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Memória Roda Viva

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Fernando Gabeira

22/12/1986

Ele foi guerrilheiro nos tempos da ditadura e viveu exilado na Europa por nove anos, onde teve contato com os movimentos ambientalistas do final dos anos 1970, fato que contribuiu com a fundação do Partido Verde no Brasil

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Rodolpho Gamberini: Boa noite. Nós estamos começando neste momento mais um Roda Viva, o programa de entrevistas e debates da TV Cultura de São Paulo [programa ao vivo, que permitiu a participação do telespectador por fax e telefone]. Esta noite, como personagem principal do Roda Viva, temos o candidato ao governo do Rio de Janeiro pela coligação Partido dos Trabalhadores e Partido Verde, Fernando Gabeira. Para participar do Roda Viva, esta noite, estão conosco aqui na TV Cultura de São Paulo, Eduardo Suplicy, deputado federal eleito pelo Partido dos Trabalhadores; José Pedro de Oliveira Costa, secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo; Matinas Suzuki, jornalista e editor da Folha Ilustrada; Augusto Nunes, jornalista do Jornal do Brasil; Dagomir Marquezi, jornalista e escritor; Joyce Pascowitch, jornalista colunista da Folha de S. Paulo; Jorge Escosteguy, jornalista da revista IstoÉ; Alex Solnik, jornalista; Marcos Faerman - aí está o Marcos Faerman [close no entrevistador] - jornalista aqui da TV Cultura. Paulo Caruso está também aqui no estúdio, cartunista, fazendo algumas charges do entrevistado Fernando Gabeira. Gabeira, vamos começar falando de política. Por que você perdeu as eleições para o governo do Rio de Janeiro?

Fernando Gabeira: Bem, esta pergunta é uma pergunta que de alguma maneira talvez seja melhor colocá-la assim: por que ganharam as eleições do Rio de Janeiro? O ministro da Justiça Paulo Brossard [Paulo Brossard de Souza Pinto, ministro da Justiça no período de 1986 a 1989] costuma dizer que nós, os derrotados das eleições, é que estamos insuflando os movimentos sociais, e se referindo a todos os derrotados do Brasil. Eu te digo, para começar, que eu tenho muito orgulho de ter perdido essas eleições, porque na verdade essas eleições significaram, sob certo aspecto, a vitória da mentira contra a verdade. Nós, lá no Rio de Janeiro, além de termos um candidato que propôs um paraíso em nome do governo federal, imediatamente depois das eleições aceitou as medidas que o governo federal impôs ao país, nós tivemos também, além dessas promessas falsas que o governo federal apoiou em todo o país, nós tivemos uma desvantagem muito grande em termos de horário de televisão. Eu tinha apenas um minuto por dia para lançar a nossa mensagem. E era muito pouco. Nós não tínhamos absolutamente dinheiro nenhum. Nós tínhamos uma grande má vontade da imprensa conservadora que se dividiu, uma parte ignorou nossa campanha: "Isso não existe, não pode acontecer conosco, seria um desastre muito grande para nossa família carioca um governo como este”. E uma outra parte que militou contra, dando notícias falsas, armando situações negativas. Eu acho que esses fatores contribuíram para nossa derrota, mas houve um fator que me parece muito importante: grande parte dos morros onde eu subi, grande parte das comunidades estava me olhando com simpatia, mas queria um pouco mais de tempo para me conhecer. Eu acredito que o povo do Rio de Janeiro, apesar de ter sido enganado como foi, em alguns aspectos, tem uma capacidade muito grande de escolher e achou que ainda não era o meu dia, ainda não era meu tempo e precisava me testar mais na luta cotidiana junto a eles para realmente ser um candidato que eles aprovassem.

Rodolpho Gamberini: Você não acha que, dentro dos fatores que levaram à sua não vitória, à sua não colocação em primeiro lugar nas eleições para o Rio de Janeiro - você é considerado um homem de idéias avançadas - você não acha que, para o eleitorado, pesou o fato de você ser um homem, por exemplo, associado a algumas idéias que são condenadas fortemente pela sociedade brasileira como, por exemplo, o uso de drogas, o homossexualismo e outras idéias consideradas talvez avançadas demais para a sociedade brasileira?

Fernando Gabeira:
Vamos ver, quer dizer, do ponto de vista do povo do Rio de Janeiro, eu acho que o que houve é... O caso da maconha teve um peso razoável, porque num determinado momento eu havia dito na rádio Jornal do Brasil que no meu governo, se dependesse de mim, eu influenciaria a Constituinte [assembléia de representantes eleitos pelos cidadãos, composta por 559 congressistas e presidida pelo deputado Ulysses Guimarães, do PMDB, com a função de elaborar a nova Constituição brasileira] para descriminalizar o uso da maconha. Quer dizer, as pessoas que consomem maconha, sobretudo os jovens, não seriam jogadas numa cela com marginais que não têm às vezes nada a ver com eles, apenas porque foram encontrados com um baseado na mão. Sobretudo porque quem vai para cadeia são pobres porque os mais ou menos remediados compram a polícia, a gente sabe disso. E, quando eu disse isso, um jornal apresentou uma versão diferente, que eu propunha a liberação da maconha. Em alguns morros, alguns lugares pobres do Rio de Janeiro, as mães me esperavam para perguntar isso. Houve uma conversa muito grande sobre isso, sobretudo em morro e comunidades pobres. Mas houve também, quer dizer, ao mesmo tempo houve um aspecto que teve um peso na campanha, que muita gente começou a discutir a nossa proposta, muita gente não sabia da nossa proposta. Partiu dessa situação não por causa do Jornal do Brasil [tradicional jornal brasileiro, publicado diariamente na cidade do Rio de Janeiro, fundado em 1891 por Rodolfo Epifânio de Sousa Dantas com intenção de defender o regime deposto; a monarquia recém-derrubada, até que Rui Barbosa (1849-1923) assumiu a função de redator-chefe em 1893] - porque o Jornal do Brasil no Rio de Janeiro se destina a um público mais ou menos limitado, não a um público da classe média, estudante, universitários -, mas porque as rádios populares reproduziram. Então, de repente, se falou muito disso nas comunidades mais pobres e houve uma certa retração. Quanto ao homossexualismo, não senti ao longo da campanha nenhuma objeção por eu defender os direitos de opções sexuais diferentes das consideradas majoritárias, nenhuma. Ao longo da campanha, não houve nenhuma observação, acredito que não tenha alterado em nada o panorama. Esses são os dois temas básicos.

