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[programa ao vivo]
Matinas Suzuki Jr.: Boa noite. Ele é o líder do PSDB na Câmara Federal. No centro do Roda Viva, está o deputado José Aníbal. José Aníbal nasceu em Rondônia e tem 48 anos de idade; estudava economia em Minas Gerais no final dos anos 60, quando entrou para o movimento estudantil. O Ato Institucional Número Cinco [AI-5] o impediu de continuar os seus estudos. Nos anos 70, viveu exilado no Chile, no Panamá e na França. Voltou ao Brasil em 1979, e ajudou a coordenar a campanha das Diretas Já. Em 1994, foi eleito deputado federal pelo PSDB de São Paulo. Desde o ano passado, José Aníbal é o líder da bancada na Câmara Federal. Na semana passada, os governistas sofreram duas derrotas no Congresso, que também se agita com a proximidade das eleições municipais. Para entrevistar hoje o deputado José Aníbal, nós convidamos os jornalistas Luciano Suassuna, redator-chefe da revista IstoÉ; Fernando Canzian, editor da coluna Painel da Folha de S.Paulo; José Paulo Kupfer, editor-chefe do jornal Zero Hora em São Paulo; Fábio Paim, editorialista do jornal O Estado de S. Paulo; Ibsen Spartacus, diretor editorial da Sigla Editora e ex-companheiro nosso aqui da TV Cultura; e Josemar Gimenez, diretor de redação do Diário Popular. O programa Roda Viva é transmitido em rede nacional com 150 outras emissoras de 18 estados brasileiros. Boa noite, deputado José Aníbal.
José Aníbal: Boa noite.
Matinas Suzuki Jr.: Como é que vai a coluna?
José Aníbal: A coluna está boa. Só não permite movimentos bruscos, mas já está bem melhor.
Matinas Suzuki Jr.: Aliás, problema de coluna é o que não falta nos tucanos do poder: o presidente [Fernando Henrique Cardoso] tem, o ministro [das Comunicações] Sérgio Motta [1940-1998], o senhor...
José Aníbal: É verdade.
Matinas Suzuki Jr.: Deputado, na semana passada, como eu estava dizendo na minha introdução, o governo assistiu a duas derrotas no Congresso. A primeira, a instalação de uma CPI dos bancos, e a segunda, no projeto da Previdência. Ao mesmo tempo, o presidente Fernando Henrique tem viajado bastante. O senhor não acha que o presidente está viajando muito, deputado?
José Aníbal: Não, eu não acho que o presidente está viajando muito. Eu acho que o presidente está, através dessas viagens, assegurando um papel para o Brasil, no exterior, dentro desse contexto de globalização, que é muito importante, definindo acordos, definindo possibilidades de comércio, de integração. Enfim, eu acho que as viagens do presidente não têm a ver com os problemas internos que, eventualmente, nós enfrentamos. Inclusive, eu não acho, Matinas, que nós tenhamos sofrido duas derrotas; uma derrota, sim, na reforma administrativa. Agora, a CPI não é uma derrota do governo. A CPI está aí, foi aprovada pela maioria...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Deputado, mas o presidente não só antes da CPI falou contra a CPI como, depois da instauração da CPI, voltou a falar que era inoportuna, que atrapalhava os interesses nacionais, que era uma labareda...
José Aníbal: Nós continuamos achando que é inoportuna no sentido de que nós julgamos que os mecanismos de que se dispõem hoje, com relação ao Banco Central, quer dizer, o Banco Central dispõe com a medida provisória, com o Proer, são suficientes para essa reestruturação do setor bancário, fundamentalmente a crise do setor bancário, e que em função disso não há necessidade de uma CPI. Uma CPI sempre tem o sentido denunciatório, e pouco se faz no sentido de afirmar alternativas, modificar o sistema no sentido de torná-lo mais apto à fiscalização, a dar mais segurança ao correntista, ao poupador, que é o que a gente quer e queremos fazer através da regulamentação do artigo 192 da Constituição, que diz respeito ao sistema bancário.
Ibsen Spartacus: Deputado, as CPIs originalmente foram criadas como instrumento de fiscalização, pelo legislativo, das instituições da sociedade. O senhor está dizendo que as CPIs têm um caráter denunciatório muito marcante. E parece que essa é uma desculpa que o governo tem basicamente para que não seja levado adiante um processo de investigação que seria normal pelo ponto de vista da democracia. Quer dizer, o Congresso é legitimamente constituído, ele tem o direito de investigar o que bem lhe entender. Então, me parece que o governo está diante de duas alternativas: uma é enfrentar um processo que possa mesmo ser denunciatório, e aí o governo não está confiando na responsabilidade do Congresso; ou, de outro lado, o governo pode estar temendo que essa CPI investigue denúncias que possam chegar ao âmago do governo. Será que isso não é um dilema?
José Aníbal: Olha, não tem [...] chegar em termos de âmago do governo. O âmago do governo está aí, permanentemente exposto. O governo não tem o que esconder...
Ibsen Spartacus: Então, por que o governo teme essa CPI?
José Aníbal: Porque a tendência das CPIs tem sido essa, sobretudo com relação ao sistema financeiro. Quem gosta de banco? Ninguém gosta. Taxas de juro, tudo isso agrava um sentimento de que temos que pegar essa gente de qualquer jeito. Do nosso ponto de vista, se trata menos de pegar e mais de reestruturar esse setor, que é tão fundamental à economia, sobretudo agora com a economia estável.
Matinas Suzuki Jr.: Mas cinco bilhões usados de uma maneira, segundo o próprio Banco Central, completamente fora do mínimo de lisura que se exigiria nesse momento... E há controvérsias se o presidente sabia ou não sabia dessas operações, essa coisa toda. O senhor não acha que, sobre essas questões, falta ainda explicação para a sociedade brasileira?
José Aníbal: Não. Eu acho que o Banco Central...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] E a CPI, pelo que eu entendo, estaria se encaminhando na direção de procurar justamente elucidar para a sociedade o que houve realmente nesse período.
José Aníbal: Nesse aspecto, o presidente do Banco Central [Gustavo Loyola] esteve no Senado, semana passada, e pôde esclarecer os congressistas sobre o momento em que o banco tomou conhecimento, quer dizer, houve uma evolução. Primeiro: o Banco Nacional apareceu com um problema patrimonial, depois o banco assumiu que tinha um problema com relação a sua carteira. E, por último, admitiu que sua carteira, boa parte dela, era podre, não tinha retorno nenhum, não tinha nenhuma possibilidade de retorno, o que então induzia à possibilidade de que ela tivesse sido fraudada, fosse objeto de uma fraude. Quando o Banco Central entrou no Banco Nacional, aí se detectou a fraude em toda a sua extensão. Anteriormente, o Banco Central várias vezes observou créditos concedidos pelo Banco Nacional que não eram bons, e mandou que o Banco Nacional fizesse provisão para aqueles créditos. Essa questão formal está, a meu juízo, muito bem esclarecida. Agora, essa questão dos cinco bilhões que foram colocados pelo Banco Central para promover essa incorporação do Nacional ao Unibanco, é preciso esclarecer que o Banco Central não deu esse dinheiro a fundo perdido para poder fazer essa operação. O Banco Central avançou sobre recursos do compulsório, esses cinco bilhões, com expectativa de recuperá-los integralmente. Como? A parte ruim do Banco Nacional, que hoje está com o Banco Central, tem 30% do Unibanco, tem a seguradora do Nacional, tem esses créditos todos, essa carteira toda, embora boa parte dela não seja boa. Quer dizer, a expectativa do Banco Central é de recuperar isso aí. Além do mais, a medida provisória determina que, ao contrário... Anteriormente, apenas os administradores dos bancos ficavam com os seus bens indisponíveis. Agora, aqueles que têm o controle do capital do banco ficam com os seus bens indisponíveis e, portanto, sujeitos também a fazerem parte dessa composição de recuperação do que o Banco Central avançou.
Josemar Gimenez: Deputado, justamente para evitar essa caça às bruxas, a proposta do [líder do PT, Luiz Inácio] Lula [da Silva] é que se faça a CPI restrita simplesmente ao Econômico e ao Nacional. O senhor acha que o governo pode rever essa posição e sustentar essa CPI simplesmente para esses dois bancos? Porque aí não teria a desculpa de que iria colocar o sistema financeiro em polvorosa e tal.
José Aníbal: Não, eu acho que isso aí é revelador, inclusive, de uma aliança estranha. Por que fazer? Por que o Lula vem propor CPI exclusivamente sobre o Nacional e o Econômico?
Josemar Gimenez: Mas justamente...
José Aníbal: Não, isso não faz o menor sentido. Isso está inscrito numa crise do sistema bancário brasileiro que vem de longe. Esses acontecimentos aí: Nacional, Econômico, Banespa, Banerj etc. Por que circunscrever a esses dois? É a partir deles que houve uma ação de governo, e a partir do Banespa e do Banerj, uma ação objetiva de governo para reestruturação do sistema bancário. E não à custa do dinheiro do Tesouro, mas à custa do compulsório.
Josemar Gimenez: Como o governo entende que deve se apurar, por exemplo, essas fraudes, maquiagens de balanço?
José Aníbal: Como está sendo feito. O ministro da Fazenda [Pedro Malan] me disse hoje que, nesta semana, o inquérito sobre o Banco Nacional vai ser encaminhado ao Ministério Público, nesta semana. Ele me disse isso hoje à tarde.
Fernando Canzian: Por que isso já não foi feito, deputado?
José Aníbal: Não foi feito porque o inquérito está correndo.
Fernando Canzian: Se o Banco Central tinha conhecimento das fraudes no passado, como foi revelado pelo próprio Loyola, ele poderia ter encaminhado pelo menos alguma informação para a Procuradoria. A Procuradoria alega que não recebeu nada.
José Aníbal: Não. O Banco Central encaminha à Procuradoria várias questões. Este ano já encaminhou mais de cem pedidos de abertura de inquérito à Procuradoria...
Fernando Canzian: Mas não do Nacional.
José Aníbal: Não, do Nacional seguramente deve ter ido algum. Agora, você está dizendo que sabia de antes. Não sabia de antes, não sabia de antes. Soube quando o presidente do banco disse ao presidente do Banco Central que boa parte da carteira deles era uma carteira podre, aí sim. Porque o Banco Central tem mecanismos de fiscalização, mas é por amostragem. Eu acho que essa crise está mostrando que é necessário que esse mecanismo de fiscalização do Banco Central seja aprimorado. Eu próprio comecei a sugerir que isso fosse feito independentemente do Banco Central, como é feito em muitos países. Há uma proposta do presidente do Banco Central de que, ao contrário, o Banco Central se concentre na fiscalização bancária, que são duzentas e poucas instituições. Agora, tem mais quatro mil, que hoje incumbe ao Banco Central fiscalizar: consórcios, corretoras etc, cooperativas, e isso desconcentra o Banco Central do seu papel fundamental de fiscalização, que é do setor bancário.
Fernando Canzian: Só mais uma pergunta. Em relação ao Proer, deputado, o governo está passando uma mensagem no mercado financeiro de que o Proer é um saco sem fundo, quer dizer, o Nacional entrou e sai com cinco bilhões, o Banespa está negociando sete e meio. O sistema está com algum problema de liquidez, tem alguns bancos com alguma dificuldade na praça. Qual é o limite do Proer?
