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[programa ao vivo]
Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. Este programa é transmitido ao vivo pelas TVs educativas de Porto Alegre, Ceará, Piauí, Bahia e TV Cultura de Curitiba. O convidado desta noite é o mais jovem ministro do governo federal. Antônio Cabrera, ministro da Agricultura, é paulista de Gastão Vidigal e tem trinta anos. Formado em medicina veterinária, é criador de búfalos. Quando assumiu o Ministério da Agricultura, o ministro Antônio Cabrera disse que defende uma reforma agrária sem caráter ideológico. Nos últimos meses, os jornais têm noticiado suas divergências com a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. Para entrevistar o ministro Antônio Cabrera esta noite, aqui no Roda Viva, nós convidamos Nivaldo Manzano, redator-chefe da revista Guia Rural, da editora Abril; Bruno Blecher, editor do Agrofolha do jornal Folha de S.Paulo; Francisco Graziano Neto, professor de economia rural da Unesp; Bob Fernandes, diretor da sucursal em Brasília da revista IstoÉ Senhor; Randau Marques, repórter especial do Jornal da Tarde; Rolf Kuntz, redator de economia do jornal o Estado de S. Paulo; Jaime Matos, diretor de redação da revista Globo Rural; e José Carlos Salvagni, editor de Agropecuária do DCI. Boa noite, ministro.
Antônio Cabrera: Boa noite.
Jorge Escosteguy: A reforma agrária é algo assim como a luz elétrica, a água encanada etc: todo mundo é a favor. Todos os ministros que assumiram a pasta da Agricultura defenderam a reforma agrária; o senhor defendeu a reforma agrária com o qualificativo “sem caráter ideológico”. Eu lhe pergunto: por que todos esses ministros que passaram pela pasta, nesses últimos anos ou décadas, sempre defenderam a reforma agrária e nunca conseguiram fazê-la?
Antônio Cabrera: Eu diria, antes de mais nada, que muitas pessoas infelizmente ainda confundem o que é uma verdadeira reforma agrária. A reforma agrária, primeiro nós temos que entender que ela tem que ser a favor da renda. Nenhuma reforma agrária no mundo hoje foi estabelecida na contramão da renda. E muitas pessoas, na falta desse entendimento, interpretam a reforma agrária como apenas o item “terra”, ou seja, distribuir a terra entre diversas famílias significa um processo de reforma agrária. Diversos governos, não só o brasileiro, como até em outros países, incorreram nesses erros. Na própria América Latina, o Peru, o Chile adentraram nesse terreno de apenas distribuir terras, dando um caráter político, um caráter ideológico, e a reforma agrária não foi para frente. E o segundo ponto importante: reforma agrária tem que ser para o verdadeiro trabalhador rural, dentre os que, [sob] uma qualificação que nós colocamos no Brasil, “sem-terra”, existem [os] sem-teto, existem desempregados que tentam, às vezes, no meio rural resolver o problema da sua vida que, na situação urbana, não foi resolvido. Então existem alguns pontos, algumas exigências técnicas, eu diria, que devem ser atendidas antes de você falar em reforma agrária.
Francisco Graziano Neto: Ministro, o governo afirma que assentará, até o final desse governo, nessas condições, evidentemente, quinhentas mil famílias de trabalhadores rurais em terras. Eu gostaria de saber do ministro onde essas famílias vão ser assentadas. Pensando no ponto de vista geográfico, prevê-se que, estima-se ou se propõe que sejam assentadas mais ao Norte, Nordeste, aqui no Sul, em Porto Alegre, onde há também confusão? E como é que isso vai ser feito? Em outras palavras, eu gostaria de saber do ministro qual é o plano de reforma agrária desse governo, porque há, nós conhecemos, um documento em que o ministério, através do ministro, fixa algumas diretrizes de política fundiária, estabelece alguns conceitos, mas não há, pelo menos nos moldes do plano anterior, onde havia metas estabelecidas por cada estado, com tantas áreas a serem desapropriadas, assim, assim, assado. Há isso nesse governo ou essas quinhentas mil famílias, enfim, são um número que apareceu de onde?
Antônio Cabrera: Não, [assentar] quinhentas mil famílias foi uma das promessas de campanha do presidente da República [Fernando Collor de Mello]. Diversas vezes em palanque, ele defendeu essa meta. Fomos criticados por essa meta, [diziam] que era pequena, que no mínimo deveriam ser assentadas um milhão e meio, dois milhões de famílias, mas o presidente defendeu uma meta, primeiro, que ele iria conseguiria realizar e já realizamos. O ano passado foram assentadas 108 mil famílias em 21 estados; isso ficou à disposição da imprensa, diversas vezes nós divulgamos essas famílias. O que as pessoas interpretam: bom, como é que o senhor assentou 108 mil famílias sem desapropriar um hectare de terra? Nós recebemos de estoque, do governo passado, 3,7 milhões de hectares de terras que foram desapropriadas e estavam completamente ociosas. Ou seja, terras que foram desapropriadas, terras que inclusive tinham sido desapropriadas há mais de 15 anos de governos passados, em que nada tinha sido feito. Ou até terras que foram invadidas, foram ocupadas, mas não houve uma definição dos lotes das demarcações. E mais ainda, agregamos a isso uma quantidade de terras que também estavam em poder da União, terras ociosas em que assentamos essas 108 mil famílias. No nosso plano de assentar 500 mil famílias, nós queremos assentar prioritariamente no Brasil Central e no Nordeste, onde nós temos grande quantidade de terras, e porque ali se localizam 45% da nossa população rural. Eu diria que nós temos um plano; o que nós não queremos é que a nossa reforma agrária fique apenas no plano. Aliás, eu acho que o Brasil está cheio de planos, nós precisamos mais é de um pouco de prática. O próprio presidente, quando lançou o programa de reconstrução nacional, definiu muito bem: “Chega de Brasília. O que precisamos é de mais Brasil”. É isso que nós queremos fazer na reforma agrária. Para este ano, nós não temos mais estoque em mãos, nós temos a meta de desapropriar de seis a sete milhões de hectares e assentarmos cem mil famílias, essa é a meta de 91. É claro que existem alguns percalços. O Rio Grande do Sul foi um deles, é um estado em que nós temos problemas para desapropriar terras, existe uma série de leis complementares que devem ser promulgadas pelo Congresso Nacional. Um instrumento que eu julgo importantíssimo na utilização das terras para reforma agrária é o cumprimento do artigo 243 da nossa Constituição, que reza o uso da terra com narcoplanta. Hoje nós apreendemos uma quantidade muito grande de terras com maconha, e essas terras, por exemplo, ainda não são utilizadas para reforma agrária, na falta de uma legislação.
Francisco Graziano Neto: E aqui em São Paulo, vai se desapropriar mais terra?
Antônio Cabrera: Sim, nós temos interesse. Agora, o mais importante é que a nossa reforma agrária, primeiro, nós queremos descentralizar a reforma agrária. Nós acreditamos que se passou a época de, em um gabinete em Brasília, você tomar a decisão, não só da reforma agrária, como [com relação a] toda a agricultura brasileira. Nós queremos envolver as secretarias de agricultura para que, em conjunto, a quatro mãos, possamos, nessa descentralização, assentarmos essas famílias. A meta aqui são oito mil famílias no estado de São Paulo.
Jorge Escosteguy: Ministro, como é que seu ministério está vendo essa questão? O senhor disse que a reforma agrária tem que beneficiar os verdadeiros trabalhadores rurais, quer dizer, comenta-se que há um clima de tensão, um potencial de tensão muito forte hoje, tanto na área urbana quanto na área rural, que estaria sendo contido basicamente pela Igreja, e que o dia em que a Igreja não conseguir mais segurar, vai ser uma explosão muito violenta. Então, eu lhe pergunto: que informações o ministério tem a respeito disso? E se, por exemplo, aquelas pessoas envolvidas em conflito em Bagé, no Rio Grande do Sul, são verdadeiros trabalhadores rurais e que solução pode ser dada a esse tipo de conflito?
Antônio Cabrera: Primeiro, é preciso distinguir, veja, há violência tanto no meio urbano como no meio rural, nós temos que fazer essa diferenciação. A invasão de uma propriedade privada não ocorre apenas no meio rural, ocorre invasão de apartamento, assaltos, tiroteios, também na cidade. Isso, infelizmente, acontece em toda a sociedade. O que nós queremos, dentro disso, é fazer uma diferenciação do que seja o verdadeiro trabalhador rural. Veja, no caso de Bagé, nós temos a certeza absoluta que se usaram inocentes, manipulando essas pessoas para que ocorresse aquela invasão. Nós resolvemos, por exemplo, no Rio Grande do Sul, o problema da fazenda [...], [que] há mais de vinte anos estava pendente. Nós desapropriamos a fazenda e estamos efetuando o pagamento pelas TDAs [Títulos da Dívida Agrária]; resolvemos o problema de Sarandi, de Cruz Alta. Enfim, diversos legados que nós recebemos de herança de governos passados foram solucionados em apenas um ano de governo. E no caso de Bagé, veja, o Incra não é um comprador de terra, o Incra desapropria terra. Como nós não temos ainda uma legislação específica, nós não quisemos arriscar tentar desapropriar alguma propriedade e depois o proprietário entrar na justiça reintegrando, tendo a sua reintegração de posse, nós compramos terras no Rio Grande do Sul. Nunca isso ocorreu, nós conseguimos uma verba junto ao Ministério da Economia e compramos 1.200 hectares de terra. Colocamos essas famílias no centro de Bagé... Eu diria para você que essas famílias que estavam vivendo em Bagé viviam em melhores condições do que muitos brasileiros que hoje vivem nas cidades. Nós tínhamos um convênio com o hospital de Bagé, onde a assistência médica era gratuita. O problema ocorreu na segunda-feira; na quinta-feira da semana anterior, eles receberam 18 mil quilos de alimentos. Eles recebiam um salário por família de assistência gratuita. Inclusive, na distribuição desse salário, houve até um tumulto entre o Incra e essas famílias, porque eram cerca de quinhentas famílias e eles queriam que três líderes recebessem todo esse dinheiro em nome de todas as famílias. Nós não permitimos isso...
Jorge Escosteguy: [interrompendo] O senhor disse que essas famílias foram usadas. [Foram] usadas por quem?
Antônio Cabrera: Na quinta-feira, veja bem, foi feita uma reunião com essas famílias, e eles pediram que, em vez de se formar o centro de treinamento, que essas terras ali, esses quase 1.200 hectares fossem assentados através de um sorteio. Nós nunca sorteamos lotes no Rio Grande do Sul, nós concordamos, na quinta-feira, recebemos essas famílias, o nosso superintendente, junto com a Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul, e concordamos em sortear e assentarmos ali cerca de 60 famílias, e as outras seriam remanejadas. Inclusive, nesse mesmo dia foram oferecidos 18 mil hectares de terra no Mato Grosso do Sul, próximo a uma rodovia, com eletrificação rural, com toda infra-estrutura, e eles não quiseram, preferiram aguardar essas terras. Então, eu não entendo, eles tinham assistência médica, tinham alimentação, tinham o compromisso de sortearmos os lotes já a partir da semana que vem, e na segunda-feira tomam uma atitude tão violenta, tão lamentável como essa, invadindo uma outra propriedade, onde até ocorreu uma morte. Então, eu acho que essas pessoas foram manipuladas por determinados líderes que não querem que nós resolvamos esse problema, como nós denunciamos, inclusive, no ano passado: pessoas totalmente estranhas à atividade rural provocavam invasões de terra.
