;

Memória Roda Viva

Listar por: Entrevistas | Temas | Data

Aureliano Chaves

9/8/1989

Em 1989, o então candidato à presidência da República falou sobre seus projetos de governo e medidas tomadas enquanto vice-presidente da República

Baixe o player Flash para assistir esse vídeo.

     
     

Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um programa da série Roda Viva, eleições de 1989. Estão sendo entrevistados no Roda Viva, ao longo dessa semana, os 10 candidatos melhor colocados na pesquisa de opinião. Serão dois programas por noite. Um às 21:30 e outro às 22:30. Cada candidato será entrevistado durante uma hora. Para essa série especial, convidamos dois grupos de jornalistas que estarão aqui, todas as noites, representando os mais importante meios de comunicação do país. O primeiro convidado do Roda Viva desta noite é o candidato a presidente da República pelo Partido da Frente Liberal, Aureliano Chaves de Mendonça. Já participaram desta série, o senador Mário Covas [(1930-2001), ex-prefeito de São Paulo, ex-governador de São Paulo, deputado e senador. Ficou em quarto lugar nas eleições presidenciais de 1989], candidato a presidente pelo PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira]; o ex-governador Fernando Collor de Mello [Foi o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois do regime militar], candidato do PRN [Partido da Reconstrução Nacional] e o deputado Luiz Inácio Lula da Silva [Ficou em segundo lugar na campanha eleitoral de 1989 e eleito presidente da República de 2003 a 2010], candidato a presidente pelo PT [Partido dos Trabalhadores]. Para entrevistar Aureliano Chaves esta noite, nós convidamos os seguintes jornalistas: Carlos Nascimento, editor de jornalismo da TV Record; Júlio Mesquita, diretor do jornal O Estado de S. Paulo; Roberto Müller, vice-presidente do jornal Gazeta Mercantil; Carlos Tramontina, repórter da TV Globo; Luiz Weis, redator da revista Super Interessante; Clóvis Rossi, jornalista do jornal Folha de S. Paulo. Aureliano Chaves de Mendonça construiu sua candidatura basicamente do prestígio que conseguiu quando era vice-presidente do então general João Baptista Figueiredo. Nas ocasiões que assumiu interinamente a presidência, teve atitudes polêmicas para o regime da época como, por exemplo, impedir que fosse processado, pela lei de Segurança Nacional, o padre Aristide Escamiaux e que pudesse sair em liberdade do país. Medidas como essa atraíram para ele apoio de grandes parcelas do empresariado e da classe média, mas Aureliano acabou perdendo pontos como ministro das Minas e Energia do governo Sarney [José Sarney, presidente da República de 1985 a 1990]. Sofreu desgaste com sua indecisão em deixar o governo e hoje enfrenta resistências dentro do próprio Partido da Frente Liberal. Ministro, boa noite.

Aureliano Chaves: Boa noite.

Jorge Escosteguy: Poderíamos começar a nossa entrevista hoje com essa questão das resistências que o senhor estaria enfrentando dentro do próprio Partido da Frente Liberal para poder deslanchar sua candidatura. O senhor acha que essas questões estão sendo contornadas, resolvidas?

Aureliano Chaves: Em primeiro lugar, é preciso colocar esse problema nos seus devidos lugares. A minha candidatura não resultou de uma postulação da minha parte. Ela resultou de uma convocação do meu partido. Eu estava em Belo Horizonte, considerando a minha vida pública já encerrada, uma vez que no momento em que eu tive mais de 50% de intenção de voto das pesquisas realizadas na época em que eu estava exercendo a vice-presidência da República, as circunstâncias levaram a mim e a um grupo de companheiros apoiar a candidatura de Tancredo Neves. Eu considerava a minha vida pública encerrada, quando fui procurado pelo presidente do meu partido, o senador Marco Maciel [Foi um dos fundadores do PFL, Partido da Frente Liberal, tornou-se Democratas (DEM) em 2007. Foi deputado federal, governador de Pernambuco, foi vice-presidente da República de 1995 a 2002], que me dera ciência de que a comissão executiva do partido, por unanimidade, havia considerado a minha candidatura como candidatura natural. Aquilo era, na realidade, uma convocação dirigida ao presidente de honra do partido para que ele, naturalmente, emprestasse a sua colaboração para aglutinar o partido e preparar melhor o partido para as eleições de 1990. Os fatos evoluíram e eu acabei me submetendo a uma prévia dentro do partido. Um fato que, sob certos aspectos, é inédito no país. É a primeira vez que um partido político ouve as bases, pratica democracia interna na escolha de um candidato. Num universo de mais 200 mil eleitores, 208 mil filiados ao partido, eu tive 130 mil votos. Então, essa convocação que eu recebera das lideranças do partido, foram confirmadas pelas bases do partido. Não há, portanto, que considerar... Resistência de onde? Se a cúpula do partido, através do presidente do partido, me convocou para ser o candidato do partido e, posteriormente, as bases do partido confirmaram essa convocação, não há o que falar.

Jorge Escosteguy: Bom, nós vamos fazer como nas outras noites, uma roda inicial com todos os nossos convidados e depois o Roda Viva volta ao seu caráter, à sua característica normal, de intervenções durante o decorrer da entrevista. Carlos Nascimento, da TV Record, por favor.

Carlos Nascimento: Bom, se o senhor tem, efetivamente, o apoio das bases do partido, porque elas não se refletem agora, num momento em que o senhor precisa das intenções de voto e o senhor aparece aí com apenas 1% da preferência do eleitorado? Onde é que está este apoio?

Aureliano Chaves: Bom, em primeiro lugar é preciso levar em conta que o nosso partido, do ponto de vista de presença popular, não é um grande partido. Ele é um partido que tem uma presença congressional. Tanto que só temos um governador eleito. Só um governador eleito. E o fato que está ocorrendo comigo se repete com a candidatura de um brasileiro ilustre que é o senhor Ulysses Guimarães. Além do mais, não confundir intenção de voto com decisão de voto. São coisas completamente diferentes. Desse total de entrevistados nessas chamadas pesquisas que envolve, geralmente, um universo relativamente pequeno, 37% definiram intenção de voto. Os restantes não definiram intenção de voto. Então, o que ocorre? Existe uma grande parte do eleitorado que ainda sequer manifestou a sua intenção de voto. Intenção de voto é uma coisa e decisão de voto é outra coisa. A decisão de voto está nas urnas. Pode, às vezes, ocorrer que a intenção de voto se transforme em decisão de voto, mas também pode não ocorrer. Esse que é um dado em realidade.

