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Memória Roda Viva

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Lester Thurow

13/10/1997

"Os Estados Unidos levaram 120 anos para alcançar a Inglaterra. O Japão persegue os Estados Unidos há 130 anos para conseguir uma paridade de poder, mas não alcançou. Esse jogo para alcançar o mundo desenvolvido leva cem anos", avalia o economista

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[programa gravado]

Heródoto Barbeiro: Ele mostra como as forças econômicas de hoje moldam o mundo de amanhã. No centro do Roda Viva, [está] o economista norte-americano Lester Thurow. [Ele tem] 58 anos, nascido no estado de Montana, Lester Thurow é professor de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts [MIT]. Considerado um dos maiores especialistas mundiais em economia, ele tem sido consultor de política econômica nos Estados Unidos e em outros países. É editorialista da revista Newsweek e membro do conselho editorial do The New York Times. O professor Thurow participou recentemente da Conferência Internacional para a Integração e Desenvolvimento, realizada em São Paulo pela Confederação Nacional do Transporte. Ele veio falar sobre o futuro do capitalismo, que, aliás, é o nome de seu último livro, lançado recentemente no Brasil pela editora Rocco. Para entrevistar o economista Lester Thurow, nós convidamos o jornalista Antônio Carlos Pereira, que é editorialista do jornal O Estado de S. Paulo; o economista Paul Singer, que é professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo; o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda; o economista Gilberto Dupas, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e do Conselho Diretor da Fundação Getúlio Vargas; o jornalista José Antônio Severo, diretor da Gazeta Mercantil Latino Americana; a jornalista Jacqueline Breitinger, editora-assistente da revista Exame; o sociólogo Emir Sader, professor da USP e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros. Professor Thurow, boa noite.

Lester Thurow: É um prazer estar aqui.

Heródoto Barbeiro: Obrigado. Professor, no passado nós já vivemos, pelo menos no século XX, períodos em que o capitalismo não teve um concorrente ou um oponente tão grande quanto o comunismo, que terminou recentemente, pelo menos os Estados comunistas. Tivemos épocas em que só existia o capitalismo, no período, por exemplo, compreendido por volta da Primeira Grande Guerra Mundial [1914-1918]. E, no entanto, havia competição. A minha primeira pergunta ao senhor é a seguinte: essa mesma competição que acontecia no começo do século não pode existir hoje entre as próprias nações capitalistas?

Lester Thurow: Eu não acho que isso esteja certo. Vendo a história do capitalismo, há competição entre socialismo e comunismo desde o começo. [Otto von] Bismarck [(1815-1898) primeiro-ministro do reino da Prússia, unificou a Alemanha e foi o primeiro chanceler do Império Alemão] introduziu programas de saúde pública e de pensão na Alemanha em 1883, para afastar os comunistas e os socialistas do poder. E isso ocorreu anos antes do início do capitalismo, antes do advento do socialismo e do comunismo, mas durante todo um período histórico. E durante a Primeira Guerra, que foi um dos períodos em que o socialismo teve um de seus maiores trunfos, porque a Rússia se tornou a União Soviética [União das Repúblicas Socialistas Soviéticas], um país comunista, o primeiro do mundo. Portanto, não é certo dizer que o capitalismo teve um bom tempo sem uma oposição significativa. Houve dois períodos: quando começou, por uns vinte anos, e desde 1991, com a queda da União Soviética e com todos os governos socialistas do mundo dizendo que não mais acreditavam no socialismo. Veja a Inglaterra, onde o senhor [Tony] Blair [primeiro-ministro do Reino Unido entre 1997-2007] ganhou dizendo: “Se for eleito, farei o que fazem os conservadores”. E esse não é um partido socialista, ainda que se chame de Partido Trabalhista [Labour Party].

Heródoto Barbeiro: Professor, isso quer dizer em outras palavras o seguinte: que os grandes problemas do capitalismo não são originários dentro dele mesmo? Não são as suas contradições internas que o colocam em risco, e sim a falta de competição?

Lester Thurow: Eu me interessei em escrever esse livro porque o capitalismo prega que as firmas não são boas sem competição. A pergunta é: como ter um bom sistema sem concorrência? Se virmos as coisas positivas que foram introduzidas no capitalismo, elas ocorreram porque houve oposição. Como eu disse: Bismarck inventou programas de saúde e pensão pública para afastar os socialistas. O seguro-desemprego foi inventado por Churchill, quando ministro da Fazenda, para afastar os socialistas. Franklin Roosevelt inventou o Estado de bem-estar social para afastar os socialistas do poder nos anos 30. Olhe as grandes reformas: elas se deram por causa de oposição. A questão é: se houver problemas no futuro, como o capitalismo vai mudar se não houver oposição que o force a isso?

Gilberto Dupas: Professor Thurow, uma leitura atenta do seu último livro, que se chama O futuro do capitalismo, nos dá a sensação de que a sua opinião é de que dificilmente o capitalismo terá futuro. Cada um dos seus capítulos contém a possibilidade de um cataclisma. Eu vou ler aqui algumas frases que terminam alguns dos seus capítulos para dar ao nosso telespectador uma idéia: “Em algum ponto do futuro, os Estados Unidos perderão sua capacidade de financiar seu déficit comercial. Então, o fim virá”. Ou senão: “O sistema financeiro global irá experimentar um colapso equivalente ao craque da bolsa americana dos anos 30; aqueles com dívidas em yen e marco vão descobri-las e explodir”. Ou ainda: “Os fundamentalistas religiosos são um vulcão social em erupção”. Ou finalmente: “As economias avançadas estão produzindo o que Marx [Karl Marx] chamava de Lumpenproletariat [lumpemproletariado]. A desigualdade cresce em toda parte”. Em suma: a sua visão inclui explosões, maremotos, terremotos econômicos em todo lugar. Claro que existem problemas sérios no capitalismo moderno, e certamente o desemprego estrutural é um dos maiores – é aquilo que eu chamo de mancha negra na alma do capitalismo vencedor. Mas, por outro lado, os Estados Unidos, que são líderes dessa nova fase do capitalismo, esbanjam vitalidade. Nos últimos trinta anos, o produto nacional bruto americano cresceu 63%. Este ano, o produto americano cresce 5,6%; o desemprego, que já foi 8% poucos anos atrás, está em 4,9%; a inflação americana este ano está em 2,7%; e o lucro das chamadas empresas globais, que foi de 225 bilhões poucos anos atrás, fecha este ano, segundo a revista Fortune, em 480 bilhões. A liquidez internacional nunca esteve tão alta. Está certo que também ninguém previa a crise dos anos 30 e ela aconteceu. Mas será que o senhor não corre o risco de repetir o erro de [Thomas] Malthus [(1766-1834) economista e demógrafo britânico], que no início do século XIX previu uma catástrofe na humanidade, as pessoas morrendo por falta de alimentos, porque a agricultura não iria fornecê-los? Como nós sabemos, a advertência de Malthus foi oportuna, mas a sua previsão foi totalmente equivocada. Eu sinceramente espero que esse seja o seu caso.

Lester Thurow: Mas está citando só metade do livro. Na outra metade, você vai ter coisas otimistas. Um capítulo mostra como a inflação vai embora; outro capítulo, por que só haverá capitalismo. Não se pode trocar o sistema se não houver para onde mudar. O feudalismo durou mil anos, durante os quais seu desempenho foi péssimo; mas durou até que alguém tivesse outra idéia, senão não poderia ser substituído. Há um livro famoso nos Estados Unidos chamado O fim da história, de [Francis] Fukuyama, em que ele discute se teremos democracia e capitalismo para sempre. E isso não é verdade, porque um dia alguém inventará um sistema alternativo. Mas, enquanto não o tivermos, digo com cuidado no livro que o capitalismo vai sobreviver. A questão é: quem vai vencer? Alguns países vão se sair muito bem, outros não. Alguns grupos de pessoas vão se sair bem, outros não. E acho que o capitalismo tem problemas. O capitalismo sempre tem crises financeiras. Começou com uma crise financeira, se lembrarmos das tulipas, na Holanda, em 1624 [uma grande bolha especulativa sobre os preços das tulipas na Holanda, que fez com que o preço de uma única flor chegasse a custar mais do que uma casa, e que terminou com o colapso repentino da bolha e a queda abrupta dos preços, o que levou à ruína milhares de pessoas], continuando com a crise no Japão, com a maior queda no mercado de ações. E chegará a hora em que haverá uma quebra no mercado global. Isso é fato. É como geologia: se você sabe que há uma falha [geológica], como a falha de Santo André [San Andreas Fault], na Califórnia, haverá um grande terremoto; só não sabe se será daqui a um minuto ou daqui a dez mil anos. Acho que você foi seletivo. Existem coisas otimistas no livro. Ambas são verdadeiras. É o fato fundamental, os fatos bons e ruins, e vamos conviver com os dois, pois nem você nem eu temos outra alternativa. Marx tinha alternativa, mas ele morreu.

Heródoto Barbeiro: Nós estamos falando também do livro O futuro do capitalismo, que o doutor Lester Thurow está lançando no Brasil [aparece no vídeo a capa do livro]. Doutor Thurow, em uma das passagens aqui do seu livro, um dos capítulos, o senhor não inclui o sistema fascista nem o sistema nazista como sistemas capitalistas. Eu até agora, nos cursos que fiz, sempre...

Lester Thurow: [interrompendo] Lembre que os nazistas se chamavam de nacional-socialistas, pois acreditavam em uma forma de socialismo nacional, que era uma ala nacionalista do comunismo. Mas eles não eram capitalistas, por isso usavam a palavra nacional-socialismo, que é o que quer dizer “nazista”. E eles tinham uma visão cooperativista do mundo, que não era capitalista.

Heródoto Barbeiro: Então eu posso entender que, na concepção do senhor, o nazismo e o fascismo seriam aquilo que se chama de socialismo de direita?

Lester Thurow: Era uma forma de socialismo de direita, em que algumas pessoas dominavam certos setores, mas eles não acreditavam em firmas competitivas como acreditamos no capitalismo. Por isso, o nome nacional-socialismo.

