente, defendiam na revisão, na Constituinte anterior, a nacionalização e afastamento do capital estrangeiro, perderam seus empregos. O Brasil, que era um país que vinha crescendo e investindo na mineração, perdeu essa posição. Então...

Roseli Tardelli: [interrompendo] Voltando à pergunta do Eleno, é caro o lobby dos empresários hoje?

Jorge Gerdau: Não, porque o trabalho é eminentemente técnico. Os empresários, o que estão fazendo? Fizeram um trabalho eminentemente técnico, apoiado nas estruturas que existem. O lobby dos empresários realmente é hoje um trabalho praticamente...

Roseli Tardelli: [interrompendo] Eu seria muito indiscreta se eu perguntasse quanto custa?

Jorge Gerdau: É um número ínfimo. Custa caro a minha hora. Custa caro a hora dos empresários. O número é absolutamente insignificante do lobby que nós estamos trabalhando. Eu não quero dizer que não existam outros lobbies eventualmente setoriais, mas o trabalho que nós estamos fazendo é um trabalho praticamente sem custo. Se quiser pode até olhar os números, são absolutamente insignificantes, por quê? Porque nós fizemos a conjugação dos trabalhos técnicos, baseados em elementos profissionais próprios e estamos transmitindo isso ao país. E é uma tarefa de uma forma absolutamente de visão e melhoria do país. Porque o empresariado está convicto de que para gerar emprego, para que haja crescimento das suas empresas, é preciso essa correção. Então realmente hoje, o trabalho do empresário é um trabalho de interesse nacional, e não existe mobilização de recursos maciços. Eu não quero dizer que não exista, eventualmente, um ou outro setor que tenha seus interesses específicos. Mas o empresariado, como um conjunto, está fazendo um trabalho realmente de interesse nacional e [última frase incompreensível pela fala simultânea de Aluízio Falcão]

Aluízio Falcão: [interrompendo] Então foi essa desarticulação anterior que levou ao desastre da Constituição de 1988? Porque teve estatismo, restrição ao capital estrangeiro, juros tabelados em 12%. Essa desarticulação é que levou a essa Constituição totalmente equivocada? Não há nenhuma chance de que havendo revisão, se volte a todas essas questões que ficaram na carta de 1988?

Jorge Gerdau: Eu diria que é um pouco o cenário que você está descrevendo. O grande erro da Constituição anterior... O que é uma Constituição? Ela deveria estabelecer as regras do jogo democrático. Ela entrou em detalhes. Ela chega a ser na área trabalhista quase uma CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. Mas esse problema dos direitos sociais, o empresário já disse: “Vamos deixá-los assim”. É uma ilusão, vamos dizer, classificaríamos assim, aparentemente, de direitos sociais, e eu tenho dúvida se realmente são direitos, porque se elas [as constituições] geram empregos, eu estou preocupado com geração de emprego. A Constituição anterior foi montada dentro do cenário que você disse: cada um cuidou de um pedacinho e não se cuidou do país. E o empresariado, com o aprendizado, chegou à conclusão: “É preciso trabalhar em um projeto nação”.

Roseli Tardelli: Doutor Jorge, o senhor disse que está preocupado com geração de emprego, e o senhor Manuel Marques, de Salvador, Bahia, pergunta: “O senhor repetiu várias vezes geração de empregos. Não é incoerência de sua parte, já que toda vez que compra uma usina demite metade dos funcionários, quando, por exemplo, comprou a Usina Siderúrgica da Bahia?”

Jorge Gerdau: Eu não concordo com essa visão, eu vou dizer o seguinte: tem que se buscar a eficiência empresarial com eficiência e produtividade. Tudo aquilo que você conseguir produzir com o máximo de eficiência e mínimo de custos é em benefício do empregado, do consumidor, do acionista. Então é preciso buscar a eficiência e a produtividade. Com isso você consegue atender as necessidades do desenvolvimento. Todo o desenvolvimento econômico do mundo foi construído em cima de maiores produtividades. Então, aquilo que você pode fazer com duas pessoas, você não deve fazer com três pessoas. Porque eu poderia extremar para o contrário, então por que eu trabalho com triplo de gente ou quatro vezes mais?

Eleno Mendonça: [interrompendo] O preço final do produto tem baixado, doutor Jorge?

Jorge Gerdau: Eu acho que tem baixado e principalmente...

Eleno Mendonça: Mas tem, em dólar, baixado? O senhor tem uma relação de quanto era...

Jorge Gerdau: Eu tenho relação em dólar do nosso produto, um patamar...

Eleno Mendonça: [interrompendo] Porque a gente ouve muita reclamação de oligopólios; neste setor do aço, por exemplo, o senhor é sempre lembrado como grande produtor privado, maior, e é sempre citado como um grande componente na matéria-prima, aquilo tudo. Então eu queria saber isto: se houve uma queda, uma redução efetiva, em dólar.

Jorge Gerdau: O nosso cenário de siderurgia talvez é um dos cenários mais cômodos deste debate, porque é um dos poucos setores do Brasil que já atingiu um patamar de mercado totalmente aberto. O que significa isso? Nosso produto praticamente tem direitos zero em relação ao Mercosul, ao México, e direitos ao redor de 10% em relação ao cenário internacional. Enquanto praticamente todos os nossos insumos ainda têm, vamos dizer, se eu compro um caminhão para fazer transporte, tenho proteção de direitos aduaneiros ao redor de 30%. Então, o aço hoje é um produto que tem patamares internacionais. Como além disso a siderurgia exporta 50% da sua produção, nós temos uma situação realmente de patamares internacionais, e o nosso preço tem flutuações para cima e para baixo, em dólar, com variantes extremamente pequenas e que obedecem às flutuações do cenário internacional. Então existem momentos no mercado interno, que têm quedas e elevações, mas elas não fogem a um cenário. Se nós tomarmos o aço do Brasil dez, 12 anos atrás, que andava em seiscentos, setecentos dólares, ele foi caindo gradativamente a patamares que hoje estão ao redor de 370, quatrocentos dólares, e esse produto tem patamares absolutamente internacionais. Assim, que nosso cenário é extremamente tranqüilo, e hoje, o setor, através de todas as suas empresas, tem uma transparência absoluta sobre esse cenário. É lógico que quando você analisa o processo de flutuações de dólar em relação ao cruzeiro, constantemente existem reclamações, que é normal a complexidade da análise, mas nosso produto realmente obedece patamares hoje internacionais, que nos deixa numa posição extremamente cômoda. E eu diria mais. Dentro das deficiências do processo tributário, que eu ainda não consegui detalhar, hoje o Brasil paga, no processo produtivo, impostos cumulativos, e o nosso concorrente, quando importa, só paga ICM e IPI. Mas toda a cadeia de impostos do processo produtivo como PIS, Fim Social etc, que o sistema produtivo paga, o importador não paga. Então nós temos hoje mais impostos do processo produtivo, do que são os direitos aduaneiros que protegem o produto.