Rodolpho Gamberini: Você não ouviu observações, mas você acha que o eleitor brasileiro vota em um homem que tem as suas idéias sobre homossexualismo, por exemplo?

Fernando Gabeira: Acho, acho sinceramente, o eleitor e a eleitora...

Rodolpho Gamberini: Quando eu digo eleitor fica compreendido eleitora.

Fernando Gabeira: Não é à toa não, porque quando eu digo eleitora é porque eu acho que as mulheres são muito mais abertas para a discussão desse tema. Elas são muito mais flexíveis, muito mais modernas, muito mais progressistas no Brasil quando se trata desse tema. Então, eu sinto que as mulheres, por exemplo, não teriam nenhuma objeção. No Rio de Janeiro, houve um candidato que se apresentou como candidato especificamente dos homossexuais, ele não foi muito bem votado, ele teve 5.600 votos, o que não significa que ele não tenha tido nenhuma votação da comunidade mesmo homossexual, que é muito maior do que isso no Rio de Janeiro. Então, eu acho que não houve na campanha nenhuma polarização em torno desse tema, esse tema não teve peso. Eu acho que o aspecto mais importante, mas mais importante mesmo, que sobrepõe a todos os outros que você colocou, é que a população queria que eu tivesse uma experiência administrativa. Isso tem um peso enorme, pelas conversas que eu tive.

Rodolpho Gamberini: Você, na sua resposta anterior, citou o caso do Jornal do Brasil, e eu passo a palavra agora para o Augusto Nunes, que...

Augusto Nunes:
Eu não estou interessado... [sendo interrompido]

Rodolpho Gamberini:
Eu falo em nome do jornal, mas...

Augusto Nunes: ... em retomar a polêmica, mas eu queria fazer uma pergunta ao Gabeira sobre essa mesma questão. Se você conseguisse a descriminalização da maconha, você consumiria maconha ou não?

Fernando Gabeira: Bem, isso é uma questão que eu... Eu posso lutar pela descriminalização de alguma coisa sem necessariamente me comprometer com o uso dela. Estou falando pura e simplesmente em termos dos direitos individuais. Eu luto por direitos individuais independente de eu usar ou não, entende? Agora, o que eu vou fazer no futuro é uma coisa que eu não sei. Eu te digo o seguinte: eu luto por direitos individuais ainda que eu não possa usufruí-los em determinado momento. Minha luta é uma luta...

Matinas Suzuki: Neste sentido você acha que pegou bem o fato de você obrigar o Jornal do Brasil a publicar um desmentido em capa? Eu digo, uma crítica que foi feita de que você usou instrumento de exceção do regime autoritário, para conseguir que o jornal se retratasse, não seria mais normal você ter tentado usar um instrumento ordinário, da lei ordinária, essa coisa toda, e não um instrumento do regime autoritário para conseguir o que jornal... Eu não sei como foi a reação no Rio, aqui em São Paulo à primeira vista eu fiquei meio que: “o Gabeira usou esta lei para que o jornal desmentisse”

Fernando Gabeira:
Engraçado que você não ficou perplexo pelo Jornal do Brasil ter mentido, ficou perplexo porque eu usei uma lei para que o Jornal do Brasil dissesse a verdade. Isso que eu acho impressionante, o espírito de corpo, quando você pensa assim...

Matinas Suzuki: Eu confesso que eu fiquei... [ao fundo]

Fernando Gabeira: Eu agi isolado contra um grande jornal que falou uma mentira contra mim, eu não tinha outra lei que não fosse a que existia na ditadura. Então, eu tinha que usar aquela lei...

[...]: Há recurso na lei ordinária que ...

Marcos Faerman: Poderia explicar para os telespectadores, jornalisticamente, qual foi a grande mentira do Jornal do Brasil contra você? Nem todo mundo sabe.

Fernando Gabeira:
Eu vou te dizer.

Marcos Faerman: Então vamos saber qual a grande mentira...

Fernando Gabeira: Duas, eu vou dizer duas, porque foram duas mentiras. A primeira delas é a seguinte: eu falei que era favorável à descriminalização da maconha, no outro dia o Jornal do Brasil publicou uma manchete: “Gabeira é favorável à liberação da maconha”, o que é outra coisa. No outro dia, me foi uma repórter para entrevistar, para reparar a situação, e eu disse que o assunto tinha me atingido, tinha me prejudicado, e eles publicaram a seguinte manchete: “Gabeira admite que a defesa da maconha lhe roubou muitos votos”. Então, eu passei de uma pessoa que defendia a descriminalização para uma pessoa que defendia a liberação, o que era uma mentira, e que eu estava defendendo a maconha, eu não estava falando nada disso. Então, essas duas mentiras valeram na Justiça o direito do Jornal do Brasil dizer a primeira vez: “Jornal do Brasil errou ao afirmar que Gabeira defende a maconha”, e no outro dia: “Jornal do Brasil errou de novo ao afirmar que Gabeira..., ou outra coisa qualquer, mas Jornal do Brasil foi obrigado a se desdizer duas vezes”, e fui uma luta de um indivíduo isolado contra um grande jornal, e essa luta é fundamental no Brasil, os brasileiros não estão acostumados com isso, eles se curvam diante dos jornais, se os jornais falam mentiras, eles se acostumam com a mentira do jornal. Isso é uma coisa fundamental...

[Falam simultaneamente]

Fernando Gabeira:
Me deixa terminar... Que os brasileiros comecem também a ter coragem de lutar contra essas instituições. Se o jornal disser uma mentira, eu vou lutar contra eles, indivíduo tem condições de lutar contra uma instituição. Isso é fundamental em termos democráticos no Brasil.

