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Memória Roda Viva

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Antônio Carlos Magalhães

28/6/1999

Conhecido como ACM ou "Toninho Malvadeza", o senador discute as CPIs do Judiciário e seu envolvimento com o banco Econômico

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Paulo Markun: Boa noite. Ele diz que quando se tem brilho próprio é indiferente estar no governo ou na oposição e é certamente por isso que há mais de quatro décadas ele está sempre em evidência no cenário político brasileiro. No governo e às vezes na oposição. Na série especial comemorativa dos 30 anos da TV Cultura o convidado desta noite é o senador Antônio Carlos Magalhães, presidente do Congresso Nacional. Mas, antes da gente conversar com ele, vamos relembrar um pouco do passado do Roda Viva, que nesses 13 anos de existência, tem sido um importante espaço de discussão da vida brasileira. presidentes, governadores, parlamentares e pensadores já passaram por aqui debatendo idéias e propostas para transformação da realidade brasileira. Vamos relembrar alguns.

[são exibidos vários vídeos]

Ulysses Guimarães, 1989 (presidente do PMDB): Eu entendo que o partido é fundamental. Uma das definições de democracia é: não havendo partidos, não há democracia. Havendo partidos fortes, bem aparelhados, é uma melhoria para a democracia, tanto que escolher um presidente da República sem o respaldo partidário de deputados e senadores é uma verdadeira aventura.

Luiz Carlos Prestes, 1986 (ex-secretário do Partido Comunista do Brasil): Para fundar um partido revolucionário aqui no nosso país, um partido comunista verdadeiro, armado com a teoria do proletariado é necessário partir de um núcleo marxista firme, conhecedor da ciência para poder realmente formar este partido. Essa é a minha tese, e é por isso que eu estou lutando. Eu estou certo de que a situação das massas do Brasil vai se agravar cada vez mais, elas não vão ficar de braços cruzados. Nenhum povo enfrenta a fome sem lutar. Porque o nosso povo também enfrenta grandes lutas e essas lutas também serão reprimidas, mas a classe operária vai aprender muito com isso.

Luís Inácio Lula da Silva, 1986 (presidente do PT): Eu sei que o Congresso Nacional tem uma grande maioria de pessoas do mais alto conservadorismo, representantes quase que na sua grande maioria de um segmento social chamado poder econômico direto ou indireto. Eu já vi cinco mil pessoas naquele Congresso Nacional fazer deputado mudar de voto. O que é preciso é criar instrumentos para que a sociedade possa pressionar. E quando eu sugeri de que poderia haver um televisionamento, é porque eu acho que é uma das formas do cidadão acompanhar melhor Brasília. 

Leonel Brizola, 1989 (candidato do PDT nas eleições presidenciais de 1989): Não há um problema de confronto entre capitalismo e socialismo, há rigor nessa quadra da vida brasileira? O que há é uma classe dirigente arrogante, preconceituosa, uma classe dirigente egoísta e, sobretudo, incompetente que fez isto com o nosso país.

Fernando Collor, 1989 (candidato do PRN nas eleições presidenciais de 1989): A corrupção ela sempre vem associada à impunidade. Quer dizer, se na sociedade de um país, na sociedade considerada, não houvesse a impunidade, a corrupção seguramente ou inexistiria ou seria muito reduzida. E o que é a impunidade? A impunidade é a certeza de que o corrupto ou delinqüente tem de que cometido o ato delituoso ou mesmo o ato de corrupção nada vai lhe acontecer porque haverá sempre alguém na estrutura do poder a lhe proteger, a lhe colocar as mãos em cima, a impedir que a Justiça faça justiça, que coloque atrás das grades. 

Ciro Gomes, 1995 (ex-ministro da Fazenda):O que eu pretendo neste instante, honestamente, e que quero fazer isso olhando para a câmera, ser candidato a nada, se eu pretendesse, eu estaria aqui como as pessoas que querem militar estão. Um dia, se o desenho do cenário for uma coisa que seja pertinente, objetiva, séria, que não seja objeto de uma postulação sem fundamento imposta por vaidade, por qualquer coisa outra coisa menor minha, acontecesse uma oportunidade de eu servir ao Brasil em qualquer posição eu terei entusiasmo em fazê-lo, porque essa é a minha vocação e eu gosto disso. 

Paulo Maluf, 1989 (prefeito de São Paulo): Eu acho que no Brasil cabem cinco partidos. O resto são legendas de aluguel. O nosso PPB (partido progressista brasileiro), o PMDB, que tem 101, 102 deputados, o PFL que tem 89, 90 deputados, o PSDB que está também com 80 e poucos deputados, e o PT ideológico.  Eu acho que estes cinco partidos têm condições de existir. São 19 partidos que têm representação no Congresso, alguns com um deputado. O partido com um deputado dá o direito do sujeito ter uma hora em cadeia nacional duas vezes por ano. Isso é um abuso!

Delfin Neto, 1991 (deputado federal/PDS): Duvido se não tem como construir uma maioria estável com 50 facções, não tem como manter uma maioria estável! Você precisava, e precisa hoje de uma modificação do sistema, primeiro, do sistema partidário, você tem que construir uma lei partidária que produza dois ou três grandes partidos, não mais do que isso, e que você introduza de volta a fidelidade partidária.

Michel Temer, 1997 (presidente da Câmara Federal): O partido pode mudar de programa. O integrante do partido pode mudar as suas idéias, então, não é possível o engessamento definitivo. O que eu proponho em matéria de fidelidade partidária é que o parlamentar, o integrante do partido, obrigatoriamente quando eleito, ele deve permanecer três anos e meio, três anos e quatro meses, pelos um mandato, mas quando chegar na próxima eleição, e antes do registro, ele pode ter a oportunidade de migrar para outro partido, não pode mudar no dia seguinte.

José Genuíno, 1991 (deputado federal/PT): Nós temos que em primeiro lugar que estabelecer nessa iniciativa da oposição uma relação de alianças políticas. Segundo, eu acho que nós devemos trabalhar. Eu defendo que o Congresso Nacional tem uma grande responsabilidade nesse momento. Eu acho que este é o grande dilema do Congresso, ora ele é uma delegacia de polícia, ora ele fica envolvido com querelas. Ele tem que pensar uma pauta para o Brasil e discutir isso. Ou através de iniciativas de lei, pode fazer isso, ou através de uma relação de poder para poder com o executivo.

Sérgio Motta, 1996 (ministro das Comunicações): Eu concordo com você que a coligação partidária feita que dê sustentação para o governo precisa do que eu chamo da lógica perversa dos três quintos que foi posta na Constituição de 1988.  essa lógica te obriga a se decompor; ou você governa de forma estreita, pode inviabilizar o governo, ou você tem uma base parlamentar ampla em função do programa mínimo, e isso foi feito. O governo Fernando Henrique está governando em função de um programa que tem adesão de partidos que aceitaram este programa, em toda a reforma. 

Fernando Henrique Cardoso, 1999 (presidente da República): O governo vai continuar governando, o Congresso vai continuar votando. Eu insisti muito com os líderes, que é importante que o Congresso continue votando as leis importantes para o Brasil.  A maturidade nossa vai ser medida pela capacidade do Congresso continuar trabalhando nas leis específicas. Isso vai mostrar se o Brasil é ou não é um país que amadureceu. Não gosto de usar a palavra aposta, porque o Nassif [Luiz Nassif. Comentarista econômico] não vai gostar, mas a minha aposta é que está amadurecendo. Não é que nós tenhamos já superadas as dificuldades, não, nós temos muitas, econômicas, sociais, pobreza, desemprego, tudo isso que constrange e que dói, mas a despeito disso, nós estamos avançando e agora é o momento.

Paulo Markun: Pois é, dizem que aquela atriz, Ava Gardner, costumava fazer a seguinte frase: “o segredo do sucesso é a má memória”. E é bom a gente ter memória para não esquecer algumas coisas que foram ditas nesse país. Aos 71 anos ele já acumula mais de 40 em intensa vida política, foi deputado federal, três vezes governador da Bahia, ministro das Comunicações, senador da República e é presidente do Congresso. Passou por três regimes políticos e por doze presidentes da república, sempre interferindo nas questões importantes da política nacional. Sobreviveu a tudo e a todos. Personalidade forte, língua afiada, é amado, odiado ou temido, conforme a relação que se tenha com ele. Uma frase de ACM que ajudou a criar, que como outras ajudou a criar as famosas frases políticas dele. "Falar bem dos amigos todos os dias e falar mal dos inimigos duas vezes por dia". Para falar com ACM, o senador Antônio Carlos Magalhães, convidamos os jornalistas: Roberto D’Ávilla, editor do programa Conexão, Fernando Rodrigues, colunista e repórter da Folha de S. Paulo em Brasília, Maria Inês Nassif, repórter especial do jornal O Estado de S. Paulo, Ricardo Noblat, diretor de redação do Correio Brasiliense, Wagner Carelli, diretor de redação das revistas República e Bravo, Vera Solto, correspondente da TV Cultura, que fará aqui as perguntas dos telespectadores também, e José Nêumanne, editorialista e articulista do Jornal da Tarde. O Roda Viva é transmitido em rede nacional ao vivo [...] Boa noite, senador.

Antônio Carlos Magalhães: Boa noite.

Paulo Markun: Em 1995, o senhor deu uma entrevista para a empresária Roquete Alves, no jornal Folha de S. Paulo, em que o senhor começava dizendo o seguinte: “na vida a gente dá entrevista é para dizer a verdade, ou então não se dá”. Partindo desse princípio, eu pergunto para o senhor o seguinte: A movimentação que o senhor tem feito nos últimos tempos, o espaço que o senhor tem ocupado nos meios de comunicação leva muita gente a supor que isso é parte de uma estratégia de um candidato à presidente da República. É verdade?

Antônio Carlos Magalhães: Não é verdade, o meu partido deseja ter um candidato à presidência da República, mas a minha posição, e eu digo aqui a verdade, é de ser candidato a senador pela Bahia, o que não invalida as possibilidades, se as circunstâncias mudarem, de amanhã eu ser candidato à presidência. Mas, na realidade, eu sou muito propenso no meu partido para que façamos alianças que nos possam fortalecer politicamente e do ponto de vista administrativo em termos de futuro, para se realizar um programa no Brasil, que o Brasil tanto necessita.

Paulo Markun: Mas, hoje o PFL [Partido da Frente Liberal, fundado em 1985 pela chapa Tancredo/Sarney na última eleição indireta] já não faz uma aliança desse tipo?

Antônio Carlos Magalhães: Hoje nós temos uma aliança, mas é lógico, que essa aliança, cada um deseje ter candidato, então nós não podemos dizer que este partido da aliança é que vai ter um candidato. O que nós podemos desejar é que a aliança fique, sobreviva o maior tempo possível, este é o nosso desejo. Agora, se essa realidade vai acontecer... Só o futuro dirá.

Paulo Markun: Nessa mesma entrevista da Folha de S. Paulo, como em outras entrevistas, o senhor sempre costuma dizer que é muito mais um administrador do que um político, do que um parlamentar, e na verdade, nos últimos tempos o senhor tem ocupado o máximo do espaço possível no cenário político. essa vontade do senhor de ser administrador, digamos, facilitaria essa hipótese, de mudando o cenário o senhor vir a ser candidato? 

