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Memória Roda Viva

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Debate: rumos da economia

13/5/1991

Quais os rumos da economia brasileira com a saída de Zélia Cardoso de Mello e a chegada de um novo ministro?

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Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. No centro do Roda Viva desta noite, um centro especial: o Brasil e a situação econômica em função das últimas mudanças no governo Fernando Collor de Mello, com a saída de Zélia Cardoso de Mello e a entrada do ministro atual da Economia, Marcílio Marques Moreira [ministro da Fazenda durante os anos de 1991 a 1992. Em 1993 assumiu o cargo de sub secretário para Políticas Públicas da prefeitura do Rio de Janeiro. Permaneceu no cargo até 1995], ex-embaixador em Washington [de 1986 a 1991]. Para debater a questão econômica no Roda Viva nesta noite, nós convidamos: João Paulo dos Reis Velloso, presidente do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais e ex-ministro do Planejamento; Luiz Carlos Mendonça de Barros, diretor e vice-presidente do Banco de Investimentos Banibank; Paul Singer, professor de economia da USP e secretário de Planejamento de São Paulo; Carlos Alberto Longo, membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo e professor de economia da USP; Fernando Milliet, administrador e presidente da Soma Seguradora, ex-presidente do Banco Central e do Banespa. Para ajudar nos debates convidamos também os jornalistas: Luis Nassif, jornalista econômico da agência Dinheiro Vivo e Marco Antônio Rocha, apresentador do programa Imprensa na TV. Boa noite, ministro.

João Paulo Reis Velloso: Boa noite.

Jorge Escosteguy: A substituição da ministra Zélia Cardoso de Mello pelo embaixador Marcílio Marques Moreira indica uma política economia mais ortodoxa, uma política que apresenta um combate à inflação mais lento, mais seguro, sem grandes sustos, ou seja, uma economia mais estável? O senhor acredita que nós teremos este quadro no Brasil?

João Paulo Reis Velloso: Não necessariamente uma política mais ortodoxa. Eu acredito que vá ser algo mais previsível. Eu não creio que nós tenhamos uma repetição dos choques. Nós temos tido essa terapia de choques desde 1986, quando houve o Plano Cruzado [plano econômico lançado em 1986 pelo do então presidente José Sarney. O plano mudou a moeda do Brasil de cruzeiro para cruzado e congelou os preços e salários]. Talvez o Plano Cruzado tivesse alguma chance aos choques, isso dificilmente. Eu acho que vai haver uma preocupação muito grande com que nada surja de repente na economia e não haja mais essas, digamos, mágicas, cartas tiradas assim do bolso. Creio que vamos ter uma política fiscal rigorosa, uma política monetária rigorosa e alguma forma de encaminhar essa saída do congelamento, que é o grande problema, no momento, por onde tudo começa. Não é possível deixar que haja realmente uma perda de controle. Nós não podemos fazer uma liberalização de preço repentina, porque aí eu acho que é haveria um salto na taxa da inflação.

Jorge Escosteguy: A questão da saída do congelamento é, realmente, um dos temas mais importantes discutidos atualmente com a mudança de Ministério. Eu perguntaria ao Luiz Carlos Mendonça de Barros como pode ou deve ser feita essa saída do congelamento sem grandes traumas?

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Bom, a primeira coisa importante, eu acho que é específico da situação atual do congelamento, é que dada a recessão bastante profunda que nós temos da economia, eu acredito que se possa ter uma liberação parcial e gradativa dos preços sem grandes traumas. Nós temos, mesmo com o congelamento, certos setores da economia que os preços estão praticamente livres, principalmente os preços na área agrícola. O que a gente vem acompanhando no aumento de preço nessa área é que há uma certa tranqüilidade. Evidente que nós estamos numa conjugação muito favorável em relação a esse preço que é a safra que está sendo colhida e está sendo vendida e a recessão. Também parece que, dentro dessa condição de pouca demanda, de pouca força do lado das empresas, pode ser arbitrado via, principalmente, câmaras setoriais, onde se discute cada cadeia de produtos, uma forma de liberação gradual dos preços sem uma explosão, assim, efetivamente muito grande.

Jorge Escosteguy: Professor Paulo Singer, um dos outros temas também econômicos da atualidade que estavam em debates antes das mudanças do Ministério é a questão da liberação dos cruzados. O ex-ministro Reis Velloso [ministro do Planejamento dos governos Médici e Geisel] disse que inclusive agora podemos ter uma economia sem grandes choques, sem grandes sustos, mas a própria liberação desses cruzados, a partir de setembro, não seria uma espécie de choque para a economia, ou seja, como receber esse montante de cruzados todos os meses a partir de setembro?

Paul Singer: Não, eu acho que isso é um temor que eu pelo menos não compartilho. Na verdade, se trata de novamente devolver com os proprietários o domínio de dinheiro que eles provavelmente não tinham plano de gastar quando foi retido pelo governo, em março de 1990. Não necessariamente irão gastar agora, a não ser como, digamos, conseqüência da própria surpresa que, enfim, da arbitragem do que aconteceu a eles. Quer dizer, como reação ao fato de que tiveram suas poupanças confiscadas e retidas por um ano e meio e só vão recebê-las de volta... Portanto, perderam o domínio, perderam a liquidez, perderam a oportunidade de gastar o que gastariam imediatamente. É possível que uma parte dessas pessoas prefira pegar esse dinheiro e colocar em bens, mas isso são alguns bens muito específicos, quer dizer, isso não tem efeito direto sobre a inflação. Dificilmente as pessoas comprarão roupas e alimentos para colocar no freezer e coisas dessa natureza. Agora, provavelmente o governo tratará de oferecer taxas de juros muito atraentes para que as pessoas mantenham uma grande parte desse dinheiro realmente aplicada.

Jorge Escosteguy: Sem sair gastando por aí. Professor Carlos Alberto Longo, o senhor acha que a política econômica do ministro Marcílio Marques Moreira caminha nesse sentido, ou seja, o governo de repente não poderá inventar mais uma daquelas justificativas para oferecer esses cruzados, por exemplo, de outra forma que não moeda sonante, como disse aqui uma vez o professor Kandir [Antônio Kandir, ex-deputado federal], quando se perguntou a ele se ele ia liberar os cruzados ou não?

Carlos Alberto Longo: Perfeitamente. Acho que uma das saídas para liberar os cruzados é exatamente oferecer um ativo alternativo. Ele pode fazer isso, deve fazer isso. A transformação para uma economia onde todos os ativos estão liberados pode ser feita de uma maneira espontânea, desde que haja credibilidade na política, economia. A questão do que o novo ministro vai fazer, ainda é um pouco cedo para poder fazer inferências sobre esse fato, mas me parece que os sinais iniciais que estão sendo expedidos são preocupantes, na medida em que não há ainda claramente uma visão do que fazer com a economia. As questões são muito polêmicas, são questões como, por exemplo, do gradualismo ou do tratamento de choque. Certamente, esse governo não vai optar por um tratamento de choque, ou seja, um novo pacote, pelo menos nos próximos 30 ou 60 dias. Mas também o gradualismo exacerbado, ou seja, a omissão e a tentativa de resolver tudo pelo diálogo, por exemplo, como câmaras setoriais, e coisas dessa natureza, pode levar rapidamente à perda de controle, o que forçaria perversamente, paradoxalmente a um novo choque.

Jorge Escosteguy: Bom, são notáveis, são evidentes as diferenças de perfis entre a ministra Zélia Cardoso de Mello e o novo ministro Marcílio Marques Moreira. Eu perguntaria, então, ao Fernando Milliet se ele acha que a substituição de um pelo outro foi um avanço ou um recuo na política econômica do governo?

Fernando Milliet: Eu já não acho que tenha sido propriamente nem um avanço nem um recuo. Eu acho que são... Evidentemente essa decisão foi tomada em um âmbito de uma crise, as poucas notícias que se têm mostram que não está fácil preencher os cargos, o que confirma a idéia de que está difícil encontrar pessoas que queiram servir este governo, ou porque não concordam com ele ou porque não acreditam nele.

Jorge Escosteguy: Por que a situação está muito ruim, de repente?

Fernando Milliet: Eu acho que a situação de credibilidade do governo está muito ruim. Quer dizer, um governo que tem dificuldade de preencher os seus quadros nos cargos talvez mais importantes da administração deste país, evidentemente, é um governo que está sendo rejeitado por segmentos muito amplos da população. Eu acredito que o ministro terá, provavelmente... em um primeiro momento vai tentar manter pelo menos as linhas básicas da política atual e gradualmente vai mostrar, digamos assim, para onde ele tende. Eu diria que, numa certa medida, isso também vai depender dos assessores que ele venha a convocar e orientá-lo, porque é uma pessoa que a par de diversas qualidades, não teve ainda uma experiência executiva dessa complexidade, dessa dificuldade. Então, eu acho que realmente o que vai ser a política econômica do atual ministro a gente tem que levar, talvez, um ou dois meses para começar a se desenhar com maior clareza.

Jorge Escosteguy: Bom, o Luis Nassif, além, da agência Dinheiro Vivo, é também colunista da Folha de S. Paulo e também tem acompanhado o mercado desses últimos dias e poderia nos dar algumas informações hoje de como tem reagido o mercado em função dessas mudanças da economia.

Luis Nassif: O mercado, ele anda um pouco assustado ainda. Já sabia que tinha avaliações antes da queda do ministro, o próprio ministro comentava isso em particular, comentou com várias pessoas que tinha uma situação que não estava boa no ponto de econômico, uma série de bombas de efeito retardado que iriam explodir em um certo momento. Com a mudança da equipe, o que vimos é o seguinte: o novo ministro já entra meio amarrado, amarrado pela situação concreta e amarrado por essa reação inesperada de canonização da ex-ministra, em um processo de psicologia de massa que merecia ser um pouquinho melhor analisado como de um dia para o outro se mudam as opiniões. Esse processo de canonização reflete, no fundo, a imensa canonização contra o governo. Então, o Marcílio entra sendo acusado de ser um defensor do capital estrangeiro, para tentar indispor o Senado no momento em que tem que negociar a dívida externa. Ele entra sendo acusado de, antes de tomar qualquer atitude, antes de ter tempo para tossir, de abrir o país ao capital estrangeiro. O principal trunfo que era apresentado era essa abertura ao capital estrangeiro. É acusado de, a partir de agora, mudar a política econômica, fazer uma política econômica contra os interesses dos trabalhadores, como se um milhão de desempregados fossem a favor de uma política a favor dos interesses dos trabalhadores. Então, dentro desse processo, acho uma questão... o meu papel também é levantar questões como jornalista. Uma questão que eu colocaria para os debatedores é a seguinte: até que ponto, dentro desse descrédito do governo, do novo ministro, desse processo que deixou ele sem fala, inclusive tirando toda a equipe de assessores, até que ponto, com todo diálogo liberal, é possível reverter essa situação sem medidas de impacto?