Augusto Nunes:
Gabeira, o escritor Fernando Gabeira... eu insisto que não estou retomando a polêmica não.

Fernando Gabeira: Não é, não está...

Augusto Nunes:
Não se trata dessa polêmica, eu acho que foi encerrada com o próprio desmentido, não é? O jornal disse que não deveria ter dito o que disse, então, não quero ficar dizendo que o jornal fez bem de publicar aquilo não, quero tratar de outras coisas.

Augusto Nunes:
O escritor Fernando Gabeira - eu li todos os seus livros - era muito mais ousado no trato da questão do que o candidato Fernando Gabeira. Eu tenho certeza de que você, quer dizer, você não repetiu em nenhum momento da campanha coisas que você disse a respeito desse tema nos teus livros. É possível a um candidato como você ser tão sincero durante uma campanha política, que envolve um eleitorado que pensa, que simpatiza com você e pensa diferentemente em determinados aspectos, é possível ao candidato ser tão sincero quanto o escritor? E se é, por que o candidato não foi tão ousado no trato desse assunto no curso da campanha quanto foi o escritor nos seus livros?

Fernando Gabeira:
Olha, eu te digo que é possível o candidato ser tão sincero quanto o escritor, desde que ele seja sincero radicalmente, que ele compreenda que uma coisa é posição do escritor, outra coisa é a posição do candidato, uma coisa é a pessoa que senta na máquina isoladamente e conta a sua experiência de vida, em certos momentos se utiliza de várias imagens para efeito da própria narrativa fluir melhor, outra coisa é uma pessoa ser responsável pelo destino de seis ou sete milhões de pessoas. Então, enquanto escritor você pensa e diz uma coisa, enquanto candidato você pensa e diz uma coisa, você é responsável por aquelas coisas enquanto escritor e enquanto candidato. Então, é em nome dessa sinceridade radical que o candidato não podia falar como escritor. O que, aliás, não existe, se você pegar, de repente, o Sarney jamais será questionado pelas coisas que escreveu nos seus livros ou para buscar uma sintonia entre o que ele escreveu e que ele é na Presidência da República. O que é razoável, porque não deve existir grandes contradições. Mas no nosso caso ali era um assunto fundamental, eu respondi à rádio Jornal do Brasil enquanto candidato, e a rádio Jornal do Brasil no dia seguinte... o Jornal do Brasil transcreveu a minha resposta enquanto candidato. E enquanto candidato o Jornal do Brasil mentiu, e eu fui à Justiça enquanto candidato, obriguei o Jornal do Brasil a dizer a verdade, pelo menos, ficou...

Matinas Suzuki: Então você é a favor que permaneça esse instrumento na legislação brasileira, que você acha que ele é favor do cidadão?

Fernando Gabeira: Não, eu não sou a favor do instrumento, eu quero dizer uma coisa: quando você está numa situação determinada, você não tem nada para se defender a não ser um instrumento que existiu num determinado período, você tem que usar aquele instrumento até que exista um outro, porque existem leis, suponhamos, existem leis no Brasil que foram criadas durante o período da ditadura, mas elas regem situações que você tem que em determinado momento utilizá-las, e tem que lutar simultaneamente para que essas leis sejam superadas. Mas só porque as leis foram regidas, foram feitas durante a ditadura, este não é um país sem leis. Quer dizer, você tem que lutar. Têm muitas leis no Brasil que eu não gosto, no entanto eu não estou desrespeitando abertamente, estou lutando legalmente para superá-las. Outras eu desrespeito abertamente, como eu desrespeitei a proibição de Je vous salue Marie [1985, filme de Jean-Luc Godard apresentando uma controvertida adaptação da história da natividade para o mundo atual, condenado pela Igreja Católica e que foi proibido de ser exibido no Brasil, aplicando-se a lei da censura do regime militar], achei que aquilo era um absurdo, fui contra e fomos para desobediência civil pacífica. Agora, mesmo sem concordar com leis da ditadura, é preciso um instrumento que dê ao cidadão o direito de contestar o que o jornal diz sobre ele, como não existia...

Matinas Suzuki: Você não acha mais eficaz uma coisa que fosse da lei ordinária, quer dizer, lutar por alguma coisa...

Fernando Gabeira:
E passar dez anos lutando para isso, e o Jornal do Brasil daqui a vinte anos: “Lembra daquele sujeito chamado Fernando Gabeira? Pois é, o que ele disse não é exatamente isso”. Entende? Eu tinha que buscar uma coisa eficaz, rápida, que atendesse os interesses políticos. E o Jornal do Brasil, quando publicou uma mentira, ele não atingiu a mim, atingiu a centenas, milhares de pessoas que estavam fazendo seu trabalho na campanha, atingiu uma perspectiva política que transcende a minha pessoa, e ele tinha que responder por isso. Então, foi uma coisa fundamental naquele momento e será em todos os momentos. Eu acho que é fundamental a gente começar questionar o poder da imprensa, quer dizer, a imprensa tem que ser questionada, por que é que a imprensa vai ter poder extraordinário sobre o indivíduo? Se nós estamos num processo que nós começamos a questionar os poderes gerais, não é possível que a gente não questione também o poder da imprensa.

Rodolpho Gamberini:
Eu queria pedir que você respondesse uma pergunta gravada pelo presidente da CGT [Confederação Geral dos Trabalhadores], o Joaquim dos Santos Andrade [conhecido como Joaquinzão, famoso sindicalista falecido em 2001, presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo de 1965 a 1986]
. A pergunta entra por aqueles monitores ali.

Fernando Gabeira: Ok, eu vou olhar.

Rodolpho Gamberini: Por favor.

[VT de Joaquim dos Santos Andrade]:
Fernando Gabeira, sabemos e conhecemos a luta dos ecologistas na preservação do verde, na preservação do equilíbrio ecológico, e sobretudo na manutenção de padrões suportáveis de poluição sonora e ambiental. Entretanto, o progresso que avassala este país, principalmente as capitais, tende a tomar as praças e transformá-las em vias a fim de aumentar a possibilidade e a capacidade de condução e, sobretudo, de transporte coletivo e transporte de massas. Como é que nós poderíamos compatibilizar o direito, a vontade do ecologista em manter o verde e a necessidade de progresso para escoamento do seu trabalho e da sua produção. Como ficaria este binômio?