Roseli Tardelli: Está certo. O Roda Viva faz agora um rápido intervalo e volta daqui a pouco entrevistando na noite de hoje o empresário Jorge Gerdau. Até já.

[intervalo]

Roseli Tardelli: Nós voltamos com o Roda Viva, que na noite de hoje, entrevista o empresário Jorge Gerdau. Você que está em casa pode participar, fazendo perguntas pelo telefone 252-6525. Se você preferir o fax, o número é 874-3454. O senhor Fernando Machado, da Aclimação, pergunta por que os empresários se acham mais competentes do que o Estado para gerenciar setores como o do petróleo, por exemplo. E o senhor Sérgio Fernandes, da Pompéia, pergunta: “O senhor concordaria com uma auditoria de alto nível para as privatizações já feitas, uma vez que algumas delas tiveram aspecto de doação de um patrimônio público?”

Jorge Gerdau: Eu não sou contra auditoria de espécie alguma. Eu não sei se houve doação, porque no momento em que houve competição e o sistema aberto de leilão, eu acho que não houve doação. É importante analisar que esses ativos todos foram pré-avaliados tecnicamente por auditorias internacionais, e a conclusão de valores a que se chegou, na maioria dos casos, foram valores abaixo da realidade da venda. E se nós analisarmos ainda dentro do cenário internacional, o que vale os ativos do Brasil, a maioria das empresas quando foram vendidas, foram vendidas por valores muito próximos às suas cotações no mercado acionário. Se nós analisarmos hoje os ativos no Brasil que, gradativamente, com o fluxo de entradas, graças a Deus o capital está melhorando, os ativos estão se valorizando, mas na realidade o cenário de estagnação do Brasil fez com que realmente todos os ativos – seja o apartamento, a casa, as fábricas – tivessem, pelo seu nível baixo de atuação econômica, uma desvalorização fantástica.

Roseli Tardelli: E por que os empresários se acham mais competentes que o Estado para gerenciar setores como, por exemplo, o petróleo? Pergunta o senhor Fernando Machado, da Aclimação.

Jorge Gerdau: Não é que o empresário seja mais competente, o sistema privado é mais competente. As pessoas são as mesmas, só que sob o regime da iniciativa privada se está permanentemente sob o regime da competição. Então, justamente o que nós defendemos é que quando uma empresa está em regime de competição, seja internamente, seja externamente, isso faz com que a empresa se torne mais eficiente. Exemplo típico é a Vale do Rio Doce, que é uma empresa estatal. Mas por que ela é eficiente? Além de ter tido investimentos iniciais muito favoráveis por parte do governo, ela vive num regime de competição. Ela tem que competir internamente com empresas de mineração aqui no país e tem que competir internacionalmente com a mineração lá fora. Consequentemente, ou ela é eficiente ou ela desaparece. Então, o que nós estamos propondo? Eu não estou querendo saber se a Petrobras é mais ou menos eficiente, eu quero apenas que ela possa competir. Eu não estou querendo acabar com a Petrobras, quero apenas que ela seja obrigada a competir, a exemplo da Vale do Rio Doce.

Florestan Fernandes Jr.: Senhor Jorge, o senhor, num discurso no dia 22 de março deste ano, ao ex-ministro Fernando Henrique Cardoso, deu o seu parecer sobre o plano de estabilização, elogiando o plano do governo. No entanto, numa conversa com o secretário do Ministério da Fazenda, Milton Dallari, recentemente,  me disse que o governo está preocupado com a questão do ferro para a construção civil, que vem subindo acima dos índices da inflação. Então eu pergunto ao senhor: por que o seu setor, que se diz interessado nesse plano de estabilização, está subindo o preço acima da inflação? O secretário disse até que o governo pensa em abaixar as taxas de importação do ferro para a construção civil, para forçar uma queda de preço.

Jorge Gerdau: Isso é um problema de informações, que existe. Na realidade o que aconteceu, e que é normal no setor de ferro para a construção civil, é que existe uma flutuação de cotação. Eu já afirmei há pouco e estou absolutamente tranqüilo - e nós tivemos reuniões do setor de siderurgia com o consumidor, nesses últimos dias, em que houve esclarecimentos tranquilos sobre as flutuações dos preços - em dólar, o preço do aço, nos últimos quatro anos, teve uma queda gradativa. E os preços hoje praticados são praticamente preços um pouco inferiores aos preços dos últimos anos. Agora se você me pergunta se houve, eventualmente, no mês de dezembro, algum negócio com preço inferior àquele preço médio internacional do aço, é possível que tenha acontecido. Então se você tomar uma nota, pescá-la isoladamente, pode ser que isso até aconteça. Eu estou absolutamente tranquilo, porque o negócio nosso trabalha como o commodity em cotações internacionais, no dia a dia. Então praticamente os nossos preços...

Florestan Fernandes Jr.: [interrompendo] Quer dizer então que o governo pode liberar a importação de ferro que...

Jorge Gerdau: É, hoje, vamos dizer, se você ...

Florestan Fernandes Jr.: Eu digo assim: reduzir as taxas.

Jorge Gerdau: Os direitos aduaneiros no Mercosul – a Argentina é país exportador, o México também hoje é exportador de produtos siderúrgicos – já são zero. Nos outros países, 10% de direitos aduaneiros. Os nossos impostos, como eu mencionei, são mais elevados do que 10% no processo produtivo. Hoje o importador, se importa, paga IPI e ICM, não paga o resto dos processos que nós pagamos 2,5 desde o primeiro estágio do minério, depois do minério vai para transporte, paga uma cadeia de impostos que hoje vão a 17% praticamente do processo de impostos em cascata. Então a cadeia de impostos nossa é maior do que os direitos aduaneiros. Sem falar no custo de capital de giro. Então, realmente, o Brasil, em siderurgia, tem patamares internacionais de eficiência, e nós estamos absolutamente tranquilos em relação a esse cenário. Nós temos conversado com o governo sobre isso, e realmente  existe hoje um problema da construção civil, porque na ponta do mercado houve aumento de demanda, e deve ter um ou outro produto com flutuação, mas o aço não se sente atingido por esse processo.