Jorge Escosteguy: Antes de abrir o debate eu gostaria que o Marco Antônio Rocha desse a sua opinião, inclusive sobre essa questão levantada  pelo Nassif, que de repente a ministra Zélia passou a ser canonizada, quando até deixar o governo isso era o contrário.

Marco Antônio Rocha: Eu acho que isto é até natural, é aquela história, costumava-se dizer na televisão que brasileiro é tão bonzinho, que o brasileiro costuma realmente ser tão bonzinho, a ministra sai naquela circunstância um pouco constrangedora e até humilhante. Então fica todo mundo com pena dela e começa a canonizar. Mas eu acho que o importante aqui... aqui foram ditas duas coisas que me parece que a gente deve prestar bastante atenção: uma, o ministro Velloso falou da previsibilidade do novo ministro da Economia, que é o Marcílio Marques Moreira, e o Nassif falou das acusações de que ele vai abrir o Brasil ao capital estrangeiro. Eu acho que as duas coisas podem ser compatibilizadas. Eu acho que quem está por trás disso, pelo que eu li no noticiário e pelas informações que eu colhi também, existe uma estratégia atrás dessa substituição até porque o próprio ministro Moreira é um homem muito metódico, muito sistemático, muito cuidadoso e não teria aceito um convite assim da noite para o dia, em 24 horas, se não houvesse uma certa armação por trás disso. O presidente Collor, nas últimas viagens que fez ao exterior, parece que foi convencido, pelas conversas que teve com empresários estrangeiros e tal, de que o problema central que eles viam no Brasil, que esses investidores viam no Brasil, era a instabilidade governamental, a instabilidade da administração. Por outro lado, foi convencido também, até pela equipe do Itamaraty, de que a economia internacional está prestes a conhecer um novo surto de expansão a partir do segundo semestre, a partir do ano que vem. Então, me parece que a estratégia por trás disso é procurar fazer com que a economia brasileira, o Brasil, se aproveite dessa expansão da economia nacional. Para isso, a questão fundamental seria um homem que tivesse credibilidade lá fora. Então o Nassif falou das acusações de que o Marcílio vai abrir o Brasil ao capital estrangeiro. Existem essas acusações, mas na verdade ele é um homem que de fato atrai as atenções do mercado internacional, inspira certa confiança no mercado internacional e inspira previsibilidade, como dizia o ministro Reis Velloso. Então, a estratégia do presidente Collor me parece que é de preparar, aliás, ele vem fazendo isso desde o início do governo com essa política de liberalização em várias áreas da administração. Ele vem preparando a economia brasileira, ou tentando preparar a economia brasileira, para ser de novo beneficiária de um surto de investimentos internacionais. Eu não sei se esta estratégia está certa ou errada. Eu não tenho segurança para dizer sequer se essa estratégia está correta, que isso realmente vai acontecer, mas pelo menos me parece que é a estratégia que está por trás da presidência da República e justifica, digamos, a nomeação do ministro Marcílio Marques Moreira. O próprio presidente Collor andou dizendo que a administração mudava de marcha, que era como um carro que estava correndo em marcha na estrada e a substituição do ministro era uma mudança de marcha deste carro. Quer dizer, ele está sugerindo com isso que ele realmente espera que a figura do ministro Marcílio traga um choque de credibilidade junto aos investidores internacionais e nacionais e propicie esse, vamos dizer, benefício para a economia brasileira de querer atrair novos investimentos.

Jorge Escosteguy: Só lembrar que o ex-embaixador é ministeriável já desde os tempos do governo Sarney [José Sarney, presidente da República de 1985 a 1990].

Marco Antônio Rocha: É verdade.

Jorge Escosteguy: Antes de passar para ao professor Longo, eu queria fazer uma observação sobre as colocações do Nassif. Eu queria só, pegando ali o que disse o Milliet e perguntando ao ex-ministro Reis Velloso, ele diz: “A dificuldade de preencher os quadros”, quer dizer, o senhor que esteve no governo durante tanto tempo pode dizer, uma coisa difícil é encontrar dificuldade para preencher os quadros do governo. De repente é uma dificuldade grande, ninguém quer ir para o governo, como é que é isso?

João Paulo Reis Velloso: Depende do governo, depende das circunstâncias, depende das pessoas que são convidadas, de modo que eu nunca tive este problema e acredito que realmente é uma questão aqui de você preencher dentro de certos requisitos.

Jorge Escosteguy: O senhor acha que é um pouco, como disse o Milliet, um pouco de falta de credibilidade ou de não acreditar no governo ou por que o abacaxi é muito grande? Quem for para lá não vai durar muito tempo?

João Paulo Reis Velloso: Eu acho que realmente é um problema complicado no Brasil de hoje. Isso vem a propósito do que falou o Marco Antônio, do que falou o Nassif, no fundo é o que está aqui na cabeça de todos nós. O problema me parece mais complexo é o seguinte: nós não corremos apenas o perigo de perder este ano, se as coisas não forem bem, o Brasil corre o perigo de ter uma segunda década perdida, aí que está a coisa. O curto prazo, no Brasil, vem destruindo o médio e o longo prazo. Foi por isso que eu insisti na questão da credibilidade e, no meu entender, o governo só adquire credibilidade no Brasil... Onde está a essência do problema da inflação? É a falta de credibilidade do crédito público. Governo não consegue financiar déficit nenhum, é como uma empresa que, de tanto gerar prejuízo, perdeu a confiança dos credores. Então, em qualquer país, a Itália tem cinco, seis, oito, dez por cento de déficit do PIB [Produto Interno Bruto] e financia esse déficit. O Brasil não financia nem 1% do PIB como déficit. Então, realmente é todo um problema de credibilidade. E eu associo essa idéia da recuperação da credibilidade a que você tenha uma política que seja efetivamente previsível, não são apenas a investidores estrangeiros.

Marco Antônio Rocha: Estável e que tenha certa estabilidade.

João Paulo Reis Velloso: Sim, nenhuma política funciona se você não tentar colocá-la em prática estavelmente. Mesmo porque, se todo mundo percebe que há maneira de mudar a política, de ela de repente se esvair, todos começam a procurar a maneira de tirar proveito das circunstâncias, sem se preocupar em se ajustar à política.

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Todo mundo quer "tirar a sua casquinha".

João Paulo Reis Velloso: Nós precisamos realmente de previsibilidade nessa história toda, saber o que é a política. É uma política fiscal, austera? Tudo bem. Mas tem que ser com ajuste fiscal permanente, não pode ser apenas acabar de qualquer modo com déficit de caixa provisoriamente. Você tem que fazer uma completa reforma do orçamento no Brasil, do lado da receita e do lado da despesa. Uma política monetária também estável. Você tem que ter algum tipo de política de renda, principalmente agora, o Mendonça de Barros mencionou. Você não sai de uma complicação como essa, de mais um congelamento no Brasil, sem ter critérios para reajuste. Provisoriamente, é claro. Isso é uma fase de transição, reajuste de salário, reajuste de preço, de preferência em um processo de negociação, até que você tenha uma taxa de inflação mais ou menos estável, mais baixa, aí você vai fazendo realmente aquela idéia de fazer liberação de preços.

Jorge Escosteguy: O professor Longo queria fazer uma observação sobre a pergunta do Nassif, ou seja, se pode sair dessa situação sem vias de impacto. E apenas lembrar que a telespectadora Sueli Ribeiro, aqui de São Paulo, ela fez a mesma colocação de Nassif: “Quando Zélia Cardoso de Mello estava no poder, o povo falava que ela não fazia nada e agora que saiu dizem que ela fazia o melhor, agora como vai ficar a economia?” A observação do Nassif para o senhor comentar, por favor.

Carlos Alberto Longo: Com relação ao impacto, há necessidade de se fazer alguma coisa extraordinária, inusitada, imprevisível? Acredito que não. Mas o que se entende por impacto é alguma coisa que é até mesmo revolucionária, alguma coisa que não se fez até aqui. O que eu diria, por exemplo, nesse sentido? Obviamente de que não há a necessidade de surpreender a sociedade. O que é a herança dos dois pacotes de estabilização desse governo? Nós temos aqui taxas referenciais de juros, fundos de aplicações financeiras, câmaras setoriais que, a meu ver, não funcionam e não funcionavam, na verdade, terão que ser revistas medidas nos próximos meses e rapidamente. O projetão teria sido talvez um instrumento de médio longo prazo para resolver os problemas de previsibilidade. Ao meu ver, é tampouco um instrumento operacional que desça a nível de detalhes de projetos a ser encaminhado ao Congresso que possa resolver os problemas de previsibilidade a médio/longo prazo neste país. Portanto, o que seria uma coisa comum, um governo revolucionário? Seria aquele que já tem o diagnóstico do país, das suas dificuldades estruturais, que passa, por exemplo, solução nesta dívida de curto prazo do país, dívida flutuante que efetivamente impede que o governo consiga pensar em um médio/longo prazo, porque tem que todo o dia rolar essa dívida no mercado financeiro. E tem um problema de excesso de tributos, uma complexidade enorme do lado fiscal que deverá ser solucionada através de uma reforma fiscal, de uma reforma tributária especificamente que reduza, que colasse, todos estes impostos em dois ou três impostos no país. Por exemplo, temos uma questão muito difícil e que, certamente, irá dificultar as negociações com os nosso credores dentro e fora do país, que é a questão da programação monetária deste país. O governo tem que fixar metas, e metas terão que ser necessariamente nominais. Qual é a inflação prevista para os próximos seis meses? Com base nessa inflação prevista ele vai dizer o quanto é que ele vai expandir de créditos ou de meios de pagamentos. Nada disso se cogitou recentemente, preocupados que estávamos com outras questões de natureza, eu diria, conjuntural. Esse governo terá que, forçosamente, se dirigir a esse tipo de problema. Se ele o fizer com competência, ele certamente estará fazendo um governo revolucionário sem grandes medidas de impacto. Estaria fazendo aquilo que nós da sociedade esperamos, que cumpra exatamente o seu dever. Eu diria mais ainda, apenas para concluir, existem projetos hoje de estabilização que obviamente incorporam essas medidas de médio/longo prazo, que são absolutamente, eu diria, revolucionários. Por exemplo, a liberdade total de preço neste país pode ser hoje concedida, especialmente devido à recessão acentuada em que nós nos encontramos, desde que o governo encontre uma taxa de câmbio que seja suficientemente realista para permitir que todos os setores que hoje estão com seus preços comprimidos, defasados, com margens de lucros praticamente negativas,  possam se voltar outra vez e se realinhar, espontaneamente, de acordo com o seus custos de produção. Esse seria, por exemplo, do ponto de vista de curto prazo, um programa viável, possível de ser feito, desde que nós tenhamos, daqui para frente, uma administração na área econômica crível, um governo com credibilidade, uma área econômica suficientemente, eu diria, montada em programas de médio e longo prazo que possam dar credibilidade à política assim revolucionária como essa, que seria a liberdade para os preços e a fixação do câmbio em uma taxa que fosse suficientemente realista, como eu já disse. Alguma coisa parecida como foi feito, por exemplo, na Argentina há 30, 60 dias atrás, onde simplesmente a mudança de ministro com a continuidade daquilo que já havia feito anteriormente com o seqüestro de artigos financeiros e encaminhamento de medidas como reforma tributária ao Congresso Nacional. Ele [Carlos Saúl Menem. Presidente da Argentina de 1989 a 1999] conseguiu estabilizar a moeda Argentina, pelo menos até aqui, e com muitas perspectivas de que vai dar certo. Nada de revolucionário foi apresentado na Argentina, foi simplesmente a aplicação daquilo que nós consideramos consistente e compatível com a solução daqueles problemas que estão hoje cronicamente impedindo que o país saia desse impasse.