Antônio Carlos Magalhães: É verdade que a Bahia demorou muito para que os próprios jornais e os próprios colunistas políticos vissem que a Bahia não era um problema de política. A Bahia era mais um problema administrativo, um estado que deu certo antes do Brasil, e é por isso que hoje a Bahia tem uma situação invejável entre todos os estados do Brasil. É aquele que está mais arrumado, é o que está economicamente mais forte. Isso que tem trazido vários benefícios, não porque tenha mais apoio do governo federal, que não tem. Mas, porque se arrumou cedo, há muito tempo que nós temos uma administração continuada, desde 1991, de êxitos. Então, a parte administrativa é a que mais apaixona, mas, essa foi a mais difícil de chegar até o Sudeste, a própria Brasília, mas hoje, se você perguntar a qualquer ministro qual é o estado mais arrumado do Brasil, dentro da proporção, ele vai dizer que é a Bahia.

José Nêumanne: No fim do governo Figueiredo [João Baptista de Oliveira Figueiredo, 1918-1999. Foi presidente entre 1979 e 1985, o último militar a governar o país depois que se instaurou a regime militar em 1964], o senhor arrumou uma briga muito inglória, foi uma briga com o Ministro da Aeronáutica Délio Jardins de Mattos [1916-1990, ministro da aeronáutica no governo dos presidentes Ernesto Geisel (1974-1979) e João Figueiredo (1979-1985)], a sua briga entrou na história, porque ajudou a derrubar a ditadura. Hoje, o senhor tem arrumado várias brigas; com o presidente da câmara [Michel Temer], com o presidente do Supremo [Carlos Velloso, então juiz presidente do Supremo Tribunal Federal], eu quero saber o seguinte: que tipo de utilidade essas brigas terão para o cidadão como teve aquela sua briga com Délio Jardins de Mattos? 

Antônio Carlos Magalhães: A sua pergunta é até muito boa, porque eu vim com este espírito de perguntar a vocês e perguntar ao Brasil. O problema não é saber se eu brigo muito ou pouco, eu sei que é muito, mas é saber se eu brigo pelas causas corretas ou não. E aí é que todas as minhas brigas são analisadas como brigas que criam problemas, mas não são analisadas como brigas que querem resolver problemas crônicos do Brasil, que querem ser resolvidos no Brasil. Como agora a briga com o Supremo. Por que o PT, que pensa como eu, não se antecipou numa luta por uma Justiça correta no Brasil? Por que o problema do salário mínimo lá atrás, fui eu quem foi pedir um salário maior para o trabalhador e não foi o PT? De maneira que essa é a coisa? Eu brigo certo ou errado? Porque eu acho que o problema é ver. Está certo a CPI do judiciário? [Comissão Parlamentar de Inquérito. Foi instalada a pedido do presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), por meio de requerimento no dia 25 de março de 1999. O objetivo era investigar o superfaturamento de obras, desvios de recursos públicos e enriquecimento ilícito no âmbito do Poder Judiciário, dentre outras matérias] Um dos que dizem que está certo e vou mostrar para os senhores é o Dr. Reginaldo de Castro, presidente da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], que foi contra a CPI do judiciário. Ele disse aqui na Folha de S. Paulo, em artigo publicado sexta ou sábado, que sem a CPI do judiciário não haveria reforma que dormia há sete anos e meio na câmara, sem que ninguém tocasse nela, a CPI do judiciário, pondo uma parte. Vocês ainda não viram nada dos escândalos que existem na Justiça trabalhista e na Justiça comum, que não nos deixam examinar propositadamente para que não apareça. Mas mesmo assim, já pegamos mais de seis ou sete juízes corruptos e que fizeram mal à sociedade brasileira. Daí então, vem uma reforma que seria a última e já há muito tempo deveria ser feita, mas ela só surgiu com o objetivo de apagar a CPI do judiciário. Este foi o objetivo que avançou na Câmara. E que fez um grande estardalhaço, mas não conseguiu. A CPI do judiciário venceu e vai encerrar vitoriosamente mostrando os escândalos da Justiça no Brasil. 

Fernando Rodrigues: Senador, vejo o caso da sua recente disputa com o presidente da câmara Michel Temer. Nessa disputa verbal que o senhor travou com ele, em dado momento, o senhor citou o caso do porto de Santos que teria influência do Michel Temer e do partido dele, do PMDB, a minha pergunta é a seguinte: o senhor já sabia dessas acusações todas que pairam a respeito do controle do porto de Santos ou ficou sabendo durante o seu embate com o deputado Michel Temer? E se sabia, por que não apresentou antes?

Antônio Carlos Magalhães: Primeiro, eu quero fazer uma preliminar, a preliminar é que vocês dizem que eu brigo demais e aí vocês já vêm com uma pergunta para causar novas brigas. Tudo bem. Vocês é que estão provocando e amanhã vão dizer: o ACM novamente provoca Michel Temer. O problema é saber: existe ou não existe corrupção no porto de Santos? A Folha de S. Paulo disse, ou não disse que existe? Há ou não há uma Comissão de Inquérito para apurar tudo isso? O capitão de mar e guerra estava afastado e depois voltou para o conselho, e foi afastado pelo ministro dos Transportes que depois voltou. Existe ou não existe na reportagem de ontem escândalos muito grandes em relação ao porto de Santos? E quando eu denunciei, eu acho que a obrigação do governo naquele momento era abrir o inquérito ou me chamar para apontar estas irregularidades, agora até fiquei à vontade para não apontá-los, porque a Isto É fez uma reportagem, O Estado de S. Paulo fez outra em dias passados, a Folha também.  Então vocês já falaram por mim, vocês já bateram palma ao ataque que eu fiz. 

Fernando Rodrigues: O senhor acha que o Congresso foi lento neste caso?

Antônio Carlos Magalhães: Foram ou não indicados pelo Doutor Michel Temer? Vocês todos já disseram que sim.

Fernando Rodrigues: Mas, o governo foi lento? O senhor está dizendo que o governo deveria tê-lo chamado, mas o governo foi lento?

Antônio Carlos Magalhães: O governo não me chamou, não abriu nem inquérito, mas a Câmara Municipal de lá disse que existem outros inquéritos administrativos e que foi bem colocado pelo deputado Michel Temer, que é o Wagner Rossi [PMDB], até disse que está apurando, se está, eu não sei, mas que ele disse que está, ele disse. 

Ricardo Noblat: Senador, ainda sobre essa questão do Temer, primeiro eu acho que o senhor tem razão, a imprensa adora provocá-lo, porque sabe que o senhor tem pavio curto e a imprensa adora estes atritos, porque ajuda a vender jornal. Agora, o que eu queria perguntar especificamente sobre esse bate boca com o Michel Temer, essa troca de acusações foi o seguinte. Eu fico perguntando como é que o cidadão comum vê o presidente do Senado e o presidente da Câmara trocarem farpas ou acusações até pesadas de um lado ou de outro.  Como é que isso contribui para melhorar a democracia entre nós?

Antônio Carlos Magalhães: Essa é a questão que vocês sempre colocam nos editoriais e não nas notícias. O que o cidadão comum quer saber é se o que eu disse é verdadeiro ou não. Se é verdadeiro, o cidadão comum fica ao meu lado, se não é verdadeiro, o cidadão não fica ao meu lado. Agora, o que posso responder com isso, milhares e milhares de mensagens, algumas até trouxe aqui, para mostrar aos senhores em relação à estes assuntos. Eu acho que nós temos que ver o seguinte: a CPI do judiciário foi útil?  Pode responder você? 

Ricardo Noblat: Se o senhor quiser, eu troco de lugar e respondo.

Antônio Carlos Magalhães: Sim, mas está bom. Se ela foi útil, eu estou certo, eu que provoquei.

Ricardo Noblat: Sobre a CPI do judiciário, o que ela conseguiu até agora o Ministério Público não seria capaz de conseguir se não houvesse CPI?

Antônio Carlos Magalhães: Não, não, porque não conseguiu antes. Nós é que fomos atrás do doutor Nicolau [Juiz Nicolau dos Santos Netto, presidente do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo –TRT/SP, estava diretamente envolvido nas denuncias de corrupção da CPI do judiciário], do vice-presidente de Brasília, em caso que você conhece muito bem que é diretor de Brasília [juiz Aluísio Rodrigues], nós é que fomos pegar o juiz do Amazonas [referência a ao juiz que fez uma cobrança de indenização multimilionária do Banco da Amazônia (Basa), de R$ 81 bilhões, mesmo tendo sido confirmado que a credora, a Sociedade Anônima Brasileira da Indústria Madeireira (Sabim) fora favorecida na ação por peritos], nós é que fomos pegar o TRT da Paraíba [referência às denúncias de irregularidades de recursos públicos, nepotismo, superfaturamento e outras ocorridas no Tribunal Regional de Trabalho da Paraíba (TRT/PB). Uma das acusações foi contra o juiz Marcondes Meira, que teria comprado, em 1995, um imóvel para o TRT/PB por R$ 160 mil quando o valor de mercado seria de R$ 39 mil], nós é que pegamos o Mello Porto no Rio de Janeiro [juiz José Maria de Mello e Porto, acusado de cometer crime contra a ordem tributária, prevaricação, condescendência criminosa e improbidade administrativa], e nós que fizemos no Amazonas também uma grande devassa que está prestes a ser discutida na CPI do judiciário. Então, são milhares de casos, eu até tenho milhares de casos aqui, para se for necessário, apontar aqui ou entregar a vocês. Eu trouxe alguns documentos, inclusive sobre a minha vida para entregar a vocês para examinarem. Porque eu estou cansado de falar a verdade, e aí eu digo como o [Carlos] Lacerda [1914-1977, jornalista e político. Filiado à UDN (União Democrática Nacional), fundou em 1949 o jornal Tribuna da Imprensa, principal veículo de oposição ao governo do presidente Getúlio Vargas (1951/54). Em 1954, sofreu um atentado na rua Toneleiro, passando então a culpar o governo. As campanhas promovidas por Lacerda afetaram o governo de tal forma que Getulio Vargas se suicidou em agosto de 1954], só porque eu enxergo antes, dizem que eu vejo demais, não, eu vejo demais porque eu vou ver as verdades e tenho coragem de pronunciá-las, muitos não têm, que culpa que eu tenho? 

Ricardo Noblat: O senhor está convicto e, naturalmente, o senhor está bem documentado a respeito, por exemplo, do envolvimento do doutor Michel Temer nessa questão do porto de Santos, e que pelo menos o coloca nessa posição incômoda. O senhor acha que tinha obrigação de ir ao presidente da República, com quem o senhor se relaciona tão bem, dizendo: “Olha, nós temos que ter cuidado com presidente da Câmara, um cidadão que está metido aí numa situação no mínimo suspeita”. 

Antônio Carlos Magalhães: Está intimidade que você quer saber minha com o presidente da República não existe, mas sobre esse assunto já tratamos, inclusive, com o governador Mário Covas [1930-2001, político do PSDB. Foi governador do estado de São Paulo e candidato à presidência em 1989].