Roberto Müller: Ministro Aureliano, eu vou fazer uma pergunta ao senhor que é um pouco, se o senhor me permite, aos políticos da sua época. Todos nós nos recordamos, a sociedade brasileira como um todo se recorda, o senhor como vice-presidente da República do governo do general Figueiredo, liderou pesquisas, como o senhor mesmo disse, de intenção de voto. Depois, dependeu basicamente, sem menosprezo a nenhum outro interlocutor da cena política nacional, mas se pudéssemos resumir em dois homens, a eleição de Tancredo Neves, a eleição indireta, já que o Congresso nacional, representantes do povo, rejeitaram a eleição direta. Então, os políticos liderados, de um lado pelo senhor, do outro pelo doutor Ulysses, decidiram consertar um entendimento que levou à chefia da nação, o presidente Tancredo Neves que, infelizmente e tragicamente, deixou o país e deixou a presidência. Pois bem, passou-se algum tempo, passaram-se já quase cinco anos do governo de transição, e esses homens, Aureliano Chaves, Ulysses Guimarães, que estão na memória de todos, de alguma maneira, ajudaram a conduzir a transição democrática, ajudaram a acabar com a coisa da ditadura, do governo autoritário. Não importa se o senhor estivesse no governo e o senhor Ulysses estivesse contra, os senhores se entenderam como se entenderam para escolher Tancredo, como se entenderam para escolher Sarney, como se entenderam para formar o ministério. E hoje, são dois homens sob cuja honorabilidade raramente se ouve alguma observação... fala-se tanto de outros políticos, mas eu não ouço dizer nada contra a honorabilidade de Aureliano Chaves e contra a honradez de Ulysses Guimarães. Eu gostaria de perguntar ao senhor como eleitor, como jornalista e eu acho que talvez interprete a curiosidade de muitos telespectadores... É claro que as pesquisas, como o senhor diz, não representam tudo, nem todos responderam, é uma parcela minoritária que manifestou a intenção de votos, mas manifesta pelo menos um sentimento desta parcela. O que a seu juízo, com a sua experiência já longa na vida pública, o que estará acontecendo neste país? Que os homens da sua idade, que os homens que poucos anos atrás emprestaram o seu talento, o seu poder de conciliação para encontrar uma solução que foi pior que a eleição direta, mas foi melhor que a continuação da ditadura? O que terá acontecido com esses homens que hoje tem um, dois, três, no máximo 4% da pesquisa? O país perdeu a memória? Os senhores deixaram de saber fazer política? O que houve?

Aureliano Chaves: Os tempos mudam com muita velocidade, mas particularmente num país como o Brasil, os tempos mudam com mais velocidade ainda. Agora, é muito difícil aferir-se determinados fatos. Há um fato concreto, o país é amplamente [abre os braços] dominado pela mídia eletrônica e, às vezes, procura-se fotografar o pensamento do candidato pela fisionomia do candidato. Projeta-se instantaneamente... porque é assim que funciona, em média, a chamada mídia eletrônica, projetando muito mais a imagem e muito menos o pensamento. Então, corre-se o risco de pensar que se está abandonando candidatura para presidente da República e está se querendo escolher um bom locutor de televisão ou um bom artista de novela. Isso pode ocorrer. Além do mais, eu respeito. Afinal de contas, a sabedoria é do povo. O povo tem, no recôndito da sua alma e da sua inteligência [coloca as mãos na cabeça], muita sabedoria. Quem não se lembra do que ocorreu com o grande, o extraordinário Winston Churchill? [(1874-1965), estadista britânico, escritor, jornalista, orador e historiador. Foi primeiro-ministro britânico em 1940. Notabilizou-se por resistir ao regime nazista. Em seus discursos, lembrava que o povo britânico deveria ser resistente e chamou a Segunda Guerra Mundial de desnecessária. Em 1953, Churchill recebeu o prêmio Nobel de literatura por suas memórias de guerra] Sem cuja bravura, sem cuja determinação o mundo seria outro hoje. Um homem que reavivou o sentimento de resistência do povo inglês, depois de [...]. Quem não tivesse a têmpera de aço de Churchill teria sucumbido diante das bombas V2 [míssil de curto alcance] que caíam sobre Londres. E da ofensiva de Londres com bombardeios para baixar a moral do povo inglês. Winston Churchill levantou-se como um gigante e como um gigante conduziu a Inglaterra num período de sangue, suor e lágrimas para a vitória final. E, ao invés de ser premiado pela vitória final, foi castigado sendo derrotado como candidato à câmara dos comuns [referente à Câmara dos Deputados], no seu distrito eleitoral. Essas coisas podem ocorrer.

Luiz Weis: Ministro, vamos voltar por um momento ao Brasil. O senhor falou em mídia eletrônica e, pouco antes de vir para cá, eu estava vendo o noticiário da noite e eu vi o senhor falando, em Foz do Iguaçu, a uma reunião de ruralistas. E o senhor disse coisas como: “A agricultura não pode dar prejuízo. É preciso dar habitação ao povo”. Em outro canal, o candidato do PDS [Partido Democrático Social], Paulo Maluf [Foi prefeito de São Paulo 2 vezes, secretário de transportes e governador do estado de São Paulo. Foi eleito, em 2006, deputado federal. Terminou a campanha eleitoral de 1989 em quinto lugar], dizia que era preciso acabar com a carestia. Ontem à noite, aqui nesse mesmo Roda Viva, o candidato Fernando Collor de Mello dizia que precisava por o corrupto na cadeia. E assim vai e assim vai e assim vai... Ouvimos um, ouvimos todos. O senhor não acha que todos nós, os partidos, os políticos e o povo, estamos perdendo uma excelente ocasião de fazer, dessa campanha eleitoral, um foro para a discussão de um projeto nacional que vá além do imediatismo do pronto-socorro em que o Brasil se encontra?

 Aureliano Chaves: Acho que sim.

Luiz Weis: E qual a contribuição que, eventualmente, um homem como o senhor, com a sua experiência, poderia dar?

Aureliano Chaves: Primeiro a contribuição de encarar os problemas com senso de realismo. Foi o que eu fiz lá em Foz do Iguaçu...

Luiz Weis: Sim, mas o senhor está falando de imediato. Todos os candidatos estão falando de imediato. E daí porque a população não está morrendo de amores por essa campanha. Eu volto e repito minha pergunta: Por que um homem como o senhor não deixa o imediato, que está na boca de todos, e tenta formular... O senhor não tem muita coisa a perder nessa eleição. O senhor já tinha, como disse há pouco, se afastado da vida pública. Se o senhor for eleito, maravilha, se o senhor não for eleito, o senhor está onde sempre esteve. Por que o senhor não tenta desenvolver um projeto nacional para oferecer à discussão da sociedade brasileira?

Aureliano Chaves: É o que eu estou procurando fazer...

Luiz Weis: [interrompendo] Dizendo que precisa ter habitação para o povo?