Jorge Escosteguy: Duas observações sobre o que disse o professor Longo, uma do professor Paul Singer que pediu e do Nassif também.

Paul Singer: Eu acho que a crise pela qual o país está passando é uma das mais sérias e tem raízes muito mais profundas, não se trata meramente de políticas econômicas do Estado. Gostaria de lembrar, para começar, que os salários nunca estiveram tão baixos há mais de 20 anos. Existe um processo de empobrecimento, de desnutrição, de aumento de doenças e da morbidade da população brasileira que é realmente assustadora. Existe, por outro lado, uma recessão profunda,  uma queda de lucros que estão sendo revelados agora pelos balanços, uma quebradeira, ou seja, há uma situação em que o conjunto da sociedade se sente perdedor e está reivindicando tanto maior participação numa renda que está se contraindo. Eu acho que o que seria desejável, e absolutamente urgente no país, seria o governo parar de querer arbitrar todo os preços e arbitrar todos os salários e pedir que as próprias classes sociais começassem a negociar de uma forma ordenada as suas diferenças, compativelmente com a retomada da economia do país. Vai ser impossível restaurar os salários, vai ser impossível restaurar os investimentos, vai ser impossível restaurar os lucros se a economia não voltar a crescer. Nosso problema é o problema da regulação, quer dizer, como fazer com que o conjunto dos agentes econômicos, sejam os trabalhadores ou sejam os empregadores, consigam se coordenar de maneira que se volte a investir,  a aumentar o consumo, se volte a aumentar o emprego, para que se possa com isso aumentar o salário. Isso tudo com uma inflação menor. É possível fazer isso, mas é preciso uma coordenação muito mais ampla. Por isso, me parece que as câmaras setoriais, que são em princípio organismos que organizam trabalhadores e empregadores para conseguir fazer essa negociação, elas estão na lei, mas não foram convocadas. Elas foram convocadas meramente para que a ministra e seu assessor anunciassem um limite de aumento de preço que ela estava aceitando para os produtos finais. Existe uma incrível portaria 193 que libera todos os preços no atacado e os tabela no varejo, o que além de uma falta de igualdade perante a lei dos agentes econômicos, que me parece monstruosa, ela é uma contradição completa daquilo que realmente precisa fazer.

Jorge Escosteguy: Antes de passar para o Nassif, o telespectador Carlos Joel, aqui de São Paulo, ele pede, por favor, qual é a programação correta para a economia dar certo? Nossos convidados estão aqui tentando nos definir um caminho da economia para os próximos meses.

Luis Nassif: Deixa eu comentar um pouquinho o comentário do Longo. Quer dizer, quando eu falo em choque, eu não estou defendendo o choque. Eu acho que ele pode se tornar inevitável. Agora, uma coisa é a gente sentar aqui e estabelecer regras, outra coisa é você sentar na cadeira do ministro lá e ter toda essa soma de problemas para administrar. O Longo... acho que bastam algumas coisas muito simples para resolver a situação. O que ele propôs aqui é um programa que, se for implementado, vai ser o maior choque da história da economia brasileira. E esses choques não são simples assim. Tem uma série... Ele está simplificando porque ele está falando, está expondo rapidamente aqui, mas tem uma série de desdobramentos que não são fáceis de relatar, por exemplo, quando você fala: reduzir tributos. Reduzir tributos significa você estabelecer uma reforma tributária que é uma coisa que envolve interesses violentos, envolve cortes violentos, que muita gente que está lá dentro diz que é impraticável. É um desafio fantástico. Quando falam: “Não, basta resolver a questão da dívida interna”. Esse negócio de rolar dívida diariamente, o que significa resolver a questão da dívida interna rapidamente, fora o calote...

Luiz Carlos Mendonça de Barros: [interrompendo] É resolver a inflação, portanto, como se o problema estivesse resolvido.

Luis Nassif: Como resolver a inflação?

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Por que se rola a dívida diariamente? Porque tem uma inflação de um e meio por cento. Basta apenas resolver a questão da dívida interna é a mesma coisa que dizer basta resolver o problema da inflação. Então, não adianta nada.

Fernando Milliet: Não é só isso não, porque você rola diariamente, porque sei lá há quantos anos o governo muda a regra com muita freqüência e, geralmente, com a intenção de reduzir o estoque da dívida. Então, a defesa é você ficar no menor prazo possível e comprar um prêmio de risco muito alto. Quer dizer, a dívida pública brasileira não é tão alta quanto como foi citado aqui da Itália ou de outros países em relação ao PIB, mas paga uma taxa altíssima de juro e não consegue o alongamento. Mas eu acho que não é só um problema da taxa de inflação, porque essa tendência já existiria se você conseguisse eliminar a inflação. O gato escaldado tem medo de água fria. Quer dizer, até você ver que realmente a coisa andou...

Luis Nassif: [interrompendo] Então, é um quadro complexo. Quando a gente pega a programação monetária com metas nominais, como o ministro tentou fazer o ano passado, quer dizer, então vamos emitir dinheiro com uma inflação de 5%. A inflação explodiu e começou uma recessão brava aí, que não segura este ponto bravo com a faca [sendo interrompido]. Por exemplo, taxa de banco realista com preços livres. Neste momento que você tem todo sistema de preços desarranjados, eu não sei o que é caro e o que é barato. Outro dia eu dei uma mesada para minha filha de cinco mil e minha mulher falou: “Você está maluco”. Outro dia fui no restaurante e deu quinze mil a conta. Então, com o sistema de preço completamente desarranjado, se você libera câmbio e deixa os preços livres, quer dizer, qual o efeito seguinte? Então, realmente o problema é muito complexo, é um pepino do tamanho de um bonde.

Marco Antônio Rocha: Eu queria fazer uma observação. O que disse o professor Paul Singer e depois também, de certa maneira indiretamente, o Fernando Milliet confirmou. O professor Paul Singer se refere a uma coordenação de esforços entre trabalhadores e empresários para, vamos dizer, em um sistema de negociação continuada, que permita uma certa política de rendas, de salários e preços compatíveis. Olha, eu acho, pessoalmente, pelo que eu tenho visto, pelo que eu tenho conversado com todo mundo, que é possível haver essa coordenação. É politicamente possível e há até uma vontade das entidades sindicais de trabalhadores e das entidades patronais de fazer essa coordenação. Mas quando eles se sentam na mesa para fazer a coordenação, a reunião termina em inconclusiva porque alguém diz: “Bom, o governo é incógnita e nós não sabemos qual é o coelho que o governo vai tirar da cartola no dia seguinte, então não podemos fazer nenhum acordo”. Então, nós voltamos outra vez naquela questão da previsibilidade e na questão da estabilidade. Quer dizer, o que o Brasil precisa é um pouco de previsibilidade e de uma política estável para que estas entidades de trabalhadores e empregados possam coordenar os seus desejos, as suas vontades e as suas possibilidades.

Jorge Escosteguy: O ex-ministro Reis Velloso queria fazer uma observação, mas eu lhe perguntaria antes: o Nassif falou que é uma grande diferença estar sentado e fazer um planejamento de governo e estar sentado na cadeira de ministro segurando o touro a unha. O senhor está aqui hoje discutindo soluções e já esteve na cadeira de ministro propondo soluções. Como é essa diferença? Até porque o Alfredo aqui, de Guarulhos, ele pergunta: “Por que todos os ministros, após deixar o cargo, têm todas as soluções para o governo?”.