Antônio Carlos Pereira: Professor Thurow, o capitalismo perdeu o estímulo da competição, da concorrência do comunismo, digamos assim, europeu, freqüentemente talvez por razões etnológicas. Insistem em dizer que o comunismo morreu, mas o comunismo oriental está aí vivo e bem vivo. E o senhor não julga que o comunismo oriental possa vir a ser ou já seja o estímulo que falta para que o capitalismo readquira algo de sua vitalidade ou não perca essa vitalidade? E, finalmente, nós temos, a partir de cerca de dez anos atrás, uma experiência de capitalismo e comunismo dentro de um único país, agora enriquecido pela reintegração de Hong Kong [à China, em 1997], que pode nos dar, talvez, um excelente exemplo de como essas duas forças interagirão e o que delas pode resultar. A minha pergunta é justamente essa: na sua visão, como elas interagirão e o que resultará dessa simbiose de comunismo e de capitalismo que se experimenta na China hoje?

Lester Thurow: A China é interessante, pois alegam ter governo comunista e economia capitalista. O problema é que o comunismo trata de economia, e o governo não – este deve desaparecer. E acho que o jeito certo de pensar a China é [entendê-la como] um governo autoritário que se faz passar por legítimo dizendo-se comunista. Mas governos comunistas devem praticar economia comunista. E ninguém em Pequim acredita em economia comunista. Acreditam que um governo totalitário tenha uma semi-legitimidade pelo comunismo, e uma ditadura não. Mas é importante fazer a distinção. Marx falava de economia, não falava de governo. E se ele tivesse desistido da economia comunista, não haveria comunismo. E [a China] não desafia o capitalismo, desafia a democracia. Os chineses argumentam que podem administrar melhor uma economia se não houver democracia. Se houvesse, administrariam o capitalismo, mesmo sendo um governo comunista. Não é um exemplo que desafie o capitalismo, e sim a democracia. Mas daí temos muitos exemplos no mundo de países que não são democracias e que desafiam a democracia.

Jacqueline Breitinger: Professor, no seu livro, o senhor descreve um modelo em que cada vez mais o capitalismo está se tornando concentrador de renda: os mais ricos estão ganhando mais e os mais pobres estão ficando com menos. O senhor não acha que isso pode ser um estímulo para o surgimento de alguma doutrina antagonista ao capitalismo, ou à direita ou à esquerda? Isso pode motivar o crescimento de movimentos fascistas, direitistas, ou mesmo o renascimento do comunismo e do socialismo?

Lester Thurow: Se você considerar o que ocorre na França e na Áustria, o que se vê estimular lá é gente que odeia estrangeiros. E a solução para os problemas de desemprego na Europa é expulsar os estrangeiros, mandar os argelinos à Argélia, os iugoslavos, os croatas e os bósnios de volta. O problema é que isso também não desafia o capitalismo, mas começa uma guerra étnica, que é o que veremos nos próximos cinquenta anos, pois nos últimos cinquenta anos nós não retiramos as fronteiras dos países. Essa é uma coisa em que americanos e soviéticos concordavam: nunca mexa em fronteiras. Se retirar uma fronteira, fica perigoso, pois um lado se alia com os soviéticos, outro com os americanos, e os mísseis começam a voar de Nova Iorque e Washington. Mas o que vimos e veremos muito são fronteiras mudando. Da ex-União Soviética saíram 15 países; da Iugoslávia, sete países diferentes; da Tchecoslováquia, dois. Toda fronteira vai mudar na África e ficar em outro lugar. Eu acredito que, em trinta anos, veremos muitos países na Índia. O Canadá será dois países. Na Espanha, os bascos e os catalães querem se separar da Espanha. Na França, os bretões e os corsos querem separar-se. E o senhor Blair, na Inglaterra, diz que vai dar um parlamento independente para o País de Gales e a Escócia, e eles não são independentes há mil anos. Há algo no ar que diz que, quando chegarmos a isso, escolheremos lados e teremos uma luta étnica. Não vamos atacar o capitalismo, mas um ao outro. Acho que esse é o perigo real. Há um capítulo no livro sobre separatismo étnico e fundamentalismo religioso. Acho que é nessa direção que estamos indo, e não na direção de uma rebelião ou de uma revolução marxista. Vamos na direção da retirada, grupos étnicos lutando entre si. Eu posso criar a minha religião. Pode ser da República do Texas, ou os budistas colocando gás no metrô de Tóquio***. É isso que o sistema gera quando todos estão frustrados.

Jacqueline Breitinger: Então o senhor acredita que o mundo vai voltar a uma fragmentação como a que existia antes da unificação européia, antes da colonização da Índia, da África, pela Europa? Vamos voltar àquelas velhas fronteiras de mil anos atrás?

Lester Thurow: Não diria que as velhas fronteiras, mas a maioria dos países, na história, mudam, começam e deixam de existir. Eu poderia dar muitos exemplos de países que existiam e não existem mais. Vamos voltar para isso, um mundo em que os países não são estáveis, não duram. Olhe a África: todas as fronteiras estão erradas. Simplesmente foram postas lá pelos exércitos britânico e francês, em reuniões na Europa, e não fazem sentido em termos de idiomas, de grupos étnicos, nem em termos de geografia. É o que acontece em Ruanda, Burundi, Congo, Zaire, todas as fronteiras vão mudar. Mas o que é interessante na América Latina é que ela tem as fronteiras mais estáveis do mundo. Não temos isso na América do Norte; o Canadá provavelmente vai se dividir. É interessante que estejam numa parte do mundo onde há menos conflito de fronteiras e menos probabilidade de que um país desapareça.

Emir Sader: Professor Thurow, a visão que o senhor nos dá da economia norte-americana no seu livro é contraditória com aquela que a grande mídia econômica internacional costuma nos passar; contraditória com aquela que o presidente [dos Estados Unidos, Bill] Clinton exibiu euforicamente na última reunião do G7 em Denver [em 1997]. Qual dessas visões é correta? A gente sabe que a flexibilização laboral é um tema fundamental do ciclo de crescimento atual, que é de um patamar muito mais baixo do que nas décadas do pós-guerra. Sabe-se que hoje em dia a troca de empregos é constante, e cada vez que se troca emprego se perde pelo menos 14% do poder aquisitivo. Sabe-se que a jornada de trabalho do norte-americano hoje é de 50,6 horas, isto é, o segundo e o terceiro trabalhos para complementar o salário, e a troca de trabalho significa a perda de poder aquisitivo. Qual das duas visões é correta?

Lester Thurow: Acho que ambas estão certas, dependendo do ponto de vista. [O senhor] descreve dois terços inferiores da América. Os salários caíram, precisam de múltiplos empregos, a esposa trabalha muitas horas, a renda familiar está estagnada. É verdade. A outra verdade é que, para os 20% do topo, são os melhores dez anos da história: o mercado de ações triplicou e você tem 85% das ações... os PIBs subiram e os lucros nos Estados Unidos vão para os 20% que estão no topo. E as pessoas que lêem e escrevem revistas, escrevem e assistem aos programas de televisão são esses 20%. E existe um tipo de euforia nos Estados Unidos de se viver o melhor período que já houve; e a outra parte diz que é o pior. Ambos estão certos. Depende de que parte dos Estados Unidos você olha. Um terço vai muito bem na economia global, e dois terços não. Outros vão bem, os que são representados no G7, quando os Estados Unidos se gabam para o resto do mundo.

Emir Sader: É verdade para os Estados Unidos também o que é verdade para a América Latina? Quanto melhores os indíces macroeconômicos, piora a situação social?

Lester Thurow: Não acho necessariamente verdade que haja uma ligação negativa entre boa macroeconomia e má microeconomia, mas também não há ligação positiva. Se virem países que detiveram a inflação, como o Brasil recentemente, isso é uma parte; a outra é pôr uma política de crescimento depois disso. Se parar a inflação e não crescer, você não ganha nada. É bom deter a inflação, mas o objetivo disso é pôr uma política de crescimento por trás. Se não, não se alcançará nada. O importante de se pensar num mundo em desenvolvimento é considerar um país como os Estados Unidos e o Japão. Nos últimos cem anos, crescemos de 3% a 4% ao ano. Temos uma renda per capita, em ambos os países, de US$ 30.000. Se estiverem atrás dos Estados Unidos e do Japão e quiserem ser um país desenvolvido, precisam crescer a 7% para alcançá-los. Os Estados Unidos levaram 120 anos para alcançar a Inglaterra. O Japão persegue os Estados Unidos há 130 anos para conseguir uma paridade de poder, mas não alcançou. Esse jogo para alcançar o mundo desenvolvido leva cem anos. E um dos problemas da América Latina é que as pessoas sempre acham que levará vinte anos, mas leva cem. E a questão é se algum país da América Latina consegue juntar cem anos de sucesso sólido de ponta a ponta. É um teste que deve ser feito.

Heródoto Barbeiro: Doutor Thurow, antes de passar para o doutor Maílson, apenas um pequeno conceito. Eu já me surpreendi aqui quando o senhor classificou o fascismo e o nazismo como economias não de mercado, não capitalistas, foi uma surpresa. E tem uma outra surpresa aqui: o senhor classifica a Idade Média como sendo Idade das Trevas, uma coisa que eu tenho visto historiadores combaterem nas últimas cinco décadas. E parece que o senhor retorna novamente à classificação da Idade Média como se fosse uma Idade das Trevas. A que se deve isso, doutor Thurow?

