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Memória Roda Viva

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Mário Covas

14/8/2000

"Até agora, o PMDB e o PFL aceitaram o [presidente] Fernando Henrique [Cardoso], mas a aliança nunca foi com o PSDB", avalia o governador

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[programa ao vivo]

Paulo Markun: Boa noite. O horário eleitoral gratuito, que começa amanhã no rádio e na televisão, vai dar início à etapa mais agitada da campanha dos candidatos a vereador e a prefeito. As eleições municipais deste ano, além de permitirem, pela primeira vez, a reeleição de prefeitos, também terão outra importância: vão organizar forças e determinar alguns rumos na corrida presidencial de 2002. Para discutir o quadro político que se desenha a partir de agora no país, e também porque o tema sucessão presidencial passa necessariamente por São Paulo, o Roda Viva entrevista esta noite o governador paulista, Mário Covas. Para participar da entrevista, nós convidamos: Ricardo Amaral, repórter especial de política da sucursal de Brasília do jornal Valor Econômico; Dora Kramer, colunista de política do Jornal do Brasil; Eliane Cantanhêde, diretora da sucursal de Brasília do jornal Folha de S. Paulo; Gerson Camarotti, repórter especial do jornal O Estado de S. Paulo; Ricardo Kotscho, repórter sênior da revista Época; e a jornalista Mônica Teixeira, da TV Cultura de São Paulo. Boa noite, governador.

Mário Covas: Boa noite.

Paulo Markun: Nós estamos começando aqui o Roda Viva no dia em que a TV Cultura assume publicamente o slogan de jornalismo público, independente do poder e do mercado. Eu sei que há muitos telespectadores que confundem, e alguns jornalistas também, TV pública com TV estatal. Então, eu queria que o senhor dissesse, do ponto de vista do senhor, como o senhor encara a TV Cultura. O que ela é para o governo de São Paulo?

Mário Covas: Para o governo de São Paulo, ela é exatamente isso que ela pretende ser hoje, isto é, uma TV pública. Estatal, ela não é. A interferência do poder executivo, e até mesmo do poder legislativo, aqui na TV Cultura é nenhuma. É nenhuma.

Paulo Markun: Mas é o governo do estado que paga a maior parte da conta.

Mário Covas: A intervenção é nenhuma; a conta, é ele que paga. Isso não tem dúvida. Mas simplesmente o estado decidiu ter uma TV pública e, portanto, faz esse investimento anualmente. Eu acho que a diferença entre uma TV estatal e uma TV pública é que a TV estatal fica sob comando da área estatal, fica sob comando do executivo. Há estados que ainda são assim, onde a TV está subordinada ao chefe do executivo na hierarquia, que tem as outras secretarias ou outros instrumentos de governo. Aqui não, aqui nós temos uma TV totalmente comandada por um conselho, um conselho com as suas regras próprias, com as suas eleições e reeleições previamente determinadas, e que atua em todos os campos. É lógico que quando se trata de recursos adicionais ou qualquer coisa desse tipo, há sempre uma discussão, como qualquer outro setor tem, mas, fora isso, a atividade da TV é uma atividade totalmente independente, tal qual a universidade, por exemplo. As universidades em São Paulo têm total autonomia. Elas recebem uma parcela do orçamento – diferente da TV, que é calculada ano a ano –, mas as universidades recebem 9,57% do ICMS que o estado recebe, e portanto têm total independência, total autonomia e funcionam como tal.

Ricardo Amaral: Governador Mário Covas, desculpe interromper, nesse conceito que o senhor está expondo de TV pública, seria cabível um episódio, como houve recentemente, da interdição da divulgação de uma entrevista de um adversário do governo? Eu estou citando, nominalmente, o presidente do MST, João Pedro Stédile. Recentemente, houve uma intervenção, não do senhor, mas de uma autoridade federal, para evitar que esse programa, essa entrevista, fosse divulgada dentro da amplitude planejada [no dia 5/5/2000, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação do governo, Andrea Matarazzo, impediu que a entrevista do dirigente do MST ao programa Opinião Nacional fosse transmitida em rede pela TV Educativa]. Esse conceito de que o senhor fala impediria esse tipo de coisa?

Mário Covas: Bem, eu acho que eu dei a resposta no dia seguinte, quando me contaram essa história. Eu disse: olha, se eu estivesse lá, eu não obedeceria à ordem, eu passaria o programa. Se dependesse de mim, se essa ordem fosse dada para mim, eu passaria o programa.

[sobreposição de vozes]

Ricardo Amaral: E teria o seu emprego garantido no dia seguinte?

Mário Covas: Aí não há nenhum problema de ser estatal ou pública, é problema de liberdade de comunicação, liberdade de pensamento, a eliminação de qualquer tipo de censura...

Paulo Markun: Só [queria] esclarecer que essa entrevista mencionada foi exibida pela TV Cultura e não foi retransmitida [pela TV Educativa].

Mário Covas: Eu sei que foi exibida pela TV Cultura. Todavia, eu podia até discordar... de fato não foi, pelo contrário. Achei absolutamente correto. Não tem nenhum sentido a TV [não] oferecer a oportunidade do seu microfone para qualquer cidadão que apresente algum nível de interesse para a sociedade, independente de a gente concordar ou não com as posições desse cidadão. Ou então você não poderia fazer política multipartidária.

Ricardo Kotscho: Queria fazer umas perguntas não ao governador de São Paulo, mas ao Mário Covas, que é uma liderança nacional do PSDB. Aliás, já era um líder partidário nacional antes do AI-5. Primeiro, qual é sua opinião sincera sobre o governo tucano de FHC? Segundo, nas atuais condições, o PSDB tem chance de eleger o sucessor de Fernando Henrique [FHC]? Terceiro, como o senhor já declarou várias vezes que não é candidato, quem vai apoiar para 2002?

Mário Covas: Em primeiro lugar, vamos começar do fim para o começo, para a gente acabar com essa conversa – e eu espero que vocês não tenham a réplica na ponta da língua. Eu vou dizer que não sou candidato...

Eliane Cantanhêde: [interrompendo] Mas o senhor sabe que a gente vai ter [a réplica], não é, governador?

Mário Covas: ...e vocês vão dizer: o senhor já falou antes que não era candidato e foi candidato [risos]. Vamos esclarecer.

Ricardo Kotscho: O senhor já falou que não é, por isso eu já estou...

Mário Covas: Não sou candidato, não há hipótese de ser, em hipótese nenhuma.

Ricardo Kotscho: Quem o senhor vai apoiar?

Mário Covas: Não, o partido não tem dificuldade de nomes, não tem.

Ricardo Kotscho: E o senhor?

Eliane Cantanhêde: Mas só tem Tasso [Jereissati] ou [José] Serra. Se o senhor não é candidato, o senhor tem que apoiar ou Tasso, ou Serra.

Mário Covas: Mas não necessariamente.

Eliane Cantanhêde: Sim, mas entre os dois, no quadro de hoje...

Mário Covas: Não, não, eu não tenho preferência pessoal por nenhum dos dois. Qualquer dos dois que for o candidato, tem o meu apoio e o meu empenho. Eu não tenho nenhuma preferência por qualquer dos dois.

Eliane Cantanhêde: Mas se o senhor não é candidato...

Mário Covas: Eles apenas apresentam características diferentes. O Tasso é um homem que cobre uma determinada região, e portanto podia ter a contrapartida do resto do partido em outra região. E, por outro lado, o Serra tem tido um desempenho muito significativo no ministério onde ele está [Ministério da Saúde]. Aliás, é um desempenho que tem sido elogiado por todo mundo. Portanto, ele tem muita visibilidade de onde as coisas se reproduzem na opinião pública.

Gerson Camarotti: Mas, governador, o Serra não era candidato aqui em São Paulo a governador?

Mário Covas: Ué, depende de ele querer. Aliás, não depende de ele querer, depende de ele querer e do partido querer. A mesma coisa acontece na área federal, como a mesma coisa aconteceu aqui em São Paulo. O Geraldo [Alckmin], que é candidato [a prefeito] aqui [em São Paulo], não saiu do bolso do meu colete; o Geraldo saiu como candidato como decorrência do fato de que eu consultei uma porção de gente pertencente ao partido, e chegamos à conclusão que ele era o melhor candidato.

Ricardo Kotscho: Agora, só voltando às perguntas que não foram respondidas ainda, nas atuais condições, qualquer que seja o candidato, o senhor acha que o PSDB tem chance de eleger o sucessor do Fernando Henrique?

Mário Covas: Ué, por que não? O PSDB vem de duas eleições em que elegeu o presidente da República por maioria absoluta, no primeiro turno, não teve nem segundo turno.

Eliane Cantanhêde: E hoje tem um candidato a prefeito de São Paulo que tem 4% das pesquisas, governador. Acho que alguma coisa mudou.

Mário Covas: Ih, eu escutava você dizer isso para mim há dois anos, da mesma maneira, a dois meses da eleição.

Eliane Cantanhêde: É mesmo?

Mário Covas: É, você dizia assim para mim: “Ih, o senhor não tem chance, está em quarto lugar, que coisa”. Depois de ser governador...

Eliane Cantanhêde: O senhor acha que o Alckmin vai chegar amanhã, a partir do programa, e vai ganhar a eleição? É isso que o senhor está dizendo para a gente aqui?

Mário Covas: Não, não é isso que eu estou dizendo aqui. Eu acho que o programa [eleitoral] vai ajudá-lo muito, sim, porque é fato absolutamente conhecido que, se você levanta a opinião pública, você vai ver que a relação de conhecimento pessoal dele é muito menor do que os outros. Todos os outros que estão disputando a eleição já ocuparam um cargo majoritário. Ele ocupou o cargo de vice-governador, mas vice-governador praticamente nem é votado, é votado o governador, que carrega consigo a sua chapa. Eu acho que o horário gratuito vai permitir que ele supere essa etapa de conhecimento público. E, sobretudo, eu acredito muito no desempenho que ele possa ter nessas circunstâncias.

Ricardo Kotscho: Governador, só a última pergunta...

Mário Covas: O que eu acho do governo Fernando Henrique? É o governo do meu partido. Se vocês vão tentar aqui me incompatibilizar com o governo, não percam esse tempo. Vocês não vão conseguir.

Eliane Cantanhêde: O senhor quer psicografar tudo o que a gente vai perguntar para o senhor daqui a pouco, não é?

[sobreposição de vozes]

Mário Covas: Eu pertenço a um partido, chama-se PSDB, faço parte desse partido, acho que a minha obrigação enquanto participante, militante e, ocasionalmente, governador de São Paulo é dizer para o presidente da República, que é do meu partido, tudo o que eu achar que está errado...

Ricardo Kotscho: [interrompendo] Por exemplo, por exemplo.

Mário Covas: Por exemplo? O cidadão chamado... como é que se chama aquele que é da Secretaria da Receita?

[Vários entrevistadores ao mesmo tempo]: Everardo Maciel [secretário da Receita Federal nos governos de Fernando Henrique Cardoso].

Mário Covas: Everardo Maciel. Acho que foi um desastre. Ele acabou de cometer um desastre enorme com a reforma tributária. Acabou de cometer um desastre enorme...

Dora Kramer: [interrompendo] Mas de um modo geral, o senhor diria que é bom ou é ruim o governo [Fernando Henrique Cardoso], governador?

Mário Covas: ...discordo de vários pontos da política econômica feita pelo governo e digo isso para o presidente. Digo isso para o presidente não porque eu esteja em oposição a ele, é porque sou companheiro. Eu acho que a função do companheiro não é só ficar contra...

Paulo Markun: [interrompendo] Eu só queria lembrar – eu não quero, de maneira nenhuma, conduzir o debate – que essa mesma discussão foi feita no dia 29 de novembro do ano passado, quando o senhor esteve aqui [refere-se a esta entrevista: http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/726/entrevistados/mario_covas_1999.htm]. Nós perdemos... ficamos quase um bloco inteiro falando só do Everardo Maciel e da reforma tributária. E a situação não mudou, não é verdade? Piorou.

Mário Covas: Mudou para muito pior. Se você quiser, eu lhe mostro o quadro da evolução das quatro etapas da reforma tributária e você vai ver que a última etapa, que foi comandada por ele, é um desastre total. Ele piorou, sistematicamente.