José Carlos Salvagni: Em primeiro lugar, eu gostaria de fazer uma pequena observação: tenho a satisfação de ter participado do primeiro programa Roda Viva [em 29/9/1986], e na época [o entrevistado] era o ministro Paulo Brossard, era o ministro da Justiça. E estava havendo aquele problema todo, aquelas mortes que continuam no Pará. Então, a solução mágica encontrada para as mortes foi desarmar os trabalhadores rurais. E o ministro da Justiça acabou sendo premiado pelo Supremo Tribunal Federal. Na época, eu perguntava para ele, porque o senhor está colocando uma questão de informações. A gente perguntava aqui se o governo agia, ou respondia, ou se orientava em função de manchetes de jornais e editoriais naquela época muito furiosos, ou se o governo tinha uma linha própria de ação, uma diretriz própria. E o ministro, naquela época, não respondeu, e era uma situação um bocado vexatória. No caso de Bagé, eu tenho uma outra versão. Há cerca de um mês nós recebemos nas redações, pelo menos na minha redação, denúncias de que o pessoal que está naquela escola, naquele Instituto de Bagé que os senhores inauguraram há uns quatro meses...
Antônio Cabrera: Sim.
José Carlos Salvagni: ...de que estavam sendo provocados por fazendeiros, estavam cortando as cercas, estava entrando gado nas roças e ninguém estava fazendo nada. E logo que começaram a surgir esses novos enfrentamentos na semana passada, os fazendeiros se cotizaram, até parece que eles queriam comprar... Primeiro lugar, para não vender terra nenhuma na região; segundo lugar: se cotizaram para, se alguém fosse vender, comprar. Ou seja, uma atitude tremendamente hostil. E aquela área do Rio Grande do Sul, ministro, é onde se verificam no Brasil as relações de trabalho mais atrasadas do território nacional. Eu queria saber se o senhor soube dessas denúncias, se foram verificadas. Aconteceu mesmo a reprovocação?
Antônio Cabrera: Sim. Houve denúncias das duas partes. Da mesma maneira que você colocou a denúncia por parte dos trabalhadores, houve denúncia por lado dos produtores rurais, dos proprietários de terras vizinhas. Eles alegavam que diversos trabalhadores que estavam no centro de Bagé andavam fazendas, duas ou três fazendas ao lado, entravam à noite, carneavam cinco ou seis ovelhas, matavam animais e traziam esses animais para o centro. Então, houve acusações mútuas. Agora, não é dessa maneira que nós vamos...
José Carlos Salvagni: [interrompendo] Mas houve investigação?
Antônio Cabrera: Houve. O Incra destinou pessoas para que pudessem trabalhar nessa área e o nosso interesse sempre foi intermediar, nunca tomar uma posição de nenhum lado. Efetivar, partir para a prática e realizarmos a nossa reforma agrária. Agora, o que eu acho...
José Carlos Salvagni: [interrompendo] Mas os trabalhadores, de fato, invadiram as fazendas, carneavam mesmo?
Antônio Cabrera: Sim, foi detectado isso. O que nós não sabemos é quem foi, nós não conseguimos identificar. Nós chegamos a ir a fazendas onde achamos ossadas de três ou quatro vacas, de diversas ovelhas que foram abatidas à noite. Agora, o que nós pensamos é que houve uma precipitação muito grande dos trabalhadores. Veja, eles soltaram um documento [dizendo] que há 18 meses eles estão ali. Impossível, nós compramos as terras de Bagé há quatro meses. Então, o que eu acho: nós queríamos era apenas um voto de confiança desses trabalhadores, porque se, desde a nossa posse, nada tivesse sido feito no Rio Grande do Sul, até se poderia tentar dar uma justificativa pela atitude que eles tomaram. Mas diversas providências foram adotadas no Rio Grande do Sul, e não só no Rio Grande do Sul, como em termos de reforma agrária. Por exemplo, essas desapropriações que estão ocorrendo agora, nós determinamos definitivamente que as desapropriação sejam feitas por técnicos nossos, do Ministério da Agricultura, do Incra. Nós desapropriamos a área e pedimos à justiça federal que envie um perito, que envie um técnico e esse técnico faça a avaliação. De acordo com essa avaliação é que nós iremos fazer o pagamento. Ocorreram no passado diversos problemas nesse sentido: fazia-se uma supervalorização da propriedade, fazia-se até acordo nesse sentido, como houve no caso do sul do Pará. Tentamos implementar um novo ITR, um novo Imposto Territorial Rural, essa é uma das medidas que está no “Projetão”.
José Carlos Salvagni: Conseguiram cobrar aquela fortuna?
Antônio Cabrera: Tanto é que agora não está mais na responsabilidade do Incra, nós passamos para a Receita Federal, porque a Receita é muito... Pelo menos em relação ao Incra, ela é muito mais aparelhada para fazer a cobrança dos produtores rurais. Existe uma idéia de se vincular o pagamento do ITR à liberação do crédito rural, apenas para ter uma idéia da necessidade que nós temos de cobrar esse ITR, porque o ITR, além de ser um dos principais instrumentos de implementação da reforma agrária, ele será sem dúvida uma das principais fontes de arrecadação para a implementação.
Francisco Graziano Neto: Ministro, por que a proposta do governo federal de alteração do ITR não foi aprovada no Congresso Nacional alguns meses atrás?
Antônio Cabrera: Houve um erro nessa proposta, nós temos que reconhecer. Em termos de alíquota de definição, ela não foi da maneira correta, da maneira que estava no projeto quando foi remetido na versão original, penalizava mais os pequenos agricultores e favorecia os latifundiários, exatamente o inverso do que nós queremos. Após constatar esse erro, nós tentamos corrigir, mas o Congresso rejeitou totalmente. Agora, é um dos itens que está no “Projetão”. Nós iremos encaminhar um novo ITR, um imposto, eu diria, extremamente moderno, favorecendo a pequena propriedade e principalmente favorecendo quem produz. Quem não produz, quem especula vai ser penalizado, e muito.
Francisco Graziano Neto: As alíquotas propostas vão ser alteradas no sentido de diminuir...
Antônio Cabrera: [interrompendo] De favorecer, primeiro, as propriedades produtivas e penalizar, e muito, quem especula, quem apenas tem a terra no sentido de valorização de um bem imobiliário que nada gera. E dentro do ITR, nós temos mais uma série de idéias. Nas propriedades... isso nós queremos colocar em debate junto ao Congresso Nacional. Após essa definição “produtiva, improdutiva”, nas propriedades produtivas, nós queremos associar o ITR em relação à mão-de-obra que aquela propriedade gera, ou seja, se ele tem uma cultura de café, a geração de mão-de-obra em vinte hectares será muito maior do que se ele tiver apenas pecuária. Embora as duas propriedades sejam produtivas, aquele que gerar, que fixar mais mão-de-obra na terra, terá também um ITR menor. [Propõe-se também] associar esse ITR a práticas de conservação do solo. E em um prazo mais longo, queremos colocar essa proposta em debate no Congresso Nacional, embora a Constituição vede a associação da receita com um fim específico, nós queremos associar – porque a Constituição tem uma brecha que assim permite – a arrecadação do ITR, que ele seja realmente aplicado na reforma agrária, porque 50% desse imposto ficam com as prefeituras. De nada adianta nós arrecadarmos, cobrarmos esse ITR, se esses 50% que ficam na mão das prefeituras ficarem fazendo praças, campo de futebol na cidade. O que nós queremos é que esses recursos sejam efetivamente aplicados na reforma agrária no campo.
Nivaldo Manzano: A propósito, ministro, qual é a sua expectativa de um projeto desses, que é bem-vindo, seja aprovado no Congresso, sabendo que pelo menos 60% dos congressistas têm grandes interesses em terras?
[...]: E votaram contra o outro [projeto] já.
José Carlos Salvagni: E tem mais uma: agora estão falando em municipalizar o ITR. Há conversas nesse sentido.
Antônio Cabrera: Eu diria que o ITR já é parcialmente municipalizado.
José Carlos Salvagni: Sim, mas querem por inteiro.
Antônio Cabrera: Não, aí não, porque é uma das principais fontes de arrecadação da União em termos de reforma agrária. Eu não vejo nenhum problema. Nós temos um contato muito estreito com toda a bancada rural do Congresso. Eu praticamente almoço e janto com uma bancada por semana, tenho diversos contatos com os parlamentares. Eu não vejo problema para que esse projeto passe no Congresso. Ele não passou devido a esse erro na versão original, onde houve união do PT até os partidos de direita, porque justamente penalizava o pequeno agricultor. O que nós temos nas consultas prévias, tanto esse projeto de narcoplantas, a utilização de terras com maconha em que a principal definição: você tem uma propriedade com cem hectares, você tem dez hectares com maconha, o que você expropria? Os dez hectares ou os cem hectares? É isso que a lei tem que definir. E também essa questão do ITR, eu não vejo dificuldades de passar, eu tenho certeza de que isso passará com facilidade.
Randau Marques: Eu gostaria que o senhor explicasse melhor essa questão do ITR, do ponto de vista da conservação do solo. Hoje [15 de abril] é o Dia Nacional da Conservação do Solo. Segundo as entidades ambientalistas e a comunidade acadêmica, hoje é na verdade o dia nacional da erosão e da devastação. O país está perdendo um bilhão de toneladas de solos férteis [por] ano. Há um custo brutal, porque essa terra precisa ser reposta e os insumos petroquímicos, os adubos, custam realmente muito caro e encarecem o produto final na mesa de cada um dos brasileiros. O ITR que o senhor diz vai valorizar a produtividade da fazenda. Esse conceito de produtividade tem levado à exaustão das matas remanescentes do território nacional, principalmente aquelas que protegem as regiões de mananciais, minas de água e mesmo aqueles terrenos mais declivosos que deveriam ser preservados. Aliás, é lei nacional o Código Florestal, e nunca foi respeitado neste país. Eu lhe pergunto então, ministro, em um país que está perdendo 25% do seu território para a desertificação, segundo dados do IBGE, quem é o maior invasor de terras? É o Estado, na sua incúria para com a proteção das terras férteis ou os trabalhadores privados de uma comida decente, de uma dieta condigna, que realmente precisam saquear e invadir próprios alheios nessa busca? Dois: como o país poderá continuar perdendo um bilhão de toneladas de terra por ano sem uma revisão desse ITR para que as reservas florestais realmente seculares, realmente dignas de serem preservadas, não sejam sobretaxadas? O ITR simplesmente penaliza as matas remanescentes, aquelas florestas nativas, a um preço absurdo. Como discernir a terra improdutiva do bosque, que é um gerador de benefícios sociais, preservador de mananciais e da própria biodiversidade e tem seu preço neste país?
Antônio Cabrera: Bom, a informação que nós temos [é] que a perda de solos – me desculpe se há uma controvérsia – não é um bilhão, seriam seiscentos milhões de toneladas. Praticamente o Brasil, com uma safra passada, [de] cada um quilo de alimento, nós perdemos dez quilos de solo.
Randau Marques: [interrompendo] São dados do Serviço Nacional de Levantamentos e Conservação de Solos, da Embrapa.