Lester Thurow: Bem, o que aconteceu foi que conhecemos o padrão de vida desse período. Sabemos que roupas usavam, as comidas que comiam, em que casas viviam e que se locomoviam com cavalos e charretes. E sabemos que não haveria uma cidade na Europa com uma vida melhor, até Londres em 1750. E sabemos que o auge da Idade das Trevas foi em 950. O padrão de vida nas cidades mais ricas da Europa, no auge, era de 10% da Roma Imperial. Basicamente, são mais de mil anos. Primeiro, o padrão subiu, depois desceu, mas nunca voltou a ser aquele que era. E isso é interessante, pois foi um fracasso que durou mil anos. E na história humana, há mais anos em que o PIB baixou do que em que subiu. Se contarmos o longo período em que desceu... e vale lembrar a história de que Deus não tirou a tecnologia das pessoas; elas não ficaram mais burras. Elas perderam a capacidade de se organizar socialmente para que as coisas sejam feitas. Esse problema também existe no mundo moderno. No auge do Império Romano, acreditava-se que a maioria das pessoas lia. E 900 anos depois, na Europa, apenas alguns monges sabiam ler. É possível que as pessoas percam conhecimento, como é possível que o obtenham. E costumamos agir como se isso fosse impossível. Não se perde conhecimento? A resposta é sim.

Maílson da Nóbrega: Professor, eu gostaria de voltar ao tema que o Antônio Carlos levantou da China. Tudo indica que o grande acontecimento político mundial de 1997, este ano, será lembrado como a devolução de Hong Kong à China. E é a primeira vez que se vai tentar uma experiência de um país [com] dois regimes. Há um temor de que a destruição da democracia em Hong Kong acabará por destruir também o [seu] capitalismo. O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial vão fazer sua reunião anual na terceira semana de setembro em Hong Kong, talvez para lembrar as autoridades chinesas da importância do capitalismo. Tem algo de simbólico talvez nessa reunião do FMI e do Banco Mundial em Hong Kong. Mas recentemente a revista The Economist saiu com um artigo muito provocador; diz o seguinte: ao contrário do que todo mundo está pensando, que o fim da democracia em Hong Kong vai significar o fim do capitalismo, e que é impossível realmente a sobrevivência de dois regimes em um só país, ele acha que, dado o interesse da China em preservar Hong Kong, o que vai prevalecer finalmente é o capitalismo. E Hong Kong seria o instrumento para tornar a China capitalista, ao contrário do que as pessoas estão dizendo.

[...]: O que chamam de Cavalo de Tróia.

Maílson da Nóbrega: É, o Cavalo de Tróia, ou seja, em vez de Hong Kong se tornar comunista, seria a China que se tornaria capitalista. Qual é a sua visão sobre isso?

Lester Thurow: Ninguém pode honrar o tratado que os britânicos fizeram com os chineses: “Um país, dois sistemas”. Nenhum país pode ter regras que digam que as pessoas de uma cidade podem ser ricas e as outras devem ser pobres. Não se pode dizer que Nova Iorque seja rica e Chicago, pobre; como não pode dizer, digamos, que o Brasil tenha leis que digam que as pessoas do Rio de Janeiro devem ser ricas e as de São Paulo devem ser pobres. O país explodiria. O mesmo é válido na China. Ou Xangai vai ter as regras de Hong Kong, ou Hong Kong vai ter as regras de Xangai. E acho que Xangai, em termos de capitalismo, vai ter as regras de Hong Kong. Mas, em termos de política e democracia, Hong Kong vai ter as regras de Xangai. E o desafio não é ao capitalismo, pois em Pequim se acredita em capitalismo. O desafio é à democracia. O problema é que os britânicos não têm credibilidade quanto à democracia, pois nunca realizaram eleições em Hong Kong. Por que os chineses devem levar os britânicos a sério quanto à democracia, se nunca a praticaram? As únicas eleições que os britânicos fizeram lá foram depois de concordarem em devolver Hong Kong. E acho que, por isso, há muito cinismo e ceticismo. Outra coisa interessante quanto a Hong Kong é que entenderam a história ao contrário: Hong Kong não enriqueceu a China, a China enriqueceu Hong Kong. Em 1977, antes de a China abrir-se, Hong Kong era um lugar muito pobre, onde se ia fazer ternos baratos. A renda era baixa. E quando abriram a zona econômica especial perto de Hong Kong, quem dirigisse uma fábrica têxtil ou de jóias, que eram as duas grandes atividades, bastava mudar para o outro lado da fronteira e cortava seus custos em 20%, vendia ao mesmo preço e enriquecia muito depressa. E o essencial é lembrar que a galinha dos ovos de ouro não era Hong Kong, mas a China, que deu um grande presente, permitindo que Hong Kong se desenvolvesse. Estou otimista quanto a Hong Kong a curto prazo, pois o grande prêmio é Taiwan. Pequim poderia colher Hong Kong na hora que quisesse, pois a água vem do continente. Se cortassem a água, os ingleses se afastariam. Taiwan é diferente. Se os chineses fizerem Hong Kong ficar mal, não conseguem Taiwan de volta. Então, tem todo o incentivo para serem bons em Hong Kong, por causa de Taiwan, que não faz parte da China há mais de cem anos. Era uma colônia do Japão antes da Segunda Guerra [1939-1945], e as pessoas de Pequim se preocupam com a possibilidade de não recuperar Taiwan. Esse é o grande prêmio e uma das razões por que o comportamento será muito bom em Hong Kong.

José Antônio Severo: Eu gostaria de perguntar sobre a nova ordem econômica internacional, principalmente a reorganização do comércio no mundo. Porque o senhor fez uma afirmação em uma entrevista que causou muita polêmica, assanhou muito os latino-americanos quando o senhor disse que os países nossos aqui da América do Sul deveriam vender para os países ricos, onde conseguiriam melhores preços, melhores condições, do que negociarmos entre nós. E nós aqui na América do Sul vivemos um momento, um ensaio, uma tentativa, primeiro de construir o capitalismo... Os nossos países estão desmontando os seus Estados; isso gera um desemprego enorme; as empresas, aumentando eficiência com a abertura, também geram desemprego. Na Argentina hoje temos uma situação dramática de 18% de desemprego em um país que não tem uma assistência, um seguro social eficiente, como é o caso de toda a América do Sul. Bem, por isso eu lhe pergunto: que caminho... nós estamos agora tentando construir o capitalismo com todo esse preço social que existe, e tentamos ao mesmo tempo complementar as economias através do comércio. O senhor diz que nós estamos comerciando errado, quando isso, inclusive, é um certo consenso de todas as tendências na América do Sul de que a nossa integração comercial é uma coisa positiva. O que o senhor diria sobre isso hoje?

Lester Thurow: É um problema histórico muito simples. Nunca ninguém ficou rico vendendo coisas para pobres. Você fica rico vendendo coisas para ricos. Veja os países que estão crescendo na Ásia oriental. Para quem o Japão vende mais os seus produtos? Para os Estados Unidos. Para onde Taiwan e Coréia vendem mais? Para os Estados Unidos. Para onde a China exporta a maioria dos seus produtos? Para os Estados Unidos. Há três grupos de pessoas ricas: Japão, Europa e os Estados Unidos. Você precisa atingir um desses mercados. Não há nada de errado com a integração da América do Sul. O Mercosul [Mercado Comum do Sul] é um pequeno passo positivo, mas não faz os países crescerem rapidamente. É o que se vê nesta parte do mundo. Comparem Brasil e Indonésia: dois países com pouco menos de duzentas milhões de pessoas. O Brasil começou mais rico que a Indonésia, e ainda é. Mas qual é o crescimento da Indonésia nos últimos vinte anos? A resposta é: entre 7% e 8%. E, no Brasil, deve-se perguntar: como conseguir um crescimento de 7% a 8%? Senão, nunca alcançarão os países desenvolvidos. O outro problema do livre-comércio é que nunca dura. Depois do colapso do livre-comércio na Europa, nós o tentamos nos Estados Unidos. O primeiro foi o dos artigos da confederação, que era uma área livre de comércio. Ela ruiu e teve de ser substituída pelo mercado comum. O interessante do Mercosul, ou do Nafta [Tratado Norte-Americano de Livre Comércio], é que não tem um futuro a longo prazo, se não começarem a se tornar gradualmente mercados e adicionarem alguns desses elementos. Está na história. Não achamos áreas de mercado livre que tenham durado mais do que vinte anos em toda a história humana. E há boas razões para elas não durarem. Dou um exemplo. Suponha que a Europa seja uma área de livre-comércio. Isso quer dizer que quando os alemães vão para a Espanha, compram a indústria espanhola e pronto. No mercado comum, os alemães chegam e compram a indústria espanhola, mas pagam impostos a fim de construir ferrovias para Sevilha, uma rodovia para Barcelona. Os espanhóis conseguem algo em troca, ainda que tenham vendido sua indústria, tendo que abrir para os produtos alemães. Os mercados comuns nivelam por cima; áreas de comércio livre nivelam por baixo. E quando se nivela por baixo, cedo ou tarde a área de comércio livre quebra. E, como disse, são positivas, mas não muito positivas, a não ser que se convertam em algo depois. Senão, eu garanto que o Mercosul vai falhar, se for apenas uma área de livre-comércio. Para ter sucesso, precisa ser um mercado comum, o que quer dizer que Brasil, Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai devem dispor-se a abrir mão de alguns poderes do governo; harmonizar as regras, como os europeus fizeram; começar a pagar uns impostos para ajudar as áreas pobres. Pode-se pegar dinheiro do imposto brasileiro e pô-lo na Argentina? Se a resposta for não, o Mercosul não tem futuro.

Paul Singer: Eu vou retornar à questão da alternativa ao capitalismo. No seu livro, o senhor disse que os partidos de esquerda do mundo inteiro estão desnorteados e fora do poder, basicamente porque não têm o que vender, não têm idéias, não têm propostas. Eu não vejo o mundo assim. Recentemente partidos de esquerda na Europa têm ganho eleições, inclusive na América Latina também. Mas mais importante do que isso, em nenhum dos nossos países parece haver consenso, pelo contrário, há uma polarização muito forte, principalmente nas relações entre mercado e Estado. A direita está procurando efetivamente reduzir ao mínimo a expansão ou a dimensão do setor público; a esquerda se opõe a isso. Há uma questão de prioridades macroeconômicas entre pleno emprego e manter a estabilidade e evitar a inflação a qualquer custo, e existe uma enorme divisão a respeito do papel do Estado em termos de regulação, de igualdade, de bem-estar social, de previdência. E eu acho que as posições que estão emergindo do lado daqueles que se opõem ao neoliberalismo na América Latina, na Europa, acredito que inclusive nos Estados Unidos talvez acabem desenvolvendo um programa que se poderia chamar de socialismo de mercado, ou pelo menos de socialismo democrático com o mercado. Gostaria de saber a sua opinião a respeito.