Dora Kramer: Governador, nos últimos tempos, o que eu mais tenho ouvido é que o senhor anda aborrecidíssimo e desencantado com a política. Eu queria saber se é verdade e, se for, por quê?

Mário Covas: Não, não estou aborrecidíssimo com a política, tanto que pretendo continuar político, fazendo política [...].

Dora Kramer: [interrompendo] O senhor está satisfeitíssimo com o quadro?

Mário Covas: Há uma distância grande entre uma coisa e outra. Há várias maneiras de fazer política. Vocês, quando estão sentados aqui, estão fazendo política. São jornalistas, mas fazem política dessa maneira. Há várias maneiras de fazer política: na escola, na universidade, no jornal, na revista, na televisão etc.

Dora Kramer: O que o senhor acha, então, da maneira como se está fazendo política?

Mário Covas: Cada comentário que eu vejo vocês escreverem tem uma tradução de natureza política. Eu pretendo continuar fazendo política. Eu sou membro de um partido. Pretendo continuar, mas não pretendo mais ser candidato.

Ricardo Amaral: Sem mandato?

Mário Covas: Sem mandato.

Ricardo Amaral: O senhor não vai disputar nada?

Mário Covas: Nada.

Ricardo Amaral: Senado?

Mônica Teixeira: Mas por quê, governador? Por que não há hipótese de o senhor voltar a ser candidato?

Mário Covas: Porque eu já esgotei a minha fase de ser candidato, eu já esgotei...

[sobreposição de vozes]

Mário Covas: ...eu termino o meu mandato com 72 anos de idade.

Ricardo Amaral: O senhor fez tudo o que queria? A política lhe deu tudo o que o senhor queria?

Mário Covas: Nunca você faz tudo o que você gostaria.

Ricardo Amaral: Então, o que falta?

Mário Covas: Mas eu acho que estou muito próximo de... eu estou satisfeito com o que fiz. Aliás, a prova da minha satisfação é que, se eu tivesse que fazer tudo de novo, faria exatamente como fiz, de forma que eu estou satisfeito com o que fiz. É possível que muita gente não esteja. Isso é do jogo, mas eu estou satisfeito pessoalmente com o que eu fiz.

Ricardo Amaral: O senhor está satisfeito em ter apoiado a emenda da reeleição?

Mário Covas: Eu apoiei a emenda... não, eu tive instantes em que eu desapoiei...

Ricardo Amaral: [interrompendo] Mas na hora H, o senhor estava lá.

Mário Covas: Não, espere aí, não é hora H. A Constituinte não é hora H? No entanto, eu votei contra na Constituinte. A revisão não era hora H? E eu votei contra na revisão.

Ricardo Amaral: O senhor e meio Brasil, não é? [ri]

Mário Covas: Quando se votou aquilo com Fernando Henrique presidente da República, chegou-se em determinado instante, depois de sucessivas vezes de eu ter declarado que era inteiramente antipático à reeleição...

Ricardo Amaral: É verdade.

Mário Covas: ...eu fui a Brasília e, reunido com o partido, eu disse: olha, no pé em que estão as coisas, essa coisa não passar agora é uma derrota para o governo. O governo pára no dia seguinte. Quer dizer, não importa por que se chegou a esse ponto, mas se chegou a esse ponto. E, portanto, qualquer coisa daqui para frente que signifique não andar, significa uma derrota.

Gerson Camarotti: E o governo parou agora, depois da [aprovação] da reeleição? Hoje em dia, o governo federal está parado, com a reeleição?

Mário Covas: Não, não está parado.

Gerson Camarotti: Está andando bem?

Mário Covas: O governo está andando bem, sim senhor. A menos que você queira desvalorizar tudo aquilo que o país conquistou nesse período.

Dora Kramer: O senhor defende o fim da reeleição?

Mário Covas: Não. Nessa altura, eu não vejo muita vantagem, mas eu continuo não gostando da reeleição.

Dora Kramer: Muita vantagem em quê, em continuar ou em acabar?

Mário Covas: Não, não, eu não vejo muita vantagem em ter a reeleição.

Dora Kramer: Quer dizer, então o senhor defende o fim?

Mário Covas: [...] é muito ruim, e as razões que eu imaginava, na minha cabeça, de por que ser contra a reeleição continuam válidas. O segundo mandato me prova isso cada vez mais.

Mônica Teixeira: Por quê, governador?

Mário Covas: Várias coisas. Primeiro lugar, você não entra com o mesmo élan do que você entrou na primeira vez. Mas não é [só] você que não entra, todo seu time não entra. Todo mundo pensa que já sabe tudo, que já aprendeu nos quatro anos e que, portanto, as coisas vão acontecer naturalmente, normalmente. E elas não são assim...

Ricardo Amaral: O senhor se arrependeu?

Mário Covas: ...depois, você sofre o diabo para uma reeleição, porque é um tal de dizer: está usando a máquina, não está usando a máquina. Você só vive sob uma pletora de acusações, e das acusações mais disparatadas possíveis. Eu não gosto da reeleição.

Gerson Camarotti: Quando o ministro José Serra falou isso, ele foi criticado pelo PSDB e pelo governo também. Achavam que ele era inoportuno...

Mário Covas: Eu acho que ele foi criticado no editorial da Folha.

Dora Kramer: Não, não foi. O PSDB reagiu contra.

Mário Covas: Como reagiu contra?

Dora Kramer: O PSDB, a direção do seu partido.

Mário Covas: A direção reagiu contra?

Dora Kramer: Sim.

Mário Covas: Ora, muito bem, então a direção é a favor, [mas] eu continuo contra.

[...]: E o senhor é a favor de terminar isso?

Mário Covas: O que vocês pensam que a gente é? Um bando de robôs, que um fala e todo mundo segue a mesma coisa? É engraçado, eu conheço um político da melhor qualidade, chama-se [José] Genoino [do PT-SP]. Eu já vi o Genoino discrepar do seu partido cinquenta vezes; nunca vi ninguém reclamar dele. [Veja as entrevistas de José Genoino ao Roda Viva]

Ricardo Kotscho: Deve ser por isso que o senhor gosta dele [risos].

Mário Covas: Nunca vi ninguém dizer isso.

Mário Covas: O que ele faz é que ele fica em dissintonia com o partido, mas vota com o partido, porque ele tem uma coisa que pesa mais, que é a sua lealdade partidária. Bem, a mim me pedem que faça diferente?

Dora Kramer: O senhor é o Genoino do PSDB?

Mário Covas: Não, que é isso, não tenho essa pretensão. Sou o Mário Covas do PSDB [risos].

Ricardo Kotscho: Governador, o senhor se arrependeu de ter sido candidato à reeleição? Em algum momento, o senhor se arrependeu?

Mário Covas: Não, não é que eu me arrependi. Na vida a gente se arrepende do que não faz, não é do que faz. Você fez, entrou na parada, daí para frente você toca para frente.

Ricardo Kotscho: O senhor ainda vai se arrepender de não ser candidato a presidente.

Mário Covas: Eu não tenho do que me arrepender. Se eu lhe contar o que este governo fez, olha, eu já paguei...

Ricardo Kotscho: [interrompendo] O senhor pessoalmente, o senhor como cidadão, o senhor em algum momento se arrependeu de ter topado...?

Mário Covas: Não foi um bom começo de governo. Eu passei o começo do governo com uma operação, tirando um câncer da bexiga. Portanto, logo no começo do governo...

Eliane Cantanhêde: [interrompendo] Agora, governador, inclusive, é uma coisa delicada, mas eu acho que todos os seus eleitores, as pessoas em São Paulo e as pessoas no país inteiro que imaginam que o senhor possa ser candidato à Presidência um dia, gostariam de saber se quando o senhor fala que não vai ser candidato e que o senhor está querendo...

Mário Covas: [interrompendo] [Se isso] tem alguma coisa a ver com a doença?

Eliane Cantanhêde: Tem a ver com a sua doença?

Mário Covas: Não, não tem nada a ver com a doença. Os médicos dizem que eu posso fazer o que eu quiser. Não tem nenhum problema com relação a isso.

Eliane Cantanhêde: A sua saúde hoje, como está?

Mário Covas: A minha saúde hoje está melhor do que eu mereço.

Paulo Markun: Governador, no começo do programa eu falei que as eleições municipais vão influenciar no quadro presidencial. O senhor concorda com essa idéia?

Mário Covas: Ah, [que] vão influenciar, vão.

Paulo Markun: E isso melhora para o PSDB?

Mário Covas: Vão, vão influenciar. Você veja quanto o [Celso] Pitta [prefeito de São Paulo entre 1997-2000] influenciou agora, e ele foi eleito prefeito três anos atrás. Vão influenciar e não vão influenciar. Quer dizer, da eleição municipal vão sair lideranças às vezes novas. Dependendo das circunstâncias, com pretensões futuras. Eventualmente, essas pretensões podem se tornar realidade, mas não é a eleição que vai formar o quadro definitivo. O quadro definitivo vai se formar a partir de uma certa [...].

Paulo Markun: O senhor concorda que, na verdade, essa eleição municipal se dá no momento em que a população não está muito interessada em saber de que partido é o prefeito? Está interessada em saber se esse prefeito funcionou ou não? Não está muito interessada em saber se o prefeito vai ser reeleito ou não vai ser reeleito? Está interessada em saber se ele funcionou ou não, porque essa é a visão que eu tenho das pesquisas que estão aí disponíveis.

Mário Covas: Mas, infelizmente, isso não é um fato novo. Você não é capaz de me dizer, a não ser no instante em que você tinha uma dicotomia Arena e MDB... essa pesquisa da identidade partidária do candidato nunca foi o tema dominante para a escolha do eleitor. Nunca foi, agora nem nunca.

Ricardo Kotscho: Governador, como é que o senhor explica o fato de o PSDB, o seu partido, não liderar as pesquisas em nenhuma das principais capitais do país e em nenhuma das principais cidades do estado de São Paulo? Como o senhor explica esse fato agora?

Gerson Camarotti: E complementando o Kotscho, o senhor acha que o Alckmin está ruim em São Paulo, está em baixa nas pesquisas por causa da sua popularidade também em baixa?

Mário Covas: Ah, se ele ficar mal, é por minha causa.

Ricardo Kotscho: E se ele ficar bem?

Mário Covas: Se ele não ganhar a eleição, é por minha causa. Se ele ficar bem, é por conta do valor que ele tem.

Mônica Teixeira: O senhor está falando ironicamente ou o senhor está falando sério?

Mário Covas: Eu não estou falando ironicamente, meu Deus do céu. Não estou falando ironicamente.

Mônica Teixeira: Por que o senhor acha isso?

Mário Covas: Porque eu acho que ele tem tais e quais qualidades, e sobretudo quando comparado com o quadro de candidaturas, que não se levar isso em consideração é uma coisa incompreensível para mim.

Mônica Teixeira: E o senhor vai entrar na campanha do vice-governador?

Mário Covas: O que você chama de entrar na campanha?

Mônica Teixeira: Sei lá, estar mais ao lado dele. O senhor há pouco falou que um dos problemas da reeleição é que fica uma discussão se está usando a máquina, se não está usando a máquina...

Mário Covas: Todas as vezes que eu puder. Ainda há pouco, uma menina me perguntava, antes de começar o programa, se eu ia ao horário gratuito. Eu acho o horário gratuito um instrumento absolutamente necessário para o Geraldo, por conta dessa distância de conhecimento que ele possui.

Mônica Teixeira: Para ele se tornar mais conhecido.

Mário Covas: E mais do que isso, eu acho que ele vai ter um desempenho durante esse período em que vai mostrar a sua face, a sua maneira de ser, vai passar a credibilidade que ele possui. Enfim, vai mostrar traços de caráter que só no olho é que a gente consegue mostrar. Acho, portanto, que o horário para ele é fundamental. Mas eu, eu estou disponível o tempo inteiro. Quer dizer, o tempo inteiro não. Não posso me dar ao luxo de tirar o meu horário de trabalho. Outro dia eu fui a um almoço com ele...

Ricardo Amaral: O senhor acha que ele vai se transformar em um candidato competitivo?

Mário Covas: Quem?

Ricardo Amaral: O candidato do seu partido.

Mário Covas: Mas não tenho a mínima dúvida.

Ricardo Kotscho: E nas outras capitais, governador? Fora de São Paulo, em nenhuma das dez principais capitais do país...?

Mário Covas: Também isso não é um fato novo.