Fernando Gabeira: Olha, eu acho importantíssima essa sua pergunta, e ultimamente a gente tem discutido muito isso. Muitas pessoas pensam que ecologia está em contradição com o progresso, que a defesa do meio ambiente está em contradição com o desenvolvimento econômico. Nós, hoje, modernamente dizemos que não há defesa do meio ambiente sem desenvolvimento econômico, assim como não há também um desenvolvimento sem a defesa do meio ambiente. Nós achamos que é possível articular esses dois elementos. E como você é um líder operário, nós sabemos hoje, também, que é muito possível articular a luta dos trabalhadores com a luta dos ecologistas, nós a partir do nosso contato com o PT [Partido dos Trabalhadores], a partir da luta comum com o PT, nós aprendemos muitas coisas no campo dos trabalhadores também. E começamos a colocar uma questão que é fundamental para a qual eu conto com a sua atenção e acho que futuramente nós poderíamos lutar juntos, como lutamos agora na greve geral, que é a ecologia do trabalho. Nós, no Rio de Janeiro, temos um índice insuportável de acidentes de trabalho, temos também um grande número de doenças profissionais, aqui em Santos os trabalhadores da Rhodia [indústria química que se destina ao fornecimento de produtos para os mercados agroquímico, automotivo, eletro-eletrônico, de fibras e fios têxteis, pneus, pinturas e revestimentos e outros] até hoje buscam uma satisfação para as doenças profissionais que tiveram e para o afastamento da produção. Nós temos muito trabalhadores atingidos por um desequilíbrio no próprio local de trabalho. E acho que este ano vai ser um ano onde nós poderemos compatibilizar melhor o processo de luta pelo meio ambiente, e o processo de colocação também de melhores condições de trabalho. Muita gente diz que os trabalhadores potencialmente podem ser adversários da luta ecológica, porque a luta ecológica pode roubar empregos que os trabalhadores estão lutando por eles. Pois nós afirmamos que a luta ecológica é uma luta que tem um potencial enorme de abrir emprego, ela pode abrir também um imenso campo de produção destinado à própria qualidade de vida, filtros, uma série de materiais, que podem melhorar a condição das indústrias, que podem salvar os rios, que podem enfim, melhorar a vida das pessoas. Portanto, eu acho que existe uma possibilidade muito grande de nós articularmos essas duas coisas. A luta pelo meio ambiente, a luta dos trabalhadores, e acho que, se nós conseguirmos isso no Brasil, nós vamos conseguir uma coisa inédita do mundo inteiro, nós vamos conseguir o nosso caminho, compatibilizar a luta pela justiça social e luta pela defesa do meio ambiente.

Rodolpho Gamberini:
Gabeira, por favor, a próxima pergunta do deputado Eduardo Suplicy.

Eduardo Suplicy:
Fernando, no O que é isso companheiro? [livro escrito por Fernando Gabeira em 1979 relatando seu envolvimento com a guerrilha armada, o seqüestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick em 1969, a prisão e a tortura sofrida nas mãos dos militares após o golpe de 1964], você fez uma importante contribuição para a reflexão sobre o caminho da luta armada. E agora você participou do caminho das eleições, e percebeu na pele e na carne todas as limitações. Que reflexões você faz hoje desse caminho das eleições para chegarmos a sociedade que nós sonhamos, as transformações da sociedade brasileira?

Fernando Gabeira:
Olha, eu acho que o caminho das eleições apresenta muitas limitações, mas algumas limitações que se registraram nestas eleições são típicas do momento da democracia brasileira. Você vê, por exemplo, ausência de debates na televisão. A televisão teve um papel muito negativo do ponto de vista de contribuir para um conhecimento maior da proposta dos candidatos e da evolução da própria campanha. No Rio de Janeiro, por exemplo, nós tivemos um debate, na TV Globo, e o segundo debate foi cancelado de uma maneira inesperada. Aqui em São Paulo nós tivemos um debate, o segundo debate também foi cancelado. Eu acredito que na medida que a gente consiga impor mais democracia às eleições, que a gente consiga impor uma possibilidade maior das pessoas realmente discutirem os seus problemas na televisão, nós vamos avançar um pouco mais em termos de caminho eleitoral. Mas eu acho o caminho eleitoral muito limitado, eu não acredito que uma sociedade mude apenas pelo governo, eu não acredito que uma sociedade mude apenas pelas eleições. A sociedade muda de várias maneiras, ela muda na luta cotidiana, ela muda no movimento social, são os trabalhadores que se movem, são as mulheres que se movem, são as empregadas domésticas... Enfim, toda a sociedade começa a se mover e conquista os vários espaços. O governo é apenas um aspecto dessa mudança, um aspecto importante, mas um aspecto dessa mudança. E então, eu acredito sinceramente que nós podemos democratizar o processo de eleições. E eu, com todas as dificuldades que nós tivemos no Rio de Janeiro, nós consideramos o resultado razoável num determinado sentido porque nós conseguimos atingir muita gente, nós conseguimos fazer manifestações imensas, manifestações como Abrace a Lagoa [movimento em prol da despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro], onde reunimos mais de cinquenta mil pessoas num trabalho ecológico; manifestações como Fala Mulher, onde reunimos também mais de cinquenta mil pessoas para defender questões que eram ligadas ao movimento feminista. Então, nós avançamos muito também, em termos de sociedade. As eleições deram a oportunidade de nós colocarmos novos problemas, de aglutinarmos pessoas, de estimularmos a criatividade na sociedade, estimularmos tudo o que podia aparecer de vivo na sociedade. Então, acho que o caminho eleitoral, com as suas limitações, é um caminho que deve ser trilhado mais profundamente. Agora, em alguns livros, em alguns contatos com escritores, sobretudo os estrangeiros que vêm ao Brasil me entrevistar, eles perguntam: “Quer dizer que você acha que a única saída para um povo mudar é a saída eleitoral? E que o único caminho é o caminho pacífico?” Eu digo: “Eu acho, sinceramente, que o caminho no Brasil é um caminho pacífico, apesar de os adversários não estarem aceitando isso. Os adversários continuam usando a violência contra os trabalhadores no campo, contra os trabalhadores nas cidades, mas eu acho que o caminho é pacífico. Mas naqueles lugares no mundo onde as classes dominantes são tão intolerantes, são incapazes de abrir uma possibilidade para os pobres de acharem seu caminho político de libertação, eu acho que os povos têm o direito de se rebelar em armas, como foi o caso da Nicarágua, como infelizmente está sendo o caso da África do Sul".