Paulo Markun: Senador, eu só queria colocar na roda uma pergunta do nosso colega Lucas Mendes, que não está aqui presente e eu tenho que representá-lo aqui, é exatamente sobre o deputado Michel Temer. Ele pergunta “senador, a sua divergência com o presidente da Câmara projeta aqui fora a imagem de um [poder] executivo sem direção, incapaz de controlar suas lideranças. O senhor não acha que a sua influência deveria fortalecer em vez de enfraquecer o pulso do presidente?”.

Antônio Carlos Magalhães: Não, eu não estou enfraquecendo o pulso do presidente, apenas ele disse coisas em relação a mim...

José Nêumanne: Não, ele não se referiu ao presidente da República, senador. Ele disse que, ao brigar com Michel Temer, mostrando ao exterior, mostraria que o presidente Fernando Henrique não tem pulso nenhum em relação... 

Antônio Carlos Magalhães: Mas o presidente Fernando Henrique, ele não tem pulso para mandar nem no Senado, nem na Câmara, os presidentes são autônomos da Câmara e do Senado. E o presidente Fernando Henrique Cardoso é a maior autoridade no país, mas não pode ter interferência dos poderes, ele pode conversar e nos apontar. Agora, o nosso propósito é de fortalecê-lo. Cada coisa que seja apurada, e que seja verdadeiro, o governo tomando providências a presidência dele fica mais forte... [interrompido]

[todos fala ao mesmo tempo]

Antônio Carlos Magalhães: Calma! Veja, eu que estou pedindo calma.

Roberto D’Ávilla: Senador, vamos mudar um pouquinho de assunto. Eu tive uma idéia aqui, eu estava pensando, eu sei que o senhor gosta muito de Napoleão Bonaparte, e o Napoleão tinha um ministro das Relações Exteriores, e ele tem uma frase que eu gosto muito, que ele diz que o poder despreza aqueles que não sabem ocupá-lo. O senhor há 30 anos vem ocupando o poder no Brasil, então ninguém mais que o senhor conhece bem essa frase.  Eu queria saber, esse seu estilo que muita gente chama de Toninho Malvadeza, Toninho Ternura, esse jeito mais truculento, é uma forma de...

Antônio Carlos Magalhães: Eu reprimo truculento!  Não tem nada de truculento... 

Roberto D’Ávilla: Duro, mais duro...

Antônio Carlos Magalhães: Brizola [Leonel Brizola PDT, 1921-2004. Lançado na vida pública e política por Getúlio Vargas, Brizola atuou em vários momento-chaves na política brasileira. Foi ele quem comandou a resistência civil às pretensões dos militares e segmentos da classe política de impedir a posse do vice-presidente constitucionalmente eleito João Goulart em 1962, ocasião em que deflagrou a chamada "Campanha da Legalidade". Foi ainda governandor do Rio de Janeiro em 1982. Fundou o PDT (Partido Democrático Trabalhista)] é muito mais truculento do que eu. 

Roberto D’Ávilla: Senador, então o estilo duro seu, provocativo, como o senhor está fazendo comigo agora, é uma forma de ocupar o poder? Segunda pergunta: o senhor acha que o presidente Fernando Henrique ocupa bem o poder ou ele tem um estilo mais parlamentarista para o seu gosto? 

Antônio Carlos Magalhães: Olha, acho o presidente Fernando Henrique um dos homens mais preparados que já chegaram ao poder no Brasil. É um homem que tem todas as qualidades para presidente da República, agora, o estilo dele não é o meu. Eu não canso de dizer isso. Ele acha, certamente, que o dele é que é o melhor, e diz que se elegeu duas vezes presidente com aquele estilo. Eu também posso dizer que com esse estilo o Getúlio [Vargas] se elegeu duas vezes e acabou dando um tiro no coração. De modo que esse estilo sempre tem que ser adaptado, não pode ser sempre o mesmo. Fernando Henrique é um homem preparado, tem sido injustiçado muito pela mídia e está numa fase de baixa popularidade. Agora, é óbvio que ele tem condições, porque a reação econômica no Brasil tem sido surpreendente, a ponto de levar os economistas a errar em todas as previsões em relação ao que ia acontecer no Brasil. Os empresários falam de barriga cheia. Eles deviam olhar mais as classes mais sofridas. E eu até aproveito a oportunidade para dizer, por ser intermédio aos empresários e ao governo, que não façam empréstimo nenhum a qualquer estabelecimento comercial. Isso devia ser uma regra geral para todos os estados e para a União brasileira. A fim de que nós não tivéssemos, como temos agora, tanto desemprego. Na hora que nós tivermos isso... Como eu fiz emenda para o Congresso nesse sentido e que nunca foi votada, mas uma emenda para quem receber Proer [Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional. Objetiva recuperar instituições financeiras que estejam com problemas de caixa] ou coisa semelhante, não poderia se beneficiar do Proer ou BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] por cinco anos. Então, não é possível que o BNDES empreste aos empresários, inclusive do Sudeste, tanto dinheiro e não tenha a contrapartida de exigir mais empregos. O que se faz é mais demissões. Isso, evidentemente, socialmente é muito injusto e nós deveríamos cortar, mas posso dizer que o presidente Fernando Henrique nos representa muito bem no exterior. Agora, o estilo dele não é o meu, se eu fosse presidente eu não agiria como ele. Teria realmente agido com mais presteza em alguns casos, ele espera sempre que o dia de amanhã melhore e nem sempre isso acontece.

Roberto D’Ávilla: O senhor não gostou da palavra truculento que eu usei, o senhor achou duro essa palavra?

Antônio Carlos Magalhães: Por que não meigo?

Roberto D’Ávilla: Tirando a ironia [sorrindo] 

Antônio Carlos Magalhães: Pelo contrário, sou homem educado e agradável aos amigos que eu prezo. 

Roberto D’Ávilla: O Noblat usou a palavra “pavio curto”. E essas provocações? Quando o senhor briga é por pavio curto, ou é uma estratégia sempre pensada?

Antônio Carlos Magalhães: Eu brigo pelas causas que eu julgo justas, eu já disse isso. O problema não é se eu brigo ou não, repito, o problema é saber se eu brigo pela causa que interessa ao país. Geralmente a mídia distorce, mas seja como for, eu tenho que agradecer a mídia, que falando bem ou mal, me bota sempre em locais de destaque nos jornais. 

Vera Souto: Senador, a gente tem várias perguntas que chegaram pelos telespectadores. Um deles, o Gil Vicente de Toledo pergunta o seguinte: 1. Essas discussões públicas com os membros do executivo e do legislativo prejudicam o governo? 2. O senhor é contra a saída da aliança [refere-se a aliança política entre PFL, PSDB para a apoiar a candidatura de Fernando Henrique Cardoso nas eleições presidenciais de 1998]? 3. Por que o senhor demorou 13 anos para aceitar o convite do Roda Viva

Antônio Carlos Magalhães: Primeiro é se as brigas prejudicam o governo. Podem até prejudicar, mas ao final vão beneficiar. Esse que é o problema de um país que precisa consertar. E o país precisa consertar e precisa ter pessoas que tenham a coragem de pelo menos dizer aquilo que o povo pensa. E eu tenho sido este intérprete. E por isso mesmo sou muito criticado por alguns que não têm autoridade para me criticar, políticos que julgam que podem ter mais mídia se me atacarem. Então, eu acho que o governo não tomando providências, realmente fica enfraquecido. E, evidentemente, se eu estiver errado, paciência, o que eu não posso é calar-me diante das coisas erradas e graves que eu vejo.

Paulo Markun: E a saída da aliança?

Antônio Carlos Magalhães: Eu sou favorável à manutenção da aliança, mas sou favorável, acima da aliança, que o presidente tenha a liberdade de escolher, nos partidos ou fora deles, as pessoas mais competentes para governar. A aliança deve se fortalecer assim. Nós devemos sempre dar ampla liberdade ao presidente, que tem esse direito e essa liberdade. Mas eu acho que a aliança que hoje sustenta o governo deve ser mantida. Ele tem como fazer modificações aqui, ali, no ministério, onde ele acha que não está rendendo bem. Agora, em princípio, eu acho que a aliança deve ser mantida. Agora, ele deve estar acima das alianças, ele tem que ver as diretrizes do Brasil, e aí também fora da aliança política tem aliança afetiva, há pessoas no ministério que estão lá mais por confiança e afeto do presidente que talvez não devessem estar.

Vera Souto: E por que 13 anos para aceitar o convite do Roda Viva

Antônio Carlos Magalhães: Olha, eu sempre quis aceitar este convite, mas as ocasiões não me permitiam, e até mesmo, eu confesso, que queria evitar este debate sim. Mas hoje, eu julguei que era próprio eu vir no Roda Viva e virei quantas vezes for necessário para vocês e se vocês quiserem. Porque esta é uma tribuna muito livre para que todos possam dar seu pensamento. E nesses 30 anos de Roda Viva, nós vimos ainda pouco figuras históricas do país dizendo aquilo que pensavam muitos até hipocritamente, mas, seja como for, deram a sua opinião. Então, isso é uma tribuna livre para o Brasil inteiro e eu estou me filando a essa tribuna.

Vera Souto: É candidato?

[risos]

Paulo Markun: Esta tribuna livre vai fazer um rápido intervalo, o Roda Viva volta daqui instantes. 

[intervalo]

Paulo Markun: Bem, estamos de volta com o Roda Viva desta série especial dos 30 anos da TV Cultura, hoje entrevistando o presidente do Congresso Nacional, Antônio Carlos Magalhães. Senador, neste começo de programa aí nós vimos aquela série de depoimentos e havia uma linha comum, que era, vamos dizer assim, os raciocínios em torno da necessidade de existirem partidos fortes e da necessidade até de se mudar algumas regras do jogo político. O momento político que nós estamos assistindo hoje envolvendo o judiciário, os escândalos que ocorreram. Agora, não se vê até o momento nenhuma mudança evidente ou imediata nas regras do jogo político, e ao que tudo indica, por trás disso existe um certo corporativismo dos parlamentares, quem está sentado lá não quer mudar. O senhor acha que isso vai mudar algum dia? 

Antônio Carlos Magalhães: Deve mudar. Não deixa de ser verdade a sua afirmativa, no que tange aos deputados reagir a isso. A maneira de mudar é você fazer uma legislação agora, e isso é possível fazer. Mas se você fizer uma mudança da regra no ano que a pessoa se elegeu, ele vai achar que vai prejudicá-lo. Então, se queremos colocar o número de partidos reduzidos tem que se fazer numa etapa posterior, se for o caso, se nós queremos a fidelidade partidária. Porque essa sim deve ser feita imediatamente e é fácil, e acredito que todos queiram que seja feita. Vocês vejam, os partidos da esquerda é que são mais resistentes ao problema da fidelidade partidária, porque realmente para eles a fidelidade partidária existe, poucos deixam o partido. Agora, esse troca-troca de legenda que aconteceu mesmo este ano, principalmente na Câmara dos Deputados e em poucos casos no Senado, evidentemente que não é útil à democracia. Então a reforma política tem que andar. Antes da reforma política ou com ela, a reforma tributária. 

Paulo Markun: Falta o que para andar? 