Lester Thurow: Bem, eu tive o cuidado de não dizer que a esquerda não pode ganhar. Pode ganhar, mas daí não será mais partido de esquerda. É o que vimos na Europa. Quem enxugou o governo espanhol? Felipe González, o socialista. Quem enxugou o governo sueco? Os social-democratas, o partido de esquerda. O que o senhor Blair prometeu? Não gastar mais dinheiro do que os conservadores gastariam, sem desprivatizar nenhuma empresa que foi privatizada. Isso não é um programa de esquerda. Eles ganham quando os governos de direita vão mal. Mas o problema é que não têm nada a vender. Veja o caos na França. É porque o socialismo não está funcionando [na época, Lionel Jospin, do Partido Socialista Francês, estava nos primeiros meses de seu mandato como primeiro-ministro]. Quando políticas conservadoras também não funcionam, voltam os socialistas, depois voltam os conservadores, os socialistas voltam. É uma nação presa num impasse. O problema é que os franceses não sabem lidar com a economia mundial. Não gostam do que vêem, mas ninguém tem alternativa, e você vê isso claramente porque, se voltarem os socialistas na França, o que farão? Não farão nada de diferente, vão aderir ao euro, diminuir o orçamento, privatizar as companhias, porque não há opção. Você tem razão, a longo prazo, alguém vai achar uma opção, mas ainda não se chegou perto de imaginar o que é agora. Nas últimas eleições americanas, em termos de economia, não faria diferença eleger Clinton ou [Bob] Dole. Os dois teriam feito exatamente a mesma coisa. As eleições se tornam uma questão de personalidade e não de política. Vendo essas eleições, há poucas diferenças políticas, mesmo quando há partidos socialistas concorrendo contra partidos conservadores. Veja na Espanha. Os conservadores substituíram Felipe González, e o que fizeram de diferente? Absolutamente nada.

Gilberto Dupas: Professor, eu queria voltar à questão do emprego e do desemprego. Talvez seja a questão mais crítica dessa virada de século do capitalismo global. E a tendência que nos parece clara é que o capitalismo moderno gera cada vez menos emprego formal para cada dólar investido em adição, a capacidade produtiva. A concentração dos atores globais tem gerado empregos cada vez mais qualificados, mas ao mesmo tempo expulsado para a ponta da cadeia, via processo de terceirização, de franchising etc, uma quantidade imensa de pessoas, empurrado essas pessoas para o informal, não é? E essa é uma questão crítica porque, na realidade, o informal, em tese, gera vínculos trabalhistas frágeis, e em tese geraria uma diminuição da qualidade do trabalho. Por outro lado, essa questão é muito importante, me parece que o que estamos assistindo é uma mudança do paradigma do emprego na virada do século. Na realidade, essa tendência do emprego formal se transformar em parte em emprego informal, me parece que infelizmente é uma tendência relativamente irreversível. Quando se vê a velhinha de Taiwan no fundo da sua garagem produzindo cadarço de tênis Nike para uma grande corporação, uma das maiores corporações de tênis do mundo, assiste-se claramente a um processo de terceirização em que se empurra para a ponta da cadeia processos menos qualificados e de menos renda. Mas, por outro lado, nós assistimos a coisas novas também. Por exemplo, no Brasil, uma recente pesquisa tem mostrado que os trabalhadores informais têm recebido maiores aumentos que os trabalhadores formais. Nos Estados Unidos, se se pesquisar quais são os três setores que mais geraram empregos nos últimos cinco anos, pasmem, o primeiro foram agências de trabalhos temporários, um dos outros que mais geraram empregos foi home care, que é basicamente um trabalho informal de atendimento a velhos, idosos, nas suas casas. E um também que se destaca muito é o emprego de entregadores, entregadores de pizza, de sanduíches etc no mercado americano. Ao mesmo tempo em que isso ocorre, assiste-se também em algumas faixas do emprego informal a uma melhora de renda e uma melhora de qualidade. É claro que há um choque. E eu fico me perguntando: até que ponto parte desse choque da transição não se deve ao estereótipo anterior do emprego formal, que tem que lidar com situações de fragilidade ou de mudanças do tipo: nas minhas férias, eu tenho que decidir se eu ganho dinheiro ou se tiro férias; eu vou contribuir para o meu programa de previdência privada e vou pagar por ele, ao meu programa de saúde e vou pagar por ele. Alguma mudança profunda e que gera uma insegurança razoável, mas ao mesmo tempo também há ganhos. A questão que eu lhe pergunto é a seguinte: parece-me também que essa tendência de substituição de empregos formais por empregos informais, em certa medida, é uma tendência irreversível, e o senhor vê dentro dessa tendência também, além dos aspectos negativos que nós conhecemos, alguns aspectos positivos?

Lester Thurow: É certamente reversível, mas tem razão, há muito disso. E uma das coisas que acontecem... se olhar para a Revolução Industrial, há gente que acha emprego em vilas agrícolas, mas não acham emprego em cidades industriais. São chamados de retardados mentais. E não eram chamados assim antes da Revolução Industrial, pois funcionavam economicamente e, na medida em que elevarmos a exigência de habilidades, certamente haverá pessoas ficando para trás. Por isso, falo no livro do crescente lumpemproletariado. O lumpemproletário é um trabalhador que a economia industrial, que paga salários normais e benefícios, não quer com salário algum, pois a produtividade dele é baixa. E acho que existe um elemento crescente nisso; os governos contribuem para isso. O que poderíamos fazer para melhorar o sistema seria parar de pagar o bem-estar social com impostos na folha de pagamento. Pague com outro imposto, não com a folha de pagamento ou impostos de emprego. Quando você faz isso, faz duas coisas ruins. Antes tem de cobrar muito, mas o que está dizendo é para que não se contratem pessoas em trabalhos legítimos. O pior é na Alemanha. Pagam-se vinte marcos por hora ao funcionário, e tem de pagar ao governo vinte marcos por hora. Assim, o salário é de quarenta, apesar de o funcionário só receber vinte. E há um incentivo para que se trabalhe na economia informal, pois, se eu pagar 25, ainda pago 15 a menos do que pagaria pelo teto legal. E o trabalhador ganha mais. Falo no livro como os trabalhadores estão indo para a economia informal, que é o que as companhias fazem. Elas vão para outro país, onde não precisam pagar esses impostos, porque ninguém tem de pagar imposto brasileiro. Você sai do país e vai produzir em outro lugar e não paga os impostos ao Brasil. Esse fenômeno de ir para fora não é só um fenômeno do trabalhador, mas das empresas, e isso limita o que o governo pode fazer em termos de impostos que devem cobrar e como organizar sua economia, porque os dois lados podem deixar a economia legal. As firmas, indo para outro país, e as pessoas entrando na economia informal. A longo prazo, não funciona.

Emir Sader: Mister Thurow, nas características que moldariam o mundo de hoje, eu teria diferenças, eu acho que o senhor deveria colocar a crise do chamado Terceiro Mundo, seja econômica, seja política, organizativa, que é um dos fatores que possibilitam uma reorganização de forças em nível internacional. Mas a principal diferença que eu tenho é com quando o senhor disse que há um mundo multipolar, como se deixasse de haver uma hegemonia. Eu acho que o fim da Guerra Fria, ao contrário, consolidou a hegemonia norte-americana, do ponto de vista militar, do ponto de vista dos meios de comunicação, do ponto de vista também econômico e tecnológico, até pelo fato de que é a única potência que tem políticas mundiais hoje em dia elaboradas. Então, eu não entendo como o senhor consegue justificar. Eu acho que é indevidamente justificada no seu livro essa caracterização, já que um dos elementos fortes hoje em dia é a unipolaridade, especialmente quando os Estados Unidos se recuperam economicamente, recupera a indústria automobilística, consolida a hegemonia na informática e todos os outros aspectos. Mas além disso, somado o aspecto militar e o aspecto geopolítico, eu acho que uma característica evidente dessa virada de século, e possivelmente se projete no século que vem, é essa. E também acrescentaria outra questão. No livro anterior do senhor, o senhor diz que a hegemonia do século XXI poderia ser européia. Eu queria que o senhor analisasse isso, já que as projeções indicam muito mais uma hegemonia norte-americana e asiática entre Japão e China.

Lester Thurow: Bem, deve-se separar as coisas militares e econômicas. É verdade que os Estados Unidos têm mais poder militar que o resto do mundo, que qualquer país já tenha tido. Mas é inútil, pois não queremos que americanos morram. Se não estiver disposto a suportar que três americanos morram, pode explodir o mundo, mas não pode ir para uma guerrilha na Somália, o que vimos recentemente. É como um grande lutador com problemas de músculos. Somos a pessoa mais forte da cidade, mas não podemos lutar contra ninguém, e eu não creio que esse poder militar seja útil e, economicamente, o Japão pode dizer não – não precisam mais da proteção americana. A Europa não é tão cooperativa como era, porque eles não precisam do exército americano na Alemanha do modo como precisavam. Vê-se isso por toda parte. Você fala em Terceiro Mundo, [mas] ele não existe mais. Há países na Ásia Oriental, não só a China, mas a Indonésia, as Filipinas, Tailândia, Malásia, que crescem a 7%, alcançando o mundo desenvolvido. Há países na África que estão ruindo. O PIB e a renda per capita estão abaixo dos níveis de 1965, com taxas negativas de crescimento. Há países no sudoeste asiático, como a Índia e o Paquistão, e há o Egito, que crescem mais rápido que antes, mas tão lentamente, que nunca alcançarão. E, depois, a América Latina, que considero um continente de marajás, porque você vê países que crescem rapidamente por períodos de dez a 15 anos. De 1968 a 1978, o Brasil era a economia que mais crescia no mundo e, de repente, vai por água abaixo. O mesmo aconteceu com o México. O Chile está bem nos últimos 15 anos, mas os 15 anos anteriores foram desastrosos. Vendo os últimos trinta anos, o desempenho é medíocre. E, na América Latina, o truque é: quem vai se tornar um corredor da maratona econômica? Você não pode ir bem dez anos e desabar como o corredor de cem metros desaba depois da linha de chegada, mas deve somar décadas de sucesso econômico. Sou otimista quanto à Europa por uma razão simples. Em toda a Europa há um bilhão de pessoas; é exatamente do mesmo tamanho que a China, uma área equivalente à da China. Se você e eu brincássemos de Deus, dizendo: você pode ter qualquer bilhão de pessoas do mundo que quiser, e haverá uma corrida econômica, qual bilhão escolheria? A resposta é: o bilhão da Europa. São os mais ricos e mais bem educados, de melhor infra-estrutura e de melhor tecnologia. Há só 650 milhões nas Américas do Norte e do Sul. Somos bem mais pobres, menos educados e temos pior infra-estrutura. E não ia escolher a China. A Europa é o melhor bilhão de pessoas do mundo em todas essas dimensões. Por isso sou otimista em relação à Europa. Ela tem muitos problemas em lugares como a Bósnia, mas, se pensarmos nela como um tabuleiro de xadrez econômico, é a que tem melhor posição no tabuleiro. Quem é o mais rico bilhão de pessoas? Não há ninguém por perto. Nem com metade da renda dos europeus.