Ricardo Kotscho: O senhor acha que isso pode virar?

Mário Covas: Isso é uma repetição do que acontece historicamente. O que acontece no país? Todo governador, ou todo partido do governador, ganha numericamente a eleição no estado. Se ganhar a eleição, [...] o número de prefeitos maior, todos fazem, nós também temos o maior número aqui em São Paulo. Temos hoje 278 prefeitos em 645 municípios. E por quê? Porque nas pequenas cidades, há uma tendência a preferirem o partido do governo. Nas grandes cidades é o contrário, porque a contradição social nas grandes cidades é muito grande, e o poder é sempre o inimigo, de forma que isso que está acontecendo hoje não é muito diferente do que aconteceu sempre. Não é, historicamente isso é assim.

Gerson Camarotti: Governador, a sua presença no palanque do Geraldo Alckmin ajuda ou atrapalha?

Mário Covas: Ah, bom, isso eu não sei lhe dizer. Eu não sou a pessoa mais indicada para isso. Eu nem vou me esconder, nem vou tentar me impor. Mas estou à disposição dele o tempo todo. Aliás, não precisa nem dizer isso. Fui ao lançamento da candidatura dele, fui ao lançamento do... Ainda sexta-feira, fui a um almoço na Associação de Hotéis e Similares. Fui ao almoço porque era horário de almoço, [...] que ninguém reclame de eu estar aqui, não estou gastando dinheiro público.

Dora Kramer: Governador, o presidente Fernando Henrique disse recentemente que se o senhor for candidato, evidentemente o partido embarca na sua candidatura e ele não tem como ficar contra. Há quem tenha interpretado isso como um apoio. O senhor interpreta também [como apoio]? Se interpreta [que sim], o senhor acha que esse apoio é sincero?

Mário Covas: [ri] Apoio a quem, a mim?

Dora Kramer: É claro.

Mário Covas: Eu não acho que ele tenha uma preferência. Eu não acho que ele tenha uma preferência.

Dora Kramer: Não, ele externou. Eu estou perguntando se o senhor acha que essa posição é uma preferência e, se for, pergunto se é sincera, se o senhor considera que é sincera.

Mário Covas: A sinceridade eu não discuto, de jeito nenhum, não discuto. Não vejo por que ele deveria dizer uma coisa dessa se essa coisa não for sincera.

Ricardo Amaral: Ele falou isso minutos depois de ter almoçado com o senhor. Foi em uma entrevista que ele deu horas depois de ter falado com o senhor, de ter almoçado com o senhor.

Mário Covas: E o que ele falou?

Ricardo Amaral: Ele falou: “O candidato natural do PSDB chama-se Mário Covas, pelos seus méritos pessoais e...”.

Mário Covas: [interrompendo] Pois é, mas naquele almoço eu fui a Brasília exatamente para dizer para ele que não contasse comigo como candidato.

[sobreposição de vozes]

Ricardo Amaral: A intriga é a seguinte, governador, eles querem saber o seguinte: se ele só disse isso porque tinha certeza de que o senhor não ia aceitar. É isso? [risos]

Mário Covas: Não, não creio, não creio. O que ele diz, uma porção de gente do PSDB diz [...], aliás, uma porção de gente na imprensa também diz.

Dora Kramer: Que o senhor é candidato?

Mário Covas: A despeito da minha má qualificação em pesquisa, as pessoas, até na imprensa, dizem isso.

Eliane Cantanhêde: Quando o senhor fala isso, o senhor tem um olhinho que brilha feito olho de candidato. É impressionante.

Mário Covas: Mas se você quiser que eu feche os olhos, eu fecho para você, eu faço tudo, Eliane [risos].

Eliane Cantanhêde: Governador, o que a gente está tentando entender aqui são duas coisas: primeiro, se esses 4% do Alckmin são do Alckmin ou são seus...

Mário Covas: Não, não.

Eliane Cantanhêde: Uma coisa que eu acho que o senhor fica brincando na retórica, mas é sério: o senhor acha que ele está pagando o pato de ser candidato tucano?

Mário Covas: Eu não sei dizer para você. Eu tenho uma consideração tão grande pelo Alckmin, pela convivência que tenho com ele – ele convive comigo há oito anos. Sempre ficou com as tarefas mais difíceis do governo. É uma figura incapaz de lhe dar uma facada pelas costas. É alguém que se reserva para falar no momento adequado, quando ele está absolutamente senhor da situação; é uma figura absolutamente impoluta, tem qualidades pessoais excepcionais.

Eliane Cantanhêde: E tem [apenas] 4% nas pesquisas.

Mário Covas: Tudo bem.

Eliane Cantanhêde: Então, esses 4% são seus? São dos tucanos, são do Fernando Henrique? É isso que a gente quer saber.

Mário Covas: Não, não são meus. Talvez sejam do governo, talvez sejam até dele próprio, até dele próprio.

Eliane Cantanhêde: Ou uma conjunção? O candidato errado, no partido errado, na hora errada, não é isso?

Mário Covas: Quando eu falo que, se ele perder, é por minha conta, é porque na cabeça de vocês está isso: ele está assim embaixo [nas pesquisas] porque o governo está ruim.

Dora Kramer: Governador, tem problema perder a prefeitura? É grave?

Mário Covas: Não tem por que discutir isso.

Eliane Cantanhêde: Não, a gente quer saber se o senhor concorda com isso. [...]

Mário Covas: Ah, concordo. Não estou nada divagando nem fazendo assim... Concordo.

Eliane Cantanhêde: Ele está ruim porque o seu governo está ruim e tem uma popularidade ruim, é isso?

Mário Covas: Não, ele não está ruim. Ele não teve oportunidade ainda de estar bom.

Eliane Cantanhêde: Como não teve oportunidade? Ele foi lançado com uma antecedência maior do que todo mundo.

Mário Covas: Vamos retomar dois anos atrás. Eu vinha de quatro anos de governo, portanto eu não era um desconhecido para a opinião pública. E nessa época de eleição, eu estava em quarto lugar. E vocês encontravam comigo, eu dizia: eu vou ganhar a eleição; vocês diziam: você está brincando, não vai ganhar a eleição. E eu ganhei a eleição. Por que o Geraldinho, que não tem o conhecimento que eu tinha... Eu já tinha sido senador, já tinha sido prefeito, já tinha sido governador.

Eliane Cantanhêde: Mas por isso mesmo.

Gerson Camarotti: Talvez essa seja a dificuldade.

Mário Covas: Dele? Eu não tenho a menor dúvida, estou dizendo isso. O que ele tem a menos é a diferença do grau de conhecimento. Olha, pesquisa antes de horário eleitoral, consulte a história de São Paulo: pesquisa antes do horário eleitoral não define a preferência, define conhecimento.

Mônica Teixeira: Governador, o senhor conhece o eleitorado de São Paulo há bastante tempo, não é? Dizem que há muitos eleitores indecisos, de perfil conservador em busca de um candidato. O senhor acha que o candidato do seu partido pode ser quem vai receber esse voto chamado conservador?

Mário Covas: Olha, eu não sei se participo dessa idéia de que há muitos eleitores conservadores e indecisos...

Mônica Teixeira: Eu não sei, tem 20% de brancos e nulos...

Mário Covas: ...há muitos eleitores indecisos. O que a gente chama de progressista é muita gente indecisa, por igual. Vai ficando mais longe, a cada dia que passa, o sentimento de que alguém pode ser proprietário do eleitorado.

Ricardo Kotscho: Governador, mudando um pouco de assunto, eu gostaria de fazer uma outra pergunta para o senhor. Depois de tudo o que aconteceu em Brasília, o senhor já fez um levantamento no seu staff para saber se tem algum Eduardo Jorge [Caldas Pereira, secretário da Presidência da República entre 1995-1998]? O senhor admitiria a presença de um personagem com a influência e o poder de um Eduardo Jorge na sala ao lado do seu gabinete?

Mário Covas: Não sei. O que se provou contra o Eduardo Jorge até agora? Eu nem sei se o Eduardo Jorge é culpado; não tenho muito interesse com relação a ele...

Ricardo Kotscho: Não, mas tem muito poder e influência.

Mário Covas: Conheço o Eduardo Jorge pelo fato de que ele era chefe de gabinete do Fernando [Henrique] quando ele estava no Senado. Não tenho grandes relações pessoais com ele, nunca tive. Não é uma figura do meu estilo. Mas não sei se ele cometeu algum absurdo.

Ricardo Kotscho: Mas que ele tem muito poder e influência...

Mário Covas: Tudo bem. Todavia, eu vi escreverem aqui em São Paulo que ele tinha influído na Cosesp [Companhia de Seguros do Estado de São Paulo], e lá eu sei que ele não influiu.

Ricardo Amaral: Lá, o senhor sabe quem manda, não é?

Mário Covas: Lá, eu sei que ele não influiu.

Ricardo Kotscho: O governo de São Paulo pode ter uma figura assim...?

Mário Covas: Porque se falaram de lá, e lá ele não influiu, podem ter falado de outro lugar. Aliás, eu li em todos vocês – eu não tive a paciência de ver –, mas eu li em todos vocês que ele deu um banho lá no Senado.

Ricardo Amaral: Nos procuradores também.

Eliane Cantanhêde: Não necessariamente um banho, não é?

Mário Covas: Ah, não, não vai me falar que aquele procurador...

Ricardo Amaral: As meninas aqui de São Paulo, as procuradoras de São Paulo...

Mário Covas: As meninas, as meninas... [risos]. As meninas dão um banho sempre, em qualquer lugar. Agora, aquele cara lá, aquele... como é que ele se chama?

[...]: [O procurador da República] Luiz Francisco de Souza.

Mário Covas: Aquele mais simpático, mais alto, mais...

Ricardo Amaral: Tem dois: tem o Luiz Guilherme Schelb...

Mário Covas: Luiz Guilherme, isso aí [referem-se ao procurador da República Guilherme Schelb].

Ricardo Amaral: ...e Luiz Francisco de Souza. Mas, governador, eu não quero falar de procurador, não.

Mário Covas: Descobriu-se que ele, como membro do Ministério Público, já no Ministério Público, era filiado a um partido político. É uma coisa admirável.

Ricardo Amaral: Sim, e o senhor acha que isso interfere na ação dele. Mas eu não queria falar de procurador, não. Eu queria aproveitar a pergunta do Ricardo Kotscho para falar com o senhor de outra coisa. O senhor teve uma reação muito solidária, incisiva, firme em apoio ao seu diretor da Cosesp quando se insinuou, quando se disseram coisas do seu auxiliar. O senhor chegou e falou: por esse eu ponho a mão no fogo. O senhor disse isso.

Mário Covas: Não, não ponho a mão no fogo, mas chamei o cara, chamei a imprensa toda e apresentei os documentos todos.

Ricardo Amaral: Pois é, mas o senhor foi incisivo, o senhor enfrentou, o senhor foi solidário. É uma reação muito diferente da que teve o presidente...

Ricardo Kotscho: Se tivesse algum erro, era dos dois.

Ricardo Amaral: O senhor assinou embaixo, o senhor falou: se tiver alguma coisa errada, o erro é meu.

Mário Covas: Tudo bem, até porque, no meu governo, não tem esse papo. Errou, fui eu que errei. [...]

Eliane Cantanhêde: Mas foi uma crítica indireta ao presidente Fernando Henrique.

Ricardo Amaral: Houve um contraste...

Eliane Cantanhêde: Houve uma crítica indireta ao presidente Fernando Henrique, que disse: olha, eu não tenho nada a ver com isso; se houve alguma coisa, é uma coisa pessoal. O senhor marcou uma diferença muito nítida...

Mário Covas: [interrompendo] Eu não marquei diferença nenhuma...

Eliane Cantanhêde: ...inclusive, o [jornalista] Clóvis Rossi fez uma brilhante coluna registrando isso.

Mário Covas: ...e ele, ainda pior, escreveu uma expressão... Qual foi a expressão? Que isso era por vontade de oposição...

Ricardo Amaral: Não, não, o senhor pode ter feito isso...

Mário Covas: Três razões.

Ricardo Amaral: ...pela sua personalidade, por um gesto de solidariedade ou por simples amor ao contraste.

Mário Covas: Agora, me diga o seguinte: vocês estão falando isso por quê? Vocês acham que eu sou melhor do que o Fernando Henrique?