José Aníbal: Bom, o limite do Proer é a reestruturação do sistema bancário. Agora, não está passando nenhuma mensagem que é saco sem fundo, ao contrário. Você veja a reação do pessoal do [Banco] BMD diante do vazamento irresponsável daquele procurador de que o banco estaria com problemas [provavelmente refere-se ao procurador Luiz Fernando de Souza]. Foi uma reação forte, uma reação de quem não quer se expor. Ninguém quer, no setor financeiro, se expor. Eu acho que essa questão do Proer tem que ser analisada como um ato de coragem deste governo, assumir, que tem caracterizado este governo e que mostra que existe uma crise do Estado brasileiro e não uma crise de governo. Esses episódios todos: Econômico, Sivam, pasta rosa, escuta, Nacional, mostram o quê? É crise de governo? Embora a oposição, que não tem proposta na maioria dos casos, tente projetar isso aí como crise de governo, isso revela a profundidade da crise do Estado brasileiro, das suas grandes instituições: Banco Central, Polícia Federal, Receita Federal, Itamaraty, que têm que passar por um processo de revitalização, que ficaram aí esses trinta anos, com ditadura e com uma redemocratização capenga, pelo menos o primeiro período. Então, nós, deste governo, quer dizer, eu sou do partido do presidente da República, nós estamos assumindo que é preciso reformar o Estado brasileiro, e que diante dessas situações, desses episódios que vão se formando, é preciso uma ação forte, indicativa do rumo que nós queremos trilhar. Nós não queremos omitir nada; o que for preciso, nós vamos revelar. Nem se trata do que for preciso, o que é necessário revelar vai ser revelado, está sendo revelado, não há o que esconder. O procedimento do governo nesse sentido tem sido muito transparente. Agora, essa questão da CPI, até para a gente poder avançar para outros assuntos, é uma questão que foi colocada... A revista Veja fez uma matéria esta semana, onde mostra muito bem todo o enredo – a minha mãe, quando ia ao cinema, perguntava qual era o enredo –, todo o enredo desse movimento que levou à CPI, como ele foi conduzido. E aí não há fundamentalmente nenhum propósito no sentido de afirmar uma fiscalização bancária mais rigorosa etc.
Matinas Suzuki Jr.: Outras pessoas na sociedade brasileira, que não especificamente o senador e ex-presidente José Sarney, se manifestaram. O PT, por exemplo, se manifestou a favor de uma CPI, antes, que não foi urdida, colocou-se claramente a favor de uma CPI nessa questão. Agora, uma coisa que parece estranha...
José Aníbal: [interrompendo] Eu reconheço isso.
Matinas Suzuki Jr.: ...é que, se o governo não tem medo dessa transparência, deputado, por que essa reação contra a CPI? Daqui para frente o governo pode criar instrumentos para consertar a fiscalização dos bancos. E o que aconteceu para trás, incluído aí não só o Econômico, mas Banerj, Banespa, essa coisa toda, vamos contar para a sociedade o que houve.
José Aníbal: Olha, eu não tenho nenhuma dificuldade, nós temos todo o interesse com relação ao Banerj, Banespa e outros episódios que vão lá para trás. Há poucos dias, um jornalista escreveu de como o primeiro presidente do Banco Central [Dênio Chagas Nogueira, fundador e presidente do BC entre 1965-1967] foi substituído por outro [Rui Aguiar da Silva Leme, presidente do BC entre 1967-1968], pelo ministro [da Fazenda] Delfim Netto, que era sócio dele. Quem sabe aí você já tem uma origem, lá atrás, de como é essa questão, Banco Central, sistema bancário etc. O que eu posso dizer é da atual diretoria do BC. Esta não tem nenhum comprometimento nem com o sistema bancário, nem com o sistema financeiro de um modo geral.
Josemar Gimenez: Deputado, o Matinas tocou num ponto do senador Sarney, eu gostaria de perguntar para o senhor se o senhor acha que o problema no Congresso se chama Sarney, porque ele também vem criticando a questão de falta de uma liderança do governo ali dentro. Como é que o senhor vê isso? O problema do governo no Congresso se chama Sarney, hoje?
José Aníbal: Não, não acredito. O senador José Sarney tem suas posições, pessoalmente ele sempre disse que este governo está indo muito bem, está recuperando a credibilidade do Brasil etc, que ele não é contra que as reformas caminhem etc.
Josemar Gimenez: E quando ele critica a falta de liderança?
José Aníbal: Isso é uma opinião dele sobre o desempenho do governo no Senado. Uma opinião, apenas isso.
José Paulo Kupfer: Deputado, deixe eu lhe perguntar duas coisas que o senhor disse aí, e que têm sido ditas e que talvez seja melhor esclarecer. Enfim, lamento que o senhor não tenha conseguido terminar o seu curso de economia, por conta do regime militar, mas quando o senhor diz que o dinheiro dos compulsórios que estão lastreando o Proer não são dinheiro público, não tem a ver com dinheiro público...
José Aníbal: [interrompendo] Não tem a ver com o dinheiro do Tesouro; foi isso que eu quis dizer.
José Paulo Kupfer: ...com o dinheiro do próprio Tesouro, eu queria que o senhor explicasse, talvez seja uma coisa um pouco técnica e talvez o senhor tenha...
José Aníbal: [interrompendo] Não, não é técnica. O dinheiro do compulsório é dinheiro seu...
José Paulo Kupfer: Antes disso, como é que o Banco Central coloca no seu balanço ativo/passivo, como é que ele coloca o ativo referente a esse passivo que ele assumiu com todo mundo quando fez o compulsório? Será que, no final, ele não é do Tesouro? Não é um engodo esse tipo de coisa?
José Aníbal: No final, ele pode ser do Tesouro, se o Banco Central não recuperar...
José Paulo Kupfer: Então é do Tesouro.
José Aníbal: Não, não é do Tesouro. Se o Banco Central recuperar tudo que ele avançou, não tem nada que recorrer ao Tesouro. Se ele não recuperar...
José Paulo Kupfer: Se ele não recuperar, será do Tesouro.
José Aníbal: ...é uma outra questão. Mas isso é “será”, é lá na frente...
José Paulo Kupfer: Outra coisa que eu queria perguntar ao senhor...
José Aníbal: Eu queria esclarecer que o recurso do compulsório está sob a guarda do Banco Central. Esse recurso é de quem tem conta em banco, poupança etc. Então, ele está lá, e o Banco Central utiliza esse recurso...
José Paulo Kupfer: Sim, mas ele não é solto lá. O Banco Central tem que ter alguma conta compensatória para sustentar isso.
José Aníbal: Sem dúvida nenhuma. É que lá na frente o Tesouro talvez tenha que bancar, se tiver que bancar. Mas hoje não tem, hoje não tem.
Luciano Suassuna: Deputado, no caso do Banco Nacional, foram 652 contas fantasmas, não fantasmas necessariamente, mas inativas, de que foram feitos empréstimos fictícios. Como se recupera empréstimo fictício?
José Aníbal: Não, empréstimo fictício não se recupera. O que eu estou dizendo é que 30% do Unibanco são do Nacional, que está com o Banco Central.
Luciano Suassuna: Mas só aí já são quatro bilhões.
José Aníbal: São quatro bilhões. As garantias oferecidas sobre cinco [bilhões] que foram antecipados são de nove bilhões. Vamos então, matematicamente, excluir os quatro. Se as outras cinco forem todas boas, o Banco Central recupera plenamente os cinco que ele antecipou. Senão, não recupera, uma parte, talvez, não venha a recuperar. Agora, o que eu queria acentuar bem é que essas situações todas são heranças que este governo está administrando. Isso existia antes...
Matinas Suzuki Jr.: Não necessariamente heranças, porque no caso do Econômico, por exemplo, se o governo tivesse tido um empenho para resolver a questão de uma maneira mais rápida, ele poderia ter resolvido de uma maneira mais rápida.
José Aníbal: Como de uma maneira mais rápida? Essa situação do Econômico vinha se arrastando há muito tempo.
Matinas Suzuki Jr.: Exato, mas por que prolongar tanto?
José Aníbal: Veja bem, a estabilização da economia tornou todas essas situações mais visíveis, mais perceptíveis. O setor financeiro, na projeção que o presidente do Banco Central fez no depoimento ao Senado, teria um lucro inflacionário, no ano de 1994, de nove bilhões de reais. Teve de quatro. Mas já em 1995, isso foi reduzido a quatrocentos. Então houve uma perda grande aí. E esses bancos, ao longo do tempo, não se prepararam a essa situação, patrimonializaram ganhos etc.
José Paulo Kupfer: Deputado, desculpe. Os bancos apresentaram balanços, em média, do ano passado, com lucros superiores aos do ano anterior. Parece ter havido uma compensação mais do que suficiente pela redução de custos e pelo aumento das tarifas dos serviços. Os bancos foram mais eficientes, cobraram mais de outros serviços que antes não eram cobrados, exatamente porque a inflação colocava tudo no mesmo bolo, e eles foram mais lucrativos no ano passado do que no ano anterior.
José Aníbal: Olha, o Nacional foi mais lucrativo no ano passado do que no ano anterior. Era tudo maquiagem.
José Paulo Kupfer: Então, quer dizer que está tudo maquiado. Era isso que eu queria saber...
José Aníbal: Não, eu não sei. Eu estou dizendo de um que a gente sabe, não é?
Luciano Suassuna: O senhor não acha que uma CPI iria ajudar a esclarecer quais são?
José Aníbal: Não, eu acho que a atividade do Banco Central, os instrumentos que ele dispõe hoje, permitem a ele não só detectar como agir. Porque a questão não se trata só de liquidar; aí você tem os funcionários dos bancos, você tem os correntistas, você tem os poupadores. Veja a situação do Econômico: o Banco Central está bancando mês a mês toda a despesa operacional do banco, paga os funcionários etc. É dinheiro do Banco Central, está pagando com esse dinheiro. É muito melhor você encontrar soluções de mercado para essa situação do que você só ter, como se tinha antes, a possibilidade de liquidação. Você liquidava, fazia intervenção e liquidava... Hoje há instrumentos.
José Paulo Kupfer: Deputado, outra questão que não é muito clara; nós temos uma chance agora, com o líder do PSDB aqui, para esclarecer. Por que, tanto no caso do Econômico quanto no caso do Nacional, depois que todo o sistema bancário financeiro deixou de emprestar a esses bancos, por ter sentido, percebido que havia problemas com eles, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil continuaram emprestando?
José Aníbal: E sendo bem remunerados por isso. A Caixa e o Banco do Brasil ganharam dinheiro aí.
José Paulo Kupfer: Bom, e agora estão com o bico na mão, é isso?
José Aníbal: Não, não estão com nenhum tostão lá.
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Deputado, o Banco do Brasil maquia também os seus balanços?
José Aníbal: Nem a Caixa, nem o Banco do Brasil têm qualquer tostão lá. Nem a Caixa, nem o Banco do Brasil. Quem tem é o Banco Central.
José Paulo Kupfer: A banca privada errou nesse negócio? O esperto foi o Banco do Brasil e a Caixa Econômica?
José Aníbal: Não, não é que foi esperto. É que a banca privada é muito arisca. Ela percebeu... No Brasil, quando o banco entra no redesconto, ele pegou Aids, diferentemente de outros países...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] E ela não quer ganhar dinheiro? Só o Banco do Brasil que quer ganhar dinheiro?
José Aníbal: Quando eles entraram no redesconto, aí os bancos privados saíram fora. O Banco do Brasil e a Caixa...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Por que o Banco do Brasil e a Caixa ficaram?
José Aníbal: Porque o Banco do Brasil e a Caixa continuaram aplicando lá, não é? Continuaram socorrendo...
José Paulo Kupfer: Foi uma decisão técnica?
José Aníbal: Receberam por isso. O presidente do Banco Central disse que ele não tem nenhum poder de determinar ao Banco do Brasil e à Caixa que fizessem isso. Fizeram porque acharam que era um bom negócio, correram o risco e ganharam.
José Paulo Kupfer: O senhor está dizendo que o Banco do Brasil e a Caixa são autônomos [...]?
Ibsen Spartacus: Então, é mais uma boa razão para o Congresso fazer essa fiscalização através de uma CPI.
José Aníbal: Mas por quê?
Ibsen Spartacus: Porque os órgãos públicos que atuam na área financeira não podem ficar submetidos...
[sobreposição de vozes]
Matinas Suzuki Jr.: O Banco do Brasil maquia os balanços também?
José Aníbal: Não, ao contrário, o Banco do Brasil agora...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] É um banco que está tecnicamente quebrado ou não?
José Aníbal: ...está corajosamente registrando todos os seus problemas nos seus balanços. O balanço deste ano... aliás, uma das revistas semanais mostra isso, registra um prejuízo de quatro bilhões e meio de reais. Grande parte deles...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] O senhor acha que um banco pode ter quatro bilhões de reais de prejuízo? O Bayerische, com um [bilhão de prejuízo], o senhor viu para onde foi.
José Aníbal: Pois é, mas o Bayerische não é um banco que se compara ao Banco do Brasil. O Banco do Brasil tem muito mais estrutura, muito mais poder do que o banco Bayerische. Agora, o importante...