João Paulo Reis Velloso: Eu acho que realmente nós estamos aqui conjeturando, inclusive porque não sabemos direito o que vai ser a política no novo governo, nem os auxiliares, nem o time ainda está formado. Mas acho que é muito útil este exercício e eu confesso que, ao falar naquela questão da previsibilidade, eu levei em conta toda a minha experiência de governo. Porque se há algo que realmente eu acho que mudou no Brasil foi o fato de você ter dificuldade de manter as políticas. Esta, para mim, é talvez a perda pior do país. Eu tenho até dúvida, eu gostei muito de certas observações do Longo, e a única dúvida diz a respeito daquela história de você fazer uma experiência semelhante à da Argentina, porque para mim isto encerra um certo componente ainda de experimentalismo. Se há sugestão que a gente possa fazer ao governo, porque é isso que a sociedade brasileira está querendo, é isto que os empresários brasileiros, além, naturalmente dos investidores estrangeiros, estão querendo, é que seja possível ver seis meses adiante o que vai ser a política econômica no Brasil, ver talvez um ano adiante o que vai ser a política econômica no Brasil. Então, qualquer idéia de mudança de regra de jogo, mesmo bem fundamentada, mesmo bem intencionada, eu não o faria. Eu não faria nada que eu não possa anunciar de antemão. Eu posso mudar a dose das coisas, mas acho que realmente toda a política tem que ser renunciada, principalmente porque você tem, de fato, que trazer uma solução para essa questão de governo. Do ponto de vista da recuperação do Estado, o Estado brasileiro perdeu as condições de ser um bom sócio do setor privado nessa empreitada de fazer um capitalismo moderno, desenvolvido, democrático no Brasil. No fundo, parece assim uma centopéia que, de repente, resolve com as pernas para todos os lados, recebe as instruções na cabeça, mas as cem pernas não obedecem, porque ele virou essa coisa meio uniforme que nós estamos vendo ai. Ele tem que ser recuperado, principalmente tem que ser recuperado do ponto de vista do seu desequilíbrio financeiro estrutural, ou seja, o governo tem que apresentar um programa fiscal que, se não resolver - e pode não resolver imediatamente o problema do Estado no Brasil, daquele desequilibro estrutural - ele torne claro que, num horizonte de dois, três anos... envolvendo, às vezes, até reformas na Constituição, mas que a sociedade saiba para onde está indo em matéria de ordenamento financeiro do Estado. Então, por exemplo, agora foi feita essa transferência, mais ou menos 50%do IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados] e do imposto de renda vão para estados e municípios. Isso me parece irreversível, não adianta. Não há ninguém no Congresso querendo mudar isso, a União tem que aceitar como um dado. Agora, ela pode reformular o seu papel na economia brasileira. O que ela faz nos setores de infra-estrutura econômica, o que ela faz em transportes, o que ela faz em comunicações, por exemplo, ela vai adequar o investimento que ela realiza nessa áreas ao novo nível de despesa, perdão, de receita que ela tem que é muito menor. E assim também do ponto de vista de infra-estrutura social. Todo o papel do governo tem que ser reformulado para se ajustar à nova situação, senão não vamos sair nunca desse círculo vicioso. E continua a história que eu já me referia, de que nós fazemos uma política de estabilização que acaba com os mercados, desestrutura a ordem econômica e não dá condições de previsibilidade a ninguém, muito menos à empresa privada.

Jorge Escosteguy: O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros quer fazer uma observação também.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: É, eu acho que vale a pena a gente voltar os olhos um pouco para esses um ano e dois meses da ministra Zélia, porque me parece que algumas coisas importantes se cristalizaram nesse período. A primeira, que realmente havia, no diagnóstico da equipe econômica, a questão fiscal como um ponto central. Nós podemos acusar a ministra de várias coisas, menos do que uma certa violência ou até um certo, quer dizer, um ataque à questão fiscal. Isso nós não podemos deixar... e isso funciona como experimento para nós. O que aconteceu? Pela primeira vez, com todos os orçamentos unificados e com uma visão muito clara de receita e despesa, ficou a olho nu um problema inclusive mais grave do que este que o ministro está revelando, da incapacidade de investimento, de recursos, uma incapacidade para cobrir o próprio custeio do governo. Chegou-se ao limite do corte daquilo que era possível e nós chegamos hoje à conclusão que só a folha de salário do governo já torna praticamente impossível essa realidade de partição fiscal que a nova Constituição trouxe. Então, eu acho que é uma injustiça nossa, em relação ao governo é, se há, pela Constituição, quer dizer, uma obrigatoriedade de cumprir o lado da partição da receita, que não exista também o lado de adequação de despesa. Então, eu acho que uma das mensagens, uma das lições desse período é a seguinte: sendo a questão fiscal uma questão central no combate a inflação, nós não... pode sair a Zélia e entrar o novo ministro, pode entrar um novo ministro mais radical, eu até sugiro aqui o Longo, que cada vez fala mais igual ao Roberto Campos [(1917 – 2001), economista, diplomático e político brasileiro. Foi ministro do Planejamento. Conhecido por seu liberalismo econômico], que até tem maior humor, porque existe uma realidade intencional. Então, essa é uma questão... todo o drama pessoal da ministra, da equipe, nos revelou que essa é uma questão que tem que ser centrada. Esse não é um problema só do presidente da República nem do ministro da Fazenda. Se nós estamos querendo uma lógica na política econômica, esse é um ponto que tem que ser enfrentado. E, nesse aspecto, o pacotão ou aquele desenho de proposta de entendimento nacional que o governo começou a articular, me parece fundamental. E mais uma outra coisa, basta nós olharmos, vamos dizer assim, as experiências de países da América Latina com problemas parecidos com o nosso: a Argentina, o México e o Chile. Quer dizer, o problema econômico que tem na cabeça do professor Longo exigiria um outro arranjo político que não esse nosso que nós temos hoje aqui. Porque eu não acredito que a reforma fiscal, na abrangência que ele esteja pensando, tenha a menor viabilidade de passar no Congresso livremente eleito. Segundo, nós temos a outra alternativa, que é alternativa México, que evidentemente não tem o regime político da dureza que foi o caso do Chile, mas tem um regime político controlado por um único partido. Mas de qualquer forma, nós temos a experiência de um acordo entre governo e sociedade, tanto do lado dos produtores como do lado dos trabalhadores, no sentido de ordenar essa estrutura e essa implantação da política econômica. Quer dizer, eu vejo, olhando a experiência que nós temos da ministra Zélia, olhando um pouco a lição que vem de outras experiências, eu não vejo outra saída para o Brasil de que o presidente da República ter esse entendimento, certo? O Congresso Nacional ter esse entendimento, a sociedade ter entendimento de que ou nós bem nos organizamos aqui para que a partição dos sacrifícios e a partição, vamos dizer assim, das dificuldades inerentes a um programa de estabilização sejam adequadamente divididas, ou então...

Marco Antônio Rocha: [interrompendo]. Luiz Carlos, você está dizendo que nas circunstâncias atuais o Brasil é ingovernável, certo? Aquilo que dizia o presidente Sarney quando deixou seu governo.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Mas o que nos mostra esse um ano e dois meses do presidente Collor? Aquilo que não tinha, ou que se dizia que o presidente Sarney não tinha, que era representatividade, lhe sobrava em termo de votos...

Jorge Escotesguy: Aquilo roxo [referindo-se a uma frase repetida diversas vezes no governo Collor como sinônimo de virilidade e rigor].

Luiz Carlos Mendonça de Barros:  Pouco depois que ficou roxo, não sei. O que se percebe é que, por exemplo, uma outra coisa que me chama atenção nessa experiência da ministra Zélia é que o combate à inflação no Brasil, pelo menos nas últimas décadas de 1980, não é nenhuma questão de governo, é uma questão do ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central, quer dizer, nem o governo como um todo tem uma concepção de que aquilo é necessário. Tanto isso é verdade que, se nós olharmos pelo menos três ou quatro casos, o ministro da Economia de plantão cai fulminado por uma bala detonada por um...

Marco Antônio Rocha: [interrompendo] De dentro do governo.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: O próprio governo não deixa. Certo ou errado, o presidente do Banco Central tinha uma política muito clara em relação à conversão da dívida externa, ou seja, não vamos utilizar a conversão da dívida externa, que tem uma série de vantagens, mas tem uma desvantagem terrível, que ela não me expande a moeda e ela me descontrola o poder monetário. E todos nós sabemos que uma das grandes fontes de desgaste dessa equipe foi exatamente o pessoal que queria a manipulação do instrumento. Então, pobre do país que tendo 1000% de inflação, 2000% de inflação, não consegue ter, nem dentro do governo, uma unanimidade em termos de diagnóstico, de propósito, de estratégia.

Jorge Escosteguy: Professor Longo foi mencionado e gostaria de fazer uma observação, por favor.

Carlos Alberto Longo: Certo, eu acho que o problema do Brasil está muito mais relacionado com a falta do governo do que propriamente com essas dificuldades institucionais. Eu acho que, se nós observarmos bem, esses 12 meses do governo Collor, em termos de economia, foi um verdadeiro desastre. Eu não vejo nenhuma herança positiva desse governo até aqui. Na verdade, ele começou o governo sem refletir adequadamente sobre as dificuldades que iria enfrentar e fez um plano de estabilização que poderia até estar correto, do ponto de vista conceitual, desde que acompanhado por devidas modificações estruturais que nunca vieram. O comparado desequilíbrio fiscal é um desequilíbrio transitório, por isso mesmo não leva...

Luiz Carlos Mendonça de Barros: [interrompendo] Desculpa. É uma contradição daquilo que você falou. Você está dizendo o seguinte...

Carlos Alberto Longo: [interrompendo] Dá licença, eu não polemizei com você enquanto você falava e agora eu também tenho a liberdade de falar um pouco. O equilíbrio de caixa é um equilíbrio temporário, o que ele conseguiu foi simplesmente deixar de pagar os juros em regime de caixa, embora terá que pagar, se bem que espera-se que se pague, não se tem certeza, em regime de competência. Os gastos que ele cortou foram gastos que já haviam sido cortados, especialmente pela administração anterior, não há mais o que se cortar no governo federal. O governo federal não gasta mais com coisa alguma. Fez agora o arrocho salarial, que era a última coisa que faltava fazer. A herança das administrações anteriores, diga-se de passagem, foi muito pesada, com exceção dos últimos 12 ou 18 meses da administração Sarney, onde foi feita efetivamente também uma contenção fiscal, mas em regime de caixa, o que não resolve o problema da previsibilidade e do equilíbrio permanente em relação às contas públicas. Temos, em resumo, um problema de governabilidade. Eu vejo com muito pessimismo a possibilidade de nós resolvermos esse problema no Brasil mantido o regime presidencialista de governo. Qualquer pessoa pode se eleger neste país desde que seja bom de conversa, desde que tenha capacidade de se comunicar com o povo e de propor, no palanque, a política que é a mais conveniente diante das opções que estão sendo colocadas ao eleitorado. Temos visto isso inúmeras vezes e seqüencialmente na América Latina. O presidente Menem [Carlos Menem, presidente argentino de 1989 a 1999], na Argentina, foi eleito com uma plataforma e está governando com outra. A mesma coisa está acontecendo no Peru. De modo que temos que rever o nosso sistema de governo para resolver a questão de como encontrar uma forma de ter um governo estável e que possa levar adiante...