Roseli Tardelli: Doutor Jorge, o senhor está falando quanto aos impostos, o senhor Paulo Mauro, de São Mateus, diz o seguinte: “Os empresários acham que tem imposto demais e não é bem assim. Trabalho na Câmara Setorial e os empresários só querem deixar os impostos que favorecem a eles, como os impostos sobre a folha nominal que representam dois milhões de dólares por mês, para bancar seus projetos em Brasília e não para construir escolas”. É fato?

Jorge Gerdau: Não, isso não... Eu não chego nem a entender direito a pergunta, mas eu diria o seguinte: o que preocupa o empresariado hoje? A nossa discussão sobre o imposto é o seguinte. O Brasil tem hoje cinquenta ou sessenta impostos, 57 ou 58 impostos, e são impostos em cascata. O empresariado defende hoje claramente o imposto primeiro: só o consumo deve pagar impostos. O imposto não deve ser exportado, não deve ter impostos em cascata. E o empresariado hoje defende o IVV [Imposto sobre Venda a Varejo], é o imposto sobre as vendas, para evitar que haja todos esses impostos em cascata. O sistema que hoje existe faz com que o Brasil exporte impostos, nenhum país do mundo exporta impostos. Então, não ter mais impostos em cascata. Outros países têm mecanismos: ou Estados Unidos o IVV, ou na Europa se tem o sistema do IVA [Imposto de Valor Agregado] de destino. São mecanismos modernos. O empresariado defende o IVV e quer colocar dentro do sistema constitucional, um conceito moderno de estrutura de impostos. O empresariado não é contra o pagamento de impostos, mas desde que seja construído dentro de um sistema, que não prejudique a eficiência produtiva. Hoje o sistema prejudica o sistema produtivo.

Roseli Tardelli: O Rolf disse que os senhores não querem pagar impostos, não foi isso?

Rolf Kuntz: Deixa eu explicar uma coisinha só. Essa história de carga tributária, essa reclamação habitual não faz o menor sentido. Sabidamente o Brasil tem uma carga tributária, isto é, tributação sobre PIB, menor do que a de qualquer país industrializado. Eu creio que na OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Com sede em Paris, França, é uma organização internacional e intergovernamental que agrupa os países mais industrializados da economia do mercado, cujos representantes se reúnem para trocar informações e definir políticas com o objetivo de maximizar o crescimento econômico e o desenvolvimento dos países membros], só existe um país com uma carga tributária parecida com a do Brasil, é a Turquia. Quer dizer, a carga tributária brasileira é menor que a da maioria dos países de grau equivalente ou superior de industrialização, a carga tributária brasileira é universalmente reconhecida como uma das mais miseravelmente distribuídas no mundo, ela é absolutamente regressiva; rico, no Brasil, não paga imposto. Então, o senhor diz: “A empresa não deve pagar imposto sobre a maior parte das suas atividades.”

Jorge Gerdau: Sobre o processo produtivo.

Rolf Kuntz: Não deve pagar imposto sobre importação, o que é razoável, não se faz no mundo todo. Quem tem renda mais alta no Brasil não paga imposto. Quem paga imposto no Brasil, tradicionalmente, é o assalariado. O senhor diz que, muito bem, vamos jogar o imposto sobre o consumo, ou seja, nós continuaremos a ter o imposto incidindo basicamente sobre o assalariado, que é a grande massa dos consumidores, que, aliás, consome muito mal, mas paga imposto. A sua proposta é a seguinte: vamos continuar, então, com uma situação em que rico não paga imposto, faixa superior de renda não paga imposto, ou pague uma alíquota muito próxima das alíquotas modais, das alíquotas que atingem a maior parte da população. Desoneramos a produção e com isso nós aumentamos a taxa de lucro do empresário; o empresário como pessoa física continuará pagando tão pouco quanto hoje, e vamos jogar a carga de novo sobre a população? Vamos tentar aritmeticamente explicar como pode não ser isso?

Jorge Gerdau: Eu acho que a sua pergunta está me ajudando, porque quando centrava a minha atenção sobre o processo de não carga tributária, sobre o processo produtivo, e destiná-lo ao consumo, é para parar de exportar impostos que nos diminuem. Eu jamais imaginei acabar com o Imposto de Renda, claramente ele tem que continuar existindo...

Rolf Kuntz: [interrompendo] Mas tem que ser mais progressivo ou não?

Jorge Gerdau: Eu acho que tem que limitar porque progressivo no mundo inteiro é uma figura, hoje, em termos de cenários, obsoleta. Você pode discutir se o Imposto de Renda... A pessoa jurídica já é uma confusão no Brasil. O Brasil paga Imposto de Renda na pessoa jurídica que, na realidade, deve-se a uma antecipação do imposto da pessoa física. No Brasil essa conjugação do Imposto de Renda da pessoa jurídica com a física já não existe. Consequentemente, existe uma confusão enorme quando se diz que os ricos não pagam impostos, é que não consideram que o imposto já pago na pessoa jurídica que é o capital da pessoa física. Essa integração da pessoa jurídica e física é o cenário do mundo inteiro, só o Brasil não o fez. Então existe uma confusão. É que, na realidade, todo o dividendo pago, o Imposto de Renda pago na pessoa jurídica nada mais é do que uma antecipação do Imposto de Renda da pessoa física.

Rolf Kuntz: Desculpe, nós sabemos que não é bem isso.

Florestan Fernandes Jr.: [interrompendo] Inclusive esse imposto é repassado para os preços.

Rolf Kuntz: [interrompendo] Como sabemos também que uma boa parte dos impostos é repassada para os preços...

Jorge Gerdau: Você conhece alguma coisa que não é repassada aos preços?

Florestan Fernandes Jr.: Não. Então não são os empresários que estão pagando!

Jorge Gerdau: Não, o problema é o seguinte...

[risos]

Jorge Gerdau: A remuneração no mercado internacional...

Rolf Kuntz: [interrompendo] O imposto que eu pago na fonte, desculpe, não é repassado para preço nenhum. O imposto que o trabalhador paga ao comprar um quilo de feijão não é repassado para preço nenhum, ele é simplesmente vitimado. O imposto que o assalariado...

[...]: E é compulsório.

Rolf Kuntz: ... deixa na folha de pagamento, deixa na retenção da fonte, não é repassado. Ele não tem o direito de repassar. Fora isso, nós sabemos que o rendimento das classes mais bem remuneradas não é estritamente o dividendo, mas é uma série de outras vantagens que são retiradas da empresa e que entram...

Jorge Gerdau: [interrompendo] Disso eu não tenho dúvidas, é uma questão de eficiência do nosso sistema.

