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Memória Roda Viva

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Leonel Brizola

17/8/1992

"O que eu desejo? Preservar as nossas liberdades. Eu estou vendo a luta desses brucutus, um quer derrubar o outro só para subir no lugar do outro", diz o governador a respeito das denúncias contra o presidente Collor

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[programa ao vivo]

Jorge Escosteguy: Boa noite. Foi um domingo de guerra de cores no Brasil. Uma guerra, tudo indica, vencida facilmente pelo negro. Milhares de pessoas foram às ruas em todo país protestar contra o presidente Fernando Collor. E é curioso que eles foram às ruas convocados pelo próprio presidente, que pediu à população que agitasse bandeiras, panos verdes e amarelos no domingo em sinal de apoio a ele. As pessoas preferiram sair às ruas e vestir o negro do luto em protesto. Hoje no Roda Viva que está começando agora pela TV Cultura de São Paulo, nós vamos falar de política. No centro do Roda Viva está sentado o governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola. Lembramos que o Roda Viva também é transmitido ao vivo pela TV Minas Cultural e Educativa, TVE da Bahia, TVE do Ceará, TVE do Piauí, TVE de Porto Alegre, TVE de Mato Grosso do Sul, TVE do Espírito Santo e também é retransmitido hoje, a partir das dez e trinta da noite, pela TVE do Rio de Janeiro para todas as emissoras que compõem a Rede Brasil. Para entrevistar o governador Leonel Brizola esta noite no Roda Viva, nós convidamos Fernando Mitre, diretor-executivo do Jornal da Tarde; Eugenio Bucci, editor da revista Playboy; Carlos Augusto Setti, jornalista da TV Cultura; Sérgio Buarque de Gusmão, chefe de redação da sucursal do jornal O Globo em São Paulo; José Paulo Kupfer, diretor de redação do Diário do Comércio e Indústria; Anélio Barreto, diretor de jornalismo da rádio Eldorado AM de São Paulo; Luiz Caversan, diretor da sucursal do jornal Folha de S.Paulo no Rio de Janeiro; e Luciano Suassuna, editor-executivo do jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Na platéia, assistem ao programa convidados da produção.

Jorge Escosteguy: Boa noite, governador.

Leonel Brizola: Boa noite.

Jorge Escosteguy: Vamos começar pela pergunta inevitável. Depois deste domingo principalmente, qual é a sua posição em relação ao presidente Fernando Collor e às investigações da CPI no Congresso Nacional?

Leonel Brizola: A nossa posição... quando eu digo minha, eu digo nossa, porque nós elaboramos uma posição partidária. Até aqui, cada um de nós emite as suas opiniões, somos um partido democrático; eu, como mais velho, emito as minhas, mas elaboramos a nossa posição. Nós tratamos de condenar certas atitudes, certos procedimentos, porque entendemos que um clima de histeria é inconveniente para as próprias investigações, para se fazer justiça. Nós já vimos episódios semelhantes, nunca deram bons resultados. Condenamos esses excessos, às vezes a falta de isenção e principalmente os que procuravam colocar a carreta diante dos bois, [aqueles que,] antes de investigar, antes de conhecer exaustivamente os fatos, recomendavam logo o impeachment, inclusive fazendo vistas grossas para as outras áreas de corrupção gravíssimas que existem no país e que no fundo estão disputando a sua continuidade no poder ou a sua ida para o poder.

Jorge Escosteguy: O senhor acha que hoje os bois já estão na frente da carreta?

Leonel Brizola: Olha, eu acho que nós temos que elaborar com firmeza, com critério e até nos indignar diante de certas situações, mas nunca diante de uma situação só, porque senão nós estamos fazendo meia justiça. Isso é o que, a rigor, nos diferencia. Nós, do PDT, que somos do trabalhismo, que viemos de longe, vivemos muitas experiências ao longo desse meio século. Já vimos esses filmes várias vezes, então possuímos luz própria. Não deixamos nos envolver. Somos independentes, então até nos rimos por dentro quando vêm um e outro e dizem: poxa, o Brizola está apoiando o Collor. Isso se chama patrulhismo. É até uma desonestidade em relação a nossa posição e a minha posição.

Fernando Mitre: Governador, o senhor está convocando uma manifestação para o dia 24? Hoje chegou uma notícia aos jornais sobre isso.

Leonel Brizola: Eu não, estamos todos convocando essa manifestação. Dia 24, à tardinha, a partir das quatro, cinco horas da tarde, vamos nos concentrar na Candelária. Já se tornou tradicional aquele trajeto: avenida Rio Branco e Cinelândia, e vamos nós para a rua, vamos explicitar, para os que nos querem fazer patrulhismo, a nossa posição.

Luciano Suassuna: O senhor vai de preto ou o senhor vai de verde e amarelo, governador?

Leonel Brizola: Olha, nem de um nem de outro, porque achamos isso no fundo uma puerilidade. O preto, eu não gosto, o verde e amarelo você sabe que são as cores do país e que não se prestam para esse tipo de divisionismo na vida brasileira. O preto é uma cor de mau agouro. Sabe que, de 64, eu ainda tenho sob os meus olhos aquelas mulheres de rosário na mão vestidas de preto falando em liberdade, defesa da democracia - e estavam escondendo atrás daquelas manifestações o monstro da ditadura. E eu, francamente, [de] preto... Foi uma contingência, francamente, com todo respeito que eu tenho pelas pessoas que estão numa linha de protesto, não deixa de ser uma situação bastante desafortunada. Eu preferia outras cores...

Jorge Escosteguy: Um minutinho, por favor. Já ligaram seis telespectadores [dizendo] que o senhor parece não ter respondido; eles telefonaram perguntando...

Leonel Brizola: [interrompendo] Isso é um bom sinal. É verdade que nós estamos com isso interessando muita gente.

Jorge Escosteguy: Exatamente. Ivanir José Kraus, de Santo André; Antonio Brito, de São Paulo; Odilon Alves, de São José dos Campos; Lázara Santos, de São Paulo; Roberto Manzolin, de São Caetano; e Rui Gomes, também de São Paulo, todos eles, no fundo, fazem a mesma pergunta: por que o senhor apóia o presidente Fernando Collor?

Leonel Brizola: Pois isso aí eu quero cobrar de vocês da mídia: vocês são extremamente injustos comigo nos seus jornais. A Folha [de S.Paulo], então, não dá nem para ler. O Brizola, na Folha, parece um excluído, um marginal; e do pouco que publicam, deformam. Então criaram esse estigma, criaram essa deformação, criaram esse patrulhismo: o Brizola apóia o Collor. Por que não dizem isso do governador [de São Paulo, Luiz Antônio] Fleury [Filho], que tem as mesmas relações que eu tenho com o presidente Collor?

Eugenio Bucci: Eu acho que é uma boa oportunidade de você esclarecer...

Leonel Brizola: O governador Fleury saiu para a rua para apoiar o impeachment ? Não saiu, e vocês não cobraram dele.

Fernando Mitre: O senhor apóia ou não apóia o presidente?

Eugenio Bucci: O senhor aconselhou o Collor ou não aconselhou o Collor?

Leonel Brizola: Eu não apóio e nunca apoiei o político Fernando Collor. Eu o tratei como presidente da República. Até me sinto confortado de ter transformado aquela situação realmente deplorável com que nós saímos da campanha eleitoral, em que, vocês se lembram, nós trocamos amabilidades – filha disso, filha daquilo –, não é verdade? E transformamos, devido às múltiplas responsabilidades, considero isso, ele na presidência, eu no governo do Rio de Janeiro, como fez o governador Fleury também... então, tratamos de desenvolver boas relações administrativas. Agora, quando eu vi esse movimento procurando inverter as coisas... nós nunca estivemos contra a investigação, ao contrário, nós queremos mais investigação.

Sérgio Buarque de Gusmão: Mas o senhor nunca falou a favor das investigações. O senhor sempre fala contra ou põe reparo nas investigações.

Leonel Brizola: Ponho reparos porque mereciam reparos. A nossa presença, através de dois ilustres representantes nossos, o senador [pelo Distrito Federal] Maurício Correa e o deputado Miro Teixeira, na comissão, era uma atitude implícita do nosso apoio, nós apoiamos a comissão. Agora, nos queixando desde a primeira hora quanto à parcialidade daquele ambiente que criou a comissão. Porque nós queríamos que investigassem, junto com as atividades do PC, as atividades do senhor Roberto Marinho, e todos ficaram ali tremendo de medo; se recusaram a incluir o tráfico de influência do senhor Roberto Marinho. Por quê? Desde ali começamos a nos queixar: vocês estão sendo parciais; por que não colocaram o senhor Roberto Marinho ali no banco dos réus como o PC? Não investigaram as suas atividades, quando eu chegava [pega uma pasta verde] para todos eles com um dossiê como este? Aqui se contém a prova de que o senhor Roberto Marinho foi à Caixa e retirou indevidamente de lá 38 milhões de dólares da poupança, sem finalidade, sem nada. Por que não começar com os dois? Qual é o impedimento? Por que começar com a criatura e deixar o criador de lado?

Carlos Augusto Setti: Já tem a CPI da NEC no Congresso, a CPI da Vasp.

Leonel Brizola: Ora, você sabe, vamos ser francos aqui, vamos falar com franqueza. Você sabe que seria uma atitude de hipocrisia aqui entre nós, seria uma coisa muita feia: a população na televisão está vendo nossas caras, então vamos falar com franqueza, nós sabemos que a [CPI] da NEC não consegue nem se reunir; o pobre do nosso saudoso [deputado federal] Brandão Monteiro [PDT/RJ] morreu por desgosto de não ter conseguido reunir, criar a comissão. Porque todos têm medo desse poder, e nós queríamos dizer: como é que o Roberto Marinho pode ir lá tirar 38 milhões de dólares da Caixa, da poupança, sem finalidade alguma? Compreendeu?

Carlos Augusto Setti: Mas o senhor não ajuda a manter esse apoio ao Roberto Marinho? O senhor, em uma ponta, e o doutor Antônio Carlos Magalhães na outra ponta, apoiando o presidente, não é uma coisa meio estranha?