Heródoto Barbeiro: Muito bem, nós vamos fazer um intervalo agora e daqui a pouquinho nós voltamos entrevistando o economista Lester Thurow, aqui no nosso Roda Viva. Até já.

[intervalo]

Heródoto Barbeiro: Nós voltamos aqui ao Roda Viva com a nossa entrevista de hoje, com o economista norte-americano, doutor Lester Thurow. Professor Thurow, aqui pelo menos, nos lados da América Latina, nós tivemos períodos em que algumas questões foram consideradas estratégicas. Uma delas foi o petróleo, outras, os minerais de uma forma geral. E recentemente o Brasil vendeu uma das suas grandes empresas estatais, que mexe com mineração, a companhia Vale do Rio Doce. E um dos argumentos muito divulgados pela imprensa e debatidos também pelos nossos convidados em programas de debates é de que esse minério teria perdido a sua forma estratégica: ter minério no mundo não é mais ter um elemento estratégico. A impressão que eu tive também aqui do livro do senhor é que ter capital também não é tão estratégico. Eu pergunto ao senhor o seguinte: nessa economia do futuro, o que é que é estratégico? O que um país precisa ter para crescer e para poder se desenvolver?

Lester Thurow: Acho que há só uma coisa que, no século XXI, será a maior vantagem competitiva, que é a habilidade e o conhecimento da força de trabalho. Tecnologia, habilidades e educação são os recursos estratégicos. E os recursos naturais, se pegarmos um bocado de tudo: produtos alimentares, minerais e energéticos, o valor disso, ou seu preço, caiu 60% em vinte anos. Vai cair mais 60%, porque a matéria-prima vai jorrar da ex-União Soviética. Vamos pôr conhecimento nas indústrias de extração, que terão muito mais recursos e serão muito mais baratos. A biotecnologia vai mudar a agricultura e a indústria de crescimento; a microeletrônica, a biotecnologia, os novos materiais, as telecomunicações, todos são construídos com o poder do cérebro. Temos um bom símbolo aqui: por mais de cem anos, as pessoas mais ricas estavam ligadas ao petróleo. Começou com [o homem de negócios] John D. Rockefeller [1839-1937] no século XIX, nos Estados Unidos, até o Sultão de Brunei [Hassanal Bolkiah, sultão desde 1968], no fim do século XX. Hoje é Bill Gates [(1955-) fundador da Microsoft], um trabalhador do conhecimento. Pela primeira vez na história humana, alguém que tem cérebro tem mais dinheiro que alguém que tem ouro e petróleo. É um mundo inteiramente novo. É um símbolo poderoso de uma mudança incrível, em um período curto, de como enriquecer. E não é só Bill Gates. Se verificar quem são os cinquenta americanos mais ricos, você não verá mais ninguém ligado ao petróleo. Antes, eram quase todos eles donos de petróleo, e não é só uma pessoa, isso permeia a lista toda. Hoje, o governo não se interessa por quem tem minérios, mas em quanto dinheiro você tira disso. Ter uma indústria petrolífera estatal ineficiente, que não rende, como a Venezuela, não adianta nada. É melhor deixar a Shell produzir o petróleo, e talvez o governo obtenha dez dólares por barril, mais do que a estatal da Venezuela. Ter não é o essencial, mas sim ter habilidade e conhecimento.

Emir Sader: Uma questão que tem a ver com esta, só para complementar: por que os Estados Unidos fizeram a Guerra do Golfo com tanto ímpeto, mantêm as suas tropas no Kuwait e na Arábia Saudita? Por que, uma vez que o México teve dificuldades econômicas, os Estados Unidos fizeram empréstimos, mas hipotecou as divisas do dólar mexicano e têm um olho voltado para a privatização e a desnacionalização do petróleo mexicano, se essa não é uma questão mais tão importante?

Lester Thurow: Bem, eu acho que o golfo persa, em um certo sentido, lutou sua última guerra. Os generais ainda não tinham concluído que o petróleo não é estratégico. Ainda achavam que era. O preço do petróleo está mais baixo do que na primeira crise da Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] em 1972, em termos reais. A outra resposta é que a União Soviética entrou em colapso, e era uma chance de George [H. W.] Bush [presidente dos Estados Unidos entre 1989-1993] provar que era um presidente de política externa, que era o que ele fazia. E não acho que o problema com o México em 1994, 1995 teve algo a ver com o petróleo, mas sim com a migração. Porque tínhamos medo de que, se no México houvesse caos, milhões de pessoas atravessassem a fronteira, e acho que isso era mais importante que os Estados Unidos pensarem que o México produz petróleo, pois há um excesso de petróleo no mundo. Estamos com um número recorde hoje de reservas comparadas com o uso. E, no ano passado, descobrimos um bilhão e meio de barris. É mais do que usamos. O mundo tem outra dimensão em relação a 1972. E acho que a Guerra do Golfo foi o último suspiro da indústria do petróleo. Hoje não aconteceria.

Paul Singer: Eu tenho uma outra pergunta também ligada a sua última resposta ao Heródoto. É a respeito exatamente dessa nova situação em que as habilidades e o poder cerebral parecem ter tomado uma nova importância. É que no seu livro e também nas suas respostas, a maior fonte dessas habilidades e do poder cerebral é a escola. Então há muita ênfase na importância da educação escolar. Eu sou um professor e, por causa disso mesmo, eu sou muito cético a respeito disso, não da importância do poder cerebral e das habilidades, mas que a escola seja decisiva para adquiri-los. Eu acho que tudo o que eu sei é que a escola está longe do trabalho concreto que é desenvolvido em qualquer lugar. Ela tem um papel importante no sentido de dar cultura, mas as habilidades economicamente valorosas são em geral obtidas no treinamento, no aprendizado no próprio trabalho e também por autodidatismo. Eu gostaria de saber sua opinião a respeito.

Lester Thurow: Quando falo de poder de cérebro, não falo só de educação formal, mas de habilidades adquiridas no trabalho. E o melhor exemplo é o Bill Gates, que não terminou a faculdade. Ele saiu de Harvard depois de um ano e meio. Não é preciso educação universitária para ser rico, certamente. Mas é necessário ter habilidades e conhecimento, seja lá como você os adquira. Bill Gates não se formou, mas adquiriu muito conhecimento sobre computadores, softwares. Tem razão. É o que interessa em todas as sociedades e antes nunca aconteceu; astros do esporte e apresentadores não costumam ter educação, e são os mais bem pagos hoje. [O tenor italiano Luciano] Pavarotti [1935-2007] é provavelmente o cantor mais bem pago da história humana. Sua voz não é melhor que a de [Enrico] Caruso [(1873-1921) tenor italiano], mas este estava limitado aos teatros e concertos, em termos de dinheiro, ao passo que, em CDs e fitas, Pavarotti canta para o mundo e cobra para que o mundo o ouça. A chave não é conhecimento baseado na escola, mas sim o conhecimento como quer que você o adquira. Há pouco, houve uma luta de boxe entre pesos pesados, e os dois participantes iam ganhar 65 milhões de dólares. Eles não são famosos pelo conhecimento, mas são a exceção, não a regra.

Gilberto Dupas: Eu queria voltar à última eleição americana para relembrar um tema que foi um dos temas mais debatidos na última eleição, que foi levantado a partir da questão do desemprego tecnológico industrial. É de novo uma praga que assusta o cidadão americano, não é? E na última eleição houve um debate puxado pelo Robert Reich, que então era secretário do Trabalho, sobre a chamada responsabilidade social das grandes corporações. Se é verdade, e é verdade, que as grandes corporações mundiais geram um retorno tecnológico moderno, e que esse retorno tecnológico moderno causa o desemprego estrutural, e é sancionado por nós consumidores, porque queremos comprar produtos cada vez mais baratos e de melhor qualidade, do outro lado, a questão é a seguinte: as empresas globais hoje, segundo o Robert Reich, percorrem o mundo em busca de empregos mais baratos, países com a legislação mais fácil em termos ambientais, em suma, buscam a escória do mundo, em termos de preços, fatores de produção, para poder produzir mais barato. E, segundo o Robert Reich, não têm nenhuma responsabilidade social. Respondendo a essa questão, o presidente da Chrysler, o Robert Eaton, disse o seguinte: é uma estupidez imaginar que o papel da empresa moderna seja ter uma responsabilidade social; o papel da empresa moderna é ser eficiente, produzir produtos baratos e de boa qualidade. Na realidade, se ele não for eficiente, e se ele se preocupar com a questão social ele vai perder competitividade e vai gerar desemprego. Essa é uma questão importantíssima, muito mal resolvida ainda no mundo moderno. Na sua opinião, a grande corporação internacional deve ter responsabilidade social também?