Fabio Paim: [interrompendo] Deputado, mas esse montante que vocês estão falando são montantes absolutamente estratosféricos. Quando a gente fala em 15 bilhões do Banespa, quando a gente acrescenta cinco do Nacional, nunca houve recuperação do dinheiro, espero que desta vez haja. A história está contra a recuperação. Quando a gente soma esses montantes, a gente vê que isso é tudo patrimônio da indústria bancária. O patrimônio da indústria bancária é aproximadamente 35 bilhões de dólares. O Kupfer que me corrija, deve ser aproximadamente isso, era uns 27 [bilhões] em 1994...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Subiu um pouco.
Fábio Paim: Então, como é que o senhor vê esse montante? Isso lhe parece que vivemos uma crise enorme de insensibilidade para o tamanho desses nossos rombos? Ou isso é apenas a percepção de onde queremos chegar um dia? Quer dizer, limpar esse passivo e começar vida nova? A história dos 4,2 bilhões de prejuízo do Banco do Brasil, isso não era apresentado antes.
José Aníbal: Mas agora tem que ser. Nós estamos num procedimento de reestruturação do sistema bancário e tem que registrar. Então, o Banco do Brasil, no ano passado, fez um esforço imenso, primeiro com o programa de demissão voluntária; segundo, a recuperação de créditos, o resultado não foi tão espetacular, mas foi da ordem de 20% sobre aquilo que estava lá sem perspectiva de recuperação; terceiro, o registro desse prejuízo no balanço. Quer dizer, é um procedimento através do qual o Banco do Brasil vai sair fortalecido, vai se tornar uma instituição bancária muito mais confiável e ágil. E um fator fundamental: a incidência de qualquer procedimento político sobre o Banco do Brasil caiu a zero. Eu atesto isso cotidianamente. O Banco do Brasil age hoje, e disputa posição, como qualquer outra instituição bancária.
Fabio Paim: Eu só voltaria numa coisa: ficamos insensíveis quanto aos vinte ou 25 bilhões de dólares?
José Aníbal: Não, não ficamos, vamos recuperá-los todos. Os 15 [bilhões] do Banespa serão integralmente recuperados. Pense ao contrário: fazer o que com o Banespa?
Matinas Suzuki Jr.: Mas como o Estado vai pagar? Seria bom saber. Como o estado de São Paulo vai pagar?
José Aníbal: Os 7,5 bilhões que vão ser antecipados...
Matinas Suzuki Jr.: Aliás, ao governador [de São Paulo] Mário Covas, se o senhor tiver alguma receita...
José Aníbal: O governador Mário Covas sabe muito bem disso; ele vai pagar ao longo de 25 anos, mês a mês, dando como garantias reais o Fundo de Participação do estado de São Paulo. Se ele não pagar, o fundo é retido. Vai pagar, ao longo de 25 anos, 7,5 bilhões da administração irresponsável do Banespa, que não foi dele, e os outros 7,5 bilhões serão pagos com a Fepasa, com aeroportos, enfim, com o que for necessário para compor esses 7,5 bilhões. Os recursos do Nacional, também nós vamos recuperar. Se uma ou outra coisa não for recuperada, paciência, nós vamos em cima dos bens dos controladores do banco, até recuperar o último centavo. Agora, o Brasil não se resume a isso, o Brasil tem várias outras decorrências da estabilidade econômica, sobretudo positivas, e da reorganização da economia.
José Paulo Kupfer: Deputado, na crise do banco Econômico também se levantou, como o senhor fez aqui nas suas primeiras intervenções, a idéia de regulamentar o artigo 192 da Constituição de 1988. Agora, e isso já tem seis ou sete meses, e não aconteceu nada...
José Aníbal: [interrompendo] Constituiu-se a comissão. Ela está pronta; o relatório deve sair agora em abril.
José Paulo Kupfer: Tudo bem. Agora, nós estamos de novo falando nisso. Eu lhe pergunto: será que não tem um paragrafozinho nesse artigo 192, uma mosquinha horrorosa que vai dificultar muitíssimo esse tipo de ação de regulamentação desse artigo? Eu lhe pergunto claramente: não tem um parafusinho ali que diz assim: “Os juros no Brasil não podem superar 12% ao ano. Ponto [final]”.
José Aníbal: Eu acho muito. Eu acho muito juros de 12% ao ano. Eu acho uma estupidez colocar isso na Constituição.
José Paulo Kupfer: Eu acho também. Quando eu faço empréstimo [...], eu também acho. Mas eu estou pagando 25%.
[...]: Mais estúpido ainda é pagar isso por mês.
José Aníbal: Em junho do ano passado, nós votamos isso e derrotamos isso, porque não faz sentido colocar taxa de juros na Constituição.
José Paulo Kupfer: Sim, mas como é que vai fazer nesse artigo?
José Aníbal: Pergunte para o cidadão brasileiro, que está se beneficiando da estabilidade da economia, dos preços baixos, da inflação de 0,5% no mês de fevereiro, se ele quer escrever na Constituição a taxa de juros.
José Paulo Kupfer: Mas pode mexer nisso assim?
José Aníbal: Resolve alguma coisa?
José Paulo Kupfer: Pode fazer isso?
José Aníbal: Não, é tirar da Constituição. Desconstitucionaliza. Isso é matéria de política monetária.
Josemar Gimenez: Deputado, quando o senhor fala em regulamentação do sistema financeiro, eu gostaria de saber do senhor como é que o senhor acha que deveria funcionar o Banco Central dentro desse contexto. Porque o que a gente vê hoje é presidente de Banco Central virar banqueiro, virar multimilionário...
José Aníbal: Eu defendo a quarentena do pessoal do Banco Central: presidentes e diretores saem de lá, passam um tempo... mesmo que o Estado tenha que lhes pagar os salários, que fiquem seis meses, um ano, não sei que período – isso é uma questão que vai caber ao Congresso definir – sem assumir qualquer função em empresa do setor financeiro privado. Segundo, eu acho que no que se refere à fiscalização, hoje eu estou começando um estudo, que fizemos na assessoria técnica do PSDB, mostrando que em 80% dos países que fazem parte do FMI, a fiscalização é no Banco Central; 15% são autônomos ao Banco Central, independentes; e 5%, no Ministério da Fazenda. Quer dizer, nós vamos ter que evoluir nessa conversa e definir um modelo para nós. Se fazemos a fiscalização...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] O senhor acha que o Banco Central, quando o senhor tem um presidente de Banco Central que é nomeado, tem isenção para exercer até o fim essa fiscalização?
José Aníbal: Ele é aprovado pelo Senado, Matinas. Ele não é só nomeado pelo presidente. O Senado tem competência para aceitar ou não a indicação.
Luciano Suassuna: Ele não tem mandato; ele pode ser demitido.
Matinas Suzuki Jr.: Mas ele pode ser demitido em cima da hora...
José Aníbal: Ele pode ser demitido. Então, eu acho que aí talvez seja o caso de definir mandato. É uma coisa que podemos evoluir para isso, dois anos, três anos, quatro anos, enfim, que se estenda o mandato para o outro período de governo e não só para o período de governo daquele presidente. São questões...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Já há uma comissão que está pensando nisso, deputado?
José Aníbal: A comissão que regulamenta o 192 está estudando todas essas questões, todas essas possibilidades.
Fernando Canzian: Deputado, por favor, falando um pouco de política, o governo tem mais ou menos meia dúzia de líderes no Congresso. Tem o senhor, que é o líder do partido, tem o [deputado Germano] Rigotto [PMDB-RS], o [deputado] Luiz Carlos Santos [PFL-SP], tem o [deputado] Inocêncio [de Oliveira, do PFL-PE], que é aproximado do governo, e sofreu duas derrotas acachapantes na semana passada...
Matinas Suzuki Jr.: Embora eles só reconheçam uma.
Fernando Canzian: É, embora o senhor só reconheça uma. É líder demais ou é coordenação de menos? O que está faltando para o governo?
Matinas Suzuki Jr.: Deputado, só para pegar uma carona, o Vanadir José de Almeida, do Espírito Santo, pergunta para o senhor se o PSDB é um partido sem comando.
Fernando Canzian: Tem seis.
José Aníbal: Não. Esses líderes não são líderes do PSDB. Veja bem, tem o líder do Congresso, que é o Rigotto, aí o governo tem um líder na Câmara e outro no Senado, Luiz Carlos Santos e Élcio Álvares [PFL-ES]. E os partidos todos têm os seus líderes. É assim que funciona.
Fernando Canzian: Mas os partidos não estão convergindo com o governo...
José Aníbal: Estão convergindo, sim. Tem um deputado do PSDB que diz o seguinte: “Olha, Zé, só faltaram vinte votos”. É um modo de encarar aquele resultado. Eu, aliás, quero ressaltar muito aqui que, nesse resultado da Previdência, os 294 que votaram a favor tiveram um comportamento exemplar do ponto de vista de, embora questionando alguns aspectos do parecer do relator, sabiam que, em seguida ao voto no parecer do relator, o corpo da proposta, era possível todo um procedimento de emendas que seriam ou não aprovadas pela Câmara. Eles não foram, de partida, não tiveram uma postura de recusa a combater os privilégios. Porque, no fundamental, essa proposta da Previdência centra fundamentalmente um combate aos privilégios, aos sistemas especiais de aposentadoria que existem no governo federal, estadual e municipal e no executivo, no legislativo e no judiciário. O sistema de previdência do INSS, que beneficia 15,5 milhões de pessoas não tem nada a ver com essa reforma. Tem um ponto só, a aposentadoria por tempo de contribuição, mas essa aposentadoria por tempo de contribuição já é o que funciona para os trabalhadores do setor privado. No setor público, com a tal aposentadoria por tempo de serviço, você conta 35 anos em vinte. Você tem: anuênio, biênio, qüinqüênio. Então, com vinte, 25 anos, você consegue se aposentar. No setor privado, tem que ser os 35 [anos] mesmo, trinta, 35 [de] contribuição efetiva para poder aposentar em melhores condições. Então, eu acho que aí houve um problema de comunicação, que não foi só com relação a essa emenda, [mas] também com relação a outras. [Seria preciso] mostrar que quem está no sistema do INSS, que é a grande maioria dos brasileiros, dos 15,5 milhões, 11 milhões ganham apenas um salário mínimo e nada têm a perder com essa reforma. Quem realmente tem a perder, e não é ruim que perca, porque realmente são beneficiados por um sistema privilegiado de aposentadoria, são setores do executivo, legislativo e judiciário, e nos três níveis.
Fernando Canzian: Mas, deputado, o senhor não acha difícil convencer mesmo a sociedade a aceitar essa reforma? Pelo seguinte: eu trabalho hoje para pagar o benefício de um inativo. Quando eu me aposentar, quem é que me garante que esse sistema, que hoje é furado, com fraudes, vai ter dinheiro para pagar a minha aposentadoria?
José Aníbal: Ele não é só furado com fraudes. É preciso ter uma visão integrada aí. O sistema do INSS hoje, embora viva da mão para a boca, ele se mantém. O que ele arrecada, ele paga em benefícios e pensões. Os sistemas especiais de aposentadoria, esses vivem à custa do Tesouro, é dinheiro de imposto, que o governo pega lá... Nesse ano de 1995, foi quase o equivalente: foram gastos 35 bilhões no INSS, mas também foram arrecadados esses 35 bilhões. E foram gastos com sistemas especiais de aposentadoria 35 bilhões, dos quais 90% saíram diretamente do Tesouro para pagar esses sistemas especiais de aposentadoria. Isso é o que nós queremos combater, porque não adianta mais encher a boca no Brasil e falar: “Olha, a saúde não vai bem, a educação tem problema etc”, e não ter uma visão integrada do país. O dinheiro que falta para isso é o dinheiro que está indo pelo ralo ali. Tem um ralo ali, de sistemas especiais de aposentadoria, que leva muito dinheiro e que faz faltar nas áreas em que o Estado deveria prestar um serviço com alguma qualidade.
Josemar Gimenez: Deputado, o fato de o governo ter nomeado o deputado Michel Temer...
José Aníbal: O governo não nomeou, foi o presidente da Câmara.
Josemar Gimenez: Desculpe, o presidente da Câmara ter nomeado o Michel Temer como relator sinaliza que o governo está disposto a fazer uma reforma ministerial já?
José Aníbal: Não, não. Sinaliza que o relator deveria ser do PMDB...
Luciano Suassuna: Foi para dar um xeque-mate no PMDB?