Rolf Kuntz: ... na contabilidade da empresa como custo, portanto reduzindo o imposto que a própria empresa está pagando.

Jorge Gerdau: O Imposto de Renda não é mais custo hoje nas empresas não...

Rolf Kuntz: Não, eu digo, uma série de outras despesas que entram na renda...

Jorge Gerdau: Mas é uma deficiência da estrutura do sistema fiscal brasileiro que tem que entrar. Eu sou favorável a um sistema de Imposto de Renda sobre lucros, seja na pessoa jurídica, física, integrados, e tem que obedecer patamares internacionais. Porque no fundo, você tem que objetivar, inclusive, no aspecto do Imposto de Renda, como os capitais se deslocam no cenário internacional, você, do fundo, busca uma rentabilidade líquida, e a rentabilidade líquida se estabelece em relação ao Imposto de Renda que paga. Então se você tem hoje alguns cantos da Suíça em que o Imposto de Renda é 18%, outros 23%, outros 28%. Se nos Estados Unidos o Imposto de Renda anda ao redor de trinta, 35%, no máximo, não adianta pensar, como já a Inglaterra teve, em ter um imposto progressivo de 80%, porque os capitais fogem. Então se deslocam os mais competentes, os mais eficientes, os capitais de maior risco saem daquele país, para buscar países ou investimentos onde o patamar... Então, nós temos que olhar hoje o cenário internacional. O Imposto de Renda no Brasil tem que se movimentar em faixas semelhantes ao que hoje estão, 30% a 35%, não deve passar desse processo, e procurar a integração da pessoa jurídica e física. O aprimoramento dos mecanismos de sonegação ou não é um problema da maior importância que tem que ser desenvolvido. Quer dizer, o país ainda tem um campo fantástico de aprimorar os mecanismos. Agora, aqueles que pagam no Brasil hoje, seja o assalariado, sejam as empresas que pagam, às vezes são pouquíssimos os que pagam e a sonegação é enorme. Então nós temos que combater violentamente a sonegação. Querer subir o progressivo para que os capitais fujam não é um processo inteligente em benefício da geração da maior eficiência econômica ou geração de emprego.

Roseli Tardelli: Antes de eu passar a palavra para a pergunta...

Rolf Kuntz: [interrompendo] Ainda bem que a população não pode fugir!

Roseli Tardelli: ... do Tamer, o senhor Nicanor Jacinto da Silva, de Santa Cecília, quer saber o que é mais vantajoso para os empresários brasileiros hoje: fazer lobby ou sonegar impostos? E o senhor Décio Gonçalves, de Santana: “Quando os empresários vão começar a assumir riscos neste país?”

Jorge Gerdau: Eu acho que o empresário hoje assume riscos fantásticos. O fato de poucos capitais estrangeiros terem hoje construído fábricas novas, e os empresários brasileiros continuarem construindo fábricas – eu continuo no nosso grupo investindo noventa, cem milhões de dólares – mesmo nas épocas de crise, nos últimos dez anos, caracteriza que temos tomado riscos fantásticos com todo o cenário adverso. E esse investimento é feito em máquinas e essencialmente em capacitação de recursos humanos. O lobby é feito no Congresso no sentido de procurar conscientizar a nação sobre o que é um país moderno. Este país ainda está raciocinando com modelos de dez, 15 anos atrás. Nós temos que competir com países da América Latina, como a Argentina, o Chile, o México talvez, e temos que competir com os Tigres Asiáticos [nome pelo qual são conhecidos alguns importantes países da Ásia: Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Coreia do Sul]. Esses países modernizaram a sua legislação, modernizaram as suas estruturas. Então esses países que estão conquistando posições, conquistando capitais, se modernizaram. E nós não vamos fazer? Então é uma opção que o país tem. E a nossa obrigação, ao sabermos que isso é possível fazer e pode melhorar o país, é transmitir isso ao Congresso, aos congressistas, aos políticos, aos responsáveis. O empresário sabe o que é isso, o empresário vive a competição internacional, e é preciso debater abertamente sobre esse tema e transmitir esse processo. Poucos empresários no mundo, de poucos setores,  têm mais riscos do que o empresário brasileiro. O empresário brasileiro é um empresário que tem modernizado suas empresas e tem tomado riscos.

Alberto Tamer: Doutor Gerdau, nós não tratamos de um assunto que é importante, e eu acho que interessa a toda a população. É o plano econômico [Plano Real] do governo. O senhor não teme que com o plano econômico do governo, prevendo uma taxa de juros elevada, prevendo, ao mesmo tempo, uma contenção do câmbio, que isso vai provocar primeiro uma redução brutal das exportações, provocando, inclusive, demissões? E o senhor não teme que a demora da execução do plano, da instalação do real, poderá jogar o plano para o fracasso?

Jorge Gerdau: Como sempre, você tocou nos pontos chaves do que realmente preocupa no plano. O plano tem uma concepção básica, correta, eu diria, porque ele... Talvez é a primeira vez que o governo diz assim: “O maior erro está em nós mesmos”. Quer dizer, o governo reconheceu que o problema do déficit, o ajuste fiscal, é o grande problema. Então o que conseguiu? Com a medida provisória, com a aprovação que houve da medida, está tentando o equilíbrio fiscal. Se isso vai acontecer ou não é peça chave para o sucesso, porque realmente o governo continua com desequilíbrio. Então, por que a não execução imediata ou a decisão imediata da moeda, a execução do real, a decisão de introdução imediata do real? Porque enquanto continuar com os cruzeiros reais, o desequilíbrio, o déficit, a conversão em reais é de alto risco, porque teríamos, então, o déficit com a nova moeda. Se tivermos o déficit com a nova moeda, será inflação e consequentemente nós estamos...

Alberto Tamer: Se for esperar regularizar o déficit, não entra nunca.

Jorge Gerdau: Sim, mas tem outro lado. A concepção desse aspecto é valiosa e importante, porque realmente entrar com a moeda nova, com déficit histórico, é pedir que o plano temporariamente funcione e imediatamente será mais uma moeda que não vai ter sucesso. Então, é extremamente importante, e eu diria que o ministro Fernando Henrique, anteriormente, e principalmente hoje, o ministro Ricupero, tem uma visão muito clara de que a gestão das despesas é a peça chave para poder realmente fazer a introdução da nova moeda, do real. A grande preocupação  – e aí eu concordo plenamente – é que se nós quisermos copiar simplesmente o modelo de criar o real e fazer uma vinculação a um dólar, que não terá os reajustes num país com alto nível de industrialização, isso poderá nos levar, num segundo momento, à queda das exportações e às dificuldades da geração de emprego.