Antônio Carlos Magalhães: Falta agora vontade política. Há uma série de medidas também com relação à Justiça que nós votamos no Senado e que foram para a Câmara dos Deputados e não saíram de lá. Então, eu vou arrolar duas ou três para você ver logo como são importantes. O programa do Código Civil. Nós estamos com o Código Civil de 1916/1917, vamos entrar no século XXI com este Código Civil inteiramente superado. O senador Josaphat Marinho fez um trabalho bom como relator e foi votado o Código Civil no Senado e já está há um ano e meio na Câmara dos Deputados.

José Nêumanne: Mas estava lá desde 1982, depois passou pela mão...

Antônio Carlos Magalhães: Mas o presidente do Senado fez com que fosse votado na Comissão, fez com que fosse votado no plenário, mandou para a Câmara dos Deputados, onde estava há muito mais tempo do que 1982. Estava, talvez, 1971, o mesmo tempo talvez. Mas o fato é que uma coisa que está errada não pode ficar errada. Tem que ser mudada. Foi votada. Como foi votado também o efeito vinculante [obriga juízes e tribunais a pautar suas decisões, de forma padronizada, em estrita observância às Súmulas do Supremo Tribunal Federal]. O corporativismo da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], onde talvez o presidente da Câmara não tenha ajudado, não bota em pauta, não faz efeito vinculante onde se pode melhorar em muito o andamento dos processos no judiciário. É verdade que também deve mudar a legislação e isso nos cabe no código de processo, para que não haja tantas testemunhas em qualquer caso, para que não haja agravos desnecessários, enfim, que não fique as chicanas judiciárias, como se chama. Mas esse efeito vinculante, nove dos onze ministros do Supremo são favoráveis.  Por que não se vota?  Porque a OAB não quer e os advogados da Câmara, ligados à OAB, não querem.

José Nêumanne: Por causa do poder dos juízes e os negócios dos advogados? 

Antônio Carlos Magalhães: A afirmativa é sua e eu não vou negar. Mas, aceito a sua afirmativa. E tem mais, a imunidade parlamentar, por que não sai? O parlamentar é um homem qualquer, porque não pode ter imunidade fora do parlamento?

[interrompido]

Ricardo Noblat: O senhor já propôs?

[interrompido]

Antônio Carlos Magalhães: Já tiramos do Senado e já enviamos para a Câmara, já fiz uma carta ao presidente Michel Temer pedindo para votar, o efeito vinculante, o código civil, tem uma série de providencias dessas que nós devemos votar, porque amanhã não sei... 

Maria Inês Nassif: Então, os seus problemas com o Michel Temer não são recentes? 

Antônio Carlos Magalhães: Não, eu diria que o presidente Michel Temer foi eleito a primeira vez num grande esforço de todos nós, principalmente pelo deputado Luiz Eduardo [Luiz Eduardo Magalhães, 1955-1998, deputado federal. Filho de Antonio Carlos Magalhães]. Ele foi eleito por 257 votos, menos um ele não seria eleito. Mas, evidentemente, houve aquela coisa de, que é natural eu até respeito os que falaram isso, e ao mesmo tempo eu respeito os sentimentos do Michel Temer, muita gente dizia: “no tempo de Luiz Eduardo isso não acontecia”. “Quando Luiz Eduardo era vivo...” E isso criou uma certa indisposição com o Michel e ele depois desapareceu ao longo do tempo. Então, eu dizia que tinha amor pelo Michel e nunca tive. [risos] Agora, convivia com ele muito bem, até quando ele deu uma nota pública, uma nota feita por ele, de que eu era um curioso que não devia me meter.

Fernando Rodrigues: Mas ele apenas respondeu a uma entrevista do senhor, senador. 

Antônio Carlos Magalhães: A minha entrevista não tinha nada de pessoal com ele, mas a nota dele sim. Eu aí respondi as coisas que vocês já conhecem. Estão doidos que eu repita agora [risos] mas eu não desejo repetir para não aprofundar esse problema. 

Fernando Rodrigues: O senhor que está doido para repetir, senador.

Maria Inês Nasif: Voltando ainda a história da crise, é acho o seguinte, uma coisa que eu não consigo entender, esse começo de governo Fernando Henrique foi um começo de crises, uma crise política brava, né?

Antônio Carlos Magalhães: Mais pela crise econômica, até porque os aliados vêem a situação mais difícil e ficam menos aliados. Infelizmente é isso.

Maria Inês Nasif: O senhor acha que o PFL está se afastando? O senhor é menos aliado hoje?

Antônio Carlos Magalhães: Eu tenho sido um aliado fiel do Fernando Henrique, tenho consciência tranqüila de dizer à ele aquilo que penso, com o respeito que o presidente da República me merece e dando a ele toda a oportunidade de ser correto com ele. E, não brigarei com ele, salvo se ele brigar comigo.

Maria Inês Nassif: Mas esses conflitos não atrapalham o presidente Fernando Henrique voltar à normalidade do governo? 

Antônio Carlos Magalhães: Eu acho que não temos nada contra o Supremo, pelo contrário, são homens que não praticam nepotismo, são homens corretos, honrados. Têm umas pequenas falhas, filho de ministro é advogado, mas isso é da condição humana. Mas é um tribunal sério, e com o antecessor, o doutor Celso de Mello [Chefe do Supremo Tribunal Federal entre 1997 e 1999. Foi o mais jovem presidente da Suprema Corte brasileira] os poderes viviam muito bem. Agora, a ânsia de publicidade do atual presidente [refere-se ao ministro Carlos Velloso], eu vi que isso ia dar errado, porque ele, aí vai uma confissão, que é importante que se faça aqui, num jantar da casa do ministro Nelson Jobim [Ministro do Supremo Tribunal Federal, nomeado pelo presidente Fernando Henrique], que eu compareci e o deputado Nilo Teixeira [Nilo Teixeira campos, PSDB-RJ] também. Eu e o Nilo tivemos que reagir muito forte a ele, dele querer impedir a CPI do judiciário. Ele fez coisas muito desagradáveis para um jantar. E no gabinete, eu, ele e o Nilo, o Nilo foi muito correto e competente e disse coisas muito importantes em defesa do Congresso e das CPIs. 

Ricardo Noblat: O senhor acha que ele faz isso para aparecer, senador?

Antônio Carlos Magalhães: Eu acho que sim, ele gosta de aparecer, e juiz fala mais nos autos e é muito comum acontecer dos juizes falarem mais do que os parlamentares.

Fernando Rodrigues: E os procuradores também.

Ricardo Noblat: essa série de liminares, me permita só para continuar nessa linha, concedidas pelo Supremo, eles não esvaziam os poderes da CPI ou pelo menos os trabalhos da CPI? O senhor vê como contornar isso? 

Antônio Carlos Magalhães: Pois é, você próprio reconhece aquilo que nós dizemos, esvazia as CPIs. Eu diria que elas acabam praticamente, na medida em que não...

Fernando Rodrigues: As CPIs nunca se excedem...?

Antônio Carlos Magalhães: Deixa eu responder e depois passo para você. A hora que quebrar o sigilo telefônico e o sigilo bancário a CPI não vai apurar coisa nenhuma, não apuraria, não apuraria o Nicolau, hoje nós temos o Nicolau, não precisamos nem chamá-lo outra vez, ele já está julgado e ainda nós vamos oferecer para o Ministério Público e o juiz julgá-lo. Se nós quisermos julgá-lo, isso nós não podemos. Mas quebrar o sigilo bancário. O problema da indisponibilidade de bens, essa eu compreendo muito bem, eu compreendi um juiz, não sei qual deles agora, que mandou que o salário do Nicolau fosse pago...

Ricardo Noblat: Desbloqueado.

Antônio Carlos Magalhães: Desbloqueado. Isso está certo, mas a indisponibilidade de bens, isso tem que ficar patente que, a partir daquele momento, ele não pode se desfazer dos bens, senão ele vende tudo e quando terminar o julgamento, ele já está com o dinheiro e já não está mais nem no Brasil.

Ricardo Noblat: O senhor vê como superar esse impasse?

Antônio Carlos Magalhães: Eu acho que o governo vai caminhar dentro da lógica de ficar com a indisponibilidade e exigir, e tem direito de fazê-lo, que o sigilo bancário e telefônico quebrado pelas CPIs seja verdadeiramente também em sigilo, fique na presidência do Senado, que se mostre apenas às pessoas e não se dê para tirar cópia para chegar mais perto do jornalista que ele gosta. Isso realmente na Assembléia da República portuguesa é assim que existe. O presidente da Assembléia, o deputado Almeida Santos fica com todo o material quebrado do sigilo e ele é o responsável. Aqui nós temos, para ficar feliz com um repórter ou outro - o Fernando sabe disso - então a pessoa chega, e entrega ali. 

Fernando Rodrigues: Mas então, o senhor reconhece que isso é um excesso que a CPI comete, ao vazar estes documentos que teriam que ficar completamente em sigilo? 

Antônio Carlos Magalhães: Eu acho que é um excesso, como também quero discordar de um artigo seu, não leve a mal, em que você acha que o grampo deve ser proibido, mas depois que ele chega à mão do jornalista, pode ser publicado. Aí eu acho um contra-senso.

Fernando Rodrigues: Eu não escrevi isso, senador. Nada disso!

Antônio Carlos Magalhães: Eu, como leitor assíduo, eu vi que isso não estava certo. Eu acho também que se o grampo é proibido, a publicação deveria ser proibida também.

Fernando Rodrigues: Desde que o grampo não esteja já conhecido por 200 pessoas, digamos, e o governo esteja já sendo chantageado com ele, ou não?

[interrompido]

Antônio Carlos Magalhães: Nessa base nós não vamos chegar nunca a coisa alguma. Porque fica a liberdade para uns e a proibição para outros. Nós devemos ter uma proibição para todos. Aí, isso até vai lhe prejudicar, mas de qualquer maneira...

Wagner Carelli: Eu queria sair dos assuntos contingentes e voltar a alguma coisa mais imanente, porque afinal o senhor levou 13 anos para chegar aqui ao Roda Viva e a gente está se ocupando muito do inimigo do dia, que talvez não seja o caso. O que eu noto é a ansiedade das pessoas em perguntar menos a um poderoso do que ao poder de fato. Eu vejo a ansiedade das pessoas em perguntar, porque aparentemente o senhor tem as respostas, o senhor sabe o que é o poder, o senhor gosta do poder, o senhor sabe como exercê-lo. O senhor falou aqui agora que o seu estilo é muito diferente do presidente Fernando Henrique. E faz um tempo, o senhor, a revista República publicou um rol de máximas suas, a máxima do príncipe ACM, com referência a Maquiavel, que é um documento extraordinário, ele é mais folclore político do que de fato um rol de máximas muito originais do poder visto daqui, dessas latitudes. A primeira máxima é: “não confie em alguém cuja mulher não goste de você”. E a segunda é: “o poder é a maneira de transformar uma idéia em realidade, mas é só para aquele que tem apetite, quem não tem, pode usufruir das mais diferentes oportunidades de mando que não vai conseguir mandar”. Então sobre a primeira. “Não confie em ninguém cuja mulher não goste de você”. O presidente Fernando Henrique é uma pessoa confiável?

Antônio Carlos Magalhães: E está querendo dizer que a Ruth não gosta de mim? Eu acho que ela gosta. [risos]

Wagner Carelli: Não, não...

Antônio Carlos Magalhães: Eu tenho muito respeito pela figura da dona Ruth. Eu acho que é uma figura excepcional na vida pública brasileira.