Luiz Carlos Mendonça de Barros:  [interrompendo] Isso se bate na democracia, não?

Carlos Alberto Longo: Essa sua inferência não faz parte das minhas convicções e tampouco me parece das minhas palavras. Mas, ainda continuando um pouco, porque falávamos sobre a questão da medida de impacto, se haveria ou não a necessidade de uma medida de impacto, e se uma política que fosse suficientemente crível e que fixasse a taxa de câmbio para deliberar os preços, se isso seria alguma coisa revolucionária. Certamente seria, mas seria alguma coisa nada acadêmica, nada sofisticada, como nós já temos, inclusive, discussões aí em torno de dolarização, em torno do plano cruzeiro, alguma coisa muito, eu diria, preparada por pessoas que não estão efetivamente comprometidas com o dia-a-dia, com a administração, com o corpo a corpo das dificuldades do governo. Me parece que o problema da inflação hoje, para você telespectador que está preocupado com alguma coisa mais concreta, é simplesmente uma questão de realinhamento de preços. O realinhamento de preços leva a um aumento de preços a curto prazo, mas não necessariamente à inflação, que é um alinhamento sistemático de preços. Para que o aumento sistemático e contínuo de preços possa ou tenha que ocorrer é preciso que haja um déficit público muito maior que a capacidade de financiamento do governo. O déficit público, pelo menos em regime de caixa, hoje, está razoavelmente sob controle. De modo que tudo o que a gente tem que fazer hoje, ao meu ver, é readmitir que aqueles preços que estão comprimidos possam ser realinhados. Isso significa que teremos, sim, um aumento de preço muito grande ainda, possivelmente na ordem de 30%, 40%, mas isso não significa que esse aumento, de uma vez por todas, vai se perpetuar, vá continuar no segundo semestre sem um paradeiro. De modo que, se nós pudermos realinhar o câmbio e o governo for suficientemente competente para segurar esse câmbio e administrá-lo de alguma forma num nível realista, digamos, 350 cruzeiros hoje, é possível que a liberdade de preços possa levar eventualmente assim a uma política estável de administração das contas públicas e das contas monetárias. E só aí nós teremos um reinvestimento neste país. Não é porque o nosso ministro da Fazenda é uma pessoa, digamos, muito bem relacionada na comunidade financeira internacional, que os investimentos virão para este país, muito pelo contrário. É preciso primeiro que o Brasil encontre uma solução para seus problemas domésticos, em particular da inflação, para depois então nós termos o retorno dos investimentos.

Jorge Escosteguy: Enquanto o professor Longo falava, um pouquinho antes do intervalo, havia vários pedidos de aparte aqui, então passaria a palavra ao Fernando Milliet, ministro Reis Velloso, e Paul Singer, por favor.

Fernando Milliet: Eu estou um pouco surpreso com o otimismo do Carlos Longo. Ele mencionou que houve um esforço de ajuste fiscal nos últimos 18 meses do governo Sarney, mas que era um ajuste que não tinha sustentação para continuidade. E, portanto, não criava uma expectativa de estabilidade. E quando se referiu à situação atual, justificando a idéia de botar uma âncora no câmbio para, eventualmente, chegar na estabilidade de preços - pelo menos até agora, em regime de caixa, nós estamos equilibrados -, eu acho que isso é assim totalmente uma alegação de avestruz. Quer dizer, em regime de caixa...  você mesmo disse em um depoimento anterior, que essa mágica tinha sido feita porque o déficit é medido em regime de caixa e, na verdade, o déficit, no caso, é em regime de competência, porque como não se está pagando juros da dívida interna ou de grande parte dela e também de grande parte da dívida externa - já para não falar de outros tipos tax levers, que foram impostos de uma só vez, que foram aplicados no ano passado - então, está se conseguindo, e com um arrocho salarial muito grande, que a questão de caixa fique equilibrada. Bom, isso não quer dizer absolutamente que esta situação é estável e que, portanto, os agentes econômicos não apostam contra o câmbio. O que seria profundamente razoável que fizessem, uma vez que todos os dados indicam que esta manutenção é insustentável. Então, eu acho que essa política seria uma política de um extraordinário risco, pelo menos... salvo se antes se tivesse efetivamente feito o ajuste fiscal. O que eu menos entendo do governo Collor é por que quando ele teve credibilidade para fazer o pior, que foi arrestar o uso de poupanças financeiras de todo mundo, grandes e pequenos, ele não fez o mais necessário, reajuste fiscal, que era promover, aí sim, o ajuste fiscal do tamanho adequado para tentar uma estabilidade quando entrou.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Isso não entra.

Fernando Milliet: Mas você acha que o Congresso aprova uma coisa e não aprova outra?

Marco Antônio Rocha: Aprovou a 168 [Medida Provisória 168, que instituiu o Plano Collor].

Fernando Milliet: Aprovou a 168?

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Olha, eu não sou especialista em Congresso, eu sou muito amigo do Serra [José Serra. Foi deputado federal, ministro da Saúde, Planejamento e Orçamento, senador e governador de São Paulo em 2008], mas tudo passa. O Congresso tem um viés que é o seguinte: aumento de despesa. Isso passa com uma facilidade, inclusive com adendos falsos. Aquilo que for do lado... não é nem aumentar imposto, por que qual é a reforma fiscal que se faz hoje na medida em que está consolidado o imposto, consolidada a divisão com os estados? É o governo ter liberdade para reduzir a sua despesa, que é seu quadro funcional. O que foi a reforma administrativa do Plano Collor que começou com aquela, aliás, como tudo no plano Collor, e de repente até o ministro que estava fazendo o trabalho agora voltou...

Marco Antônio Rocha: Desculpe, Luiz Carlos, mas em um regime democrático, seja presidencialista ou parlamentarista, a competência do governo de plantão se mede pela sua capacidade de conseguir aprovação do Congresso, certo? Se ele não consegue a aprovação do Congresso para nada, então pede demissão. Essa que é a questão.

Jorge Escosteguy: Um minutinho, gostaria que o Fernando Milliet terminasse. Depois Paul Singer, por favor.

Paul Singer:  Não era bem essa minha preocupação. Eu acho que ajuste fiscal não é um problema fundamental no Brasil, mas já que está todo mundo falando disso, eu gostaria de mencionar um fato que acho que está atrás de nós, que são as declarações, que a grande maioria da população brasileira não somente quer, mas exige um aumento do gasto governamental, essa que é a realidade. O Congresso reflete isso, como a Câmara Municipal reflete isso aqui em São Paulo, como qualquer Assembléia Legislativa reflete em qualquer estado. Qualquer candidato que queira se eleger para qualquer cargo no Brasil promete gastar, gastar e gastar. Evidente. Qualquer promessa eleitoral, seja para cuidar da saúde, para cuidar da população, para cuidar das crianças, para cuidar do trabalhador, implica em gasto governamental. Então vamos admitir de uma vez por todas: o Estado é um redistribuidor de renda no Brasil. Há muitos anos é e continua sendo. A população, na sua grande maioria, é pobre e precisa que o Estado redistribua a renda. Então, para fazer isso em equilíbrio, para fazer isso sem taxar inflacionariamente a população, precisa realmente aumentar a tributação das camadas ricas da população. É essa questão que se trata. Agora, o discurso dos economistas, de todos os meus colegas aqui, infelizmente, é de que o governo tem que diminuir, o governo está demais, o governo etc... aí não tem apoio para ninguém. Efetivamente, os únicos que apóiam é o próprio grupo de pessoas que acreditam de que todos os males do Brasil vêm do governo e do fato que o governo está gastando. Eu não compartilho dessa idéia. Acredito que é preciso dizer à população que para poder gastar sem criar uma inflação gigantesca é preciso também impedir que os outros gastem. Então, vamos jogar isso com toda a clareza para as classes sociais. Quer dizer, é o que eu estava comentando antes do programa, e gostaria de trazer isso aos telespectadores, uma conversa com o ministro João Paulo Reis Velloso, de que é fundamental os sindicatos pararem de lutar por aumento nominais de salários. Com a inflação de 20, 30% ao mês, como reiteradamente temos tido, pedidos de 200, 300% de aumento de salários, que é inteiramente justo, por outro lado inviável, porque se fosse concedido, a inflação comeria esse aumento antes mesmo que ele pudesse ser gasto. Então, o que cabe aos trabalhadores na verdade é discutir os preços. Muito mais importante do que discutir a quantidade de cruzeiros a mais que eles podem obter, é discutir o que eles vão pagar com esses cruzeiros. Com esse tipo de entendimento, discutindo preços e salários, lucros e salários, impostos e gastos, sempre os dois lados da balança, se chega a um mínimo de racionalidade e as reais contradições de preços vêm à tona.

Fernando Milliet: Eu concordo inteiramente com o professor Paul Singer de que a gente tem um problema pelos dois lados, tem para o lado da despesa, mas tem também para o lado da receita, ou na sua opinião talvez mais para o lado da receita. Agora, há um fato que eu acho interessante, e ao mesmo tempo revela uma certa deteriorização das coisas, é que se nós recuperássemos a carga tributária bruta dos primeiros anos da década de 1970, e que correspondiam, de certa maneira, a um período de milagre, onde aparentemente a atividade econômica conseguia se expandir pagando aquela taxa, aquela carga tributária bruta, possivelmente uma grande parte dessa discussão... porque eu não tenho os dados do ano passado como é que mudou a carga bruta em função do plano Collor, do cheque ao portador proibido e de outros fatores mais, acredito que tenha havido alguma recuperação. Mas o que se vinha verificando, desde a crise do petróleo, desde 1973, até um ano antes, era uma queda sistemática da carga tributária bruta. O que a gente tem é uma carga muito mal distribuída. Na verdade, você tem um grupo de empresas que são mais organizadas ou mais fiscalizáveis e que respondem por uma parte muito predominante da carga tributária e uma desorganização do resto do setor.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Então você tem um setor sob taxado reclamando de impostos, que realmente é um absurdo.

Fernando Milliet: Com razão. Realmente é um absurdo. Então eu acho que há um espaço, só concordando com Paul Singer, acho que há um espaço muito grande para se botar ordem do lado da receita, corrigindo distorções muito profundas.

Jorge Escosteguy: Ministro Reis Velloso, por favor.