Aureliano Chaves: Eu ainda não tenho na integralidade porque eu não quero fazer propostas utópicas. Poder-se-ia organizar um projeto livresco, bem elaborado. Para esse, não falta uma boa biblioteca, bons assessores para formular. Mas, entre um projeto livresco e a realidade do país, medeia um espaço infinito. É por isso que o Brasil tem-se frustrado demais. Agora, não é demais, não é muito, não é exagero afirmar-se que, qualquer projeto que se queira realizar a médio prazo e longo prazo, deve estar centrado fundamentalmente no homem. Qualquer país que queira, realmente, ter um futuro mais seguro, tem que voltar as suas vistas para um sistema educacional adequado à realidade que o país tem que enfrentar a cada momento novo. País que não investe, especificamente e adequadamente, em educação, que não cria uma ciência, uma consciência, de pesquisas científicas e tecnológicas, não pode aspirar a um futuro lisonjeiro. Qual é o perfil de pesquisa, hoje, na América Latina, vamos citar na América Latina? Vamos, primeiro, começar pelos gastos em pesquisa no mundo. Do total de gastos em pesquisa no mundo, o perfil é mais ou menos o seguinte: 32% [gesticulando] deste montante gastam os Estados Unidos; 34% gasta a Europa, como um todo; Cerca de 16% a 17% gasta a União Soviética; 18% gastam, reunidos, os países asiáticos. E quanto gasta a América Latina? 1,8%, 1,8%...

Luiz Weis: [interrompendo] Ministro, quanto gasta o Brasil em ciência e tecnologia como porcentagem do PIB [Produto Interno Bruto]?

Aureliano Chaves: Ah, muito pouco. Menos de 1%.

Luiz Weis: É menos de 0,5% ministro. O senhor se equivocou.

Aureliano Chaves: Mas eu disse, é menos de 1%.

Jorge Escosteguy: Weis, por favor, eu precisaria completar a roda. Depois nós voltamos ao... O Clóvis Rossi tem uma pergunta ao senhor.

Clóvis Rossi: Ministro, o senhor é considerado um homem absolutamente franco até, às vezes, excessivamente franco. Eu queria saber, simplesmente, o seguinte: Quando o senhor diz que corre-se o risco de eleger, através da mídia eletrônica, apenas um bom locutor de TV ou apenas um bom ator de novela, o senhor está se referindo ao candidato Fernando Collor de Melo?

Aureliano Chaves: Predominantemente, ele ocupa esta posição. Em grande parte, pela sua boa imagem na televisão.

Clóvis Rossi: Mas o senhor o considera apenas um bom locutor de TV, um bom ator de novela ou um bom candidato?

Aureliano Chaves: Pode ser que as suas idéias possam refletir conteúdos mais densos, mas até agora não.

Carlos Tramontina: Ministro, a última pesquisa Ibope [Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística] mostra que, na região sudeste, a região onde o senhor, teoricamente, deveria ser mais forte, o senhor ocupa um modestíssimo quinto lugar, atrás de seis candidatos. Então, dividindo este quinto lugar com o candidato Afif Domingos [Guilherme Afif Domingos. Terminou em sexto lugar na disputa presidencial de 1989], com apenas 2% das intenções de voto. Isso demonstra que o senhor, pelo menos nesse momento, em termos de intenção de votos, não tem apoio nem na região de origem do senhor. O senhor acredita mesmo que tenha condições de ganhar ou o senhor, se se mantiver nesse patamar após o início da propaganda pela televisão, o senhor desiste no meio do caminho ou o senhor quer apenas manter o nome ou manter o nome do partido como candidato?

Aureliano Chaves: Bem, essa indagação me tem sido feita por diversas vezes e repetitivas vezes e eu vou retornar às respostas que tenho dado. Em primeiro lugar, eu fui convocado pelo partido. Então, há uma responsabilidade solidária no partido, embora o partido do ponto de vista de representatividade popular seja muito pequeno. O partido elegeu, apenas, um governador de estado. O que também não é novidade porque, num determinado instante, o Plano Cruzado foi um grande veículo de eleição e menos veículo de âmbito econômico, mas foi um efetivo e brilhante veículo de política eleitoral. Pois bem, nós vamos levar a nossa mensagem, vamos discutir os problemas que dizem respeito ao interesse do povo brasileiro e vamos ver como é que as urnas... Porque as decisões dos que votam não ocorrem nas pesquisas. Pesquisas indicam intenção de voto e, num determinado instante [aponta para baixo], ela dá uma fotografia momentânea de uma intenção de voto, mas não de uma decisão de voto. Então, é muito difícil afirmar, categoricamente, que o eleitor que manifestou uma intenção de voto na pesquisa vai tomar a mesma decisão de voto lá na boca das urnas. Além do mais, uma campanha política não é feita só para ganhar...

Carlos Tramontina: O senhor vai manter a candidatura do senhor?

Aureliano Chaves: A campanha política é uma pregação cívica. Ou não é uma pregação cívica?

Carlos Tramontina: O senhor pretende manter a candidatura...

Aureliano Chaves: [interrompendo] Ou é apenas um jogo de ganhadores? Jogo de ganhadores apenas é jogo de oportunistas.

Carlos Tramontina: O senhor pretende manter esse jogo até o fim?

Aureliano Chaves: [interrompendo] Não é jogo de partidos políticos nem de homens públicos que têm convicção das suas idéias.

Júlio Mesquita: Ministro, eu gostaria de saber do senhor, saindo um pouco dessa campanha de pesquisa e das suas chances de chegar à presidência da República, se caso o senhor vier a chegar a ser o futuro presidente brasileiro, qual é o papel que o senhor acha adequado do Estado na economia do brasileiro? Hoje o senhor está satisfeito com o papel que o Estado exerce sob a economia? Se o senhor não estiver satisfeito, quais são as medidas que o senhor tomaria para que o Estado tivesse o seu papel reduzido na economia brasileira e em quais setores, basicamente?