Leonel Brizola: O Antônio Carlos Magalhães já é um outro capítulo. Olha, pode haver coincidência em alguma coisa com Antônio Carlos Magalhães, é porque ele resolveu me seguir. Isso é uma figura abominável, isso aí é uma figura da ditadura, isso aí é um indivíduo do oficialismo, que nada tem a ver conosco; esse está lá fazendo fisiologismo, ocupando lugar. Nós assumimos uma atitude de independência, não devemos nada a ninguém, no sentido de que não ocupamos lugar algum no governo.

[sobreposição de vozes]

Leonel Brizola: A questão é a seguinte: vocês me desculpem, vocês não insistam num negócio deste de dizer: o Brizola está apoiando o Collor. Não, façam o favor, eu faço um apelo à consciência de vocês, eu não apoio são os atropelos, isto sim, não apoio os atropelos, mas nós não temos aliança, nós não temos acordos, nós não ocupamos lugares no governo e dizemos mais: nunca, jamais vocês ouviram do Leonel Brizola que, se amanhã surgirem comprovações de que haja responsabilidade do presidente, de que não haja um processo contra ele. Quando vocês ouviram isto de mim? Nenhuma vez. Agora vocês, como eu... estou procurando esvaziar a onda de histerismo. Porque a Folha não dá nem para ler mais; a Folha se transformou numa espécie de um pasquim. Bom, pasquim não é, porque eu me recordo até de um jornal que tivemos com o nome de Pasquim, nosso querido Pasquim que a ditadura acabou com ele. Mas a Folha é um órgão que se transformou num órgão promotor do petismo, e tem um ódio cego; e quer o impeachment, o impeachment, o impeachment, o impeachment. E quando eu vejo a atuação de meios de comunicação como a Veja, como a IstoÉ, eu digo: mas essa gente vai fazer minha cabeça? Faz a do [radialista e deputado] Afanásio [Jazadji], o Afanásio está aí com o impeachment. Será que o Afanásio faz a cabeça de vocês? Francamente, vamos colocar as coisas nos seus lugares. É isso que eu quero.

[sobreposição de vozes]

Eugenio Bucci: É uma oportunidade de esclarecer os telespectadores se o senhor aconselhou ou não o presidente Collor em diversos momentos desse processo todo da CPI. Por exemplo, quando o Collor foi à televisão se defender, ou quando o Collor cunhou o termo “sindicato do golpe”, houve alguma participação sua em alguns desses momentos?

Leonel Brizola: Permita que eu lhe diga: as minhas relações com o presidente Collor são formais. Eu jamais tomei a iniciativa de dizer a ele ou sugerir a ele alguma coisa que não fosse conseqüência em função de uma pergunta sua, porque não me cabe, eu não sou do governo, eu não tenho por que estar fazendo sugestões a ele. Agora, quando ele me faz alguma pergunta...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Qual foi a última pergunta que ele lhe fez?

Leonel Brizola:...naturalmente que eu vou ver se tem uma resposta construtiva para lhe dar. Sobre [a expressão] sindicato do golpe, nunca me perguntou nada; sobre o que devia fazer, nunca me perguntou nada; se ele devia, por exemplo, expor aquela questão do empréstimo do Uruguai, nunca me perguntou; se ele devia pedir para que as pessoas expusessem cores da bandeira ou não, também nunca me perguntou.

Jorge Escosteguy: Governador, qual foi a última pergunta que ele lhe fez?

Leonel Brizola: Eu trato de assuntos do meu estado, do meu estado. E se você disser o seguinte: em todas as conversas que o senhor teve com o presidente, o que dominou, o que foram 80% desse tempo? Quer que eu diga? Educação, o projeto educacional que eu levei para ele.

[...]: E os outros 20%?

Leonel Brizola: Os outros 20% foram assuntos variados: Linha Vermelha [RJ-071, a Via Expressa Presidente João Goulart], outros assuntos e raramente uma questão política ou outra.

Anélio Barreto: Um conselho que o senhor deu ao presidente Collor – e isso foi dito por todo mundo, o senhor repetiu várias vezes – é que ele fosse à televisão. Inclusive, o senhor chegou a dizer mais, que no lugar dele iria despachar na televisão. Ele seguiu o seu conselho...

Leonel Brizola: [interrompendo] Isso, eu dei uma opinião no jornal, não foi um diálogo com ele como eu estou tendo aqui com vocês.

Anélio Barreto: Certo, ele seguiu esse conselho seu, conclamou o verde e amarelo e ganhou um mar negro pela frente. O seu conselho é que era uma fria ou o presidente atravessou o samba, o que aconteceu?

Leonel Brizola: Vamos botar bem as coisas no seu lugar. Permita que eu lhe diga o seguinte: se o presidente me perguntasse, por exemplo, me telefonasse: “Que acha, governador, disso?”. Eu francamente teria desaconselhado, sabe por quê? Porque o que o povo brasileiro está querendo dele são esclarecimentos. Eu teria dito a ele: “Presidente, o que o povo brasileiro quer do senhor são esclarecimentos”.

Carlos Augusto Setti: Por que ele não dá, governador?

Leonel Brizola: Vá perguntar para ele. Por que eu tenho que lhe dizer isso? Tem que perguntar para ele. Estou dizendo isso aí, se ele me perguntasse eu diria a ele, porque eu acho que é isso, o povo brasileiro está de inocente. Eu acho que esse apelo não tinha lugar, não é verdade? Esse apelo não tinha lugar. Agora, se ele dissesse: “Povo brasileiro, o que estão me acusando não tem procedência; o que se passou foi isso, isso e isso; eu estou sendo vítima de uma injustiça, por isso eu quero o seu apoio”. Isso é uma outra questão. Foi isso que aconteceu com o Getúlio, foi isso que aconteceu com o João Goulart, então eu acho que não teve cabimento; mais do que um erro político, eu acho que não teve cabimento, sob o ponto de vista sociológico, sob o ponto de vista político. Desculpe eu estar dando essa de [Luiz Inácio] Lula [da Silva] aqui, não é verdade? Porque o Lula agora é doutor Lula, sociólogo, doutor Lula, não é? Então dei uma de Lula aqui, sociológico, não é?

[...]: Não digeriu ainda o sapo barbudo, governador? [Brizola, certa vez, referiu-se a Lula como "sapo barbudo"]

Leonel Brizola: Não, sabe o que é? Aquilo passou na garganta daquela vez...

[sobreposição de vozes]

José Paulo Kupfer: Governador, a pergunta é a seguinte: eu queria saber se o presidente Collor procurasse o senhor para perguntar se ele deveria ou não renunciar, o que o senhor diria para ele?

Leonel Brizola: Não vamos entrar nesse terreno do “se”, não é verdade? Se isto, se aquilo, quer dizer, no terreno de hipóteses. Vamos encarar o processo social como ele é. Ainda mais vivendo um momento como nós estamos vivendo no Brasil. Eu nunca vi os meios de comunicação atuarem assim como estão atuando, parece um partido único, daqueles partidos... daqueles momentos da União Soviética em que todo mundo votava, é impressionante, eu nunca vi uma coisa assim. A imprensa brasileira está unida, unificada, de norte a sul, de oeste a leste...

José Paulo Kupfer: O senhor diria para ele fechar a imprensa brasileira?

Leonel Brizola: Não, você está me fazendo uma injustiça. Eu espero do amigo o seguinte: quando muita gente boa dessa fechava ou “autofechava” os seus jornais, o Brizola, modestamente lá, no microfone de uma rádio, procurava defender a liberdade de imprensa, violada por aquela gente, aqueles projetos de ditadores de 61. Eu acho que, de momento, a imprensa brasileira parece um partido único; isso não me agrada. Tomara que isso não venha trazer mau resultado, porque quando há partido único, nunca é bom. Veja o que aconteceu esses anos todos lá na União Soviética.

Carlos Augusto Setti : Se isso não faz a sua cabeça, e os fatos que saem da CPI? Fazem a sua cabeça?

Leonel Brizola: Bom, isso aí nós estamos acompanhando com meticulosidade, com critério, passo a passo. Nós queremos todos os fatos para poder fazer nosso julgamento.

Luiz Caversan: E sobre essa manifestação do dia 24, o que o senhor vai... Essa manifestação vai acabar virando mais uma manifestação pela saída do presidente. Como o senhor pretende conduzir essa manifestação?

Leonel Brizola: Eu não sei. Eu me congratulo consigo por saber antecipadamente tudo.

Luiz Caversan: Não, a intenção não é essa, antecipar os fatos, mas vamos supor... Ontem mesmo o senhor viu da sua janela, provavelmente, se o senhor estivesse em casa, a multidão que passou ali...

Leonel Brizola: Passou uma manifestação fascistóide ali. Pararam para me insultar...

Fernando Mitre: Queriam que o senhor participasse...

Leonel Brizola: Não, não, não. Eu conheço aquela macacada muito bem. Aquilo ali é uma manifestação fascitóide, compreendeu? Radical... Passaram ali sem o mínimo respeito pelo governador, um homem de setenta anos, que tem serviços prestados, como é que podia passar ali, compreendeu? E começaram a dizer aquilo que disseram. Fascistóides, eu conheço bem aquele pessoal. Aquilo é uma raça que eu conheço bem desde 64.

[sobreposição de vozes]

[...]: O senhor estava em casa ontem, governador?

Leonel Brizola: Não, não estava. Foi bom que eu não estivesse, porque eu ia dar um de Figueiredo, ia lá embaixo. Ia dar uma de Figueiredo, eu ia lá embaixo...

[sobreposição de vozes]

Jorge Escosteguy: Por favor, eu gostaria que cada um fizesse uma pergunta por vez, por favor. Governador Leonel Brizola, por favor, vamos pôr um pouquinho de ordem aqui, senão o telespectador não entende. Fernando Mitre, tem uma pergunta, por favor, governador.

Leonel Brizola: Quem é essa gente? É uma raça que existe lá desde o tempo de um clube chamado Clube da Lanterna [movimento liderado por Carlos Lacerda em oposição a Getúlio Vargas]. Você não se recorda da existência desse clube?

Fernando Mitre: Do Carlos Lacerda?

Leonel Brizola: É o lacerdismo, compreendeu?

Fernando Mitre: Mas tinha lacerdismo na rua?

