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Memória Roda Viva

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Telê Santana (1991)

17/6/1991

A luta contra a violência e a deslealdade entre jogadores e a favor do futebol-arte marcaram a carreira de Telê

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 Programa ao vivo

Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. Este programa também é transmitido ao vivo pelas TVs educativas de Porto Alegre, Ceará, Piauí, TV Cultura de Curitiba e de TV Cultura do Pará e é ainda retransmitido pela TV de Salvador. No centro do Roda Viva, esta noite, está o campeão brasileiro pelo São Paulo Futebol Clube Telê Santana. Para entrevistar Telê Santana, esta noite, no Roda Viva convidamos: Juca Kfouri, diretor editorial da revista Playboy, da Editora Abril; Mário Andrada e Silva, editor de esporte da Folha de S. Paulo; Osmar Santos, diretor de esporte da Rádio e TV Record; José Goes, jornalista da TV Cultura; Serginho Leite, humorista; Antônio Carlos Ferreira, comentarista esportivo da TV Globo; Michel Laurence, chefe de redação de esporte do consórcio Vitória-Record; Moacir Japiassu, jornalista da revista Imprensa. Boa noite, Telê.

Telê Santana: Boa noite.

Jorge Escosteguy: Você é um técnico de futebol consagrado, foi o técnico da Seleção Brasileira em 1982 e 1986, campeão brasileiro pelo Atlético e agora pelo São Paulo Futebol Clube, mas carrega, como técnico de futebol, alguns estigmas. Eu vou dizer três deles para você e você vai me dizer quais desses estigmas são verdadeiros. As pessoas dizem que você está rico, é pão-duro e é pé-frio.[risos]

Telê Santana: Bom, já começa dando uma difícil de responder. Pé-frio não pode ser rico. Quem é pé-frio é pé-frio para tudo, perde tudo, entra em um negócio e perde, tudo para ele é ruim. Então, já dá uma conotação diferente aí. Pão-duro, naturalmente, eu já fui, hoje já não sou tanto. [risos] Eu sei que tem aí os inimigos que continuam falando que eu sou pão-duro, mas não sou. Já sou mão-meio-aberta, não diria mão-aberta, mas sou meio-aberta. E a outra qual é?

Jorge Escosteguy: Pé-frio, pão-duro e rico.

Telê Santana: Rico ainda não sou, procuro ser. Sei que é difícil, não sei se vou atingir, também não faço muita questão de chegar lá. Acho que já dá para viver bem com o que já fiz na minha vida como técnico e jogador de futebol, foi a minha profissão inicial, jogador, depois técnico e ganhei o suficiente para viver tranqüilamente.

Jorge Escosteguy: Agora essa história do pé-frio. Eu ouvi você no rádio, em seguida da final do Bragantino, e ali a emoção, todo mundo emocionado e tal... foram lhe entrevistar e perguntaram sobre essa coisa do pé-frio e você se manteve muito calmo, não teve nenhum tipo de desabafo, o que seria natural, inclusive pela emoção da vitória, de estar provando “não sou pé-frio, estou aqui ganhando o Campeonato Brasileiro”. Você foi muito calmo, muito tranqüilo. Essas coisas não mexem com você, ou seja, essa campanha de pé-frio, burro, essas coisas durante o campeonato?

Telê Santana: No princípio sim, depois não. Eu vi que era obra de alguns inimigos gratuitos que tenho, infelizmente tenho, na imprensa, lamentavelmente, no meio de vocês tem os bons e os maus. E os maus fizeram isso. Porque quem conhece a minha vida profissional sabe muito bem quantas vezes fui campeão, quantas vezes eu decidi títulos a favor, como jogador e depois que passei a técnico e muitas vezes decidimos títulos. Recentemente, o mais recente foi o Atlético e Cruzeiro, nós ganhamos de 1x0, uma decisão, mas eles se fazem de desentendidos e passam sempre uma imagem para o telespectador, para o ouvinte, para o leitor, que eu sempre perco. Talvez porque tenhamos perdido duas Copas do Mundo e eles acham que perder duas copas do mundo é perdedor. Aí o Michel Laurence [jornalista esportivo] também seria... O [Michel] Hidalgo [ex-treinador da Seleção Francesa de Futebol] seria pé-frio, porque não ganhou Copa do Mundo nenhuma, eles não ganharam.

Juca Kfouri: Será que a explicação não é outra? Estava fazendo aqui um rápido levantamento, em 20 anos de campeonato brasileiro, 21 campeonatos disputados, só 15 técnicos foram campeões: o Ênio Andrade [(1928-1997), ex-jogador e ex-treinador de futebol, conhecido também como “o Cabeça”] e o [Rubens Francisco] Minelli [ex-jogador e ex-treinador], três vezes; o [Osvaldo] Brandão [(1916-1989), ex-jogador e ex-treinador] e você duas. Daí mais 11 técnicos foram campeões, né? Por exemplo, não é campeão brasileiro o [Mário Jorge Lobo] Zagalo [ex-jogador e ex-treinador que, como coordenador técnico, conquistou o tetracampeonato da Seleção Brasileira em 1994], não é campeão o Zezé Moreira [Alfredo Moreira Júnior (1917-1998), ex-jogador e ex-treinador], Aimoré Moreira [(1912-1998), irmão de Zezé Moreira, também ex-jogador e ex-treinador], técnicos consagrados. Será que essa fama sua não acabou sendo em função até da sua própria competência, ou seja, pela quantidade de vezes que você chegou à semifinal e à final, seja com São Paulo, seja com Atlético, seja com o Palmeiras e daí então ficou esse estigma, que quando você chega à final você perde?

Telê Santana: Não, não cheguei assim tantas vezes. Eu acho que cheguei a uma final com o Corinthians recentemente, com o Atlético não chegamos à final, contra o Flamengo não foi final e outros que eu não trabalhei, porque 80, 81, 82, 83, 84, 85 e 86 eu não trabalhei. Eu fiquei na Seleção e na Arábia Saudita, então não participei desses campeonatos. E ganhamos o primeiro, que foi em 71, com o Atlético, e agora este em 91, mas a final, mesmo, me parece, que eu perdi dirigindo foi essa contra o Corinthians agora em 90.

Jorge Escosteguy: E a Seleção de 82 e 86, Telê? Você guarda alguma mágoa, porque dizem que você teve nas mãos talvez a melhor Seleção Brasileira depois da Copa de 70? De repente perdeu aquela copa com aquele time maravilhoso. Você ficou com essa...?

Telê Santana: É muito bonito falar “você teve nas mãos” ou eu fiz a Seleção. Então eu fiz a Seleção. Você teve nas mãos, não, eu fiz a Seleção. Porque muitos jogadores, inclusive, não seriam convocados e eu convoquei, jogadores até desconhecidos para o público, e eu convoquei. E nós chegamos então a formar uma grande equipe e isso não quer dizer que, você tendo uma grande equipe, por isso você ganha uma Copa do Mundo. E, às vezes, um time medíocre chega a uma final e eu diria que medíocre foi a Argentina, por exemplo, em um campeonato do mundo final agora, este último, uma equipe medíocre que chegou à final do campeonato fazendo 6 gols. Nós, quando saímos do campeonato em 82, nós tínhamos feito 15 gols. Quando saímos em 86, tínhamos feito – e não chegamos à final –  tínhamos feito 10 gols. A Argentina, com 6 gols, chegou à final do campeonato do mundo. Então, nem sempre o melhor é que ganha uma Copa do Mundo. Isso é mais ou menos um torneio em que você pode ser desclassificado dentro de um jogo, como nós fomos, naquele jogo contra a França, por exemplo, nós já tínhamos feito 10 gols e não tínhamos sofrido nenhum e, no entanto, empatou, a França empatou, fomos para o pênalti e perdemos na classificação.

Jorge Escosteguy: O Moacir Japiassu tem uma pergunta para você, por favor.

Moacir Japiassu: Eu queria antes de fazer a pergunta, lembrar o considerado telespectador que estou aqui com a camisa que trouxe em sua homenagem.

Telê Santana: Uma grande equipe!

Moacir Japiassu: Porque o Telê perdeu duas copas com um time bom, agora esse daqui foi o maior time de todos os tempos, foi a Seleção Húngara de 54, que perdeu a Copa. Mas o caso é o seguinte: há pouco tempo, eu, aqui, fazendo uma pesquisa, verifiquei, Telê, que sua fama de “pé-frio” é realmente injusta. A fama que está ganhando, pelo menos até agora recentemente, estava ganhando, na verdade, era que você é “pé-mole”. Quer dizer, que você não ia, o veterano Brandão dizia que “o negócio era chegar junto”, toda dividida era para “quebrar mesmo”. E que os seus times não, vão com a bola no pé-mole, pé-devagarinho, querem mostrar o “futebol-malícia”, o “futebol-arte”; o adversário considera daqui para baixo [mostra a partir do pescoço] bola. Como é que você vê isso aí?

Telê Santana: Então, eu, primeiro, não é assim que eu oriento os jogadores. Eu acho que futebol é para ser disputado com virilidade, não com deslealdade. É diferente você entrar em uma bola dura para ganhar a jogada, é importante que o jogador faça isso e eu joguei assim, eu fui um jogador que dava mobilidade nas bolas, disputava palmo a palmo. [“Era dessa finurinha...”, observa Japiassu] Pesava 57 quilos, mas disputava uma jogada para ganhar mesmo a jogada. Então, eu quero que os jogadores sejam assim, mas não quero que sejam desleais, que apliquem a violência na tentativa de ganhar uma jogada, isso não. Acho que a falta é uma coisa que faz parte do futebol, mas não pode ser uma entrada por trás, uma deslealdade, um chute, um chute sem bola, essas coisas não podem acontecer. Então é isso que eu condeno.

Moacir Japiassu: Mas, Telê, tem um aspecto, aí, que o telespectador está lembrado e está aqui entalado e até hoje está, é que nós perdemos a Copa de 50 aqui, por causa do pé-mole. Todo mundo comenta isso, então isso traumatizou o torcedor brasileiro. Quando a gente não entra para quebrar, todo mundo acha que nós estamos jogando com pé-mole.

Telê Santana: Mas eu acho que isso não é legal. Se tiver que jogar para ganhar desse jeito, não basta você ensinar o jogador, treinar o jogador, é melhor você colocar um jogador forte lá trás e que diga: “Daqui ninguém passa. Vou fazer uma risca aqui e ninguém passa”.

Moacir Japiassu: O “Maguila” [apelido do ex-pugilista peso pesado brasileiro Adilson José Rodrigues] com um bom domínio de bola...

Telê Santana: Pessoas assim, jogadores fortes e que se impusessem lá e não deixassem passar. Isso não é futebol, serve mais para aquele jogo do americano, o rugby, sei lá. Aquele lá serve, bota esse negão forte ali que dá trombada, agarra nas pernas, esse é o futebol deles lá. Mas o nosso não é para ser jogado assim, tanto é que qualquer deslealdade cometida em campo, ele é expulso de campo, o que não acontece lá no futebol deles lá do americano.

Jorge Escosteguy: O Mário tem uma pergunta, por favor, Telê.

Mário Andrada e Silva: Telê, eu queria saber se, depois de duas derrotas, quer dizer, depois de você ter perdido duas Copas do Mundo, se você tem a receita para ganhar a terceira e se ainda existe uma Copa do Mundo na sua vida, se ainda existe essa perspectiva?

Jorge Escosteguy: Desculpe, só que a mesma pergunta feita pelo Mário José Esmeraldo, de Caraguatatuba, que pergunta se você aceitaria ser de novo técnico da Seleção Brasileira, e o Reginaldo, de Guarulhos, também faz a mesma pergunta.

Telê Santana: Primeiro, eu não aceitaria mais dirigir. Eu acho que já tive minhas duas oportunidades, não tenciono chegar mais à Seleção Brasileira, acho que se deve dar oportunidade a esses técnicos novos que estão aí aparecendo e que têm qualidades. E eu não tenho receita nem ninguém tem uma receita para ganhar uma Copa do Mundo. Você tem uma experiência, você tem conhecimentos, mas você não tem uma receita, ninguém tem essa receita para se ganhar uma Copa do Mundo. Naturalmente você adquire essa experiência disputando copas, como eu disputei duas Copas do Mundo aqui, no Brasil, é tão difícil alguém disputar duas Copas do Mundo, principalmente tendo perdido a primeira, mas eu disputei. Mas ninguém tem, você precisa... a receita talvez seja ter um bom time, disputar e tentar ganhar, mas não que tenha a obrigação e certeza de uma vitória, isso não tem.