José Aníbal: Também não. Que xeque-mate?
Luciano Suassuna: Porque agora, ou o PMDB apóia a reforma do PSDB, ou...
José Aníbal: De modo algum.
Matinas Suzuki Jr.: Uma coisa que nós não estamos entendo é a seguinte: como é que o governo, que vinha tão bem, fazendo acordo com [o sindicalista] Vicentinho [presidente da CUT], essa coisa toda, céu de brigadeiro etc e tal, passou pelos momentos que passou no Congresso? O que falhou? As lideranças, a articulação do governo? O governo está achando que já está com todas as conquistas feitas e descuidou da atuação? Alguns deputados, colegas do partido do senhor votaram contra o governo? Alguns deputados da base de aliança do governo votaram contra o governo?
José Aníbal: A última vez, Matinas, que nós votamos com três quintos, criamos maioria de três quintos na Câmara, foi na segunda quinzena de novembro, quando votamos o Fundo de Estabilização Fiscal. Depois, em janeiro, votamos a contribuição dos inativos na União e perdemos. Nós precisávamos ter três quintos e tivemos cento e poucos votos. A grande maioria não entendeu; inclusive isso está dentro da reforma da Previdência. Os inativos atualmente não contribuem, e a proposta do governo é que passassem a contribuir numa faixa de 9% a 11% dos seus ganhos. Perdemos essa votação. Talvez não tenhamos tido toda a sensibilidade para perceber que esse resultado era indicativo de que estavam havendo alguns problemas. E, de fato, eu acho que todos nós, líderes de partidos, usávamos anteriormente o procedimento de nos reunirmos antes das votações em Plenário e fazermos uma avaliação, bancada por bancada, não fizemos isso nessa votação. Porque tínhamos o entendimento do seguinte: como a proposta foi amplamente negociada, os pontos essenciais, por exemplo, reivindicados pelo Vicentinho estavam na proposta; os quatro que ele menciona no artigo de sexta-feira são pontos secundários com relação ao que ele colocou como principal, e como havia destaques para a votação em separado de quase todos os itens do parecer do relator, que permitiriam eventualmente a se formar uma maioria para retirar uma ou outra coisa ainda, o pressuposto de que partimos é que ia ser votado pela maioria. Não foi. Nós temos que tirar ensinamentos disso aí. Foi um tropeço, e temos que, em primeiro lugar, trabalhar no sentido de reafirmar a convicção de todos que votaram a favor e ganhar parte daqueles que não votaram a favor e que formam os partidos que dão sustentação ao governo.
Matinas Suzuki Jr.: Aparentemente, pelo noticiário, o PFL assume o comando dessa operação, o comando de fato dessa operação. O governo está refém mesmo do PFL nessa questão?
José Aníbal: Não, não é verdade. O PFL teve um bom desempenho...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Bom, [o PFL] inclusive andou comemorando essa...
José Aníbal: ...um bom desempenho na votação da reforma da Previdência, assim como teve o PSDB. Com relação ao número total de deputados, nós tivemos o mesmo desempenho: 85% de votos a favor no PFL e no PSDB. Nós temos que procurar agora um trabalho de sedimentação do voto a favor e, de outro lado, incorporar outros companheiros do PSDB, do PFL, do PMDB, do PPB e de outros partidos da base para a aprovação do parecer que vai ser apresentado pelo Michel Temer.
Matinas Suzuki Jr.: Deputado, ainda sobre esse assunto, o nosso telespectador Marcos, aqui de São Paulo, pede para o senhor fazer uma análise objetiva da declaração do presidente, que disse que era necessário punir os deputados do PSDB que votaram contra o projeto.
José Aníbal: Eu falei com o presidente depois da votação; ele não disse em punir, não. Ele estava era surpreso. Ele me disse exatamente o seguinte: “Quem está a favor do Real, quem acha que esse programa econômico [Plano Real] produziu resultados que são registrados muito positivamente pela população, como as pesquisas indicam, eu não entendo como vota contra as reformas. É fundamental a reforma do Estado para a estabilização desse programa”. Foi isso que ele disse. Ele manifestou surpresa com relação a esse voto. E em nenhum momento falou em punir... como eu vi aí, em certas suposições, que ele teria pedido a expulsão desse pessoal do partido. A mim, ele não pediu.
Luciano Suassuna: Não vai ter sansão, então, contra quem é do PSDB e votou contra o programa do governo?
José Aníbal: Não. Nós vamos continuar conversando, até porque, no PSDB, nós já tivemos, em outras votações de reformas, votos contrários, não é? E continuamos conversando; alguns companheiros mudaram a posição. Teve companheiros que votaram, no primeiro turno de votação do petróleo e de telecomunicações, contra, e no segundo votaram a favor. Até por conversa com seus próprios companheiros de bancada, e por entenderem... Isso é um procedimento que leva tempo. Nós estamos confrontados hoje em fazer reforma com democracia. É um desafio. O Brasil teve dois momentos de reforma neste século: com [Getúlio] Vargas, depois de 37, portanto com um governo ditatorial, e com o golpe de 64. Nós temos agora o grande desafio de fazer com democracia e vamos fazer. A sociedade está ativa, participando. Isso é um desafio que incumbe a todos nós: políticos, imprensa, todos, a sociedade inteira. É um desafio que leva tempo. Nós gostaríamos que andasse mais rápido, por uma razão bem objetiva. Hoje, até 1988, de cada quatro que o governo despendia com a folha, ativos e inativos, um é para inativo, até 1988; hoje já são dois para os inativos e dois para os ativos. E na projeção, daqui a 15 anos, vão ser três para os inativos e um para os ativos. Quem vai bancar? Por isso que nós precisamos reformar.
Josemar Gimenez: Só voltando a insistir numa questão: quando eu perguntei ao senhor sobre o Michel Temer, o senhor desconversou. O governo entende que ainda não é preciso e não pensa ainda em fazer uma reforma ministerial para melhorar essa base?
José Aníbal: Até porque reforma ministerial implicaria você mudar o rumo do governo. E não tem nada que indique que seja necessário mudar o rumo do governo.
Josemar Gimenez: O Michel Temer, por exemplo, nunca vai assumir o Ministério da Justiça?
José Aníbal: Não, isso eu não posso... eu não estou dizendo isso. Não tire da minha declaração isso. O que eu estou dizendo é que, de qualquer maneira, compete ao presidente, se ele quer fazer uma ou outra mudança, fazê-la. Mas eu não tenho nenhuma indicação de que isso esteja para ser feito.
Fábio Paim: O senhor se referiu ao andamento das reformas. Em muitos casos, o governo tem sido provavelmente lento na sua regulamentação. É o caso da Petrobras, por exemplo. Além daqueles meses que o projeto... Parece um projeto secreto, o projeto do ministro [de Minas e Energia Raimundo Mendes de] Brito. Na verdade, um jornal já publicou que já o tem em mãos, e havia umas cópias distribuídas em Brasília. De fato, o projeto mantém a Petrobras, mais ou menos, como ela está hoje. Enfim, ele não aproveita uma suposta disposição do setor privado de investir, embora já se saiba que o volume de recursos que a Petrobras tem destinado ao petróleo tem sido da ordem de dois a três bilhões de dólares por ano. E nós precisávamos de seis a sete [bilhões].
José Aníbal: Eu tenho companheiros na bancada do PSDB que já questionam esse projeto, exatamente por isso, acham que ele é insuficiente e que ele tem que realmente consagrar a quebra do monopólio.
Fábio Paim: É a sua opinião pessoal?
José Aníbal: É a minha opinião também, é a minha opinião pessoal.
Fábio Paim: Como é que imagina então? Esse projeto provavelmente não passará como está.
José Aníbal: É, certamente vai ser objeto de ampla discussão. Você veja o projeto com relação a telecomunicações. Ele está provocando um debate forte. Será que conservamos 51%? Qualquer associação tem que ser de empresas brasileiras? Isso é complicado porque também nós mudamos na Constituição o conceito de empresa brasileira. Então, é capital nacional, não pode ser capital estrangeiro, sequer romper esse limite? Alternativamente a isso, quer se atribuir ao executivo a condição de determinar qual vai ser esse limite. Nos Estados Unidos, são 20% só, no setor de telecomunicações, o capital estrangeiro.
Fabio Paim: O Congresso está avaliando o tamanho do ônus de se demorar tanto uma reforma como a de telecomunicações, na medida da rapidez com que se transformam as tecnologias...?
José Aníbal: Está. O Congresso tem questionado o governo.
Matinas Suzuki Jr.: Deputado, se o senhor me permitir, o Manuel Souza, daqui do bairro de Santa Efigênia, São Paulo, pergunta: “No mês passado, eu comprei um telefone por 3,6 mil reais. Por que o governo é tão lerdo nas privatizações, incluindo a questão das estradas?”
José Aníbal: Veja bem, no que se refere a telefone, nós temos que chegar a uma situação em que o cidadão, para ter um telefone, pague apenas a taxa de instalação. Agora, a regulamentação disso... na Inglaterra, fala-se que saiu uma quantidade de livros que dá meio metro. Porque se você abre sem regulamentar, eu quero instalar telefone na avenida Paulista [centro financeiro da cidade de São Paulo], onde a densidade de números de telefone por metro quadrado é uma; não vou querer instalar num bairro da periferia. Então, isso tem que ser muito bem regulamentado, porque senão você abre e depois você cria dificuldades para a integração das telecomunicações no nosso país, que hoje, mal ou bem, estão integradas. O nosso propósito é realmente quebrar o monopólio, mas quebrar dentro de uma regulamentação que não nos faça perder – o Brasil não está tão atrasado – o relativo progresso do setor de telecomunicações no Brasil. O que há de atraso, esse é o fator de atraso, é você ter que pagar 3,6 mil reais por um telefone. Isso é um absurdo, não é um atraso.
Luciano Suassuna: O que falta para resolver isso?
José Aníbal: Falta tempo. A legislação que regulamenta isso, parte dela já está no Congresso, mas a outra parte ainda precisa vir e leva tempo para regulamentar, para definir, enfim, é um procedimento lento.
Fabio Paim: O ministério está falhando nesse caso?
José Aníbal: Não, não acredito que esteja falhando. O processo é naturalmente lento. Nós demos o primeiro passo. A pedra de toque foi mudar a Constituição. A partir daí, o procedimento de regulamentação é lento mesmo, como tem sido em todos os países.
Luciano Suassuna: O senhor não acha que o governo criou uma falsa expectativa, na medida em que...
José Aníbal: A partir da quebra do monopólio?
Luciano Suassuna: É.
José Aníbal: ...de que a regulamentação viria rapidamente? Não, o governo não criou, mas se criou essa expectativa na sociedade e mesmo nos investidores. Agora, nós estamos procurando correr com a telefonia celular, que é o que já está lá no Congresso. Já está quase pronto para voto; eu imagino que logo nós teremos isso no plenário. Mas ainda falta muito.
Matinas Suzuki Jr.: Deputado, eu pediria licença para o senhor para a gente fazer um breve intervalo. A gente volta daqui a pouco com o segundo tempo da entrevista com o deputado José Aníbal. Até já.
[intervalo]
Matinas Suzuki Jr.: Nós voltamos com o programa Roda Viva, que entrevista esta noite o deputado José Aníbal, líder do PSDB na Câmara Federal. Deputado, continuando ainda com o assunto do final do primeiro bloco, reforma fiscal, que parece que não anda, reforma da Previdência, com esses solavancos, privatização em ritmo mais lento, aumento da dívida pública em ritmo preocupante e, ao mesmo tempo, essa manutenção da taxa de juros muito alta, o governo não está preparando para ele uma imensa bomba de efeito retardado que ele não vai saber como controlá-la depois? [O governo não] está ancorado apenas na questão da inflação, achando que o mundo está muito bom porque a inflação está baixa?
José Aníbal: Estão sendo criadas condições para o investimento produtivo, é um investimento que não provoca resultados imediatos, mas as decisões estão sendo tomadas, os investimentos começam a ser realizados. Há um crescimento grande da credibilidade com relação a este governo, o fato de que ele tem os controles da política econômica. Quer dizer, não há nada que esteja fora do alcance da ação do governo: a taxa de juros, a dívida interna, as reservas internacionais, o câmbio. Este governo, até aqui, todas as investidas que foram feitas e as administrações que lhes corresponderam da parte do governo foram amplamente satisfatórias. Quer dizer, não se pode esquecer...