Eliane Cantanhêde: Não, eu acho que vocês são sempre muito gentis nessas coisas, um com o outro, entendeu? Como a Dora lembrou, com a coisa lá de ele lançar o seu candidato, e depois o senhor dizer que não seria candidato...

Mário Covas: [...] Agora virou moda dizer que eu brigo na rua.

Eliane Cantanhêde: Virou moda não, a gente vê o senhor brigando na rua todo dia.

Dora Kramer: O senhor brigou na rua.

Mário Covas: Não, não. Eu não briguei, eu apanhei na rua.

Dora Kramer: Não, apanhou e depois brigou. A gente quando briga apanha também.

Mário Covas: A minha briga se restringe à verbalização. Porque neste país existe uma mentalidade elitista que imagina que um governador é para ficar sentado no gabinete, e o povo é para ficar lá fora. E, no meio deles, alguns intermediários, mais ou menos espertos, que fazem o jogo de meio-de-campo. Eu penso exatamente o contrário, por isso eu discuto. Eu fazia isso quando era prefeito, eu ia para a Praça da Sé – onde está o pessoal desempregado, onde está o pessoal que não tem nada, onde está o pessoal que bebe – e parava, porque eu acho que neste país a carência é tão grande das pessoas, que você parar para dizer não já é uma forma de consideração. Então, eu vou à rua, porque... eu briguei a vida inteira para as pessoas terem o direito de falar. Agora, as pessoas me falam porque eu estou lá para ouvir, e por outro lado eu não posso lhes garantir o direito de falar sem garantir o meu próprio direito. Tudo certo?

Dora Kramer: Tudo certo.

Mário Covas: Tudo de acordo.

Paulo Markun: Governador, eu queria voltar a esse tema logo depois do intervalo. Nós vamos fazer um intervalinho e o Roda Viva volta já.

[intervalo]

Paulo Markun: Bem, atenção, gente, estamos no ar. Ricardo, estamos no ar. Está mais quente no intervalo do que durante o programa [risos]. Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o governador de São Paulo, Mário Covas. Pergunta de Felipe Liberman, que diz o seguinte: “Governador, o senhor falou da liberdade de pensamento na questão da entrevista que foi censurada. Gostaria de saber por que permitiu a atitude da polícia ao reprimir os professores na Avenida Paulista, sendo que a Paulista normalmente é fechada em comemorações de jogos de futebol etc. Vivemos de fato uma democracia ou só há democracia quando não se fere a classe dominante?”

Mário Covas: Em primeiro lugar, não foi assim. Em primeiro lugar, antes da passeata, as lideranças foram à Secretaria de Segurança e combinaram que ocupariam meia pista. E chegaram lá, a primeira coisa que fizeram foi ocupar a pista inteira. Ali, passa uma série de ambulâncias. Não é às duas horas da manhã que passa uma série de ambulâncias – podem até passar. Não dá para confundir a comemoração de um clube de futebol, depois de uma partida noturna, com o que aconteceu naquele dia. Segundo lugar, vamos de uma vez por todas desmistificar isso: não dá para chamar aquela passeata de passeata dos professores. Havia professores, havia entidade dirigente dos professores muito mais do que os professores, mas havia Banespa, havia INSS, havia PCdoB, havia, enfim, um grupo...

Paulo Markun: Oposição.

Mário Covas: ...muito grande de pessoas em nome dos professores. Em nome dos professores, que aliás não era a única categoria que estava em greve. Os professores estavam em greve e a saúde estava em greve. Agora, a rigor, eles foram à Secretaria de Segurança, que deu a garantia... tanto isso é verdade que, dois ou três dias depois, teve outra, ficaram com meia pista, e quem foi liderando a passeata foram três carros de polícia. Ou seja, não se exclui a possibilidade de fazer. A liberdade, nesse aspecto, é total. Mas não dá para combinar uma coisa, fechar uma avenida... Quando você fecha por inteiro a Paulista em São Paulo, você fecha a cidade, você segura a cidade em todos os seus quadrantes. Bem, a polícia vai lá e faz o quê? Diz para as pessoas: façam o favor de sair daí. Só que elas não saem.

Gerson Camarotti: Governador, no episódio da Secretaria da Educação, o senador Antônio Carlos Magalhães concordou com o senhor, disse que o senhor teria mesmo que entrar pela porta da frente. Mas ele fez um porém: ele disse que primeiro mandaria a PM abrir e depois entraria com calma, sem tumulto. O senhor não acha que colocou em risco a sua segurança, a segurança do governo nesse episódio?

Mário Covas: Bom, está perfeito, daí para frente ele assegura ao seu estado e às pessoas que acreditaram nele que, para ele entrar na Secretaria da Educação, só com a polícia na frente. Quer dizer, eu estou limitado na minha movimentação, enquanto governador, ou qualquer outro cidadão, porque eu não tenho uma prerrogativa especial. A Secretaria da Educação é uma coisa pertencente ao estado, mas pertence ao povo. Não tem como fechar... Ali tem quatro entradas: a frontal, as duas laterais e a do fundo, que é a garagem. As moças que trabalham lá, cerca de trezentas moças lá, estavam reféns lá dentro. Só entravam e saíam lá de dentro pela garagem, porque tinha a tropa de choque na garagem. Agora, eu, para entrar lá, tenho que pedir à polícia para tirar as pessoas antes?

Gerson Camarotti: Mas o senhor poderia até correr um risco de vida ali, não é, governador?

Mário Covas: Não corro risco de vida, não, nem se corre risco de vida. Há um limite para as pessoas nesse aspecto. Elas não vão além de um determinado ponto.

Paulo Markun: O senhor não acha que aqueles manifestantes extrapolaram em relação à figura do governador?

Mário Covas: Não é à figura do governador. Se ali estivesse você ou outra pessoa qualquer... Aquilo é um prédio público. Não pode alguém trancar os portões com cordas, e por outro lado montar barracas na frente, impedindo que as pessoas entrem. Não se pode fazer isso. Olha, e eu nesse aspecto faço com todo mundo. Outro dia, fizeram uma passeata em Alphaville, pessoal de Alphaville. Pessoal de Alphaville não é de classe média baixa, nada disso. Bem, entraram na pista, a polícia tirou. O pessoal diz: os sem-terra invadiram o Banco do Brasil, precisa tirar. Está bem, precisa tirar. Mas [também] precisa tirar o pessoal de Alphaville; precisa tirar o pessoal que está em volta da Secretaria da Educação. Ou então, você é que está sendo desigual.

Ricardo Kotscho: Governador, são tantos problemas: crise na Febem, explosão da violência, greve de professores, denúncias contra auxiliares, pedágios, guerra fiscal. Qual desses temas tem prejudicado mais o sono do governador?

Mário Covas: O desemprego, que aliás é um pouco fonte de todos os outros. Mas eu acho que o problema que mais aflige São Paulo...

Eliane Cantanhêde: [interrompendo] Isso é uma forma de o senhor jogar o problema para Brasília. Isso é uma forma de o senhor dizer: olha, o principal problema não é meu, é o Fernando Henrique que joga no meu colo.

Mário Covas: Não, não, essa conversa de jogar nas costas dos outros é muito fácil.

Ricardo Amaral: O senhor está num altruísmo hoje, governador.

Mário Covas: Não, não, eu apenas assumo a minha responsabilidade. Tanto isso é verdade que hoje tenho cinquenta mil pessoas em frente de trabalho. Isso nunca houve aqui em São Paulo; tanto isso é verdade que hoje tem o Banco do Povo em 76 municípios do estado. Já emprestou dez milhões de reais – só empresta de duzentos reais a cinco mil reais, para a pessoa que quer comprar um carrinho de pipoca, porque é dessa maneira que você vai garantir emprego.

Eliane Cantanhêde: Agora, governador, o desemprego não é uma questão só de São Paulo. O desemprego é uma coisa nacional.

Mário Covas: Ele me perguntou, hierarquicamente, qual era o maior problema.

Eliane Cantanhêde: Aí o senhor falou desemprego.

Mário Covas: Eu estou dizendo que o desemprego é, no Brasil, o maior problema, não é [só] para São Paulo. Para São Paulo é maior porque as coisas aqui, na área econômica, acontecem antes do que em qualquer lugar, e acontecem com uma profundidade maior. O segundo maior problema, que tem até uma ligação com esse, é a segurança.

Eliane Cantanhêde: [...] Eu estava conversando longamente com o governador Anthony Garotinho na sexta-feira de noite. Ele fez uma comparação, que é muito ruim para o senhor, entre Rio e São Paulo. O desemprego é para todo mundo, está certo? É um problema nacional. Mas o Rio passou de primeiro para terceiro lugar em roubo de carro – o primeiro lugar agora é de São Paulo. Febem, o senhor teve aqui em torno de vinte rebeliões na Febem.

Mário Covas: Não, mais do que isso.

Eliane Cantanhêde: Mais do que isso. Em torno de vinte, porque o governador deve ter sido bonzinho com o senhor, e teve uma no Rio de Janeiro. Chacinas, o senhor já está lá por 49...

Mário Covas: [interrompendo] Eu não sei quantas crianças ele tem lá...

[sobreposição de vozes]

Eliane Cantanhêde: Então, se o desemprego é o principal problema do senhor, o desemprego também é considerado o principal problema no Rio? Por que o senhor perde a guerra para a violência?

Mário Covas: Então esqueça o desemprego, o desemprego não é problema. Só que é o maior problema brasileiro. Mas vamos esquecer. Quer saber os problemas aqui de São Paulo? Eu lhe digo cada um deles. E lhe digo o que cria cada um deles.

Ricardo Kotscho: O que não deixa o senhor dormir à noite: é a Febem, é a violência, insegurança? O que mais o preocupa hoje?

Mário Covas: Se eu contar aqui, vocês vão ficar escandalizados. São os jornais [risos], são as notícias que eu leio no dia seguinte. Mas isso não adianta; os jornais reproduzem o que aconteceu. Agora, essas coisas... vamos tomar a Febem como referência. A gente pensa muito na Febem, que são crianças de 11 ou 12 anos de idade, a gente vê aquela criança ali dentro. Algum de vocês já entrou na cela dos graduados da Febem?

[...]: Já fiz reportagem.

Mário Covas: Algum de vocês já foi lá na cela onde tem os maiores de 18 anos de idade?

[...]: Não quero voltar [lá].

Mário Covas: Olha, na semana passada teve uma rebelião na Febem de Franco da Rocha, que é um prédio muito bem feito, mas muito bem feito. Eu nunca vi as crianças reclamarem de comida, a comida é ótima. Bem, a rebelião foi antecedida de algumas reivindicações, nos dois, três dias anteriores. A primeira delas era permissão para visitas íntimas; a segunda era facilidade para a entrada de droga; e a terceira era o afastamento de funcionários. Às vezes, as pessoas me perguntam: mas você não podia imaginar, com isso, que ia ter rebelião? Podia. O que eu devia fazer, atender [às reivindicações]?

Eliane Cantanhêde: Não, mas o senhor teve seis anos governador.

Mário Covas: As pessoas não compreendem o que acontece: eu não ponho as crianças na Febem, eu recebo uma ordem para pôr as crianças na Febem.

Eliane Cantanhêde: Mas o senhor teve seis anos para saber que não pode botar três mil crianças infratoras juntas.

Mário Covas: Escute bem, eu recebo uma ordem para pôr as crianças na Febem. A Justiça determina que tal ou qual adolescente está sob regime de privação de liberdade. Como é que eu faço para deixar uma criança sob privação de liberdade?

Eliane Cantanhêde: O código do menor tem dez anos [refere-se ao Estatuto da Criança e do Adolescente]. E esse código estabelece a descentralização. O senhor teve seis anos para a descentralização, governador.

Mário Covas: Filhinha, nós já fizemos 12 instalações novas e tem 13 sendo feitas. São 25 em 43 [unidades da Febem].

Eliane Cantanhêde: Sim, e significa o quê em termos de número, em termos de adoção dos princípios de descentralização, de tratamento com psicólogo, tratamento de reintegração?

Mário Covas: Significa tudo, significa tudo.

Eliane Cantanhêde: Então... 49? Por que o Rio teve três?

Mário Covas: Não sei. Quantas crianças tem no Rio? Nós temos 13 mil.

Eliane Cantanhêde: Treze mil. Quantas crianças tem no Rio?

Mário Covas: É, quantas tem?