Antônio Cabrera: O último levantamento nosso dá agora, em relação à última safra, seiscentos milhões de toneladas. Agora, o que eu gostaria de realçar: quando [o agrônomo norte-americano] Norman [Ernest] Borlaug [1914-2009] vem ao Brasil, prêmio Nobel [da Paz de 1970], um dos pais da revolução [revolução verde], ele dizia que a fertilidade do solo brasileiro infelizmente está escoando para o Atlântico, que é uma grande realidade. Agora, grande parte da sua pergunta já foi respondida pela lei agrícola: as áreas de preservação, as áreas de reservas não serão mais tributadas pelo ITR, porque justamente a fúria progressiva do ITR penalizava aquele agricultor que tinha sua reserva florestal, e isso não ocorre mais. O que ele tem que fazer é procurar o órgão ou a secretaria de meio ambiente estadual, ou o Ibama, e definir aquela área como de reserva, e essa área será isenta da tributação do ITR. Isso, em parte, facilita. E no nosso contexto de reforma agrária, veja bem, ninguém faz reforma agrária sem um cadastro rural atualizado. Um dos pontos, eu diria, uma das poucas reformas agrárias que deram resultado no mundo foi em Formosa [Taiwan], porque eles tinham um cadastro extremamente atualizado. O último cadastro nosso foi feito em 1978; o próprio Estatuto da Terra reza que, a cada cinco anos, nós devemos fazer uma revisão completa do nosso cadastramento rural, o que não foi feito. Nós tentamos fazer agora em finais do ano passado, houve um problema na licitação, que foi cancelada, mas este ano nós estamos refazendo esse recadastramento. E nesse recadastramento, nós queremos envolver até as prefeituras municipais. E aí então nós temos informação da preservação, da conservação do solo e da água em cada uma dessas propriedades. E dentro desse projeto que nós queremos encaminhar ao Congresso, de acordo com essa preservação é que nós iremos dar progressividade ao novo ITR.
Randau Marques: Ministro, apenas o estado de São Paulo e o estado do Paraná, pelos dados divulgados por suas respectivas secretarias de estado da Agricultura, à véspera deste dia de hoje, o Dia Nacional de Conservação do Solo, estão perdendo quatrocentos milhões de hectares de solo. Isso se deve sobretudo à falta de assistência, à falta de orientação por parte dos agricultores. Quais são os planos específicos do Ministério da Agricultura para deter essa sangria que está assoreando os reservatórios e consumindo toda terra fértil de que nós dispomos?
Antônio Cabrera: O item “conservação do solo” é um item extremamente complexo. Nós, por exemplo... eu não tenho nenhum acanhamento em associar o protecionismo das agriculturas mais desenvolvidas com a degradação do nosso meio. Veja, nós temos os nossos agricultores no Brasil Central que produzem soja. Se eles não têm acesso ao mercado, não conseguem vender o seu produto no mercado livre, nós não estamos pedindo nenhum tipo de favorecimento, queremos apenas as regras claras de uma verdadeira economia de mercado, se nós não temos acesso pelo protecionismo que eles colocam hoje nas suas agriculturas mais desenvolvidas, esse nosso agricultor não vai ter condições de ter uma renda como ele deveria ter. Se ele não tem uma renda adequada, ele não vai praticar uma agricultura desenvolvida, uma agricultura correta, uma agricultura a favor da preservação do solo, nunca. Nós não vamos conseguir, por mais que tenhamos um serviço de assistência técnica dos mais eficientes possíveis, se os nossos agricultores não estiverem capitalizados, eles não vão preservar o solo como deve ser preservado. Então, eu diria que a principal luta nossa, em termos de preservação do solo, não tenha dúvida, é uma verdadeira capitalização da agricultura. Em termos de extensão de assistência técnica, nós temos que envolver as secretarias de estado; poucas pessoas se lembram que nós temos uma nova Constituição. E com essa nova Constituição nós fortalecemos financeiramente, e muito, os governos estaduais. Nós perdemos impostos, que agora são dos estados; a passagem de recursos da União para os estados também aumentou, ou seja, esse aumento de recursos, esse fortalecimento estadual tem que ter a contrapartida de aumento de responsabilidade. Então é aí que nós queremos cobrar: cadê a assistência técnica estadual? E até: cadê o financiamento da nossa agricultura pelos bancos estaduais?
Bruno Blecher: Ministro, voltando ao caso de Bagé, o senhor falou que usaram inocentes. Esse argumento não é ultrapassado? Não é questão agora de o governo discutir com a CPT [Comissão Pastoral da Terra], com a CUT [Central Única dos Trabalhadores], com os sem-terra?
Antônio Cabrera: Não, nós estamos abertos, Bruno. Sempre temos recebido pessoas no gabinete, e o que me espanta é que existem – isso é depoimento deles –, existem agricultores, por exemplo, no centro de Bagé que queriam se locomover a Mato Grosso do Sul, nesses 18 mil hectares que nós desenvolvemos, que nós oferecemos a eles. Mas eles próprios alegavam: “É, mas as lideranças não deixam que nós abandonemos este local”. Então, na realidade, existem pessoas que estão manipulando esse contingente. E aí eu queria dizer o seguinte: o Incra tem um compromisso em Bagé apenas com as pessoas casadas. Existem, só em Bagé, mais de quinhentos homens solteiros, com esses nós não temos nenhum compromisso de assentamento. E são essas pessoas que criam o maior problema dentro desse assentamento. Nós não estamos aqui tentando justificar o problema de Bagé por essa manipulação, usando argumentos antigos ou velhos como você assim colocou, de modo algum, mas nós não iremos permitir que essas pessoas manipulem outras pessoas tentando tumultuar o processo. O ano passado, inclusive, nós listamos 38 pessoas que invadiram propriedades, que acamparam e que eram totalmente estranhas à atividade rural.
Rolf Kuntz: Ministro, essa sua crença na possibilidade de que os parlamentares venham a aprovar uma reforma do ITR, tal como foi discutida aqui, me parece um tanto duvidosa. A lei agrícola tal como foi aprovada teria poder de estabelecer, por exemplo, vínculo entre crédito agrícola e conservação, [mas] não foi. Não houve nada na lei agrícola que efetivamente conduzisse a uma reforma, ao contrário, a grande façanha da primeira lei agrícola aprovada foi criar um conselho que tinha poderes excepcionais e tinha a capacidade de fazer política monetária e política fiscal, sem que ninguém no conselho tivesse responsabilidade pelas conseqüências disso. Ora, uma reforma do ITR deve não simplesmente gerar recursos fiscais, mas deve, sobretudo, produzir conseqüência sobre o preço da terra, deve afetar a oferta de terra para o agricultor. O senhor acredita que esse Congresso vai efetivamente aprovar uma reforma desse tipo? O que leva o senhor a acreditar que eles mudem de repente?
Antônio Cabrera: Não, eles não mudam, Rolf. Primeiro eu gostaria de realçar o seguinte: nós jamais iríamos ter uma lei agrícola perfeita. Eu concordo que existem inúmeras lacunas nessa lei agrícola, mas eu fico particularmente contente que foi na nossa gestão que a primeira lei agrícola do quinto maior produtor agrícola do mundo foi aprovada agora. Foram quase 130 anos de Ministério da Agricultura – eu sempre tenho repetido isso – para que pudéssemos aprovar a primeira lei agrícola do país. Diversas tentativas foram feitas, mas nós não conseguimos aprovar. O que é mais importante: hoje nós temos uma lei agrícola. É claro que essa lei agrícola tem que acompanhar o dinamismo da agricultura e cada vez mais ser lapidada, ser transformada. E diversas peças têm que ser encaixadas dentro dessa lei agrícola. Agora, eu tenho a certeza de que esse novo ITR será aprovado pelo Congresso. Todos, a sociedade de uma maneira geral, têm que pagar um preço para que todos possam produzir com tranqüilidade e com segurança no campo. É utopia o sujeito ter aquela mentalidade de passado, que ele não paga nada, que ele se arma, que ele se defende a tiros. Isso não existe mais, a sociedade moderna...
Rolf Kuntz: [interrompendo] Isso existe, desculpe. Por exemplo, no Pará, o que está acontecendo não é...
Antônio Cabrera: Existe em algumas regiões, Rolf, mas hoje o Congresso não tem essa mentalidade, com raríssimas exceções. Hoje a bancada rural, como assim chamam, diversos contatos que eu tenho tido, eu tenho certeza de que eu não vou ter essa decepção...
Rolf Kuntz: [interrompendo] Foi por distração que eles fizeram uma lei tão ruim como a lei agrícola?
Antônio Cabrera: Não, não foi. Você não poderia ter...
Rolf Kuntz: [...] um projeto bom.
Antônio Cabrera: ...eu não diria que a lei agrícola é tão ruim. A lei agrícola tem avanços que eu julgo extremamente... o próprio conselho é um avanço, embora não com os poderes que ele poderia ter, mas o conselho é um avanço. O conselho é... eu diria que a agricultura é que fez o primeiro entendimento nacional de que tanto o senhor presidente tem falado. Nós assistimos segunda-feira passada a um fato inédito em termos de agricultura brasileira, em que os produtores puderam ter a oportunidade de debater com o governo a questão da importação do alimento subsidiado. Quando que nós tivemos isso? O Plano Cruzado [em 1986] importou quase dois bilhões de dólares em alimentos, enfiados goela abaixo, sem nenhum tipo de consulta prévia, agora não. Tem-se um conselho, está se decidindo como vai ser colocada essa carne no mercado, se essa carne vai ser tributada, importação do arroz, importação do leite, regras de intervenção estão sendo discutidas dentro do conselho. Isso é um avanço que eu julgo extremamente importante.
Rolf Kuntz: Eu gostaria depois de voltar a essa questão da importação de alimentos em uma outra...
Jorge Escosteguy: Só para completar a roda, o Bob Fernandes e o Jaime Matos.
Bob Fernandes: Ministro, entrando um pouco na política, o senhor e a ministra Zélia têm um contencioso ao longo deste último ano, e consta que isso já teria sido iniciado ainda na época da campanha eleitoral, durante um comício em São José do Rio Preto [SP], quando o senhor era o coordenador da campanha e teria emitido algum boletim com compromissos. O senhor poderia contar essa história? É isso mesmo?
Antônio Cabrera: O que aconteceu, eu diria que nós estamos vivendo numa democracia agora; acabou-se a época de todo mundo ter a mesma opinião. O que ocorre, às vezes, são opiniões diferentes dentro de um governo, o que eu acho extremamente proveitoso: o debate, a manifestação de opiniões que não sejam a mesma opinião de um dos membros do governo. E o que aconteceu durante a campanha é que nós coordenamos a campanha do presidente na região de São José do Rio Preto, eram 111 cidades, eu não me recordo bem agora, uma região essencialmente agrícola, voltada totalmente para o campo, e o que nós queríamos é que quando o presidente visitasse a região ele fizesse um comício rural, fizesse um comício para produtores, não fizesse um comício urbano. E nas vésperas, eu diria, uma semana, dez dias antes desse comício, nós estávamos preocupados sobre que documento seria liberado para esse evento rural que foi durante o dia, um sábado à tarde.
Bob Fernandes: E parece que o documento não agradou a ministra.
Antônio Cabrera: Nós fizemos o documento, recebemos autorização para imprimir uma cartilha, e aí nós achamos que a agricultura já estava cheia de programas, de projetos, documentos... criamos até uma cartilha que tinha o nome Compromisso: “Compromisso de Reconstrução da Agricultura Brasileira”. Fizemos o Compromisso, mandamos, foi aprovado o Compromisso e, no dia para a distribuição, a parte econômica viu o documento um dia antes, queria alguns ajustes que não eram mais possíveis, então houve apenas um desentendimento, mas depois foi resolvido e o documento acabou sendo liberado na ocasião desse comício em São José do Rio Preto.
Jorge Escosteguy: Ministro, como andam hoje as suas relações, esse seu debate democrático com a ministra Zélia? Porque, por exemplo, o telespectador Herbert Leite, aqui de São Paulo, pergunta se o senhor não tem medo de sair fritado do governo como o ex-ministro Ozires Silva.
Antônio Cabrera: Não, não tenho nenhum receio. Eu tenho um compromisso, primeiro, com o senhor presidente e, segundo, com a agricultura. Existem 23 milhões de agricultores que estão olhando o que eu estou fazendo no governo; nós temos que dar uma satisfação a esses agricultores. E o que ocorre, às vezes, quando há alguma dificuldade, nós temos que levar, tornar isso público. O relacionamento hoje [do] Ministério da Agricultura com o Ministério da Economia é bom, não há nenhuma divergência grande, nenhum atrito “insolucionável”, eu diria.