Mário Andrada Silva: Tem sorte em uma vitória dessa?

Telê Santana: Também tem a sorte, em tudo precisa ter, em qualquer setor, em qualquer atividade precisa ter um pouco de sorte para conseguir as coisas. Até, dizia o Nelson Rodrigues [(1912-1980), importante dramaturgo, jornalista e escritor. Além de suas peças, ficou famoso pelas crônicas que escreveu sobre o futebol em geral e, em particular, sobre o Fluminense, time pelo qual torcia com fervor], até para.... [Telê provavelmente se refere ao que diz Nelson Rodrigues em crônica presente na coletânea póstuma À sombra das chuteiras imortais: crônicas de futebol (1993): "...não acredito em futebol sem sorte. (...)  Digo mais: sem esse mínimo de sorte, o sujeito não consegue nem chupar um Chicabon (sorvete comercializado pela empresa Kibon),  o sujeito acaba engolindo o pauzinho do Chicabon."]

Jorge Escosteguy: Antonio Carlos Ferreira tem uma pergunta antes. A Silvana Biajone, aqui de São Paulo, também fez a mesma pergunta que o Telê respondeu agora. Antonio Carlos, por favor.

Antonio Carlos Ferreira: Telê, o Moacir falou do “pé-mole”, do chegar junto do tempo do Osvaldo Brandão [(1916-1989) carismático e mítico técnico de futebol, que dirigiu a Seleção Brasileira e que ficou famoso por levar o Corinthians à vitória do Campeonato Paulista, em 1977, depois de 22 anos de espera, tendo sido também técnico do Palmeiras e do São Paulo]. Você sempre gostou do “futebol corrido”, do “futebol bonito”, do chamado “futebol-arte”. Mas nos dias de hoje, você vê condição de formar uma equipe que jogue aquele futebol bonito do tempo de Pelé, Garrincha, Zizinho, Luizinho, Cláudio etc? Como é que você consegue hoje fazer ou então produzir um time que joga esse futebol? E aí eu vou, engato uma outra dizendo o seguinte: como é que [Paulo Roberto] Falcão [ex-jogador, em 1991, foi escolhido como treinador da Seleção Brasileira] faz? Falcão convoca os times mês a mês e aqueles que ele chama, que são os melhores, que estão lá fora não vêm e até parece que nem dão bola mais para a Seleção Brasileira. Então, duas coisas: primeiro, há condição de fazer um time com esses jogadores que existem? E em segundo lugar, como é a Seleção hoje com o Falcão chamando e eles não vêm para cá?

Telê Santana: Bom, eu falo que não sou eu que gosto de futebol bonito, se perguntar a todos aqui, amantes do bom futebol, todos gostam de ver futebol bonito, futebol bem jogado, tecnicamente bem jogado dentro de campo, habilidade do jogador, todos nós gostamos. E eu, quantas vezes, como jogador mesmo, fui a campo ver o Santos jogar, porque era uma delícia ver o Santos jogar, o futebol que eles apresentavam. E eu, mesmo sendo jogador, eu ia a campo para ver, vi aquele jogo no Maracanã contra o Milan. Então eu acompanhava, porque gosto do bom futebol e eu acho que todos aqueles que vivem futebol gostam de futebol. Então, eu acho que tem condições de jogar, desde o momento que nós tenhamos bons árbitros para apitar as partidas, coibir a violência, eu tenho certeza que o jogador voltará a ter condições de mostrar toda a sua técnica, toda a sua habilidade. Não fosse isso, talvez nós tivéssemos até hoje o Reinaldo [José Reinaldo de Lima, ex-jogador revelado na década de 1970 pelo Atlético Mineiro, clube ao qual se dedicou ao longo de maior parte de sua carreira] jogando futebol. Mas ele levou tanto pontapé, tanta coisa aconteceu na sua carreira, que ele foi obrigado a encerrar cedo demais a sua carreira – agora é deputado estadual – mas foi obrigado a encerrar a sua carreira, porque a violência acabou com o seu bom futebol, aquele futebol que nós todos gostávamos de ver. Então, eu acho que pode-se jogar e o Falcão, como foi também um grande jogador, tecnicamente um dos melhores que tivemos no país, naquela seleção que tivemos em 82, ele terá condições de fazer com que o jogador jogue, muito embora eu estou com ele, no nosso jogador faltam fundamentos e fundamento é dominar bola, passar bola, é saber cabecear bem e nossos jogadores têm muitas deficiências, mesmo esses que estão na Seleção Brasileira agora, eles têm muitos defeitos e precisam ser corrigidos. E o jogador precisa se conscientizar de que ele precisa se aprimorar, de que ele precisa melhorar em favor do próprio jogador.

Jorge Escosteguy: Telê, o João Paulo Faria, aqui de São Paulo, pergunta o que você acha do Falcão como técnico da Seleção Brasileira?

Telê Santana: Olha, falar do Falcão como técnico... ainda não podemos falar. Ele teve agora a sua ascensão a técnico e sem poder mostrar muito daquilo que talvez ele pense em fazer. Ele não pôde convocar os jogadores, até agora, que ele desejava, ele não teve condições de fazer treinamentos, e só agora, então, ele consegue reunir 22 jogadores que ele gostaria de ter nas mãos, talvez nem todos os 22. Júlio César já não foi, o Romário talvez ele quisesse, também não veio, mas pelo menos ele tem a maioria para disputar essa Copa América. Além de ter os jogadores em mãos, ele também vai ter o tempo necessário para armar essa equipe, o que não teve até agora. E só depois então se poderia fazer uma avaliação do seu trabalho, que até agora não se pode falar nada.

Jorge Escosteguy: Michel, por favor, depois o Osmar.

Michel Laurence: Telê, você estava falando com o Ferreira sobre que é possível fazer um time jogar bonito. Mas a tendência do futebol mundial não é aprimorar a condição física cada vez mais e o jogador cada vez ser mais forte, chegar primeiro na bola, ter mais velocidade do que o adversário? Essa não é a tendência do futebol? Porque o que a gente vê não é como no seu tempo de jogador, em que a habilidade suplantava a força, não é?

Telê Santana: É, realmente, o futebol, na minha época, era um futebol um pouco mais lento e teria então o jogador condições de mostrar mais a sua técnica, a sua habilidade. Mas nós também temos que evoluir na parte técnica, não basta somente botar um jogador correndo, brigando, lutando, se ele não tiver as qualidades necessárias para um futebol que eu considero e digo para os jogadores que é o bê-á-bá, saber dominar, saber passar, saber chutar, saber cabecear. Isso é o bê-á-bá do futebol. Quem não souber fazer isso não pode nem entrar no campo de futebol. E isso se você aprimorar e começar a fazer o jogador jogar com um pouco mais de rapidez, você vai levar vantagem sobre aquele que só quer jogar na base da velocidade, na base da parada de qualquer jeito do adversário, então ele vai levar vantagem.

Michel Laurence: Surgiu [Ruud] Gullit [ex-jogador holandês que conjugava bem força e técnica, grande destaque no futebol da década de 1980] há uns seis ou sete anos atrás, e já acabou, né, porque já deram tanto nele, que ele já acabou. Então, um cara de talento, que sabia esses fundamentos todos muito bem, ele não conseguiu se manter na carreira, porque deram tanto pontapé nele que ele foi operado já três ou quatro vezes.

Telê Santana: E em um futebol que dá [bate] muito menos do que o nosso, aqui, porque os juízes coíbem muito mais lá o futebol violento, a deslealdade do que nosso futebol aqui. Então, mesmo assim, ele está machucado, mas de qualquer maneira há habilidade e isso nota-se no próprio Maradona jogando lá... e leva nítida vantagem em cima dos adversários com a habilidade que ele tem, é um grande jogador, o próprio Careca jogando lá. Então, quem tem habilidade e souber se transportar para o jogo atual, que é um jogo de mais velocidade e tal, ele vai jogar bem e sempre vai ter vantagem sobre aqueles que só jogam na base da força.

Osmar Santos: Eu queria saber um pouco em relação ao futuro. Eu fui daquele que também torceu por esse campeonato, por você, porque...

Telê Santana: Muito obrigado.

Osmar Santos: Achei muito justo tudo isso, esses estigmas que foram ditos até no começo do programa.

[...]: Dessa vez você não torceu para o Palmeiras, então?

Osmar Santos: O Bragantino, se ganhasse, seria uma coisa bonita para o interior também, mas eu acho que o Telê é uma figura humana bonita, gostosa para o esporte e um dos motivos que eu acabei gostando é isso que você citou agora há pouco, acho que para o Ferreira, e é verdade. Quando seu time joga, nem sempre hoje em dia dá, mas quase sempre, quando a gente vai ao jogo, a gente vê espetáculo. Eu acho isso interessante ainda e você é uma das poucas figuras que tenta preservar isso e luta com unhas e dentes para isso. Está certo que pagando caro, né, como a Copa, talvez, até de 82, acho até que você mudou um pouco nesse campeonato, você até mexeu no time de uma forma diferente. Mas, eu enfim, acho que isso é uma justiça muito grande que se faz com esse título. E é duro até, neste brasilzão, você, depois de ter feito tanto, ainda ter que fazer mais um para provar que é bom, mas, enfim, estamos nessa realidade. Agora eu queria saber o seguinte: seu futuro. Você já disse que a seleção você não quer mais, mas há uma angústia aqui em São Paulo, se você vai para a Espanha, eu sei que você tem um convite de lá, se você vai para o futebol europeu, se você permanece no São Paulo. Acho que hoje era o dia de decisão. Você já decidiu hoje? Eu vi a rapaziada do São Paulo em volta de você, já, o caboclo estava por aí feliz e tal. Você decidiu se fica no tricolor?

Jorge Escosteguy: Essa pergunta é feita também pelos telespectadores Marinho da Rocha, Severino Rezende e Edson Lopes, os três aqui de São Paulo.

Juca Kfouri: E o Telê anunciou para o vice-presidente de futebol do São Paulo, Fernando Casalderrey [ex-presidente do São Paulo Futebol Clube], que ia dar a resposta durante o programa.

[...]: Então, agora é a hora, Telê!

[...]: Então, espera até o final para ele dar mais audiência. [risos]

Telê Santana: Como o Osmar falou, eu agradeço muito a sua torcida, porque deve ter me ajudado muito também, mas não, é claro.

Osmar Santos: Mas um outro parêntese, também é verdade, eu lembro, na Copa de 74, a gente formava um grande time em 78 e a gente estava numa entressafra, sem time. Então, em 82, o time que ele se referiu, que você teve na mão, você formou. E isso é outra qualidade: por onde você passa, você sempre forma grandes times.

Telê Santana: Muito obrigado. E eu queria também ressaltar que eu estive, nesses últimos dias, em três cidades: São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. E o número de pessoas que me procuravam para dizer “torci por você”, é... muitos, e não são só são-paulinos, como agora encontrei ali, saindo do restaurante, um casal que disse: “Sou corintiano e torci por você”. Então isso me alegra tanto e gratifica tanto a mim, porque eu fico tão satisfeito de ver tanta gente que torce por mim, quando poucos tentam denegrir a minha imagem, e tal, e eu fico aborrecido com isso, porque basta ver a minha carreira, como jogador e como técnico, quanta coisa eu fiz pelo futebol e procuro fazer mesmo que até não consiga, mas eu sempre procuro fazer o melhor para o futebol. Então eu agradeço a essas pessoas todas que torceram por mim, nesses estados todos, isso nos três que eu passei, mas tem pelo Brasil todo.

Osmar Santos: Aproveita e fala, aí, aquilo que você gostaria de agora dizer: “Olha, tá vendo?!" [risos]. Nós estávamos esperando o fim do jogo, você não disse...

Telê Santana: Eu acho que eles querem que eu mate um leão todo dia. E isso é impossível, não se dá...

Osmar Santos: Mas o que está aí na sua garganta? Sai do São Paulo ou não sai?

Telê Santana: Ainda não ficou decidido. Eu vou conversar com eles amanhã. É um clube que...

Juca Kfouri: Existe outro no Brasil?

Telê Santana: Não.

Juca Kfouri: Com tanta infra-estrutura como esse?

Telê Santana: Não, não tem. Para se trabalhar hoje, é o melhor.

Antonio Carlos Ferreira: Telê, nessa sua passagem pelo Rio, Belo Horizonte e mais uma outra cidade...

Telê Santana: Rio, Belo Horizonte e aqui em São Paulo.

Antonio Carlos Ferreira: Essa sua visita a um apartamento de 600 metros quadrados na Vieira Souto é só investimento ou é para dirigir o Fluminense proximamente?