Aureliano Chaves: Muito bem. Uma pergunta importante. Em primeiro lugar, eu estou convencido de que há um excesso de presença do Estado na vida do cidadão brasileiro. Excesso de presença do ponto de vista da regulamentação. A economia brasileira é uma economia administrada, nunca foi uma economia de mercado, é uma economia terrivelmente administrada. Segundo lugar, há excesso de presença do Estado que concernem à tributação. O perfil da tributação no Brasil é um mau perfil em que se sobrecarrega, fundamentalmente, o pequeno. O pequeno agricultor, o pequeno comerciante, o pequeno industrial, o pequeno empresário, o pequeno assalariado, de modo geral. E aí se diz: “Ah, mas tem isenção”. Sim, mas tem uma faixa de assalariado, que na realidade é assalariada, não tem renda específica, que paga tributos. O imposto de renda é excessivamente elevado. Nós temos a mania da alíquota. É mais fácil atuar sob a alíquota do que ter uma visão de conjunto mais ampla [gesticulando] e mais realista. E há excesso de presença do Estado na atividade econômica. Então, é preciso reduzir a presença do Estado nessas três áreas fundamentais. Na atividade econômica, especificamente, o que ocorreu nesses últimos tempos? Primeiro lugar, as empresas, de um modo geral, as empresas estatais, por uma série de circunstâncias que não cabe aqui enumerar, perderam grande parte da sua eficiência porque, neste país há um péssimo hábito: já que não pode consertar o que está errado, atrapalha-se o que está certo. Algumas empresas estatais, no Brasil, que funcionavam muito bem, o setor elétrico, por exemplo, foram pouco a pouco sendo corroídas nas suas bases e, hoje, não renovaram o quadro, não atualizaram o mecanismo gerencial e envelheceram prematuramente e deixaram de prestar ao país o serviço que o país precisava. Por outro lado, o mecanismo de administração de preços fez com que houvesse uma transferência via preço, particularmente, via tarifa, grande parte da capacidade de investir do setor público para o setor privado. O setor público tinha uma capacidade investir da ordem de 7% do PIB, está com a capacidade de investir 3% do PIB. Até por esta razão, se não for por outras razões, é preciso reduzir a presença do Estado na atividade econômica [todos falam ao mesmo tempo]. Espera aí um pouquinho. Quem está com a palavra sou eu. Até porque, se não fosse necessária esta redução, haveria de se cumprir o texto constitucional. O que diz o texto constitucional nos seus princípios fundamentais? Soberania, cidadania, dignidade [pontuando com os dedos] da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da iniciativa privada. Então, o próprio texto constitucional, que às vezes é constantemente malhado... Um mau texto constitucional tem seus defeitos mas, lá nos seus conceitos fundamentais, estabelece o valor social do trabalho, da iniciativa privada e o pluralismo político. Em primeiro lugar, você disse: “Quais são as áreas que eu não transferiria para o setor público?” Primeiro: Eu sou favorável ao monopólio estatal da Petrobras. Dizem por aí que eu sou estatizante. Na realidade, nada menos verdadeiro do que isso. Como governador de Minas, tomei uma série de providências no sentido de reduzir a presença do Estado na atividade econômica. Baixei a presença do capital do Estado na Fiat, não transferi para a Cemig [Companhia Energética de Minas Gerais], transferi para a Cataguazes-Leopoldina [Companhia de força e luz, em Minas Gerais], a empresa de energia elétrica Leste Mineira, contrariando um pleito que tinha a área política do meu estado. Eu transferi essa área de concessão para a Cataguazes-Leopoldina. E, no ministério das Minas e Energia, comecei privatizando uma empresa subsidiária da companhia Vale do Rio Doce, a Fermag, Ferritas Magnéticas de Minas Gerais, porque não tinha sentido. A Vale do Rio Doce entrou, apenas, para tornar viável um setor tecnológico importante onde o Brasil não tinha força expressiva, que é a produção de ferro magnético. Quando a empresa se estruturou adequadamente nós a transferimos para o setor privado. Agora, eu sou a favor do monopólio estatal do petróleo. Acho que devemos abrir espaço...

Júlio Mesquita: [interrompendo] Inclusive na exploração?

Aureliano Chaves: No que está no preceito constitucional...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Ministro, por favor! Desculpe interrompê-lo...

Aureliano Chaves: Vou completar. No setor de energia elétrica, acho que devemos abrir espaço. E, no ministério das Minas e Energia, procedi assim. Estimulei empresas que atuam com alta intensidade de consumo de energia, como as empresas que atuam no setor de ferro-liga e de alumínio, a gerarem energia por conta própria. Inclusive, estimulei muito o Antônio Ermírio de Moraes [empresário e industrial brasileiro, presidente e membro do conselho administrativo do grupo Votorantim], que é um empresário competente, a ampliar a presença de geração de energia própria dele para as suas empresas, particularmente as de alumínio.

Jorge Escosteguy: Ministro, desculpe interrompê-lo tão seguidamente, mas é que nós temos aqui algumas dezenas de telefonemas de telespectadores que querem, também, lhe fazer perguntas. Aqui, nós temos o Augusto Oliveira, do Jaguaré, aqui em São Paulo; o José Jorge Costa, do Jardim Paulistano, também em São Paulo; Antônio Garcia, da cidade de Catanduva, e o vereador de Bragança Paulista, Estanley Rangel. Os quatro, basicamente, criticam a sua atuação no governo do general João Baptista Figueiredo e perguntam o que mudou no Aureliano Chaves de Mendonça do governo Figueiredo para cá? O senhor participou daquele governo e hoje pleiteia, num regime democrático, a sua candidatura à presidência da República.

Aureliano Chaves: Eu não mudei nada. Sou o que sempre fui. Participei da Revolução de 1964 [Golpe de 1964. Conjunto de eventos que aconteceram em março de 1964 e que interromperam a presidência de João Goulart. Foi o início da repressão política que se seguiu pelas décadas de 1960 e 1970]. E não me arrependo de nenhum feito. Acompanhei a decisão com o governador Magalhães Pinto [(1909-1996), José de Magalhães Pinto, fundou o Banco Nacional de Minas Gerais, foi governador do estado entre 1961 a 1966. Criou a UDN, a União Democrática Nacional. Era considerado conservador. Foi um dos principais articuladores do golpe de 1964. Foi ministro das Relações Exteriores do governo Costa e Silva]. Uma revolução que nasceu sob o signo democrático num momento crucial da vida deste país. Em segundo lugar, todas as vezes em que, por esta ou por aquela razão, o processo democrático desviou-se do seu rumo, eu não acompanhei. Eu vou convidar esses que questionam para saber qual foi o meu comportamento... [áudio some e retorna segundos depois]

Aureliano Chaves: Agora, respeito a posição de cada um. Agora, é preciso distinguir especificamente: presidente da República tem a autoridade que lhe outorga a lei maior, que é a Constituição. Se dizer que o presidente da República vai sair prendendo "A, B, C ou D" é ficção, é uma bobagem, é uma demagogia barata e inconseqüente. Os senhores verificaram que, inclusive no próprio governo revolucionário, Che [Guevara], tinha poderes excepcionais. Vários processos que foram abertos contra indivíduos acusados de corrupção não concluíram por defeito jurídico contido no processo. Nós precisamos conversar estas coisas com uma certa clareza porque, aqui no Brasil, a fantasia está tomando conta deste país.

Clóvis Rossi: Ministro, o senhor disse que o Plano Cruzado foi menos um veículo de solução de problemas econômicos e mais um veículo de política eleitoral. Mas o senhor era ministro nessa época. E por que o senhor não se demitiu, em protesto...