Jorge Escosteguy: Por que saem essas notícias, então, quase toda semana: ministro da Agricultura perde um round para a ministra da Economia, vai discutir com o presidente... Qual é a origem dessas coisas?
Antônio Cabrera: Bom, diz-se que na vida você pode ser criticado pelas duas maneiras: pode ser criticado pelo que você não está fazendo ou ser criticado pelo que você está fazendo. Pelo menos uma coisa me satisfaz: eu estou sendo criticado ou fritado, como se diz, porque estou fazendo alguma coisa. O duro é você ser criticado porque você não está fazendo nada, é imóvel. Agora, nós sempre estaremos defendendo a posição da agricultura. Nós temos que passar por uma grande fase de transformação no nosso campo. O sistema, por exemplo, financeiro se exauriu completamente; o governo quebrou, não tem mais condições de financiar a agricultura. Agora, nós temos que trazer imediatamente um novo sistema. Essa é a nossa luta, essa é a nossa batalha em Brasília.
Rolf Kuntz: Mas o senhor está buscando apoio político não é?
Antônio Cabrera: Claro, todo governo é movido à política; infelizmente, a agricultura brasileira ainda não sabe fazer política, e eu não quero jamais ser interpretado que faço política por corporativismo. Não, faço política junto com a bancada rural, junto com os governadores. Primeiro: para fortalecer o senhor presidente, porque ele precisa disso também. Em segundo: para que a agricultura possa desempenhar adequadamente as suas funções. Você como ministro da Agricultura, em um país que tem o maior estoque de terras disponíveis do planeta, você não poderia se sentir feliz sabendo que vai ter que importar arroz, ter que importar carne. Então são essas distorções, é essa movimentação política que nós queremos fazer a favor da agricultura. O presidente lançou agora um projeto, que é um grande entendimento político; eu diria que a agricultura saiu à frente, a agricultura já tem a sua bancada rural, já tem o seu entendimento político. O que nós queremos com esse embrião de política na agricultura? Implementar aquele “Projetão” na área de reforma agrária, na área de defesa animal, defesa vegetal, na área de irrigação e assim por diante.
Jaime Matos: Como é que fica, qual é o perfil então da agricultura moderna brasileira, qual é o projeto viável? Ou seja, ao governo cabe fazer o quê? O governo pesquisa? O governo assiste? No futuro vão desaparecer os pequenos proprietários? Vai ser a grande propriedade? Enfim, qual é o desenho possível em médio prazo?
Antônio Cabrera: O nosso interesse, primeiro, nós temos que realçar que nós estamos em um país que é uma verdadeira dádiva de Deus. Como eu disse: só na área de cerrado, nós temos 200 milhões de hectares a serem ocupados. Eu sempre tenho repetido que existe uma grande vocação: o Brasil para o cerrado, o cerrado para o Brasil. isso não é utopia, nós já temos tecnologia adequada para ocuparmos racionalmente toda essa área de cerrado. Nós temos vantagens comparativas extremamente importantes. Enquanto um melão na Califórnia demora 100 dias [para ser colhido], o Nordeste está produzindo esse mesmo melão em 53 dias. Enfim, nós temos uma série de atributos que fazem do Brasil uma grande potência agrícola. O governo tem as suas atribuições que são básicas, as suas atribuições de levar a infra-estrutura. E pela Constituição, nós somos obrigados a dar apoio ao pequeno agricultor. Essa foi a maior defesa e a prova do que o governo deve fazer na agricultura por ocasião da promulgação da lei agrícola. Nós somos a favor do financiamento equivalência/produto somente para os pequenos agricultores, nem para os médios ou para os grandes. E dentre os pequenos agricultores, para aqueles que cultivem a cesta básica, ou seja, uma sinalização do que o governo deve fazer na agricultura. A pesquisa é uma atribuição do governo, embora nós devamos também trazer a iniciativa privada para trabalhar em conjunto, a parte de extensão rural, a parte de defesa, reforma agrária. No documento do ministério, o Plano Diretor 90 a 95, nós temos todas essas atribuições muito bem colocadas, o que o governo deve ou não deve fazer. O principal da agricultura, que é o financiamento, até o governo Collor o financiamento ficou nas costas praticamente do Estado, isso tem que mudar. Nós não podemos continuar, o governo não tem mais recursos para financiar a nossa agricultura. Queremos, é claro, em uma fase de transição, não vamos tirar a responsabilidade do governo, mas queremos que a iniciativa privada venha participar conosco. Estamos dando passos importantes na criação do primeiro banco rural privado.
Nivaldo Manzano: Ministro, nessa última rodada do GATT [Acordo Geral de Tarifas e Comércio, tornou-se mais tarde a OMC, Organização Mundial do Comércio], o Brasil defendeu uma posição de redução de subsídios na exportação de produtos agrícolas no mundo. Então a posição brasileira é muito boa: impedir que, através dos mecanismos de subsídios dos países exportadores, os nossos agricultores venham a ser sacrificados. Ora, quando é o governo brasileiro que se dispõe a importar carne, por exemplo, ele não aplica aqui o que reivindica lá fora, na reunião do GATT. O governo foi forçado a explicitar o mecanismo de compensação, no caso da carne, pela Justiça, acionada pela Frente Ampla da Agropecuária e pela Sociedade Rural Brasileira. Eu pergunto... além do fato de haver duas políticas contraditórias no caso. Não caberia ao Ministério da Agricultura, no entendimento com os produtores, fixar mecanismos explícitos de compensação das importações, para impedir que cada caso se transforme em um qüiproquó, numa pendência que não se resolve mais, ou que pode ser resolvida só através da justiça, ou através do desgaste das lideranças como nós vimos nas semanas passadas?
Antônio Cabrera: Primeiro, o governo continua defendendo a mesma posição no GATT: nós somos totalmente contra a importação de produto subsidiados. E o que nós queremos é que a sociedade tenha consciência disso. Cada quilo de alimento subsidiado que nós importamos, pode ter certeza de que é uma descapitalização que nós estamos provocando nos nossos produtores. Se for dessa maneira, nós vamos fazer do porto de Santos a maior fazenda deste país, porque todos os alimentos vão ter que sair de Santos pela importação. Não é isso que nós queremos para a nossa agricultura. O Ministério da Agricultura continua defendendo a sua posição de não importarmos produtos subsidiados, que é a posição que nós defendemos junto ao GATT, e a lei agrícola é clara nesse sentido: se houver importação de produtos subsidiados na sua origem, ele será taxado na entrada do país na mesma proporção do subsídio que ele recebeu na Europa ou nos Estados Unidos, ou seja, de onde for a importação desse alimento. E a carne ainda não foi importada. Está ocorrendo a importação dessa carne, e é justamente a isso que eu me referi há pouco tempo. O Conselho Nacional define como vai ser a tributação dessa carne, porque até a importação, a formação de estoques estratégicos, as lideranças concordam: a carne não deve ser tributada. Agora, e quando essa carne for desovada no mercado? Então é isso que está sendo discutido no conselho, mas a nossa posição ainda continua a mesma, nós não podemos depender, 150 milhões de bocas, da importação de produtos agrícolas, e o que é pior, da importação de produtos agrícolas subsidiados. A nossa posição continua clara, sem nenhum titubeio. E queremos que isso sirva de exemplo aos países de Primeiro Mundo. Um estudo do Banco Mundial revela que essas barreiras nos produtos agrícolas significam mais de cem bilhões de dólares a que os países do Terceiro Mundo não têm acesso. Isso significa duas vezes a quantidade de juros que todos esses países pagam pela sua dívida externa. Nós não podemos continuar dessa maneira, é um quadro que tem que ser alterado. Nós não podemos permitir mais que uma vaca no Canadá... que o direito de ordenhar, de produzir leite no Canadá valha duas ou três vezes o valor da vaca. Quer dizer, uma situação totalmente irreal que tem que ser alterada. No Japão, 75% da renda do agricultor japonês vêm do subsídio, isso não pode continuar mais.
Rolf Kuntz: Ministro, em relação à questão da carne, quando o Ministério da Economia anunciou a intenção de importar cem mil toneladas da Comunidade Européia, o que tinha ocorrido é que os produtores haviam conseguido puxar o preço da carne para o equivalente a 20 a 22 dólares por arroba, o que é um preço claramente alto para um período que é o auge da safra. Qualquer pessoa que conheça as séries históricas sabe que esse é um preço muito alto. Ficou evidente, para qualquer pessoa que conhecesse um pouco de mercado financeiro, que se tratava de especulação. Ora, não lhe parece estranho que nós estejamos vivendo uma situação em que o governo é obrigado a garantir a proteção ao produtor nacional, mesmo quando ele está especulando, mas não tem poderes legais para defender o consumidor contra a especulação nesse momento? Eu já sei qual é a sua posição em relação à defesa do produtor nacional. Eu pergunto: que tipo de legislação o senhor defenderia para defender o consumidor nessas situações?
Antônio Cabrera: O governo tem mecanismos extremos, como...
Rolf Kuntz: [interrompendo] Em curto prazo, o que é que ele poderia ter feito?
Antônio Cabrera: ...como até o confisco, que houve no ano passado, com o qual eu não concordo. Para mim, existe um instrumento fortíssimo que o governo tem na mão, que é a alíquota zero de importação dos países do Cone Sul. O governo poderia ter recolhido... Agora, nós temos que entender o seguinte: todo o tabelamento do produto gera um certo transtorno no mercado, e foi isso o que ocorreu. O ministério, nessa época, defendeu a liberação do traseiro da carne de primeira, ou seja, o tabelamento, principalmente na pecuária, sempre, em todos os planos econômicos, gerou um transtorno, principalmente agora durante o Plano Collor, quando o overnight foi extinto, e é claro, o boi é o principal atrativo financeiro quando ocorrem esses planos. Nós cansávamos de falar em telefone por esse Brasil afora, pessoas totalmente estranhas à pecuária comprando boi magro, ou seja, tentando ganhar no repique do boi que iria ocorrer por isso. Pessoas que compravam boi, compravam com as condições de o invernista segurar o produto por seis, sete, oito meses, porque ele nem tinha propriedade, nem sabia o que estava comprando. Então foi uma anomalia financeira. Agora, para a especulação, para mim existe um mecanismo muito forte, que se chama alíquota zero. E essa defesa da alíquota zero, inclusive, que iria resolver o problema da carne, o nosso pleito é que se estenda também aos insumos agropecuários. Sempre tenho dito, nós reduzimos a alíquota de importação da carne; por que não reduzir a alíquota também do sal mineral, com que nós alimentamos esse boi, do trator que nós usamos no confinamento, da vacina que nós vacinamos esses animais? Infelizmente, a alíquota foi a zero apenas no produto agrícola, nos insumos, ela ainda não chegou nesse patamar.
Rolf Kuntz: Mas [quanto] à questão de curtíssimo prazo, havia a possibilidade de importação imediata do Cone Sul ou o Ministério da Economia teve de efetivamente recorrer à única alternativa disponível naquele momento? Porque a sua proposta de liberar o preço em um momento de especulação, não me parece que fosse estabilizar preço ou baixar preço.
Antônio Cabrera: Eu acredito, Rolf, que a liberação do traseiro não iria afetar o consumo da nossa população de mais baixa renda, que é a nossa maior preocupação, por isso que eu vejo na liberação do traseiro da carne de primeira, como o filé mignon, como o contrafilé, uma das viabilidades para que isso ocorresse. Agora, eu lhe pergunto: o que você faz quando pessoas estranhas à atividade puxam o preço do boi magro?
Rolf Kuntz: Derrubo o preço.
Antônio Cabrera: Como?
Rolf Kuntz: Por aquela importação, por exemplo.