Lester Thurow: A resposta óbvia é que deveria ter, mas não terá, pela razão que o senhor Eaton citou. As corporações modernas não resolverão os problemas sociais. Podemos acreditar que deveriam, mas não o farão, porque o propósito delas na vida é de enriquecer o acionista. Se quiser usar os impostos para propósitos sociais, tudo bem, com a condição de não cobrar muito. Aqui no Brasil, vocês viram o problema: as montadoras de carros indo para outro estado, negociando para não pagar impostos. Se a montadora não paga impostos, o estado não terá dinheiro para a educação, e seria melhor que os estados gastassem dinheiro em educação e não o dessem às montadoras. E é claro que não se pode culpar ninguém, exceto o Brasil, cujo governo deveria tornar ilegal que os estados dessem tais deduções de imposto. Se você dirigisse a empresa, também pediria isso. O governo estadual não deveria poder fazer isso. Temos o mesmo problema nos Estados Unidos. A BMW e a Mercedes, quando abriram suas fábricas na Carolina do Sul e no Alabama, receberam dos governos estaduais US$ 400.000 por emprego, e isso é uma loucura, porque viriam para os Estados Unidos mesmo sem diminuição de impostos. O mesmo vale para o Brasil. A questão é onde [se instalarão] no Brasil, e não se virão. Vocês estão jogando fora dinheiro de imposto. Não culpem as empresas por isso, culpem a si mesmos.

Jacqueline Breitinger: Professor, na questão da globalização, o senhor acha que existe uma contradição entre um mercado globalizado, onde se pode produzir qualquer coisa em qualquer lugar, e a formação de blocos econômicos, como a Comunidade Européia, como o Nafta? E o que vai acontecer com os países que não estiverem inseridos em blocos, por exemplo, países pobres da África, ou mesmo países latino-americanos do Caribe? O que vai acontecer com eles? Eles vão ter lugar na economia mundial? Eles vão se transformar em párias ou eles vão ter que criar seus próprios blocos para tentar se impor no mundo?

Lester Thurow: Se olhar para alguns desses grupos, eles estão a meio caminho de uma economia global. E você tem razão: há países no mundo, e a África seria o melhor exemplo, que ficarão de fora, serão marginalizados. Ninguém liga para os 500 milhões que vivem na África. Estão no globo, não na economia global. Quem os quereria em seu bloco? Ninguém. Não acho que a América Latina seja a África Central, não estão na mesma situação. Há países tão grandes que não precisam estar em um bloco, como a China. A China é um bloco, é um quarto da humanidade, sozinha, não precisa estar em um grupo. Mas há relação entre os grupos: quem fica dentro, quem fica de fora. O Nafta, por exemplo, teve um mau efeito nos países caribenhos, pois as confecções que ficavam no Caribe estão indo para o México, pois há acesso preferencial pelo mercado americano. E não há dúvida que o Nafta prejudicou a Jamaica e outras ilhas do Caribe. Há efeitos negativos, sem dúvida.

Antônio Carlos Pereira: Doutor, o senhor é um crítico severo do Mercosul porque o senhor entende que o Mercosul é uma zona de livre-comércio, e as zonas de livre-comércio têm curto alcance. Parece-me que o Mercosul não é uma zona de livre-comércio, parece-me que o Mercosul é uma união aduaneira, um zollverein [zona aduaneira] imperfeito, contudo um zollverein. E caminha, eu diria, aceleradamente para assumir características de mercado comum. Digo aceleradamente em relação, por exemplo, ao que ocorreu com a Comunidade Européia, que deu espaços que o Mercosul já deu há muito mais tempo. O Mercosul queima etapas. Eu lhe pergunto: o que o senhor acha? O senhor mantém a mesma opinião que tem sobre o Mercosul com respeito ao Nafta, este sim uma zona de livre-comércio que não pretende ser mais [do que] uma zona de livre-comércio? E qual é a sua opinião a respeito da Alca, a Área de Livre Comércio das Américas, projeto pelo qual o presidente Clinton tem um enorme apreço, joga toda sua influência política para transformar as Américas em um enorme jamboree de livre-comércio, com 35 países, mas apenas de livre-comércio?

Lester Thurow: Cuidado. Nunca fui negativo quanto ao Mercosul. Eu disse que, se não se converter em um mercado comum, não durará. É uma coisa positiva, não negativa. Mas não resolve também os problemas da América do Sul. Acho o mesmo do Nafta, que não vai durar, a menos que se torne mais do que um área de livre-comércio. E, no momento, você tem razão, não passa disso. E, no tempo da crise do México, o Nafta quase desmoronou. E poderia ter desmoronado facilmente naquela situação. O problema das áreas de livre-comércio das Américas é que o Bill Clinton não consegue fazê-las passar pelo Congresso. Pode falar delas, mas não consegue pôr o Chile dentro. Não conseguiu votos no Congresso para isso. Por enquanto, é só conversa. Não sei de provas, mas de contraprovas; segundo elas, o Bill Clinton quer, ele não consegue fazer passar no Congresso, dominado pelos republicanos. O México teve sorte com o Nafta. Aquele tratado foi negociado por George Bush, que queria provar que sua especialidade em política externa tinha relevância econômica interna. Ele nunca conseguiu aprovação para isso em um Congresso dominado pelos democratas. Daí, Bill Clinton é eleito e, devido ao que o ex-presidente tinha feito, ele se sente moralmente obrigado a levar isso adiante e apresentar ao Congresso. Mas ele não conseguiria hoje, no Congresso, adicionar nenhum país latino-americano ao Nafta.

Maílson da Nóbrega: O professor Paul Krugman [economista norte-americano] tem sido um severo crítico de algumas das suas posições, especialmente do seu penúltimo livro Head to head, e ele acha que o senhor fez uns cálculos equivocados a respeito da importância do déficit americano em relação ao Japão, quanto custava de empregos. Ele acha que o senhor exagerou a importância do déficit americano em relação à perda de emprego nos Estados Unidos. Interessante que hoje o déficit não desapareceu e a economia americana apresenta um dos mais baixos níveis de desemprego de sua história recente. Quem está certo, o Paul Krugman ou o senhor?

Lester Thurow: A questão não é de emprego nos Estados Unidos. Criamos muitos empregos. A questão é de empregos bem pagos. Se você compra carros e equipamentos no Japão, você perde os empregos bem pagos. Criamos empregos em serviços. Em termos de números, você não perdeu empregos, mas eles pagam metade dos salários, esta é a questão. Achei que ia se referir ao outro conflito que tive com Paul Krugman, ou seja, até que ponto há salários menores por causa da tecnologia? E até que ponto há queda de salários por causa da equalização de preços na economia global? Eu estou do lado que diz que isso se deve mais ao fato da equalização do preço e tem de ser esse o caso. A definição da economia global pelos capitalistas que decidem procurar os fatores de produção mais baixos, pois se os capitalistas não fizerem isso, não se tem uma economia global, mas agora nós a temos. E é o que os capitalistas estão fazendo. O fator da equalização de preços tem um papel importante. Não é o único papel, mas é importante na queda de salários nos Estados Unidos. O senhor Krugman também acha isso. É uma questão de quanto.

Maílson da Nóbrega: Mas ele sustenta que isso não é um jogo de soma zero, e que todos ganharão com o comércio internacional, mesmo que os Estados Unidos tenham déficit.

Lester Thurow: Isso não é empiricamente verdade nos Estados Unidos, porque temos 60% da população cujos salários estão menores do que em 1970. Pode-se discutir a razão; nem Paul Krugman discute isso. Há um grande grupo de perdedores nos Estados Unidos. A questão é: por que perdem? Isso se deve à tecnologia, ao comércio mundial ou ao fato de os sindicatos terem sido afastados da economia americana? Há muitas explicações, mas ninguém se lembra de que dois terços dos americanos não têm vencido economicamente nos últimos 25 anos.

Heródoto Barbeiro: Doutor Thurow, pensando no que o senhor está falando, em todas as etapas da evolução do capitalismo, ele sempre esteve ligado ao Estado-nação. Na fase de acumulação primitiva nos séculos XVI, XVII e XVIII, na fase da Revolução Industrial, na fase do imperialismo no século XX, sempre o Estado-nação esteve diretamente ligado ao capitalismo, muitas vezes até representando os próprios interesses dos grupos capitalistas. Recentemente se falou no enfraquecimento desse Estado-nação, e que num futuro próximo a competição internacional poderia não ser entre o Estado-nação A contra o Estado-nação B, mas entre corporações que iriam disputar esse mercado internacional. Então nessa visão do senhor em relação a esse futuro do capitalismo, eu gostaria que o senhor nos explicasse o seguinte: qual o papel que vai ter o Estado-nação nessa disputa?

Lester Thurow: Eu acho que os países têm três coisas importantes a fazer, economicamente. A primeira é criar uma força de trabalho de nível mundial em termos de habilidades e educação. É claro que os capitalistas não farão isso. Se Cingapura tiver uma força de trabalho melhor que o Brasil, eles irão para Cingapura, nunca ajudarão o Brasil a ter uma força de trabalho melhor. A segunda coisa que os governos precisam é fazer com que o país tenha uma infra-estrutura de classe mundial. Pode conseguir que a iniciativa privada o faça com incentivos, mas precisa ter portos tão bons como os do resto do mundo, transporte de terra e ar tão bons quanto o resto do mundo e telecomunicações tão boas quanto o resto do mundo. A terceira coisa é que deve haver uma estratégia para adquirir tecnologia e conhecimento. Um país pequeno ou pobre não pode reinventar as coisas. Na China, a estratégia é: não o deixamos entrar no mercado chinês se você não trouxer tecnologia para a China. Em Cingapura, a estratégia é: seremos o melhor lugar para a fabricação externa, portanto traga para Cingapura a sua tecnologia. Mas você precisa de uma estratégia para obter tecnologia. Um país como o Brasil não deveria precisar de dinheiro externo. Vocês têm condições de economizar o dinheiro que precisam para investir. O Brasil precisa de tecnologia, mas os que a têm não a trazem se não puderem também investir. Por isso, há os investidores estrangeiros. São as três coisas que o governo deve fazer: ter uma estratégia para adquirir tecnologia; garantir que o país tenha uma infra-estrutura adequada e produzir a melhor força de trabalho do mundo. Só isso. O governo não precisa administrar empresas. Não se pede que faça mais nada, só essas três coisas. O mesmo acontece se você quiser deter a inflação, o que é bom, mas isso, isoladamente, não leva a nada em termos de melhores padrões de vida. É necessário ter uma política de crescimento que envolva essas três coisas. É assim que julgo os governos. Se puderem produzir essas três coisas, produzirão uma sociedade que vai ter sucesso no século XXI. Com uma força de trabalho não habilitada, vocês serão um fracasso. Não é previsão, é um fato. Se olhar o país, dirá... Bem, hoje me disseram que o trabalhador médio no Brasil tem escolaridade de 3,9 anos. Vão competir com países cujo trabalhador médio tem 12 anos de escolaridade, o triplo. Não se trabalha com quatro anos de escolaridade, não funciona.