Jorge Escosteguy: Você falou em orgulho de perder, Gabeira. No Rio, como é esta coisa de orgulho de perder? Em geral, as pessoas falam de orgulho de perder quando perdem uma coisa maior, você fala em orgulho de perder o contrário? Como é que você...

Fernando Gabeira: Eu vou te explicar: uma das coisas que me fazem orgulhoso de ter perdido é que nós perdemos dizendo a verdade todo o tempo; os adversários, não. Outra coisa é que, uma vez passada a campanha, grande parte dos eleitores que votou no candidato vencedor que ainda não assumiu, diz que se arrependeu, e a maioria dos nossos eleitores continuam com os plásticos no carro, orgulhosos de terem participado daquela campanha, de terem votado no candidato que escolheram. Parte porque houve o Cruzado Dois, e o Cruzado Dois dissipou muitas ilusões que havia sobre o projeto de governo que o candidato do Rio de Janeiro apresentava. Parte também porque eu acredito que ele tinha sido um pouco infeliz no momento que ele se pronunciou sobre o Cruzado Dois, ele disse o que o homem público não tinha sentimento, que não ia falar porque o homem público não tem sentimento, o que o faz muita gente pensar que ele não seja nem um ser humano, seja um efeito especial da Rede Globo. Mas na verdade, o que aconteceu é que as pessoas se arrependeram de votar no candidato que votaram, em grande parte, evidentemente que não a maioria, e que as outras continuam orgulhosas de terem participado de campanha e querendo continuar o trabalho. As pessoas dizem assim: “Acabou a campanha, mas nós vamos continuar a luta. O que vamos fazer agora? O que vamos fazer no princípio do ano?” Então, o movimento que a campanha suscitou continua se desenvolvendo depois das eleições, ao passo que as eleições que votaram num candidato são eleições que não aglutinaram as pessoas em torno do candidato, e não houve nenhuma comemoração, eles venceram as eleições do Rio de Janeiro, não houve nem comemoração. É uma maioria silenciosa, não há dúvida que é uma maioria silenciosa, mas que num determinado momento se arrependeu parcialmente de ter escolhido o candidato que escolheu. [Em 1986 foi eleito governador do Rio de Janeiro Moreira Franco do PMDB, mesmo partido de José Sarney, que havia assumido a Presidência da República com a morte de Tancredo Neves. Outro candidato que também concorreu foi Darcy Ribeiro, apoiado por Leonel Brizola]

Jorge Escosteguy: Você falou em falta de conhecimento da comunidade a seu respeito durante a campanha, não houve tempo para conhecê-lo melhor, você acha que haverá tempo agora para você se candidatar por exemplo à prefeitura Rio de Janeiro?

Fernando Gabeira
: Olha, houve tempo de conhecimento maior, não é? Quando nós chegamos ao meio de campanha, o candidato que venceu, o Moreira Franco [governador do estado do Rio de Janeiro no período de 1987 a 1991, pelo PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro], ele era conhecido por 90% das pessoas. E eu era conhecido por 40, 35, 40% das pessoas no Rio de Janeiro. Hoje eu acredito que esta situação tenha se alterado. Hoje eu sou conhecido por um número bem maior e há realmente um potencial grande para qualquer candidatura minha no Rio de Janeiro. Agora, eu não sei se o caminho é exatamente passar de uma candidatura a outra, se essa não é uma visão um pouco clássica da própria carreira política, você sai de uma candidatura, passa para outra candidatura. Quando na verdade o Brasil nestes anos vai passar por um processo que a gente não controla, um processo bastante complicado, com Constituinte [Assembléia formada por representantes eleitos pelos cidadãos viando a elaboração de uma nova Constituição para o país], possivelmente nós queremos que seja bem rápido, com eleições para presidente da República, e eu posso num determinado momento desempenhar um papel nacional, contribuir com candidatos a nível nacional, contribuir com a Constituinte, eu posso ter um papel que não seja necessariamente o papel do candidato. Então, eu ainda tenho dúvidas sobre esta questão que você colocou.

Rodolpho Gamberini: Gabeira, eu tenho aqui uma porção de perguntas já de telespectadores para você, e se eu fosse separá-las aqui por assunto, o tema que chama mais atenção dos telespectadores, eles querem que você esclareça alguns pontos, é justamente aquele que eu toquei no início do programa, do homossexualismo e das drogas. Eu vou fazer uma pergunta que... eu acho que mostre mais ou menos...

Fernando Gabeira: Atende ao pedido deles.

Rodolpho Gamberini: Porque tem muitas perguntas mesmo, questão de família, drogas, homossexualismo. Tem uma pergunta do senhor Zamir Santiago, do bairro de Santo Amaro aqui na capital, ele faz a seguinte pergunta, as palavras textuais dele: "Qual foi o dicionário que o senhor consultou para explicar homossexualismo e o uso de drogas como sinônimo de modernidade?".