Leonel Brizola: Sim senhor, aquilo ali são os descendentes daquela gente, sabe por quê? Porque hoje o lacerdismo no Rio de Janeiro é representado pelo PT do Rio de Janeiro. O PT é uma espécie de UDN [União Democrática Nacional] de tamanco, entendeu? [risos] UDN de macacão, sabe por quê? Porque só tem PT – quer ver uma coisa? – no Leblon, em Ipanema, na Tijuca, na Vila Isabel, não é? Lá na Urca, Copacabana. Na zona oeste, na zona do povo trabalhador, aquela gente cor de café com leite, às vezes mais café que leite, aquela gente formidável, na Baixada, não há um vereador do PT, não há um vereador do PT. [O] PT é a expressão do lacerdismo moderno; arrumaram um operário de carne e osso e andam com ele, compreendeu? O Lula anda lá seguidamente com aquele pessoal. É um pessoal que, como eu dizia hoje, pensa que ovo nasce na geladeira [risos].

Fernando Mitre: Governador, o senhor disse no começo do programa que gostaria de colocar as coisas nos seus lugares. Vamos tentar então...

Leonel Brizola: Estou fazendo o possível [risos].

Fernando Mitre: É, estamos vendo. O ministro...

Jorge Escosteguy: A Shirley Bueno, de Campinas, governador, disse que o senhor não está sendo objetivo. O senhor está tentando enrolar o telespectador.

Leonel Brizola: O PT do Rio é tão udenista, que chegou a branquear a pobre da Benedita [risos] [Benedita da Silva, política do PT, foi a primeira senadora negra do Brasil, em 1994; foi governadora do Rio de Janeiro entre 2002-2003].

Fernando Mitre: Governador, eu vou lhe fazer uma pergunta na tentativa de colocar as coisas nos lugares.

Leonel Brizola: Branca, a Benedita branca.

Jorge Escosteguy: Governador, por favor, pergunta do Fernando Mitre.

Fernando Mitre: Governador, quase um mês atrás, um ministro do próprio governo Collor, o [Jorge] Bornhausen, disse a ele que o processo de impeachment seria inexorável. Eu queria saber se pelo menos com isso o senhor concorda. E faço outra pergunta: a conclusão da CPI, muito provavelmente, vai mostrar envolvimentos do presidente e as sugestões do processo de impeachment estarão lá. Como o senhor vê isso?

Leonel Brizola: Nós temos o nosso ritual.

Fernando Mitre: Certo, mas a pergunta é a seguinte: será que o senhor é mais moderado ainda do que um ministro do próprio governo, que está vendo que o processo de impeachment é inexorável?

Leonel Brizola: [...] sabe que a minha cabeça é muito diferente da dele. Ele é banqueiro, uma pessoa respeitável, mas a cabeça dele é diferente, compreendeu? O computador dele é bem diferente do meu. O meu é um microcomputador rico de dados, e o dele é um vasto de um grande computador, mas naturalmente que tem outra série de dados ali dentro. Então veja o seguinte, nós temos o nosso rito, como tem a Constituição. Viemos de longe, temos o nosso tranco, luz própria, e vamos indo; estamos acompanhando, não queremos atropelo à ordem constitucional, à legalidade democrática; nos custou muito a restaurar isso; já vimos como isso começa e depois como termina. Então, tratamos de esvaziar o conteúdo golpista que havia nesse movimento.

[...]: Não há mais agora?

Leonel Brizola: Acho que se esvaziou bastante. Há ainda, não há dúvida que há.

[...]: Quem? Identifique, por favor.

Leonel Brizola: Não me referi ao golpe dos tanques, é o golpe do tapete. Do tapetão. Querem chegar ao governo por vias oblíquas que não a do voto. Então o que acontece?

Fernando Mitre: O senhor já se referiu ao doutor Orestes Quércia, dizendo: por que não chamam ao doutor Orestes Quércia?

Leonel Brizola: Quer que eu lhe diga? O doutor Roberto Marinho.

Eugênio Bucci: Quer ser presidente da República o doutor Roberto Marinho?

Leonel Brizola: Não é ser presidente da República que ele quer ser. Ele quer a boa dele, que ele sempre tem: o mando e os espaços, compreendeu? Ele é uma espécie... Porque o presidente Collor tornou-se uma espécie de noviça rebelde, entendeu? E as madres superioras estão descontentes. Então, o que acontece? Estão ali, e a noviça vai para cá, vai para lá, compreendeu? Vai a uma sessão espírita, daqui a pouco vai à macumba, e as madres estão querendo expulsar, e devem ir a outros lugares também que vocês imaginam.

Luiz Caversan: O senhor não está dando uma de superior da ordem aí, governador?

Leonel Brizola: Então, o que acontece? Elas estão querendo expulsá-lo – é isso aí – para ocupar o lugar dele. Para mim, tem três áreas disputando o poder nitidamente, e sob a observação de nós todos.

Jorge Escosteguy: Quais são as três áreas, governador?

Leonel Brizola: Primeiro, a do governo, que procura se manter, com muitos furos, não é verdade? Já com dificuldade, mas conta com a inércia da legitimidade; foi eleito, está ali em dificuldades. A outra área é uma meio equívoca: uma hora está aqui, outra hora está ali, meio em cima do muro, quase como os tucanos, mas está um pouco mais para o lado do governo, que é o eixo Roberto Marinho, Antônio Carlos Magalhães, que querem abocanhar tudo e estão ali: uma hora estão, outra hora não estão. Agora mesmo, está lá o Antônio Carlos Magalhães; está ali dizendo que pode desembarcar, e o Roberto Marinho já desembarcando. E depois a outra área, que tem como centro o PMDB, quer dizer, com o senhor Quércia, com a sua influência, porque evidentemente que indo o senador Itamar, o vice-presidente Itamar, é claro que vai ter que se apoiar no PMDB. Em quem vai se apoiar? No PDS não vai querer; no PFL não vai querer. Vai se apoiar no PMDB. Bem, isso sob o ponto de vista geral, e eu acho que o centro disso, sob o ponto de vista geopolítico – estou dando outra de Lula aqui – está em São Paulo, porque os três partidos que mais forçam a situação são partidos paulistas, são daqui. O PT é um partido paulista, daqui. Como, podem dizer: mas o PDT é um partido gaúcho e carioca. Bom, eu não digo que não, por que eu vou negar? É onde estão as nossas maiores bases. O PT tem a sua base principal aqui. O PSDB também tem a sua base principal aqui, e o PMDB também. Alguém já se lembrou até que parecem as três alas do velho Partido Republicano Paulista. Tinha a ala progressista, a ala liberal e a ala conservadora do velho PRP. Então, aqui também estão os órgãos de imprensa que fazem a reitoria, o comando, a coordenação dessa campanha. As duas revistas – a Veja e a IstoÉ –, a Folha de S.Paulo, o Estadão, essencialmente são os órgãos que impulsionam a vida brasileira. E aqui também estão grandes grupos econômicos que, de certa forma, estão se sentindo muito desconformes com a política econômica. Não estou entrando no mérito, porque nós não apoiamos a política econômica do governo. Nós não demos um voto para a política econômica, um voto a favor da privatização. E o seu PMDB, que está lá se dizendo oposição, se apresentando como oposição, e deu esse cheque em branco para o governo Collor, para privatizar e vender a torto e a direito o que tem vendido. Nós não, [nem] um voto nós demos a favor.

Jorge Escosteguy: Governador, o senhor mencionou o vice-presidente Itamar Franco; qual é a sua opinião sobre ele e sobre a possibilidade de ele assumir?

Leonel Brizola: Bom, pessoalmente eu até tenho muito apreço por ele, penso até contar com sua amizade, mas eu acho que realmente, admitindo-se que se tenha que substituir o atual presidente, esse é o rito constitucional, ele tem o direito de assumir. Eu às vezes tenho até vontade de publicar uma conclamação que eu fiz em 61 pelo rádio, já depois de ter dividido o exército e ficado com o terceiro exército do nosso lado, em defesa da posse do vice-presidente da República [João Goulart]. Tenho vontade de republicar para que o pessoal que, tanto como o Zé Aparecido, que tanta força faz para que o senhor Itamar assuma a Presidência, possa ler e se preparar, porque numa dessas pode ser que seja necessário fazer uma fisionomia enérgica e dura para ele poder tomar posse. Mas se tiver que substituir, sem dúvida nenhuma, ele tem todo direito de assumir. Agora, grande dificuldade para governar, porque ele não tem partido. O que ele tem? Eu às vezes fico pensando: o que acontecerá? Faço um exercício assim de especulação, fico pensando assim. Ele também tem essa dificuldade...

[...]: O que pode acontecer?

Leonel Brizola: Sabe o que acontece? É que ele foi meio na garupa, compreendeu? Foi na garupa do outro. O João Goulart não. O João Goulart foi eleito pessoalmente, até de uma maneira inversa. Eleito presidente de um, ele foi votado justamente do outro lado [na época, a eleição para presidente e vice eram independentes]. Então, veja o seguinte: o João Goulart era presidente de um partido, tinha um partido do lado dele. O João Goulart expressava, de certa forma, implicitamente, ele era o representante de uma coligação que recém deixava o governo, majoritária, que era o PSD com o PTB. Agora, com o caso do Itamar, realmente ele vai ter muita dificuldade.

Carlos Augusto Setti: Governador, o senhor lembra sempre 1954, 1961, 1964, tentando caracterizar esse movimento aí como um golpe, como uma coisa ilegal. Não é ilegal também manter um governo tão afundado em corrupção?