Matinas Suzuki Jr.: Deputado, desculpe, mas não é isso que a gente está vendo.
José Aníbal: Bom, na realidade o país está funcionando.
Matinas Suzuki Jr.: Sim, o país está funcionando como já funcionou com inflação de 40% ao mês...
José Aníbal: Não, não. Está funcionando com expectativa, com perspectiva. O ajuste fiscal...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Essas reformas que são chamadas... há quase que uma unanimidade de análise de que as reformas chamadas estruturais estão andando muito lentamente, se estão andando no país, e que o país está vivendo graças a uma sobrevida que a inflação está dando...
José Aníbal: Isso é uma circunstância do regime que nós temos e que é bom que seja assim. Tem muita gente reclamando que a reforma da Previdência está andando rápido e que por isso não acompanhou, não votou etc. Nós achamos que está um pouco lenta até, mas, enfim, é o ritmo que nós temos. Isso tudo tem que passar pelo Congresso, não tem jeito. Quando se fala em ajuste fiscal, no ano passado houve um déficit de 32 bilhões de reais, 16 [bilhões] dos quais provocados por estados, seis [bilhões] provocados por empresas estatais. A expectativa do governo este ano é reduzir isso fortemente, acertar as contas, não é? Esse procedimento de acerto de contas vem vindo. Agora, os estados estão com problemas sérios com relação à folha, têm alguns que estão vários meses atrasados, não conseguem fazer nenhum investimento...
José Paulo Kupfer: Com licença. Com relação à folha [de pagamento], é o único problema que eles têm?
José Aníbal: Não.
José Paulo Kupfer: Qual é o outro grande problema que os estados enfrentam com relação a sua dívida? O senhor tem uma idéia? Fora a folha.
José Aníbal: Veja bem, eu acho que as virtudes da austeridade foram mostradas aqui em São Paulo pelo governador Mário Covas. Ao longo do ano passado, ele não recorreu...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Mas a dívida dele cresceu.
José Aníbal: ...ele não recorreu em nenhum momento ao sistema bancário ou a quem quer que seja para pagar folha. Inclusive, pagou o décimo terceiro integralmente até o dia 30 de dezembro.
José Paulo Kupfer: Mas a dívida cresceu.
José Aníbal: E de um déficit previsto de quatro ou algo por aí, 3,5 ou 4,5, ele acabou o ano sem déficit.
José Paulo Kupfer: Desses 16 bilhões, o que o senhor acha que não é folha e qual é o principal motivo disso?
José Aníbal: Quais 16 bilhões?
José Paulo Kupfer: Do déficit que o senhor falou.
José Aníbal: Do orçamento?
José Paulo Kupfer: Do déficit. Dos 32, o senhor está dizendo que 16...
José Aníbal: Ah bom, dos estados de um modo geral?
José Paulo Kupfer: Isso. O que é que o senhor acha que...
José Aníbal: Isso são operações de crédito que não foram...
José Paulo Kupfer: O senhor quer dizer juros?
José Aníbal: Não, que juros, não. Fundamentalmente não são juros.
José Paulo Kupfer: Não é a política monetária que faz os juros desse tamanho, deputado? Não é?
José Aníbal: A política monetária faz os juros altos hoje, que são juros...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] E quem tem dívidas, não paga esse juros, deputado?
José Aníbal: Espere aí, deixe eu terminar para o telespectador nos entender. Hoje são juros declinantes: a taxa básica é cada vez menor...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Os das Casas Bahia estão a 8% ao mês. Baixou bem [risos].
José Aníbal: Isso é para o consumidor direto. O cheque especial está entre 8,5% e 13%. Agora, a taxa básica...
[sobreposição de vozes]
José Aníbal: Deixe-me continuar, deixe eu concluir para a gente não misturar. Esses 16 [bilhões] não correspondem só a juros, não...
José Paulo Kupfer: Não, eu sei, tem folha também.
José Aníbal: Nesses 16 [bilhões] tem de tudo aí. E o governo federal colaborou até com alguns estados no sentido de reorganizar as suas dívidas, de consolidar. Fez alguns avanços dentro de determinados critérios, impondo critérios rígidos, através dos quais os estados já não podem contrair novos empréstimos, a não ser aqueles que eles possam efetivamente honrar, enfim, está se fazendo um ajuste geral de contas neste país. O procedimento é lento, doloroso, custoso...
José Paulo Kupfer: As taxas de juros não dificultam esse reajuste, deputado?
José Aníbal: Claro que dificultam. Elas dificultam porque elas têm feito crescer a dívida.
José Paulo Kupfer: E quem é que fixa a taxa?
José Aníbal: O governo é que fixa a taxa. Agora, é preciso que haja essa taxa para manter essa política que está aí. Ora, você quer o quê?
Ibsen Spartacus: Como é que o governo vai então reduzir esse déficit?
José Aníbal: Nós temos uma inflação de 0,5%...
Matinas Suzuki Jr.: Quanto tempo uma economia pode viver desse jeito, deputado?
José Aníbal: Pouco tempo. Eu acho que a tendência declinante da taxa de juros está inscrita fortemente na política monetária do governo. Isso tem que se acentuar. Agora, se desequilibrar, se provocar instabilidade, o governo vai ter que agir de acordo com essa situação. Como estamos hoje, a tendência é fortemente declinante.
Luciano Suassuna: Eu queria voltar, por favor, à questão da CPI e dos 16 bilhões ou 20 bilhões que já foram gastos com o sistema financeiro. No primeiro bloco, o senhor disse o seguinte: que o governo, nessas situações, deveria adotar uma solução de mercado. Eu perguntaria para o senhor o seguinte: solução de mercado não é deixar quebrar? Segunda pergunta: o senhor disse que eram heranças do passado. Se é uma herança do passado, não era melhor ter uma CPI para investigar esse passado, já que provocou um rombo de 16 bilhões, pelo menos, nas contas do Banco Central? E terceiro ponto: o senhor não acha que a grande questão é a impunidade? Quer dizer, quebraram-se alguns dos maiores bancos brasileiros e não tem ninguém preso até agora.
José Aníbal: Eu acho que realmente a impunidade é um problema sério, muito sério. Isso, neste governo, o inquérito com relação aos controladores do Banco Nacional está indo esta semana para o Ministério Público; o do Banco Econômico já foi. Já não é uma questão do Banco Central, é uma questão do Ministério Público. Agora, quando eu disse solução de mercado, a solução aí encontrada foi uma solução no sentido de preservar os funcionários, de preservar os correntistas, os poupadores, porque já se viu que outras soluções, intervenções, liquidações pura e simples acabam depois acarretando para o Banco Central um prejuízo maior do que aquele... sobretudo com os instrumentos que o banco tem hoje, onde os controladores do banco têm os seus bens tornados indisponíveis. Nessa circunstância, a expectativa nossa é de que realmente o Banco Central recupere tudo aquilo que ele avançou, no caso, por exemplo, do Nacional, para poder fazer essa incorporação do banco pelo Unibanco. Então...
Luciano Suassuna: [interrompendo] Em relação à herança do passado, já que era uma herança do passado, não era melhor ter uma CPI para investigar essa herança do passado?
José Aníbal: Olha, eu já insisti aqui...
Luciano Suassuna: Ou é de um passado muito recente, quando...
José Aníbal: Não, não é de um passado recente...
Luciano Suassuna: ...quando o [atual] ministro da Fazenda [Pedro Malan] era o presidente do Banco Central [entre 1993-1994] e o [atual] presidente da República [Fernando Henrique Cardoso] era o ministro da Fazenda [entre 1993-1994]?
José Aníbal: Não, não. A gente sabe que o Banco Nacional, isso está público, faz dez anos que eles vêm operando desse modo. Não sei a intensidade, quando foi mais ou menos, mas, enfim, há dez anos. O Econômico também, há muito tempo se falava disso, que o banco Econômico tinha dificuldades etc. E se expuseram plenamente, as vergonhas vieram a público com a estabilização da economia. E outros casos que se comentam aqui e acolá. O fato é que está se fazendo uma reestruturação do sistema bancário em que o Tesouro não está tendo, até aqui, nenhum dispêndio, não está tendo que colocar nenhum tostão lá. E nós também temos que pensar o efeito que poderia ter...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Está tendo a expectativa de que vai recuperar o dinheiro que já pôs, não é, deputado? Espere aí, colocar, colocou.
José Aníbal: Exatamente. Uma liquidação com quebra de bancos... Isso poderia provocar um efeito cascata, poderia provocar o efeito dominó, várias situações que são profundamente nefastas, profundamente negativas. As crises fortes do sistema bancário na Argentina, no Chile, na Venezuela implicaram quebras do produto interno bruto que variaram de 12% a 15%, 18%, o que no Brasil significaria um valor astronômico. Se nós pudermos evitar isso, vamos evitar. Agora, sobre a CPI: vamos voltar lá, nós não somos contra a CPI por princípio. Nós estamos colocando que hoje existem os instrumentos, tanto no Congresso como no governo, para se fazer essa apuração, tanto que ela está sendo feita. No caso do Banco Central, ele está fazendo, está mandando os inquéritos para o Ministério Público. Agora, se for necessário, se o Congresso julgar que o melhor caminho é mesmo uma CPI para fazer um procedimento de esclarecimento, que ele acha que é insuficiente via Banco Central, via governo ou via os instrumentos que o Congresso dispõe, faça-se, mas não restringindo a esse período de 1995. Por quê? Porque não foi em 1995 que a crise do sistema bancário começou. Isso veio de antes. A crise do Banespa, o Banespa vivia uma bicicleta, todo mundo sabia: se parasse de pedalar, caía, não é? E outras instituições, o Banerj, e também essas instituições privadas que vêm de antes. Então, por que restringir a esse período? Não faz o menor sentido.
Luciano Suassuna: Deputado, recentemente, uma fonte nossa lá do Palácio do Planalto disse à revista IstoÉ que o governo não quer mais esse acordo do Banespa, que está torcendo para que o Senado vete esse acordo, porque se chegou à conclusão de que vai ser ruim para as duas partes. O governo de São Paulo não teria como pagar mais cem milhões por mês e o governo federal preferiria fazer a privatização.
José Aníbal: Eu não tenho essa informação. E não sei também qual alternativa se poderia encontrar para equacionar... Porque, tudo bem, vamos admitir: privatiza o Banespa. E os 15 bilhões que o estado deve? Como é que faz? Tem que se encontrar de qualquer maneira uma solução para isso.
Fernando Canzian: Deputado, o presidente Fernando Henrique, que está no Japão – foi no sucatão, no mamonão, como chamam [o avião presidencial] –, nas duas últimas semanas atrapalhou um pouco a base governista. Quer dizer, primeiro foi ao México, que não tem uma tradição política das mais lisas, e ele falou mal dos deputados brasileiros. Depois teve o evento dos marimbondos, em alusão ao Sarney [conta-se que, irritado com a oposição de José Sarney, Fernando Henrique declarou em 1996: “Algumas abelhas me picam, às vezes até marimbondos”]. O senhor acha que o presidente está um pouco afoito nas críticas que vem fazendo ao Congresso e tem atrapalhado a ação dos deputados para aprovar as reformas que ele precisa para continuar com o real em dia?
José Aníbal: Não, eu acho que isso aí são os aspectos mais figurativos das declarações do presidente. No fundo, o presidente tem feito boas análises. Lá no México, ele fez uma boa análise sobre a globalização, sugerindo iniciativas que devam ser tomadas. E agora, o que se retém é uma ou outra declaração que têm um sentido mais figurativo, e essa que ele fez aí dos marimbondos etc, que se fez uma enorme associação [com Sarney], eu acho até que essa associação é meio indevida, quer dizer, ela existe até, [porque] o Sarney publicou o livro [de poemas] Marimbondos de fogo [1978], mas eu não acredito que o presidente tenha dito isso com a intenção de penalizar o Sarney.
Fernando Canzian: Não foi por querer, não é? [ri]
[...]: Não mexeu no vespeiro.
José Aníbal: Eu queria colocar o esforço que o presidente tem feito, e fez agora nessa viagem aos Estados Unidos, é para acentuar as necessidades das reformas, mostrando que o Estado brasileiro vive uma profunda crise. Essa é que é a questão; e transformar isso em crise de governo é uma diminuição, inclusive do ponto de vista de enfrentar um grande desafio.