Aureliano Chaves: [interrompendo] Eu era ministro, é verdade. E qual foi a minha posição com relação ao Plano Cruzado? Respeitava o Funaro [Dilson funaro, (1933-1988), foi presidente do BNDES, Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, ministro da Fazenda durante o governo Sarney de 1985 a 1987] por uma razão simples, eu respeito os homens sinceros e honestos [apontando para cima]. O senhor Funaro sempre me deixou a imagem de um homem sincero e honesto, mas por diversas vezes conversei com ele, inclusive no dia em que foi lançado o Plano Cruzado. Disse: “Ministro, com todo o apreço e com toda a estima que eu tenho por você, e tenho porque respeito as pessoas sinceras, vocês estão jogando o país num perigoso quadro de euforia que vai desaguar, inexoravelmente, na frustração”. Esse Plano Cruzado foi examinado por mim, com outro nome, amplamente lá no Jaburu [Palácio Jaburu], quando o meu nome foi lembrado como candidato à sucessão do presidente Figueiredo. Era um plano que tinha méritos, tinha aspectos positivos, mas era um plano que tinha que ser aplicado num horizonte restrito e sofrer a pavimentação de rumos subseqüentes para experimentar a hipótese de dar certo. Pois bem, no que foi transformado o Plano Cruzado? Num plano milagreiro. [sendo interrompido] Qual o país do mundo que conseguiu, por obra de um decreto ou de um decreto lei ou de uma lei, resolver essa coisa complicada que se chama inflação? Qual é o país do mundo que fez isso?

Clóvis Rossi: Pois é, ministro, mas em vez de o senhor procurar o ministro Funaro para dizer no ouvido dele que o plano não ia dar certo, não era mais lógico que o senhor fosse à opinião pública ou se demitisse por discordar da...

Aureliano Chaves: [interrompendo] Você que é um homem extremamente experiente, que acompanha de perto as manifestações, sabe que, por diversas vezes, eu me manifestei. Eu vim aqui numa reunião da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], em São Paulo. Fui questionado, naquela época em que a euforia dominou este país. E não se impute, a apenas o governo Sarney, aquela euforia do Plano Cruzado. Aquela euforia do Plano Cruzado dominou não o grande o povão, só, e isso nós temos que respeitar, mas as elites e dirigentes deste país na sua quase totalidade...

[..] [interrompendo] Mas foi o povão...

Aureliano Chaves: Não, inclusive as elites empresariais. Inclusive as elites empresariais, é preciso dizer estas coisas, ou não empolgou? Empolgou integralmente as elites empresariais deste país. Então, houve, sim, especificamente uma espécie de [estala os dedos] co-responsabilidade no plano. No Brasil, nós temos o hábito perigoso do escapismo e da busca, sempre, dos chamados bodes expiatórios. Eu, numa reunião da Fiesp, que deve estar gravada, né? As reuniões importantes devem estar gravadas, tive uma posição dizendo: “Eu respeito a sinceridade e a honestidade do ministro Dilson Funaro, porém esse Plano Cruzado é, fundamentalmente, um plano equivocado”.

Roberto Müller: Ministro, o senhor disse que, ainda no Palácio Jaburu [residência oficial do vice-presidente da República], estudou um plano assemelhado ao Plano Cruzado e esteve a favor dele e, se eu entendi bem, o senhor me corrija por favor, apenas achava que deveria ser feito com um prazo mais curto e sendo alvo de correções aqui e ali na medida em que a sociedade, os preços evoluíssem e sugerissem mudança. Eu entendi bem a sua observação?

Aureliano Chaves: Não, o plano foi debatido amplamente comigo. Não tinha o nome de Plano Cruzado. Quem, pela primeira vez, pensou em alguma coisa parecida com essa coisa que chamou Plano Cruzado chama-se Antônio Dias Leite [Antônio Dias Leite Filho], professor de economia, ex-ministro das Minas e Energia, um homem extremamente competente. Um dia, me procurou como vice-presidente da República para dizer que estava examinando com a sua equipe da ilha do Fundão [no Rio de Janeiro. É uma ilha artificial criada para abrigar a cidade universitária], uma equipe de alto nível, algumas modificações que ele considerava como modificações fundamentais para recompor os rumos da economia nacional. Essas modificações envolviam: primeiro lugar, mudança de padrão monetário; segundo lugar [pontuando com os dedos], alteração dos mecanismos cambiais; terceiro lugar, congelamento de preços e de salários. Durante o debate que nós tivemos, eu fiz algumas observações, eu não sou economista, sou engenheiro, mas evidentemente que cada um de nós tem um pouco de noção de economia. “Está bem, vamos congelar salários”. Os períodos de dissídios coletivos são diferenciados. Era para você ter um certo cuidado porque você corria o risco de congelar um salário lá [coloca as mãos em cima] em cima e outro salário cá embaixo [volta as mãos para baixo]. Isso acabou ocorrendo. Segundo lugar, eu fiz uma pergunta mais ou menos tida como ingênua. Sim, mas as perguntas ingênuas são como as perguntas das crianças, às vezes, dizem muita verdade: “Para que vocês vão congelar mercadoria, os preços das mercadorias”? “Para evitar especulação”. Se alguém quiser definir para mim o que vem a ser especulação, [é] sonegação de mercadoria ao consumidor com o objetivo de aumentar o preço. Sonegação de mercadoria, nós conhecemos isso no Brasil. Não conhecíamos, tanto não conhecíamos que os senhores verificaram o que aconteceu com a exportação de arroz. Uma das coisas mais perigosas que nós temos aqui no Brasil são os dados estatísticos. É preciso ter muito cuidado para citá-los para não cometer equívocos irremediáveis. Bom, então essas coisas foram debatidas lá, não chegamos a firmar nenhum ponto de vista porque a candidatura interrompeu, sim, no meio da discussão do problema. Nós caminhamos na direção da candidatura de Tancredo Neves e esse assunto não voltou mais à tona. Veio à voltar à tona no Plano Cruzado, durante a gestão do ministro Dilson Funaro.

Carlos Nascimento: E hoje, quando o senhor é candidato à presidência da República. Então, vamos tocar esse barco para frente. Eu perguntaria ao senhor o seguinte: além da corrupção, a que eu já me referi, sem dúvida que a inflação é hoje a grande dor de cabeça nacional...

Aureliano Chaves: [interrompendo] Sim, a inflação pode ser até a indutora da corrupção.

Carlos Nascimento: Bom, como é que seria o seu plano econômico, já que o senhor apontou todos esses defeitos no Plano Cruzado? O que o senhor faria, se fosse eleito presidente, para combater essa inflação?

Jorge Escosteguy: O Jesus Portina, de Uberlândia, Minas Gerais também...

Aureliano Chaves: [interrompendo] Eu respondo primeiro ao que remeteu a pergunta por telefone ou...

 Jorge Escosteguy: [interrompendo] Não, é a mesma questão. O Jesus, de Uberlândia, também tem a mesma questão do Nascimento com relação à inflação.