Leonel Brizola: Isso é o que nós vamos todos examinar. Deixe a CPI concluir seu relatório, não é? Eu há pouco, ao responder uma pergunta, deixei de completar o que eu ia expor. Nós vamos seguir o seguinte rito: nós vamos nos unir agora na quarta-feira com as nossas bancadas, na Câmara e no Senado. Iremos lá, os integrantes da direção nacional, para conversar com nossos deputados, especialmente ouvir os relatórios dos nossos companheiros que integram a CPI. Vamos lá, vamos a Brasília fazer uma avaliação das coisas. Bem, sábado, vamos ter o relatório da comissão. Segunda-feira, nós vamos realizar uma reunião do diretório nacional do PDT com a bancada, e nessa mesma segunda-feira nós vamos realizar essa passeata. Os lemas da passeata já estão definidos, nós podemos explicitar mais em função do conhecimento das situações nesses dias e de uma eventual tomada de posição mais concreta de nossa parte. Mas os lemas estão definidos. Nós queremos fazer uma demonstração, um ato público de repúdio a qualquer tipo de golpismo em defesa da legalidade democrática, da intangibilidade da Constituição. Segundo, nós queremos as penas da lei para todos, para todos, não só para alguns, principalmente para os grandões que estão aí. Nós queremos colocar também no banco dos réus o senhor Roberto Marinho. Claro que com todo esse quadro de corrupção e de tráfico de influência que está caracterizando o governo, muito bem, se isso atingir, surgirem, se apresentarem acusações concretas ao presidente.

Eugenio Bucci: [interrompendo] Até agora, para o senhor, não existem acusações [contra o presidente]?

Leonel Brizola: Nós estamos em plena investigação. Estamos em plena investigação, podemos estar formando até uma convicção. Mas se há um órgão que está investigando, por que atropelarmos esse órgão? Por que colocarmos esse órgão sob pressão, a ponto de ocorrerem coisas deprimentes, como tem ocorrido na comissão? Então, aquela visita ao senhor [Antônio] Ermírio de Moraes [empresário, presidente do Grupo Votorantim], convenhamos, alguém pode se sentir confortado com aquilo? Foi lá, declarou que entrou na corrupção e saiu de lá homenageado, reconhecido como um grande senhor? O senador [Eduardo] Suplicy [PT/SP], até emocionado, tremia de emoção diante do grande empresário. Convenhamos, que vergonha. Nos Estados Unidos, eu sou insuspeito para dizer isso... Eu vou dizer sinceramente, só à custa de uma grande fiança ele conseguiria responder as suas responsabilidades em liberdade. Segunda coisa vergonhosa na comissão, como é que deixam passar, assim como ninguém quer ver, aqueles cheques do PC para o Canhedo [Wagner Canhedo, ficou conhecido em 1990 por ter adquirido a companhia aérea Vasp, em processo de privatização], só porque aquilo poderia envolver o governo de São Paulo, do senhor Orestes Quércia?

Fernando Mitre: Orestes Quércia vai depor amanhã.

Leonel Brizola: O bom seria naquela comissão, onde estão os bons investigadores, onde estão os bons inquiridores, não lá na outra, porque a outra foi para desqualificar o assunto, lamentavelmente.

Eugênio Bucci: A outra é uma CPI pior? Quer dizer, nós temos hoje uma CPI melhor e uma CPI pior?

Leonel Brizola: Mais competente, eu quero dizer, mais competente. Basta ver o presidente e o relator da outra comissão, você já tem uma base.

Eugênio Bucci: [...] um caso jurídico onde as coisas vão entrando no decorrer do processo e vai se somando numa única causa uma série de demandas?

Leonel Brizola: Mas investigar é um dever da comissão, esse é o ponto, não precisa elogio. Chegamos a dizer: bom, investigue eficientemente. Agora, as falhas da comissão é que nós precisamos apontar à opinião pública, porque senão viraremos aquela comissão da CPI de 1954, que levou muita gente ao desespero. Por exemplo, sabe quem levou ao desespero? Ao senador Carlos Jereissati [1917-1963], que era acusado por toda aquela gente da UDN, com todos os qualificativos. Aquele homem deixou de ser o que era, teve a sua reputação afetada, destruída. Esses dias, aliás, o presidente do PSDB, o Tasso Jereissati, me respondeu com quatro pedras na mão porque eu fiz essa referência. Eu até fiz uma homenagem à memória do pai dele, ele veio me agredindo, mostrando o seguinte, que ele desconhece a vida do pai dele. Ouviu aquilo e reagiu de uma maneira estúpida contra mim. Eu só tenho a reafirmar o que disse, realmente ali tivemos um exemplo, porque não foi só o senador Carlos Jereissati, que era o nosso companheiro, foram outros e outros que foram vilipendiados por aquela comissão. Eu acho que repetir isso é uma iniqüidade.

Jorge Escosteguy: Governador, por favor, nós voltaremos seguramente a esse assunto; o Roda Viva precisa fazer um rápido intervalo e volta daqui a pouco entrevistando hoje o governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola. Até já.

[intervalo]

Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva, que hoje está entrevistando o governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola. Antes de fazer a próxima pergunta ao governador Leonel Brizola, lembro a Antonio Goulart, aqui de São Paulo, que o governador já respondeu sobre a questão Collor; a Iara Gomes também, sobre a manifestação em frente ao apartamento dele; a Paulo Siqueira, sobre o Roberto Marinho; Eduardo Santana, de Campinas, sobre a sua relação com Collor; e José Ribeiro de Resende, sobre o mesmo assunto. Governador, o senhor deu várias respostas no primeiro bloco do programa, mas também deu muitas voltas, então não ficou uma coisa muito clara, tanto que alguns telespectadores, por exemplo, o José Marcos Pereira, de Guarulhos, perguntou se o senhor vai entrar no PSDB: o senhor está muito em cima do muro. O Álvaro Volmes, aqui de Pinheiros, diz que já começa a perder um pouco a paciência, pois não consegue saber onde o senhor quer chegar. Eu lhe perguntaria o seguinte: no fundo, o senhor não estaria guardando o cacife do seu partido, se guardando para o final ali, quando vier a bola sete, vamos dizer assim, que tem que tacar a bola sete? [Não estaria] guardando seu cacife para se valorizar no final desse processo?

Leonel Brizola: Não passa isso em nossa preocupação, pode crer. Nós temos o nosso ritual, vamos seguir com ele, achamos que nosso momento vai chegar.

Jorge Escosteguy: Justamente, o momento vai chegar [ri].

Leonel Brizola: Então vamos cumprir com aquilo que achamos politicamente correto. Agora, sentimos muito que esteja ocorrendo tudo isso no país e lamentamos profundamente, porque o país em crise, o país em dificuldades, nosso povo sofrendo, veja o que está ocorrendo com o nosso país, com o nosso povo, e nós estamos aí preocupados com esse negócio. E o que eu vejo é o seguinte, quanta gente está aí bancando os doutrinadores para nós, gente que instituiu este governo, como, por exemplo, esse imenso polvo que domina as comunicações no país, que é a Globo... nós estamos aqui trabalhando, prestando este serviço público de estar debatendo esses temas, estamos aqui disputando uma audiência, enquanto que você sabe que a Globo está lá por atacado, em nível nacional, entendeu como é? Foi a Globo praticamente que elegeu o atual governo, que inclusive deu aqueles golpes desonestos ali, às vésperas das eleições, não fez nenhum mea culpa e, no entanto, está aí querendo achar, até julgar as minhas atitudes ou as nossas atitudes. Muita gente sem autoridade moral está por aí querendo agora nos apontar caminhos. Deviam estar, isso sim, pedindo desculpas ao povo brasileiro pelo que fizeram.

Jorge Escosteguy: Governador, eu lhe pergunto isso pelo seguinte: o senhor aparentemente foi uma das primeiras pessoas a pedir o impeachment do presidente Collor. Em maio de 1990, o senhor deu uma entrevista à Folha de S.Paulo dizendo que o seu partido estava estudando fórmulas para abrir um processo de responsabilização e poderia pedir o impeachment do chefe de governo pelas determinações que ele tomou em seguida ao seu governo, de caderneta de poupança etc.

Leonel Brizola: Bom, acredito até que pudesse ter surgido essa opinião, mas você vê que não foi apoiada.

Jorge Escosteguy: O senhor deu uma entrevista dizendo que ia pedir o impeachment.

Leonel Brizola: Pode ter surgido essa opinião, mas não foi apoiada.

Fernando Mitre: Uma opinião sua.

[sobreposição de vozes]

Leonel Brizola: O processo social demonstrou que nós estávamos sozinhos. Nós saímos sozinhos.

[...]: Aquilo está perdoado?

Leonel Brizola: Não, não é perdoado. Nós saímos sozinhos reclamando contra aqueles golpes sobre a poupança e, praticamente, você via a imprensa apoiar, você... se via todo mundo apoiar, assim como nós quisemos questionar as eleições, questionar as eleições, e não adiantou.

Luiz Caversan: Agora ficou tudo perdoado?

Leonel Brizola: Não é questão de ter perdoado, passou. Foram momentos que passaram. Agora, quando surgiu esse outro problema, nós também não nos negamos um certo provimento a tudo isso. Estamos lá na comissão, participamos ativamente das investigações, mas o que nós não queremos são decisões em cima da perna, como aconteceu em 1954, como aconteceu em 1961, é isso apenas.

Carlos Augusto Setti: Governador, o senhor disse que está interessado nas investigações e fala do seu partido como “nós”. Acontece que a gente tem informações lá do Congresso, nós que trabalhamos lá, de que o senhor está em linha de ruptura, de conflito aberto com o seu líder lá no Senado, que é o senador Maurício Correa, porque ele é a favor do impeachment e é a favor do relatório que inclua o presidente.

Leonel Brizola: O que há é muita vontade de que isso aconteça.

Carlos Augusto Setti: Não, governador, isso a gente ouviu de pessoas muito próximas.

Leonel Brizola: O que há é muita vontade de que isso ocorra, que haja rupturas, que haja divergências, que haja racha na nossa bancada. Isso é o que há. Agora, que pode estar havendo uma diferença de enfoque entre o senador Maurício e eu, pode, por que não? Isso é alguma coisa de estranho num partido democrático? Não. Se ele acha, por exemplo, que deve empurrar mais a causa do impeachment, eu também posso achar que aqueles cheques que foram passados do PC para o [empresário Wagner] Canhedo não podiam ter passado assim. Ele tinha que ter batido na mesa: não passa aqui. Eu posso, com isso, romper com ele? Não, é uma questão de critério. Agora, vamos afinar, vamos debater, vamos discutir, amadurecer os assuntos, e eu tenho certeza de que vamos sair unidos.