João Paulo Reis Velloso: Eu quero falar um pouquinho desta questão de governabilidade e chegar aqui ao ponto comentado aqui pelo Milliet e pelo Singer. Mas, de passagem, eu gostaria de registrar o seguinte: eu acho que nós devemos reconhecer, pelo menos eu reconheço, que este governo tem demonstrado, e particularmente aí a ministra Zélia, tem-se aí que se fazer justiça, demonstrou uma grande determinação em matéria de combate à inflação. Foi o governo mais determinado dos últimos, sei lá, seis anos, 10 anos, de toda a história recente do Brasil. Inclusive, correu o risco de, sendo um governo democrático, aceitar essa história de recessão e de todos esses problemas que nós temos tido. Agora, na questão da governabilidade, eu estou de acordo com o Longo de que nós devemos discutir a forma de governo, perdão, sistema de governo. Questão de passarmos para um sistema parlamentarista, muito bem, inclusive estou de acordo. Apenas nós, enquanto isso, temos de encaminhar as soluções dos problemas. Existe aí uma nova gestão financeira e nós temos que discutir o que será feito enquanto não vier o parlamentarismo no Brasil. É claro que de um lado há uma questão de ação do governo, como ele disse muito bem. É preciso existir governo, ter uma política definida, agir em consistência com aquilo, mas eu acho que existem dois outros aspectos que nós não podemos deixar de considerar: o primeiro é a questão da modernização de instituições, que pouco se discute no Brasil, talvez seja mais importante, em termos de você construir um capitalismo moderno. Qual é o papel dos partidos políticos? Como é que nós vamos ter partidos políticos que sejam capazes de governar, inclusive partidos de esquerda? Como é que nós vamos ter uma esquerda moderna e uma direita moderna? Todo país precisa de esquerda e de direita, mas as duas têm que ser modernas, que é o que ocorre dificilmente no Brasil. O papel do Congresso, que entrou aqui já várias vezes, a própria atitude do governo. Uma das coisas mais importantes que houve no começo deste ano foi que o governo decidiu negociar com o Congresso, isso me parece extremamente positivo. Nós devemos insistir nesse terreno. A questão dos sindicatos, como é que vamos ter sindicatos modernos? Dizia o Singer e eu concordo com ele: o sindicato não pode ficar cuidando apenas de reajuste nominais de salários, porque a inflação vai corroer esses salários, você dá 500% e piora, porque a inflação vem maior, você dá 1000% de reajuste e piora, porque a inflação vai comer esses... é pior ainda. Os sindicatos têm que discutir as políticas de estabilização, têm que exigir o fim da inflação no Brasil. Eles têm que exigir aos poucos uma retomada do crescimento, que as políticas de estabilização não sejam tão destrutivas e todas essas coisas. E, finalmente, uma referência, ainda nesse terreno das instituições, há o problema específico da questão fiscal do governo. Eu acho que é os dois lados do fato, o lado da despesa que já mencionamos aqui e o lado da receita. Realmente nós precisamos voltar a uma carga tributária bruta de 25, 26% , que é uma carga normal. Agora, o problema não é tanto da despesa, com referência ao que observou o Singer. Eu acho que o Congresso, também o executivo, tem direito de propor a despesa que eles quiserem. É só uma questão de quem vai pagar a conta. Então você, nas circunstâncias atuais do Brasil, só tem uma maneira de refinanciar despesas, é com tributos. Não pode recorrer a crédito público adicional, pelo que nós já vimos, não pode correr a emissões, porque o efeito é explosivo, é uma base monetária muito pequena. Qualquer aumento dá percentualmente um resultado terrível sobre a base monetária. Então, efeito inflacionário é um negócio desastroso. Nós estamos condenados a ter de financiar com tributo durante bastante tempo e tem que ser feito isso. Agora, para isso você tem que ter um negócio que se chama "verdade" na administração, tanto do ponto de vista do executivo como do ponto de vista do Legislativo. Tudo que se gasta no governo tem que constar no orçamento, qualquer tipo de subsídio, todos os incentivos fiscais. O Brasil deve ter aí uns 30 incentivos fiscais, nenhum deles consta no orçamento, porque você está abrindo mão de receita, deveria constar como receita e despesa para a sociedade saber as contas que ela está pagando. Só assim você começa a resolver os problemas. Nós temos o direito de saber quanto ganha cada funcionário público dos três poderes. Nós temos o direito de saber quanto pagamos de subsídios, de incentivos implícitos, explícitos e quem leva esses subsídios.

Jorge Escosteguy: O Nassif queria fazer uma observação, depois o professor Longo, por favor.

Luis Nassif: Eu acho que nós tivemos, ao longo dos últimos anos, em cada plano fracassado, em cada tentativa, uma nova tentativa, um processo de mudança cultural muito amplo. Nós estamos num processo hiper inflacionário já há algum tempo. E para sair de um processo hiper inflacionário você tem que ter o mínimo homogeneidade, o mínimo de diagnóstico em relação à crise e tem que ter um entendimento. Acho que em relação ao diagnóstico da crise houve avanços fundamentais. Nós tínhamos dogmas de esquerda, de direita, divisões ao longo dos últimos anos, que acabaram sendo eliminados e convergindo para um diagnóstico. Lógico, que ainda não é nacional, mas pelo menos já pegou aqueles chamados formadores de opinião. O país hoje está passando por um processo. Do ponto de vista de relações trabalhistas, hoje em dia, a gestão participativa, que era um palavrão há um tempo atrás, começa a ser aceita. Do ponto de vista do controle de gastos do governo, pode se discutir se o déficit público, a natureza do déficit público. A questão do controle de gastos do governo, a idéia de que para cada despesa tem que ter uma receita, que era uma utopia há dez anos atrás, hoje já começa ser uma idéia forte. Em relação aos governos gastadores, ou seja, você tem problemas, porque todo o secretário da Fazenda, das Finanças e do Planejamento têm problemas com os secretários gastadores. Porque até agora você tinha, como um apelo eleitoral, você controlar gastos ou pelo menos ter um bom orçamento, gastar, mas tendo o controle. Nós temos o exemplo do governador do Ceará, Tasso Jereissati [governador do Ceará de 1995 a 2002. Senador em 2008], que mostra... Ele começou a criar, por efeito de demonstração a muitos governadores, a idéia de que fazer uma gestão financeira responsável conta votos. Eu acho que governadores que até um tempo diziam que governar é pau na máquina, até as próximas eleições vão ter uma mudança, o eleitor tem um pouco mais essa percepção. A questão da abertura da economia, da desregulamentação da economia, era um dogma que vigorava desde dos anos de 1940. A proteção de diversos setores específicos, que foi uma verdade na época, cumpriu o seu papel, permitiu um processo de industrialização e tudo, mas o setor ficou anacrônico. Essas sucessões de crises permitiram chegar a um processo aí de um diagnóstico um pouco mais homogêneo. Em relação a impostos, eu acho que temos a seguinte questão que foi colocada pelos diversos opositores: temos um setor hoje que é o setor dinâmico da economia que paga muito imposto. Tem um sistema muito amplo aí de distorções. Você não pode pagar imposto para investimentos. Como é que se paga imposto para investimento, como é que se paga imposto para alimento básico? Você pega a justiça fiscal e joga nas costas do governo federal, mas quando você pega o pobre pagando imposto para arroz e para feijão, não tem processo mais distorcido. Então, o que a gente vê é todo esse processo de definição de um diagnóstico, que é o ponto mais importante e mais difícil da luta contra a hiperinflação, que o país já está entrando nesse processo. Nós temos uma proximidade de análise do PT [Partido dos Trabalhadores], do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira], do PDS [Partido Democrático Social], daqueles setores que pensam mais economicamente como nós nunca tivemos. Mas desde dos tempos em que Roberto Simonsen [(1889 – 1948), engenheiro, empresário e político brasileiro] brigava com [...], nós não tínhamos esse processo. Agora, a questão básica que nós temos é a seguinte: como conferir? Não adianta, nós termos todo esse acordo aqui, todo o processo de orquestração desse entendimento tem que ser feito pelo executivo. Então, volta a questão fundamental: como é que o executivo pode se conferir legitimidade para aproveitar o momento em que você tem um diagnóstico mais homogêneo, você tem uma vontade de chegar ao entendimento fantástica. É aquela vontade do náufrago que está vendo o barco fazer água: “Pessoal,  fica abraçadinho, sem mexer, bem carinhosamente aqui até chegar no porto”. Como produzir essa mudança política que confira legitimidade ao governo e que permita que todos os processos positivos acabem resultando em uma estratégica consistente contra a inflação? Essa é que é a grande dúvida.

Jorge Escosteguy: Carlos Alberto Longo, por favor.

Carlos Alberto Longo: Eu queria pegar o gancho do Nassif. Eu acho que está muito bem colocado, era mais ou menos o que eu gostaria de dizer quando se levantou aqui a possibilidade de que o Congresso não aprova coisa alguma e que haveria a necessidade de se taxar os ricos. Eu discordo dessas duas últimas afirmações. Acho que não há necessidade de se taxar exatamente os ricos, e o Congresso aprova também as coisas desde que sejam bem encaminhadas. Porque, como disse o Nassif, há um consenso sobre o diagnóstico da crise. Praticamente, trabalhadores e empresários já têm percepção de como sair da crise, trabalhando juntos de uma forma cooperativa e não conflitiva. A resistência social que demonstrou a população em relação a todos esses pacotes, esses choques, é uma coisa que nunca nós poderíamos imaginar. De modo que eu vejo que não existem mais, de fato, grupos, na sociedade organizada, radicais, mesmo a não organizada, de pensamento radical explosivo, que possa hoje buscar a popularidade dos meios de comunicação e onde quer que seja. De fato existe um consenso sobre o diagnóstico da crise. O que não existe, por enquanto efetivamente, é governo. Ai então não surpreende que o executivo não consiga aprovar as suas medidas no Congresso, porque não é capaz de vender um pacote ao Congresso que seja suficientemente crível, mais uma vez, que possa levar aos congressistas, os nossos representantes do Congresso, alguma coisa que possa se vislumbrar qual seria a luz no fim do túnel. Sendo assim, não há efetivamente como aprovar um pacote fiscal. Eu apenas lembraria, por exemplo, casos onde países saíram de regimes autoritários e, depois de muitos anos de gabinetes sendo trocados com muita freqüência, chegaram eventualmente a um governo estável. Por exemplo, Portugal é um caso típico que lutou durante 10 anos. Era um gabinete por ano, em média, durante dez anos para chegar depois a um governo estável com o Cavaco Silva [Aníbal Cavaco Silva. Economista e político português. Foi primeiro ministro de Portugal de 1985 a 1995. Em janeiro de 2006 foi eleito presidente do país] que esteve nos visitando recentemente. Desde então, são mais de oito, nove, dez anos que [ele] está no governo e nada ocorreu em termos de contestação sobre a linha básica de seu governo. O país vem dando certo, as suas políticas vêm dando certo e nada de revolucionário foi feito. Aliás, se alguma coisa de revolucionária foi feita foi antes do Cavaco Silva assumir o governo. De modo que há necessidade, efetivamente, de o executivo levar ao Congresso alguma coisa que seja dentro de um pacote global e que o Congresso se sinta suficientemente comprometido com a sociedade para levar adiante aquela sua proposta, digamos, de natureza fiscal, orçamentária e mesmo de reforma da Constituição. Apenas, para concluir, eu gostaria de dizer que, com relação a taxar os ricos ou tributar os ricos, como foi proposto agora no projetão, o imposto sobre grandes fortunas, isso não se faz aqui e não se faz em país nenhum desde que se queira utilizar isso como forma de recursos para financiar os gastos públicos de um modo geral. Impostos devem ser simples, transparentes e devem, de modo geral, incidir sobre todas as pessoas, sejam elas de classe média ou rica e, em grande parte, quem paga imposto em qualquer sociedade acaba sendo a classe média. A diferença que existe entre um país rico e um país pobre é que a classe média dos países ricos ocupa quase que 80, 90% da população. Os ricos e os muitos pobres são poucos em relação ao total da população. O que nós temos aqui neste país, se nós temos uma classe média que efetivamente está sobrecarregada de impostos, se nós temos uma camada da população extremamente pobre que efetivamente não paga, até porque....