Telê Santana: Não, não tive essa visita. [risos]

[...]: Eu alugo.

Antonio Carlos Ferreira: Me contaram...

Telê Santana: Não, não é verdade. Não fui lá.

Osmar Santos: Mas em Minas você tem convite para ir?

Telê Santana: Não, não teve convite de clube nenhum.

Osmar Santos: Mas na Espanha você tem um convite?

Telê Santana: Eu tenho sondagens.

Jorge Escosteguy: Você é campeão brasileiro, está no fim do contrato e não tem convite de ninguém?

Telê Santana: Sondagens de clubes querendo... e eu também já adiantei que eu não faria nada sem primeiro conversar com o pessoal do São Paulo, mesmo não tendo mais compromisso, porque meu compromisso encerraria no dia que encerrou o Campeonato Brasileiro.

Antonio Carlos Ferreira: Mas amanhã, então, você começa a reunião dizendo “eu quero ficar aqui” ou “desculpa, não adianta falar nada, que eu vou embora”?

Telê Santana: Não, eu comecei falando que eu não vou ficar. Não é... não quero ficar. É que eu não posso ficar. Eu comecei conversando assim, mas amanhã vamos conversar ainda.

Juca Kfouri: Mas não tem até um lado, Telê, e eu conheço você suficientemente para imaginar que esse lado acabe pesando? Não tem até um lado de gratidão, aí? No seguinte sentido: numa atitude rara do futebol brasileiro, a direção do São Paulo fez questão, no ano passado, apesar da perda do título e por reconhecer que você tinha pego um time num bagaço terrível, na segunda divisão, praticamente, e levado esse time à decisão do Campeonato Brasileiro, manter você. Vai ser agora, que você é campeão brasileiro, que você vai sair, você acha que vão deixar?

Telê Santana: Eu estou para parar no futebol desde que vim de 86, do campeonato.

[...]: Então, você está parando faz tempo.

Telê Santana: Mas é isso que eu estou dizendo. E tem momentos na vida de um profissional, como eu sou profissional, que é difícil até dizer não. Eu sei dizer não para muita coisa, mas chega em um momento desse, eu não sei dizer não, não sei tratar de problema financeiro para assinar um contrato, não sei. Eu vim duas vezes para o São Paulo e, é preciso que todos saibam disso, eu não pedi nada ao São Paulo, eles disseram para mim “você vai ganhar tanto” da primeira vez. Agora, aumentaram, “você vai ganhar tanto”. Foi assim, eu não falei “eu quero mais tanto, quero isso, quero aquilo”, não fiz nada disso. Então, são duas coisas difíceis para mim. Quando faço amizade, quando estou num bom ambiente, como é esse realmente do São Paulo, eu acho que dificilmente hoje, no futebol brasileiro, tem um clube tão bom para se trabalhar como esse, pelas amizades, pela pouca cobrança que eles têm, que eles fazem em relação aos outros clubes, que querem ganhar de qualquer maneira. Não importa como querem ganhar. Então, eu conquistei muitas amizades aqui, da primeira vez que eu estive. Uma delas é o caso do [Carlos] Caboclo [conselheiro do São Paulo e amigo pessoal de Telê Santana], a razão inclusive porque eu vim a primeira vez e continuei no São Paulo. E, então, tem momentos em que eu fico sem poder dizer não às pessoas. E eu vim com o propósito já de dizer não e ainda não disse. E então é uma dificuldade.

[...]: Você vai dizer isso amanhã, então, que você não fica mais?

Telê Santana: Mas não é por causa do clube, não é por causa de nada. Eu acho que eu já fiz o que tinha para fazer dentro do São Paulo.

Juca Kfouri: Honestamente, Telê, você se imagina vivendo longe do futebol mais de um ano, Telê?

Telê Santana: Eu não diria a você que vou viver longe dos jogos, eu vou ver jogos, eu passo na rua e vejo uma pelada e paro para ver.

Osmar Santos: Mas você vai embora do São Paulo, mas vai dirigir outro time?

Telê Santana: Não vou, que se eu tiver dirigir aqui no Brasil, por exemplo, eu fico no São Paulo, porque eu não vou para outro time.

Osmar Santos: Fora do Brasil, você tem vontade de ir para a Europa?

Telê Santana: Alguns países, se eu tiver um convite e uma boa proposta, é possível que eu vá.

[...]: Que países, por exemplo?

Telê Santana: Espanha, Portugal, Itália. Agora abre o mercado do Japão, pode ser.

Jorge Escosteguy: São vários países!

Telê Santana: Alguns países. Estados Unidos que também vai abrir mercado.

Osmar Santos: Só para terminar esse assunto de São Paulo comigo. Quer dizer, você diz não amanhã e, se ficar certo isso, o Oscar está aí, ele seria um bom substituto seu?

Telê Santana: Eu acho que seria um ótimo substituto, um ótimo substituto. Um homem de grandes qualidades para técnico. E eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele se tornaria um técnico. Claro que nós não vimos ainda o trabalho dele, que ele trabalhou no Japão, mas tem tudo para ser um grande técnico. Um homem direito, correto, líder, foi líder durante as duas copas que nós dirigimos, mesmo não participando da segunda jogando, mas ele é um líder, realmente, todos respeitam. Foi um grande jogador, que sempre jogou com uma seriedade muito grande, então tem tudo para ser um grande técnico e seria um grande técnico do São Paulo.

Juca Kfouri: Você está chamando a escola do Zezé Moreira, quer dizer, Oscar, Falcão começariam a ser os discípulos da escola do Telê?

Telê Santana: Talvez não fossem meus discípulos. Um jogador aprende muito com muitos técnicos que dirigiram eles. Então cada um... você pega uma coisinha e se esses homens inteligentes e que foram habilidosos e também líderes, eles têm uma facilidade muito grande de pegar de cada um pouquinho, aquilo que ele melhor viu no técnico, passar para ele e esquecer os defeitos que todos nós temos.

Jorge Escosteguy: O Goes tem uma pergunta e em seguida o Serginho.

José Goes: Telê, eu li ontem no jornal uma declaração de que você tinha receio de voltar ou de continuar no São Paulo temendo uma possível perseguição da federação, do presidente [Eduardo José] Farah [presidente da Federação Paulista de Futebol], por causa daquele entrevero que você teve com ele em abril, no meio do campeonato, não é? Quando o Farah se licenciou da federação, se licenciou até o final do ano, pediu seis meses de licença, isso aí abre caminho para facilitar sua volta, para o seu sim de permanência?

Telê Santana: Isso também seria uma preocupação minha, porque eu tive alguns problemas, não só com o departamento de árbitros, não seria bem o departamento, seria com dois árbitros, mas o departamento de árbitros, o sindicato dos árbitros... tomaram as dores dos árbitros e procuraram defender, até querendo me processar, me processar porque eu disse que eles dois prejudicaram o São Paulo em algumas partidas. Quando eu já vi várias vezes, aí, chamar de ladrão, desonesto, de safado e tudo e nunca vi processar ninguém. Mas a mim eles vieram processar, porque eu disse que eles tinham prejudicado o São Paulo. Eu nunca chamei ninguém de ladrão, de desonesto, nunca falei nada e eles tentaram me processar por causa disso. E eu acho que essa classe é uma classe unida, vai ficar naturalmente alguma coisa na cabeça deles e eles poderiam prejudicar o São Paulo por minha causa. Também é uma das razões que eu também não quero ficar.

Antonio Carlos Ferreira: Um minutinho só! Antes de você, um minutinho só. É sobre isso que eu queria perguntar o seguinte: você é um treinador sabidamente sério, honesto, competente, isso todo mundo reconhece. Mas, nesse desentendimento com o presidente da Federação e todos ouviram sua afirmação de que São Paulo foi prejudicado naquele jogo contra o Bragantino, o árbitro era José Aparecido Oliveira, o São Paulo ganhou o jogo. E houve uma afirmação sua, taxativa, que a federação estava perseguindo o São Paulo sob a orientação do presidente etc. No momento em que houve a sua presença na Federação, para conversar com o presidente da federação, tudo isso foi desmentido, se não foi desmentido, deram um jeito, botaram panos quentes e a coisa acabou. O seu comportamento, naquele dia, para que isso “acabasse em pizza”, foi em função da justiça que tarda e falha ou foi porque você não quis atrapalhar o São Paulo? Enfim, por que ajeitar a situação, se sabidamente você é um homem de posições muito sérias e objetivas?

Telê Santana: Primeiro, eu não falei com o presidente. Eu não falei. Eu fui lá, conversei talvez com um juiz do tribunal lá, falei aquilo que eu tinha dito, eu afirmei que tinha dito. Algumas coisas que saíram nos jornais, que eu não disse, eu disse que eu não havia dito, mais nada do que isso. Os advogados procuraram, da sua maneira, contornar a situação e ali então parece que encerrou, depois houve também...

Osmar Santos: Agora chegou a sua hora, o Farah pediu licença, você não vai vir embora e tal, fala o que você estava a fim de falar.

Mário Andrada e Silva: Era tudo verdade? É verdade tudo aquilo? O São Paulo foi realmente perseguido, havia alguém por trás disso?

Telê Santana: Eu acho que foi. Eu acho que foi e agora, mais do que nunca, provou. Porque eu acho que minha participação foi maior fora do campo do que dentro do campo. Porque no momento em que eu gritei e que falei, eles começaram a colocar juízes diferentes para apitar nossos jogos. Tivemos até prejuízos também, nesse jogo contra o Corinthians nós fomos prejudicados, mas num erro que o árbitro teve, porque você pode admitir um erro, qualquer árbitro pode errar. Como nessa do José Roberto Marques, que apitou a final do campeonato: é um erro a favor ou contra e um ou outro ganhar o campeonato. O que acontece é que eu não aceitava que... chega a uma final de campeonato, quando um campeonato é bem disputado como foi, e que jogam duas equipes, mais de 100 mil pessoas no estádio, se você tem o melhor juiz do mundo, você coloca um juiz que, no Brasil todo, ninguém conhecia a não ser em São Paulo. Então não poderia levar um juiz que ele poderia ter raízes aqui, dentro de São Paulo, e eu diria mais: se é um campeonato italiano, e está jogando Milan e Internacional, eu duvido que eles colocariam um juiz de Milão para apitar o jogo. Eles colocariam de Gênova, de Bolonha, de Turim, seja de onde for, e trariam um juiz bom para apitar o jogo. Aqui nós tínhamos o melhor juiz, que apitou agora a final, tínhamos o melhor juiz do mundo considerado pela Fifa, e chega em uma final de campeonato, não se põe o melhor juiz, por quê? Quando você leva para a Seleção, você não leva o melhor técnico, os melhores jogadores? E quando chega uma final de campeonato, procura-se o melhor juiz e põe em campo para apitar. Então, foi a minha reclamação, a reclamação que eu fiz. Agora, então, valeu a minha reclamação, porque quem apitou o último jogo foi o José Roberto Wright, o melhor juiz que nós temos no Brasil.

Serginho Leite: Ok. Telê, queria pegar essa.... A gente está ouvindo você falar aqui, se fosse um diretor de teatro, seria mais ou menos a mesma coisa, com o carinho que você diz dos fundamentos de um artista, que você é o artista da bola, do elenco, da beleza que você faz questão que o espetáculo tenha, e de repente é muito difícil a gente ouvir no Brasil alguém tratar o futebol como um espetáculo profissional que ele realmente é. Como é que você convive com a baixaria que rola fora do campo? Digo isso, você mesmo acabou de narrar uma aqui, que é baixaria. O futebol pode ser bonito com o amadorismo dos dirigentes, dos clubes e federações?  E aí eu já aproveito, se você quiser falar do projeto Zico [Arthur Antunes Coimbra, ex-jogador de futebol considerado um dos maiores meio-campos do mundo. Ajudou o Flamengo a conquistar a Taça Libertadores da América e o Campeonato Mundial de Clubes e fez parte das Seleções Brasileiras de 1982 e 1986. Em 1985, jogando contra o Bangu, sofreu a contusão que rompeu os ligamentos de seu joelho. Depois de se submeter a diversas cirurgias, parou de jogar em 1994 e passou a atuar como técnico], o que você acha? Eu gostaria...