Roseli Tardelli: Ainda sobre o plano, o senhor Leandro, de Itapetininga, aqui da capital, passou um fax para nós e pergunta se o senhor converteu o salário dos seus empregados pela média ou pelo pico. Se foi pela média, por que os preços foram convertidos acima da média? Ou mesmo pelo pico.

Jorge Gerdau: Nem os preços, nem os salários, todos os dois foram convertidos com a concepção de valor presente. Exatamente na data em que são pagos os salários, seja na quinzena, seja no final do mês, é sobre a data do pagamento que se faz a conversão. E os preços, nós estamos convertendo a URV [sigla de Unidade Real de Valor, com vigência a partir de 1º de março de 1994, foi um índice que refletia a variação do poder aquisitivo da moeda, e servia apenas como unidade de conta e referência de valores. Esteve em curso com o Cruzeiro Real (CR$) até o dia 1º de julho de 1994, quando foi lançada a nova base monetária nacional, o Real (R$)] também dentro do conceito de data de pagamento. Nós estamos trabalhando com um conceito absolutamente real nas duas pontas, e não há critérios diferentes entre o critério do valor presente para o produto e o valor presente para o salário. É um trato econômico...

Aluízio Falcão Filho: Mas isso, afinal de contas, é a média ou é o pico?

Jorge Gerdau: Não é nenhum dos dois. É o valor da data do pagamento.

Aluízio Falcão Filho: Mas está entre a média e o pico? Está abaixo da média ou está acima do pico?

Jorge Gerdau: A data em que eu receba a mercadoria. Eu vendo a mercadoria a trinta dias, você converte esse valor presente pela URV com juros, você tem a data do valor presente em URV. É a mesma coisa com o salário. Assim como se calcula o salário, tem que calcular tudo com alguma flexibilidade, porque os setores têm estruturas de custo e juros diferenciados.

Sérgio Xavier: Então, na verdade, a data é de fevereiro?

Rolf Kuntz: Por enquanto o senhor está convertendo o preço do seu produto, pelo preço que o senhor cobra atualmente pelo seu produto, enquanto os salários foram convertidos pela média dos dias de pagamento dos quatro meses?

Jorge Gerdau: Eu converti a minha mercadoria pela data em que eu estou recebendo o valor da mercadoria...

Rolf Kuntz: Preço atual.

Jorge Gerdau: E eu estou convertendo os salários pela data em que eu estou pagando os salários.

Rolf Kuntz: Sim, mas é a data do último salário ou é o salário equivalente à média da data efetiva de pagamento dos quatro meses, como diz a medida provisória?

Jorge Gerdau: A data efetiva que eu estou pagando os salários, as datas efetivas que eu tenho pago...

Rolf Kuntz: [interrompendo] Quatro meses.

Jorge Gerdau: Como nós corrigimos nossos salários no nosso grupo, eu corrijo há mais de dez anos por políticas internas, quer dizer, eu não dou prejuízo inflacionário dentro das políticas da nossa empresa. Consequentemente, os salários das nossas empresas, nos últimos meses e anos, praticamente têm o sistema de URV.

Stephen Kanitz: Não, o que o Rolf Kuntz está dizendo é que o senhor está perpetuando para sempre no real a situação de uma inflação de 40%. Por que não converter, por exemplo, os salários de dois anos atrás, quando eles eram efetivamente cem dólares. Ao fazer isso – esse é um erro do plano – nós estamos perpetuando para sempre uma situação de 40% de inflação. Isso não é bom para o plano. O certo é converter para uma moeda que não terá inflação. Daqui para frente, no real, a gente espera que inflação seja de zero a 2%. Então na realidade nós tínhamos que estar convertendo para uma moeda que não tem inflação, e aí o salário, eu diria, que estaria mais próximo dos cem dólares do que dos sessenta, e seu preço também estaria mais...

Jorge Gerdau: No nosso caso, como o nosso pessoal é remunerado em patamares, e nos últimos anos o nosso pessoal não teve prejuízos inflacionários, as minhas folhas de pagamento em dólar praticamente estão estabilizadas há muitos anos...

Stephen Kanitz: Seus salários em dólar.

Jorge Gerdau: Salários. E consequentemente, tem havido ganhos de melhoria de produtividade, em dólar, ao pessoal; as minhas folhas de pagamento nas empresas em dólar hoje são mais elevadas do que em dólar há três, quatro anos. Isso foi conquistado pelo pessoal por melhorias de eficiência e produtividade. Então, o que nós estamos fazendo? Nós pagamos em valor presente os salários, sobre as datas de pagamento, se eu voltar dois anos atrás, eles ganhariam menos, se eu convertesse em dólar. Então hoje, em dólar, eles estão ganhando mais do que ganhavam dois anos atrás...

Rolf Kuntz: Isso é normal, porque houve uma supervalorização do cruzeiro nos últimos dois anos.

Jorge Gerdau: Depende. Se você analisar em termos de mercado internacional do o nosso produto, as nossas relações em dólar não sofreram modificações significativas. O fator que mais cresceu provavelmente foram os salários e houve significativas melhorias de produtividade. Tomando assim, tipicamente o exemplo da Ciba [Ciba-Geigy, indústria farmacêutica], que é um exemplo ótimo, como foi uma empresa estatal, hoje o pessoal, em dólar, está ganhando 35% mais, em dólares, do que o pessoal recebia antes de ser privatizado.

Stephen Kanitz: Então o senhor repassou parte da produtividade para o trabalhador também?

Jorge Gerdau: É evidente.

Stephen Kanitz: Por quê? Você falou que sempre é o consumidor que tem a razão.

Jorge Gerdau: Porque o consumidor ganhou mais? O consumidor ganhou pela maior produtividade e eficiência. Essa produtividade vem em benefício do consumidor, em benefício do operário, em benefício dos capitais. E do contribuinte ainda, do Estado, porque está ganhando impostos que antes não ganhava.

Eleno Mendonça: Parece até que eu estou esfriando o assunto, mas eu tinha vontade de perguntar outra coisa. Eu queria saber o seguinte: se a eleição presidencial fosse hoje, o Lula ganharia. Como é que o senhor imagina o Brasil sendo governado pelo Lula [Luiz Inácio Lula da Silva]? E eu queria saber em que candidato, neste cenário, os empresários estão depositando suas fichas?