 Aureliano Chaves: Primeiro lugar, quem não distingue não governa, quem não prioriza não administra. Eu não tenho a menor dúvida de que uma das causas, mas talvez a mais importante das causas da inflação, reside fundamentalmente no déficit público e no mecanismo de financiamento do déficit público. Se você tem um mecanismo adequado de financiamento do déficit público, você pode, através desse mecanismo, adequar o financiamento... Esses países desenvolvidos, os Estados Unidos, tem grande déficit público, mas sabe como financiar esse déficit público. Às vezes, nós somos um dos financiadores incógnitos do déficit público americano através da variação da taxa de juros...

Carlos Nascimento: Mas quando queriam cortar no seu ministério, o senhor não gostava lembra?

Aureliano Chaves: Hein?

Carlos Nascimento: Quando queriam cortar no seu ministério...

Aureliano Chaves: Você não deixou eu completar meu raciocínio, meu caro Nascimento.

Carlos Nascimento: Tá bom.

Aureliano Chaves: Não se pode cortar no principal, tem que cortar no acessório. A mesma coisa é aquele pai de família que, para pagar suas dívidas, mata o filho de fome. É um bom caminho?

Carlos Tramontina: Alguma vez o senhor permitiu cortar no acessório do seu ministério?

Aureliano Chaves: Que foi meu caro?

Carlos Tramontina: Alguma vez o senhor permitiu cortar, pelo menos, no acessório do seu ministério?

Aureliano Chaves: Supérfluo, sim. Essencial, não. Olha aqui meu caro... [todos falam ao mesmo tempo]. Espera aí um pouquinho, essa pergunta sua é uma pergunta importante. Eu vou responder. Como é que eu ia deixar cortar recursos para o prosseguimento das obras de Itaipu [referindo-se à usina que foi construída pelo Brasil e Paraguai no rio Paraná. A área do projeto se estende desde Foz do Iguaçu, no Brasil, até Salto dei Guairá, no Paraguai. As obras começaram em 1971 e a usina entrou em operação em 1984]? O senhor estava no escuro aqui em São Paulo hoje, os senhores estavam no escuro aqui hoje, não fossem as providências que eu tomei no ministério das Minas e Energia. Em primeiro lugar, construindo imediatamente 300 quilômetros de linha de transmissão, Itaipu e Ivaiporã [no Paraná], cuja ausência levou o sul do país a um racionamento perigoso... [todos falam ao mesmo tempo] Espera um pouquinho! Espera um pouquinho!

Júlio Mesquita: Mas exatamente dentro desse assunto, os jornais vêm, ultimamente, noticiando que, a partir de 1992, o nosso país vai ter que sofrer racionamento de energia...

Aureliano Chaves: Sim, porque não se dá prioridade. A energia elétrica é hoje...

Júlio Mesquita: [interrompendo] Apesar de todos esses investimentos que o senhor está falando...

Aureliano Chaves: Apesar de todo o processo de desenvolvimento industrial, energia elétrica é prioridade das prioridades...

[...] Pois é ministro...

Aureliano Chaves: O homem moderno... [todos falam ao mesmo tempo] Espera um pouco. O homem moderno não vive sem energia elétrica. O que nós estamos fazendo aqui hoje [abre os braços]? Tudo depende de energia elétrica. Essas câmeras de televisão funcionam sem energia elétrica? Esses refletores funcionam sem energia elétrica? Esse microfone, que está aqui grudado na minha gravata, funciona sem energia elétrica?

Júlio Mesquita: [interrompendo] Mas esses investimentos, quando foram feitos, já se previa que em 1992, apesar destes investimentos, nós vamos ter que passar por um processo de racionamento de energia?

Aureliano Chaves: Não. Olha, energia elétrica não é investimento, não é spotlight não meu filho, não é fotografia de momento não, é um contínuo... Há que haver um relacionamento perfeito entre demanda de energia elétrica e oferta de energia elétrica. E, num país como o Brasil, hoje não há condição de importar energia elétrica, à exceção da binacional Itaipu. A oferta de energia elétrica tem que caminhar sempre um pouco na frente da demanda de energia elétrica senão, o destino é racionamento [sendo interrompido]. Espera um pouquinho. Os senhores não vão interromper o meu raciocínio porque esse raciocínio é fundamental para que o interlocutor, o telespectador [olha diretamente para a câmera], saiba para onde vamos. Não [retomando o raciocínio anterior], foram as providências que tomei, primeiramente, construindo esse trecho de linha de transmissão, que aliviou o sul do país, construindo uma linha de transmissão de 500 KW de Itaipu à direção de Porto Alegre, transitando pelo Paraná e por Santa Catarina, o que aliviou a oferta de energia elétrica, visa a demanda. Depois, construindo a segunda linha de corrente alternada, a segunda linha de corrente contínua e dando início à terceira linha de corrente alternada... E a subestação de Ibiúna [localizada na cidade de Ibiúna, a 50 quilômetros de São Paulo], que é muito presumível que os senhores não tenham conhecimento dela, a construção da subestação de Ibiúna, que foi construída em 3 anos, 6 milhões e 300 mil kilowatts construídos em 3 anos, e os senhores não têm conhecimento. A maior subestação da América Latina [gesticulando]. Todas as subestações da CESP [Companhia Energética de São Paulo] construídas até hoje somam 8 milhões de quilowatts. Todas as subestações da Cemig construídas até hoje somam menos de 6 milhões de quilowatts. Esta subestação, 6 milhões e 300 mil quilowatts construída em 3 anos. Não fora isto, São Paulo, ao invés de ter perspectiva de racionamento em 1992, teria racionamento real [apontando para o chão] este ano.

Jorge Escosteguy: Ministro, por favor. Eu tenho aqui dezenas, centenas de perguntas de telespectadores que estão reclamando que não são feitas as perguntas dos telespectadores. Eu só fiz uma vez. Então, ministro, por favor. Há vários telespectadores aqui, Antônio Siqueira, do Rio; José Reinaldo Riscal, da Vila Formosa, aqui em São Paulo; Leonardo Concom, de Penápolis; José Freire, de Porto Alegre; Doutor Sílvio Galvão Neto, de Pindamonhangaba. Eles querem saber do senhor, como um dos criadores do programa nacional do álcool, se esse programa continuará sendo uma prioridade do seu governo ou ele vai ser reduzido?

Aureliano Chaves: Muito bem. Uma pergunta muito importante, porque esse programa nacional do álcool tem sido objeto de muitas opiniões de mal informados...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] E muitas denúncias de corrupção também, ministro.

Aureliano Chaves: Isso é outro problema. Isso não é problema, isso é lá na área particular,  como problema da área particular, se resolve na área particular...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] No caso específico do álcool também...

Aureliano Chaves: Esse é problema privado, na área privada...

Jorge Escosteguy: Mas o senhor acha que...

Aureliano Chaves: [interrompendo] Não.

Jorge Escosteguy: O senhor, presidente da República, com denúncias de corrupção...