Antônio Cabrera: A importação da Europa, primeiro, você sabe que demora três meses a importação da carne da Europa. O governo não tem condições de internar cem mil toneladas de carne entre 15 e vinte dias. Nós não temos infra-estrutura para isso.
Jorge Escosteguy: Nós vamos precisar fazer um rápido intervalo, voltamos a esse assunto em seguida. O Roda Viva volta daqui a pouco, entrevistando hoje o ministro da Agricultura, Antônio Cabrera. Até já.
[intervalo]
Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva, que hoje está entrevistando o ministro da Agricultura, Antônio Cabrera. Ministro, um pouquinho antes do intervalo o senhor falava com o Rolf Kuntz sobre importação de carne, produção etc. O Vicente Bianchi, aqui de São Paulo, e o João Francisco Amaral, de Croatá, no Ceará... ele telefonou lá do Ceará para saber o que foi feito do fazendeiro que aplicou hormônio no gado. Quer saber se ele está preso. E o Vicente Bianchi pergunta: “Até quando nós continuaremos a comer carne com alto teor anabolizante?”. Pergunta, inclusive, se o senhor hoje come churrasco com tranqüilidade no Brasil.
Antônio Cabrera: Como, sem problema nenhum. Eu diria que, do episódio dos anabolizantes, apenas um proprietário foi preso, porque foi encontrado na propriedade o anabolizante. Dos outros proprietários não encontraram, nós encaminhamos então o processo, a Polícia Federal está interrogando esses proprietários, porque nós queremos saber onde eles compraram esses anabolizantes, já que o comércio é totalmente ilegal. Agora, o que é mais importante: os animais continuam... a fazenda está interditada, inclusive, hoje está uma missão da Comunidade Econômica Européia visitando o Brasil, e vão passar por essas fazendas. Enfim, esses animais não estão tendo nenhum tipo de comércio. Eu diria mais ainda, nós continuamos a fazer os exames, nós temos uma amostragem completa hoje de todos frigoríficos que têm o SIF, o Serviço de Inspeção Federal do Ministério da Agricultura, e eu posso garantir a qualquer dona de casa que essa carne não tem nenhum tipo de problema. Não podemos ainda responder pelos abates clandestinos, é claro, esses não, por isso nós sempre temos...
Jorge Escosteguy: [interrompendo] Os abates clandestinos respondem ainda por quanto do consumo no Brasil, ministro?
Antônio Cabrera: Depende de estado para estado, inclusive nessa idéia nossa...
Jorge Escosteguy: [interrompendo] Rolf fez um sinal ali de 60%, é isso, Rolf?
Rolf Kuntz: [Representa] 50%, 60%.
Antônio Cabrera: Eu diria que a nossa estimativa ficaria entre 30% e 40%, é uma estimativa extra-oficial. Existe uma série de problemas em termos de fiscalização [à carne] clandestina. Primeiro: nós queremos descentralizar, nós temos uma legislação de novembro do ano retrasado que diz que a fiscalização animal e vegetal estadual é responsabilidade dos governos estaduais. Infelizmente, hoje, não temos nenhum estado que cumpra essa lei, então nós queremos descentralizar. A obrigação do Ministério da Agricultura é fiscalizar o que for interestadual e internacional, o que for municipal ou o que circular dentro do estado é atribuição da secretaria estadual.
Jorge Escosteguy: Enquanto não descentraliza, o que é que o povo faz, ministro?
Antônio Cabrera: Procure comprar toda carne que tem o carimbo do SIF, Serviço de Inspeção Federal. E esse item “fiscalização” entra em outro item que está no projeto de reconstrução nacional, que se chama “tributação”. Nós podemos ter o melhor sistema de fiscalização do país, enquanto nós estivermos com essa fiscalização tão alta, com essa tributação elevada, e o próprio nome diz: uma verdadeira carga tributária hoje na agricultura, ninguém irá fiscalizar. Quanto maior a tributação, maior a economia subterrânea.
Jorge Escosteguy: Ministro, a mesma pergunta foi feita pelos telespectadores Marcelo Patriota, Marinho da Rocha, de São Paulo, e Adalberto Silva Mendes, de Curitiba.
José Carlos Salvagni: Eu queria voltar àquela questão que foi levantada aí das importações, mas antes eu quero não deixar passar uma coisa extremamente importante. O senhor falou logo no início... o senhor fez uma tábula rasa das ocupações com os assaltos comuns; essa tábula rasa, acho que seria grave se a gente não esclarecesse pelo menos o que o pessoal conta. A ocupação, como é justificada, tanto das casas no Rio, que são [...] coletivas, como no caso que eu acompanhei, vi desde o início como jornalista lá no Rio Grande do Sul, desde a primeira em 79, 80, [as ocupações] são justificadas via do direito político de resistência. Quando o Estado não cumpre, quando o Estado se recusa a cumprir um dispositivo constitucional, o cidadão pode fazer o Estado cumprir, e claro, aí o conflito se instaura, não é? Então é essa a justificativa que o pessoal tem dado para a gente e que estabelece uma diferença central em relação à ação. Agora, quando o senhor fala dos subsídios, que foi uma grande conquista, aquela questão da alíquota zero para a carne e outras coisas, quando vem de fora e tal, se há um subsídio de fora, quando é internalizado, isso se compensava e portanto o produto de fora vai ao mercado pelo mesmo preço do interno, eu acho que está escondida aí uma malandragem. Veja só, nós, a sociedade brasileira, estamos pagando subsídio indireto, porque o preço no mercado internacional é esse, quer dizer, quanto por cento as bolsas internacionais, digamos assim, comercializam de carne? Quanto por cento as bolsas internacionais, agora, estão aumentando de trigo? Quer dizer, qual é essa bendita, essa ficção do chamado preço de mercado? Eu acho que aqui está escondido um subsídio indireto que nós brasileiros pagamos. Hoje se falou de desregulamentação...
Jorge Escosteguy: A pergunta, por favor, José Carlos.
José Carlos Salvagni: Essas duas aí.
Antônio Cabrera: Bom, eu queria dizer o seguinte: nós não estamos pagando nenhum tipo de subsídio, veja bem, porque o preço da carne não é esse preço que está na Europa. O arroz hoje no Japão custa 15 vezes mais do que o preço do arroz que nós temos aqui no mercado. Então, se você quer chegar à conta do consumidor, veja quanto o consumidor paga lá, não se avalie pelo mercado internacional. Agora, o que nós não podemos permitir é a entrada do produto subsidiado, porque isso é uma concorrência desleal. Ou então nós temos que fazer uma opção: marginalizamos a nossa agricultura e vamos viver da importação de produtos subsidiados. E o Brasil não está em condições de abrir mão disso. Nós somos uma potência agrícola e temos que alimentar adequadamente o nosso mercado externo e gerarmos divisas com as nossas exportações agrícolas. Dessa maneira, nós iremos descapitalizar a nossa agricultura, o nosso agricultor não terá condições. E principalmente num ano difícil como o ano passado, quando faltou crédito, o agricultor teve que plantar com seus recursos praticamente próprios, então nós temos que dar condições. Não queremos favorecimento a ele, nenhum tipo de benesse, nenhum tipo de importação favorecida com alíquota de importação, mas que pelo menos ele possa concorrer no mercado livre.
Bruno Blecher: Ministro, o senhor me desculpe a insistência, mas eu acho que hoje existem no país duas políticas agrícolas: a praticada pelo Ministério da Economia e a defendida pelo Ministério da Agricultura. Eu queria saber: dá para trabalhar desse jeito?
Antônio Cabrera: Dá, claro. Eu não vejo dificuldade nenhuma; o pior é se nós tivéssemos um Ministério da Agricultura que não fizesse política. Pelo menos, nós temos uma política e vamos continuar lutando por essa bandeira, porque o que nós queremos é que a agricultura tenha o seu devido lugar. Eu sempre tenho repetido: nós estamos vivendo uma fase nova da democracia. E para essas instituições democráticas que nós temos hoje, a segurança alimentar é o principal alicerce. Ninguém consegue dialogar com o estômago, porque ele não tem ouvido; nós temos que abastecer adequadamente 150 milhões de brasileiros, esse é um fator de estabilidade social. Na agricultura é assim, ninguém vai construir uma casa, ninguém vai educar uma criança, ninguém vai levar saúde a uma pessoa faminta. Então a agricultura é um dos itens prioritários, essa é a bandeira do Ministério da Agricultura.
Bob Fernandes: A propósito, ministro, novamente nas colunas dos jornais saem notas dando conta de que o senhor estaria se retirando do ministério. A gente tem uma experiência para saber que esse tipo de coisa não acontece por acaso, quer dizer, se está saindo, alguém está falando, e normalmente pessoas bem situadas. Como é que o senhor se sente dentro do governo, o senhor se sente instável ou estável? E quem são os seus adversários? Porque isso não acontece de graça.
Antônio Cabrera: Não, eu não tenho dificuldade nenhuma e jamais pensei em sair do governo. É claro que a vida são altos e baixos, você tem oscilações, têm prós, têm contras, têm vitórias, têm derrotas e isso é normal, não tanto na vida privada, como na vida pública, que agora, pela primeira vez, eu jamais me imaginava ser um funcionário público, acabei me transformando num ministro de Estado. O presidente tem correspondido a todos os nossos anseios dentro do Ministério, tem dado todo o apoio. Agora, é claro, onde você trafega, você vai encontrar inimigos. E o que apenas me chateia quando ocorrem essas notas, porque eu sou uma pessoa muito sincera, se eu discordo de uma política, eu vou criticar aquela política, jamais a pessoa.
Bob Fernandes: Mas o senhor identifica isso partindo de onde?
Antônio Cabrera: Não, não consegui identificar ainda, aliás, se um dia a imprensa pudesse me ajudar nesse sentido, eu agradeceria. Mas o que me chateia é quando partem para o lado pessoal, dizendo que fulano falou isso de tal pessoa. Não, se eu tiver que criticar alguma coisa, critico a política, critico a estrutura política, mas jamais eu vou atirar farpas em alguém em termos de pessoa, de sentimentos ou esse tipo de coisa.
Bob Fernandes: Isso não sai do outro lado da Esplanada, não?
Antônio Cabrera: Eu espero que não, pelo menos do lado do Ministério da Agricultura, eu sempre disse: se fosse caso de bandeira branca, nós já levantamos uma bandeira branca a mais de cem metros de altura, e nós não queremos esse tipo de confronto. Eu fico muito contente, inclusive, que a ministra tenha aceitado um convite nosso. Nós vamos agora passar quatro dias de reclusão completa, são 160 principais dirigentes do Ministério da Agricultura... todo funcionário do Ministério que tenha poder de decisão, nós vamos passar quatro dias juntos: 25, 26, 27 e 28 num encontro de dirigentes do Ministério da Agricultura. E a ministra vai explicar o plano econômico, a situação econômica do país no dia 25. Quer dizer, a situação...
Bob Fernandes: [interrompendo] Vão fumar o cachimbo da paz, então.
Antônio Cabrera: Não tenha dúvida disso. A agricultura está acima de qualquer coisa.