Roseli Tardelli: Só para não perder o gancho, o senhor Walter Gomes Moreno, da Vila Penteado, pergunta se o senhor apoiaria uma posição inconsequente como a que o senhor Mário Amato teve em 1989 [neste ano, como presidente da Fiesp, Mario Amato disse publicamente: “Se Lula for eleito, 800 mil empresários deixarão o país”. Sua declaração teve grande impacto na mídia e repercutiu em toda a classe empresarial. Em entrevista à revista Veja, anos depois, ele afirmou que sua frase foi fundamental na derrota de Lula], contra o Lula. E se o senhor seria capaz de organizar uma campanha anti-Lula nos moldes da campanha feita pelo senhor Mário Amato em 1989?

Jorge Gerdau: Eu pessoalmente não assumo posições. Como empresário responsável perante noventa mil acionistas, eu não tomo posições políticas públicas. Agora, quando nós falamos de Lula, eu acho que o problema é dele, não é dos empresários. Porque o Lula, ao assumir hoje um país como o Brasil, não vai ter condições de gerenciar este país, dentro dos programas do PT. Porque ele vai... Este país já está atrasado, ainda tem uma Constituição de pré- Muro de Berlim, ainda vai gerenciar dentro de uma estrutura do PT, que ainda fez uma menção honrosa a Cuba, que ainda há dois anos fuzilou gente. Quer dizer, o problema é do Lula que vai tentar gerenciar um país que tem que ir para a modernidade, com um partido que ainda faz menção honrosa a Cuba. O Brasil, pelas pesquisas, quer privatizar; pode até votar em Lula, mas ele vai ter que fazer o que a vontade política do país hoje espera dele. Então eu acho que o problema é dele, não é nosso. O empresariado está modernizando suas empresas, o empresariado está modernizando suas relações com o capital de trabalho, está treinando e capacitando mão-de-obra...

Eleno Mendonça: E quem é moderno hoje, neste cenário?

Florestan Fernandes Jr.: O Collor [Fernando Collor de Mello] era moderno?

Eleno Mendonça: O Collor era moderno.

Jorge Gerdau: Eu diria que o Collor tinha cotas de modernidade, mas tinha cotas enormes de não modernidade. Ele fez intervencionismos logo de saída, que não correspondem à modernidade...

Eleno Mendonça: [interrompendo] Quem tem esse perfil?

Jorge Gerdau: Fez mecanismos intervencionistas na administração pública que no meu entender não eram modernos. A abertura de economia, empresários competindo por direitos aduaneiros mais baixos, o rompimento do mercado fechado da informática, tudo isso foram modernizações. Agora, o Collor não era...

Florestan Fernandes Jr.: [falando ao mesmo tempo em que Jorge Gerdau] Eu queria saber do senhor essa questão da ética. A questão da ética do empresário brasileiro, porque o empresariado brasileiro é acusado de participar ou de financiar campanhas passadas, como ocorreu no caso do escândalo do orçamento, depois veio o escândalo do narcotráfico, depois veio o escândalo dos bicheiros. Quer dizer, uma boa parte dos políticos eleitos no Brasil foram eleitos ou com dinheiro indo de maneira ilícita para as campanhas ou de pessoas ligadas ao crime organizado no Brasil. Como é que o senhor imagina fazer uma reforma constitucional com esse tipo de gente participando desse Congresso? Quando foi eleito o [...], o dinheiro, a sobra de campanha, serviu também para eleger muita gente.

Jorge Gerdau: Eu diria que o processo de ética ou não ética atinge todos os setores, está certo? Se agora pegamos as listas sobre o problema da droga, nós temos políticos, temos jornalistas. O comportamento ético existe em todos os setores. Eu diria que o Brasil tem um percentual elevado de empresários com comportamento ético muito firme e muito claro. Eu venho de uma região no Sul, onde o conceito ético é bastante desenvolvido dentro da estrutura empresarial, e eu acho que isso existe no Brasil todo, eu conheço centenas de empresários que têm uma atitude ética exemplar nas suas relações. E tem, de outro lado, situações não éticas. E tem setores que até, provavelmente pela contingência do processo político, que são bem mais complexos de se manter um comportamento ético tipicamente do setor empresarial...

Florestan Fernandes Jr.: [interrompendo] O senhor nunca deu dinheiro para candidato nenhum?

Jorge Gerdau: Ah, dei dinheiro para candidato.

[...]: Como é que o senhor fazia para justificar?

Jorge Gerdau: Sem cobrança nenhuma. Mas é um processo tranquilo, insignificante, porque o nosso grupo não vende ao governo. Eu não dependo do governo, eu dependo do Brasil. Eu só tenho uma preocupação: é melhorar o Brasil. Graças a Deus nós vendemos para mais de vinte mil clientes, pequenos clientes, eu não vendo nada ao governo, nada. Eu não dependo de governo, eu sou comprador do governo, de energia elétrica, e praticamente mais nada...

Eleno Mendonça: [interrompendo] E qual seu interesse ao financiar um candidato?

Jorge Gerdau: Então eu tenho uma relação privilegiada nesse sentido, de ter uma posição extremamente independente desse processo, que me dá até condições hoje de exercer um papel de defender uma posição de interesse nacional, sem ter qualquer tipo de vantagem. Eu quero que o Brasil melhore, para que realmente o futuro dos meus filhos... Nós somos um grupo que tem noventa e tantos anos de existência, já passamos por período de crescimento e vemos hoje um crescimento extremamente pequeno. Só tenho uma preocupação: o nosso grupo tem condições de crescer, se o Brasil melhorar. Então só tenho essa preocupação.

Roseli Tardelli: Eu queria saber, só a título de curiosidade, para quantos candidatos o senhor deu dinheiro?

Jorge Gerdau: Como bom empresário, dei praticamente a todos.

[risos]

Eleno Mendonça: Está acendendo uma vela a Deus e outra ao diabo?

Jorge Gerdau: Não. Dinheiro ao Lula eu não dei.

Eleno Mendonça: Não?

Jorge Gerdau: Não.

Eleno Mendonça: E não daria?

Jorge Gerdau: Não sei...

[sobreposição de vozes]

Jorge Gerdau: Olha, é absolutamente insignificante. Eu não dependo da política, não dependo do político, não dependo de [poder] executivo. Então eu tenho uma situação privilegiada. Eu dou dinheiro e nem sei por quê.

Eleno Mendonça: Como é que o senhor justifica as suas doações?

Roseli Tardelli: [interrompendo] Mas não é ilegal dar dinheiro aos políticos assim?

Jorge Gerdau: Não, porque eu dou o meu, não é da empresa, eu dou o meu. Pago o Imposto de Renda, não devo nada a ninguém. Não tem um tostão que eu não tenha declarado.

[...]: O senhor dá dinheiro para partido ou para candidato?