Telê Santana: Eu encaro isso com muita tristeza, porque eu acho que a outra parte procura ser bem feita, no caso, a parte dos profissionais do futebol. E, se ela descamba para o lado errado, é porque eles permitem. Porque eu acho que, como o ano passado, nós tivemos aí 10 mandamentos para os árbitros, para que se impusessem dentro de campo para os jogadores – não se puseram tanto, mas esse ano já melhorou alguma coisa –, dar retaguarda aos árbitros, não ter medo de apitar, seja em Pernambuco, na Bahia, seja onde for, exigir que ele apite direito. E que tenha pessoas que possam colaborar dando seus comentários sobre as arbitragens, seja de um colunista, seja de quem for, que não tem ali tendência por nenhum dos clubes e que vai olhar aquilo como deve ser olhado, como um bom profissional. Então, eu acho que, desde o momento que se faça isso, vai melhorar, mas lamentavelmente os jogadores procuram ser profissionais, os da comissão técnica procuram ser, mas não são exigidos, principalmente, os árbitros e também os diretores que participam não levam tão a sério como levam os profissionais do futebol. E é preciso que se leve a sério para que nós voltemos a ter o futebol que sempre tivemos.

Serginho Leite: E assegurar, aqui, pelo menos, algumas das promessas, porque deve ser triste você garimpar, burilar, tratar aquela pessoa, fazer e saber que a rapaziada lá, os dirigentes já estão loucos para ganhar um dolarzinho em cima, “vou vender por qualquer grana, você não vai segurar o cara”.

Telê Santana: Eu sempre reclamei, isso não é de quando eu vim para São Paulo, não, há muito tempo eu vivo reclamando sobre o problema de, por exemplo, catimba de jogo. E eu marcava, porque eu sou muito minucioso nisso, marcava o tempo de jogo, para saber quanto tempo jogou no primeiro tempo, quanto tempo jogou no segundo tempo. O time faz um gol, como o Corinthians fez naquele primeiro jogo, quase não teve mais jogo. Então nós anotamos vinte dois, vinte e três minutos de jogo, porque o Corinthians fez um gol no início do jogo e passou. Eles falam muito que eu falo do Corinthians, mas foi a recente que eu vi, aí, os dois jogos que nós fizemos contra o Corinthians. Então, o goleiro – e eu falava para o senhor que estava do meu lado, que botaram ali para tomar conta, para a gente não entrar no campo, um reserva de árbitro, botaram ali do lado para não deixar a gente entrar em campo–, e eu dizia para ele: “Você vai ver, aos trinta sete, trinta e oito do segundo tempo, o juiz vai lá e dá um cartão amarelo para o Ronaldo que estava fazendo cera desde o primeiro minuto”. E não deu outra, quando chegou mais ou menos trinta e oito minutos, o Ronaldo demorou, ele foi lá deu um cartão amarelo. O que adiantou? Ia jogar para a torcida, não adianta nada. Se o goleiro faz cera no primeiro minuto, vai lá e dá um cartão para ele já, no primeiro minuto, para ele saber que no segundo vai ser expulso de campo.

[...]: O que tem que ser feito para acabar com esse tipo de coisa?

Telê Santana: Exigir dos árbitros, exigir deles e dar retaguarda aos árbitros. Eu sempre fui defensor dos árbitros, porque desde o momento que eu não quero violência, que eu luto contra a violência, que eu luto contra a catimba, a deslealdade, o atraso de jogo, eu estou ajudando o árbitro; se eu estou fazendo isso, eu estou ajudando o árbitro, porque, se não tiver "catimba", não tiver violência, o jogo fica mais fácil para ele apitar.

Jorge Escosteguy: Você acha que uma "catimba", uma "cerinha" ali não se justifica em momento nenhum? Eu pergunto isso porque o Edson Benetelo, de Osasco e o Dorival, de Ribeirão Preto, telefonaram e perguntaram: “Em 82 contra a Itália, você precisava de um empate, então, de repente, segura o jogo, vai lá pra trás, retranca, faz uma catimba”, podia ter ido adiante.

Osmar Santos: É sobre isso que quase emendei a outra próxima pergunta, que eu tinha uma curiosidade. Todo mundo comenta isso: que naquele jogo, se você segurasse um pouco e fosse contra os seus princípios, o futebol-arte, você quis jogar sempre bonito, e o pessoal comenta e nós perdemos a Copa por causa disso. No jogo contra o Bragantino, eu senti você, quando o zero a zero era bom, botou mais um ali no meio de campo e tal, ao contrário do que você costuma. Você mudou um pouco ou não aconteceu isso?

Telê Santana: Eu já disse isso, eu já respondi tantas vezes isso! Nós jogamos em 82, levamos o 1º gol, fomos lá e empatamos. Nós tínhamos um timaço que não se impressionou nem quando levou o terceiro gol; além do 3º gol, nós tivemos umas três chances depois para empatar o jogo novamente. Então era um time que sabia o que fazia dentro de campo, não menosprezava ninguém...

Moacir Japiassu: Dá licença, eu poderia fazer um esclarecimento aqui ao telespectador, porque, inclusive, não é verdade esse negócio de que nós estávamos atacando em 82, porque... [continua falando e Telê Santana fala ao mesmo tempo]

Telê Santana: Eu ia chegar lá. O nosso time todo estava lá, só faltava o Osmar [referindo-se ao entrevistador Osmar Santos], e os caras que estavam lá, fora entrar ali, eu, tal para ficar... mas também não ia evitar que fizesse o terceiro gol. Foi uma bola cruzada, o Sócrates saltou com um jogador, a bola sobrou, o cara chutou para fora, a bola ia para fora, pegou, o Paolo [Rossi], na passagem, ele meteu a bola e fez o gol.

Michel Laurence: O azar do Júnior está atrás.

Telê Santana: Está atrás. É isso que acontece.

Osmar Santos: É uma fatalidade, a Itália vinha de zero a zero, quer dizer, um time fraco, não é? Os italianos fecharam a conta no hotel e iam embora. Não ganham de jeito nenhum lá em Barcelona. Achei aquilo uma fatalidade. Mas o comentário é esse, que você joga ofensivo e poderia não ter jogado algumas vezes ofensivo e ter ganho. E achei que esse jogo com o Bragantino você segurou mais o jogo ou não?

Telê Santana: Vamos por parte. O Bragantino cismou em jogar no campo deles, que é um campo menor. A torcida em cima. Então eu disse: “Olha, o que nós temos que fazer”? Se nós pudermos fechar e deixar o Bragantino ir, um resultado para eles só o que interessava a nós dois. Então por que é que eu vou atacar o Bragantino, oferecendo a ele o que ele gosta, que é o contra-ataque, que eles têm jogadores velozes e que viriam? E quando eles ficavam trocando bola lá, eles estavam era perdendo tempo, porque naquela altura, eles tinham que estar procurando nos atacar. Então, eles ficavam lá, no beque, tocando bola, vai ficar até amanhã aí, deixa eles tocarem bola.

Juca Kfouri: Telê, eu acho que a história do futebol é a história dos vencedores, é muito cruel. Porque o time que teve a maior chance de gol no final do jogo, aliás, foi o São Paulo, o [...] chutou na trave. Agora, se aquela bola volta do travessão no contra-ataque do Bragantino, ele faz um a zero, você estava fuzilado. Também não estou nem aí, pôs o Flávio para chutar e tentar fazer o gol. Aí não tem saída.

Telê Santana: É, não tem.

Juca Kfouri: Aí apanha por ter campo, não ter campo...

Telê Santana: Porque na hora que você ataca, que você tem a posse da bola, eu também não fico defendendo, não, eu não fico com os jogadores lá atrás, não. Eu quero que o time adversário se dane, eles que se virem, porque nós vamos atacar. E quantas vezes você viu o Leonardo ir lá na frente, e ele é um jogador de defesa? O Zé Teodoro ia à frente e o final...

Entrevistador: Então você não mudou nada?

Telê Santana: Não, não mudei nada. Eu só fiz o time jogar esperando mais o Bragantino, porque se eu fizesse ao contrário é o que ele queria que fizesse.

Osmar Santos: Em resumo, também o Parreira não definiu um bom esquema lá?

Telê Santana: O que eu acho – e se é o time que eu estou treinando, eu vou fazer – é, desde o primeiro momento, jogar a bola dentro da área e vou em cima deles, nós estamos no nosso campo, é um campo pequeno. Joga em cima deles. Eles começaram a ficar trocando bola lá, o.... [Kfouri fala ao mesmo tempo e não dá para entender o final da fala de Telê Santana]

Juca Kfouri: Pelo menos você admitiu como tal e eu até estranhei, que você, pela primeira vez, teria se reunido com os jogadores mais experientes do São Paulo – Ricardo Rocha, Raí, Leonardo – para discutir como é que entrava, se entrava com Tilico [Mário de Oliveira Costa], se não entrava com Tilico e acabaram resolvendo pela entrada do Zé Teodoro. Na Copa de 82, você não conversava bastante com o Falcão, com o Sócrates, com o Júnior?

Telê Santana: Conversava e outras coisas mais que eu fiz em outras oportunidades. E eu diria até que, naquela decisão de 79, quando eu estava no Palmeiras, um jogador cometeu uma indisciplina muito séria.

Juca Kfouri: Jorge Mendonça!

Telê Santana: É, o Jorge Mendonça. Bom, nós estávamos fazendo um treinamento em Jacutinga, parece, e cometeu várias indisciplinas. O meu desejo era de imediato cortá-lo, porque eu não admito indisciplina. Um profissional tem que zelar pela sua profissão e querer sempre o melhor e querer o melhor não é cometer indisciplina. Ele saiu da concentração e coisa e tal, mas eu fiquei com peso na consciência, “e se eu tirar e o time não ganhar? Os próprios jogadores vão me condenar”. “Poxa, mas se nós tivéssemos jogado com ele”, os torcedores e todo mundo. Então eu reuni os jogadores sem ele presente, e reuni todos eles, disse: “Olha, se passa isso, isso, isso e o meu desejo é cortá-lo. Um homem como esse não merece estar no meio de vocês que estão se cuidando, estão treinando e tal. E eu vou deixar vocês à vontade para decidir. O que vocês decidirem, eu vou acatar. O meu pensamento é este: é ele fora! Vou sair, vocês em dez minutos resolvam, conversem vocês aí e depois me chamem”. Deixei eles conversando, isso em 79, antes até da Copa do Mundo. Quando eles me chamaram, eu voltei, eles falaram: “Nós decidimos que ele deve jogar”. Falei: “Está bem, ele vai jogar”. Jogamos e perdemos. [“Esse negócio de teimoso, então...”, comenta Osmar Santos] Nem tudo que se passa comigo ou dentro do trabalho meu, eu posso ficar: “olha, eu fiz isso, eu fiz aquilo”. Eu não vou ficar falando isso. Agora...

Osmar Santos: Claro. O Teodoro... você fez isso agora para ele jogar, você reuniu o grupo para pedir opinião.

Telê Santana: Reuni alguns jogadores.

Osmar Santos: Você tinha uma bronca dele?

Telê Santana: Não, absolutamente, não tinha nada. Olha, o problema do Zé Teodoro foi criado por ele e a decisão talvez fosse até afastá-lo, porque o Zé Teodoro deixou de participar de um jogo, ele não quis viajar porque ele viu que não treinou no time principal e não está ali, dito na testa dele, que ele tem que jogar, que ele é titular, que tem que jogar aqui ou ali. Então eu o relacionei para a viagem e ele não foi na viagem.

Osmar Santos: E agora, você reuniu o grupo e pediu que ele jogasse?

Telê Santana: Não, não foi isso, não. Aí depois que nós tivemos uma conversa com o seu Fernando, na sala de seu Fernando, conversei eu, ele, o Zé Teodoro e chegamos a um acordo. E o Zé reconheceu que tinha errado e voltou a treinar. E desde esse momento que acabou, que não teve mais problema nenhum, para mim encerrou tudo. Eu não volto nunca mais a falar com um jogador: “Olha, aquele dia você fez isso”. Não, acabou, ali encerrou. Não se fala mais nisso. Ele não jogou não foi por isso, porque tinha problemas, não, tanto é que o coloquei na última partida. Nesse jogo, nós sem o Erivelto – o Erivelto é um jogador que ajuda muito o lado esquerdo, o lado forte do Bragantino, o mais forte é o lado direito. Então eu, meio preocupado com isso, e tanto eu estava preocupado, que se eu fizesse um treinamento, todo mundo sentiria o que eu iria fazer. Eu não fiz treinamento nenhum, porque o Zé Teodoro já ia entrar na sua própria posição e o Cafu se adapta bem na função que você der. “Olha, Cafu, você tem que fazer isso, seja do lado direito, do lado esquerdo”, e ele vai lá e cumpre certo e tem uma condição física muito boa. Então eu tinha as duas opções, chamei os jogadores mais experientes e conversei: “Eu tenho duas opções. A minha eu já vou dizer. Eu gostaria de entrar com o Zé Teodoro pela direita”. E nem eles pensavam nisso, nenhum jogador pensava nisso. “Eu gostaria de entrar com o Zé Teodoro [ex-jogador do São Paulo] e o Cafu jogaria pelo lado esquerdo cobrindo aquele setor onde o Erivelto faz aquele trabalho. Ou então entrar com o ataque que terminou o jogo com o Mario Tilico, o Müller [apelido de Luís Antônio Corrêa da Costa, jogava na posição de atacante] e o Macedo. Então, eu deixo a critério de vocês, se vocês acharem que deve ser uma ou outra será acatado”. E eles optaram também por aquela que eu já havia dito que, para mim, era a melhor, que era a entrada do Zé Teodoro e o Cafu do lado esquerdo.