Eliane Cantanhêde: Quantas crianças tem no Rio? Eu não sei.

[sobreposição de vozes]

Mário Covas: Eu sei quantas tem aqui; eu estou lhe dizendo por comparação. Eu não estou me comparando com o Garotinho. Sem dúvida que o Garotinho... A opinião pública diz isso. Meu governo está muito mal cotado. Quem está bem cotado é o governo do Garotinho. Eu vi num jornal aqui de São Paulo, outro dia, que publicava que eu tinha [um índice] negativo [de popularidade] [risos].

Paulo Markun: Governador, eu só queria retomar o seguinte: na questão da segurança pública, que vai além da questão da Febem, o senhor fez um enorme investimento na área de veículos...

Mário Covas: Eu fiz um enorme investimento em todas as áreas.

Paulo Markun: ...aparelhamento, celas da cadeia...

Mário Covas: Aliás, eu fiz mais investimento do que qualquer outro governo em qualquer área que você me perguntar.

Ricardo Kotscho: Sim, mas a violência continua aumentando.

Paulo Markun: Exatamente.

Mário Covas: Porque segurança e violência são coisas distintas. E parece que nós não queremos compreender isso.

Ricardo Kotscho: E aí volta ao início da história, a questão da política econômica, que leva ao desemprego.

Mário Covas: Não, não é só a questão da política econômica, tem uma porção de fatores. A televisão, por exemplo, é um fator de violência. Eu vejo televisão: se passarem dez filmes, nove filmes tem gente matando gente. E criança vê isso desde às nove horas da manhã.

Ricardo Kotscho: Mas em Nova Iorque passam esses filmes também, e a violência diminuiu.

Mário Covas: Eu vi uma reportagem, dia desses, junto a um expert nessa matéria, em que ele dizia: se só a pobreza fosse a responsável pela violência, Teresina [PI] seria mais violenta que São Paulo. E não é não. O que faz a violência é muito mais a diferença, a convivência de diferença de renda do que a uniformidade da renda.

Mônica Teixeira: Agora, governador, o senhor falou da televisão, falou da imprensa.

Mário Covas: [interrompendo] Bom, mas eu podia citar aqui vinte razões. A gente fala da polícia, mas o que a polícia oferece é segurança. Ela não faz a violência. A violência tem outros fatores. Expliquem-me por que o inglês sai lá da Inglaterra como hooligan, podre de rico, e vai matar gente na Bélgica. Expliquem-me por que um menino que é quintanista de medicina, morando em prédio próprio, toma umas e outras, sai de casa com uma metralhadora, entra num shopping e mata as crianças... mata criança, não, mata quem ele não conhece, atira a esmo. Muito bem, só que na casa dele se encontra um vídeo, um videogame, protagonizando a mesma cena que ele interpretou. Se você levar uma criança para ver esses lugares onde tem videogame, se tiver dez mesas daquelas, em nove é gente dando pontapé na cara do outro, até que um cai morto. Essa vulgarização...

Ricardo Kotscho: Mas em outras capitais do mundo, governador, tem os mesmos filmes, os mesmos brinquedos, os mesmos videogames, e a violência está diminuindo.

Mário Covas: Aqui também.

Ricardo Kotscho: Aqui está aumentando.

Mário Covas: Não, não, não sei se nos outros lugares está diminuindo. Você não vai me dizer que em Brasília está diminuído. Porque você não consegue me explicar por que numa cidade onde tem um automóvel para cada duas pessoas, uns meninos de curso superior saem e matam o outro dando pontapé na cara dele, no fígado, no rim e estraçalham com ele. E essa é a segunda vez que isso acontece.

[...]: Neste fim de semana aconteceu de novo.

Mário Covas: São Paulo não é nem a primeira cidade mais violenta do Brasil. A primeira cidade mais violenta do Brasil é Vitória [ES], a segunda é Recife [PE], a terceira é o Rio de Janeiro, a quarta é São Paulo.

Mônica Teixeira: Governador, eu entrevistei, nessa semana que passou, o seu secretário de Segurança, Marcos Vinícius Petreluzzi, e ele me disse que, comparando [...] os segundos seis meses com os seis meses anteriores, a violência em São Paulo diminuiu.

Mário Covas: Diminuiu em termos, ficou no mesmo nível.

Mônica Teixeira: Ou ficou muito parecida.

Mário Covas: Ele até apresenta isso de uma forma interessante, porque ele diz: eu, que sou gordo, sei que para começar a emagrecer primeiro eu preciso deixar de engordar. E ele acha que chegou nesse estágio e que, este ano... Mas eu não dou muito valor para esse informe, eu acho que esse dado não é...

Mônica Teixeira: No entanto, a televisão e a imprensa divulgam essa informação, de que...?

Mário Covas: Bem, eu não sei. Eu dou duas entrevistas por dia. Se elas saem no jornal ou não, não é meu problema. Eu não edito, eu só falo. Algumas coisas, eu falo repetitivamente e nunca vi sair.

Dora Kramer: Governador, o que está me chamando a atenção aqui é que, por várias vezes, o senhor fez ironias com o fato de a sua avaliação não ser positiva...

Mário Covas: [interrompendo] Mas como ironia? Se está escrito no jornal...

Dora Kramer: Espere aí, deixe eu acabar...

Mário Covas: ...e eu repito o que está escrito no jornal, por que é ironia?

Dora Kramer: Tudo bem. O senhor citou isso com um tom irônico. Aquela hora do Garotinho me pareceu uma brincadeira, uma coisa meio... até mórbida.

[...]: Vixe...

Dora Kramer: É, me pareceu, ué, problema meu [risos]. A mim me pareceu assim, está certo? Eu queria saber a que o senhor atribui essa sua avaliação negativa de governo.

Mário Covas: Não sei lhe dizer. Olha, eu posso dizer aqui para vocês algumas coisas; se vocês me derem cinco minutos, eu não pedirei mais nada do que isso depois.

Ricardo Amaral: Depois, o senhor responde o que a gente quiser?

Mário Covas: Perdão.

Ricardo Amaral: Siga, por favor, desculpe interromper.

Mário Covas: Este governo já pagou ao governo federal a bagatela de 17 bilhões; este governo já pagou de dívidas da Cesp [Companhia Energética de São Paulo] oito bilhões de dólares; este governo já pagou de obras que ficaram no meio do caminho, mas cujas contas ficaram por pagar, três bilhões de reais; este governo deu aumentos salariais que nenhum outro governo deu, nem o federal, nem qualquer governo estadual e, provavelmente, nem empresas privadas. Este governo fez mais leitos de hospitais do que o dobro da soma dos quatro últimos governos. Este governo fez mais vagas de penitenciárias do que feitas nos cem últimos anos; este governo investiu na CPTM [Companhia Paulista de Trens Metropolitanos] o triplo do que investiu o Fleury e duas vezes e meia o que investiu o Quércia, no seu período. Bom, eu podia seguir isso aqui uma porção de tempo, mas eu estou falando uma porção de coisas de que você nunca ouviu falar. Mas não é porque eu não tenha falado. Eu já falei várias vezes isso. Aí, você me pergunta: mas, então, o senhor se penitencia de não fazer publicidade do seu governo? Não, não me penitencio, não, eu não acho que seja o melhor a fazer. Aliás, a única experiência que fiz foi desastrosa.

Dora Kramer: Espere aí, o senhor está dizendo que o senhor acha que o problema é a falta de publicidade, é isso?

Mário Covas: Não, eu não estou dizendo. As pessoas é que me dizem isso; alguns jornalistas, inclusive, me dizem isso. Eu não estou dizendo... eu não acho que deva fazer. Eu passei pela prefeitura e também não fiz. E, às vezes, quando resolvo fazer, acontece o pior. Por exemplo, eu já diminui imposto de pelo menos cem produtos; não tem um imposto aumentado neste governo, nenhum, nenhum. Mas já teve diminuído mais de cem. A única vez que eu pedi à sociedade que me desse um auxílio, eu pedi que me desse R$ 2,50 por telefone, por mês; R$ 2,50 é quanto custa a primeira meia hora de estacionamento de um carro, num estacionamento qualquer. Bom, a reação foi tão violenta que eu disse: eu só mando isso para a Assembléia se, na realidade, a população estiver de acordo. Portanto, nós fizemos alguma publicidade para mostrar ao povo como era aquilo, porque o que se dizia? Bem, isso vai acontecer que nem a CPMF: cai no Tesouro e adeus viola, ninguém sabe para onde vai o dinheiro. Só que não era assim. O controle era da sociedade, e o dinheiro, obrigatoriamente, só podia ser gasto naquilo. Muito bem, fizemos essa publicidade e, em seguida, mandei fazer um levantamento da opinião pública. O levantamento deu o contrário, eu não mandei. O Osvaldinho, que é o meu assessor de imprensa e comunicação, foi condenado agora por um juiz a devolver o dinheiro, novecentos mil reais, num processo até pouco compreensível, porque o processo saiu do juiz e não foi normalmente, como vai o processo ao cartório, para que as duas partes tomem conhecimento. Ele foi ao Ministério Público, que por sua vez entregou para um jornalista, que por sua vez publicou no jornal. E nós viemos a saber que havia a condenação, enquanto o advogado de defesa não sabia.

Ricardo Amaral: Governador, o senhor deu informações aqui que eu desconhecia. Diante desse quadro, eu quero inverter a pergunta. Qual é a avaliação que o senhor faz da opinião pública e dos formadores de opinião?

Mário Covas: Olha, essa história de formadores de opinião é uma coisa que mudou muito neste país. Formador de opinião hoje é o líder social, é o presidente da sociedade de amigos de bairro, esse é o formador de opinião.

Eliane Cantanhêde: E esse que é contra o senhor e que baixa a sua [popularidade]?

[sobreposição de vozes]

Mário Covas: Minha filha, eu não posso dizer por que as pessoas avaliam baixo.

Eliane Cantanhêde: Sim, mas o senhor começou um raciocínio falando da propaganda...

Mário Covas: Eu só estou falando para você aquilo que foi feito. Também não falei que estava errado fazer propaganda. Não fiz porque não quis. Eu preferi usar cada tostão que tinha para fazer outra coisa.

Eliane Cantanhêde: [...] Mas, além disso, como o senhor justifica, continuando a pergunta da Dora?

Mário Covas: Eu não justifico, eu não justifico. Não cabe a mim justificar.

Eliane Cantanhêde: O senhor é político, o senhor vive disso, da sua popularidade.

Mário Covas: Eu sou político, mas vocês são os analistas. Explique-me você por que está assim...

[sobreposição de vozes]

Paulo Markun: Gente, eu queria lembrar, mais uma vez: toda vez que três pessoas falam ao mesmo tempo, o telespectador em casa não ouve nada. Eu já registrei aqui várias reclamações de telespectadores de que nós, jornalistas, estamos nos atropelando. Eu pediria que cada um falasse de cada vez.

Eliane Cantanhêde: Então, eu vou pedir para o senhor continuar a resposta da pergunta da Dora.

Mário Covas: Pois não, Dora.

Dora Kramer: Mas eu já fiz a pergunta, posso repetir. O senhor estava analisando por que existe essa situação. O governo, objetivamente, tem dados positivos, e a avaliação dele não corresponde a essa realidade.

Mário Covas: Para mim, para contar a verdade a vocês, o governo não se mede pelas obras que faz, o governo se mede pela política que faz. Isso definiu a última eleição. A última eleição foi definida em dois debates, onde o que predominou não foi o que cada um tinha feito, foi a posição política de cada um. Eu acho que, por alguma razão, ou eu descontentei gente demais, ou não fui capaz de traduzir corretamente o tipo de governo que eu estava fazendo.

Gerson Camarotti: O senhor se sente injustiçado, governador...?

Mário Covas: Mas eu não tenho queixa quanto a isso, não. Eu acho que o povo está sempre certo, o povo tem sempre razão.

Ricardo Kotscho: Governador, o senhor tem ainda dois anos e meio pela frente, o senhor tem muito tempo de governo. Com a sua equipe, quando o senhor se reúne, [o senhor fala] olha, não está dando certo, nossa avaliação é negativa. O que o senhor pretende mudar daqui para frente? O que o senhor pretende fazer nesse tempo que falta de governo?

Mônica Teixeira: O senhor falou que faltava élan na equipe.