Eugênio Bucci: Parece que o senhor coloca como condição a história, por exemplo, da Vasp [empresa criada em 1935 e privatizada em 1990] e do Canhedo: só se pode apurar o caso e investigação da CPI do PC Farias comprometendo Fernando Collor de Mello se apurar também, se comprometer e se incriminar o...

Leonel Brizola: [interrompendo] É para corrigir uma deformação.

Eugênio Bucci: Isso é uma condição?

Leonel Brizola: A comissão foi feita para apurar essas irregularidades em torno ou atribuídas ao PC. Mas se ele emitiu cheque para comprar a Vasp, como é que não? Se ele emitiu cheque na direção do Planalto, apure-se. Por que não na direção do governo Quércia? Porque eu acho que isso foi feito vista grossa para que o senhor Quércia não fosse questionado no seu governo. Eu acho que ele precisa ser questionado nesse assunto.

Anélio Barreto: Esse cheque é indício de alguma coisa, governador? O senhor acha que o cheque na conta do Canhedo é indício de que pode ter havido uma tramóia, alguma coisa?

Leonel Brizola: Eu acho que o senhor Quércia, como governador de São Paulo, não podia desconhecer todos esses escaninhos. Porque um governador não pode entregar um serviço público dessa essencialidade, como é a Vasp, e um patrimônio como é a Vasp, entregar assim aos aventureiros, entregar aos aventureiros.

[sobreposição de vozes]

Luiz Caversan: A situação é similar em relação ao presidente da República e o senhor não o acusa.

Leonel Brizola: Eu estou dizendo que não. O que eu quero é investigação, meu caro. Investigação é o que eu quero. Por que não investigaram o Quércia? Por que não investigar o governo Quércia? Por que não investigar tudo o que se relaciona com o caso da Vasp? Isso sim foi lesivo ao povo de São Paulo e ao povo brasileiro, porque foi um imenso patrimônio entregue a um grupo de aventureiros, e entrelaçados com o governo. Estava um entrelaçamento, ali estava a promessa daquela concessão no Banco do Brasil, de consolidação daquela dívida, ali estava a promessa das linhas internacionais, ali estava a promessa... a concessão de um financiamento de cinquenta milhões de dólares do governo do estado de São Paulo em benefício da Vasp. Estava tudo isso, estavam lá os cinquenta milhões de dólares da Petrobrás, estavam lá outros favores e os cheques do PC. Então, um governante não podia desconhecer tudo isso. Eu ainda li um artigo do ex-governador Quércia no jornal de domingo e, francamente, aquilo não me convence porque ele tratou por cima, como quem trata o assunto das nuvens. Um governante jamais poderia entregar aquele patrimônio de São Paulo para um grupo de aventureiros e era o único, sabendo que era o único licitante. Deu cinquenta milhões de dólares e vendeu por 42 mil.

Carlos Augusto Setti: Governador, o senhor perdoou a entrega das Usiminas, o leilão da Usiminas? [A Usiminas foi a primeira estatal privatizada pelo presidente Collor, em outubro de 1991]

Leonel Brizola: Não. Olha, eu vou dizer, nós temos um compromisso, nós do PDT: o dia que nós pudermos, nós vamos revisar todas essas chamadas privatizações. Achamos que isso é irregular; achamos que essas privatizações estão dentro desse contexto de corrupção. Isso, muita gente não vai concordar, mas nós afirmamos que, se depender de nós, nós vamos rever e anular tudo isso.

José Paulo Kupfer: Que governo fez isso, governador?

Leonel Brizola: Se foi o governo, então a sua responsabilidade é maior, mas nisso não se fala, porque em geral está todo mundo de acordo.

Anélio Barreto: Governador, o senhor vê com olhos diferentes o cheque do PC na conta do Canhedo e o cheque do PC na conta da primeira-dama? O senhor está dando um enfoque diferente.

Leonel Brizola: Eu não estou dizendo absolutamente... eu não estou emitindo juízos que isentem esses dois estilos de cheques, não estou, rigorosamente não estou. Eu estou reclamando com a vista grossa, com o silêncio da comissão, como reclamei com aquela presença deprimente do senhor Ermírio de Moraes. A comissão ali prostrou-se; a comissão curvou-se perante o potentado da indústria brasileira, compreendeu? E eu acho que nesse caso dos cheques para o PC, ela se escusou, sibilinamente, e mandou isso lá para a outra comissão, quando tinha que chamar ali o Canhedo e tinha que chamar ali o senhor Quércia, [para] saber por quê, como é que ele tomou essa decisão como governante. Essa é a questão. Claro que, como governante, ele tinha que estar sabendo de tudo isso que estava ocorrendo. Aquilo de ele dizer que conheceu o senhor Canhedo no dia do leilão, francamente, isso não convence ninguém, absolutamente.

Jorge Escosteguy: Governador Leonel Brizola, por favor. O Fernando Mitre tem uma pergunta para o senhor, por favor.

Fernando Mitre: Nós estamos tentando aqui conseguir respostas do governador, [mas] não está muito fácil. Vamos tentar mudar...

Leonel Brizola: Eu lhe peço desculpas.

José Paulo Kupfer: Eu estou quase entrando em greve, Mitre, em respeito ao telespectador e à nossa profissão, porque nós não estamos conseguindo obter resposta do governador Brizola.

Leonel Brizola: Sabe o que eu acho que acontece? É que nós estamos fazendo linguagens diferentes. As nossas cabeças são diferentes.

Luiz Caversan: A gente pergunta uma coisa e o senhor responde outra.

Leonel Brizola: Não, me desculpe, pelo contrário, eu tenho colocado questões que vocês ficam paradinhos aí.

[sobreposição de vozes]

Fernando Mitre: Governador, eu já lembrei que um ministro do governo Collor já disse a ele que o processo de impeachment é inexorável. O senhor não se comoveu muito. Eu agora vou lembrar o seguinte: dentro do PFL, que é o partido que apóia o presidente, já começam decepções sérias e graves: o governador de Pernambuco [Joaquim Francisco] já disse que não é possível, outros parlamentares já estão começando a dar sinais de que fica difícil para eles manter essa posição, uma posição que o senhor parece manter publicamente. O próprio ACM, que o senhor disse abominável...

Leonel Brizola: Qual é a posição?

Fernando Mitre: De apoio ao governo Collor.

Leonel Brizola: Não senhor, eu não estou apoiando, eu estou exigindo que a comissão cumpra o seu dever...

Fernando Mitre: Mas o país inteiro pensa, veja só...

Leonel Brizola: Mas eu não quero prejulgar, meu caro.

[...]: O senhor está prejulgando o governador Quércia.

Leonel Brizola: Eu não quero é prejulgar. Eu estou emitindo uma opinião sobre o exame de um episódio... Como é que um governante podia fazer isso? Então o que acontece? Eu estou querendo é uma investigação desse caso, nada mais. Não estou condenando previamente.

Fernando Mitre: Governador, o que está acontecendo é o seguinte: é um terrível erro de comunicação. O senhor está dizendo que não apóia o governo Collor e o país inteiro pensa que o senhor apóia. Então é isso.

Leonel Brizola: Não, a mídia, a mídia é que diz isso.

Fernando Mitre: Os telespectadores hoje aqui estão pensando isso.

Leonel Brizola: A mídia está unida, a mídia é um partido único.

Fernando Mitre: Governador, veja bem, a minha pergunta é muito simples, é a seguinte: as condições políticas para que o presidente Collor continue governando vão se tornando cada vez mais adversas. O próprio PFL começa a se dividir. Eu gostaria de saber como é que o senhor vê isso aí, quer dizer, a questão política, a corrosão moral de todo sistema que envolve o governo, a ilegitimidade expressa pelos protestos na rua, isso não preocupa o senhor? O senhor acha que esse governo...

Leonel Brizola: Mas quem disse que não preocupa?

Fernando Mitre: Não, eu é que estou perguntando. E preocupa em que medida? O senhor não acha que está chegando...

Leonel Brizola: Eu acabei de dizer que nós estamos elaborando a nossa posição.

Fernando Mitre: O senhor disse antes que propôs...

Leonel Brizola: Acho que é tudo muito deplorável, muito triste para o nosso país...

Fernando Mitre: Certo, deixe só eu terminar, governador.

Leonel Brizola: Acho também que não tem cura, simplesmente a saída do presidente...

Fernando Mitre: Isso seria uma questão a se discutir também. O senhor disse no começo do programa, lembrando que logo no início do governo Collor, o senhor pediu o impeachment do presidente, o senhor defendeu a idéia, e não teve apoio, aí o senhor parou. A minha pergunta é a seguinte: agora, o senhor está tendo apoio na posição que o senhor defende? O povo está apoiando o senhor? Seus eleitores? No Rio Grande do Sul, a última pesquisa parece que dá 85% querendo a saída do presidente, que é o seu reduto fundamental, Rio [de Janeiro] e Rio Grande do Sul. Como é que o senhor está dialogando com seu eleitorado?

Leonel Brizola: Se a população brasileira estivesse apoiando isso, nós tínhamos manifestações maiores do que as [das] Diretas. Porque a mídia brasileira está numa linha como não esteve nas Diretas. A Rede Globo, [...] um milhão de pessoas lá na Candelária, ainda está batendo na eleição indireta.

Fernando Mitre: Eu só gostaria que o senhor respondesse isso, governador: que preocupações o senhor tem com essa perda de condições de governabilidade? O senhor acha que estamos chegando lá já? Já está ficando difícil?

Leonel Brizola: Eu acho que é preocupante.

[...]: Concordamos em alguma coisa.

Leonel Brizola: Eu confirmo a substância da sua pergunta, os fundamentos da sua pergunta, por isso eu disse que nós estamos seguindo o nosso rito. Nós estamos examinando, nos reunindo com a nossa bancada, estamos avançando no assunto. Agora, tudo dependendo das conclusões da comissão. Porque nós não podemos sair... Para que serve a comissão? Deixe a comissão escrever no seu relatório, comprovar; eu quero saber se é verdade, se os membros da comissão vão assinar tudo aquilo que a imprensa está publicando.

Fernando Mitre: Aqui que entra então a sua frase, governador, “O nosso momento vai chegar”?