Jorge Escosteguy: Parece a história do Palmeiras em 79, “é melhor deixar como o homem pediu para não dar confusão”. Uma vez você lembrava do Jorge Mendonça...

Telê Santana: Eles nem sabiam disso, pela primeira vez eu estou dizendo isso para vocês, eu nunca disse isso, o negócio de 79, com o Jorge Mendonça, mas todos aqueles jogadores que participaram – vocês podem perguntar – eu reuni todos, com ele fora, como eu fiz na Copa do Mundo com o Renato e o Leandro. Eu, por mim, afastava de imediato, eu não posso conceber que dois jogadores que estão treinando para disputar uma Copa do Mundo saiam, voltem de madrugada sem que houvesse nada. E eu fui saber deles o que tinha acontecido, simplesmente eles falaram: “Encontramos uma garota e saímos” . “Ah, mas foi isso? Vocês estão cortados”, eu falei, “estão cortados”. Aí a comissão, os diretores: “Vamos fazer uma reunião com os jogadores”. “Vamos!" Sentamos lá, todos os jogadores, todos falaram, todos falaram e a diretoria... alguns diretores também falaram, da comissão falaram, menos os dois que não estavam presentes. Quando acabou, eu disse: “Olha, então, a pedido de vocês, eu vou aceitar”. Chamamos os dois, falamos “aconteceu isso, a pedido dos próprios companheiros”. Teve um que disse:  “Eu não acho que foi tão grave assim”. O outro levantou, o líder, que é o próprio Oscar: “Não, que está errado, está. Eles estão errados! Agora, eu vou pedir por eles porque considero bons jogadores, acho que nós devemos continuar com eles, mas não venha me dizer que eles estão com a razão, que eles estão certos, que eles não estão certos, eles estão errados”.

Jorge Escosteguy: Com a resposta sobre Zé Teodoro, você respondeu as questões do Cícero de Almeida de Itapetininga em São Paulo e Carlos Fernando Freitas aqui de São Paulo. Ligou aqui para você o Diego, de três anos, da escola maternal de São Paulo, quer cumprimentá-lo pelo campeonato e diz que espera encontrá-lo na churrascaria.

Telê Santana: Esse é um garoto que, um dia, eu estava lá, ele começou a chorar e eu abracei o garoto para dar uma volta com ele e ele não queria me largar mais, parecia que me conhecia há anos. Um beijo para ele.

Jorge Escosteguy: Telê, um pouco antes do intervalo, você contou alguns casos, alguns incidentes com jogadores e essa sua atitude de conversar, ouvir os jogadores e, inclusive, de pedir a opinião deles em relação, por exemplo, ao caso do Jorge Mendonça, o caso dos dois jogadores da Seleção. Qual é a reação, principalmente nas primeiras vezes que você fez isso? Porque o futebol, em geral, é uma coisa muito autoritária, muito machista, técnico manda, dá camisa, tira a camisa, sai, dispensa etc. Como é, em geral, a reação dos jogadores quando, de repente, você reúne as pessoas e pede para que dêem a sua opinião e, de repente, eles dão uma opinião contrária à sua e você acata, tipo, por exemplo, o Jorge Mendonça?

Moacir Japiassu: Telê, só um instante. Só lembrar os telespectadores, o professor do Telê foi um dos homens mais autoritários do futebol brasileiro de todos os tempos, que foi o Zezé Moreira.

Telê Santana: É, Zezé Moreira era um técnico durão e eu aprendi muito com ele e acho que ele tinha muito, muito mais qualidades do que defeitos e eu procurei aproveitar as grandes qualidades dele; e aqueles defeitos que eu considerava defeitos eu procurei afastar, como todo técnico deve fazer. Mas acontece que, na vida da gente, você cada vez que vai passando, você vai melhorando. Além dessa melhora que você procura ter, você também tem os seus mestres, no caso aí, o Zezé Moreira, fui treinado pelo Pirilo, pelo Tim, pelo Zezé Moreira, muito mais tempo pelo Zezé Moreira, por isso que eu tenho muito mais do Zezé Moreira que aprendi muito com ele. Então, aí, você tem as decisões a serem tomadas e sempre se toma decisões pensando um pouco mais e por isso que eu tomei essas decisões. Além disso, eu treinei a Seleção Brasileira, tive problemas com alguns jogadores, procurei contornar da melhor maneira, e um deles foi até o próprio Casagrande [Walter Casagrande Júnior, ex-jogador, foi centroavante do Corinthians e depois se tornou comentarista de futebol na televisão]. Casagrande ficou aborrecido porque não tinha sido escalado e deixou de falar comigo, passava e não me cumprimentava e tal. Eu sempre cumprimentava, ele passava, não cumprimentava, mas eu falava “bom dia” para ele sentir que eu estava ali. Então ele passava e eu “bom dia”, outra vez “boa tarde”, seja lá o que for, eu sempre falava. Um dia eu encontrei com ele, procurei no quarto dele e falei: “Olha, gostaria muito de ter a sua amizade, como tenho dos outros, mas ninguém obriga ninguém a ser amigo de ninguém. Se você não quer ser meu amigo, não há problema, nós não seremos amigos. Agora, se você quer jogar, mostre dentro do campo que você é melhor, gostando de mim ou não gostando, sendo o melhor, é você quem vai jogar. Então, se a sua única preocupação se é jogar, procure mostrar dentro do campo que você é melhor do que aquele que está jogando e você vai jogar”. Só para mostrar que eu não tinha nada contra ele nem contra ninguém. Desde o momento que você tem um elenco, se você tem um jogador que ou cometeu indisciplina ou que você não quer no time, você o afasta, vai embora, porque assim é melhor para os dois, para quem está dirigindo e para quem é dirigido. Então não fica aquela falsa impressão que gosta, que não gosta e tal. E eu não sou assim, eu sou duro e, na hora de dizer, eu digo a verdade, seja para quem for. Cometeu um deslize, um erro qualquer que seja, seja jogador de nome ou que não tenha nome, eu vou e falo com ele. Outra coisa que aconteceu na Copa do Mundo, teve um momento em que eu quis largar tudo em 86. Claro que ninguém sabe disso, eu cheguei na concentração, eu tinha pedido a todos os jogadores... que podia jogar baralho, mas que não jogassem a dinheiro, não podia jogar a dinheiro. E a primeira vez falei, veio a segunda vez, quando eu senti a terceira vez, eu reuni todo mundo e falei: “Olha, nós não viemos aqui para tomar o dinheiro do outro, nem se aborrecer um jogador com outro. Então vamos fazer o seguinte, se uma vez mais acontecer, eu vou embora”, falei para eles. “Em vez de prejudicar a Seleção Brasileira, mandando os jogadores embora, eu vou embora, então está decidido isso”. Então estava o Abi, também, participando lá: “Não, senhor! Se isso acontecer, nós mandamos vir mais 22 jogadores, vocês vão embora, nós vamos mandar vir mais 22 jogadores, pois quem vai embora é o elenco, todo o elenco vai embora e você vai ficar”. Então, são problemas que vão surgindo e que ninguém sabe que surgiu.

Jorge Escosteguy: Estava todo mundo ali no carteado, era generalizado ou era um grupo?

Telê Santana: É um jogo de pif[-paf, jogo de cartas] ou outros jogos, mas tudo a valer, e eu não queria que jogasse a valer. Jogar um buraco, não valendo, tudo bem.

Jorge Escosteguy: Tinha gente ganhando prêmio pelo campeonato de pif...

Telê Santana: Hoje, por exemplo, está se falando muito, ontem me entrevistaram no Rio falando sobre a cartilha. Tem certas coisas que o jogador tem que entender que não pode fazer. Se ele não entende, dar uma cartilha não é nada de mais, um regulamento, não diria cartilha. Tem o regulamento, tem que cumprir o regulamento. Se o jogador não puder cumprir aquele regulamento, ele não serve para estar na Seleção.

Juca Kfouri: Mas, Telê, obrigar o jogador a cantar o hino não é um pouco demais?

Telê Santana: É diferente, é diferente, né. Eu respondi a uma pessoa do exército uma vez, assim: “Ah, por que o jogador não canta e tal?” Falei: “Olha, tem gente que não canta nem no banheiro, você vai fazer ele cantar na frente de uma televisão, de uma rádio?"

Juca Kfouri: Tem que fazer gol, não é? Cantar o hino...

Telê Santana: Não canta, não adianta. Tem jogador que não fala nada, ele não fala. Tem jogador que nem fala.

Serginho Leite: O que para alguns é um favor, não é? [risos]

Jorge Escosteguy: Ferreira, por favor, em seguida o Japiassu.

Moacir Japiassu: Essa proibição do jogo, é bom que fique claro para o telespectador, porque é que você pune o jogo, não é por moralismo, é porque o jogo a dinheiro causa inimizade.

Telê Santana: Inimizade, e ficam até tarde jogando e ali ninguém vai atrás do dinheiro dos outros, vai tomar dinheiro do outro. Ali é para ganhar dinheiro, ganhar título, assim que se faz. Então eu só não gosto que jogue a valer dinheiro. Pode jogar buraco sem valer nada, eu até jogo com eles.

Jorge Escoteguy: Qual era o técnico, o Carter ou o Zezé Moreira que gostava muito de um joguinho também?

Juca Kfouri: Zezé gostava muito de cavalo.

Telê Santana: Cater não jogava carta a dinheiro, Carter não jogava.

Jorge Escoteguy: Não dava barbada para os jogadores.

Tele Santana: Eles não tinham liberdade de chegar para ele...

Antonio Carlos Ferreira: Telê, a história do pé-frio. Em 1951 você foi campeão pelo Fluminense na sua primeira disputa de título contra o Bangu e fez dois gols. É verdade isto?

Telê Santana: É verdade.

Antonio Carlos Ferreira: O seu primeiro treino no Fluminense, jovem ainda, fez cinco gols no treino. É verdade isso?

Telê Santana: Nunca mais fiz na minha vida isso.

Antonio Carlos Ferreira: Nunca mais fez. Então, veja bem, já se falou aqui que você está lembrando muito o Sílvio Caldas [(1908-1998), ao lado de Orlando Silva, Francisco Alves e Carlos Galhardo, foi um dos cantores de maior sucesso da chamada época de ouro da MPB; anunciou seu retiro da vida artística tantas vezes que ganhou o apelido de "cantor das despedidas"] e falando em despedida. Telê se despede hoje, amanhã, etc., e não se despede. Eu, no começo do programa, disse e, aliás, vou dizer que recebi essa informação de que no seu passeio pelo Rio de Janeiro, não sei se você foi ver, mas alguém em seu nome foi ver um tal apartamento de 600 metros quadrados, muito bonito no Rio de Janeiro etc. E agora eu volto a 1951: Telê, 19 anos, seu primeiro clube e mais. Em mais uma entrevista sua no Jornal do Brasil, 19 de maio de 91, você disse que sua maior alegria no futebol foi aquele seu primeiro título como campeão pelo Fluminense no Campeonato Carioca. Eu pergunto: não é um bom momento, é boa jogada se despedir do futebol como técnico do Fluminense do Rio de Janeiro quando você teve a maior alegria do futebol?

Michel Laurence: Ferreira, no título de 51, ele [Telê Santana] substituiu o centroavante titular do Fluminense, que era Carlyle [Guimarães Cardoso (1926-1982)], que tinha se machucado. Ele entrou de centroavante,  com cinqüenta e sete quilos, e fez os dois gols.

Antonio Carlos Ferreira: Carlyle era um que tinha um problema na orelha?

Telê Santana: É.

Antonio Carlos Ferreira: Isso. [vários falam ao mesmo tempo e não dá para entender o que fala Antonio Carlos] ... ele veio jogar aqui no Palmeiras depois.