Aureliano Chaves: Denúncias de corrupção, meu filho, apura-se até as últimas conseqüências.

Jorge Escosteguy: Mas não na área privada. O governo ou as autoridades...

Aureliano Chaves: Sim, na área em que compete ao governo apurar. O setor privado é proveniente do setor privado, esse é outro problema. No que concerne especificamente ao programa nacional do álcool, é preciso saber em que cenário foi tomada a decisão de partir para o programa nacional do álcool. Qual era o cenário daquela época? Preço elevado do petróleo no mercado internacional, que chegou a atingir 40 dólares o barril no mercado Spot Rotterdam [banco de commodities ou mercado livre]. No mercado contratual, o petróleo estava numa curva ascendente. O Brasil importava, predominantemente, petróleo do Oriente Médio, que era uma região conflagrada naquela época. Neste Oriente Médio, prevalecia a importação de petróleo do Iraque, que entrou em guerra com o Irã. O Brasil produzia, naquela época, 167 mil barris por dia de petróleo por dia e consumia 1 milhão de barris por dia de petróleo. Quer dizer, 6% ou 7% do consumo global era a produção nacional, o restante era importado. O Brasil consumiu, em 1981, 10,5 bilhões de dólares, mais da metade dos seus recursos em dólar obtidos com a exportação, só para importar petróleo. Foi dentro desse cenário que foi concebido o programa nacional do álcool. Um programa que tinha uma visão estratégica. Se houvesse uma circunstância, de qualquer natureza, que bloqueasse a importação de petróleo do Brasil naquela época, o álcool produzido no Brasil mais o petróleo produzido no Brasil atenderiam às atividades vitais do país.

Jorge Escosteguy: Quer dizer, o senhor como presidente, que posição terá com relação ao pró-álcool?

Aureliano Chaves: Ajustar o pró-álcool à nova realidade. A economia é um processo que se ajusta a cada dia. A empresa dos senhores não se ajusta a cada dia? Então, o que acontece? O cenário hoje é diferente. Qual é o cenário de hoje? A Petrobras está produzindo 630 mil barris de petróleo, não está produzindo mais porque faltaram recursos para conseguir os investimentos. Mais de 55% do petróleo que se consume no Brasil. Foi um feito extraordinário. Poucos países do mundo conseguiram realizar isso que foi realizado aqui no Brasil, através da Petrobras. Poucos países no mundo. Os senhores não são capazes de me citar um país do mundo que tenha feito isso [sendo interrompido], à exceção dos países do Oriente Médio. Mas agora, com esse novo perfil de realidade, em que, primeiro, nós produzimos mais petróleo, segundo, o petróleo no mercado internacional está levemente declinante, não sabemos por quanto tempo isso vai ocorrer, ou sabemos? Ou vocês têm aí alguma bola de cristal para me dizer com absoluta firmeza: “Não, o petróleo vai continuar caindo no mercado internacional”. Ninguém sabe disso. E há um outro fator: No momento em que os americanos estão fazendo um grande programa de álcool, álcool de grão, que custa mais caro, álcool de milho, com a finalidade de adicionar em toda a gasolina consumida nos Estados Unidos, inicialmente, 10% de álcool anidro. Para quê? Para reduzir poluição ambiental, que os senhores sabem o que ocorreu aqui em São Paulo com a simples redução do percentual de álcool na gasolina. Pois bem, neste momento, o Brasil não pode entrar na contramão da história, de torpedear um programa, que é um programa vitorioso, que desempenhou um papel importante no quadro dos combustíveis líquidos do país e desempenha um papel importante ao que concerne à redução de poluição ambiental. Agora, tem que se ajustar à realidade que nós estamos vivendo.

 Luiz Weis: Pensando no balanço energético do país e naquilo que o senhor considera serem tendências do consumo, especificamente de eletricidade, o presidente Aureliano Chaves retomaria o acordo nuclear Brasil e Alemanha que prevê a construção de sete ou oito usinas nucleares?

Aureliano Chaves: Claro que não. Claro que não. Claríssimo que não.

Luiz Weis: O Brasil pode suprir a sua demanda sem energia?

Aureliano Chaves: Não. Vamos colocar as coisas no seu devido lugar, vamos refrescar a memória de vocês. A primeira previdência que tomei, quando ministro das Minas e Energia, foi determinar a um grupo de homens de alto nível no setor científico e tecnológico desse país que procedesse uma reavaliação do programa nuclear brasileiro. Foi feito...

Luiz Weis: [interrompendo] Perdão, ministro. O senhor é contra o acordo nuclear com a Alemanha ou o senhor é contra o uso da energia nuclear para fins de eletricidade?

Aureliano Chaves: Eu não posso ser contra, isso seria uma ignorância. Finalmente, eu posso ser um mau político [gesticulando], mas sou um bom engenheiro, esse tipo de ignorância eu não praticaria nunca. O que ocorre é o seguinte: Neste reexame do programa nuclear brasileiro chegou-se à conclusão lógica, óbvia, de que o Brasil não precisa preocupar-se intensamente com a instalação de centrais nucleares porque elas não são prioridades no perfil energético brasileiro. Nós ainda temos disponibilidade de energia de origem hídrica capaz de atender ao perfil de demanda deste país até o ano de 2010, seguramente. Depende de como o país vai crescer porque, para cada perspectiva de crescimento do PIB, corresponde uma perspectiva de demanda energética, mas não há necessidade. Então, o programa nuclear brasileiro pode ser declarado no tempo. Nós não vamos afirmar que... seria uma utopia afirmar que o Brasil não vai precisar de energia nuclear. Como não? Quanto é que você acha que a França está produzindo de energia elétrica de origem nuclear? Quantos por cento?

Luiz Weis: Quase a metade.

Aureliano Chaves: Hein? Quase a metade não, 67%.

Jorge Escosteguy: Ministro, por favor, nós estamos já a 7 minutos do final do programa e eu não gostaria de cometer mais injustiças na distribuição da palavra, então, restam três perguntas. O Müller, o Rossi e o Nascimento, por favor. Eu gostaria que ambos, entrevistadores e entrevistado, fossem breves nas respostas para que a gente pudesse terminar o programa no horário.

Aureliano Chaves: Eu até gosto de ser breve na resposta, mas o pior da brevidade da resposta é o sujeito truncar a resposta e, às vezes, qualificar o entrevistado de incompetente.

Jorge Escosteguy: Nós prometemos que ninguém truncará as repostas, desde que elas sejam breves.

Aureliano Chaves: Eu posso ser um mau político, mas bom engenheiro eu sou.

Jorge Escosteguy: Müller, por favor.

Aureliano Chaves: Eu sei onde está o meu nariz.