Leonel Brizola: Eu acho que a mídia, a imprensa, tanto a escrita quanto o rádio e a televisão, têm feito uma campanha. Ontem ainda eu vi numa rádio, lá no Rio de Janeiro, irradiando diretamente de Brasília, que lá tinham se reunido 300 mil pessoas, em plena hora de manifestações noutros lugares no país, quer dizer, promovendo aquilo tudo. Quem não vê que a Globo agora está promovendo... A gente não sabe bem, povo brasileiro, vocês levem em consideração isso aí...

Jorge Escosteguy: A Globo está nesse partido único, governador?

Leonel Brizola: Está agora, no mesmo partido único. Veja o seguinte: o povo brasileiro vê assim, e eu também vejo, olha e diz: a Veja quer tudo isso; aquele outro grande jornal quer tudo isso; a Globo quer tudo isso; o povo, na sua simplicidade, de tanto sofrer, de tanta decepção com a sua classe dirigente, com as suas elites, diz: bom, se é bom para eles, bom para nós não é. Isso é o raciocínio simples da população, pode crer. Eu, por exemplo, até como cidadão, me repugna a idéia de que a Veja faça a minha cabeça. Não reconheço, não reconheço estrutura moral nesse órgão para fazer a minha cabeça. Eu me recuso a admitir que um Afanásio, que eu possa pensar igual um Afanásio, possa pensar igual ao [deputado federal] Delfim Netto, que eu possa pensar igual ao [deputado federal] Amaral Netto no Rio de Janeiro, ao [deputado] Sivuca [apelido de Guilherme Godinho Ferreira].

Jorge Escosteguy: Governador, o senhor já abordou essa questão, já falou sobre isso. O José Paulo tem uma pergunta para o senhor...

[...]: [...]

Leonel Brizola: Olha, às vezes até não é mau, não é mau. No Plano Cruzado eu pensei sozinho. [...] tinha aquela hora de televisão, fomos ali e denunciamos aquilo como uma impostura; nos chamaram de impatriotas. Em 1961 eu também fiquei sozinho. Você sabe que, em 1961, quando resolvemos dar aquele nosso grito, eu telefonei para o governador Carvalho Pinto, saudoso governador [de São Paulo entre 1959-1963] Carvalho Pinto. Ele disse: “Não, governador, cuidado, tal, cuidado aí, não dá, os militares estão no governo”. Falei com o governador de Minas, falei aqui, falei ali, o Lacerda baixando o pau lá no Rio de Janeiro. Eu digo: bom, estamos sozinhos. Daí gritou o [governador] Mauro Borges lá de Goiás, e fomos indo, e aquela situação tomou o curso que tomou. Então eu acho, francamente, que quando a gente tem uma consciência das coisas, eu sinto que a minha posição é correta. Mesmo porque eu tenho uma imagem perante o povo brasileiro, o povo brasileiro sabe que eu jamais o vendi, que eu jamais o traí, que eu jamais pratiquei um ato que seja contra ele. Então, o que eu desejo? Preservar as nossas liberdades. Eu estou vendo a luta desses brucutus, um quer derrubar o outro só para subir no lugar do outro. Eu não tenho a menor dúvida: derruba o atual governo, se nós não esclarecermos o povo brasileiro, através de discussões como esta que estamos tendo aqui, não esclarecermos o povo brasileiro, dali um pouco assume o Itamar, o vice-presidente, e o senhor Roberto Marinho já se alinha com todo esse poder de novo, se reciclam, e adeus investigações. Eu farei tudo para colocar tudo no mesmo balaio.

Jorge Escosteguy: Governador, antes que o José Paulo Kupfer entre em greve, por favor, uma pergunta que ele tem para o senhor.

José Paulo Kupfer: [olha para seu relógio] Faz uma hora e cinco [minutos] que foi feita uma primeira pergunta. Depois desse domingo, qual é a sua posição sobre...

Leonel Brizola: [interrompendo] O senhor tem sorte, Kupfer, o senhor tem sorte, daqui dentro de uma hora o senhor já conseguiu outra.

José Paulo Kupfer: Eu vou tentar, quem sabe...

Jorge Escosteguy: Não é que ele está esperando, governador, ele está se referindo a uma pergunta que foi feita há uma hora e cinco.

Leonel Brizola: Se eu não lhe respondi, eu lhe peço escusa, mas farei força.

José Paulo Kupfer: Eu estou tentando entender um pouco, fazendo um grande esforço para tentar tirar o sumo do que o senhor disse, e certamente vou estar errado. Parece-me que o senhor está dizendo que apoiará o relatório da comissão, que tem um rito – o senhor falou umas cinquenta vezes que tem um rito – muito bem, o rito é esperar que a comissão, que o senhor falou que é competente, embora com momentos vergonhosos, mas é competente, que a comissão produzirá um relatório...

Leonel Brizola: E nós vamos examinar.

José Paulo Kupfer: O senhor vai também examinar o relatório?

Leonel Brizola: Claro, como não?

José Paulo Kupfer: Pode ser que ele não lhe agrade, é isso?

Leonel Brizola: Por que não? Agrade ou não agrade, ele será submetido a nossa discussão.

José Paulo Kupfer: Muito obrigado, o senhor respondeu a minha pergunta. Eu fico muito grato.

Leonel Brizola: Perfeitamente. Perdão, vou explicitar um pouco mais meu pensamento. Nós vamos aguardar o relatório da comissão e vamos examiná-lo exaustivamente e vamos tomar as nossas decisões.

Luiz Caversan: [Vão examiná-lo] Por quantos dias?

[...]: Tem um rito para esse exame também?

Leonel Brizola: Nós não trabalhamos com prazos, mas é bem possível que segunda-feira, na rua, nós já tenhamos nossa posição perfeitamente clara. Sabe que o 24 de agosto [dia da morte de Getúlio Vargas] para nós tem todo um simbolismo – não é, dona Terezinha? – tem um simbolismo.

Fernando Mitre: O senhor vai fazer um discurso na Candelária?

Leonel Brizola: Não propriamente na Candelária.

[...]: Na Cinelândia.

Eugênio Bucci: Mas, governador, as pessoas vão lá sem saber o que você vai dizer?

Leonel Brizola: É possível que sim. Se não aparecerem alguns petistas lá me vaiando, porque sempre que a gente vai, onde há algum petista, logo vem com vaias porque é um pouco o método deles.

Luiz Caversan: O senhor disse que ela manifestação que tomou a avenida Atlântica, pararam em frente a sua casa, eram fascistóides...

Leonel Brizola: Sim, os que pararam ali para me insultar eram fascistóides.

Luiz Caversan: Só eles eram fascistóides, o resto da manifestação não?

Leonel Brizola: Não, eram pessoas respeitáveis, inocentes. Aqueles que pararam ali para me insultar, não tenha dúvida que eram.

Luiz Caversan: Mas essa multidão que tinha ali, era bastante gente, tomou a avenida Atlântica, vieram do país todo. O senhor acha que eles estão indo ali induzidos por nós, que estamos aqui, todos poderosos dominando a opinião pública, induzindo alucinadamente a...?

Leonel Brizola: Não, você sabe que o Brasil é muito grande, tem muita gente. Tem gente para tudo.

Luiz Caversan: O senhor não está subestimando a nossa capacidade de discernimento, num primeiro momento, e superestimando a nossa capacidade de fazer a cabeça dos outros? O senhor parece que tem um certo receio quando diz que a Veja faça...

Leonel Brizola: [interrompendo] Olha que eu conheço a força da comunicação quando a gente não tem o contraditório. É terrível, isso é o obscurantismo, quando não há o contraditório.

Luiz Caversan: E o senhor está querendo fazer esse papel agora?

Leonel Brizola: É a minha consciência e eu estou procurando defender uma posição, que é aquilo que se constitui nosso pensamento, porque nós vivemos 1964, pessoas diferentes...

Luiz Caversan: Vamos voltar para ontem, governador, por favor. Ontem é mais recente. O senhor disse que na zona oeste não tem petista, que lá não tem manifestação. Agora, ontem teve uma manifestação da candidata do seu partido, a Cidinha Campos, com o Vivaldo [Barbosa], e ambos estavam ostentando o símbolo [...] preto.

Leonel Brizola: Mas o que tem isso? Nós não somos ovelhas iguais dentro do nosso partido. Nós não somos ovelhinhas brancas iguais. Pelo contrário, nós cultivamos a diversidade. Eu, por exemplo, não usaria nem uma das cores. Acho que francamente foi um momento de muito mais piração do presidente colocar essa questão que um jornal... creio que foi O Estado de S. Paulo. Sabe que eu tenho muitas divergências com O Estado de S. Paulo, mas respeito muito o velho jornal, porque ele assume as suas posições, aquilo é sólido, é firme, e a mim me parece que foi O Estado de S. Paulo que registrou esse aspecto de que justamente seria o presidente aquele que jamais poderia dividir os brasileiros dessa forma. Eu acho que foi uma má inspiração...

José Paulo Kupfer: Dá para se entender que, como o PDT, esse partido único também tem as suas divergências.

Leonel Brizola: Foi uma má inspiração de ter levado a população inocente, que está precisando, carente de tantas coisas e principalmente de informação, de esclarecimentos de alguns setores do governo, que precisavam esclarecer certas coisas. Então eu acho que, francamente... eu, por exemplo, não me sensibilizei com isso, nem por uma nem por outra.

Luciano Suassuna: Sobre o seu partido, o senhor sempre fala que o partido precisa ficar unido e não tem nenhuma aliança com o governador Antônio Carlos Magalhães, mas pelo menos um deputado do partido do senhor, Eduardo Mascarenhas, foi à posse do ministro [da Educação] Eraldo Tinoco, nomeado pelo governador Antônio Carlos, quer dizer, com a complacência, aquiescência, até a pressão política do governador...

Leonel Brizola: Foi um ato de cortesia. Sabe por quê? Porque eles pertenciam à mesma comissão no Congresso, a Comissão de Educação, e você sabe que lá entre os parlamentares sempre há um ambiente de amizade e cortesia que acaba gerando situações como essa. Eu próprio fui convidado para a posse do ministro. Recebi um convite enviado pelo cerimonial, não pude ir, enviei a secretária de Educação, então isso não quer dizer nada.