Telê Santana: Minha maior emoção foi em relação a anos anteriores. Então, para falar rapidamente da minha carreira. Em 47 eu morava em uma cidade onde eu nasci, Itabirito, próximo de Belo Horizonte, e eu fui a Belo Horizonte para ver um jogo do Fluminense, que era torcedor do Fluminense. E chegando lá, eu vi o jogo, o Fluminense ganhando de dois a um, e eu saí correndo para porta do hotel onde alguns jogadores como Castilho, Orlando, Ademir, todos entraram, e eu não tinha coragem nem de chegar perto deles. Então quatro anos depois, eu estava dentro do Maracanã, disputando um título a favor do Fluminense e decidindo o título pelo clube que eu gostava. Então eu já me sentia ali realizado, a minha carreira realizada. Podia voltar para a minha terra, tranquilo, que eu me realizei. Primeiro, eu vesti a camisa do meu clube; segundo, decidi o título fazendo os dois jogos pelo Fluminense. Estava realizado.

Antonio Carlos Ferreira: Quer dizer que você deve ficar é no tricolor, isso não se discute? Você não respondeu. É uma boa despedida de carreira no Fluminense? Te atrai isso?

Telê Santana: É claro que seria. Eu comecei no Fluminense como jogador e como técnico, não é? Poderia até despedir também como técnico.

Antonio Carlos Ferreira: Os diretores do São Paulo que estão aqui prometeram que não vão ouvir. [risos]

Telê Santana: Não. O Fluminense está com um bom técnico, fez uma boa campanha, está tudo bem, foi jogador meu também, quando eu dirigi lá o Fluminense, o Gilson Nunes.

Juca Kfouri: Agora alvinegro [termo utilizado para referir-se a times cujas cores são o branco e o preto], você só dirigiu o Atlético Mineiro?

Telê Santana: Não, Botafogo também.

Jorge Escosteguy: O Ricardo Rodrigues aqui de São Paulo, pergunta: o que você tem contra o Corinthians?

Telê Santana: Eu não tenho nada.

Juca Kfouri: Eu ia fazer essa pergunta! [risos]

[vários falam ao mesmo tempo]

Telê Santana: Eu não tenho nada. Eu reclamei muito do campeonato do ano passado – as duas partidas contra o Corinthians – porque achei que o juiz ou os juízes, os dois juízes nos prejudicaram muito. O Corinthians abusou da violência, da deslealdade, da cera, tudo isso. E eu não admito isso! Eu admito, por exemplo, o gol que nós fizemos contra o Corinthians, que ganhamos de dois a um, ganharíamos de dois a um, que o juiz errou não dando a lei da vantagem. Eu admito isso. O que eu não posso admitir é que eles recebam, todos os jogos, os dez mandamentos: não pode fazer cera, não pode entrar por trás, não pode dar pontapé, não pode ficar na frente da bola. Tupãzinho [Pedro Francisco Garcia] é o rei de ficar na frente da bola, ele não deixa ninguém bater falta. Teve uma falta contra o Corinthians, ele entra na frente da bola e não deixa ninguém bater a falta. Eu até mandei: “Quando ele tiver na frente, dê um chute nele, dá na bola em cima dele, né. [risos]

Osmar Santos: Não acredito, mandou bater?

[vários falam ao mesmo tempo]

Telê Santana: Não, não. Na bola em cima dele. Chutar a bola em cima dele. Porque ele não saía da frente.

Jorge Escoteguy: Você disse chutar nele.

Telê Santana: Errei. Chutar a bola em cima dele. Isso eu não faria não, eu não faria. [risos]

[Osmar Santos faz um comentário mas não dá para entender porque vários falam ao mesmo tempo]

Telê Santana: Chutar a bola em cima dele. E até o Flávio fez isso e o juiz foi lá e chamou atenção do Flávio. Não chamou atenção do Tupãzinho que toda hora ficava na frente da bola.

José Goes: Telê, em um determinado momento da sua carreira, já como técnico, você teve uma ou duas sorveterias no Rio, não é isso?

Telê Santana: Tive duas.

José Goes: Você mesmo preparava o sorvete?

Telê Santana: Antes de começar como técnico.

[vários falam ao mesmo tempo]

José Goes: [...] tinha até aquele sorvete de queijo, né?

Telê Santana: Era o mais vendido e o que eu não vejo em lugar nenhum.

José Goes: Não tem. Estaria em seus planos aí, num futuro próximo, mais distante, você voltar a ser sorveteiro ou não?

Telê Santana: Não, eu não quero trabalhar mais, não quero trabalhar mais! Não quero mais trabalho. Acho que já mereço um descanso.

Michel Laurence: Telê, no intervalo do programa você estava falando que a pressão durante essas últimas quatro partidas do campeonato foi muito grande. Essa pressão está influenciando na sua decisão de sair, de ir embora, de parar de ser técnico?

Telê Santana: Também. É a tensão que a gente vive. Você disputar quatro partidas decisivas, porque nosso campeonato é um campeonato mais difícil, muito mais difícil do que um campeonato italiano. Você está com essa bola na frente, ele vai jogando o jogo, é um jogo, e se ele perder, ele não vai estar no páreo e tal. E você vai jogar essas quatro partidas e se você perder você está fora do campeonato. Então é uma tensão violenta. Você vai jogar contra o Atlético em Belo Horizonte, é uma grande equipe, um jogo muito difícil. E você tem aqueles momentos que antecedem, tem o momento do jogo, depois do jogo, você está arrasado, sai dali e já tem outro jogo no Morumbi, já para decidir quem vai continuar, quem não vai. Sai dessa e já pega o Bragantino, pô! Não é jeito.

Moacir Japiassu: Mas Telê, você ganhou o campeonato este ano. Quer dizer, para você ser chamado de “pé-frio” de novo, só daqui mais uns três anos de derrota. Sua situação está tranqüila. [risos]

Telê Santana: Eles inventam outra coisa, pode estar certo que eles inventam. Primeiro era teimoso, depois burro, depois pé-frio.

Michel Laurence: Chegaram até a dizer que você andava meio rabugento, meio nervoso. Aí eu me lembro do Telê...

[...]: Ele [...] para dar entrevista, então isso ele andou um pouquinho.

Telê Santana: Eu queria que um de vocês estivesse no meio lugar, eu só queria isso. Eu queria que um de vocês pegasse lá os seus repórteres, para toda hora quer uma entrevista, quer mais um pouquinho, agora não, pra amanhã, pra depois de amanhã... É duro, é duro!

Osmar Santos: Mas isso nós perdoamos, tudo o que você fez... a  gente até perdoa essas frescurinhas suas.

Telê Santana: Não é brincadeira, não. E não é uma rádio. Quando chega a uma decisão dessa, tem rádio de todo o Brasil.

[...]: Cento e dezessete!

Telê Santana: Então, quantas? Cento e dezessete! Eles ainda querem que, durante o jogo, eu dê entrevista. Então você já imaginou 117 emissoras, eu dando entrevista para 117 emissoras durante o jogo, pô, não dá.

Jorge Escosteguy: Telê, o Mário tem uma pergunta para você, por favor.

Mário Andrada e Silva: Telê, só para continuar trabalhando nesses rótulos, nesses preconceitos, um dos rótulos é que você é muito pão-duro. E eu queria saber se é verdade que aqui trabalhando no São Paulo você preferia morar na concentração, no centro técnico, do que no hotel, no apart hotel.

Telê Santana: Não foi por isso, não. Foi por uma necessidade, porque tinha algumas coisas erradas aqui, dentro do São Paulo, principalmente na concentração, e eu preferi, então, ficar lá durante algum tempo para ajeitar ali, pelo menos horário, houve uma revolta. Dei um horário até, bom, para todos, chegar até meia noite. Quem entrasse depois da meia noite, quem chegasse, não entraria. Então tudo isso eu fui fazendo, porque quando eu cheguei, se eu quisesse ir a um hotel ou um apart hotel ou um apartamento, o clube pagaria para mim, não precisava eu pagar. Eu achei melhor eu ficar lá algum tempo e realmente nós acertamos tudo lá dentro da concentração, ficou mais fácil o entendimento. No princípio alguns jogadores se rebelaram e tal, não queriam aceitar, mas depois entenderam e aí continuou tudo bem.

Moacir Japiassu: Eu só queria esclarecer só uma questão aqui para o telespectador, vamos acabar com essa história. Peraí, um instantinho só. Vamos encerrar essa história de que o Telê é pão-duro agora, neste momento. Eu estou aqui com a matéria feita com o Telê pelo grande repórter que é o Vital Batalha. Olha aqui o que diz essa matéria, vou até tirar os óculos, porque eu fiquei perplexo. Isso é uma matéria de 1980. [começa a ler] “O Internacional de Porto Alegre lhe ofereceu 250 mil cruzeiros por mês – naquela época era uma fortuna fantástica – e, mais recentemente, ele poderia ficar milionário com a proposta da Arábia para ganhar 2o0 mil dólares por ano. Acontece que o dinheiro parece não fazer parte da vida desse mineiro simples de família de dez irmãos”. Quer dizer, ele nunca foi, na verdade, pão-duro.

Telê Santana: Pão-duro seria aquele que não gastava. Eu recebia até, às vezes, a gente deixa de lado. Eu tive uma proposta uma vez do Grêmio em que eu não queria ir, não podia ir no momento, mas eles insistiam, insistiam, o presidente lá um dia, chegou para mim e falou: “Ô, Telê, nós falamos, falamos e até agora não falamos em dinheiro. Vamos falar em dinheiro, então. Eu vou fazer o seguinte – por telefone – eu vou mandar um contrato para você. Você preenche e devolve”. Quer dizer, sem dizer quanto. Eu é que preencheria o contrato.

Moacir Japiassu: Mas você não jogou no Vasco de graça também? Eu me lembro disso.

Telê Santana: Joguei, joguei. Por causa do Zezé Moreira, que era técnico lá, me pediu, achou que eu poderia ser útil para ele e eu fui. Falei: "Eu não quero ganhar nada, eu vim por causa do Zezé Moreira."

Juca Kfouri: Eu tenho um testemunho até a dar, Japi. Entrando na sua linha, eu fui companheiro do Telê durante um ano no SBT e eu me lembro de ele ter pago um cafezinho uma vez. Sem açúcar.

[vários falam ao mesmo tempo]

Telê Santana: Em um bom dia. [risos]

Juca Kfouri: Ele estava bem humorado.

Jorge Escosteguy: Telê, o Ferreira tem uma pergunta, por favor.

Antonio Carlos Ferreira: Você falou agora de pressões e eu acredito que você tenha sofrido muitas pressões ultimamente em função da história de ter que ser campeão brasileiro, de não ter sido campeão do mundo pela Seleção. Mas você dirigia times vencedores como Fluminense, o Atlético, o próprio São Paulo que nessa década é o grande ganhador, mas você teve uma passagem pelo Palmeiras. Palmeiras é o time que desde 1976 não vê títulos. Qual é a pressão maior, essa que você sofreu individualmente, como treinador do Palmeiras, treinador para ganhar o campeonato brasileiro etc. ou, como treinador do Palmeiras, aquela pressão interna dos diretores, dos corneteiros, da torcida? É muito forte a pressão do Palmeiras em cima do treinador, nessa angústia de ter que ganhar de qualquer maneira?

Telê Santana: É uma ansiedade muito grande, porque o torcedor, o diretor, ele só pensa em ganhar o título, talvez para ter uma passagem boa pela diretoria ou o torcedor não ser gozado na rua pelos adversários e tal. Então, é realmente uma pressão e uma angústia de uma ansiedade que todos eles têm e que você tem que conviver com ela e que isso passa também para os jogadores que querem ganhar, que insistem e querem fazer tudo e, às vezes, não dá certo.

Antonio Carlos Ferreira: Isso tem alguma coisa a ver com sua saída, quer dizer, o Palmeiras não deixava você fazer o seu trabalho programado, montar um time bonito?

Telê Santana: Não foi, não. Eu achei que eu não estava indo bem, e falei: “É melhor trocar, talvez trocando melhore e tal”.

Moacir Japiassu: Não melhorou muito, né, Telê? [risos]

Jorge Escosteguy: Com isso você responde também a pergunta do Paulo Rogério aqui de São Paulo, da Moóca. O Edson Sobrinho, São Paulo, pede que você faça uma análise, um comentário sobre o caso Maradona. Se você fosse técnico do Maradona, o que você faria em relação ao caso Maradona, inclusive para recuperá-lo para o futebol?