Roberto Müller: Ministro o senhor é a favor ou contra a instalação das zonas de processamento de exportação? Tema polêmico. Industriais de São Paulo dizem que isso é um paraíso fiscal, o senhor sabe melhor do que eu. Muitos governadores e políticos do Nordeste defendem. Qual é a sua opinião? O presidente Aureliano Chaves manteria ou pararia com essa história?

Aureliano Chaves: Não, não pararia. Manteria. Agora, nós temos é que ter um certo cuidado para não transformar a exceção em regra. O grande mal, aqui no Brasil, é o seguinte: De repente, aquilo que deve ser exceção se transforma em regra. De repente, todo mundo quer zona de processamento de exportação e daí? O Ceará é uma exceção. Ele tem a representatividade de corrigir os chamados desliberamentos regionais. Assim que eu concebo isso. Fora disso, não há o que falar. Agora, se eu começo a generalizar, o objetivo central cai por terra. É um perigo, nós brasileiros somos mestres em fazer isto. Transformamos a exceção em regra.

Clóvis Rossi: Ministro, eu vou tentar juntar duas perguntas em uma só: O senhor mencionou aqui que, em São Paulo, a perspectiva de racionamento é para 1992, o que significa uma má situação no fornecimento de energia elétrica. Criticou a presença do Estado em vários itens, que eu não vou especificar para ganhar tempo na pergunta. Agora, o senhor foi 10 anos membro do governo, seis como vice-presidente e quase quatro como ministro das Minas e Energia. Por que o senhor deixou que a situação chegasse a esse ponto?

Aureliano Chaves: Não, eu não deixei, não.

Clóvis Rossi: Espera aí, deixa eu terminar. Ou o senhor não era ouvido no governo ou senhor foi de alguma maneira imprevidente. Qual das duas?

Aureliano Chaves: Não, não. Na comissão nacional de energia, os senhores não leram até hoje, garanto que os senhores não leram uma resolução da comissão nacional de energia sobre a minha presidência. Foi publicada no Diário Oficial, em que todas essas providências estão consubstanciadas. Agora, eu não era executivo. Ou eu era? Eu era executivo, meu filho? Vice-presidente da República é vice-presidente, o que mais você quer?

Clóvis Rossi: Queria que influísse no governo, no mínimo.

Aureliano Chaves: Ó... Não faça isso, você é um jornalista inteligente. Não faça esse tipo de indagação.

Clóvis Rossi: Não? Por quê? O vice-presidente...

Aureliano Chaves: [interrompendo] Não, não. Vice-presidente é vice-presidente... Agora, os senhores indaguem de mim qual foi o meu comportamento quando eu tive a oportunidade de substituir o presidente Figueiredo. Cruzei os braços? Não tomei decisão a respeitos de assuntos polêmicos que foram colocados na minha deliberação? Leia as resoluções da comissão nacional. Leia as resoluções da comissão nacional de energia sobre a minha presidência para saber se todos esses assuntos não foram amplamente discutidos lá.

Carlos Nascimento: Ministro, para usar uma palavra sua: o senhor falou em reexame da política nuclear brasileira. Por que é que não se fez, também, o reexame do pró-álcool para que o programa não chegasse a correr os riscos que corre hoje, quando ele está caindo no descrédito popular? Por que é que o senhor não previu isso a tempo?

 Aureliano Chaves: Não. Caiu muito mais no descrédito popular muito mais por conta da imprensa mal informada...

Carlos Nascimento: Não? Como não? Ninguém mais quer carro a álcool ministro.

Aureliano Chaves: Não tem... Qual foi o movimento que se criou em torno do programa nacional do álcool? Agora, nós estamos correndo o risco, meu caro, de entrar na contramão da história. No momento em que os americanos estão fazendo um grande programa de álcool, presumivelmente vão atingir, num curto espaço de tempo, 20 bilhões de produção de litro de álcool para misturar na gasolina, para obter duas vantagens subseqüentes. Eu estou perdendo tempo fazendo algumas exposições de natureza técnica, por isso cansa os outros, mas é preciso falar. Em primeiro lugar, melhora a octanagem da gasolina sem necessidade de botar tetraetilato de chumbo, que é um poluente terrível. Segundo lugar, reduz a emissão de dióxido de carbono e de monóxido de carbono na atmosfera, que são emissões que contribuem para aumentar o índice de poluição ambiental.

Carlos Nascimento: Quer dizer que se o pró-álcool não der certo, definitivamente, a culpa é da imprensa, então?

Aureliano Chaves: Não, por culpa da imprensa não, mas vocês em grande parte... Eu não posso dizer isso, seria uma precipitação da minha parte. Mas é preciso o seguinte: Informar-se melhor para informar melhor. Informar-se melhor para informar melhor.

Jorge Escosteguy: Ministro, nos sobraram ainda 2 minutos. O Júlio César Mesquita vai falar então a última pergunta do Roda Viva para o senhor hoje. Por favor.

Júlio Mesquita: Ministro, dentro dos nomes que o senhor examina para formar no seu futuro ministério, está o nome do general Ernesto Geisel?

 Aureliano Chaves: Ah... O general Ernesto Geisel é uma grande figura que presidiu este país com visão do futuro, com segurança, com firmeza, mas com espírito democrático. Credite-se ao presidente Geisel uma série de iniciativas que hoje não tem sido convenientemente avaliadas. Primeiro lugar: acabou com a tortura neste país, vocês de São Paulo sabem disso melhor do que eu, tomou as primeiras providências para acabar com a censura, eliminar e acabar com o ato inconstitucional nº5 [Foi o quinto de uma série de decretos emitidos pelo regime militar. Foi redigido pelo presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968. O Ai 5 estabeleceu o fechamento do Congresso nacional, das assembléias legislativas e câmara dos vereadores. Foram cassados mandatos eletivos e suspensos, por 10 anos, os direitos políticos de todos os que eram contra a ditadura militar]...

 Júlio Mesquita: Mas foi ele que fez o acordo nuclear com a Alemanha, o qual o senhor não tomaria...

Aureliano Chaves: [interrompendo] Foi o cenário da época, o cenário da época... Cada cenário tem uma avaliação própria e, em função desse cenário, se tomou essa medida...

 Júlio Mesquita: O senhor convidaria ele para ser seu ministro?

 Aureliano Chaves: O Presidente Geisel tem um lugar na história do Brasil. Não pode ser ministro de governo nenhum.

 Jorge Escosteguy: Ministro, por favor. Desculpe, mas infelizmente o nosso tempo está esgotado. Nós agradecemos a sua presença hoje a noite aqui no Roda Viva. Agradecemos a presença dos nossos convidados, dos jornalistas. Agradecemos aos telespectadores que nos telefonaram. Infelizmente, não pudemos fazer todas as perguntas, mas elas serão entregues ao ministro Aureliano Chaves. O Roda Viva volta daqui a pouco com a segunda rodada de hoje, que é uma entrevista com o ex-governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola. Até já!

Sobre o projeto | Quem somos | Fale Conosco