Fernando Gabeira: Não, não consultei nenhum dicionário, não estou dizendo que essas coisas sejam sinônimo de modernidade, a única coisa que pode ter de moderno nesses assuntos é que, pela primeira vez, eles estão sendo tratados à nível de uma campanha política. O aspecto mais moderno da questão, é que passaram a ganhar um status político. Não sou responsável pela inclusão disso em nenhum rótulo, não sou nenhum teórico da modernidade, não tenho nenhuma condição de dizer. A única coisa que eu posso dizer é, pela minha experiência vivida, é que esses assuntos passaram a fazer parte de uma discussão política em determinado momento histórico, coisa que não era tão freqüente em outras campanhas políticas no Brasil.

Rodolpho Gamberini:
Tem uma questão, eu vou emendar mais uma do telespectador aqui, porque eu tenho a impressão que está no assunto, você vai me corrigir se eu errar. A pergunta de Juliana Rodrigues, de São Bernardo do Campo, ela diz o seguinte: “No seu livro O que é isso, companheiro?, o que aconteceu com o personagem Dominguinhos? O que faz hoje em dia, se está vivo? Qual é sua profissão?” Eu li teu livro, não li todos, mas não lembro do personagem Dominguinhos...

Fernando Gabeira: É um garoto que ficava comigo, um garoto que sempre ia comigo nas lutas, quando o Rockefeller veio ao Brasil, quebramos o vidro do Chase Manhattan Bank, fizemos as coisas daquela época. E nos encontramos, ele foi preso, foi muito torturado [close nos pés de Gabeira, que, por estar sentado, exibia por debaixo da barra da calça cáqui, meias pretas com listras coloridas], e depois nunca mais nos vimos. E ele, dessa vez, foi o coordenador do programa de governo, ele coordenou toda a equipe de programa de governo. Hoje, é um redator da revista Ciência Hoje, no Rio de Janeiro, e organizou todo o trabalho da coordenação do programa de governo. E nós continuamos juntos nesses vinte anos.

Rodolpho Gamberini: Está bom. O Dagomir Marquezi quer fazer a próxima pergunta para você.

Dagomir Marquezi:
Daqui a três dia é Natal, não é? Eu queria saber o seguinte, se te dessem de presente, se Papai Noel chegasse a sua casa e te desse o direito de colocar uma lei na próxima Constituição, “uma lei é sua”. Queria saber que lei que você colocaria? 

Fernando Gabeira:
É difícil, não é? Eu acho muito difícil você fazer uma lei, não é? Existem muitas leis que interessam aos brasileiros, muitos assuntos que interessam enormemente aos brasileiros, mas eu acho que, só para contribuir para não falar uma coisa que talvez outras pessoas já vão pedir para Papai Noel, eu vou te apresentar uma que eu acho fundamental, acho que o Brasil deveria ter uma lei dizendo o seguinte: é proibido manter relações diplomáticas com um país que tenha o racismo como política social. Se nós tivéssemos essa lei, instantaneamente nós estaríamos rompendo relações diplomáticas com a África do Sul, acho que seria um avanço muito grande na nossa situação internacional, na nossa relação com a África. Agora, não quero dizer que esse assunto seja mais importante que outros, apenas estou pedindo um presente ao Papai Noel no contexto de outras leis existindo.

Rodolpho Gamberini
: A próxima pergunta.

Marcos Faerman: Uma questão que eu acho importante, porque está relacionada com a questão anterior. Eu respeito muito a tua pessoa, como um dos escritores que eu chamo de “filhos da aventura” [referindo-se a autores que viveram situações de luta armada e que descrevem, em suas obras, os episódios de suas trajetórias, o desejo de interferir nos acontecimentos políticos e sociais, a reflexão política e a reflexão sobre o sentido e o valor da vida], eu estou pensando em André Malraux [(1901-1976), escritor, crítico de arte e ativista político francês, fez parte da resistência francesa à ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial e foi ministro da Informação e da Cultura entre 1945 e 1959; entre suas obras destaca-se A condição humana]
, estou pensando em Hemingway [Ernest Hemingway (1899-1961), escritor e jornalista norte-americano cujos ideais de coragem e honra exerceram influência sobre uma legião de leitores. Viveu muito tempo na Europa, principalmente em Paris e participou da Guerra Civil Espanhola. Entre suas obras destacam-se Por quem os sinos dobram, Adeus às armas e O velho e o mar], eu estou pensando em Semprun [Jorge Semprun (1923-), escritor e militante espanhol, foi membro do Partido Comunista espanhol do qual acabou sendo expulso por se opor ao stalinismo. Sobrevivente de campo de concentração nazista - foi preso pela Gestapo quando exilado em Paris, onde lutou na resistência francesa. Entre suas obras destacam-se A segunda morte de Ramon Mercader] por exemplo. A tua literatura nasceu da aventura, nasceu do sangue, nasceu da rua, e eu espero que não morra mesmo, principalmente com a política. Isto é uma questão. Você fala em verdade, você não disse o tempo todo, quando falou que o povo do Rio se arrependeu de votar naquela figura triste chamada Moreira Franco, que quem tirou o segundo lugar foi professor Darcy Ribeiro [(1922-1997), etnólogo, antropólogo, professor, educador, ensaísta e romancista, entre outros cargos e funções relevantes no cenário nacional, criou a Universidade de Brasília da qual foi o primeiro reitor; foi vice-governador do estado do Rio de Janeiro. Senador da República, elaborou e fez aprovar no Senado a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB - em 1996, conhecida também como Lei Darcy Ribeiro], e que possivelmente quem capitalizaria o descrédito hoje do Moreira Franco seria em primeiro lugar o Darcy Ribeiro.

Fernando Gabeira:
Você acha?

Marcos Faerman: Aliás, eu acho lamentável que você e o professor Darcy Ribeiro, dois antigos exilados e dois socialistas não tivessem procurado caminhar juntos.

Fernando Gabeira: Eu não acho não, sabe? Eu discordo de você.

Marcos Faerman: Eu acho, eu acho.

Fernando Gabeira:
Eu acho que nós poderíamos ter caminhado juntos, tudo bem, mas não acho que Darcy Ribeiro vai capitalizar nenhum desagrado com o governo do Rio de Janeiro, porque o Darcy não está muito empenhado nisso.