Jorge Polydoro: Doutor Jorge, quando o senhor defendeu há pouco a sua posição com relação à eleição, o senhor falou que independente do que possa estar acontecendo com relação ao processo eleitoral, ou seja, se o Lula vencer o problema é dele, o senhor falou que os empresários vão continuar modernizando as suas empresas. Aliás, isso é um dado interessante, porque a Gazeta Mercantil publicou uma matéria na edição do fim de semana, dizendo que uma pesquisa feita no Centro Brasileiro de Qualidade, Segurança e Produtividade juntou oito organizações certificadoras, chegou-se ao número de 285 empresas no Brasil que têm ISO 9000 [grupo de normas técnicas que estabelecem um modelo de gestão da qualidade para organizações em geral, qualquer que seja o seu tipo ou dimensão]. É um número semelhante ao da Itália, que tem trezentos, e muito, mas muito superior ao da Argentina, que tem três, o que mostra que nessa área, o Brasil está com um número parecido com país desenvolvido. Mas o senhor também disse que o trabalho que estava sendo feito é um trabalho de conscientização da sociedade pela necessidade de modernização. O senhor lidera hoje um grupo de empresários, que está fazendo algum tipo de pressão, aparentemente legítima, junto ao parlamento para que haja a reforma constitucional. Esse movimento de conscientização certamente não ficará restrito a este momento, ele deve ser um movimento de conscientização que vai além. E se for além, ele terá inevitavelmente a questão eleitoral. Será que está se colocando de novo no Brasil uma situação semelhante à que aconteceu em 1989, quando ficou um candidato apoiado pelos empresários contra o Lula? Quer dizer, de repente a candidatura do Fernando Henrique Cardoso, que foi o autor deste plano [Plano Real], que agora se coloca como candidato, ele não está começando a polarizar todos os interesses destes grupos que se opõem ao candidato Lula? O senhor não acredita que em determinado momento, as elites brasileiras, os empresários brasileiros e amplos setores vão tender a se concentrar nesse candidato, para vencer o Lula ao menos no segundo turno?

Jorge Gerdau: Eu gostaria de inverter o problema. Eu digo o seguinte: o problema é do candidato. Eu acho que o empresariado maturou no país. É uma coisa fantástica, eu tenho tido reuniões em todos os setores empresarias no Brasil nesses últimos meses. Se você vê hoje a consciência de uma Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] que normalmente tem dito “não, é o lobby dos interesses dos empresários”, que defende, que [...]... Hoje você vê só um discurso, praticamente, no setor empresarial: como nós vamos ser mais competitivos? Outra frase: o empresário já se tornou competitivo, já sofreu o processo da modernização, e o Estado o que fez? Nós estamos com um Estado medieval, com impostos medievais, com cartórios estatais, então essa parte tem que ser modernizada. O empresário já apanhou, já está vivendo o processo de competição aberta. Então eu digo o seguinte: o empresariado hoje defende princípios e idéias; não defende privilégios. Ele quer o sistema estruturado e competitivo. Então o problema é do candidato. O candidato que venha para as nossas idéias, porque as nossas idéias são do interesse da nação e do povo, do empregado, do operário. O operário nosso é parceiro no processo de modernização. Ele está capacitado, está treinando, estamos investindo e trabalhando juntos. Então a preocupação é do presidente, que tem que se ajustar ao processo. E quem chegar mais perto dessas idéias é que vai ter o apoio. O governante que não se apoiar nessas idéias não tem mais espaço neste país. Eu estou convicto disso. Lógico que temos uma transição dificílima no Congresso, mas na realidade, ou o país vai para isso... E o problema é o seguinte: nem depende de uma pessoa, de um empresário. O problema está do nosso lado, nós estamos hoje vivendo o processo do nosso lado. O empresário argentino, quando põe uma máquina nova hoje, não paga um tostão de direitos aduaneiros. O empresário brasileiro, quando importa uma máquina, paga 20%, 30% de direitos aduaneiros, paga IPI, ICM. Então o que sai? Saem 56% de direitos aduaneiros em cima desse [...]. Ele vai poder  competir...

Florestan Fernandes Jr.: [interrompendo] Como é que o senhor explica o fato de os últimos governantes do país, de certa maneira, serem representantes dos empresários, e o país estar nesta situação?

Jorge Gerdau: Eu não sei se são representantes dos empresários. Essa é sua opinião, eu acho que não são representantes. Tem um percentual elevado de empresários, e o próprio processo dessa consciência de competição está essencialmente nesse empresariado mais moderno e que nós estamos procurando estender para o conhecimento. Eu sinto hoje, se você faz a leitura dos jornais, dos críticos, dos analistas, que essa concepção de tornar a sociedade moderna, dentre a qual a parte do empresariado é importante, as relações da cidadania são importantes, essa conjugação é uma aspiração. E o empresário que cuida da parte econômica tem que transmitir o que ele enxerga que é importante fazer.

Stephen Kanitz: Mas me preocupou que neste programa todo, a imagem do empresário – o senhor notou pelas perguntas dos telespectadores –  não é boa. Eu acho que o senhor não está conseguindo, o empresariado não está conseguindo transmitir essa liderança. Em toda essa discussão, eu não ouvi do senhor o que tem de benefício para a população. Ouvi muito: “A empresa vai ganhar muito dinheiro. A empresa não vai pagar impostos”, como o Rolf Kuntz falou. Agora, qual é a contrapartida para a população brasileira que tem que ser invertida...

Jorge Gerdau: [falando com ênfase] Eu acho que você está sendo injusto comigo, eu falei dez vezes do cliente! A minha preocupação...

Stephen Kanitz: O cliente que não consome.

[...]: Mas o cliente está reclamando.

[risos]

Jorge Gerdau: Como não consome? Assim também não pode ser. Você tem uma demanda no país, hoje, significativa. O que nós temos que fazer é conseguir essa parte marginal que não participa do consumo, mas o Brasil já é um país hoje... Se você está produzindo um 1,6 milhões de automóveis, ninguém pode dizer que não tem mais consumo.

[sobreposição de vozes]

Roseli Tardelli: Doutor Jorge, por que acontece isso do empresário brasileiro não ter uma imagem boa para o consumidor?

Jorge Gerdau: Mas num regime inflacionário desses é tremendamente difícil. Você tem um salário praticamente limitado, com uma estrutura de convulsão salarial, com uma carga enorme que faz com que essa estrutura se torne difícil para a maioria das empresas; tem uma carga tributária fantástica sobre a folha de pagamento. E de outro lado, você tem uma inflação de 40%, que você tenta...

Florestan Fernandes Jr.: [interrompendo] Mas tem também uma acumulação de capital enorme, não é?