Luís Nassif: [interrompendo] Paga bastante, indiretamente, terrivelmente.

Carlos Alberto Longo: Sim. Está certo. Muito bem. Mas, digamos que os produtos de primeira necessidade, aqueles que são vendidos de natureza, o auto-consumo. Leva que a alíquota efetiva que eles pagam seja muito menor do que a classe média. Quem paga efetivamente imposto aqui são os assalariados basicamente, através dos impostos diretos e indiretos que incidem sobre a classe média. O produto vendido in natura, aqueles que consomem, que vivem nas favelas, acabam pagando pouco imposto, digamos, mas o que nós temos que nos convencer...

Luiz Carlos Mendonça de Barros: [interrompendo] O cara que come arroz, feijão, é o que o Nassif está falando.

Carlos Alberto Longo: Tudo bem, mas este aí leva 7% de imposto e nada mais do que isso. Agora, você pega um sujeito de classe média, colarinho branco, ele paga no holerite, ele paga quando compra um automóvel, quando compra um televisor e paga, enfim, no arroz e feijão também. De modo que nós temos que encontrar uma solução de fazer com que todos paguem, desde que tenha um determinado nível de renda. Desse nível de renda para cima acaba pagando imposto. Se você vai procurar exatamente pessoas que têm um alto nível de renda, são aqueles que mais podem fazer planejamento fiscal, são aqueles que colocam seu dinheiro fora do país, que especulam durante a crise em imóveis e em bens ativos, bolsas e o que for, até mesmo artigos financeiros e estão protegidos da inflação. De modo que o que temos que fazer é procurar fazer com que os impostos insiram na maioria da população, que sejam poucos e simples. Por exemplo, somente o imposto de renda, a nível federal neste país, resolveria o problema da União, desde que não se repartisse tanto, como se faz hoje em estados e municípios, que têm um imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, um imposto altamente produtivo utilizado na Europa com grande sucesso e que pode ser a fonte exclusiva ou basicamente exclusiva dos estados, eliminando uma série de tributos hoje que não tem nenhum sentido como Finsocial, PIS/PASEP [Programa de Integração Social, contribuição sobre o lucro das empresas, impostos sobre vendas a varejo, combustíveis e lubrificantes], isso tudo pode ser extinto pela substituição pelo imposto de renda, a nível federal, imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços a nível estadual. Até o imposto sobre propriedade que está sendo, inclusive recentemente, mais bem explorado pelos municípios.

Jorge Escosteguy: Marco Antônio Rocha, por favor.

Marco Antônio Rocha: É, eu queria, de certa maneira, dar uma continuidade ao que o professor Longo está dizendo. Eu já disse aqui neste programa que, para mim, a verdadeira competência, a competência verdadeira de um governo democrático se mede pela sua capacidade de convencer os outros poderes da República do caminho correto e, de certa maneira, obter o apoio indireto de toda a nação para a sua estratégia, seus objetivos, essa que é a competência. De Gaulle [referindo-se a Charles de Gaulle (1890 – 1970), general e estadista francês. Era conhecido como tático de batalhas de tanques e defensor do uso concentrado das forças blindadas e da aviação] na França. É endeusado porque ele convenceu os franceses de uma coisa que poderia ser impossível, ou seja, de que a França tinha que se livrar de suas colônias. Ele exerceu uma atividade política de alto nível e convenceu a população francesa, o parlamento francês, o judiciário francês e o exército francês de que aquilo era necessário. Então, a competência de um presidente da República se mede assim. Eu me preocupo muito quando eu ouço, leio na imprensa e ouço em debates como esse, pessoas dizendo que o Congresso não deixa o governo governar, que o judiciário não deixa o governo governar. Então, fica parecendo que se trata de filme de mocinho onde o presidente da República quer salvar o Brasil e tem uns bandidos no Congresso, uns bandidos no judiciário que impedem que o presidente da República monte em seu cavalo branco e saia salvando o Brasil, não é bem assim. As nações avançadas, as nações que nós admiramos hoje em dia no mundo inteiro pelo seu avanço cultural, político, econômico etc, começaram esse processo de modernização e de avanço enquadrando o [poder] executivo. A primeira coisa que fizeram foi estabelecer um sistema de normas e leis e de instituições que acabaram com o absolutismo dos reis, dos presidentes ou dos chefes de estado que montavam no seu cavalo branco e disparavam em todas as direções. Essas nações começaram a sua modernização por um processo de negociação e articulação política democrática. É isso que tem que acontecer no Brasil, é essa questão que tem que acontecer no Brasil. Não é que o presidente da República é o herói que vai salvar o Brasil, não. A salvação do Brasil é da presidência da República, ou seja, do poder executivo, do Congresso Nacional, do judiciário e das instituições que formam a nação. É um trabalho conjunto e organizado. Agora, eu concordo com Nassif quando ele diz que o executivo, realmente por estar na frente, digamos assim, dessa batalha, ser o poder mais visível, mais atuante e mais dinâmico, ele tem que exercer uma certa coordenação, uma articulação disso tudo, ele não pode ficar omisso. O grande erro do presidente Collor foi não ter aproveitado o seu capital político eleitoral no início do seu governo para começar essa articulação. Ele pensou que tinha recebido um mandato de rei e que podia baixar bulas sobre o país, que o eleitorado tinha dado a ele um mandado de rei, quando não era nada disso. Então, ele perdeu essa oportunidade de exercer esse papel de coordenação, de articulação política, que permitiria a ele, então sim, convencer ou persuadir democraticamente o Congresso Nacional, o judiciário e as instituições nacionais a, digamos assim, apoiar, a trabalhar em favor da estratégia que o executivo, democraticamente, tivesse apresentado à nação.

Jorge Escosteguy: Economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, por favor.

Luiz Carlos Mendonça: Eu acho que nós estamos afunilando bem generalista para coisas que me parecem fundamentais. Eu acho que, para os telespectadores que estão nos vendo eu acho muito mais importante e ele está mais preocupado em qual vai ser a estratégia, da parte técnica dos detalhes. A coisa que mais me preocupa é, primeiro, um pouco do que o Marco Antônio Rocha falou, se o presidente da República absorveu a eleição desse período dramático que nós tivemos, inclusive dramático, porque todos nós estamos preocupados e o presidente que tem um mandato ainda de quatro anos, certo, como é que ele vai reagir a essa ruptura com sua estratégia inicial? E, nesse aspecto, me parece que a personalidade do ministro seja uma personalidade muito mais adequada a essa tarefa do que a da ministra Zélia. A ministra Zélia, eu acho que tem uma importância grande, porque o Longo disse que não viu nada de bom que foi feito nesta gestão, eu posso, quer dizer, enumerar uma série de decisões que, realmente, para ser tomada realmente é uma coisa de respeito, de coragem. Só para dizer, por exemplo, acabou-se as transações ao portador neste país, coisa que há um ano atrás ninguém acreditava que fosse possível esta ruptura com essa cultura do povo de fora, da economia negra, quer dizer, o presidente da República conseguiu e o Congresso votou essa eliminação do cheque ao portador, nem só do aspecto ético. Mas tem um impacto fiscal muito importante, porque trouxe ao nível da tributação operações e atividades que se faziam antes de pagar imposto. Eu acho que esta... a cristalização de que o consumidor brasileiro vinha sendo, vamos dizer assim, explorado pela excessiva proteção que a nossa indústria tinha no passado é uma coisa que se cristalizou também nesse primeiro um ano e dois meses da ministra Zélia. Isso teve decorrências operacionais muito importantes: por exemplo, eu faço 25 anos de mercado financeiro, esse é o primeiro ano que trabalho com câmbio livre. Eu não me lembro, em 25 anos, de você ter uma taxa de câmbio e que não fosse fixada à compra e venda diariamente pelo Banco Central. Evidente que se um país quer abrir sua economia, a existência de um mercado cambial com essas características é absolutamente fundamental. Então, eu estou muito menos preocupado, e é evidente que a ministra Zélia, e eu acho que aí refletiu um pouco a estratégia do presidente da República, entrou aí um atrito com Deus e o mundo que nos colocou efetivamente em um acúmulo de tensões que teriam que ser de alguma maneira resolvidas.

Marco Antônio Rocha: Vai ver que ela também achava que tinha um mandato imperial.