Marcos Faerman: Eu digo que se voltássemos atrás, num disco voador, numa máquina do tempo, quem tinha primeira perspectiva de ascensão diante do descrédito, se esse negócio chamado Cruzado Dois tivesse saído um pouco antes de eleições, o Darcy ganhava seguramente, disparado, porque quem primeiro criticou o Cruzado veementemente foi Brizola e, junto com ele, o Darcy.

Fernando Gabeira:
Mas criticou mal, criticou mal porque a questão naquele momento não era investir contra o governo federal agudamente como eles investiram, é preciso de um mínimo de noção de tática, você vai contra o adversário que no momento que está com maior força, você vai colidir com ele, você vai ser abalroado, você vai ser atropelado por ele. O Brizola não tinha conhecimento ainda exato do projeto, ele criticou porque achava que o papel dele era de criticar o presidente Sarney porque ele tinha uma perspectiva de ser o opositor ao presidente Sarney. Mas ele não tinha conhecimento exato do problema.

Marcos Faerman: Talvez seja, não é?

Fernando Gabeira: Ele não foi convincente ali e não escolheu o momento adequado. E outra coisa é que o Darcy, que poderia capitalizar o descontentamento com o governo que virá, não me parece interessado nisso, eu sei porque agora já houve a invasão do BNH [Banco Nacional de Habitação], o Darcy não pintou lá, houve a manifestação de rua, algumas manifestações importantes no Rio de Janeiro, o Darcy não pintou em uma, entende? Ele não apareceu para dizer assim: “Estou aqui, o candidato derrotado, a luta continua”. Eu tenho a impressão que ele cumpriu o papel ligado ao partido político dele, e que ele considera esse papel cumprido e que vai seguir outro caminho. Para capitalizar é preciso estar na rua, quer dizer, a população vai considerar que a pessoa que está na oposição, ela merece respeito, e vai marchar junto com ela, se você partilha da vida cotidiana das pessoas, porque uma das razões pelas quais as pessoas se recusavam a votar nos políticos é que elas diziam que políticos mentem e que só aparecem em épocas de eleições. Se nós queremos realmente transformar esse processo no Brasil, a gente tem que ter uma presença cotidiana junto às comunidades que a gente quer influenciar, senão elas vão desconfiar...


Rodolpho Gamberini: Desculpe eu ter falado quando você estava terminando a resposta, o Alex Solnik gostaria de lhe fazer a pergunta.

Alex Solnik: Bom, eu queria saber, Gabeira, queria lhe dizer que eu concordo com a sua posição a respeito das preferências sexuais, no começo do programa, mas queria lhe perguntar outra coisa. O PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], como é que você consegue entender que o PMDB que foi um partido que lutou pela anistia, que trouxe você de volta, como é que você entende que esse partido agora, depois de poucos anos, sete anos, elege um governador como Moreira Franco no Rio, outros governadores em outros estados também, que não se consideram autênticos peemedebistas? O que você acha que aconteceu com o PMDB? Por que o PMDB, agora, parece que é o retrocesso, parece que perdeu o pique?

Fernando Gabeira: O que eu acho sinceramente é que a gente vive uma transição muito especial, e que o processo de transição, na sua primeira etapa, sempre tem características muito especiais, como houve na Espanha. Num processo de transição, no primeiro momento, você tem o novo e o velho co-existindo de uma maneira muito clara, você ainda tem gente do passado e gente do futuro. Mas, à medida que o processo de transição avança, isso é substituído. Na Espanha também foi assim. O processo de transição apresentou, num determinado momento, uma força política que ainda era muito próxima ou pelo menos não era tão distante do franquismo [regime ditatorial comandado pelo general Francisco Franco, instaurado na Espanha após o término da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) que durou até 1975, quando houve uma transição democrática]... Depois de certo momento, essa força foi superada por uma outra capaz de conduzir a transição à segunda etapa [refere-se à transição para a democracia no Brasil, com o fim da ditadura militar, na qual o PMDB teve papel importante]. O PMDB foi o partido adequado para conduzir a transição nesse primeiro momento, ele conduziu a transição porque ele teve a possibilidade, mas a transição já coloca problemas e alternativas que superam a capacidade do PMDB de responder a ela. E ele já foi superado nesse processo.

Alex Solnik: Que partido deve conduzir [a transição]?

Fernando Gabeira:
Aí que está, não existe um partido existente que possa conduzir sozinho. Então, nós temos que evidentemente criar uma força que seja capaz de substituir o PMDB nessa transição. Eu acho que essa força passa pelo PT, passa por setores do PDT [Partido Democrático Trabalhista, de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro], conforme ele disse, que foi muito bem dito, passa por alguns setores do PMDB que podem se descolar do processo, e podem criar uma nova força capaz de conduzir a transição num segundo momento.

Alex Solnik: Você acha que o PMDB ficou velho rapidamente? Quer dizer, a anistia foi em...

Fernando Gabeira: Foi em 79.

Alex Solnik:
Agora, não é? E o PMDB era vanguarda. Você acha que em sete anos o PMDB ficou velho? O que aconteceu?