Wagner Carelli: Se o senhor diz que o poder é uma maneira de transformar a idéia em realidade, mas é só para quem ter apetite, o senhor não acha o que presidente anda meio sem apetite? Eu gostaria que o senhor falasse das diferenças de como o senhor vê no poder e de como o senhor o exerce, e de como o senhor vê o presidente Fernando Henrique?

Antônio Carlos Magalhães: Eu exerço o poder totalmente diferente do presidente Fernando Henrique, se o poder é presidencialista, eu acho que ele deve comandar o processo ouvindo as pessoas que ele confia e tomando as decisões que ele deseja. Eu acho que ele ouve pessoas demais e nem sempre as mais indicadas. E essa “balela” que dizem que eu tenho um poder enorme no governo Fernando Henrique é das maiores mentiras que são ditas na política brasileira. Isso é repetido todo dia, isso vem nas charges, nas notícias, e na realidade eu também confesso com um certo orgulho que ele não gostaria que eu mandasse e nem eu quero mandar, até porque se eu mandasse, eu acharia diferente. Agora eu acho que quem não tiver muita vontade de governar, não tem o poder.

Wagner Carelli: O senhor acha que falta vontade?

Antônio Carlos Magalhães: Não acho que falta vontade, mas ele deve mudar o estilo, e a prova disso é que tem mudado nestes dias, segundo a imprensa. Eu não tenho conversado com o presidente nos últimos dias, agora, essa coisa precisa ficar bem clara, é que eu não tenho influência nenhuma no governo, as pessoas da área econômica, eu não tenho ligação nenhuma, não tenho uma pessoa minha na área econômica.

Wagner Carelli: O Ministro Pedro Malan não era?

Antônio Carlos Magalhães: Pedro Malan [Engenheiro e economista. Foi o Ministro da Fazenda durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Trabalhou no governo Fernando Collor de Mello negociando a dívida externa brasileira. Foi um dos pensadores do Plano Real] não é parente, é um amigo meu feito recentemente pelo trabalho que eu realizei em favor das medidas econômicas do governo. Ele virou meu admirador, e eu conhecendo o como conheço, achando que ele é uma das melhores figuras da política econômica brasileira... Mas seja como for eu não tenho nenhuma interferência. Eu acho até que tenho amigos muito bons.

Roberto D’Ávilla: Até gostaria de interferir mais?

Antônio Carlos Magalhães: Se me dessem o direito... [risos]

Roberto D’Ávilla: Sobre a colocação do Wagner Carelli, o Darcy Ribeiro [1922-1997, antropólogo e educador. Foi um dos fundadores da Universidade de Brasília (UnB). também foi ministro chefe da Casa Civil no governo João Goulart. Um dos seus trabalhos mais importantes é O povo brasileiro, publicado em 1995] dizia que em política é preciso morder para segurar as coisas, eu acho até mais, política precisa bater, ser ofensivo, como se vê na vida pública brasileira. Agora eu conheci bem na Constituinte o Luiz Eduardo, convivi muito com ele, e o Luiz Eduardo tinha um estilo muito diferente do seu, ele era um homem muito afável.

Antônio Carlos Magalhães: E eu não sou?

Roberto D’Ávilla: Eu diria que na intimidade. Tanto é que tem o “Toninho Ternura”. Mas eu citei o Luiz Eduardo, porque tenho amigos meus e seus que são comuns. Me disseram que o senhor tem incorporado muito as idéias do Luiz Eduardo.

Antônio Carlos Magalhães: É verdade.

Roberto D’Ávilla: Eu quero saber se o senhor pretende incorporar o estilo dele também?

Antônio Carlos Magalhães: Na medida em que posso sim, agora, eu tenho 71 anos, e ele tinha 43, fica muito difícil, mas nós convivemos tanto e com tanta intimidade, não era intimidade de pai e filho, era fraterna, era de amor e tudo isso. Nós nos entendíamos perfeitamente bem, agora eu sempre digo aqui e repito, o Luiz Eduardo tinha todas as minhas qualidades e não os meus defeitos.

Roberto D’Ávilla: Alguns dos defeitos, senador?

Antônio Carlos Magalhães: Alguns que vocês dizem, é verdade, mas outros, não.

Roberto D’Ávilla: Tem uns que são mais fortes que o senhor poderia...? 

Antônio Carlos Magalhães: Vocês podem dizer que eu tenho um temperamento forte, truculento, mas na realidade, a força do meu temperamento, eu acho que tem ajudado. Você veja o caso baiano, você veja a Bahia como está, se na Bahia uma equipe funciona, tem a substituição normal. Não interfiro nos governos locais, e tudo funciona bem, porque é uma equipe que trabalha pela Bahia, nós temos a melhor equipe de auxiliares do Brasil na Bahia. Então isso facilita. Quando nós indicamos ministros para o governo, eles se salientam.

Ricardo Noblat: O Sérgio Motta [1940-1998. Foi um dos fundadores do PSDB. Foi ministro das Telecomunicações no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1994 -1998). Articulou o processo de privatização das empresas de telefonia fixa] tem feito muita falta ao Fernando Henrique?

Antônio Carlos Magalhães: Há dúvida disso? Os dois. Eram estilos diferentes, mas se davam muito bem, até porque, quando o Sérgio tinha qualquer problema com ele, logo depois o Sérgio tinha a habilidade e a coragem de desculpar-se, que era um fato muito positivo nas pessoas que têm o temperamento do Sérgio. 

Ricardo Noblat: Retomando a questão do Carelli, que é uma coisa menos pontual, mais profunda, mais permanente, foi dito aqui no começo de programa quando se traçou a biografia do senhor, que o senhor está na vida pública há 30 ou 40 anos, ou no poder ou próximo do poder etc. E tem-se conservado, ao longo desse tempo todo, uma pessoa importante na vida política e econômica desse país. O senhor passou por três regimes: o de antes de 1964; o durante, o regime militar; e ajudou ainda a construir a República nova, quando aderiu ao Tancredo [Neves] naquela campanha [refere-se à campanha das eleições indiretas de 1985, cujos candidatos eram Tancredo Neves da coligação PMDB-PFL com José Sarney como vice, e Paulo Maluf pelo PDS]. É possível ser politicamente coerente estando sempre no poder ao longo de tanto tempo? 

Antônio Carlos Magalhães: Claro, eu fui oposição à João Goulart [1918-1976, político. Foi presidente do Brasil entre 1961 e 1964. Nas eleições de 1961 foi eleito vice presidente e Jânio Quadros presidente. Porém, como este último renunciou em 1962, João Goulart acabou assumindo o governo], eu fui, ao contrário do que disse o doutor Ciro Gomes [Político. Ex-governador do Ceará. Foi ministro da Integração no governo Lula], oposição ao [Fernado] Collor, e posteriormente participamos do governo dele, inclusive, todas as pessoas, incluindo o PSDB, queriam ir para o governo.

Ricardo Noblat: Fernando Henrique queria, é isso que o senhor quer dizer?

Antônio Carlos Magalhães: Fernando Henrique. O Mário Covas realmente tomou uma posição contrária e impediu, chegou até ganhar a corrente que queria ir para o governo, nove a oito, mas todos eles quiseram ir. O doutor Ulysses [Guimarães] me chamou no apartamento dele e disse: “não podemos fazer o impeachment do Collor, mas nós temos que tomar boletim de quinze em quinze dias, como se fosse um estudante dele para nós vigiarmos, mas não podemos cair no erro do impeachment”. 

Ricardo Noblat: O doutor Ulysses, então, não queria?

Antônio Carlos Magalhães: Não queria e me chamou e disse isso.

Ricardo Noblat: Me permita só acrescentar, no jantar No Piantella, ele me disse:“é uma loucura fazer uma CPI para derrubar o presidente”.

Antônio Carlos Magalhães: Ele também me disse, me chamou e disse: “nós temos é que fazer boletim de estudante e de quinze em quinze dias verificar como se ele fosse um estudante”.

Roberto D’Ávilla: Mas, o senhor ficou com o Collor até o final?

Antônio Carlos Magalhães: Fiquei com Collor até o final, achei que era coerente ficar, porque [Leonel] Brizola ficou até um mês antes.

Ricardo Noblat: Por que o senhor cita sempre o Brizola?

Antônio Carlos Magalhães: Porque nós somos amigos daquele tempo. Mas na verdade, ele ficou ou não ficou? Nós fizemos história. Agora, nós fomos coerentes. Agora estes nos acusam.

Ricardo Noblat: Mas por que o senhor ficou com o Collor?

Antônio Carlos Magalhães: Porque eu consegui mudar o ministério dele, mudei o ministério dele.

Ricardo Noblat: O senhor acreditava que mudando, de fato, o Collor ia se corrigir?

Antônio Carlos Magalhães: Todos nós sabíamos os defeitos de Collor não eram novos. Mas apoiamos na ocasião.

Ricardo Noblat: Para evitar o Lula.

Antônio Carlos Magalhães: Para evitar o Lula também. Agora, nós fomos coerentes. Vocês todos diziam que eu sempre mudava na última hora, que com o Tancredo eu fui na última hora e eu estava com o Tancredo há muito tempo, inclusive em 4 de setembro eu resolvi um problema muito grave de Tancredo.

Ricardo Noblat: Qual é essa história, senador?

Antônio Carlos Magalhães: Sabem que o Figueiredo foi à Bahia, fez aquele discurso e que eu o derrubei, e ali mesmo saiu a queda do regime militar, porque não teve sequer ordem do dia no dia 5 de setembro...[interrompido]

Ricardo Noblat: Mas, se o senhor já conhecia os defeitos do Collor antes dele virar presidente, o senhor não acha que de alguma forma contribuiu para que a gente tivesse um presidente do jeito que teve? 

Antônio Carlos Magalhães: Não, depois de tudo isso os tucanos estiveram lá e vocês não falaram nada e vocês estão me falando agora? Eles quiseram aderir sim!

Ricardo Noblat: Mas se falou disso.

Antônio Carlos Magalhães: Então, se houve pecado, foi um pecado generalizado. O meu partido ficou com o Collor.

[ ]: Então, é menos pecado...

[interrompido]

Ricardo Noblat: Mas este pecado só para evitar o Lula?

Antônio Carlos Magalhães: Eu acho que nós fomos coerentes. Nós sabíamos que o Collor ia sofrer impeachment. Impeachment que não seguiu as regras jurídicas corretas nem na Câmara nem no Senado. 

Ricardo Noblat: Isso foi um golpe branco [velado] do Congresso? 

Antônio Carlos Magalhães: E que o STF ficou como a Justiça ceguinha, não disse nada. Foi até presidir...

[interrompido]

Ricardo Noblat: O senhor acha que o [Fernando] Collor não deveria ser impedido?

Antônio Carlos Magalhães: Não, eu até achava que tinha que ser impedido e até, no dia em que foi impedido, foi um dia até, digamos de alívio [suspira], porque se ele não fosse impedido, o povo iria impedir. Naquela fase ele seria impedido de qualquer maneira. Mas, nós não queríamos passar como adesistas ao novo sistema, ou ao Itamar Franco. Houve uma figura eminente da República, que eu não vou dar o nome, que foi à Bahia para fazer o impeachment do Collor e do Itamar. Eu achei que aquilo não era possível. O Itamar era até legalmente assumido, embora não tivesse legitimidade.