Mário Covas: Não, não, eu não falei que faltava élan na equipe. Eu falei que a reeleição leva a uma diminuição do espírito de luta, da garra, e é verdade, leva mesmo. Aqui ou em qualquer lugar. Mas o que eu pretendo fazer nesses dois anos e meio?

Ricardo Kotscho: Ainda falta muito tempo, são dois anos e meio. O que o senhor pretende mudar?

Mário Covas: Não, não há nada para mudar, não há nada para mudar.

Ricardo Kotscho: Ou fazer...

Mário Covas: Fazer? Eu vou continuar a fazer o que eu estou fazendo. Meu Deus, aqui em São Paulo se executa hoje a maior obra civil do país, que é o Rodoanel [auto-estrada no entorno da capital paulista, iniciada em 1998], e que está sendo feita às custas do estado de São Paulo.

Gerson Camarotti: Porque o governo federal não está ajudando muito, não é?

Mário Covas: ...porque a prefeitura assinou um convênio e não pagou um tostão. E o governo federal, neste ano, tinha que dar setenta milhões e deu 25 milhões, até agora. E é a maior obra brasileira, porque não é apenas pela grandeza, é porque ela tem um significado enorme no contexto do transporte brasileiro, do Rio Grande do Sul até o Pará. [Para] quem passa aqui por São Paulo, se não for obrigado a passar dentro da cidade, vai representar um enorme alívio para a cidade e um enorme alívio para quem passa. Se um caminhão conseguir passar no centro da cidade e apenas aumentar a sua velocidade média de oito quilômetros por hora para vinte quilômetros por hora, ele economiza um milhão por ano.

Ricardo Kotscho: Mas então o senhor não está com muito prestígio com o governo federal. O senhor falou que tinham que vir este ano para cá setenta milhões, vieram 12, o senhor falou.

Mário Covas: É, foi quanto aprovaram no orçamento, 25 milhões.

Ricardo Kotscho: Pois é, como é que se explica isso, o senhor sendo do mesmo partido do presidente, por que acontece isso com São Paulo?

Mário Covas: Olha, uma vez eu até fui conversar com ele aqui em São Paulo. Saem as notícias mais estapafúrdias sobre a razão pela qual eu tinha ido conversar com ele, mas não dá para consertar, ninguém acredita mesmo.

Gerson Camarotti: O senhor foi conversar o que com o presidente?

Mário Covas: Eu fui conversar exatamente isso: “Escuta, não dá para São Paulo sozinho agüentar essa parada!”. Nós escrevemos que São Paulo daria 50%, a União daria 25%, o município daria 25%. No primeiro ano, a União deu; o município não deu nada.

Gerson Camarotti: E qual a justificativa do presidente para isso?

Mário Covas: Não, não deu justificativa. Ele está andando atrás de uma solução.

Dora Kramer: Ele concordou com o senhor, evidentemente?

Mário Covas: Eu imagino que sim, até porque, no começo do ano, ele veio aqui em São Paulo e se comprometeu que os oitenta milhões sairiam. Agora, como é que ele vai conseguir aprovar esses oitenta milhões no Congresso, isso não é meu problema, é problema dele. Mas não há má vontade do presidente. Não adianta, vocês não... Eu gosto do presidente. É um problema, eu gosto, o que eu vou fazer? [risos]

Paulo Markun: Governador, nós vamos fazer um rápido intervalo e voltamos, já, já.

[intervalo]

Paulo Markun: Bem, estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o governador de São Paulo, Mário Covas. Douglas Brito, aqui de São Paulo, governador, diz o seguinte: “Corre um boato na internet de que, quando o Rodoanel for implantado, entre as interligações de cada rodovia, haverá um pedágio. A preocupação é que, se essa afirmação for verdadeira, o Rodoanel perderá sua utilidade, porque os caminhoneiros vão preferir passar pela capital, mesmo com todo o trânsito, se isso lhes fizer economizar pelo menos um pedágio”. E há outras perguntas de telespectadores reclamando dos pedágios.

Mário Covas: Olha, eu acho que a pergunta é ociosa, porque eu estou vendo aí a Câmara Municipal aprovar pedágios nas marginais. Agora, não há nenhum estudo definitivo a respeito do pedágio na... Eu vou dizer uma coisa para vocês: no primeiro ano de governo, o Sindicato das Empresas do Transporte de Carga me convidou para uma reunião anual que eles fazem lá em Santos. Eu sou o governador, eles me honraram com uma homenagem com mais duas pessoas. Mas, antes, o presidente fez um discurso e pediu três coisas: uma delas, a concessão de estradas, porque eles, que são donos de empresa, sabem o quanto vale, para efeito de economia deles, pagar o pedágio e ter a boa estrada. Olha, isso aí é uma questão de justiça social. Há duas maneiras de você fazer uma estrada: você pode fazer com o dinheiro do Tesouro – se você tem muito, você faz muita estrada, se você tem pouco, você faz pouca estrada. Só que, fazendo com o dinheiro do Tesouro, o povo inteiro está pagando, o mais rico e o mais pobre. Ou você pode fazer diferente: você pode arrumar alguém que põe o dinheiro, e paga a estrada quem a usa. Para mim, eu não tenho nenhuma dúvida: não fui eu que inventei a concessão. A concessão foi aprovada no governo anterior, do Fleury, na Assembléia Legislativa. Ele não teve coragem de implantar, eu implantei. Mas nem foi feito no meu governo; só os contratos foram feitos no meu governo, as concorrências, os contratos...

Ricardo Kotscho: Mas, governador, essas estradas não foram construídas pelos concessionários, eles pegaram as estradas prontas.

Mário Covas: De jeito nenhum.

Ricardo Kotscho: Por exemplo, a [rodovia] Castelo Branco, que eu pego sempre para ir para Porangaba [SP], tinha dois pedágios no meu caminho, agora tem quatro, na mesma estrada.

Mário Covas: Em compensação, ela está financiando a ligação da Castelo Branco... Em compensação, você a abre para todo lado.

Ricardo Kotscho: Qual é o critério? O povo gostaria de saber por que tem tanto pedágio em uma estrada, não tem na outra, de quantos em quantos...? Como se explica esse negócio de pedágio?

Mário Covas: [...] pedágio na estrada que foi objeto de concessão. Nós temos 12 concessões estaduais. Olha, ainda hoje, o meu médico me dizia: “Poxa vida, se as estradas que vocês mesmos mantêm estivessem igual às estradas que estão sob concessão estava bom”. As estradas que nós mesmos mantemos, nós temos até um projeto na Assembléia Legislativa: 150 milhões de dólares que nós conseguimos no BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], mas até agora a Assembléia não aprovou esse projeto. Esse, para manutenção. Não tem a menor dúvida: espere quatro anos que você vai ver que o preço do pedágio é naturalmente compensado pela economia que você faz no veículo, pela economia de combustível, pela economia na manutenção, por toda economia. E você vai ter estradas... olha, o que diminuiu de gente que morre nas estradas não está escrito. O atendimento que você tem hoje... você sofre um acidente, imediatamente telefona; o carro parou, imediatamente você telefona; você tem assistência permanente; vai entrar como pedágio eletrônico agora.

Gerson Camarotti: Governador, vou fazer uma provocação...

Mário Covas: Mas vocês fizeram outra coisa até agora? [risos]

Gerson Camarotti: Então deixe-me fazer mais uma: o ex-prefeito Paulo Maluf disse hoje que, se fosse governador de São Paulo, a fábrica da Ford não teria ido para a Bahia. Aí eu lhe pergunto: o senhor se arrepende de não ter entrado na guerra fiscal? Porque ele também complementa, ao mesmo tempo, dizendo que, se fosse necessário, teria entrado na guerra fiscal para manter empregos em São Paulo.

Mário Covas: Está bem, é uma questão de gostar ou não gostar de estar na ilegalidade. O Maluf está na ilegalidade, não faz muita diferença, [mas] para mim faz. A guerra fiscal não é um instrumento pelo qual se dá à região mais pobre a possibilidade de crescer. Isso é a idéia que as pessoas fazem. A guerra fiscal é um mecanismo pelo qual se passa por cima da lei do ICMS. É por isso que ela é proibida. Porque o mal que a guerra fiscal faz não é que melhora uma região – a região nem vai ser beneficiada por isso. Ela dá 15 anos do imposto. O que acontece é que a empresa que é beneficiada quebra as outras que estão na origem. Isso não é interessante para o Brasil. Eu já recebi uma empresa na minha sala que disse o seguinte: “Eu recebi de tal estado a proposta de devolver 85% do ICMS por dez anos; recebi de tal estado 82%; recebi de tal estado 80%. Mas a minha decisão é ficar aqui [em São Paulo] ou na Argentina, mas eu quero a mesma [política fiscal desses estados]”. [Eu disse] então vá para a Argentina.

Gerson Camarotti: E o senhor perde o investimento em São Paulo.

Mário Covas: Tudo bem, e não cometo uma ilegalidade – ilegalidade hoje com jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal. Depois de vários anos, e à véspera da votação da emenda da reforma tributária, onde se acabava com a guerra fiscal – e por isso essa encrenca toda está acontecendo...

Ricardo Amaral: [interrompendo] Governador, no começo do programa o senhor atribuiu ao secretário Everardo Maciel a culpa pelo nó da reforma tributária. Eu queria voltar a esse tema, mas lembrando que o secretário Everardo tem um chefe, que é o ministro [da Fazenda] Pedro Malan, que por sua vez tem um chefe, que é o presidente Fernando Henrique Cardoso, que é seu amigo, do seu partido, um homem que fez a vida pública dele em São Paulo...

Mário Covas: É verdade. Quando vocês me perguntaram o que eu tinha contra o governo, eu disse logo: Everardo Maciel.

Ricardo Amaral: Sim, mas o senhor não acha que tem uma cadeia de comando aí...?

Mário Covas: Mas é lógico que tem uma cadeia de comando, e cada um escolhe a sua. Como eu disse uma vez, parecia um desaforo, alguém me perguntou: o Malan vai ser o candidato do PSDB? Não é o meu candidato, no Malan eu não voto. Não porque eu lhe reconheça qualquer defeito de natureza moral, mas eu acho que ele é a antítese do que eu penso do PSDB.

Ricardo Amaral: Certo, mas isso é uma posição partidária, mas o que o senhor falou do secretário Everardo, eu não entendo como uma posição partidária.

Mário Covas: Como não? Eu não sei se é uma posição [partidária], mas é a minha posição dentro do partido.

Ricardo Amaral: O senhor está entrando em contradição com um funcionário do governo do presidente Fernando Henrique.

Mário Covas: Não tem nenhuma contradição. Eu acho que ele está errado e digo isso para o presidente.

Ricardo Amaral: O senhor não é contraditório, ao contrário, governador, o senhor é uma pessoa muito reta. Mas a contradição existe entre o seu pensamento e o pensamento da pessoa que executa a política fiscal deste governo.

Mário Covas: Está muito bem. É muito possível que o presidente da República pense de secretários meus a mesma coisa.

Eliane Cantanhêde: Mas não é de secretários. O Everardo Maciel tem um chefe, que é o Pedro Malan. O senhor discorda radicalmente da política do Pedro Malan. Mas a política é do Pedro Malan ou é a política do Fernando Henrique Cardoso?

[sobreposição de vozes]

Gerson Camarotti: É isso que eu lhe pergunto: o Everardo Maciel tem tanto poder assim para o Fernando Henrique combinar uma coisa com o senhor e...

Mário Covas: [interrompendo] Não, mas espere aí, o que ele combinou comigo? Quem falou que ele combinou comigo?

Gerson Camarotti: De fazer essa reforma tributária, não?

Mário Covas: Não, não combinou reforma tributária comigo. Ele combinou a reforma tributária com a nação. Em primeiro lugar, com o Congresso, que fez a sua proposição – proposição que eu fui o único governador que defendeu, o único. Eu fui a uma reunião em Maceió, estavam todos os governadores lá, e o único que defendeu a reforma tributária fui eu, sabendo que São Paulo perdia 1,8 milhão por mês, por ano. Muito bem, enquanto eu estava lá brigando com todos os outros governadores, o Everardo Maciel e o Malan estavam dando uma nota dizendo que aquilo não servia. Aí inventaram uma comissão tripartite. Se eu lhe mostrar o quadro – eu tenho ele aí –, se eu lhe mostrar o quadro da evolução, você vai vendo como isso foi tirando mais. E nem deu para a economia, porque a única coisa que a economia queria era acabar com o imposto cumulativo. O Everardo conseguiu o milagre de consolidar o imposto cumulativo. Ele, em vez de tirar, disse: durante três anos não se mexe no imposto cumulativo. O que não era garantido passou a ser garantido. E depois de três anos, a lei [...].