Luciano Suassuna: Um outro dado que passou na CPI, mas que também não recebeu uma divulgação muito grande, foi a respeito da empreiteira Cetenco, que é responsável por dois trechos na Linha Vermelha. Essa empreiteira pagou 200 mil dólares à EPC [empresa de PC Farias] e ganhou dois lotes, por sorteio, na mesma época, para a construção da Linha Vermelha.

Leonel Brizola: Bem, esse assunto eu posso dizer que é estranho totalmente a nós. Nós lá fizemos uma concorrência com rigor e isso acabou até em sorteio, de modo que não nos diz respeito e acho que, se aparece lá, os voadores do PC têm que investigar. Penas da lei para todo esse pessoal.

Carlos Augusto Setti: Governador, falando em Linha Vermelha, muita gente, inclusive do seu partido...

Leonel Brizola: Pois não. Você já passou por ela?

Carlos Augusto Setti: Pela Linha Vermelha? Não tive esse prazer ainda.

Luiz Caversan: Parece que é fácil de passar: tem bem pouco carro. Parece que é abaixo da expectativa de desafogar... A avenida Brasil continua congestionada e a Linha Vermelha, com pouca gente.

Leonel Brizola: Não. Descongestiona-se bastante; é que nós estamos avançando passo a passo. Tem alguns ingressos na Linha Vermelha que ainda não estão abertos...

Carlos Augusto Setti: Muita gente avalia a sua posição, que para o conjunto aqui de entrevistadores é um pouco incompreensível, como oriunda da quantidade de apoio, a quantidade de recursos que o senhor obteve do governo Collor.

Leonel Brizola: Não é real, posso dizer que não é real. Vamos examinar isso?

Jorge Escosteguy: O telespectador Antônio José dos Santos, de Registro, faz a mesma pergunta: se o senhor não está apoiando o Collor em agradecimento às verbas e à Linha Vermelha.

Carlos Augusto Setti: Linha Vermelha, despoluição da Baía de Guanabara.

Leonel Brizola: Isso aí é um raciocínio utilitarista, imediatista.

Jorge Escosteguy: É uma pergunta do telespectador.

[...]: A dívida do metrô, por exemplo...

Leonel Brizola: Eu sei, mas é um raciocínio completamente patrulhista, querendo ligar uma coisa com outra. O Rio de Janeiro sai de um período de discriminação do governo Sarney. Muitas questões pendentes, um contencioso complexo, difícil com o governo federal, porque com o governo Sarney não me entendiam, e depois nem o Moreira Franco [governador do Rio de Janeiro entre 1987-1991] também se entendeu. Então essas questões, era do dever do governo federal resolver. Nem todas estão resolvidas. Por exemplo, o caso da TVE é um sentimento profundo do Rio de Janeiro. Vocês aqui em São Paulo têm a TV Cultura, essa maravilha. Nós lá, grande centro, tradicional da cultura brasileira, que é o Rio de Janeiro, não temos a TVE. A TVE é federal. Nós não temos a estação de televisão. Todos os estados têm e o Rio de Janeiro não tem. Então veja: no caso da Light, foi uma vergonha o que fizeram contra o Rio de Janeiro. Passaram a Light de São Paulo para São Paulo, para a Eletropaulo, e a Light do Rio de Janeiro, quando compraram o acervo, ficou na Eletrobrás. Então o que acontece? São Paulo só ficou com o compromisso – porque tudo foi doado praticamente – de pagar os compromissos externos. Dez anos se passaram, São Paulo não pagou. Sabe quem pagou? A Light do Rio de Janeiro. Quer dizer, como é que o favelado do Rio de Janeiro tem na sua tarifa que pagar compromissos externos que a Eletropaulo deixou de pagar? Sabe o que é isso? É uma conta de 750 milhões de dólares. Tornou-se a Light uma espécie de caixa da Eletrobrás. Passaram a fazer operações internas e externas com a companhia pagando esses compromissos para Eletrobrás atender. Em vez de ter uma companhia de distribuição de energia elétrica para promover o seu desenvolvimento, passou a ser um fator de sucção da economia regional. São Paulo desenvolveu-se porque nunca abriu mão desse seu direito de fazer a sua própria política energética. Eu me lembro, quando era secretário de Obras Públicas no Rio Grande do Sul, há quase trinta anos já participava de reuniões que o governo de São Paulo promovia para a construção de Urubupungá [complexo formado pelas usinas de Jupiá, Ilha Solteira e Três Irmãos]. São Paulo teve essa visão e conseguiu essa possibilidade, e o Rio de Janeiro ficou lá.

Jorge Escosteguy: Governador, um minutinho.

[sobreposição de vozes]

Leonel Brizola: Então, veja o seguinte: essas questões estão praticamente paradas, não têm solução. Quanto à questão do metrô, uma obra federal, não encontrava compreensão, era o estado do Rio de Janeiro inadimplente, não podia comprar financiado sequer um ônibus para o seu sistema de transporte. O Rio de Janeiro bloqueado inteiramente. Claro, o presidente Collor abriu esse diálogo com o governo do Rio de Janeiro, e no caso do metrô se estabeleceu um protocolo, porque não há solução ainda. Isso é uma questão muito complexa, nós vamos assumir os trens, vamos passar o metrô para a prefeitura do Rio de Janeiro, e aquele endividamento que pertence ao governo federal, foi feito por ele no tempo da ditadura, imposto, nunca fizeram jamais um estudo de viabilidade daquilo, porque é muito mais conveniente transportar aqueles passageiros todos de táxi com medo de ter o metrô funcionando. Quer dizer, precisa de solução, uma coisa que foi o governo federal que fez. Então, a rigor, nós proclamamos isso que representou um bom relacionamento, mas também nada demais, nada demais. Posso dizer que nada demais. No caso da Linha Vermelha, era uma obra que interessava à [...], tanto ao governo federal quanto à política de transporte local.

Jorge Escosteguy: Governador, por favor. O senhor tem uma certa fixação com a televisão, com a TVE no Rio de Janeiro. Como o senhor imagina que deveria ser essa televisão?

Leonel Brizola: Não, eu não tenho fixação, eu tenho falado desse problema normalmente.

Jorge Escosteguy: O senhor falou, da outra vez que esteve no Roda Viva... Como o senhor imagina essa televisão? O senhor mencionou, por exemplo, a TV Cultura e, só para lembrá-lo, a TV Cultura é uma emissora pública de direito privado, ela não pertence objetivamente, diretamente ao governo do estado. É uma emissora pública onde todos os partidos e todas as correntes se manifestam, tanto que o senhor está aqui hoje se manifestando pela terceira vez ou quarta vez, inclusive com críticas ao [...]. Eu fico me perguntando: como o senhor imagina essa televisão no Rio de Janeiro? Uma televisão do governo do estado ou uma TV pública?

Leonel Brizola: Eu penso que se nós conseguirmos construir uma instituição que represente a comunidade, que represente a população, que possa expressar a população, isso será uma situação ideal. Eu acho que quanto menos essa televisão puder sofrer as influências de uma parte em prejuízo das demais, quer dizer, de um partido em relação a todos os demais, eu acho que quanto mais pudermos evitar essa influência, melhor. Eu acho que a TV Cultura chegou a um alto nível. Essa é a impressão de todas as pessoas com quem eu falo. Agora, é preciso cuidar para que não se desenvolva também, dentro de uma instituição assim, o chamado corporativismo, quer dizer, que ali se desenvolva um conjunto de funcionários, servidores da instituição que se considerem donos, que se considerem censores de todos. Isso é uma situação complexa, mas eu acho que o nível a que vocês chegaram aqui realmente pode constituir uma experiência digna de ser estudada, digna de nos inspirar nessa experiência. Porque eu tenho refletido muito sobre essa questão da Vasp, por exemplo, porque está metido isso dentro desse processo de corrupção. Isso aí foi uma decisão desafortunada, entregar a Vasp para esse grupo de aventureiros. Como é que vai ficar isso? Os prejuízos para o país são incalculáveis, porque isso trouxe para o Brasil o peso de dois gigantes americanos. Todo movimento econômico que faz o Brasil e Estados Unidos em matéria de transporte aéreo representa menos de 5% do movimento econômico desses dois gigantes, que agora têm dezenas, setenta ou oitenta viagens por semana para o Rio e São Paulo. Então o que acontece? Está aí a lesão. Como é que vamos nos ver livres da Américan Airlines ou da United Airlines, desses dois gigantes? Não vamos nos ver mais livres.

[sobreposição de vozes]

Leonel Brizola: Então o que acontece? Isso foi feito, está aí a lesão, nós ainda vamos ver o retorno da Vasp para o governo de São Paulo e um rombo, como aconteceu com a Aerolíneas Argentinas. É provável, não é? Então o que acontece? Eu quero dizer o seguinte: se dependesse de mim, eu incentivaria a formação em São Paulo de uma fundação nos moldes da fundação dos funcionários da Varig. Criar uma fundação dos funcionários da Vasp, fazer com que assimilem as virtudes da iniciativa privada, de uma empresa privada, mas com caráter de uma empresa pública. Essa inspiração me veio em função...

José Paulo Kupfer: Aí mantém o monopólio, governador, e aí se faz o monopólio para vôos externos, e aí preços mais altos...

Leonel Brizola: Por que monopólio? Não é monopólio. Há disputa com as outras companhias...

José Paulo Kupfer: Hoje em dia, governador.

[sobreposição de vozes]

Leonel Brizola: Está na disputa com as outras companhias. Que monopólio? Como é então, a Alemanha faz monopólio, a França faz monopólio. Quem tentou esse tipo de política foram os Estados Unidos, que se arrebentaram. Viram a Pan American se fundir, falir, e era uma espécie de símbolo dos Estados Unidos. Foi isso que ela conseguiu com esse tipo... Todos os países têm a sua bandeira representada por uma empresa. Fomos com isso, no fundo a inspiração de querer destruir alguma coisa que foi feita pelo povo brasileiro. Por que, eu pergunto, a intenção de destruir a Varig? Por quê? Eu pergunto. Isso é preciso elucidar, por quê? Pelo recalque de alguns grupos econômicos do capitalismo selvagem deste país, porque é uma empresa de natureza social? Não é estatal, é uma empresa eficiente, uma das poucas coisas que demos certo, que este país deu certo e, no entanto, está aí. Esses dois gigantes americanos que nunca conseguiram entrar aqui, há decênios, de repente chegaram, encontraram tudo limpo: ué, vão dar mesmo? Vão conceder? O que se passou aqui? De repente abriram o país para esses dois gigantes que podem fazer vinte anos um dumping sobre nós. É isso que conseguiram. Eu sei que um dia vou colaborar ainda com o povo de São Paulo para que se organize aqui uma fundação; temos know-how, temos um exemplo.