Maílson da Nóbrega: Só para esclarecer, esse segundo ponto, o da infra-estrutura, nós temos tido um debate aqui no Brasil, se o governo deve prover diretamente a infra-estrutura através da construção de estradas, de ferrovias, serviços de telecomunicações, ou se ele deve criar o ambiente regulatório adequado para que o setor privado seja o provedor dessa infra-estrutura. Quando o senhor fala que é o Estado, o senhor quer dizer que é o Estado diretamente? Ou o Estado criando as condições para que o setor privado produza a infra-estrutura?

Lester Thurow: Acho que os dois. Se você fala de uma infra-estrutura que vem atrás do mercado, precisa dos regulamentos e de impostos para que a empresa privada o faça. Por exemplo: uma empresa privada faria com prazer uma super-rodovia de São Paulo ao Rio de Janeiro. Se se trata de uma infra-estrutura que abra o centro do país quando não há gente lá, nem economia, tem de ser um investimento do governo. Eu uso a analogia nos Estados Unidos. A leste do rio Mississipi, as ferrovias foram construídas com dinheiro particular, porque construíam atrás do mercado, nas grandes cidades. A oeste do Mississipi, as ferrovias foram construídas com o dinheiro do governo, pois estavam abrindo mercados no que era um espaço aberto. É a mesma coisa. A internet, nos Estados Unidos, durante vinte anos foi investimento do governo, porque não havia uma população de internet para apoiá-la economicamente. Hoje, pode ser um investimento particular. Assim sendo, os governos devem saber quando investir e quando não investir, quando regulamentar e quando não. Não é só dizer: o governo deve ou não investir, regular ou não. Talvez tenha de fazer os dois, depende do que se trata. Há vinte anos, a internet não era economicamente viável, por isso o governo a pagava. Estava certo, pois deu uma grande vantagem econômica aos americanos. Nós a tínhamos vinte anos antes do resto do mundo. Se olhar as companhias líderes na internet, são todas americanas. Isso se deu devido ao investimento do governo. Portanto, ambos.

José Antônio Severo: Agora, essa questão do futuro do capitalismo é a questão do próprio capital, o capital dos recursos de longo prazo para investimento, porque é aí que está a questão, aparentemente, o futuro dessa economia internacional, dessa economia do mundo. Esses recursos, os Estados Unidos arrumaram uma saída, dos anos 50 para cá, mas principalmente depois, nos anos 70, através dos recursos da previdência social, da captação do dinheiro do trabalho e dos seus fundos de pensão. Hoje são os donos da economia dos Estados Unidos. No entanto, o envelhecimento da população, em poucos anos nós vamos ter a inversão, vamos ter menos contribuintes, e a grande população de velhos poderá colocar em colapso esse sistema de provisão de recursos de longo prazo para investimento. Ao mesmo tempo, os recursos que nós temos no capital financeiro, hoje, no sistema financeiro, muito volumosos, dificilmente esse dinheiro se transformará em investimento de longo prazo na economia para a produção. Então, eu gostaria de perguntar ao senhor como o senhor vê... de onde sairão os recursos ou como seria possível se criar uma fonte de recursos para investimento a longo prazo, tanto para as empresas como também em infra-estrutura e todas as outras demandas de capital que haverá no mundo?

Lester Thurow: A resposta simples é taxar o consumo, forçar a poupança. Todo país nas Américas, até os Estados Unidos, poupa muito pouco. Na América Latina, 20% do PIB; no Brasil, só 16%. Todo país na Ásia está poupando de 35% a 50% do PIB. Se comparar os Estados Unidos com os outros países industrializados, somos os que menos poupam no mundo. Economicamente, não é difícil fazer com que se poupe mais. Basta taxar o consumo. Mais valor adicionado, mais imposto na gasolina, há muita coisa que se pode fazer. O problema é como conseguir fazer isso politicamente. O problema não é onde conseguir o dinheiro. Mesmo hoje, a América Latina é uma parte relativamente rica do mundo em desenvolvimento. O Brasil tem uma renda per capita maior do que muitos países em crescimento da Ásia. E na China, a renda per capita é de US$ 500, e quanto se poupa? [Poupa-se] 30%. Se a China poupa 30% com uma renda per capita de US$ 500, o Brasil também pode, se sua renda é de US$ 4.000 per capita. E a questão é: farão isso? A mesma questão vale para os americanos. Também poupamos pouco. Pode contar uma história complicada sobre por que as Américas são os que menos poupam no mundo, mas é um fato. E sabemos como curar isso, não politicamente, mas economicamente.

Gilberto Dupas: Professor, eu queria lhe fazer uma provocação. Quem ler esse seu último livro atentamente, como eventualmente nossos telespectadores aqui podem ler, encontrarão um livro muito pessimista. Eu costumo ser relativamente pessimista sobre o futuro do capitalismo moderno, mas diante do seu livro eu me senti razoavelmente otimista. Após alinhar esse conjunto de desastres sísmicos, riscos de esmagamento que cercam o capitalismo etc, o senhor, no último capítulo, tenta uma conclusão esperançosa, otimista, que me pareceu um pouco falsa. O senhor diz o seguinte: “É fácil ficar pessimista e desencorajado quando se olha o que precisa ser feito e se constata o ritmo glacial das mudanças sociais. Agora que compreendemos as forças tectônicas, voltemo-nos à construção de um navio capitalista que nos levará com segurança a uma nova era. Com a mesma disposição de Colombo para tentar o desconhecido, comecemos a nossa jornada”. E eu lhe perguntaria: mas de que material deve ser construído esse navio? Para onde o senhor sugere que ele siga, se ele está cercado de placas tectônicas, de maremotos que podem lhe esmagar? Quais são as propostas concretas que o senhor faz para a saída dos dilemas desse capitalismo nessa virada de século? Esse capitalismo que esmagou o socialismo e que, segundo o seu livro, pode esmagar todos nós. Seu livro fala basicamente do passado e do presente, mas o seu título é sobre o futuro, o futuro do capitalismo. E eu lhe pergunto: como se constrói o futuro desse capitalismo? Quais são as suas propostas, de tal modo que as premissas que devam ser introduzidas nesse novo capitalismo global garantam uma era de melhor distribuição de renda, por exemplo, e de maior crescimento econômico?

Lester Thurow: Deve-se começar pelo que chamo de “ideologia do construtor”. Nessa idéia, é mais importante construir para o futuro do que consumir no presente. A ideologia do construtor faz parte da educação. São 12 anos para se formar alguém no colégio; 16 anos para um universitário e 23 anos para um doutor. São investimentos a longo prazo. Por que um ancião que vai morrer em cinco anos deve pagar por alguma educação? A resposta é que não pagarão, sem a ideologia do construtor. Se quiser construir o navio, sabemos o que fazer. Precisa fazer as três coisas que eu disse: uma força de trabalho de classe mundial, boa infra-estrutura e uma estratégia para adquirir tecnologia. É o que o governo deve fazer. E as empresas devem comprometer-se a produzir a baixo custo. Isso significa trabalhar em tecnologia, habilidades de trabalho, em vez de habilidades educacionais. E o indivíduo deve se comprometer com o fato de que também trabalhará na base da habilidade e...

Gilberto Dupas: [interrompendo] Essas medidas que o senhor está sugerindo resolveriam a questão do emprego? O senhor acha que resolveriam a questão do emprego?

Lester Thurow: A outra coisa é não ter os bancos centrais do mundo a dizerem que a economia deve crescer 2%, devem pensar nos índices mundiais de crescimento. Nos anos 60, eram 5%; nos anos 70, eram 3,6%; nos anos 80, eram 2,8%; e nos anos 90, têm sido 2%. Não há como resolver esses problemas com 2% de crescimento. A justificativa dos bancos centrais para apertar a economia era a inflação, mas ela acabou pelo mundo todo. Se fizer a correção de 1% de gastos com saúde, tivemos inflação negativa nos Estados Unidos nos últimos cinco anos e, mesmo incluindo isso, tivemos, nos últimos cinco meses, cinco meses de inflação negativa. O índice de preços no Japão está 10% abaixo do pico; a Alemanha tem inflação negativa. E os bancos centrais fazem como no início dos anos 80, apesar de estarmos no fim dos anos 90. E não vamos resolver esses problemas, em base mundial, crescendo 2%. No capitalismo, só há dois meios de criar empregos: crescendo mais depressa ou diminuindo os salários. Se o Brasil quiser pleno emprego, basta pagar a todo mundo 50 centavos por dia, e garanto que o mundo virá bater à sua porta para criar empregos no Brasil. Vocês não vão gostar, mas terão pleno emprego. O outro modo é com maior crescimento e melhores habilidades. Isso demora mais, porém produz um resultado melhor em termos de economia mundial. Sabemos o que fazer. O interessante, no meu livro, em termos de pessimismo, é que, enquanto eu o escrevia, não o achava pessimista, porque digo que, se quisermos ter sucesso, temos de fazer determinadas mudanças. Quem o acha pessimista, está dizendo: “Eu não creio que o ser humano fará essas coisas. Os seres humanos não vão mudar”. Vão sentar, como na Idade das Trevas, olhando o padrão de vida cair, sem fazer nada. Ou vão para o fundamentalismo religioso, que foi o que fizeram na Idade das Trevas. Não considero pessimismo dizer que os seres humanos devem mudar. Se achar que o ser humano não vai mudar, então você é pessimista.