Luis Nassif: Deixa eu fazer uma pergunta para você. Dentro disso que foi colocado pelo Marco Antônio, pelo Longo e por você, da gente discutir agora essas questões institucionais aí. Temos hoje um dos dogmas que nós tínhamos, no tempo do Delfim [Delfim Netto. Economista, professor universitário e político brasileiro. Foi ministro da Fazenda] era muito freqüente esse dogma, que é o seguinte: não se consegue governar o Brasil dentro do formalismo, das leis e daquele esquema que você tinha de destinação de recursos para cá e para lá. Então, você só consegue governar quando você tem agilidade suficiente para atropelar aqueles mecanismos e tentar estabelecer uma linha direta aí para impedir essas resistências. Hoje, quando se fala na previsibilidade, que o Velloso colocou muito bem, essa previsibilidade não é a palavra do presidente que vai nos garantir isso aí, já que se tem uma crise de legitimidade muito grande, nem do ministro, tem que ser um negócio mais institucional. Então, até que ponto essa tese do Banco Central independente, pelo projeto que deve ser apresentado agora pelo Dorneles [Francisco Dornelles. Deputado federal de 1987 a 2007. Foi ministro da Fazenda do governo Sarney, ministro do Trabalho e Indústria e Comércio], até que ponto esse projeto pode dar aquela garantia institucional para todo mundo de que o dinheiro vai ser... a poupança vai ser respeitada e que eles podem receber esse dinheiro? Até que ponto também não vai amarrar a política econômica do governo? Queria que o Milliet e o Mendonça, que passaram pelo Banco Central, opinassem. Porque é factível esse projeto do Banco Central independente?

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Olha, primeiro eu tenho uma visão do Banco Central, e eu e o Milliet estivemos lá por um tempo e pudemos estudar um pouco essa questão, muito definida. Por exemplo, o Longo aqui nos fala de fixar metas nominais de moeda e o Banco Central fazer com que essa meta seja atingida. Isso parte do pressuposto, e eu não aceito, de que o Banco Central, seja ele independente ou não, tem efetivamente os instrumentos para que fique só estes 5% na valorização da moeda. No dia 10 bateu 5%, não se emite mais nenhum tostão. Isso não é verdade. Não é verdade porque o Banco Central, ele é hoje na economia, e em todas as economias modernas, o co-responsável do sistema financeiro. E o que acontece é que existe um conflito de interesses dele, como administrador da moeda, e dele como administrador do sistema financeiro. O que nos ensina a história recente é que todo o momento que colocado diante desse conflito, ele abre mão do controle da moeda para preservar o sistema financeiro.

[...]: Felizmente. Perdão, eu assumo, felizmente. Só faltava agora mais uma crise financeira [risos].

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Olha aqui, o Nassif está falando. Suponhamos que o Banco Central fosse independente em setembro. Setembro é o [...] da política monetária o ano passado. Porque? É o momento [...], há um ajuste importante, o Banco Central teve dois momentos de exercer o absoluto controle da moeda.

Paul Singer: Radical.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Radical. Foi, no momento das conversões, certo? E eu acredito que aí ele, por um problema operacional, não conseguiu administrar corretamente aquela transformação de cruzeiro e cruzado. Houve uma expansão maior do que desejável.

Paulo Singer: Se me permite, felizmente. Aquela recessão tinha que acabar, espera lá.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: E um segundo momento, que foi em setembro, que eu imagino o Ibrahim Eris [presidente do Banco central de 1990 a 1991], o Banco Central independente em setembro, certo? Ele faria mais ou menos o que foi feito, porque só faltava naquele momento uma crise. Então, existe, o Banco Central na economia moderna, evidente que ele tem uma faixa que ele tem liberdade de atuar, mas existe a partir de um ponto, isso Paul Volcker [presidente do Banco Central dos EUA de 1979 a 1987] fez. A política monetária dos Estados Unidos muda quando quebra o First [...] nos Estados Unidos.

Luis Nassif: A gente não vai pensar que o presidente do Banco Central vai abaixar a cabeça.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Então, o que eu acho é que no momento atual, por um problema de simbolismo, por um problema, eu acho que assim, eu acho que o governo abrindo mão... você veja, aliás, você que me falou [olhando para um dos debatedores], que quando a pessoa sai do governo... isso eu aprendi com o doutor Roberto Campos há muito tempo atrás, inclusive ele falou, ele falou: “Luiz Carlos, você não sabe a crise de lucidez que dá a uma pessoa quando sai do governo”. O que eu quero dizer é o seguinte: então, o que eu acho é que, no Brasil, todo ministro da Fazenda que sai do governo passa a defender a tese do Banco Central independente. Enquanto ele está no governo, ele não defende essa tese. Então, eu acho que até por isso eu correria o risco, embora acho que não seria uma coisa fundamental, mas eu correria o risco de você ter um sistema mais ou menos parecido com os Estados Unidos em que você não é bem independente. Porque o presidente do Banco Central é indicado pelo presidente da República, referendado pelo Congresso, e o Congresso tem poder de, em determinadas condições, retirar o sujeito dali se estiver fazendo coisa muito ruim.

Fernando Milliet: Mas é preciso que haja esse poder.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Mas o Federal Reserve [Banco Central americano] na primeira gestão não tinha. Então, eu acho que isso que o Nassif falou é um sinal de que o governo está: “olha, estou cedendo parte do meu poder...”

Luis Nassif: [interrompendo] Para ficar mais forte, para agüentar a pressão.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Junto com o Congresso. Agora, só para terminar, o que me parece fundamental, e como eu vinha dizendo, é antes de questionar ou de perguntar qual é a política do novo ministro, a grande questão que, pelo menos para mim, fica no ar hoje é, primeiro, o governo aprendeu a lição? Isto é, o governo percebeu que sozinho, na marra, ele não consegue implementar o programa de estabilização? Isso é uma dúvida. Segundo, se acontecer isso, a escolha do ministro atual é uma escolha que me parece favorável, porque ele é um sujeito que, pela própria profissão, seja um sujeito de articulação. Minha questão base hoje é a seguinte: se o governo, se o presidente da República, aprendeu a lição ou se simplesmente ele substituiu um ministro por um outro ministro.

Jorge Escosteguy: Eu lembraria aos nossos expositores que nós estamos a menos de cinco minutos do final do programa. Gostaria que fossem breves para eu não ter que ser arbitrário e interromper ou impedir alguém continue falando. Por favor, Milliet e depois o ministro Reis Velloso.

Fernando Milliet Eu estou inteiramente de acordo com o Luiz Carlos na questão da independência do Banco Central. Acho que ela é importante, mas ela é muito mais importante quando a nação, digamos assim, deseja que determinadas políticas sejam consideradas prioritárias. Então, você pega, sei lá, a Alemanha, que passou por uma hiperinflação e tem um dos Bancos Centrais mais independentes do mundo, mas corresponde à vontade da nação, porque se for contrário, eu acho que ou você chega no impasse e o Congresso acaba destituindo o presidente do Banco Central ou ele tem a sensibilidade política de dosar o quanto a nação aceita de aperto e fica dentro desses parâmetros.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Que é um pouco o modelo americano.

Fernando Milliet Exatamente. Agora, eu voltaria a um ponto aqui que não é bem a questão do Banco Central, que eu acho que foi um ponto importante. O Carlos Longo fez menção a Portugal que teve um período de instabilidade e que depois chegou a estabilidade. O Marco Antônio falava do De Gaulle que conseguiu convencer um país e o seu Congresso e a sua opinião pública e até o seu exército com grande oposição, terrorismo, bombas na rua etc, de que precisava dar liberdade às colônias. Esse era um problema estrutural do país e que precisaria ser resolvido. Eu tenho impressão de que seria, para mim certamente e acredito para que a maior parte dos presentes, uma grande surpresa de que o Collor viesse se tornar, a esta altura, nosso De Gaulle. E eu acredito que, provavelmente, se nós evoluirmos para um parlamentarismo, nós teríamos a resolução de parte dos problemas que nós temos hoje com o Congresso. Quer dizer, em não tendo um De Gaulle como presidente ou uma liderança muito forte que realmente leve a nação e, portanto, o Congresso, nós temos uma situação de uma constituição que nasceu para ser parlamentarista, terminou presidencialista. Você tem um Congresso que não é muito claramente responsabilizado pelas decisões que toma. Enquanto quando você tem a unicidade de que a maioria partidária é também responsável pelo executivo, ela passará a ser julgada, quer dizer, o partido vai perder a eleição se por populismo ou por uma série de motivos vier a produzir um desarranjo sério e que traga prejuízos à sociedade. Agora, acredito que, se nós chegarmos ao parlamentarismo, que provavelmente é um regime mais avançado de governo, nós talvez vamos repetir Portugal. Nós vamos ter, em um primeiro momento, ter dez anos de confusão. E aí a população eleitoral...

Jorge Escosteguy: Nós estamos chegando ao final do programa e, infelizmente, eu vou ter que arbitrar a última intervenção, inclusive porque nosso programa é em rede e temos que respeitar o horário. A última intervenção então do ministro Velloso, que estava inscrito e em seguida para nós encerrarmos o debate. Por favor.

João Paulo Reis Velloso: Muito rapidamente eu queria apenas fazer uma referência a parte que, felizmente, nós conseguimos ultrapassar aquela discussão apenas do dia-a-dia da questão da estabilização para ver as demais questões, que é o problema central. Eu entendo que no Brasil nós temos uma democracia de massa em um país complicadíssimo como este e inclusive com graves desigualdades. Nós temos que aprender a fazer funcionar as instituições. Você precisa, realmente, daquela coisa de transparência, liberdade na administração e precisa de espírito de negociação entre executivo e Congresso e dentro da sociedade. Porque este é um país que se acostumou a não negociar os seus conflitos, a gente mais ou menos escamoteava. Até o Estado Novo [como ficou conhecido o período da história republicana brasileira que vai de 1937 a 1945] achava que o Estado devia ser uma espécie, assim, de árbitro para não deixar aparecer o conflito social. Não deixa aparecer e vamos negociar, porque a sociedade já tem condições de começar a negociar. Tem que aprender, se der mal, insiste. Este é um processo de evolução como fez a Europa. A Europa precisou de 100 anos para chegar ao resultado a que chegou hoje, porque nos anos trinta grande partes dos países europeus estava em regime totalitário.

Jorge Escosteguy: Muito bem. Nós agradecemos então a presença hoje nos estúdio do Roda Viva de João Paulo Reis Velloso, Luiz Carlos Mendonça de Barros, Paul Singer, Carlos Alberto Longo, Fernando Milliet, Luis Nassif e Marco Antônio Rocha. O Roda Viva fica por aqui para voltar na próxima segunda-feira às nove horas da noite. Uma boa noite a todos e até lá. Muito obrigado.

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