Randau Marques: Ministro, quando o senhor recomenda que a população não deixe de comer churrasco, o senhor, que é conhecido pela sua predileção pela carne de búfalo, não está se referindo a churrasco de búfalo? Num país onde 60% dos abates são clandestinos, onde os anabolizantes são usados fartamente, e seu endereço mais comum de compra é na fronteira, em Pedro Juan Caballero [cidade do Paraguai que faz fronteira com Ponta Porã (MS)], ou seja, de onde se escoa livremente para cá, como parte do contrabando neste país, como é que fica a questão da saúde do brasileiro? Nós vivemos em um país de paradoxos: segundo a FAO [Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação], entre sessenta e noventa milhões de brasileiros vivem com uma subnutrição crônica, ou seja, até quase metade da população aí estaria realmente com um rendimento muito baixo de proteínas. Por outro lado, o Ministério da Agricultura, em suas gestões passadas, deve ao país toda uma infra-estrutura de serviços epidemiológicos. O Segundo Plano Nacional da Agricultura do início da década de sessenta previa seiscentos toxicológicos para aferição da sanidade dos produtos oferecidos por essa agricultura. Todos os demais institutos previstos pelo plano da soja, do milho, tudo isso foi para frente, menos a infra-estrutura que vai garantir a saúde dessa população, que já tem o câncer como uma das suas principais causas de mortalidade. Qual a garantia da população contra os agrotóxicos, contra os anabolizantes, contra os hormônios? Ou o senhor acha que a carne de búfalo realmente, como o senhor é um grande criador e consciencioso, permanece sendo uma grande opção para o brasileiro?
Antônio Cabrera: Eu queria dizer que eu não tenho tanta predileção assim pela carne de búfalo, é que eu apenas sou mais um criador, não só crio búfalo, crio bovino. Eu sempre tenho dito: se eu criasse coelho, apenas criasse coelho, todo mundo ia me associar com a carne de coelho, então tanto faz para mim a carne bufalina ou a carne bovina, não teria problema nenhum. Infelizmente, nós herdamos um Ministério da Agricultura que não tinha o aparato técnico capacitado para fazer não só análises de hormônios, como de metais pesados, organoclorados, pesticidas, agrotóxicos de uma maneira geral, infelizmente isso é verdade. Sulfas, por exemplo, começamos a fazer agora em janeiro, exames para detecção de sulfas; nós tivemos que importar equipamentos, tivemos que mandar técnicos ao exterior, porque nem as provas químicas nós não sabíamos fazer. Então é uma luta, é uma herança que nós estamos recebendo e estamos tentando e vamos mudar isso. Eu diria que a maior segurança que eu posso dar à dona de casa, e eu tenho repetido isso diversas vezes: pela primeira vez, um médico veterinário é ministro da Agricultura. Isso serve e esclarece a população, a maneira como nós estamos encarando tanto a defesa animal como a defesa vegetal. E eu concordo, a questão da desnutrição é gravíssima. Eu queria fazer um parêntese: nós vamos pedir o apoio de toda a sociedade a respeito da tributação. Veja, quando uma dona de casa vai ao supermercado, no carrinho que ela está comprando de alimentos, 30% são tributos. Então, eu posso dizer para você que hoje a tributação sobre o produto agrícola, sobre o arroz, sobre o feijão é um dos principais causadores de desnutrição neste país, porque com a retirada do tributo, você vai aumentar o poder aquisitivo da população, porque ele vai ter maior salário para comprar o seu alimento, sem greves, sem dissídios coletivos, você vai poder elevar a comida à volta do nosso trabalhador. Essa é uma das bandeiras e um dos itens que estão no “Projetão”. Eu sei que é difícil, eu sei que nós vamos ter que dialogar muito com os nossos governos estaduais. Mas nós não podemos continuar sem ter seletividade de impostos, ou seja, o quilo da cesta básica pagar o mesmo imposto que os produtos supérfluos, como hoje nós pagamos no Brasil.
Randau Marques: Enquanto o Ministério da Agricultura não é aquele dos sonhos do ministro e de todos os brasileiros, quem cuida da segurança alimentar, uma vez que na delegação dessas responsabilidades aos estados, o Ministério da Agricultura está levando tal responsabilidade a estados despreparados, que não possuem institutos como o Adolfo Lutz aqui em São Paulo, que não possuem equipamentos, laboratórios e tudo mais? Por outro lado, a carne para exportação, já por conveniência dos próprios exportadores, ela está isenta desses produtos químicos, porque sabem que eles serão barrados lá fora. Os supermercados brasileiros sempre foram inundados por produtos brasileiros de exportação que eram simplesmente barrados no mercado internacional e voltavam, eram vendidos e comercializados livremente e impunemente aqui. Hoje, já não acontece mais isso, mas continua o abate clandestino. Então, eu pergunto, ministro, qual a segurança da saúde pública brasileira? Quando é que este país vai ter um sistema epidemiológico de prevenção com laboratórios e tudo mais? Ou seja, quando a questão do alimento vai chegar a ser contemplada pelo Código do Consumidor em tão boa hora baixado?
Antônio Cabrera: Veja bem, embora seja obrigação dos estados, o Ministério da Agricultura não está abrindo mão, nós estamos continuando a fiscalizar, e não é difícil. Cerca de 80% do rebanho brasileiro estão concentrados em quase 40% da região do país. Então, embora nós estejamos trabalhando com um continente, em termos sanidade, principalmente a sanidade animal, em que nós somos mais deficientes, eu não vejo grande problema em relação a isso. E posso garantir que isso seria o ideal, que em cada estado pelo menos nós tivéssemos um laboratório para cada um desses produtos. Como nós não temos, o que nós fizemos? Isso que é a garantia que nós vamos dar à população: nós temos um convênio com os Correios; os nossos veterinários, se no estado de Minas Gerais, por exemplo, nós não temos um laboratório especializado, nos frigoríficos nós coletamos amostras, que são colocadas em caixas – tudo isso nós tivemos que fazer em um ano de governo –, em caixas apropriadas e são mandadas, por exemplo, ao nosso laboratório aqui em Campinas. É uma amostra realmente aleatória, não existe definição daquele ou deste proprietário, e o mais importante: se essa carne é para o mercado interno ou para a exportação. Hoje não há diferença nenhuma na fiscalização, até poderia haver no passado.
Randau Marques: E os agrotóxicos, ministro?
Antônio Cabrera: Hoje nós estamos também fazendo análise completa de todos os organoclorados, todos, sem exceção, coisa que nós não tínhamos no passado. Se hoje um produtor errar a dosagem num banho de carrapaticida e não respeitar o período de carência e abater aquele animal, aquele animal vai ser detectado na análise. E vou lhe dizer mais uma coisa, apenas para você ter uma idéia: nós não divulgamos isso à imprensa, não vamos divulgar, queremos resolver o problema. Nós temos uma pequena propriedade com 49 animais, é um pequeno agricultor que vive do leite daquelas vacas; a fazenda vizinha tem uma grande plantação de eucalipto, usou um inseticida chamado Mirex; choveu, e esse inseticida contaminou as 49 cabeças desse agricultor. Nós vamos ter que abater esses animais e estamos procurando uma solução para esse pequeno agricultor, porque quando nós abatermos os 49 animais, ele não vai ter mais nenhuma outra atividade econômica a desenvolver.
Randau Marques: O Mirex é proibido.
Antônio Cabrera: Pois é, o vizinho...
Francisco Graziano Neto: [interrompendo] Eu queria aproveitar essa coisa do carrapaticida e do Mirex para discutir um assunto aqui diferente, mas muito relacionado a isso, relacionado à pesquisa agropecuária. Eu, como sou uma pessoa da universidade, aliás da mesma que lhe formou [a Unesp], acho que uma das funções primordiais do Estado, do Estado moderno atuando na agricultura, se me permite o ministro, é menos cuidar de aspectos ligados a fazer política e muito essa coisa de ficar defendendo agricultura, especialmente lobbys e grandes agricultores, e por exemplo fazer, como você sabe e tem falado aí, a inspeção de produtos, a defesa agropecuária e, no meu ponto de vista, principalmente estimular pesquisa agropecuária, para quê? Para que se possa gerar tecnologias adequadas aos ecossistemas que nós temos, para que se possa gerar tecnologias que sejam menos agressoras ao meio ambiente, para gerar tecnologias que possam aumentar a rentabilidade do agricultor e não ficar nessa eterna discussão: se precisa de mais crédito ou menos crédito na questão do preço. Ora, se você consegue gerar tecnologia que permita produzir a carne, o arroz, o feijão, o leite ou a fruta com custos menores, o agricultor, evidentemente, mesmo que seja no mesmo nível de preço, ele vai ter rentabilidade melhor, pagar maiores salários etc. Eu lhe pergunto, ministro, como está a Embrapa no governo federal? Quanto ganham os pesquisadores da Embrapa, do governo federal? Ganham o mesmo que os pesquisadores do agronômico aqui de São Paulo, do Instituto Biológico, que mal dá para sobreviver com sua família? Como está o arrocho salarial? Como está o arrocho de crédito das instituições de pesquisa? Porque o que nos parece, trabalhando nessa área, é que houve um nivelamento geral: cortam-se despesas, cortam-se despesas em tudo, certo? Fecha-se o IAA [Instituto do Açúcar e do Álcool], que era um instituto de pesquisas que tinha importância, porque gerava pesquisa, e a Embrapa, ao que nós sabemos, passa por uma situação de penúria extremamente grande, como passa toda a área de pesquisa. Você não acha que a pesquisa deveria ser mais prioritária? Não se deveria falar mais de pesquisa e menos de política no Ministério da Agricultura?
Antônio Cabrera: Então, eu vou lhe dar um pequeno exemplo de por que nós fazemos política no Ministério da Agricultura. Primeiro, consciência da pesquisa não é necessário esclarecer, eu sempre tenho dito: a pesquisa é a principal ferramenta que nós temos para combater a fome; quanto maior o grau de subsistência da agricultura, maior a dependência do risco, maior a dependência da natureza; quanto mais desenvolvida tecnologicamente uma agricultura, maior a segurança alimentar, maior o abastecimento na entressafra. Por exemplo, a irrigação, uma simples tecnologia que nós ainda utilizamos em apenas 3% da nossa área agricultável do país. O desenvolvimento da tecnologia, as tecnologias que poupam a terra, como os fertilizantes, como os defensivos, a tecnologia que poupa o trabalho dos equipamentos de irrigação, novos equipamentos agrícolas, as tecnologias que poupam o produto, enfim, todas essas tecnologias, nós temos consciência disso e da sua importância. A Embrapa não passa por facilidades, [mas] também não está em um quadro de penúria tão grande. O orçamento da Embrapa hoje gira em torno de 250 milhões de dólares. Não é o ideal, o ideal seria acima de setecentos milhões de dólares, numa justificativa, eu diria, até honesta, sem nenhum tipo de constrangimento. Agora, para isso, nós temos que ter política no Congresso Nacional, temos que ter uma movimentação para que possamos ter o orçamento adequado da Embrapa. E conseguimos isso hoje. Já enviamos o projeto 03 de 91 ao Congresso Nacional, em que nós iremos abrir mão de 8% do Imposto de Renda para que esses recursos sejam aplicados em pesquisas. Ou seja, o governo federal vai abrir mão de um de seus principais tributos, que é o Imposto de Renda, e destinar 8% desse Imposto de Renda para a pesquisa. E o que é mais importante: não só a pesquisa federal, como também a pesquisa estadual. Então, o nosso Instituto Agronômico [IAC] aqui de Campinas poderá usufruir de uma companhia, de um grande produtor ou até de uma multinacional, que assim seja, 8% desse Imposto de Renda poderá ser aplicado na pesquisa. Nós temos a certeza de que com essa medida, e aí nós temos que ter política para conseguir um projeto como esse e ser aprovado no Congresso Nacional. Porque, por exemplo, existem bancadas que não querem esse tipo de projeto, por incrível que pareça, porque eles acreditam que diminuindo a arrecadação de Imposto de Renda vai se diminuir o repasse aos estados e até aos municípios. Então, tem que se ter consciência política para que isso seja aprovado e possamos ter esse instrumento. E mais ainda, nós temos que trazer a iniciativa privada a participar. Nós temos interesse na Embrapa em fazer associações com empresas privadas, e a Embrapa, principalmente aos grandes agricultores, possa vender a sua tecnologia, e não apenas produzir essa tecnologia e não usufruir financeiramente desses recursos.