Fernando Canzian: Mas, deputado, o Congresso reage a essas críticas.
José Paulo Kupfer: Nesse ponto, deputado, eu queria que o senhor fizesse uma avaliação do seguinte: no ano passado foram emitidas 432 medidas provisórias...
José Aníbal: Não, não foram emitidas, elas foram reeditadas.
José Paulo Kupfer: Tudo bem. Colaram lá 432 medidas provisórias, um recorde desde 1988, quando elas começaram a ser emitidas. É um terço do total das medidas que foram emitidas. Em janeiro, foi um recorde de 77. A média mensal do ano...
José Aníbal: [interrompendo] Reeditadas. Só dá para a gente discutir isso se você distinguir quantas foram reeditadas – essas de janeiro foram praticamente todas. São medidas provisórias que, a cada mês, têm que ser reeditadas se não forem aprovadas.
José Paulo Kupfer: Tudo bem. Tinha sido 397 no ano anterior.
José Aníbal: Pois é, reeditadas. Boa parte delas, reedição.
José Paulo Kupfer: Um ponto que um professor da PUC do Rio, Jorge Vianna Monteiro, levanta é o seguinte: que nesse ritmo, a capacidade autônoma de legislar da burocracia, ou seja, do governo, correntemente, na média, já está equivalendo a uma vez e meia a produção de leis pelo Congresso.
José Aníbal: Está errado. A estatística dele está completamente errada. Essas 370 a que você se refere, se você for ver, a maioria é reedição. Se tem uma que está desde janeiro do ano passado até aqui, ela já foi reeditada 14 vezes. Na estatística dele, aparece como 14 medidas provisórias.
José Paulo Kupfer: Sabendo disso, pode estar até errado, eu estou me louvando num trabalho recente que eu tive conhecimento. Sabendo disso e lendo uma declaração sua em junho do ano passado, em que o senhor dizia – não sei se é verdade, a Folha publicou, e acho que outros jornais também –, o senhor dizia que era preciso ajustar o programa do PSDB, e o senhor é líder do PSDB, ao governo. Será que nós não estamos querendo, enfim, que a democracia de três poderes [se torne] mais ou menos [uma democracia de] dois e meio?
José Aníbal: Não, não. Ajustar o programa do PSDB aí tem um sentido bem objetivo. É um programa de 1988. Tinha Muro de Berlim, tinha um conjunto de situações que foram superadas. No nosso programa, por exemplo, havia alguns aspectos, algumas reflexões sobre o Estado...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Deputado, diz aqui assim: “Há um ano e meio, por exemplo, o PSDB saiu em defesa dos monopólios estatais do petróleo e das telecomunicações”. Não é o Muro de Berlim.
José Aníbal: Pois é, eu vou chegar lá, se você deixar. Isso é o que eu quero dizer, é que de lá para cá, desde 1988, quando foi feito o programa do partido, muita coisa mudou. Havia uma visão no nosso partido, e ainda existe, de que a questão do Estado, de Previdência, das empresas estatais era um problema fundamentalmente administrativo, o modo de administrar e de operar dessas empresas. E hoje, está claro para nós que não é só isso. O problema da Previdência não é só um problema administrativo, é um problema que você tem os sistemas privilegiados de aposentadoria que inviabilizam qualquer horizonte para a aposentadoria do INSS. A mesma coisa com relação a outros aspectos aí, as estatais...
José Paulo Kupfer: O senhor acha que seria possível o Plano Real, sem medidas provisórias? Por projeto de lei, seria possível?
José Aníbal: Mas é claro que não. A URV [Unidade Real de Valor] foi através de medida provisória. Se não tivesse recurso aí, seria difícil fazer.
José Paulo Kupfer: [...] que o senhor analise: o funcionamento da nova democracia será por aí?
José Aníbal: A nossa tendência, e há hoje uma discussão forte lá, é normatizar fortemente a emissão de medidas provisórias.
José Paulo Kupfer: E o Congresso perde um pouco a sua importância, é isso?
José Aníbal: Não, o Congresso nunca esteve tão ativo neste país, nunca esteve tão ativo. Esse [Fernando] Collor [de Mello], eleito [presidente em 1989] lá como foi, chegou ao Congresso, dois, três dias depois de eleito, mandou o confisco de toda a poupança e foi aprovado. Este governo, tudo o que manda para lá é para discutir, tudo. Não teve uma medida provisória deste governo aprovada no primeiro mês...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Eu estou falando do Congresso, não de governo...
José Aníbal: Elas são discutidas, rediscutidas etc. Tem que acabar com essa história. Este governo Fernando Henrique Cardoso é um governo que tem toda a legitimidade, foi eleito; tem muita gente até hoje que não se convenceu muito bem disso, tem dificuldade de aceitar isso...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Não é o caso de quem fez essa pergunta. É uma outra história.
José Aníbal: No Congresso, ele tem agido do modo mais democrático. É parceria, é discussão, é formação de convicção. Essa é a ação central deste governo com relação ao parlamento.
Matinas Suzuki Jr.: Deputado, como o senhor, sendo líder do partido do presidente na Câmara, vai encaminhar a questão da sucessão presidencial?
José Aníbal: Da sucessão? Você fala da possibilidade de reeleição?
Matinas Suzuki Jr.: Da possibilidade de reeleição.
José Aníbal: Eu sou francamente favorável à reeleição.
Matinas Suzuki Jr.: Neste mandato já?
José Aníbal: Eu defendo a criação da comissão já. Já indiquei, inclusive, os nomes do PSDB para essa comissão. Acho que essa comissão tem que começar a funcionar, ela tem o equivalente a quarenta sessões da Câmara para produzir o seu relatório. Produz o relatório, é uma emenda simples, porque é um artigo só, e coloca no plenário da Câmara e vamos discutir. A sociedade está amadurecendo para isso...
Josemar Gimenez: Mas o senhor acredita que a reeleição para prefeito passe neste ano agora no Congresso?
José Aníbal: Eu acho difícil. Está ficando muito em cima, o tempo está ficando muito curto. Mas eu defendo para prefeito, governadores e presidente da República.
Luciano Suassuna: O senhor não acha que o governo agiu errado? E que devia ter discutido essa reeleição no ano passado, porque politicamente contaria com o apoio dos prefeitos, que agora já não vão mais apoiar?
José Paulo Kupfer: Ou melhor ainda, [não seria melhor] ter isso nos seis dedos, para quem votou no governo já ter dado procuração...?
José Aníbal: Não, não. Eram só cinco, aliás, é uma boa conversa conversar sobre os cinco: educação, saúde, agricultura, segurança... [referem-se à campanha eleitoral de Fernando Henrique, que associava suas cinco principais metas aos dedos de uma mão]
José Paulo Kupfer: [interrompendo] O senhor quer mesmo conversar sobre isso?
José Aníbal: Claro, sobre todos esses pontos o governo avançou muito. Emprego...
José Paulo Kupfer: Emprego?
José Aníbal: Emprego. Este governo avançou muito na questão do emprego.
Matinas Suzuki Jr.: Não é o que as estatísticas têm mostrado aqui em São Paulo.
José Aníbal: É sim. Eu tenho as estatísticas. As estatísticas mostram [pega uma pasta preta]...
José Paulo Kupfer: A pasta preta.
José Aníbal: As estatísticas mostram, e são do Dieese, e são do IBGE, e são do Seade, que no que se refere a emprego...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Ah, eu já sei o que o senhor vai falar. Caiu na indústria, subiu no serviço. Eu já estou sabendo.
José Aníbal: ...mesmo na grande São Paulo, em 1982, [o desemprego] era 14 e alguma coisa [por cento] e este ano é 13 e alguma coisa [por cento]. Nacionalmente também. Então, é preciso analisar bem essas coisas. O ano passado, o FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] pagou três bilhões de reais de seguro-desemprego; em 1994 pagou dois [bilhões]; portanto pagou 50% a mais... Existem várias iniciativas...
Matinas Suzuki Jr.: Já que o senhor tocou nesse assunto, deputado, o Roberto Conde Noce, aqui do Sumaré, São Paulo, pergunta: “O que o senhor tem a dizer sobre as falências das microempresas que já chegaram a 227% no primeiro bimestre?”
José Aníbal: [São] 227% do quê? Sobre, naturalmente, o primeiro bimestre do ano passado? Deve ser. Houve um crescimento. Eu acho profundamente lamentável. Eu acho que a ação, com relação à pequena e microempresa, tem que ser uma ação forte do governo. Agora mesmo o FAT fez um acordo com o Banco Mundial, agora no dia 7, vai liberar de 1996 a 1998 seis bilhões de reais para a geração de empregos em várias áreas. Isso certamente, tem que se ver que parte disso aí pode ser destinada à pequena e microempresa. Quer dizer, tem várias alternativas aí que estão sendo trabalhadas. O FAT faz convênios com os governos estaduais e, no ano de 95, foram feitos 300 mil cursos; neste ano vai ser feito um milhão. As escolas técnicas vão fazer mais 500 mil. O esquema dos esses, do Senac, vai fazer mais três milhões e meio. Serão cinco milhões de trabalhadores. Isso é uma questão gravíssima, a do emprego. Não é uma questão só nossa. Hoje, eu fui a um debate e um sujeito me disse: “Nós estamos exportando emprego para a Coréia, para Taiwan, porque a indústria têxtil nossa, a indústria de calçados estão tendo dificuldade e estão desempregando”. Em vez de ficar só chorando pitanga, nós precisamos pensar em agir. Nos Estados Unidos, nos anos 80, você via mais carro japonês do que carro americano. Eles reestruturaram toda a indústria automobilística deles. Hoje, você vai lá, você quase não vê carro japonês. Eles recuperaram os empregos. Nós, quando queremos fazer acordo por tempo determinado, no que se refere a trabalho...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Eles recuperaram os empregos?
José Aníbal: A recuperação do emprego...
José Paulo Kupfer: [irônico] Nós não precisamos recuperar, está crescendo tanto...
José Aníbal: ...todo mundo sabe que não se dá na mesma proporção do investimento como era dez anos atrás, mudou. O investimento para a geração de emprego é cada vez maior, mas o que eu quero dizer é que tem que se buscar saídas, soluções. Fica aquela choradeira. A questão do desemprego é uma questão gravíssima neste país, cujo seguro-desemprego é uma coisa muito pequena, embora tenha crescido muito. Agora, é preciso ação. Quando se fala em definir contrato de trabalho por tempo determinado, é uma tentativa de buscar alternativas e geração de emprego. Para as empresas que agreguem empregos, pode ser feito um contrato com tempo determinado. Tem que mexer na CLT. Quer dizer, quando eu insisto que nós vivemos uma crise do Estado e não uma crise episódica de uma ou outra circunstância, um ou outro episódio de governo, mas uma crise de Estado, é preciso refletir profundamente nisso e agir em consequência. Porque senão nós ficamos só: “Olha o Sivam ali, olha a pasta acolá, olha aquilo ali!”. E não discutimos o prato de fundo, fica na sobremesa o tempo inteiro.
Fabio Paim: Deputado, nós perdemos 250 mil empregos aqui na área de Fiesp, e esses empregos são mais qualificados em geral do que os empregos na área de serviços. Existe algum planejamento para se conseguir uma reversão dessa condição?
José Aníbal: Eu vou lhe dar um exemplo: indústria automobilística. Há o perigo de que o Brasil, em matéria de indústria automobilística, vá pelo caminho da Espanha. A Espanha hoje só é manufatura, ela não tem mais engenharia e tecnologia de indústria automobilística, porque os modelos básicos, eles só são produzidos hoje em sete países: nos Estados Unidos, quatro da Europa, Alemanha, Itália, França e Inglaterra, e a Coréia e o Japão. Só que para produzir modelos, carros mundiais no Brasil, é preciso financiar montadora. Custa quinhentos, seiscentos milhões de reais o financiamento de cada modelo básico. Precisa dar tempo para ela pagar...
Luciano Suassuna: [interrompendo] [São] 10% de cada banco que quebra.
José Aníbal: Mas você não pode pegar do compulsório, companheiro. Vamos esclarecer o cidadão, ele tem o direito de ter essa informação. O dinheiro do Proer é do compulsório, não é do Tesouro. Não pode pegar de lá e dar para financiar indústria automobilística ou quem quer que seja. Só pode ser usado para os bancos. É dinheiro do compulsório.