Ricardo Noblat: Quem foi?

Antônio Carlos Magalhães: Eu não vou dizer. 

Ricardo Noblat: Essa lealdade ao Collor...?

Antônio Carlos Magalhães: Eu não tinha nenhuma lealdade ao Collor.

Wagner Carelli: Mas o fato do senhor ter estado com ele até o fim? 

Antônio Carlos Magalhães: Hoje nós temos que tratar alguns assuntos e determinar o que eu trouxe para vocês. [fala sorrindo]

[todos falam ao mesmo tempo]

Wagner Carelli: O que senhor acha desta máxima: “não esqueça jamais do amigo que deixou o poder. Até porque o fraco de hoje pode ser o forte de amanhã. Ninguém é tão forte que não possa perder e nem é tão fraco que não possa vencer”.

Antônio Carlos Magalhães: Concordo inteiramente, por isso trato muito bem aqueles que perdem. Eu acho que é um dever tratar bem aquele que perde. O perdedor de hoje, pode ser o vencedor de amanhã. Eu acho que isso é uma coisa normal. 

Roberto D’Ávilla: Senador, mas é uma questão de estratégia ou de humanidade? 

Antônio Carlos Magalhães: É generosidade que resulta ao final em cálculo.

Roberto D’Ávilla: Essa foi boa.

[risos]

Paulo Markun: A Vera tem pergunta dos telespectadores.

Vera Souto: Voltando um pouquinho às questões pontuais deste programa, Antônio Carlos Viana dos Santos, presidente da Associação Paulista dos Magistrados, questiona a sua intensa crítica ao poder judiciário. A intenção é enfraquecer o judiciário brasileiro e criar sim um poder paralelo? A quem interessa isso?

Antônio Carlos Magalhães: Não, a ninguém. É fortalecer os juízes dignos do Brasil, que são sua maioria, e livrar da companhia desses mal juízes que praticam do nepotismo à corrupção e que não trabalham. Esse é o interesse.

Paulo Markun: Senador Antonio Carlos Magalhães, vamos fazer mais um intervalo e o Roda Viva volta daqui a instantes.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva que, como você pode ver, continua aqui durante o intervalo [...] E para que ninguém não nos acuse de ter simplesmente relegado aí o recorde de pergunta que nós tivemos hoje, eu passo a bola imediatamente com a Vera, que começa com as perguntas dos telespectadores.

Vera Souto: Até agora são 450 perguntas e mensagens aqui para o senhor. Daniela Dourado de Simone, aqui de São Paulo: “Como o senhor pode falar de Carlos Velloso, ministro do Supremo, se o senhor mesmo foi político atuante no regime militar atuando nesta linha?” Rogério Brandão pergunta o seguinte: “O senhor ainda acredita que o projeto dos militares fez bem para o país e como o senhor avalia esse processo histórico?” 

Antônio Carlos Magalhães: Veja bem, é muito complexo, mas vamos lá.  Eu acho que a minha diferença em relação ao Carlos Velloso é que eu nunca fiz críticas ou levei o regime militar à parede, ou coisa que o valha, houve coisas positivas no regime militar. E essas coisas positivas sempre que eu posso, eu exalto. Eu pertenci ao regime militar, não há dúvidas disso. Fui governador nomeado duas vezes, fui prefeito, e evidentemente tive outros cargos. Agora, elegi-me na primeira eleição direta que teve, fui eleito, primeiro turno, depois fui eleito senador mais votado. Mas, o que eu disse é o seguinte; quando o ministro Velloso disse que os pontos maiores dele eram moralidade e direitos humanos, eu disse: “é engraçado, porque direitos humanos, ele foi nomeado no regime militar, e moralidade, ele foi nomeado por [Fernando] Collor”. De modo que por aí vocês vêem que é uma coisa muito relativa, vocês todos que aí condenaram ainda há pouco o Collor, e eu também acho que condeno muitas coisas dele, e acho até que não houve grandes injustiças com ele.

Ricardo Noblat: Tem uma entrevista em que o senhor admite que naquela época houve tortura no país, não como uma política indiscriminada, mas talvez como uma coisa pontual...

Antônio Carlos Magalhães: Uma coisa pontual...

Ricardo Noblat: Naquela época o senhor admitiu isso publicamente.

Antônio Carlos Magalhães: Saiba você que quem tratou melhor os cassados naquela época foi o Antonio Carlos Magalhães. Briguei muito com os militares. Pergunte a Rubens Paiva [1929-?, engenheiro civil e político. Em 1962 foi eleito deputado federal por São Paulo, na legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Com o golpe militar, teve seu mandato cassado no dia 10 de abril de 1964. Desaparecido político, foi oficialmente considerado morto em 1996] ou à sua família quem deu obras públicas para ele construir na Bahia em 1968, inclusive ele construiu três viadutos. Pergunte ao Fernando Santana [1915, político do Partido Comunista Brasileiro (PCB) Deputado nos anos 1960 foi cassado pela ditadura. Participou da Assembléia Constituinte (1986-1988) pelo PCB legalizado], pergunte ao Fernando Santana quando ele foi cassado na Bahia o que aconteceu. Pergunte a qualquer cidadão que me procurou no regime militar. 

Ricardo Noblat: Tem inclusive em Verdade tropical, no livro dele. 

José Gêumanne: Gilberto Gil também.

Antônio Carlos Magalhães: Mande perguntar a todos esses. Pergunte a todos a minha posição. Eu tive a coragem de um general quando colocou o dedo no meu rosto, de arrancar-lhe o quepe com um tapa. De maneira que eu não fui essa figura passiva do regime militar. Era muito mais difícil fazer isso naquela época do que se exilar entre aspas em que qualquer lugar.

Ricardo Noblat: Essa é uma indireta ao presidente? 

Antônio Carlos Magalhães: Não, não estou falando disso.

Fernando Rodrigues: Eu conheço o senhor há apenas três anos, e há três anos estou em Brasília, entrevistando o senhor com uma certa regularidade. Eu gostaria de perguntar o seguinte: O senhor evidentemente é uma pessoa que tem muito poder, embora o senhor tenha dito que isso é uma besteira, mas agora...

Antônio Carlos Magalhães: Isso é uma bobagem.

Fernando Rodrigues: Uma bobagem, mas, enfim, uma coisa sem importância, menor. Mas o senhor evidentemente concentra muito poder, e ao longo da sua vida política toda conquistou o respeito de muita gente. As pessoas, eu encontro muita gente que respeita o senhor e alguns chegam a dizer, o senhor pode refutar isso, mas chegam a dizer que temem o senhor. A minha pergunta é a seguinte: nesses anos todos de política, o senhor fez muitos amigos na política, o senhor tem amigos verdadeiros na política hoje e quem são eles?

Antônio Carlos Magalhães: Se eu fosse citar os amigos verdadeiros que eu tenho na política, eu acho que eu ia terminar o programa citando nomes.

Fernando Rodrigues: Cite alguns para a gente. Um que foi seu amigo.

Antônio Carlos Magalhães: Quer ver, no meu partido, [Marco] Maciel [1940, fundador do Partido da Frente Liberal. Já foi presidente do PFL (1987) e vice no governo Fernando Henrique Cardoso], todos os senadores de lá são meus amigos. 

Fernando Rodrigues: São amigos íntimos?

Antônio Carlos Magalhães: São amigos de toda a intimidade que eu dou a todos, agora, a intimidade maior eu não dou a ninguém, porque eu também não tomo com ninguém intimidade maior. Eu sou o único sujeito, eu me acho amigo do Fernando Henrique, que o trata por presidente e senhor. Muitos não tratam, a sua autoridade não merece que seja banalizado com tratamento comum. Eu trato como senhor e como presidente. O respeito que eu lhe devo e que todos deveriam ter da mesma maneira. Tem o Sarney [José Sarney, 1930, Foi presidente do Brasil entre 1985 e 1989. Foi eleito senador pelo Amapá durante três mandatos 1990, 1998 e 2006], tem o Tasso Jereissati.

Fernando Rodrigues: O Ciro Gomes.

Antônio Carlos Magalhães: Hoje, é agora o Ciro Gomes. Vamos lá. Ciro Gomes.

Fernando Rodrigues: Falou bem do senhor hoje na Folha de S. Paulo.

Roberto D’Ávilla: E só elogiando.

Ricardo Noblat: O senhor e ele foram grandes amigos, não sei o que está acontecendo ultimamente [fala sorrindo]

Antônio Carlos Magalhães: [lendo] “Antônio Carlos Magalhães, não concordo com todas as idéias dele. Mas ninguém neste país pode duvidar de que é um autêntico patriota". Está aqui a data do jornal, Jornal do Brasil, 1994, é tanto papel que vocês não vão ler tudo.

Ricardo Noblat: Será que ele não encontraria citações assim suas.

Antônio Carlos Magalhães: Deve encontrar várias. Deve encontrar várias. Eu que sou um grande profissional da política. 

José Nêumanne: Em resumo, o senhor está...

[interrompido]

Antônio Carlos Magalhães: Espera aí, tem uma que ele defende a minha atuação no banco Econômico

Ricardo Noblat:  Tem isso?

Antônio Carlos Magalhães: Tem aqui. 

Ricardo Noblat:  Mas isso com os políticos muda tanto. 

Fernando Rodrigues:  O senhor já falou tão mal do [Paulo] Maluf, e ultimamente se dá bem com ele.

Antônio Carlos Magalhães: Este é outro ponto que nós vamos chegar, também trouxe aqui um material. 

José Nêumanne:  Paulo Maluf agora vai apoiá-lo ?

Antônio Carlos Magalhães: [lendo] "Todos os estados deveriam ter elementos como ACM, defendendo com garra como ACM fez no banco Econômico..."

Fernando Rodrigues:  Essas briguinhas de políticos...

Antônio Carlos Magalhães: Está aqui, ele agora disse que eu sou sócio do banco Econômico ou coisa parecida, aqui tem muitos outros recortes dele, mas já vou jogar no chão, vocês já viram como é que ele diz e admite, e tem 144 citações dele a meu favor.  Eu quero mostrar aqui. 

Paulo Markun:  Eu só queria, senador...

[interrompido]

Antônio Carlos Magalhães: Eu gostaria de entregar aos senhores a minha vida inteira! Pergunte a qualquer ministro da Fazenda. A qualquer presidente do BNDES, a qualquer presidente do Banco do Brasil se Antônio Carlos Magalhães, nesses 30 anos, se Antônio Carlos Magalhães chegou lá algum dia para pedir favor de ordem pessoal para quem quer que seja, ou para ele próprio. Só vou lá tratar assuntos da Bahia, e isso é que me credencia a ser amado pelo povo da Bahia como sou. E que causa inveja. E o Ciro, por exemplo, que veio de atacar agora, não me atacava antes, porque ele está com medo de eu ser presidente da República, bobagem dele, eu não vou ser candidato, vou ser senador pela Bahia. Agora, se as circunstâncias favorecerem...

Paulo Markun:  Senador! 

Antônio Carlos Magalhães: É outra coisa entende?

Fernando Rodrigues:  Mas eu gostaria de explorar mais.