Gerson Camarotti: Governador, quem manda? É o presidente Fernando Henrique ou o secretário Everardo?

Mário Covas: Olha, quando eu falei com o presidente Fernando Henrique antes de ele mandar essa coisa, eu falei para o presidente Fernando Henrique: olha, eu estou preocupado com algumas coisas. As mudanças que estão sendo feitas, em primeiro lugar, não atendem os objetivos da reforma. A economia só queria uma coisa, só queria a eliminação dos impostos cumulativos; sem isso não tinha a reforma tributária. Mas São Paulo, com a última proposta que ele mandou, passa a perder 6,2 bilhões.

Ricardo Amaral: Passaria, não é?

Mário Covas: Passaria a perder 6,2 bilhões.

[sobreposição de vozes]

Ricardo Kotscho: Agora não vai mais ter reforma nenhuma.

Mário Covas: Não, mais cedo ou mais tarde vai ter reforma; essa morreu mesmo. E essa, no ponto em que chegou, morreu. Esperaram, mas para poder debitar para mim, porque hoje, o que eu leio lá de Brasília é que o responsável por não ter passado sou eu.

[sobreposição de vozes]

Ricardo Amaral: No primeiro bloco, o senhor me fez uma intriga com os procuradores da República. Não vá me intrigar agora com o secretário do Receita – com o “leão", não [risos].

Mário Covas: Não, não.

Ricardo Amaral: Se existe alguma unanimidade aqui é que ninguém gosta de pagar imposto na fonte; ninguém tem nada pessoal contra o secretário Everardo Maciel [risos].

Mário Covas: Eu não intrigo ninguém com ninguém. Nem eu estou intrigado com ele. Ele é um homem tão competente que ele tocou uma multa de 2,8 bilhões no seu chefe, porque ele tocou uma multa de 2,8 bilhões sobre o período em que o Banespa esteve sob intervenção. Quem tomava conta era o Ministério da Fazenda e o Banco Central.

Mônica Teixeira: Governador, no primeiro bloco, o senhor disse assim: o José Serra poderá ser candidato a governador de São Paulo se o partido em São Paulo aceitar isso. E o que eu acho que talvez esteja na cabeça dos jornalistas aqui é que fica parecendo que o PSDB de São Paulo, na verdade, é um PSDB muito dividido.

Mário Covas: Não senhora. Eu acho que isso vale para presidente da República também, se é aí que você quer chegar.

Mônica Teixeira: Não, não. Eu o que eu queria perguntar é o seguinte: o senhor acha que o ministro da Saúde, José Serra, passa pela convenção do PSDB em São Paulo?

Mário Covas: Lógico que passa, lógico que passa. Eu só estou dizendo isso porque tem que dizer isso, lógico. Todo mundo, para ser candidato, tem que passar pelo partido. Eu não estou pondo em dúvida as condições que ele tem para ser candidato, de jeito nenhum.

Ricardo Kotscho: Governador, saindo um pouco da política, falando um pouco da vida...

Mário Covas: Vamos, aonde você quer chegar?

Ricardo Kotscho: Não, pode ficar tranqüilo. Uma coisa que eu acho que muita gente gostaria de perguntar: o que mudou no seu cotidiano...

Mário Covas: [interrompendo] Você sabe uma coisa? Deixe eu lhe contar uma coisa que você não sabe. [...] na enchente do rio Tietê, nós conseguimos um empréstimo japonês, e as obras ficaram tão mais baratas que, pela primeira vez na história, o banco japonês permitiu que nós fizéssemos o restante da obra com o saldo do que ficou do primeiro contrato. Nunca eles fizeram isso.

Ricardo Kotscho: Minha pergunta é bem simples, bem singela. Queria saber, governador, o que mudou no seu cotidiano, na vida, no espírito do cidadão Mário Covas depois de vencer o câncer. O que mudou na vida?

Mário Covas: [emocionado] Na vida, talvez tenha mudado muito pouco; no pensamento, talvez tenha mudado muito. Na vida mudou muito pouco: minha rotina continua a mesma de antes, eu estou envolvido nas mesmas responsabilidades, e portanto não mudou nada. Sobretudo porque eu tive uma recuperação muito rápida... quer dizer, Deus foi tão bom para mim, foi tanta gente que eu vi pedir, tanta gente que se associou, tanta gente que rezou, tanta gente que... O número de medalhinhas que a minha a mulher recebeu, o grau de solidariedade foi de tal ordem que... Agora, a gente passa a encarar a vida de uma outra forma, a gente passa a verificar... Quando se esteve perto da morte ou da perspectiva de morte – eu não cheguei a ficar perto da morte porque fui muito bem tratado, e fui tratado às custas do povo. Eu fui operado no Incor, que é um hospital sustentado pelo povo; por médicos saídos da faculdade de medicina que estudaram à custa do povo. Portanto, você começa a pensar na futilidade de certas coisas. Você começa a pensar, em primeiro lugar, que você não está mais em condição de não dizer o que pensa, mesmo correndo o risco de parecer cínico às vezes. Mas de não dizer o que pensa... Você acha que já chegou a uma idade em que... você perde a censura.

Gerson Camarotti: Pode falar tudo, não é?

Mário Covas: Pode não, deve falar tudo. E se ocupa um cargo, pior ainda. Porque você tem obrigação de contar às pessoas o que você pensa. Você foi eleito governador. Certo ou errado, você tem que contar às pessoas o que pensa. E não pode fazer nenhuma concessão à mentira. Eu acho que você começa a dar pouco valor a certas coisas para as quais você dava muito valor: vaidade, egoísmo... Passa a não dar valor para essas coisas e passa a dar valor para outras coisas. Você se agarra na sua perspectiva em cada instante de vida que você tem. Quer dizer, eu aqui não estou apenas fazendo um programa de televisão com amigos, eu estou aqui vivendo intensamente esses momentos. Eu perdi uma filha com 19 anos de idade; eu sempre digo que ela dava idéia de que sabia que ia viver pouco tempo. Porque ela tinha uma tal densidade de viver, uma tal alegria de viver, uma tal vontade de fazer as coisas, que parece que ela tinha antevisão de que ia viver pouco tempo. Acho que passar por uma coisa desse tipo, que você passa com medo, medo danado... tive muito medo, o tempo todo, muito medo. E é difícil, porque a cama de hospital é um lugar muito solitário. Talvez seja o único lugar mais solitário do que a cadeira do governador. Quando você está sozinho, com o travesseiro ali, e sabe que a operação vai acontecer no dia seguinte, e que você fica pensando se você vai tomar a injeção, vai dormir, se vai acordar de novo. É uma experiência meio dramática. Mas, ao mesmo tempo, extremamente instrutiva, e que, afinal, não aconteceu só comigo. Hoje, depois disso, eu já fui a alguns congressos, porque acabam me convidando para alguns congressos da matéria. Eu já vi milhares de pessoas que passaram por eventos iguais a esse, que conseguiram superar. No final, algumas coisas me deixaram satisfação, por exemplo, ter ficado aqui em São Paulo, no hospital de São Paulo. Quanta gente me disse: vai viajar, vai para os Estados Unidos ver isso. Eu insisti que devia ficar aqui, porque acho que, como governador, não tinha sentido eu ir fazer isso em outro lugar. Mas é uma experiência difícil de você transmitir, difícil. Não sei se melhorei, não sei. Esse torvelinho em que a gente vive acaba não permitindo que você pense muito nisso.

Ricardo Kotscho: O senhor se sente mais livre? Para falar o que quer, para sair brigando...

Mário Covas: Eu já andava meio “patrusca”, mesmo antes da operação eu andava meio avançado demais no carburador [risos]. Mas depois da operação então... [risos].

[sobreposição de vozes]

Mônica Teixeira: O senhor é mal-humorado ou não, governador?

Mário Covas: Eu sou pessimamente [...]; espalha, porque isso dá um cartaz danado [risos]. Todo mundo fala que eu sou mal-humorado. Falar que é bem-humorado, ninguém se importa, mas se falar que é mal-humorado, todo mundo repete.

Dora Kramer: Então me diz, aproveite o embalo – o senhor agora já não tem freio mesmo –, o que o senhor pensa do segundo lugar do Maluf nas pesquisas?

Mário Covas: Segundo lugar do Maluf nas pesquisas?

Dora Kramer: Já que o povo tem sempre razão, segundo o senhor.

Mário Covas: Olha, eu acho que algumas facções, algumas pessoas, algumas personalidades têm eleitores cativos. O PT tem. O Lula, quantas vezes for candidato a presidente, 30% ele tem. Pode até ter mais, mas 30% ele tem. Sempre teve e vai continuar tendo. Pode até crescer. O Maluf tem um eleitorado; caiu muito, mas alguma coisa ele tem.

Eliane Cantanhêde: O que o senhor acha da ex-deputada Luiza Erundina, [que está] em terceiro lugar?

Mário Covas: Olha, eu acho que ainda não dá para definir que é terceiro, segundo...

Eliane Cantanhêde: Nas pesquisas, sim, não é?

Mário Covas: Depois, tem o seguinte, aí você tem duas mulheres candidatas, não é? Isso complica sobre esse lado, não é? Há sempre um eleitorado que favorece a mulher. Tendo duas mulheres, essa coisa já começa a ser dividida. A Erundina teve uma militância no PT muito grande. Eu, quando fui prefeito...

Dora Kramer: [interrompendo] Uma vez o senhor me disse, mas não explicou, que detesta ser adversário de mulher, que a mulher é o pior adversário que tem.

Mário Covas: É o pior adversário, sim. É o pior adversário.

Dora Kramer: Por quê?

Ricardo Amaral: Pior que padre?

Mário Covas: Eu falei isso uma vez, e a candidata não gostou. Eu falei no jornal, e ela não gostou. É porque a mulher, quando discute com você, ela discute...

Eliane Cantanhêde: [interrompendo] Ela pode bater e não pode apanhar.

Dora Kramer: Diz; o senhor não tem mais freio; pode dizer tudo.

Mário Covas: É mais ou menos isso. E se você discutir, se você retrucar no mesmo tom, até a sua mulher fica contra você [risos]. Então, a parada é direta, é difícil você discutir com uma mulher.

Eliane Cantanhêde: O que o senhor acha da possibilidade de duas mulheres disputando o segundo turno em São Paulo?

Mário Covas: Ué, não seria nada extraordinário.

[sobreposição de vozes]

Mário Covas: [Eu disse] nada extraordinário. Amanhã, vocês não me ponham no jornal que Covas disse que vai ser fulano e sicrano.

Eliane Cantanhêde: Não, não, eu só acho que o senhor não respondeu ainda à minha pergunta. Eu queria saber, para ser bem objetiva, se a deputada Luiza Erundina pode ser o seu plano B.

Mário Covas: Plano B? Não.

Eliane Cantanhêde: Já que o senhor elege como principais adversários o Maluf e o PT...

Mário Covas: Não tem nada disso de plano B. Quem entra numa eleição pensando no plano B, abre mão da luta.

Eliane Cantanhêde: Qualquer político pode pensar isso.

Mário Covas: Nada disso. Quem entra numa eleição, entra para ganhar. Pode até perder, mas entra para ganhar. Entra para lutar e ganhar.

Gerson Camarotti: Governador, e no plano nacional, o Ciro Gomes é o plano B do PSDB?

Mário Covas: Não, não creio que seja o plano B. Não tem plano B, quer dizer, você disse: se o PSDB não tiver um candidato no segundo turno, é isso?

Gerson Camarotti: Isso.

Mário Covas: E ficar o Ciro contra o...

Gerson Camarotti: Contra o Lula.

Mário Covas: Contra o Lula, por exemplo? Não sei se ele é o plano B.

Eliane Cantanhêde: Se chegar em junho, julho do ano que vem, o Ciro se consolida como candidato das “elites”, o PSDB migra para o Ciro, é isso?

Mário Covas: Se ele migra para o Ciro?

Eliane Cantanhêde: Não institucionalmente. Os peessedebistas migrariam para o Ciro?

Gerson Camarotti: O tucano Mário Covas, por exemplo.