Stephen Kanitz: Nos bancos.

Jorge Gerdau: Mas é lógico. Por quê? Porque num regime inflacionário, quem mais sai prejudicado, quem é? Quem se beneficia primeiro é o governo, porque tira um imposto sem ninguém saber. Em segundo lugar, tira do mais pobre. Então nós temos que acabar com a inflação. E é pacífico que o gerenciador inteligente, e o governo pagando as taxas... porque o único que paga taxa louca e cara é o governo. Então os capitais são destinados a quê? Para pagar o déficit do governo. Então o grande culpado é o governo no sistema. Agora, o empresário que tem que trabalhar com capital de giro, de juro real de 40% a 50%. Como é que ele vai explicar ao consumidor que ele repassa aos preços, e se não repassar, a empresa fecha? Então, com esse processo, não tem como o público aceitar que o empresário seja realmente benéfico ao sistema. Mas o empresário tem uma responsabilidade social fantástica de gerar empregos, pagar os impostos. Então é tremendamente difícil o papel do empresário. E eu acho um milagre praticamente o que o empresariado nacional tem feito. E é difícil que ele tenha uma imagem positiva, porque o governo, historicamente, tem dito: “o culpado da inflação é o governo” [provavelmente equivocando-se, querendo dizer ‘o empresário’]. Nós sabemos claramente que o culpado da inflação é o déficit que emite mais moedas e não consegue gerenciar os recursos escassos.

Roseli Tardelli: Lá no estado do Sul, o senhor já disse que... O senhor é um gaúcho meio estranho, o senhor não gosta de chimarrão...

Jorge Gerdau: [interrompendo] Eu gosto de chimarrão, só que eu não...

Roseli Tardelli: O senhor não faz chimarrão com os amigos...

Jorge Gerdau: Eu não faço chimarrão.

Roseli Tardelli: O senhor disse para nós, antes de começar o programa, que não sabe fazer churrasco direito, mas gosta de andar a cavalo. Eu quero saber no seu estado: qual candidato o senhor convidaria para dar uma volta a cavalo com o senhor?

Jorge Gerdau: [move-se na cadeira giratória, pensativo]

Roseli Tardelli: Tem o [Antônio] Britto [governou o Rio Grande do Sul de 1995 a 1999]...

Jorge Gerdau: Certo. O Britto é um bom companheiro para andar a cavalo.

Roseli Tardelli: É? O senhor acha que ele cavalgaria bem? [risos]

Jorge Gerdau: O [Luiz Carlos] Mandelli [em 1992, foi eleito, pela 4ª vez consecutiva, pelo jornal Gazeta Mercantil, como um dos dez líderes empresariais do Brasil] é ótimo companheiro para andar a cavalo.

Eleno Mendonça: Aliás, como é que o senhor vai se dividir lá? Porque o Mandelli é o representante da iniciativa privada.

Jorge Gerdau: Eu já disse, eu sou empresário. Eu não tomo posição, eu defendo princípios e idéias.

Eleno Mendonça: O senhor daria dinheiro para as duas campanhas?

Jorge Gerdau: Acho que lá eu não vou dar dinheiro para ninguém.

[risos]

Roseli Tardelli: E em nível federal, quem cavalgaria com o senhor?

Eleno Mendonça: E com o ex-ministro Fernando Henrique?

[sobreposição de vozes]

Jorge Gerdau: Eu tenho uma posição... Provavelmente neste cenário atual, eu não vou dar dinheiro para campanha eleitoral dessa vez, porque o processo hoje tem uma característica que é melhor não dar dinheiro. Como eu não dependo deles, eu acho que tem condições de não dar nada para ninguém.

Sérgio Xavier: Senhor Gerdau, deixa eu só acrescentar uma pergunta sobre Fernando Henrique. Uns dois meses atrás, mais ou menos, teve uma reunião na casa do empresário Guilherme Afif Domingos, da Frente de Empresários Pró-Revisão, da qual o senhor é um dos líderes, não é?

Jorge Gerdau: Sim.

Sérgio Xavier: E se falou, quer dizer, a pauta da reunião era mais ou menos a seguinte: apóia-se a candidatura de Fernando Henrique e, em troca, ele se transformaria numa espécie de capitão da revisão. O que deu errado nessa articulação?

Jorge Gerdau: Eu estive presente nessa reunião e jamais foi colocado isso. Eu acho que há uma expectativa que o empresário venha a assumir papéis de patrono de candidato...

Sérgio Xavier: Ah! Um apoio.

Jorge Gerdau: Eu, como empresário, acho que o empresário, como organização, tem que se manter à distância e defender idéias e princípios. Cada vez mais nós temos que ser rigorosos nos princípios, nas idéias, e não nos vincular em termos pessoais. Segundo ponto, individualmente se alguém fizer que o faça, mas eu digo como organização empresarial, nós temos que defender princípios e idéias e não abrir mão desses princípios, na base de concessões. Naquele momento, o que se discutiu não foi apoio ao Fernando Henrique. E aliás, saiu em um dos jornais, e depois o empresariado claramente desmentiu isso. E na solenidade que aconteceu em Brasília, se disse assim: “O plano de estabilização só vai ter sucesso se houver revisão constitucional”. Sem revisão, o plano não vai ter sucesso, porque nós estamos convictos de que é preciso, simultaneamente, no plano de estabilização, diminuir as despesas do Estado, que acontece por privatização, e a revisão constitucional é peça chave desse processo. Então essa é a visão do empresariado e não... Nós não estamos vinculando ao Fernando Henrique, à pessoa de candidato, não. Houve um posicionamento muito claro, e amanhã nós estamos organizando para quarta-feira estar com o ministro [Rubens] Ricupero [ministro da Fazenda de 30 de março a 6 de setembro de 1994, durante o período de implantação do Plano Real], exatamente na mesma posição. O empresariado vai debater com o ministro e dizer assim: “não adianta o plano de estabilização se não fizer a revisão”. Então nós vamos repetir, praticamente, o cenário, em proporções menores, para, num segundo momento, reforçar esse posicionamento, para o empresariado estar convicto de que a estabilização só vai funcionar se houver o ajustamento das despesas do governo, que passam pela privatização, que passam pela revisão constitucional. Então essa posição é muito clara; independente de quem estiver de ministro lá, o empresariado vai levar essa posição.

Roseli Tardelli: Doutor Jorge, muito obrigada pela sua participação, falando aqui ao vivo pela Rede Cultura em mais este Roda Viva. Obrigada também pela presença dos jornalistas, dos convidados da produção e dos telespectadores. 

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