Luciano Suassuna: O dinheiro do Proer é do imposto.
José Aníbal: É dinheiro seu, dele, de quem tem conta corrente, e está sob a guarda do Banco Central. Bom, mas então uma iniciativa como essa é uma iniciativa que tem que ser tomada, porque nós temos aqui no Brasil uma boa engenharia nessa área, tem tecnologia, tem muitos profissionais. E se não formos por esse caminho de produzir carro mundial no Brasil, nós vamos perder tudo isso e vamos ser mera manufatura de autopeça para a indústria automobilística.
Fabio Paim: Seremos o oitavo país?
José Aníbal: O oitavo, se conseguirmos produzir aqui o carro mundial. Eu concordo com você que, em matéria de política industrial, nós temos alguma coisa que já poderíamos estar fazendo e não estamos fazendo: um acompanhamento, um monitoramento mais sintonizado dos problemas que os diferentes setores da economia estão vivendo hoje, e sobre os quais carece uma ação de governo, uma ação mais agressiva de governo. Eu já disse isso, inclusive, na imprensa. Eu acho que uma reforma econômica, como essa que está sendo feita, impõe uma ação forte do lado do Ministério da Indústria e Comércio, que, a meu juízo, não está sendo feita.
[...]: A culpa é da [ministra da Indústria, do Comércio e do Turismo] Dorothea [Werneck]?
José Aníbal: Não, não digo que é da Dorothea, tanto que eu não nominei.
Matinas Suzuki Jr.: Deputado, o senhor disse que tinha números bons para mostrar sobre a questão social e educacional. O Wilson Fava, de São Bernardo, pergunta justamente sobre isso. O Renato Frigeri, aqui de São Paulo, pergunta: “Como justificar gastos absurdos com o sistema financeiro quando o social praticamente não existe?”. Não incomoda um pouco o senhor pertencer a um partido de tradição socialista quando, por exemplo, se descobre que o governo FHC investe menos, no primeiro ano de mandato, no social do que investiu, por exemplo, o governo Sarney, que é hoje tido e havido como inimigo do...?
José Aníbal: Em valores absolutos não, isso proporcionalmente. A situação era outra e a situação em que nós estamos vivendo é outra. Agora, de qualquer maneira há...
Matinas Suzuki Jr.: Se eu tenho dois e gasto um com o social, eu estou privilegiando o social. Se eu tenho cinco e gasto três...
José Aníbal: No programa do candidato Fernando Henrique Cardoso estava dito que o objetivo na saúde era um per capita, para a população brasileira, de oitenta reais. Esse per capita nós já obtivemos no ano passado. Gastaram-se 13,5 bilhões, quase 14 bilhões, com a saúde, e o per capita chegou a quase noventa reais. O que se reconhece hoje é que é insuficiente. Eu não tenho certeza que o cidadão que demanda o serviço de saúde pública no Brasil tenha registrado que houve efetivamente uma melhora, ao contrário, eu acho que as pessoas ainda não têm confiança nesse serviço que deveria ser produzido com qualidade pelo Estado. Agora, recursos foram alocados para esse setor. O cidadão, na dúvida... se impõe a ele a bitributação, porque no fundo ele vai e contrata um programa de saúde, que é péssimo, quer dizer, além de pagar os impostos, ele paga um plano de saúde. Bom, mas nessa área se atingiu. Na área de educação, estão sendo feitos investimentos fortes no primeiro grau, não é? Essa TV Escola é um investimento importante: 46 mil escolas no Brasil já estão recebendo esse kit, através dos quais você vai reciclar professores, você vai fazer programações de seis horas três vezes ao dia, dezoito horas. A rede de saúde vai usar isso. O ministro da Educação [Paulo Renato Souza] me disse agora que vão ser adquiridos 250 mil micros, a partir de outubro deste ano, e num período de seis meses, para equipar as escolas. Isso, aliás, vai aumentar a demanda de micros no Brasil em 20%.
Matinas Suzuki Jr.: Deputado, mas seja do ponto de vista que o senhor queira analisar, são números bastante modestos para uma proposta mais ampla dos cinco dedos, como se estava lembrando...
José Aníbal: Mas eu provoquei essa questão dos cinco dedos, inclusive, porque eu acho que nós temos o que apresentar em cada uma dessas áreas. O esforço que o governo fez com a agricultura, securitizar sete bilhões de reais, que beneficiam 220 mil agricultores, por um período de sete anos, é um esforço forte feito por este governo de seriedade...
José Paulo Kupfer: Deputado, com licença, não há dúvida certamente que está sendo feito um esforço, afinal de contas é um governo, é um governo de credibilidade, mas há uma incoerência no discurso, talvez seja um problema de comunicação, como se costuma dizer lá em Brasília, porque o senhor acaba de falar aqui que o objetivo do programa do candidato com relação à saúde foi superado. Lógico, é insuficiente. No entanto, houve um esforço monumental do próprio governo para aprovar o que o povo considera famigerado...
José Aníbal: [interrompendo] O povo não, alguns setores importantes da sociedade [...].
José Paulo Kupfer: Sim, alguns consideram o famigerado novo IPMF [Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira], sob o argumento de que aqueles seis, sete bilhões que essa contribuição, que era provisória e passará a permanente, trará eram a salvação, porque sem aquilo ia falir a saúde no Brasil. Como é que está melhorando, se vai falir se não tiver a tal CPMF?
José Aníbal: Nós temos o ministro da Saúde...
José Paulo Kupfer: Parece que é um discurso difícil de a gente entender, deputado, desculpe.
José Aníbal: Não, não é um discurso difícil, não. Não é nada difícil. O programa dizia que o objetivo era um gasto de oitenta reais per capita na área de saúde. Obteve-se mais do que isso já no ano passado. O ministro da Saúde [Adib Jatene] diz o seguinte: apesar disso, é preciso de mais recursos para a saúde, junto com uma melhor locação dos recursos, através da municipalização da saúde, que ele está fazendo, é gestão semiplena: o município contrata, fiscaliza e paga. E terceiro: através de um forte combate à fraude. Mas ele acha que o combate à fraude e municipalização dos recursos ainda são insuficientes, precisa de mais dinheiro. Por isso ele fez essa proposta. Ele convenceu o governo, tanto que o governo colocou essa proposta no orçamento. O orçamento da saúde vincula essa receita possível de CPMF de seis bilhões de reais. O que vai acontecer? A Lei de Diretrizes Orçamentárias diz que se não houver a entrada desse recurso, vai ter que haver o corte correspondente. Portanto, vai ter que cortar seis bilhões da saúde. Na prática, já vai ter que cortar; na melhor das hipóteses, essa contribuição pode recolher este ano dois bilhões, dois, três, enfim, mas não os seis previstos originalmente. Por essa razão, nós do PSDB, a grande maioria dos deputados do PSDB, vota a CPMF, achando, no entanto, que melhor seria que não tivéssemos mais um penduricalho em matéria tributária e sim uma reforma tributária, como estamos começando a fazer com a desoneração das exportações.
Fabio Paim: Deputado, há cerca de vinte anos há nos Estados Unidos uma proposta de impedir os déficits públicos. Como é que imagina que uma proposta desse tipo fosse discutida no Brasil? Particularmente endossaria um projeto de lei declarando isso?
José Aníbal: Olha, eu acho que déficit público não é necessariamente negativo. Necessariamente, não é; tem países que sobrevivem com déficits astronômicos, com moeda forte etc. Depende do modo como...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Mas conseguem rolar a dívida em prazos muito grandes, não é?
José Aníbal: Exatamente. Depende do modo como esse déficit é financiado, as condições etc. Eu acho que, aqui no Brasil, nós estamos fazendo vários avanços que não foram registrados: a extinção do Ministério do Bem-Estar Social, [do Ministério] da Integração Regional, das superintendências da Caixa, da LBA e uma série de outras ações de governo, elas são muito importantes do ponto de vista da redução do déficit público, da organização das contas públicas. Agora, o déficit, quer dizer, o que está para trás, a dívida, você pode administrar, sobretudo se você tem condições de colocá-la num período mais longo. O déficit é que nós temos que procurar encurtar fortemente. O Brasil vem acumulando déficit ao longo do tempo e isso pesa fortemente sobre a ação do governo. O passado pesa fortemente sobre o presente, o governo tem que administrar responsavelmente um estoque de dívida muito grande, e ainda mais tendo que fazer uma política monetária dura, como tem feito, e faz incidir uma taxa forte sobre essa dívida.
Fabio Paim: A propósito de uma parcela do déficit, uma parcela muito particular do déficit, o IPC [Instituto de Previdência dos Parlamentares], acredita que haja companheiros seus de Câmara que procuram o mandato por causa do IPC?
José Aníbal: Não, não acredito que ninguém procure mandato por causa do IPC. E acredito também que muita gente a favor de manter... alguns são a favor de manter o IPC não por alguma sinecura, por isso ou aquilo outro. Outro dia um parlamentar me chamou e disse: “Olha, eu fui dois anos vereador, dois anos deputado estadual, estou no segundo mandato de deputado federal, sou engenheiro eletrônico. A última vez em que eu exerci minha profissão, ainda tinha válvula. Eu, se sair do parlamento, eu vou ter que fazer de novo...”.
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Some a idade em que ele está no parlamento e some a idade de alguém que ainda estava na ativa, ele ainda está devendo. Se ele está na vida pública, ele ainda está devendo.
José Aníbal: Não, eu estou dando um exemplo, até para as pessoas... Eu sou a favor de extinguir o IPC, e essa é uma posição unânime do PSDB, foi unânime, a unanimidade da bancada do PSDB é a favor da extinção. Acha, inclusive, que só devia se preservar os direitos adquiridos até o dia da extinção. Hoje, já existe uma posição mais convergente na Câmara de que se deve manter a expectativa de direito. Portanto, quem tiver expectativa de direito até 31 de dezembro de 1998 e puder optar pela aposentadoria tal como ela é hoje, [deve-se] poder fazê-lo. Ou então, receber aquilo que já contribuiu. Nós achamos que o sistema que mais simplificaria é que o cidadão vira parlamentar, ele pode até continuar contribuindo como servidor público. O ideal seria que ele contribuísse como ele vinha contribuindo antes. Se ele fosse autônomo, se ele fosse empregado etc, no mesmo padrão. Até porque nós defendemos, tendencialmente, um sistema único de aposentadoria no país.
Luciano Suassuna: Deputado, por que isso não está no projeto então?
José Aníbal: No projeto do Euler Ribeiro estava o seguinte: que, a partir de um ano da aprovação, seriam regulamentados os institutos de pensão...
Luciano Suassuna: Por lei complementar. Ou seja, joga essa discussão para o dia de são Nunca.
José Aníbal: Por lei complementar. Primeiro erro: colocavam na Constituição os institutos de pensão... de congressistas, que hoje não estão. Então, nós achávamos que deveríamos tirar daí e mandar para uma lei ordinária um projeto de extinção do IPC. Foi sugerida uma fórmula alternativa: que os anos que o parlamentar desempenhasse como parlamentar seriam contados à razão de 1/35 avos para efeito de aposentadoria, de tal modo que lá na frente ele pudesse optar por uma aposentadoria correspondente àqueles anos de parlamento, ao final de 35 anos de contribuição, ou pelo sistema alternativo em que ele tivesse contribuído enquanto ele não fosse parlamentar.
Luciano Suassuna: Já que não é preciso uma emenda constitucional para se extinguir o IPC, não seria mais sensato que os parlamentares primeiro reformassem, por uma lei ordinária ou, enfim, extinguissem logo a sua própria previdência para depois mexer na previdência dos outros?
José Aníbal: Olha, não vamos fazer dos parlamentares o bode expiatório da história. Tem muito sistema especial de aposentadoria, mas muito mesmo, que beneficia escandalosamente nas estatais, nos fundos de pensão...
Luciano Suassuna: [interrompendo] Mas o senhor não acha que primeiro os parlamentares...
José Aníbal: Não, mas eu defendo a extinção...
Luciano Suassuna: Isso não daria autoridade moral para vocês?
José Aníbal: ...do IPC.
Luciano Suassuna: Eu sei que o senhor defende. Eu digo...