Telê Santana: É, nós todos lamentamos que um jogador como o Maradona tenha entrado nesse problema de drogas. E a gente que está sempre dirigindo e procurando orientar os jogadores da melhor forma possível, inclusive, até contra o próprio fumo. E é uma das coisas bonitas que tem no São Paulo hoje, é que é difícil de encontrar um time que não tenha um jogador que fume cigarro, não se fuma cigarro lá no São Paulo. Então a gente lamenta que um jogador, com tudo na mão, que tem tudo na vida, tem uma família, tem dinheiro, tem o que quer, automóveis dos mais sofisticados e tal, e que enverede para um lado tão ruim como esse, e que para o torcedor, para a juventude, é um péssimo exemplo.

Jorge Escosteguy: Agora você falou jogadores que não fumam nem cigarro. Você tem encontrado muitos casos na sua carreira de técnico de jogadores envolvidos com drogas ou maconha?

Telê Santana: Não. Eu nunca vi.

Moacir Japiassu: Você sentiu o bafo, né, Telê?

Telê Santana: E ninguém faz isso também abertamente porque sabe que a represália é muito grande. Então...

Juca Kfouri: Qual é a diferença, Telê? Sócrates tomava cerveja, fumava e jogava. Raí não bebe, não joga, quer dizer, não fuma e joga. É mais fácil dirigir o Raí do que o Sócrates?

Telê Santana: É mais fácil. O Raí é um homem compenetrado, foi preparado para jogar futebol,  o Sócrates não foi. Sócrates cismou de jogar de uma hora para outra e de ser profissional. O Raí, não, o Raí já vem desde o início como um atleta e por isso ele leva uma vantagem muito grande. Tem momentos na vida que o jogador, quando está jovem, por exemplo, muita coisa não reflete como reflete, às vezes, em um jogador mais antigo. Mas ele vai sentir mais tarde. O fumante, aquele que bebe muito, tudo isso ele vai sentir. Aquele que dorme pouco à noite, tudo isso vai refletir mais tarde em sua carreira. Vai ser uma carreira mais curta que a outra, mesmo tendo grandes qualidades como tem o Sócrates.

Juca Kfouri: Mas você fumava quando jogava?

Telê Santana: Alguma parte da minha carreira eu fumei e depois eu parei. Quando eu senti que estava me prejudicando, fazendo mal, eu abandonei definitivamente.

Osmar Santos: E hoje você não proíbe lá ou não?

Telê Santana: Não, eu não proíbo. Eu aconselho.

Jorge Escoteguy: Sócrates e Raí, o que você acha que? Independente dessa... O Raí pode ser melhor do que o Sócrates?

Telê Santana: Dois grandes jogadores. Eu não poderia fazer uma avaliação se este é melhor do que aquele. Eu acho que o Raí foi um jogador mais preparado para o profissionalismo do que o Sócrates.

Osmar Santos: Telê, você defendeu, defender, não... você sempre formou grandes times e descobriu alguns jogadores novos quando passou pela Seleção. Achei isso sempre uma grande virtude. Se o Falcão o consultasse, quem você está vendo, Telê, e quem você acha que pode ser jogador, que venha para esta Seleção e que também seja uma grande descoberta? Você aconselharia ele a convocar três meninos, aí, o que você acredita?

Telê Santana: Eu acho que isso é uma parte do próprio técnico, ele não pode ir na opinião de ninguém. Ele pode até perguntar sobre algum jogador que você dirige, no caso. Se tem algum defeito, algumas qualidades que poderia resolver o problema dele. Mas eu acho que a observação tem que ser feita pelo próprio técnico. Eu ouvi falar antes “hoje não vai ter mais isso, o técnico não vai fazer sozinho”. E ouvi até o Eurico Miranda dar uma dessa, aí, que o técnico não vai convocar mais só, vai ter uma comissão para convocar. Não, eu acho que o técnico tem que convocar. Ele é que sabe os jogadores que ele pode contar para determinados esquemas que ele queira armar. Então, não pode ser: você dá um palpite, ele dá um palpite e entrega um jogador que, às vezes, ele não quer. Não é assim. Eu acho que a responsabilidade é dele e ele tem que observar. Eu só estou achando que o Falcão devia observar mais os jogos, assistir mais, principalmente esses jogos finais, quatro equipes que se classificaram, todas boas equipes, que estivesse presente, observando, olhando todos os jogadores.

Osmar Santos: Ficar mais no estádio vendo os jogos...

Telê Santana: Vendo os jogos, porque é uma necessidade...

Juca Kfouri: Você tem opinião sobre esse menino da Portuguesa, o Renner? Você tem uma opinião formada sobre ele?

Telê Santana: Eu vi alguns jogos que ele participou bem e outros que ele desapareceu dentro de campo. É um jogador que tem qualidades e já demonstrou isso.

Jorge Escosteguy: Telê, o Mário tem uma pergunta.

Mário Andrada e Silva: Para você, atualmente, qual é o melhor jogador brasileiro? E só para completar, dos jogadores finalistas do campeonato, quais você acha que o Falcão poderia ter chamado e que não chamou?

Telê Santana: Eu não falaria sobre isso. Eu detestava quando o técnico dizia: “Esse jogador deve ser convocado, precisa ser convocado”. Eu já disse na resposta que dei aqui agora: quem tem que saber o jogador é o próprio técnico. É uma coisa que a gente não pode discutir, você pode depois analisar e até criticar, porque esse jogador que ele convocou não foi bem, mas você dizer que “este jogador deve ir, aquele jogador”... é muito vago isso para quem não tem nenhuma responsabilidade. Falar “este jogador deve ir para a Seleção” eu acho vago demais, porque se der certo, fala “ah, eu disse, eu falei que se fosse era bom”. Se não der certo, ele se omite, ninguém nem lembra que ele deu o nome de um jogador que não foi aproveitado.

Mário Andrada e Silva: E qual você acha o melhor jogador brasileiro?

Telê Santana: Eu também não diria. Minha palavra hoje, como ex-técnico da Seleção, tem uma importância muito grande. Vamos admitir que eu achasse que um jogador que está fora da Seleção fosse o melhor hoje do Brasil, eu dissesse: "O fulano é melhor." Mas, então, entraria em choque com...

Osmar Santos: Não, mas isso não vai acontecer. O melhor não está fora da Seleção.

Antonio Carlos Ferreira: O saudoso João Saldanha [(1917-1990), técnico de futebol, comentarista esportivo e militante comunista, apaixonado por futebol, famoso pela vida que levou - como jornalista cobriu a Guerra da Coréia - e pelo talento e temperamento peculiares. Foi técnico da Seleção Brasileira], quando se discutia o problema do jogador que bebia, que fumava muito, que jogava etc., eles diziam: “Mas, Saldanha, este jogador que não se comporta bem”. Ele dizia: “Mas isso não me preocupa, ele não vai casar com minha filha. Vai jogar no meu time, vai fazer o gol e dar o título para mim”. Você, ao longo da sua carreira, conviveu com algum jogador que você realmente reprovava esse comportamento, mas enfim, como ele era um craque, jogava bola etc... como você administrou isso? Nos seus times, você engolia os jogadores mal comportados?

Telê Santana: Eu tive como companheiros vários jogadores que bebiam demais, fumavam, inclusive já morreram até, Veludo [Caetano Silva (1930-1979), goleiro que atuou em diversos times, como Fluminense, Santos e Atlético Mineiro, e na Seleção Brasileira de 1954], Villa-Lobos...

Antonio Carlos Ferreira: Mas eles jogaram com você?

Telê Santana: Jogaram comigo.

Antonio Carlos Ferreira: Mas aqueles que você dirigiu?

Telê Santana: Que eu dirigi, eu acho que a disciplina ela cabe em qualquer lugar, é na sua casa, é no seu trabalho. Onde você estiver tem que haver disciplina, porque se não houver vira uma bagunça. Todo mundo se sente no direito de fazer qualquer coisa. Se você não corrige o Garrincha – porque é outro que já morreu por farra também –  porque ele é um bom jogador, você não pode corrigir, vamos dizer lá, o Everaldo, que não é um grande jogador, mas tem o mesmo direito de fazer tudo aquilo que o Garrincha faz.

Moacir Japiassu: Telê, gostaria de fazer uma pergunta, dessa vez é séria. Esse tão badalado projeto do Zico, que o Juca Kfouri teceu loas em um programa que eu vi na televisão de madrugada... Tem uma coisa: há vários aspectos no projeto do Zico, mas tem um que incomoda sobremaneira o torcedor brasileiro mais apaixonado. É o seguinte: essa questão do fim da Lei do Passe. Todo mundo, de forma demagógica, condena a Lei do Passe baseado sabe-se lá em quê. No entanto, nós somos um país que tem tradição de celeiro de craques, nós fabricamos jogadores para a Itália comprar. Você acha que nós temos condição de encerrar, de acabar com a Lei do Passe no Brasil para que nossos times vão à falência em três anos?

Telê Santana: Para mim parece que a Lei do Passe termina para os clubes brasileiros. Se ele passa três anos ou quatro anos, seria um projeto, aí, em quatro anos, ele teria passe livre para jogar no Brasil, para o exterior ele não ficaria livre.

Juca Kfouri: Ô, Telê, o problema do Japiassu é que quando ele faz graça, ele é muito engraçado, quando ele fala sério não tem graça nenhuma.

Moacir Japiassu: Mas eu falei sério.

Juca Kfouri: Ô, Japi, a Lei do Passe, o que se propõe no projeto do Zico é que durante o contrato do jogador, a Lei do Passe vige normalmente. Vai que o jogador seja comprado por outro clube, o clube vai ter que pagar. O que o projeto do Zico prevê é uma outra coisa. Ele prevê que, ao final do contrato, se o clube não tem, não quer manter o jogador com o preço que o jogador está estipulando para si mesmo, o jogador tem o direito de escolher o patrão que quiser, como você.

Moacir Japiassu: Eu peço licença para discordar.

Juca Kfouri: Mas é que o Telê não respondeu.

Jorge Escosteguy: Perdão, eu quero evitar que cada um dê a sua opinião, cada um já deu a sua opinião, quem está sendo entrevistado é o nosso técnico Telê Santana. Então eu vou fazer pergunta de três telespectadores que são o Carlos Rodrigues, de Osasco, Luis Carlos Rope, de Pirituba e Odir Ribeiro, de Itaquera. Eles querem que você faça um comentário sobre as críticas do jogador Mário Sérgio a você, do ex-jogador Mário Sérgio.

Telê Santana: Um assunto até que eu não gostaria de falar. Eu acho que o profissional, ele tem o direito de criticar, de elogiar, ele só não tem o direito de perseguir. Porque o que este rapaz fez, o Mário Sérgio, foi perseguir durante todo o campeonato. Ou por amizade que ele tem com outros técnicos, como ele mesmo, em um comentário, disse, no meio do campeonato, não sei se nós não estávamos bem, ele disse: “Está na hora de tirar esse aí, ele já fez o que tinha que fazer, e botar o outro aí”, que era o [Emerson] Leão [foi goleiro, com destaque para a atuação no Palmeiras, e trabalha como técnico], amigo dele, não sei. Então, essas coisas ele não pode fazer. Ele é novo na crônica, como crítico, e ele não tem esse direito de insinuar quem deve contratar, quem não deve. E não tem o direito de perseguir ninguém. A crítica a gente aceita, porque muitos pensam que eu não aceito a crítica. A crítica, quando ela é construtiva, eu aceito, procuro observar e tirar proveito dela, se eu posso tirar alguma coisa daquela crítica. Agora, eu não posso aceitar, um homem que entra há pouco tempo em uma televisão, se julga o dono da verdade. Até nós comentávamos, alguns técnicos, quando tivemos em uma reunião de técnicos, aí, que o problema estava ali, que a gente quisesse, um bom técnico, estava ali o técnico. Ele sabe tudo, ele resolve todos os problemas. Na hora que ele fala lá é como se ele tivesse resolvido todos os problemas. É só contratar e está resolvido o problema. E ele não é nada disso, porque ele já trabalhou três meses em um time, mandaram embora e nunca mais ninguém o procurou para ser técnico. Então é difícil essa profissão, não é fácil, não. Agora latim é fácil, latim é fácil.

Moacir Japiassu: Telê, e a Lei do Passe? Porque ficou no ar...

Telê Santana: A Lei do Passe, eu disse que ele teria que cumprir três anos no seu clube, depois de três anos, ele chegaria a um acordo com o clube ou se transferiria para outro clube.