Jaime Matos: Quanto de dinheiro vai para a pesquisa hoje, no total, em área oficial? Em segundo lugar, o Ministério da Agricultura sabe quem está pesquisando o quê? Ou seja, tem um banco de dados? Porque isso a gente percebe muito que, às vezes, tem pesquisas iguais ou complementares, um sujeito aqui e outro lá no Maranhão, e um vai morrer sem saber da existência do outro. Então, não seria o caso de começar isso já, mapear, fazer um banco de dados do que já existe? Então, o valor da pesquisa e essa consolidação.
Antônio Cabrera: Em termos de pesquisa federal, na agropecuária, o orçamento é de 250 milhões de dólares. O que nós temos... também houve isso, como eu sempre tenho dito: a lei agrícola foi um passo importante, porque na lei agrícola existe um artigo que sana exatamente esse tipo de problema, que é o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária a ser coordenado pela Embrapa. Porque nós não podemos deixar que o Instituto Rio Grandense do Arroz [no Rio Grande do Sul] faça a mesma pesquisa do arroz que o nosso Centro Nacional de Pesquisas de Arroz e Feijão, em Goiânia, esteja fazendo. Nós não podemos ter duplicidade de função, principalmente quando nós temos escassez de recursos, porque a verdadeira economia é a administração da escassez. Então nós temos que praticar também o ato de um economista junto à nossa pesquisa agropecuária.
Jorge Escosteguy: Ministro, o senhor falou em recursos, em administrar recursos; no primeiro bloco, o senhor disse que o governo está quebrado. Aí o Augusto Vianasi, um telespectador lá de Assis, telefonou e disse: “O senhor disse que o governo está quebrado, então como fica a história do refinanciamento dado aos usineiros do Nordeste?”
Antônio Cabrera: Bom, eu não poderia responder por isso, porque eu não sou do Ministério da Economia. Em termos de Banco do Brasil, de Ministério da Economia, a nossa luta para conseguir esses recursos está extremamente difícil. E no caso dos usineiros, pelo que eu sei, é uma repactuação da dívida.
Jorge Escosteguy: O que o senhor acha? Ainda que não seja do Ministério da Economia, qual é o seu ponto de vista? O senhor falou há pouco da democratização do debate do governo etc.
Antônio Cabrera: A minha opinião, a minha opinião é que todo o crédito deve ser prioritário para a produção da cesta básica, principalmente arroz e feijão. Aqui no caso do Centro-Oeste, mandioca, e trigo no Sul, mandioca no Nordeste e trigo. Esses são os produtos prioritários, que é o que nós defendemos na lei agrícola, e principalmente se fossem pequenos agricultores, nós temos que dar garantia a eles de que tal maneira que se ele for ao banco hoje, tomar um financiamento de trinta sacas de arroz, quando ele for pagar o financiamento, ele paga trinta sacas de arroz. Esse é o ponto do Ministério da Agricultura.
Nivaldo Manzano: Ministro, retornando à questão da pesquisa, parece que o senhor brevemente vai anunciar o plano de cem milhões de toneladas, baseado no estudo da Embrapa, que mostra que com a tecnologia disponível hoje, quer dizer, sem investimento algum adicional em pesquisa, é possível, em quatro anos, chegar a cem milhões de toneladas. Isso sob o aspecto técnico, não financeiro, que eu estou falando, pesquisa. Então se observa no ministério, de fato, uma preocupação em fazer com que essa tecnologia chegue ao campo. Ao mesmo tempo, nós assistimos a um desmantelamento da assistência técnica das Ematers no Brasil todo [Emater: Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural]. O governador da Bahia [Antônio Carlos Magalhães] acaba de anunciar o fechamento da Epaba, que é a Empresa de Pesquisa Agropecuária da Bahia, e da Emater baiana. É da responsabilidade estadual, e o governo federal nada tem a ver com isso. A minha pergunta é: uma vez que os estados, como o da Bahia... porque as Ematers estão se desmantelamento em toda parte: em Minas Gerais, com [o governador] Newton Cardoso no ano passado, também a Epamig [Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais] [está] muito esvaziada. Uma vez que os estados não têm talvez condições financeiras de assumir tanto a pesquisa como a assistência técnica, e o ministério se proponha, junto com a Embrapa, a fazer com que a produtividade aumente com a absorção das tecnologias geradas, eu pergunto: que tipo de ação supletiva o ministério poderia realizar, uma vez que as Ematers não estão conseguindo responder à demanda que se faz sobre elas?
Antônio Cabrera: Embora o Serviço de Extensão Rural não esteja totalmente sob a nossa responsabilidade, nós temos recursos que estamos repassando aos estados para as Ematers estaduais. Então, veja bem, se o estado não tiver, não vai receber o recurso. Esse é o primeiro instrumento que nós temos de pressão para que permaneça o Serviço de Extensão Rural. Agora, chegou o momento, e eu sempre tenho dito que chegou o momento de a agricultura aprender a fazer política, chegou o momento de colocar na balança o que a agricultura paga em tributos e o que ela recebe em incentivos ou em pesquisa rural. Você pode ter certeza de que a maioria desses municípios do interior do país vive basicamente da tributação sobre a agricultura. Por isso que o estudo do Banco Mundial diz que no Brasil, do pós-guerra até os dias de hoje, nós temos uma transferência de 30% da renda do campo para a cidade, como? Principalmente na tributação do ICMS. Nós temos, por exemplo, municípios no Brasil Central que vivem basicamente do [...] ICMS na soja. Nós recebemos depois esse prefeito no gabinete em Brasília, que chega e vira: “Ministro, o senhor tem que providenciar as estradas do meu município, porque senão nós não vamos conseguir escoar a produção de soja do meu município”. Então, veja bem, isso não é mais atribuição do Ministério da Agricultura. Aquele município, você pega o orçamento, 97%, 95%, dependendo do município, vêm da tributação sobre a soja. Quando você pega o orçamento daquela prefeitura, não existe nem a rubrica “agricultura”, tudo foi arrecadado no campo, e se faz uma escola na cidade, se faz uma praça, se faz um campo de futebol, se asfalta, se faz guia, e nada retorna em serviço de extensão rural, em assistência, em preservação de estradas, em conservação de solo, nada.
Nivaldo Manzano: A questão é: quantos agricultores são vereadores? Começa por aí a base política.
Antônio Cabrera: Então, esses agricultores começam agora a colocarem na balança o que eles pagam em tributação. O que nós queremos é que uma parcela desses recursos retorne à agricultura, é essa a nossa bandeira, é isso que nós queremos fazer.
Rolf Kuntz: É sabido que a maior parte das decisões a respeito da política de café ainda está com o Ministério da Economia, mas, apesar disso, eu queria a sua opinião a respeito de algumas questões ligadas ao café. Em primeiro lugar, em sua opinião, era realmente necessário suspender os registros de exportação do café naquele dia, creio que 21 de março? Quando se anunciou que o ministério iria reestudar a possibilidade da reativação das cláusulas econômicas do acordo, muitos produtores e muitos exportadores disseram que não era necessário, e eu na verdade não vi nenhum bom argumento a favor disso. Em segundo lugar, eu gostaria de saber se o senhor tem alguma explicação para o que aconteceu na bolsa de Nova Iorque antes da divulgação da notícia aqui. Em terceiro lugar, eu queria saber a sua opinião sobre a possibilidade de uma reativação desse acordo internacional, das cláusulas econômicas. Dizem que o Ministério da Economia se dispôs a rediscutir o assunto porque isso estaria vinculado com a renegociação da dívida externa. Qual é a sua opinião sobre tudo isso?
Antônio Cabrera: Primeira pergunta, nós não éramos favoráveis ao fechamento dos registros. Segundo, nós não temos explicações para o que ocorreu na bolsa de Nova Iorque e esperamos que essa comissão apure e dê uma satisfação à sociedade.
Jorge Escosteguy: Desculpe, ministro, para os telespectadores entenderem, o senhor poderia nos contar o que aconteceu na bolsa de Nova Iorque?
Antônio Cabrera: As acusações que ocorrem, que foram manifestadas, é que houve uma especulação e que pessoas, usando dessa informação, fizeram contratos na bolsa. Quando o Brasil fechou os registros, ou seja, o Brasil fechou as exportações de café, é claro, o preço no mercado internacional subiu. Essas pessoas tinham comprado café barato, revenderam esse café a um preço mais alto e ganharam dinheiro. Essas são as informações que correm por aí. O que nós queremos é que essa comissão apure realmente se alguém deteve informação privilegiada, jogou na bolsa e ganhou dinheiro com esse tipo...
José Carlos Salvagni: [interrompendo] O senhor foi consultado?
Antônio Cabrera: Não, o Ministério da Agricultura não foi consultado sobre isso. E nós somos da opinião de que, no caso da Organização Internacional do Café, nós não devemos assinar as cláusulas econômicas. A nossa proposta é de que a Organização Internacional do Café seja uma entidade em termos de divulgação de informação, uma autoridade máxima em termos de previsão de safra, por exemplo, para que não ocorra o que ocorreu o ano passado, quando a USDA, Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, superestimou a safra brasileira e [por isso] derrubou os preços no mercado internacional. Eu tenho um argumento muito simples: de 19 67 a 1987 as exportações de café no mundo aumentaram 39%, o Brasil aumentou 1,2%, ou seja, quem realmente cumpriu o acordo internacional do café foi o Brasil, porque as nossas exportações estacionaram e outros países, africanos, países da América Central usufruíram do acordo e aumentaram as suas exportações. Nós temos que ter livre mercado também no café: ficar quem tem qualidade e competitividade.
Rolf Kuntz: Agora, por que o Ministério da Economia decidiu reexaminar o assunto? Existe de fato algum vínculo entre isso e a renegociação da dívida?
Antônio Cabrera: Que eu saiba, não. [Segundo] as informações que nós estamos recebendo do Ministério da Economia, eles querem consultar a classe produtora. Eu posso dizer que...
Bob Fernandes: [interrompendo] Mas isso quem faz é o Ministério da Economia ou é o senhor, que inclusive é o articulador político nesse setor?
Antônio Cabrera: Não, eu diria que nunca o café... eu sempre tenho dito que, embora o Brasil seja uma das maiores potências agrícolas do mundo, nunca o café esteve no Ministério da Agricultura, cana[-de-açucar] nunca esteve no Ministério da Agricultura, borracha não está no Ministério da Agricultura. Então são distorções da nossa agricultura que eu espero, num futuro breve, sejam corrigidas. Pela primeira vez, o café começa a vir para o Ministério da Agricultura; em termos de pesquisa já está conosco, diversos patrimônios do IBC [Instituto Brasileiro do Café] estão sendo repassados ao Ministério da Agricultura.
José Carlos Salvagni: Eu vou na cola do Rolf. Eu queria fazer três perguntas rapidinhas, pingue-pongue. Primeiro lugar: ele levantou a questão de Pedro Juan Caballero, e eu solicitei no Chile, há poucos dias, houve uma reunião de ministros do Cone Sul, e parece que em sessenta dias vai entrar um novo critério sanitário, pelo menos para os países do Cone Sul. Maravilha, um mercado comum, a gente sempre sonhou com isso, espero que não seja por causa do [presidente dos Estados Unidos, George H. W.] Bush, mas a gente sempre sonhou com isso. Mas será que não vai piorar ainda mais, não há o risco de piorar ainda mais essa estrutura sanitária fraca? Segundo: falando de escândalos aqui, o DCI pelo menos tem denunciado isso, tem lembrado que essa desregulamentação que está sendo anunciada hoje do crédito rural pode fazer retornar, quer dizer, no passado nós tivemos grandes escândalos: o [do] adubo-papel, [o da] mandioca e lá vai coisa. Não pode voltar sem nenhum controle? Terceira: o DCI apontou, neste fim de semana, que se o Sul teve um violento problema com o negócio de seca, o Centro-Oeste teve um ano excelente, tanto é que nós vamos ter mais milho, nesses estados maiores, nós vamos ter mais milho que no ano passado, por exemplo.