Antônio Carlos Magalhães: Vamos explorar mais. E vai ficar com você, depois. Vai ficar com você que talvez pense o pior de mim, o que será que vai pensar agora?[fala sorrindo]

Vera Souto: O senhor trouxe aqui uma pasta verde e está escrito pasta rosa, banco Econômico. Tem dois telespectadores, Luiz Lacerda, de BH e Fabio Reis do Pará, eles querem saber afinal de contas qual era o conteúdo da pasta rosa, que o senhor trouxe hoje aqui no Roda Viva é a verde.

Antônio Carlos Magalhães: Eu não sei, o que eu quero lhe dizer é que aqui está: “o interventor do banco Econômico, em atenção ao seu pedido para que fizesse levantamento nas contas pedidas, mantidas em nome de vossa excelência, originado de qualquer pagamento ou transferências feitas por essa instituição, ou por qualquer empresa com ela ligada, nem tão pouco a quaisquer pagamentos de terceiros em nome do banco Econômico”, isto era o interventor que estava lá.  Eu, indo à Justiça, e aqui, não vou ler tudo porque é muito grande, o advogado Márcio Thomaz Bastos [advogado criminalista. Foi ministro da Justiça no primeiro mandato do presidente Lula] e o senhor Ângelo Calmon de Sá [banqueiro, ex-presidente do banco Econômico. Depois da quebra do banco, foi condenado a 13 anos e quatro meses de prisão por gestão fraudulenta] declarando tudo isso aqui, que não tem nada, que nunca fui ajudado por ele em época nenhuma, em campanha nenhuma, até porque não tinha essa intimidade e nem daria a ele essa intimidade.  Não tenho relações pessoais com ele.  O processei e ele foi com o advogado, Márcio Tomás Bastos, em juízo, fazer a declaração. 

Ricardo Noblat:  Senador, eu queria aproveitar ainda essa questão do banco Econômico, que é a conta nas ilhas...

Antônio Carlos Magalhães: É essa aqui, está guardada para você. 

Ricardo Noblat:Deixa eu perguntar primeiro e depois o senhor responde. A revista Carta Capital publicou que há um inquérito que corre na Polícia Federal sobre uma série de contas nas Ilhas Cayman, onde o senhor seria um desses donos de uma conta lá fora, e estão investigando esta questão na Polícia Federal. É fato? 

Antônio Carlos Magalhães: Não, é mentira como você está dizendo. O que eu vou lhe disser é o seguinte: todos os acionistas do banco Econômico que quisessem, podiam subscrever ações. Nisso, com toda a autorização do Banco Central, com ordem do Banco Central para criar toda essa documentação completa, tenho lá, vou lhe mandar amanhã. Aqui tem uma carta minha para a delegada da Polícia Federal, “vários noticiários da imprensa diz que a Vossa Senhoria teria declarado a necessidade de quebrar o sigilo fiscal, levantando conta a minha participação como acionista do Economic Bank. Hoje, nada tenho a opor contra qualquer quebra de sigilo bancário e fiscal. Em defesa da minha dignidade e moral, que não promove iniciativa a que me cabe e encaminho os documentos pertinente ao exame”. Foi encaminhada à delegada toda a documentação, ela não aceitou. Eu fui ao ministro da Justiça, exigi que a documentação ficasse lá, está lá, e a cópia vou lhe enviar amanhã. E aqui já diz também que eu era obrigado a ser acionista, aqui está a revista Carta Capital, aqui você vê eu mandando para Renan Calheiros [PMDB] toda a documentação, se tiver alguma coisa errada nesse assunto, que citei anteriormente, renuncio ao meu mandato. Agora, isso serve para vocês explorarem contra mim e dizer coisas até mentirosas. Dizer que eu tinha uma sociedade com o banco Econômico, que eu era acionista desse banco. O doutor Ângelo Sá, malandramente, não deixou que as pessoas tivessem ações ordinárias. Ele teve mais ações do que o próprio banco Econômico, e ficou controlador desse banco. Então, eu que tive um número de ações, que depois de todos estes tempos, com juros, dividendos, deu 80 mil reais, é essa a conta que tenho lá, e devo dizer a você que não tem absolutamente nada. E se tiver me cobre. Você vai levar. Esse aqui é pouco, vou lhe mandar completo os outros dossiês amanhã e você fique encarregado de dizer à imprensa brasileira se eu tenho ou não tenho alguma coisa. 

Ricardo Noblat: Eu posso convocar uma coletiva depois?

Antônio Carlos Magalhães: O juiz com seus colegas, inclusive, lhe dando carta branca para entrar na Justiça Federal, para ver qualquer coisa do meu sigilo bancário.

Ricardo Noblat:  Também?

Antônio Carlos Magalhães: Lhe entrego. Todos podem fazer isso, mas eu faço. E esse assunto eu esperava que fosse tratado.

Fernando Rodrigues:  O senhor não se sente pressionado a responder todas essas coisas o tempo todo? 

Antônio Carlos Magalhães: Mas e daí, eu já estou respondendo agora e quem dirá numa campanha presidencial?  Numa campanha presidencial eu vou desmoralizar quem fizer isso, jornalista, ou não. Agora, como eu não vou ser candidato, em outras oportunidades isso vai surgir, campanha baiana ou qualquer coisa.

Paulo Markun: Eu queria pedir o seguinte, se a gente não dividir um pouco, as pessoas não participam. O Lucas Mendes tem uma questão exatamente sobre a imagem do Brasil no exterior e até um pouco o que o senador Antônio Carlos Magalhães pode fazer em relação a essa imagem. 

Lucas Mendes [TV Cultura/Nova York]: O senhor acha que a sua imagem é mais negativa ou positiva para o Brasil, o senhor assusta ou atrai o investimento estrangeiro? 

Antônio Carlos Magalhães: Eu não assusto, até porque sou favorável aos investimentos estrangeiros. Todo mundo sabe que eu acho que o nosso parceiro deve ser os Estados Unidos. Agora, isso não pode perder a nossa altivez, a nossa soberania, nós não podemos ficar entregue a país algum. Eu não dou confiança, porque todos sabem que quando eu digo sim é sim, e quando eu digo não é não. De modo que eu não assusto. E achar que a minha atuação é boa ou má, quem pode julgar é o povo brasileiro e o povo baiano.

José Nêumanne: Eu queria usar a sua agressividade, já que o senhor falou em agressividade. É possível contar com a sua agressividade para o Congresso combater as verdadeiras causas do déficit que voltou, que acabou essa maquiagem de história de dinheiro e privatização, acabou a fantasia do superávit e está todo mundo preocupado. Eu queria saber do senhor, se pode contar com essa agressividade para combater esse rombo na Previdência e esses privilégios que não conseguem passar lá pelo Congresso.  Eu gostaria de saber se era possível, na ação, contar com a sua agressividade ou um trabalho nesse sentido. 

Antônio Carlos Magalhães: Já está contando, inclusive, na reforma da Previdência nós tivemos coragem de fazer uma reforma forte. Agora, eu tenho dito que nós temos que usar métodos que não sobrecarreguem mais o contribuinte. De maneira que eu tenho dito que não voto mais em aumento de imposto, mesmo que seja para eliminar o déficit. Nós temos que diminuir esse déficit de outra maneira. Agora, isso que ocorreu neste mês com relação ao superávit, quer dizer, que tivemos déficit ao invés de superávit, isso não vai ocorrer nos meses futuros. Segundo os economistas do próprio governo, segundo as autoridades monetárias, evidentemente que se ocorrer não é nada simpático, nem agradável nem para mim, nem para você, nem para o país. De modo que eu tenho lutado e vou lutar ainda hoje em relação aos empréstimos no Senado, não deixei que fosse votado, acho que o seu jornal colocou bem os problemas dos precatórios, acho que o Senado não agiu certo no caso, é um pensamento meu, pessoal, mas a maioria levou para votar os precatórios semana passada, e acho até justo que o governo diga que não tem dinheiro para pagar. Agora, eu quero terminar o déficit, mas eu também não quero sobrecarregar a população brasileira com mais impostos. E não vou mais votar em aumentos de impostos.

Fernando Rodrigues: Sobre contribuição do Congresso. O senhor está falando sobre o que o Congresso pode fazer, e uma das mazelas aí que estão sendo investigadas é o nepotismo do judiciário. O senhor não acha que o Congresso deveria dar o exemplo e ele e o senhor patrocinarem ali uma medida que impedisse o nepotismo no Congresso? Por exemplo, tem uma lista deste ano aqui, senador Flaviano Melo [PMDB-AC] emprega o irmão, o senador Antero Paes de Barros [PSDB-MT] emprega a irmã, deputado Nilson Gibson [PSDB-PE] emprega ele mesmo num outro cargo lá.

Antônio Carlos Magalhães: Mas ele não é mais deputado.

Fernando Rodrigues:  Mas o senhor não acha que este tipo de coisa poderia ser uma coisa mais... Não tramitar de uma forma mais rápida?

Antônio Carlos Magalhães: Eu sou inteiramente favorável a que isso não exista no Congresso. Entretanto, eu não tenho o poder de impedir que o deputado ou o senador nomeie pessoas, parentes diretos.

Fernando Rodrigues:  O senhor não poderia propor uma medida para ser votada?

Antônio Carlos Magalhães: Mas eu acho que nós deveremos levar e propor. Eu acredito até que já tenha sido proposta lá, para que qualquer dos poderes isso seja proibido até o segundo e terceiro grau.

Fernando Rodrigues: O senhor teria poder talvez, de até colocar na ordem do dia...

Antônio Carlos Magalhães: Mas já existe essa proposição e já passou no Senado, acho que ela está na Câmara. Não quero lhe responder com segurança, tenho a impressão até que foi do senador Roberto Freire [PPS-RJ].

Fernando Rodrigues: O senhor é a favor?

Antônio Carlos Magalhães: Sou a favor de que cabe, não tenho ninguém nessas condições. Eu tenho muitos cargos abertos na presidência que eu não utilizo, acho até desnecessários e vou até extingui-los. 

Fernando Rodrigues:  O senhor tem alguns familiares seus ocupando alguns cargos na Bahia... 

Antônio Carlos Magalhães: Nenhum foi nomeado por mim, e apenas fizeram exploração, porque tinham duas filhas de Luiz Eduardo, estavam trabalhando até por uma necessidade não financeira, mas necessidade de trabalho.

Fernando Rodrigues: Não foram indicadas pelo senhor?

Antônio Carlos Magalhães: Não foram indicadas por mim, e se fossem eu emitira uma justificativa, mas nesse caso não foram. Agora também não pode fazer com que o político não possa nomear ninguém em lugar nenhum. O jornalista pode, mas o político não pode. O problema é saber nomear gente decente, competente.

Fernando Rodrigues:  Mas os juízes não podem nomear gente decente e competente também? 

Antônio Carlos Magalhães: Não, a prova é que eles não trabalham. Nós temos aqui mil provas na Justiça do Trabalho de nomeações irregulares, está na mão do doutor Fernando Mesquita aqui mesmo agora e os senhores poderão depois folheá-la.  Nós não queremos nepotismo em nenhum dos poderes. 

Fernando Rodrigues: Mas não acha melhor o Congresso acabar com o nepotismo dentro dele antes, do que tentar acabar com outro poder?