Moacir Japiassu: Eu me refiro exatamente a isso, porque nós temos um futebol pobre. Os nossos clubes são pobres. Nós formamos no  Vasco da Gama, por exemplo, dezenas de bons jogadores, com o time gastando uma fortuna, como acontece aqui com o São Paulo e com o Corinthians. Nós temos condição de fazer um contrato e no final desse contrato o jogador sai livre, porque o Zico, por exemplo, não tem nada a falar mal da Lei do Passe. O Zico foi muito beneficiado pela Lei do Passe.

Telê Santana: Mas você teria as mesmas condições de chegar lá no Corinthians e tirar o Beto. A mesma coisa. Você tira lá o Raí do São Paulo e você vai lá e pega o Neto. O Neto, acabou o contrato, “Neto, pagamos tanto, você vem para cá”. Então seria uma troca de chumbo.

Juca Kfouri: E a possibilidade de os clubes votarem na CBF [Confederação Brasileira de Futebol], como o projeto do Zico propõe também, o que você acha?

Telê Santana: Uma necessidade, uma necessidade, sem ligas-fantasmas, sem nada. E outra coisa, não sei o que a federação faz, porque a federação ganha dinheiro com os que estão na miséria e a federação tem dinheiro. Eu não entendo. Eu não entendo isso. Campeonatos regionais. Só o de São Paulo é que dá lucro e o resto... nenhum dá. Tem que acabar com o campeonato regional. Então tem que fazer o Campeonato Brasileiro longo, com turno e returno, como se faz na Itália, e abolir o campeonato regional, porque o regional é uma disputa de quem quer aí, os times do interior.

Moacir Japiassu: A torcida não aceita.

Osmar Santos: [...] tem que acabar as federações...

Telê Santana: Tem a CBF para controlar todo o futebol brasileiro.

Osmar Santos: Como na Itália, uma federação...

Telê Santana: Como a Itália e como qualquer outro país.  

Moacir Japiassu: Mas, Telê, por exemplo, no Rio Grande do Sul, o técnico do [?]... acabaram com o campeonato regional lá e é uma loucura, eles ficam loucos, porque do Grêmio, por exemplo, o Internacional, que você foi treinador lá, eles preferem o campeonato gaúcho ao brasileiro.

Telê Santana: O torcedor, mas que dá prejuízo, dá. Ele dá prejuízo e ninguém está atrás de prejuízo. Então, você vê, um campeonato brasileiro como era na época...[sendo interrompido]

Juca Kfouri: Não é verdade.

Moacir Japiassu: Não?

Juca Kfouri: Se fosse verdade, o campeonato gaúcho não dava 2500 mil pessoas em média contra...

Jorge Escosteguy: Juca Kfouri e Moacir Japiassu, vocês interromperam o Telê no meio da resposta, por obséquio.

Telê Santana: Na época do Giulite Coutinho o Campeonato Brasileiro era disputado, a CBF pagava as passagens dos clubes, a CBF pagava a estadia dos jogadores e não cobrava nada dos clubes. Então, é aí que a gente não entende. Não cobrava nenhuma participação das rendas dos clubes. Então como é que ele faz, milagre? Não, milagre ele não faz. Dinheiro do bolso dele ele não botava. Então tem alguma coisa que está acontecendo errado, ele não cobrava a taxa, ele pagava as passagens dos clubes e pagava estadia.

Juca Kfouri: Você sabe qual é o emprego dos presidentes de federação?

Telê Santana: Eu não sei.

Juca Kfouri: Ninguém sabe também.

Sérgio Leite: É uma baixaria, a ponto de até os próprios jogadores da Seleção, no final, meterem a boca no trombone, porque afinal estão participando.

Tele Santana: É claro, com razão. No São Paulo, por exemplo, os jogadores têm uma participação na renda, então eles reclamam e com razão. Agora, todo mundo que você vê aí na rua tem carteirinha de federação, disso e daquilo e entra todo mundo de graça.

Jorge Escosteguy: Telê, você falou há pouco que, no fundo, você quer parar de trabalhar. Então eu perguntaria para você o que você quer fazer com base aqui nas perguntas dos telespectadores. O Aurélio de Souza, de São José dos Campos, ele pergunta se você quer jogar tênis? [“É verdade, gosto muito”, diz Telê Santana] O Carlos Silva, aqui de São Paulo, pergunta se você vai aceitar o convite de Toninho Cerezo [Antonio Carlos Cerezo] para pescar na Itália? Que profissão você teria se não fosse técnico de futebol? E finalmente, você diz que adora jogar tênis, então o José Amir Daer, lá do Paraíso, telefonou, disse que jogou tênis com você, e disse que se você ficar no São Paulo, ele dá aula de tênis para você de graça. [risos]

Tele Santana: Nós jogamos na Itália, ele estava lá, ia para Wimbledon, e nós jogamos lá na Itália no hotel que eu estava na Itália, na Copa do Mundo agora de 90.

Juca Kfouri: Você ganhou dele, Telê?

Telê Santana: Quem sou eu? Esse é muito bom.

Jorge Escosteguy: Você quer fazer o quê? Quer parar de trabalhar? Quer passear? Quer jogar tênis? Quer ir para aquele apartamento na Vieira Souto que o Souza falou? Tomar banho de mar?

Telê Santana: Isso não é verdade [referindo-se ao apartamento]. Eu quero passear, viver com os netos que estão crescendo, pescar, realmente eu nunca pesquei. Eu sou doido para pescar, eu nunca pesquei. Então eu quero pescar, mas não é pescar na Itália, é pescar aqui no Brasil, que nós temos rios melhores aqui.

Jorge Escoteguy: Você nunca pescou e é doido para pescar, não entendi.

Telê Santana: Eu quero ver a pescaria, porque todo mundo diz que é bom e eu nunca fui. Então eu quero pescar e eu nunca tive esse tempo. Desde 1950 até agora só trabalhando, trabalhando. E eu preciso um pouco de descanso.

José Goes: Telê, a família vai influenciar nesta decisão de ficar ou não no São Paulo? A dona Ivonete, o filho René?

Telê Santana: Não influencia.

José Goes: Mas você consulta o pessoal em casa?

Telê Santana: Eu consulto, mas ela aceita tudo o que eu fizer. Se eu falar: “Vamos para a Arábia”. Ela fala: “Vamos embora”. A gente pega a mala e vamos embora para a Arábia. Então não tem problema nenhum de família, não, o problema maior é o meu. Ela sabe o que eu vivo, né, porque, às vezes, não posso dar bronca aqui nem no clube nem nada, vou dar em casa mesmo.

José Goes: Mas ela dá alguma sugestão? Fica ou não fica, vamos ou não vamos?

Telê Santana: Ela não diz, não. “Escolha lá o melhor para você”. Ainda agora eu saí do Rio para cá, ela disse: “Escolha lá o melhor para você. O que você achar melhor, você faça”.

Osmar Santos: Então não está decidido mesmo, não? Nem ela sabe ainda?

Telê Santana: Nem ela sabe.

Osmar Santos: Telê, qual é o técnico que está atuando e que você respeita e admira?

Telê Santana: Há muitos técnicos. Esses técnicos que trabalharam, aí, o Nelsinho, o Jair Pereira, o Vanderlei [Luxemburgo], são todos técnicos novos, bons técnicos, mostram isso no trabalho que eles fazem. Voltou agora o Carlos Alberto Silva, aí, e tem outros.

[...]: Parreira [Carlos Alberto Parreira] também.

Telê Santana: Parreira é muito bom. Continuou um trabalho muito bom lá dentro do Bragantino. Então nós temos grandes técnicos, aí, aparecendo. Agora o Falcão...

Osmar Santos: E o Falcão, você não tem ainda uma opinião formada dele como técnico?

Telê Santana: O Falcão nós temos que aguardar. Eu acho que é muito prematuro você...

Osmar Santos: Mas pelo que ele está fazendo, esse começo aí da... Ele está no caminho certo?

Telê Santana: Ele não pode fazer nada. Honestamente, é preciso... Eu vi muita gente falando "tem que trocar e tem que mudar". Ele não pode fazer nada. Um técnico que não tem nas mãos os jogadores que ele gostaria de ter. As convocações, ele fez convocações para observar jogadores, porque outros ele não podia convocar. Agora mesmo teve uma convocação, não pôde convocar os quatro que estavam disputando as finais. Da Europa ele não podia trazer ninguém, né?

Osmar Santos: Da Copa América, agora, dá para a gente...

Telê Santana: Sim, ele tem os jogadores que ele quis convocar, todos que ele quis convocar estão nas suas mãos. E, além disso, tempo também para treinar que ele está tendo para chegar na Copa América, então...

Osmar Santos: Ele tem aproveitado o Cafu sempre no meio de campo e você muito pouco. Quem está certo, quem está errado?

Telê Santana: Eu acho que nem podia discutir. Se ele acha o Cafu melhor, e o Cafu se adapta em muitas posições, eu acabei de falar isso no início aqui da entrevista... Eu dizia que coloquei o Cafu na ponta esquerda, jogando ali, fechando aquele lado e ele jogou bem. Então ele joga bem no meio de campo, ele joga bem na lateral. Eu acho que, para nós aqui, ele funciona mais na lateral direita. Nós temos um meio-campo bom, de respeito, com grandes jogadores, e até outros na reserva como é o caso do Flávio, que ficou na reserva agora, então aproveitei o Cafu num lugar que eu acho que ele rende bem.

Jorge Escosteguy: Telê, nosso tempo já está se esgotando, aliás, o Rui, de Santo André telefona para você, cumprimenta-o pelo título, apesar de ser palmereinse. Eu tenho algumas perguntas de telespectadores. Eu queria que você desse respostas curtas e rápidas, porque são perguntas curtas. O Marcos Palhais, de Taquaritinga, São Paulo, pergunta qual foi o jogo mais difícil no campeonato de 91?

Telê Santana: Eu considerei vários jogos difícieis, esses quatro jogos que nós tivemos agora foram dificílimos, além de outros que nós tivemos, aí, com o Palmeiras, com o Corinthians, dificílimos. Não pode escalar um time mais difícil do que o outro.

Jorge Escoteguy: A Maria Ângela Contreras, de Santo Amaro, quer saber qual foi o melhor time que você treinou na sua vida?

Telê Santana: O melhor time foi o da Copa de 82.

Jorge Escosteguy: O Flávio Contreras, deve ser irmão da Maria Ângela ou marido, telefonou e perguntou na sua opinião qual é o melhor jogador brasileiro, depois de Pelé?

Telê Santana: Depois de Pelé, para mim, foi o Garrincha.

Jorge Escoteguy:O José Wilson, aqui de São Paulo, Perdizes, quer saber qual foi a melhor Seleção Brasileira, que você considera, de todos os tempos?

Telê Santana: De todos os tempos?

Jorge Escoteguy: É.

Telê Santana: Eu acho que a de 70 e a de 82.

Jorge Escoteguy: O Francisco de Mariporã quer saber para que time você torce em São Paulo e que time você torce no Rio?

Telê Santana: No Rio, eu já disse, eu torcia pelo Fluminense, desde menino, eu torci pelo Fluminense. E em São Paulo eu torcia pelo São Paulo, quando era ainda garoto. Eu me lembro, até, de um jogador que encerrou a carreira em um jogo que eu assisti em Belo Horizonte. André, um centroavante que estava subindo, quebrou a perna e nunca mais jogou futebol. Eu estava assistindo a esse jogo também em Belo Horizonte.

[...]: Você tem muita admiração pelo Marília também.

Telê Santana: E o Itabirense que tem as mesmas cores do São Paulo.

Jorge Escoteguy: O Júlio César, aqui do Parque São Lucas – bom, o presidente Collor vive fazendo esportes, e se exibe de jet ski, futebol, uma série de coisas –, ele pergunta: se o Collor fosse jogador de futebol, que posição você escalaria ele?

Telê Santana: Olha, eu o vi jogando um dia futebol de salão, lá, mas não sei nem em que posição joga e nem se ele jogou futebol.

Jorge Escoteguy: O estilo dele?

Telê Santana: O jeito dele ali não era muito de jogar, não. Acho que era mais para o jet ski do que para propriamente o futebol. [risos]

Jorge Escoteguy: Bom, nós agradecemos a presença, esta noite, no Roda Viva, do técnico Telê Santana, campeão brasileiro pelo São Paulo. Agradecemos também aos jornalistas aqui presentes, aos telespectadores.

Moacir Japiassu:  Pode acabar com uma salva de palmas para o Telê ou não? [palmas]

Telê Santana: Muito obrigado! Muito obrigado.

 
[Telê Santana da Silva morreu no dia 21 de abril de 2006, aos 74 anos, devido à múltipla falência dos órgãos, no hospital Felício Roxo, em Belo Horizonte]

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