Emir Sader: O senhor dá um quadro cinzento do futuro do capitalismo, no entanto o senhor retoma essa esperança capitalista no final. O senhor não vê nenhum futuro para a humanidade sem o capitalismo, mas além do capitalismo, da superação do capitalismo?

Lester Thurow: Em termos de economia, no momento não, porque ninguém foi capaz de fazer nada mais funcionar em lugar algum do mundo. Para o socialismo funcionar, seria necessário uma empresa, em algum lugar do mundo, de propriedade de um governo, que fosse uma líder econômica. Os alemães têm muitas empresas estatais, os japoneses, os russos, até nos Estados Unidos temos estatais. E nenhuma funciona. Zero. Portanto, você deve entender que a idéia não estava certa. Em algum lugar, alguém deveria fazer com que funcionasse.

Emir Sader: O senhor não tem uma visão excessivamente econômica da questão? O senhor faz um livro que fala do futuro da humanidade, mas na verdade o senhor analisa basicamente fatores econômicos. Aí eu volto a uma questão da hegemonia no mundo, para mostrar que talvez o senhor não tenha integrado outros fatores. Um dos elementos da hegemonia norte-americana é o fato que pode não produzir mais televisores, mas produzem 70% dos programas da mídia no mundo. Então, há outros elementos que explicam a hegemonia norte-americana no mundo e que explicam os fatores que definem o futuro da humanidade, não apenas exeqüibilidade econômica, pragmatismo econômico. Há por um lado isso e, por outro lado, uma crise ideológica, uma crise cultural extraordinária no mundo. Por aí pode haver, na verdade, desenlaces diferentes, eu acho, do que o senhor está prevendo.

Lester Thurow: Eu não escrevi um livro sobre a humanidade, mas sobre o futuro do capitalismo, o qual acho que está na economia. Eu seria a última pessoa a dizer que a economia é só o que existe para os seres humanos. O problema é que a economia mostra outras coisas. Nada a suplantou. Isso cria um problema. E um dos problemas do capitalismo é que ele crê numa forma radical de individualismo. No capitalismo, não existe o conceito de comunidade, nem de que você deva ajudar outros seres humanos. Se quiser ajudar, tudo bem, mas o capitalismo não diz que deve. Isso não funciona a longo prazo. Por isso, concordo com você: o capitalismo vai precisar de outros valores, a longo prazo, que não obterá de si mesmo, se quiser florescer. Mas ele não gera esses valores. É a situação que vemos. O que está acontecendo é que você fala de cultura, mas esse é um dos pontos em que o mundo está mesmo mudando. Durante quase toda a história, a cultura eram os mais velhos dizendo aos mais jovens quais eram as tradições da sociedade. Hoje, cultura é o que vende; passa por cima dos pais, com os filmes e a televisão, e a cultura não é filtrada através dos olhos dos pais e avós, e isso nos deixa nervosos, deixa-me muito nervoso, por ter filhos. Isso é novidade. É a primeira vez na história em que cultura é o que vende. Nas TVs não se vê ideologias, vê-se o que vende. É o fundamental. Não é esquerda ou direita, bom ou mau, é o que vende. O interessante é que certas coisas vendem no mundo todo: ação, comoção. Se mostrar filmes de pessoas construindo pacientemente as pirâmides, ninguém assistirá. Preferem ver um carro policial perseguindo um bandido nas ruas de São Paulo a assistir a um grande evento da humanidade, que foram os egípcios construindo pirâmides.

Antônio Carlos Pereira: Professor Thurow, me parece que o capitalismo está chegando ao ápice de sua perfeição. As tendências indicam que dentro de relativamente pouco tempo nós teremos um capitalismo sem capitalistas, no sentido tradicional do capitalista empreendedor, e teremos apenas rentistas, ficando o empreendimento e a administração do empreendimento a cargo de uma classe de profissionais. Nós corremos o risco de ter um capitalismo sem operários e sem trabalhadores, porque os robôs e as técnicas de gestão estão se encarregando de fazer das tarefas tradicionais, e não tão tradicionais, dos trabalhadores uma coisa redundante. Provavelmente teremos também um capitalismo sem consumidores, porque à medida que as pessoas vão sendo expelidas da força de trabalho, elas vão sendo expelidas também do fabuloso mundo do consumo. E ao mesmo tempo, temos aí um capitalismo de produtos bons e baratos que são produzidos cada vez mais, e a cornucópia foi aberta, de modo que há um excesso de produção de quase tudo, em todos os lugares e para todos. Evidentemente que a conjunção desses fatores não pode ser outra senão o que alguns chamariam de explosão do capitalismo e que o senhor, parece-me, chama de implosão do capitalismo. Mas me parece também que, em algum ponto desse processo, os fatores sociais devem interagir com os fatores econômicos. Isso significaria o quê? Significaria que diante da possibilidade ou da hora marcada para a catástrofe, seja ela tectônica ou não, o alarme soaria e as pessoas começariam a se preocupar em transformar esse capitalismo a caminho da perfeição em algo um pouco mais imperfeito, mas que garantisse novamente a vida em sociedade de uma maneira um pouco mais amena e menos brutal pela concorrência. Eu lhe pergunto se o senhor acredita que chegará o momento em que soará está campainha de alarme, se o senhor tem a intuição de que momento será esse. Ou o senhor acha que o destino desse processo todo é realmente a exclusão social de massas tão numerosas, que o capitalismo só terá como reviver como a Fênix, das cinzas da revolução e do atrito social?

Lester Thurow: Se houvesse mesmo uma catástrofe, o alarme soaria e agiríamos. Mas o problema não é a catástrofe, o problema real é que os salários diminuem 0,5% ao ano e o desemprego sobe 0,5% ao ano. E é tão lento que quase não notamos. Vejam a Europa. O que aconteceu nos últimos 25 anos na Europa? Há 25 anos, o índice de desemprego americano era de 10%, e o europeu, de 3%. Depois de 25 anos, hoje, o índice de desemprego americano é de 5%, e o europeu, 13%, mas não aconteceu nada. Levou 25 anos para aumentar tanto o desemprego, mas foi tão lento que o sinal de alarme não tocou e ninguém fez nada.

Antônio Carlos Pereira: [interrompendo] Um momento, professor. É que naquela época, a rede de proteção social funcionava perfeitamente. E acontece que nesse processo de aperfeiçoamento do capitalismo, uma das coisas mais perversas que está se fazendo é justamente a destruição global dessa rede de proteção social, justamente para baixar custos, para que o que se paga a um operário na Alemanha não se tenha que pagar em quantia idêntica ao governo, e isso desprotege esse operário. Há vinte anos, esse operário não sentia, esse operário desempregado não tinha motivações para considerar opções políticas desesperadas. Pode ser que, daqui a vinte anos, sem esse tipo de proteção, ele tenha esse incentivo.

Lester Thurow: Nos Estados Unidos, não temos tal sistema de assistência social, e os salários decresceram 0,5% ao ano, durante 25 anos. E não houve rebelião. Mas acho que há um conflito a longo prazo entre democracia e capitalismo, porque a democracia acredita numa forma radical de igualdade. Todas as pessoas são tratadas exatamente do mesmo modo, sejam elas as pessoas mais ou menos inteligentes do Brasil, as mais trabalhadoras ou mais preguiçosas do Brasil, as mais informadas ou as menos informadas do Brasil. O capitalismo crê na desigualdade. É a desigualdade que persuade as pessoas a trabalharem mais. Esses sistemas são incoerentes. Você tem toda razão. O que os une é o sistema de bem-estar social, que agora está ruindo. A longo prazo, há uma tensão aí, e eu gostaria de esperar que haja uma crise que faça tocar o alarme. Meu receio é que o declínio seja tão lento que o alarme não toque nunca.

Heródoto Barbeiro: Professor, nós estamos praticamente chegando nos minutos finais do nosso programa, o Roda Viva, e eu teria uma última pergunta a fazer ao senhor, antes de agradecer a sua participação. Esse navio que vai zarpar em direção ao futuro, a esse capitalismo que, de certa forma, foi desenhado aqui nesta última parte do programa, e que estaria sendo ameaçado por placas tectônicas, maremotos, terremotos etc, eu gostaria de perguntar ao senhor o seguinte: o senhor não acha que a maior ameaça a esse navio seria o pessoal do porão querer vir participar do baile na primeira classe?

Lester Thurow: O desafio é como aumentar o padrão de vida de todos. E como evitar que as desigualdades cresçam; certamente é uma tarefa que tem de ser cumprida. Mas há só uma resposta na economia global: só se pode melhorar a coisa na terceira classe educando melhor esse pessoal. Nada mais. É a única coisa que se pode fazer por eles. É como se avalia a seriedade de um governo: ver o que ele está fazendo com os de menor salário na sociedade. Eles têm boas escolas em favelas? É o teste. Se não há boas escolas em favelas, o governo não é sério com as pessoas de renda baixa.

Heródoto Barbeiro: Muito bem. Professor Thurow, muito obrigado.

Lester Thurow: De nada.

Heródoto Barbeiro: Ok. Nós queremos então agradecer a presença do professor Lester Thurow, economista americano, hoje no nosso Roda Viva, que está no Brasil a convite da Confederação Nacional do Transporte. Queremos agradecer também aos nossos colegas e convidados que formaram a bancada do nosso Roda Viva de hoje. E nós agradecemos também a sua atenção e comunicamos que o Roda Viva vai estar novamente aqui pela Rede Cultura na próxima segunda-feira às dez e meia da noite. Até lá, uma boa noite e uma boa semana. Muito obrigado.

 

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