Antônio Carlos Magalhães: É isso que eu estou falando, que queremos acabar e vamos acabar.  Eu sou presidente agora, há dois anos, tenho que mudar uma cultura.  Como também os jornais têm que mudar muitas culturas em relação aos seus repórteres.

Fernando Rodrigues:  Mas os jornais são da iniciativa privada.

Antônio Carlos Magalhães: Iniciativa privada ou não, você vê que no seu jornal tem muito parente. 

Fernando Rodrigues:  Senador, o jornal é da iniciativa privada. 

Maria Inês Nassif: O projeto de candidatura à presidência, de vitória, de obter o poder.  O poder sem intermédios, o senhor acha que vem no momento certo? Hoje, com a crise econômica, com essa instabilidade na base aliada, isso aí não deixa cada vez mais propício a oposição, para a esquerda? Falando do projeto de 2002 do PFL de poder. Este momento é do PFL?

Antônio Carlos Magalhães: Qualquer partido está aspirando ter a presidência em 2002; o PT, o PMDB, o PFL também. É natural da política. Se nós não aspirarmos, os partidos nem existem. Aspiração pelo poder propriamente dito, por uma pessoa do partido é uma coisa mais natural. Agora, nós temos que evidentemente fazer alianças para evitar que coisas piores aconteçam.

Maria Inês Nassif: Que aliados o PFL deseja?

Antônio Carlos Magalhães: Todos que puder. 

Maria Inês Nassif:  O PMDB é um aliado?

Antônio Carlos Magalhães: Todos que puder. Não tem porque condenar agora o PMDB. Se eu condeno o PMDB, o PSDB acha ótimo porque aí se alia. Se o PMDB se alia ao PSDB, o PSDB também acha bom, de maneira que era uma hipocrisia estar selecionando apoio. Todo apoio político é bem-vindo. Contanto que você não faça nada que prejudique os aspectos morais de um programa de governo. Isso que tem que fazer.

Maria Inês Nassif: O senhor e o governador Mário Covas realmente têm acordo para 2002? 

Antônio Carlos Magalhães: Não, tenho acordo apenas. Eu não o tinha apoiado aqui, porque o partido aqui apoiou o candidato Paulo Maluf, e tivemos uma oportunidade para conversar como amigos que éramos há muito tempo, e conversamos política, mas sem nenhuma pretensão de falar em 2002. 

Fernando Rodrigues:  O senhor é amigo do Mario Covas?

Antônio Carlos Magalhães: Fomos muito amigos sim.

Maria Inês Nassif:  O senhor está usando o verbo no passado?

Antônio Carlos Magalhães: Em 1967 até 1968, quando ele foi cassado, eu fiz protestos, porque achei uma grande injustiça, e o nosso partido aqui não o apoiou nas últimas eleições, e eu segui o meu partido e seguirei outra vez, se o partido assim quiser, mas poderemos influenciar para que o partido não tome...

Roberto D'Ávilla: Senador, no início do programa, eu falei que aqui em SP conversei com alguns empresários descontentes, o senhor até fez uma ironia, mas se o senhor ver bem, intelectuais, jornalistas, os formadores de opinião no Brasil hoje têm uma visão muito crítica da política econômica do governo. O senhor é aliado do governo e defende essa política.

Antônio Carlos Magalhães: Defendo.

Roberto D'Ávilla:  Essa política econômica é correta para o Brasil, mesmo com o desemprego? 

Antônio Carlos Magalhães: O que se visa não é acabar com o desemprego? Acabei de lhe dar uma forma para diminuir o desemprego em relação às empresas que recebem financiamentos públicos, ou seja, de bancos estatais. E outras vantagens devem ser dadas a quem mantenha ou crie empregos. O governo, nessa parte, tem que ser modificado. Agora, tem que ser estável, porque do contrário, você vai ter novamente inflação, vai ter novamente a ilusão de um país crescendo quando está afundando, isso é que nós temos que fazer, para ter desenvolvimento tem que ter estabilidade. São coisas que se casam. De maneira que eu acho até boba essa discussão, estabilidade ou desenvolvimento. Para ter desenvolvimento, tem que ter estabilidade.

Roberto D'Ávilla:  O poder é afrodisíaco? 

Antônio Carlos Magalhães: É. 

Vera Souto: Senador, duas perguntas aqui de telespectadores e uma delas vem da Bahia, Martins de Andrade, de Salvador e Orlando da Cunha Filho aqui de São Paulo: por que o senhor é contra a CPI das empreiteiras? 

Antônio Carlos Magalhães: Quem disse que eu sou contra?

Vera Souto:  Eles.

Antônio Carlos Magalhães: Eles estão dizendo por ignorância ou por falta de informação.  A CPI das empreiteiras vem antes de mim no Senado, eu não era senador quando o Pedro Simon [PMDB-RS] apresentou a CPI das empreiteiras. Faça qualquer CPI, inclusive das empreiteiras, que sou favorável.

Vera Souto: Severino Neto, de São Paulo, ele quer saber se o senhor é a favor ou contra a transposição das águas do Rio São Francisco?

Antônio Carlos Magalhães: Em princípio eu sou contra, porque as águas do rio São Francisco não dão para a transposição, e tem ainda muito setor de irrigação e ter que garantir o fornecimento de energia, de modo que a transposição do São Francisco é ainda uma idéia que poderá adiante ser estudada, mas acho que não tem nenhum estudo falando sobre isso. 

Paulo Markun: Mas o senhor não falou em entrevista, creio que seja justamente essa entrevista para a Folha de S. Paulo, que a solução para os problemas do Nordeste é a água? 

Antônio Carlos Magalhães: É claro, este é um defeito, aliás, deste governo e de outros todos anteriores. Se nós resolvêssemos os problemas da água, resolveríamos quase todos os problemas do Nordeste. A desconcentração industrial é outra vantagem que o Nordeste necessita, mas o problema da água, se você tiver um plano decenal para os aproveitamentos dos rios do Nordeste, nós evidentemente vamos acabar com a seca, com a indústria da seca e com todas as malandragens que se faz em nome da seca.

Paulo Markun: Eu entendo que um plano decenal, alguma coisa nessa esfera do planejamento seja importante. Agora, eu não entendo o que isso tem a ver com acabar com a indústria da seca, que é uma indústria que se vale justamente das estruturas de poder do Nordeste.

Antônio Carlos Magalhães: Não são as estruturas do poder. Na Bahia não existe isso de indústria de seca. O que existe é o assistencialismo para as vítimas da seca, que não vai resolver, vai sempre ficar no assistencialismo, sem ir na infra-estrutura básica do Nordeste, que é o problema da água. Nós temos vários aproveitamentos de água... 

Paulo Markun: Mas não resolveria construindo açudes?

Antônio Carlos Magalhães: Mas açude não resolve o problema. 

Paulo Markun: Mas foram construídos e alguns açudes funcionam.

Antônio Carlos Magalhães: Alguns açudes funcionam e outros não funcionam, a água sequer não está em condições de ser bebida. De modo que temos que ir para os problemas diretos do Nordeste, é recursos permanentes para o Nordeste, para a infra-estrutura nordestina e, inclusive, da água principalmente. Ficar dando sexta básica e outros artifícios, 60 reais por mês e tal, isso temporariamente é paliativo e não resolve nada. Neste ponto temos na Bahia uma visão que também é do, não contra a transposição, mas que é também do governador Tasso Jereissati [PSDB-CE], que se nós juntos fizéssemos um trabalho maior exigindo do governo federal um plano decenal que começasse já, ele já poderia ter começado há quatro anos passados. 

José Nêumanne:  Na verdade é que Fernando Henrique não tem planejamento nenhum para o Nordeste e não vai fazer nada pela região. Ele vai continuar entregando cesta básica.  

Antônio Carlos Magalhães:  Agora mesmo ele deu uma demonstração que não. Ele disse aos dirigentes da Ford que ficaria muito feliz se ela fosse colocada no Nordeste. O estado do Nordeste que tivesse condições de receber a Ford, ele ficaria feliz, mais do que se fosse em qualquer outra região, porque ele quer a desconcentração industrial. Agora, ele não pode fazer tudo sozinho, ele tem que ter a colaboração dos estados e nem todos estão fazendo isso e não fizeram. A Bahia fez. 

Fernando Rodrigues:  O senhor defende a implantação da Ford, da indústria automotiva no Nordeste?

Antônio Carlos Magalhães: Defendo.

Vera Souto:  A Ângela aqui de SP, pergunta o seguinte: "o senhor venceu a morte e a tristeza de perder um filho". Ela quer saber de onde o senhor tira tanta força e disposição para seguir em frente. 

Antônio Carlos Magalhães: O estímulo quem me dá de certo modo são os baianos, mas eu também tive muito estímulo e tem me dado muita força os meus colegas do Senado e muitos companheiros da Câmara, mas principalmente do Senado, mas é o povo baiano que me estimula e que me aplaca muito do meu sofrimento e que me dá essa força para estar lutando pela Bahia e pelo país. 

Roberto D'Ávilla:  Uma vez eu lhe entrevistei lá no palácio, o senhor era governador da Bahia, recentemente nomeado, e o senhor me falava, eu citei o Napoleão aqui, o senhor disse que não quer que eu fique falando disso....

Antônio Carlos Magalhães: Aliás, naquele tempo eu já pedia reforma agrária. 

Roberto D'Ávilla:  É verdade.

Antônio Carlos Magalhães: Eu me lembro. Foi em 1981.

Roberto D'Ávilla:  Eu me lembro o que o senhor falou do destino, que o Napoleão dizia que política é destino. O Luiz Eduardo era um sujeito preparado e queria buscar a presidência da República, ele, infelizmente, faleceu, o senhor assimilou, como o senhor diz, muito das idéias do Luiz Eduardo, do estilo talvez do Luiz Eduardo, e o senhor agora, frente ao destino, pode ser candidato a presidência da República. Esse é o tipo do destino que o senhor citou aquela vez, citando Napoleão

Antônio Carlos Magalhães: Não, o destino do Luiz Eduardo indicava claramente que ele ia ser presidente da República. O meu não é assim, mas seja como for, eu sempre busco no Luiz Eduardo, que só viveu 43 anos, e muito do que ele fez, ele fez pelo país. Inclusive nas reformas estruturais, ele é único responsável, atendendo a apelos do presidente Fernando Henrique, das reformas econômicas do país, eu acho que é um compromisso que eu tenho com ele continuar fazendo as reformas para que o país tenha realmente uma vida melhor.

Paulo Markun: Senador, o nosso tempo acabou, eu queria apenas refazer primeira pergunta, que é aquela que parte da premissa de que em entrevista a gente tem que dizer apenas a verdade. O que é que falta para o senhor ser candidato a presidente da República?

Antônio Carlos Magalhães: Duas coisas básicas: ainda falta vontade e falta apoio. Na hora que eu tiver estas duas coisas, aí eu resolvo, lhe dou a minha verdade, quem sabe aqui em primeira mão. 

Paulo Markun: Muito obrigado senador Antônio Carlos Magalhães, aos nossos entrevistadores, aos nossos telespectadores, toda as perguntas que não puderam ser formuladas, e são centenas, serão entregues ao senador pessoalmente. Obrigado a você que está em casa, uma boa noite, uma boa semana e até a próxima segunda-feira com mais um Roda Viva

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