Mário Covas: Não, o tucano Mário Covas não. O tucano Mário Covas não sai do lado do seu candidato.

Eliane Cantanhêde: Não o tucano Mário Covas. O senhor prevê uma dissidência das bases para ele?

Mário Covas: Ué, o meu candidato é o candidato do PSDB. Eu não sou fazedor de reis...

Ricardo Amaral: Governador, vamos por partes, então. O senhor acredita que essa aliança se mantém e resiste a mais uma eleição, essa aliança do PSDB com o PFL?

Mário Covas: Não sei se resiste. Eu sempre disse – nas sucessivas vezes ou nas eventuais vezes que ia a Brasília – que isso tendia a desaparecer num processo eleitoral. Porque é natural que os partidos queiram ter candidatos. Não há nada de extraordinário nisso, é muito natural.

Eliane Cantanhêde: Mas é mais natural ainda que eles queiram ganhar a eleição. Se eles não têm essa alternativa dentro [do partido deles]...

Mário Covas: Sim, mas a primeira maneira de ganhar a eleição é ter candidato, senão você vai ter que ganhar com terceiros.

Eliane Cantanhêde: O PFL ganhou a eleição passada como, governador, com candidato?

Mário Covas: Não, se quiser ganhar com terceiros, pode ganhar também. Mas você ganha mais se você ganhar com seus próprios. Se não tiver um candidato, vai ter que procurar alguém para se associar. Está certo, é isso mesmo.

Ricardo Amaral: Governador, seja mais incisivo, por favor, fale objetivamente. Essa aliança dura? Em 2002, nós vamos ter de novo uma chapa que tenha PSDB e PFL?

[...]: E PMDB, não é?

Mário Covas: Não.

Ricardo Amaral: Não vai ter?

Mário Covas: Acho difícil.

Ricardo Amaral: Em 2002, o senhor acha difícil?

Mário Covas: Acho difícil.

Ricardo Amaral: O senhor acha que cada um vai ter o seu?

Mário Covas: É.

Eliane Cantanhêde: Ué, por quê?

Ricardo Amaral: Por quê? O senhor deixa o lide para o final do programa, não é, governador?

Mário Covas: [reflexivo]

Eliane Cantanhêde: Está pensando muito.

Mário Covas: Está vendo? Esta é uma resposta que eu não gostaria de dar...

Dora Kramer: Não, pense à vontade...

Mário Covas: ...mas vou dar.

Ricardo Amaral: Ah, vai, por favor.

Mário Covas: É porque a aliança, até agora, foi uma aliança com o presidente, não com o PSDB.

Ricardo Amaral: Ele é que sai de cena? Isso é que muda?

Mário Covas: Até agora, o PMDB e o PFL aceitaram o Fernando Henrique, mas a aliança nunca foi com o PSDB.

Ricardo Amaral: Era pessoal. Com a saída dele de cena...

Mário Covas: Ou seja, eles vão até o ponto do Fernando Henrique...

Dora Kramer: O senhor acha que eles não aceitam nenhum dos outros candidatos do PSDB?

Mário Covas: [...]

Dora Kramer: E o PSDB tem que ter candidato? Tem que ficar na cabeça de chapa, o senhor acha?

Ricardo Amaral: [...] Fale mais que está bom, governador.

Mário Covas: Não, é isso mesmo, eu sempre achei isso. Daí a dificuldade do entrosamento.

Ricardo Amaral: Fato objetivo: o presidente Fernando Henrique sai de cena, então acabou a coisa?

Mário Covas: E olha, o PSDB foi capaz de uma enorme... Com todas as críticas, o PSDB foi capaz de uma conduta absolutamente favorável ao Fernando, uma conduta que sempre compreendeu essa situação, e portanto... Por exemplo, quando se fala: a Câmara tem que ter um presidente do PFL; o Senado, do PMDB; porque o presidente é do PSDB, que história é essa? Não é loteamento.

[sobreposição de vozes]

Mário Covas: Não é loteamento [...]. Um chegou a presidente porque foi eleito pelo povo.

Eliane Cantanhêde: O PSDB é uma vítima da aliança?

Mário Covas: Não, não é uma vítima da aliança...

Eliane Cantanhêde: Mas é isso que o senhor está dizendo.

Mário Covas: ...ele compreende e tem ajudado o presidente no sentido de muitas coisas que ele não gostaria que fossem feitas.

Gerson Camarotti: O PSDB está no sacrifício nessa aliança, governador?

Mário Covas: Bom, a palavra correta não é sacrifício, eu não creio que seja sacrifício. Mas não é a posição que normalmente tem um partido que tem o presidente da República.

Paulo Markun: Governador, se a aliança PSDB e PFL não persiste até 2002, é possível que o PSDB...

Mário Covas: [interrompendo] Pode até persistir, [mas] eu acho muito difícil.

Paulo Markun: Sim, nós estamos tentando ouvir o ponto de vista do senhor. Se não persistir, o senhor acha possível uma aliança do PSDB com outros partidos mais à esquerda?

Mário Covas: Eu acho possível qualquer aliança. Eu não acho que o partido seja fechado a ninguém. Não acho que seja fechado a ninguém. Eu estou tentando identificar o problema e dizer o que me parece o mais possível de acontecer. Eu acho que nós teremos obstáculos no meio do caminho para que se repita aquilo que aconteceu há oito anos e o que aconteceu há quatro anos.

Ricardo Amaral: Governador, é por isso, por essa dificuldade, essa quase impossibilidade de manter a aliança que está demorando tanto para aparecer o tal do candidato ao Palácio do Planalto?

Mário Covas: Não. Por que o candidato deveria aparecer depressa?

Eliane Cantanhêde: Ué, dizem que em abril [...].

Mário Covas: Uma coisa é o candidato Lula, que já foi candidato antes, e a gente sabe o papel que o Lula desempenha no PT, e até onde ele representa a coesão do PT. O Ciro já foi candidato na última vez, é candidato colocado não é hoje, é candidato desde o primeiro dia, o dia que terminou a outra eleição. E, do lado dos que apóiam o governo, não se evoluiu para uma candidatura.

Ricardo Amaral: O PSDB vai disputar esse espaço onde o Lula transita hoje, onde o Ciro transita, ou vai disputar o espaço da direita com o PFL?

Mário Covas: Eu não sei, eu acho que o PSDB tem que disputar todos os espaços possíveis. Eu não entendo isso...

Ricardo Amaral: A gente é burro, governador [ri].

Mário Covas: ...essa coisa não é assim. Outro dia o Singer [provavelmente refere-se ao livro Esquerda e direita no eleitorado brasileiro, do cientista político André Singer] fez um estudo aí do eleitorado...

Ricardo Amaral: Um livro que ele fez; bela leitura.

Mário Covas: Quer dizer, a noção que a gente tem, a gente que faz política o tempo todo e que tem vinculações de natureza ideológica, de natureza partidária, vê as coisas de uma maneira diferente do que o povo. E às vezes a gente acaba encontrando dificuldade de [...].

[sobreposição de vozes]

Gerson Camarotti: Governador, o senhor sempre fala que não vai apoiar o Ciro, mas elogia muito o candidato Ciro Gomes.

Mário Covas: Eu não vou para o Ciro?

Gerson Camarotti: Exato. O senhor sempre elogia o Ciro, apesar de dizer que não vai apoiar o Ciro Gomes. Queria saber, isso pode caminhar mais à frente, algum casamento?

Mário Covas: Ué, se o partido... É a tal história, é uma aberração, numa eleição, você começar a raciocinar sobre o que acontece se você não for para o segundo turno. Isso não se faz, isso é primário em política. Se você fizer isso, você está admitindo que essa hipótese pode acontecer.

Ricardo Kotscho: Mas ele está falando no primeiro turno, governador.

Mário Covas: Não, no primeiro turno não creio que vá acontecer isso.

Ricardo Amaral: Governador, o presidente Fernando Henrique vai apoiar o candidato do PSDB, sem a aliança? Ele fica com quem?

Mário Covas: Fica com o candidato do PSDB.

Ricardo Amaral: O senhor tem certeza?

Mário Covas: Absoluta.

Ricardo Amaral: Já conversou sobre isso com ele?

Mário Covas: Não, não conversei, mas acho que não preciso conversar [sobre isso]. Porque é uma questão... É a mesma coisa: você acha que eu podia não ter candidato a defender aqui em São Paulo? Eu sou governador do estado; como é que poderia ter uma eleição para prefeito da capital e não ter candidato do PSDB? Você acha que o presidente, que foi presidente por oito anos, e agora o seu partido não ter um candidato? Não dá; eu acho difícil isso acontecer.

Ricardo Kotscho: A única certeza que o senhor tem é que o senhor não vai ser [candidato], é isso?

Mário Covas: Essa não é certeza, é decisão inarredável, irrecorrível...

Ricardo Amaral: [brincando] E o Santos vai ser campeão paulista? Assim como o Geraldinho vai chegar ao segundo turno?

Mário Covas: Essa é uma quase certeza [risos]. [Nas eleições paulistanas de 2000, Geraldo Alckmin ficou em terceiro lugar. No segundo turno, Marta Suplicy derrotou Paulo Maluf. Alckmin foi eleito governador de São Paulo em 2002, tendo vencido José Genoino no segundo turno.]

Paulo Markun: Governador Mário Covas, o nosso tempo está acabando, eu só queria...

Mário Covas: [interrompendo] Espere aí, que ela está falando...

Eliane Cantanhêde: Eu só queria saber o perfil do candidato.

Mário Covas: Que perfil do candidato?! Mas que perfil do candidato? O que eu sou, mágico?

Eliane Cantanhêde: Loirinho, de olho azul, com sotaque cearense?

Mário Covas: Não, não, de olho azul? É o Tasso, que você está falando? O Tasso é um excelente candidato.

Eliane Cantanhêde: Qual é o perfil do candidato? Quem o senhor acha que tem que ser? O senhor disse: o Malan não é do meu partido, o Malan não me representa. O que representa o senhor? [...]

Mário Covas: Eu acho que qualquer um dos candidatos [do PSDB] de quem se tem falado [me] representa.

Eliane Cantanhêde: Por quê? Qual é a característica?

Mário Covas: Porque têm posições muito mais identificadas com o que eu acho que a social-democracia deve ser do que ele tem...

Eliane Cantanhêde: E o que é isso?

Mário Covas: Olha, eu não faço nenhuma restrição pessoal ao Malan. Eu não digo que o Malan tenha algum defeito de natureza moral, ética, nada disso, nada disso. Simplesmente, é político o problema. Eu acho que ele não traduz o que eu imagino [que] deva ser a social-democracia. Portanto, eu não fico do lado dele.

Eliane Cantanhêde: Portanto, o candidato do PSDB tem que ser identificado com o quê?

Mário Covas: Como com o quê?

Eliane Cantanhêde: O quê? O que é o candidato do PSDB?

Mário Covas: Eu acho que alguém que possa traduzir corretamente uma política econômica, uma política social, uma política que, afinal, reproduza o que é a social-democracia. Bom, não dá para você vestir a pessoa, não dá para você botar, dentro dessa moldura, quem é o quadro que satisfaz.

Eliane Cantanhêde: Mas um pouco mais nacionalista, um pouco mais defensor de um Estado um pouco mais regulador, por exemplo?

Mário Covas: Eu?

Eliane Cantanhêde: É.

Mário Covas: Muito mais regulador do que ele [é hoje]. Muito mais regulador.

Eliane Cantanhêde: É isso que eu estava querendo.

Mário Covas: Até certas discussões a respeito da empresa nacional, acho que precisam ser revigoradas neste país.

Paulo Markun: Governador, nosso tempo acabou; agradeço muito a sua entrevista, agradeço a franqueza do senhor; tenho certeza de que ela está mais afiada a cada vez...

Mário Covas: Muito obrigado. Primeira vez que reconhecem isso [risos].

Paulo Markun: [ri] Não é verdade. A você que está em casa, muito obrigado. Foram mais de trezentos e-mails, todos eles com críticas, reclamações, elogios, observações...

Mário Covas: Se você tiver a gentileza de me dar [...].

Paulo Markun: Serão encaminhadas para o senhor, como acontece ao final de todo Roda Viva . Nós voltamos na próxima segunda-feira, sempre às dez e meia da noite. Uma boa noite, uma ótima semana e até lá.

 

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