Antônio Cabrera: Exato.
José Carlos Salvagni: Eu gostaria de saber quais são os números... em primeiro lugar, se os produtores não bobearam de cair nessa choradeira sempre: não, imagina, está faltando dinheiro. De repente, perderam um excelente ano. E quais são os números do Ministério da Agricultura?
Antônio Cabrera: Bom, primeiro na questão do Cone Sul, não é que daqui a sessenta dias nós vamos ter um novo tratado sanitário. Existe um prazo de sessenta dias para que os países do Cone Sul apresentem quais são os problemas que nós temos hoje de fronteiras. E aí então serão feitas novas reuniões para serem sanados. Qual é a dificuldade hoje que tem de o boi em pé do Uruguai entrar no Brasil? Qual é a dificuldade de exportações em duplo sentido? É isso que nós queremos fazer, tanto na área vegetal como na área animal, e isso é inegável, não podemos fugir a esse desafio, nós temos que abrir as fronteiras, porque nós temos que criar um mercado como é a Europa, que é muito mais diversificada e vai criar o seu mercado. Existe até um ditado que as nações latino-americanas já usufruíram e tiveram a alegria da sua independência, agora vão ter que assumir as responsabilidades da interdependência. Nós não podemos fugir a esse desafio. A segunda pergunta era a respeito...
José Carlos Salvagni: Desregulamentação.
Antônio Cabrera: Desregulamentação. Primeiro, que essa regulamentação, essa posição firme do Estado fiscalizando o crédito rural era necessária quando nós tínhamos subsídios na agricultura. Hoje nós não temos subsídios, hoje é praticamente juro de mercado que nós temos na agricultura. Eu não diria que essa medida irá aumentar as fraudes no crédito rural. Porque, veja bem, no caso da comprovação da compra de adubo, não é que agora o agricultor não vai ter que comprovar, ele vai ter que guardar a documentação. Até então, ele era obrigado a... ele comprou cem quilos de adubo, ele comprou uma tonelada de adubo, ele era obrigado a pegar essa nota e levar ao banco, apresentar essa nota ao banco para ter liberado o seu crédito. Agora, a única a desburocratização é que ele não tem mais que levar essa nota ao banco, mas ele tem que guardar essa nota na sua fazenda. Eventualmente, se uma fiscalização ocorrer na sua propriedade, ele é obrigado a apresentar aquela nota. Então, a desregulamentação é no sentido de apresentar papéis... Em qualquer financiamento do Brasil você tinha que apresentar esse tipo de documento. E aí, inclusive, é que ocorriam fraudes. Veja bem, existia a liberação obrigatória do recurso ao fornecedor. Então, ao invés de você liberar o recurso ao produtor, às vezes você liberava uma firma de adubo, repassava o dinheiro direto a uma firma de adubo. E, às vezes, essa firma tinha mais contato com o banco, e ela vendia mais adubo porque ela facilitava o financiamento. Agora não. Nós damos a carta de crédito ao agricultor e com essa carta de crédito, vamos dizer assim, ele pode negociar com qualquer firma de adubo, mas ele é obrigado, se houver uma fiscalização, a apresentar a nota fiscal comprobatória daquele instrumento que ele comprou. E no caso de equipamentos agrícolas como tratores, colheitadeiras, em trinta dias ele é obrigado a apresentar a documentação. Então a desregulamentação é para facilitar a vida do cidadão, mas não de tal maneira que nós vamos aumentar a fraude, de modo nenhum. E em termos de estimativas de produção, nós estamos com a mesma estimativa há muito tempo. A nossa safra será em torno de 58 milhões de toneladas de grãos.
José Carlos Salvagni: Isso incluindo cereais de inverno ou não?
Antônio Cabrera: Também.
José Carlos Salvagni: [O senhor disse] 58 [milhões]?
Antônio Cabrera: [Disse] 58 milhões de toneladas grãos.
José Carlos Salvagni: O senhor está diminuindo, porque eram sessenta [milhões].
Antônio Cabrera: Não, sempre defendemos essa posição: [entre] 58 e sessenta milhões de toneladas, sempre declaramos isso.
Bob Fernandes: Vamos ter problema de abastecimento, ministro?
Antônio Cabrera: Vamos ter problemas na área de milho, vamos ter que importar milho, vamos ter que importar arroz e talvez leite.
Nivaldo Manzano: Ministro, é fato notório que o ministério tem perdido poder nos últimos tempos: perdeu o comando da política agrícola; não dispõe sobre crédito; perdeu corpo técnico, que é [...] que foi para o Ministério da Economia. O Ministério não dispõe hoje de técnicos sequer para prestar informações ao ministro sobre informações de mercado, que devem ser publicadas por lei, e elas não são publicadas atualmente. Aquele boletim da [...] desapareceu e nada disso hoje vai ao mercado, nem sequer, suponho, subsidia o ministro. Então, entende-se que o senhor... porque o senhor tem andado pelo país afora mobilizando a classe para que os agricultores ocupem o espaço na arena política que eles não ocuparam ainda. A pergunta é: o senhor não teme que, em razão do sucesso dessa sua peregrinação, o senhor dê uma trombada no governo?
Antônio Cabrera: [ri] De modo algum, porque eu faço parte do governo. O que eu quero fazer é ajudar o barco do governo a ir mais adiante. Mas eu diria o seguinte: primeiro, nós não tínhamos as informações, agora temos. Nós reestruturamos, por exemplo, todo nosso serviço de informação, o Sima, como assim é chamado. Hoje nós temos cotação, por exemplo, da abobrinha em todos os pontos onde ela é vendida no país, e isso é fornecido diariamente do Ministério. Nós estamos inclusive entrando em contato com os principais jornais e colocando à disposição esse material do Ministério da Agricultura. Ninguém pode hoje fazer uma administração sem ter informação na mão, isso é vital, o conhecimento, a informação do mercado diário. Eu não diria que o Ministério da Agricultura perdeu poder, eu diria que o Ministério da Agricultura nunca teve poder. Eu sempre tenho repetido uma história que meu avô me contava quando eu era muito criança, ele falava: “Neste país, infelizmente, os negócios da fazenda têm que ser resolvidos no Ministério da Fazenda”. Então, na época do meu avô, já era assim, não era no Ministério da Agricultura, era no Ministério da Fazenda. Isso é uma tradição que nós temos que aceitar.
Jorge Escosteguy: Ministro, o senhor falou em abastecimento, problemas de abastecimento, e há aqui quatro telespectadores perguntando pelo feijão: está faltando feijão. A Elisabeth Santos, o Antônio Rodigolo, de São Paulo, Antônio Carlos Souza, de São Miguel Paulista, e Paulo Storti, de Campinas... o Paulo, inclusive, diz que a crise do feijão é conseqüência de tabelamentos anteriores e vai se agravar. “Daqui a quatro meses começa o plantio de inverno e muitos produtores deixarão de plantar, pois o custo de produção é maior que o da tabela”.
Antônio Cabrera: É importante realçar que o abastecimento não é da competência do Ministério da Agricultura, nós estamos auxiliando o Ministério da Economia e já há promessa de essas câmaras setoriais promoverem uma flexibilização e um acerto em cada um dos setores. O que eu quero dizer é que nós vamos ter problemas de abastecimento em razão desses problemas climáticos. E a seca do Rio Grande do Sul serve para realçar o tratamento que a agricultura deve ter, porque eu sempre tenho dito: a agricultura é um contrato de risco com o tempo. Então não existe nenhuma atividade que depende tanto da natureza como a agricultura, isso deve reforçar a maneira como nós devemos encarar a agricultura. Mas com essas importações, nós iremos abastecer o mercado, eu tenho certeza de que não irão faltar produtos.
Jorge Escosteguy: Agora o feijão. Ainda que algumas coisas não sejam da competência do Ministério da Agricultura, enfim, pessoas como Paulo Storti querem saber o que o governo ou o que o Ministério da Agricultura podem fazer em relação ao problema do feijão.
Antônio Cabrera: Nós fizemos uma proposta ao Ministério da Economia para que agora, nessa nesse início da segunda safra, houvesse uma liberação muito grande de recursos. Nós temos três safras de feijão, essa segunda safra era a safra mais importante, porque é uma safra em que você planta praticamente em todo o país, porque você não tem que transportar produtos pelo Brasil, você facilita a normalização do abastecimento, e é a safra que produz cerca de 52% da produção total de feijão. Nós ainda continuamos a pleitear para que isso realmente não atrase.
Jorge Escosteguy: O nosso tempo está chegando ao fim... O senhor falou muito em política, disse que a agricultura tem que aprender a fazer política. Então o senhor diz que está fazendo política, e eu lhe pergunto – o senhor tem trinta anos, trinta para 31 – se o senhor vai abandonar ainda mais a sua criação de búfalos e se dedicar à política. Quais são os seus planos políticos? E aí a Luiza Matsutani, de Santana do Parnaíba, faz uma pergunta que já derrubou alguns candidatos a político em programas de entrevista.
Antônio Cabrera: [ri]
Jorge Escosteguy: Ela pergunta se o senhor sabe quanto custa um quilo de carne.
Antônio Cabrera: Eu queria dizer o seguinte: eu não sei se estou fazendo política, eu tento defender a política para os agricultores, é isso que é mais importante, porque eu aprendi, eu era um empresário, nunca assinei ficha de filiação a um partido político e agora, como ministro de Estado, aprendi que se você não fizer política, você não consegue nenhum dos seus pleitos, você não vai conseguir recursos para a pesquisa, você não vai ter recursos para a irrigação e assim por diante. Então, a nossa convocação não é que o ministro faça política por ele, mas é que a Agricultura possa fazer política, porque dessa maneira toda a sociedade irá sair ganhando. É claro, eu sou pecuarista, não poderia ficar sem saber o preço da carne. Hoje a arroba oscila de 4,7 mil a 5 mil cruzeiros.
Jorge Escosteguy: Mas se o senhor for comprar um quilo de alcatra no açougue, o senhor sabe qual é o preço?
Antônio Cabrera: Hoje o quilo de alcatra deve estar em torno... Bom, o [preço do] quilo de alcatra eu não saberia hoje [ri].
Jorge Escosteguy: Para encerrar, o Bob prometeu fazer uma pergunta bem curtinha, porque o nosso tempo já está esgotado.
Bob Fernandes: O senhor é produtor, se manifesta como produtor e o senhor está ministro. Como o senhor dirime o conflito na hora fatal?
Antônio Cabrera : Sou ministro e defendo o presidente, defendo o governo. Eu acho importante a nova mentalidade que o presidente traz para a política, de uma maneira geral, que é que ele tenha pessoas do setor em cada uma das suas pastas.
Bob Fernandes: Não há um conflito entre o produtor e o ministro [...]?
Antônio Cabrera: Não, eu jamais irei abrir mão de defender o presidente, porque o presidente é que me deu a oportunidade de estar aqui. Sempre defenderei a minha opinião, mas a decisão do senhor presidente é soberana, é claro que eu acatarei.
Jorge Escosteguy: Ministro, infelizmente nosso tempo está esgotado. Nós agradecemos à presença esta noite aqui no Roda Viva do ministro da Agricultura, Antônio Cabrera, e também aos jornalistas convidados. Lembramos aos telespectadores que as perguntas que não puderam ser feitas ao vivo ao ministro serão entregues a ele após o programa. O Roda Viva fica por aqui e volta na próxima segunda-feira às nove horas da noite. Uma boa noite a todos e até lá.