José Aníbal: Dá autoridade moral, sim. Nós temos feito esse discurso e muitos companheiros se sensibilizaram por ele. E em um primeiro momento eram resistentes à mudança do IPC, mas se sensibilizaram com ele até nesse sentido. Isso nos dá mais autoridade para votar uma reforma de previdência que acabe com privilégios. Agora, tem que se encontrar uma alternativa, porque o parlamentar é um cidadão também, ele quer ter a expectativa de poder contribuir com um sistema previdenciário qualquer e, lá na frente, poder se aposentar. Agora, pessoalmente, eu não tenho nenhuma resistência, mas eu tenho consciência hoje de que o Congresso vai estar à altura de fazer uma mudança drástica no sistema especial de aposentadoria que beneficie os congressistas, do mesmo modo que vai mudar, eu espero, todos os sistemas especiais de aposentadoria.
Josemar Gimenez: Deputado, eu vou trazer o assunto um pouco agora para a sucessão municipal. Nós temos visto uma disputa grande para o apoio do Covas e do PSDB, os secretários dele, o [Emerson] Kapaz, o deputado Walter Feldman tentando conseguir a vaga de candidato do PSDB, e parece que a candidatura do Sérgio Motta não está mais fazendo tanto efeito. Eu perguntaria ao senhor o seguinte: como o senhor acha que vai ficar isso? E, em segundo plano, se o senhor tem pretensões políticas, como o senhor não se misturou ainda nesse bolo de candidatos, se o senhor tem pretensão de suceder o Covas [no governo de São Paulo].
José Aníbal: Em primeiro lugar, a primeira questão que você colocou, eu acho que se o PSDB, todas as suas lideranças, nacionais, estaduais, seus parlamentares convergirem para uma mesma candidatura, já tem uma partida forte essa candidatura, seja ela qual for. É claro que certamente vai ser alguém... você citou o Kapaz, tem o Walter Feldman, tem a Zulaiê Cobra Ribeiro, tem o Celso Russomanno, enfim. Na impossibilidade, quer dizer, no caso de nem o José Serra, que é um senador de mais de seis milhões de votos...
Josemar Gimenez: [interrompendo] Mas parece que ele realmente já descartou, não vai.
José Aníbal: ...nem o Sérgio Motta... Não, nada disso está descartado, assim como não estão descartadas as candidaturas do Emerson, do Walter, da Zulaiê, do Celso etc. Então, eu acho que é um procedimento, nós estamos ainda no curso desse procedimento, temos ainda um tempo para criar essa convergência. Agora, com relação a mim, não. Eu sou um parlamentar. O que me fascina na vida parlamentar, o que tem me mobilizado é a possibilidade de participar dessa aventura das reformas, uma aventura que é fundamental para o país. Agora, de outro lado, me interessam muito essas questões concretas do dia-a-dia, das quais eu estou muito distanciado, pelo fato de estar lá em Brasília. Eu, cada vez que vejo enchentes aqui, que vejo problemas de transporte da cidade etc, não só de São Paulo, mas do interior, eu tenho uma propensão a me mobilizar por eles. Mas hoje eu estou muito afastado disso em função dessas responsabilidades.
Josemar Gimenez: Mas o senhor acha que é uma questão de sobrevivência o PSDB fazer o prefeito de São Paulo?
José Aníbal: Se é uma questão de quê?
Josemar Gimenez: Sobreviver. O PSDB fazer o prefeito de São Paulo.
José Aníbal: Não, de modo algum. O PSDB tem o presidente da República, tem o governador de São Paulo. Quer dizer, a prefeitura de São Paulo não é uma questão...
Josemar Gimenez: [interrompendo] Não ficaria muito mal perder a prefeitura num momento desses?
José Aníbal: Não. Nós não temos a prefeitura. Nós temos é que tentar ganhar a prefeitura. Ela hoje não é do PSDB.
Josemar Gimenez: Tudo bem.
José Aníbal: Agora, eu acho, de qualquer maneira, que São Paulo está em muito boas mãos. Eu acho que o governador Covas tem conseguido trabalhar, em função daquilo que ele recebeu, com horizonte de resultado já muito concreto na área da habitação, na área da educação, na área do transporte de massa, que é o que precisa São Paulo hoje, não tem alternativa mais... transporte coletivo, pode complementar uma coisa ali, outra acolá. O governador está fazendo um programa chamado Pitu, Programa Integrado de Transportes Urbanos, que é um programa realmente poderoso. Uma boa parte desse programa poderá ser feito no governo dele: são linhas de metrô e trens que podem amenizar a vida do paulistano.
Matinas Suzuki Jr.: Deputado, já que o senhor mencionou uma questão aqui do estado de São Paulo, o Francisco Aredes, de Campinas, pergunta: “Como é que um governo não se empenha para colocar na cadeia um banqueiro ligado a escândalos, essa coisa toda, e deixa uma líder de movimento sem-terra, como a Deolinda, ser presa?” [Deolinda Alves de Souza, mulher do líder do MST José Rainha, foi condenada a dois anos e oito meses de prisão por formação de quadrilha]
José Aníbal: O governo não pediu em nenhum momento a prisão da Deolinda, ao contrário. O próprio governador Covas deu declarações nesse sentido. E outras pessoas do Incra deram declarações dizendo que essa prisão não ajuda. Agora, é uma decisão do judiciário e o judiciário é um poder autônomo. É importante esclarecer ao cidadão, não é decisão de governo, é decisão de um poder. Agora, com relação aos banqueiros, aí sim, o governo está mandando para o Ministério Público um inquérito para que eles sejam processados e presos, se for o caso.
Ibsen Spartacus: Deputado, voltando às eleições municipais, eu queria saber que avaliação o senhor faz das disputas regionais que podem haver entre o PFL e o PSDB e se essas disputas, nessas eleições, podem ameaçar a aliança base do governo.
José Aníbal: Não, não acredito. Eu estive outro dia na Bahia e pude dar declarações nesse sentido. Em todo o lugar o PSDB vai procurar se afirmar. O PSDB tem uma grande defasagem entre a expressão que ele conquistou nas eleições de 1994, em termos executivos, os três governadores dos estados mais importantes, o governador [do Ceará] Tasso [Jereissati], o governador do Pará [Almir Gabriel], do Sergipe [Albano Franco] e o próprio presidente da República e a representação parlamentar do PSDB. Não corresponde à votação que tiveram esses governadores e o presidente da República, ao contrário, até porque houve um procedimento de frente etc, de coligação. Mas o fato é que o PSDB precisa crescer, ter capilaridade. Nessas eleições municipais é fundamental para o PSDB multiplicar o número de vereadores, de prefeitos, porque é aí que vão surgindo as lideranças, que certamente vão nos dar uma base maior para a disputa das eleições de 1998.
Ibsen Spartacus: Mas em disputas em que o PFL vai estar presente em grande parte...
José Aníbal: Sim, o PFL vai disputar e nós esperamos preservar um bom entendimento, de modo que essa aliança que temos, majoritária em Brasília, quer dizer, de maioria, de composição da maioria política do governo, não seja afetada pelas disputas municipais, porque cada um vai querer crescer.
Matinas Suzuki Jr.: Deputado, a esse respeito, o jornal, se não me engano, O Globo publicou a seguinte frase atribuída ao presidente da República. Segundo o jornal, ela teria sido dita pelo porta-voz [do governo Fernando Henrique] Sérgio Amaral: “O Palácio do Planalto está encantado com o PFL”. Como o senhor, sendo líder do PSDB, lê uma frase dessa?
José Aníbal: Olha, primeiro eu acho que, se ele disse, faltou oportunidade para dizer do encanto dele com o PSDB também. Agora, isso aí é uma suposição, eu li essa matéria. Eu acho que o governo Fernando Henrique Cardoso, no que se refere a essa votação da Previdência, teve dois partidos que fundamentalmente votaram sim, mas mesmo o PMDB na maioria votou sim e o PPB na maioria votou sim, e o PTB também. A maioria desses partidos votou a favor. Eu quero, inclusive, fazer o registro de que é fundamental nesse momento agora consolidar esse voto sim. E, como passo seguinte, se buscar o que falta para recuperar a maioria política.
Josemar Gimenez: Agora, voltando um pouquinho à questão municipal ainda, deputado, por que o senhor acha que a tentativa de aliança com o [Paulo] Maluf não deu certo?
José Aníbal: Mas não foi uma aliança, quer dizer, houve conversas sobre isso...
Josemar Gimenez: Mas tentou-se uma conversa para se tentar chegar ao Maluf.
José Aníbal: Ah, você fala do ponto de vista... Não, mas o PPB [partido de Maluf] votou majoritariamente a emenda da Previdência.
Josemar Gimenez: Tudo bem. Eu estou falando com relação à sucessão em São Paulo. Eu trouxe o assunto outra vez para a sucessão de São Paulo.
José Aníbal: Bom, aqui em São Paulo, me consta que houve conversas aqui e acolá, mas nada conclusivo.
Josemar Gimenez: O [Jorge] Bornhausen [PFL-SC] chegou a visitar o prefeito...
José Aníbal: Sim, mas aí é o PFL.
Josemar Gimenez: Pois é, mas foi em nome também do presidente, oferecendo até um suposto cargo no ministério para o prefeito em troca de um apoio à candidatura do Sérgio Motta.
José Aníbal: Isso tudo são especulações. Eu não sei se o Bornhausen veio aqui com uma delegação do presidente para fazer esse tipo de conversa. Especulou-se muito sobre isso, assim como se especulou sobre a candidatura do Sérgio, que, como você disse hoje, parece cada vez mais distante.
Josemar Gimenez: O senhor também concorda com isso?
José Aníbal: Que a candidatura do Sérgio está cada vez mais distante? Acho que sim, quer dizer, acho não, a minha impressão também é essa, porque o Sérgio, em Brasília, não é só o ministro das Comunicações como é um companheiro político ativíssimo. Ele, inclusive, é secretário-geral do partido licenciado, mas é muito ativo, está sempre presente, tem uma boa interlocução com o parlamento. Acho até que é uma referência para quase todo o ministério, deveria ser. Não digo todo o ministério, mas quase todo. É importante que o ministério perceba... O [presidente da França Jacques] Chirac, quando assumiu agora em julho, aliás, assumiu em maio [de 1995], mas em julho ele disse aos seus ministros, lá na França, que ele gostaria que os ministros tomassem café da manhã, almoçassem e jantassem com os parlamentares. Porque se diz que o [ex-presidente da França François] Mitterrand, embora tenha sido a síntese da França durante 14 anos, ele não fez as reformas. A reforma da Previdência, quem encaminhou foi o Chirac e já foi votada no parlamento em novembro, ela já está em curso de execução; a reforma das forças armadas, que ele acabou de fazer, acabou de propor, de compactação, de profissionalização; a reforma fiscal. Quer dizer, o Mitterrand teria sido então uma figura que representou uma síntese para a França, a integração européia, a parceira com os alemães...
Luciano Suassuna: [interrompendo] O senhor está dizendo que o Fernando Henrique se parece mais com o Chirac do que com o Mitterrand?
José Aníbal: ...agora, as reformas estruturais, as coisas não caminharam, não. Esse foi um artigo que eu li agora, logo depois da morte dele [Mitterrand faleceu em 8 de janeiro de 1996]. O que eu quero dizer é que não é possível ser síntese sem fazer as reformas estruturais. Alguém já me disse: “Olha, o presidente Fernando Henrique é uma figura que produz a síntese”. Produz a síntese, mas também tem um compromisso fundamental com as reformas, e tem que fazer.
Matinas Suzuki Jr.: Deputado, infelizmente nosso tempo está chegando ao fim. Eu gostaria de dizer que o debate político faz bem ao senhor, porque parece que a coluna melhorou no transcorrer do programa.
José Aníbal: Bastante.
Matinas Suzuki Jr.: Nós estamos chegando ao final de mais um Roda Viva. Gostaria muito de agradecer à presença do deputado federal aqui esta noite, a nossa bancada de entrevistadores e a sua atenção. Gostaria também de fazer um agradecimento especial: hoje está fazendo um ano que eu estou nesta cadeira aqui...
José Aníbal: Parabéns.
Matinas Suzuki Jr.: ...e vocês formam muito gentis de me acompanhar esse tempo todo. Gostaria de lembrar que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira às dez e meia da noite. Até lá, uma boa semana e uma boa noite para todos.