Luiz Caversan: O senhor vai colaborar como? Como presidente da República o senhor vai colaborar?

Leonel Brizola: Por que não como presidente do partido?

Jorge Escosteguy: É a segunda vez que o senhor fala: um dia ainda vamos fazer isso. [Está] pensando na Presidência da República ou...?

Leonel Brizola: Eu sou presidente do partido, alguma influência eu tenho. Não está na minha mente essa parte [a pretensão de ser presidente da República].

[sobreposição de vozes]

Fernando Mitre: Governador, continuando o próprio tema da sua última resposta...

Leonel Brizola: Isso já passou, escreva o que eu estou dizendo...

José Paulo Kupfer: A Presidência passou?

Leonel Brizola: Eu espero estar aqui daqui a cinco anos discutindo com vocês com a mesma energia, com a mesma garra. Quem sabe no ano 2000 nós não vamos estar aqui.

José Paulo Kupfer: Mas na Presidência não mais?

Leonel Brizola: Não, já passou para mim. Sabe, quando se chega aos setenta [anos], vocês vão chegar aos setenta e vocês vão ver como a gente atinge um patamar muito especial da vida da gente. A gente não tem ambições, a gente de certa forma se sublima em relação a muitas questões...

Eugênio Bucci: Fica mais paciencioso com relação aos presidentes da República.

Leonel Brizola: Não, não é questão de paciencioso, a gente fica mais justo, a gente deixa de ser pretensioso, deixa de ter pretensão, de achar que...

Eugênio Bucci: O senhor era pretensioso, então?

Leonel Brizola: Claro, na sua idade quem não vai ser? Claro que eu era, mais que pretensioso, por isso eu levei uma derrota na minha vida: me candidatei a prefeito de Porto Alegre [em 1951]... O Getúlio tinha vencido as eleições de quatro por um em Porto Alegre, e eu um ano depois fui candidato a prefeito. Levei uma lição, uma derrota: bendita lição, bendita derrota. Aquela derrota construiu a minha vida.

Jorge Escosteguy: Foi para o [Ildo] Meneghetti?

Leonel Brizola: Foi. Para um personagem que era simplesmente presidente de um clube. Era um empresário; eu até tinha sido empregado dele e não sabia, numa fábrica, porque sabe que os operários unidos de uma fábrica nem sabem quem são os patrões, e eu tinha 17 para 18 anos e trabalhei numa fábrica, Refinaria Brasileira de Óleos e Graxas, eu fui auxiliar de montagem, lá fiquei um ano. Anos depois foi que eu fui saber que era do Meneghetti. Por sinal, só para amenizar aqui a aridez desse nosso encontro – eu vou preferir dizer encontro, porque assim vocês não me censuram –, vocês sabem que eu tinha um colega, meio escurinho, ele tomava um banho e nadava num rio ali perto, comíamos aquele meio completo sem feijão, era uma coisa boa. Bom, depois até nos queimamos com uma explosão de uma autoclave e finalmente depois eu fiz 18 anos e acabei fazendo um concurso e fui-me embora dali. E ele ficou lá. Os anos foram passando, eu fiz engenharia, depois fui deputado estadual, depois reeleito deputado estadual, e é claro que às vezes aparecia num poste lá naquela zona ali, um cartaz. Ele ia olhar, me contou depois, e olhava, parecido com aquele rapaz, aquele camarada. Depois [fui] candidato a prefeito de Porto Alegre, a deputado federal, depois governador, muita propaganda, coisa e tal, e ele me via assim. Eu dava audiências públicas, como governador, então um dia eu cheguei assim, aquele moreninho, senhor assim, se aproximou de mim, me olhou: “Governador, o senhor não trabalhou na Refinaria Brasileira de Óleos e Graxas?”. Eu digo: trabalhei. “Mas, Leonel, o que tu estás fazendo aqui, Leonel?” [risos]. Coisa formidável. Ele achou que eu tinha cometido algum crime para ter chegado lá em cima.

Jorge Escosteguy: Governador, por favor, o Fernando Mitre não conseguiu terminar a pergunta e nós estamos chegando ao final.

[...]: [...]

Leonel Brizola: Por exemplo?

Carlos Augusto Setti: O governador Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, é um virtual candidato à Presidência da República e ele está próximo da sua idade, ele está com uns sessenta e tantos, e outros...

Leonel Brizola: Mas eu não troco minha saúde pela dele [risos].

Carlos Augusto Setti: A candidatura também ou não? O senhor troca também?

Leonel Brizola: Não, isso eu não tenho na cabeça. Eu acho que as eleições passadas não representavam a minha hora, não era minha hora. Eu acho que nós tínhamos que passar sob tudo isso, quem sabe lá se a minha contribuição ao meu país, ao povo brasileiro, não é exatamente isso que eu estou fazendo, dando a minha experiência. Eu estou gostando cada vez mais de escrever, sabe? Quem sabe lá se eu não vou colocar as minhas experiências, meu pensamento conclusivo no papel.

Jorge Escosteguy: O senhor pretende fazer um livro de memórias?

Leonel Brizola: De memórias não, mas...

Luiz Caversan: A minha pergunta o senhor já respondeu duas vezes, mas eu não me convenço, não me convenço. O senhor falou para a Marília Gabriela e para o Jô [Soares] que, durante a Eco-92, o poder público – municipal, estadual – não estava promovendo a retirada violenta, ou não, dos mendigos da rua. O senhor disse que houve quase que uma tomada de consciência por parte daquela população indigente, a maioria dela vivendo em condições sub-humanas, e que ela se viu ali quase que dizendo assim: já que eu enfeio a cidade, acho bom eu sair porque a Eco vem aí. O senhor acredita mesmo que aquela população alcançou esse nível fantástico de consciência para sair da rua numa boa assim?

Leonel Brizola: Não quer dizer que eles estivessem lendo jornais, embora muito mendigo goste de ler jornal. Eu muitas vezes passo por alguns lugares onde há mendigos acampados e tem uns mendigos lendo jornal.

Eugênio Bucci: Eles perderam a consciência depois da Rio-92?

Leonel Brizola: Sabe o que acontece? Eles foram naturalmente com muito... eles também ouviram de muitos assistentes sociais, possivelmente conselhos tanto de assistentes do governo quanto particulares. Houve essa cooperação, porque a população de mendigos não é uma população ignorante, de analfabetos. Uma vez, quando era estudante, debochava de um mendigo, adolescente, jovem, não me dava conta; de repente aquele homem se volta para mim de uma forma e acabou me dando uns conselhos de que eu nunca esqueci. Fui me deparar com um filósofo, porque ele realmente era uma pessoa culta. Agora, em regra, eles estão em condições de compreender muitas coisas. Muitas vezes é o alcoolismo que é a causa principal da mendicância. Agora, com respeito aos assaltos, também...

José Paulo Kupfer: Tem vezes que é o desemprego também, viu, governador?

Leonel Brizola: Claro, tem vezes não, eu acho que há muito caso de mendicância que cai em atividades de subemprego.

Fernando Mitre: Governador, “O nosso momento vai chegar”, o senhor não explicou. O senhor disse isso no começo do programa: “O nosso momento vai chegar”...

Jorge Escosteguy: Eu queria que o senhor respondesse esta última pergunta o mais breve possível, por favor, não podemos estourar [o tempo], porque estamos em rede. E esta talvez seja uma das primeiras coisas que, no dia em que houver a televisão [pública] no Rio de Janeiro, o senhor vai ter que obedecer [sorri].

Fernando Mitre: O que significa isso, se referindo ao PDT e ao rito espera?

Leonel Brizola: Francamente, eu pouco tenho a acrescentar. Nós temos pela frente esses momentos, vamos nos unir com a nossa bancada quarta-feira, vamos fazer uma reflexão em conjunto, vamos buscar ali os nossos caminhos, vamos ter o conhecimento do relatório da comissão, vamos ouvir especialmente os nossos representantes na comissão, vamos tratar de ampliar a nossa discussão interna do partido com uma reunião do diretório nacional e das bancadas, no Senado e na Câmara. E dia 24 de agosto, que é o dia da morte do Getúlio, que foi vítima de um movimento golpista e que, do seu sacrifício, é um dia símbolo para nós, vamos assumir a nossa posição própria. Francamente, nós não nos sentimos identificados com a posição do PMDB, do PT e do PSDB. Eles se dizem oposição, se autoproclamam. Muito bem, nós não temos nada que ver com o governo, porque tivemos com ele relações administrativas, temos com ele relações cordiais de natureza administrativa no trato dos problemas públicos; é um dever deles, governantes federais, e um dever nosso, governantes locais. Então, o que acontece? Nós somos independentes, inteiramente independentes, e achamos que essa posição vai engrossar na vida brasileira. E o que nos distingue desses três partidos é que eles estão colocando coisa embaixo do tapete, nós não. Nós queremos passar o Brasil a limpo, a limpo. Se surgirem coisas concretas em relação ao presidente, nós não nos opomos a que se investiguem, absolutamente. Achamos até que se deve investigar.

Jorge Escosteguy: Governador, governador Leonel Brizola.

Leonel Brizola: Deve-se instalar o processo adequado dentro dos ritos da Constituição, sem sair uma linha fora da Constituição. Defendemos a legalidade democrática, intransigentemente.

Jorge Escosteguy: Governador, desculpe interrompê-lo, hoje até eu consegui encerrar até um pouquinho mais cedo, só estouramos dois minutos. Vamos esperar então o dia 24 de agosto para ouvir e saber da opinião sua e do PDT. O Roda Viva agradece a sua presença aqui esta noite, agradece aos companheiros jornalistas e volta na próxima segunda-feira às 9 horas da noite. Até lá e uma boa semana a todos.

 

 

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