Fernando Gabeira: O PMDB foi muito desgastado também pelo poder, pelo governo. Você vê que o PMDB hoje se parece muito com o velho PDS [Partido da Democracia Social, que teve sua origem na Arena - Aliança Renovadora Nacional, partido da situação no regime militar], não é? Ele é forte em alguns lugares do Nordeste, tem aquelas características, as pessoas oportunistas correm para o partido do governo, também, muito rapidamente e inflacionam o partido governo. Eu acho que ele não pode dar resposta a essas questões o que Brasil coloca, porque o PMDB também não se preparou por isso, você vê que a simples tomada do governo, da chegada ao governo do PMDB, não foi uma chegada do governo cheia de projetos, cheio de aventuras, cheio de possibilidades, foi uma discussão muito mais em torno dos cargos. Até hoje: “Quem vai ficar com este cargo? Quem vai ficar com o outro?” É uma divisão de cargos muito importante para eles naquele momento, então você sente que o poder desgastou muito o PMDB, e houve também a Nova República [denominação dada ao período iniciado no Brasil em 1985, com o governo do presidente civil José Sarney e que marcou o fim do regime militar instituído em 1964], começou a se desgastar também a partir do próprio exercício do poder. Em primeiro lugar, porque a Nova República prometeu uma série de reformas sociais que não realizou, em segundo lugar porque não evoluiu em alguns campos claramente, você vê que o ministro da Justiça era Fernando Lyra [foi deputado estadual (1967-1971), deputado federal (1971-1999), líder do PSB (Partido Socialista Brasileiro), ministro da Justiça de março de 1985 a fevereiro de 1986, no governo de José Sarney], que bem ou mal tinha uma posição muito mais avançada do que a posição do Brossard hoje, no ministério da Justiça houve um retrocesso. O ministro das Relações Exteriores, ainda ontem eu estava lendo quatro frases que ele disse, é um homem que nunca deu nenhuma contribuição específica para as relações exteriores do Brasil com resto do mundo, ele deve ter possivelmente viajado uma vez para Estados Unidos, outra, certamente ele viajou, deve ter feito amigos lá, isso eu admito, mas nunca, enquanto brasileiro conheço nenhuma contribuição específica dele às relações internacionais do Brasil. E ele é o homem que, é o homem que dirige a política externa brasileira...

Rodolpho Gamberini:
Gabeira...

Fernando Gabeira: O ombudsman, o homem que vai cuidar das reclamações em relação ao governo, é o homem que acaba de sair do gabinete da Presidência da República, como é que esse homem vai cuidar das reclamações contra o governo, se é um homem tipicamente do governo? [refere-se a Fernando Cesar Mesquita - ver entrevista (1987) no Roda Viva]

José Pedro de Oliveira Costa:
Estou de acordo que governo desgaste, eu trabalho no governo e sei o quanto é desgastante, agora, há uma questão especial da transição brasileira que é morte de Tancredo Neves que não ocorreu na Espanha. Você está falando, quer dizer, o governo hoje é PFL [Partido da Frente Liberal] e PMDB, pelo menos como está situado hoje, então isso tudo faz parte de uma aliança que foi tecida em função de uma situação de eleição indireta, certo? Então, você está analisando um governo como se fosse PMDB, mas este governo também é PFL, quer dizer, nós temos várias questões aí que não são transições tão determinadas, apesar de resultado de urnas de quinze de novembro. Você está citando ministros que são PFL e ministros que são PMDB, então é uma situação especial...

Fernando Gabeira
: Se você quiser a gente pode fazer a separação, a gente vê de quem é a culpa em cada caso.

José Pedro de Oliveira Costa
: Não é questão de culpa.

Fernando Gabeira
: A verdade é que as duas forças ligadas apresentam um trabalho hoje medíocre, quer dizer, nós saímos da era da opressão e entramos na era da mediocridade, isso é uma coisa que é típico, é claro...

José Pedro de Oliveira Costa
: Não vim aqui buscar culpa, mas é para esclarecer, só um ponto, quer dizer assim, na situação que estamos vivendo, a culpa seria colocada se o PMDB tivesse perdido nas eleições, mas o PMDB ganhou de forma até avassaladora, então, realmente há o episódio Cruzado Dois que você comentou, mas a culpa não está sendo refletida pela maioria dos votantes da população brasileira.

Fernando Gabeira
: Não, você... quando eu coloco as críticas ao PMDB, eu coloco as críticas ao governo, evidentemente que você pode entender o governo como um governo, uma composição entre o PMDB e PFL. Mas a verdade é que nós temos dentro do PMDB, hoje, forças muito conservadoras e temos posições muito conservadoras. O ministro da Justiça, por exemplo, é um homem do PMDB, e o ministro da Justiça você sabe que é um homem que tem sido, tem tido uma atitude bastante negativa a respeito dos conflitos sociais no Brasil. E ele, por exemplo, encontra sempre um bode expiatório que é a CUT [Central Única dos Trabalhadores] ou o PT, quase todas as coisas que acontecem... Ainda bem o que terremoto lá do Rio Grande no Norte não estava sobre a jurisdição dele, porque senão a CUT e o PT estariam implicados certamente. Quer dizer, o ministro da Justiça é do PMDB. A reforma agrária ela não foi realizada no Brasil, e quando nós vemos as denúncias do próprio Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], a reforma agrária não foi realizada também por ingerência de pessoas do PMDB. Quer dizer, a diferença entre o PMDB e PFL, hoje, não é uma diferença de qualidade, apesar de existirem no PMDB núcleos mais modernos e mais progressistas que o PFL. Núcleos que podem eventualmente, até se “dessolidarizar” com o governo. Você vê, por exemplo, que no caso do Cruzado Dois, houve algumas pessoas do PMDB que não ficaram solidárias com o Cruzado Dois.

José Pedro de Oliveira Costa
: Pois é, mas eu queria retomar o seguinte: PMDB tem forças conservadoras mesmo antes da anistia, quer dizer, sempre foi uma frente que arregimentou aqueles que se opunham à ditadura militar, certo? Neste momento, vamos dizer assim, estamos vivendo um processo que é inusitado no Brasil, que é processo da avalanche eleitoral que o PMDB conseguiu. Isso cria o que você mencionou: a busca dos oportunismos, a busca dos cargos, e uma série de outras coisas que foram mencionadas e que eu concordo. Agora, a questão toda é o seguinte: é de tal sutileza e de tal "suigeniridade" o processo brasileiro, que realmente, se eu imputar ao PMDB o que você está imputando ao ministro da Justiça, não tenho aqui nenhuma procuração para defender o doutor Brossard, a questão é que tem que ser reconhecido, nesse processo de transição, toda uma situação, e que ela é especial. E que eu acho, também, concordo com você, que nós devemos ter uma depuração daí para frente, agora, não acho que isso seja a causa de que o PMDB, enquanto partido, enquanto frente sim, ele tem todas as “dessintonias”, enquanto partido ele tem que encontrar, realmente, um ponto que seja um ponto da justiça social nas suas defesas principais. É por aí que eu acho que sua fala está um pouco...

Fernando Gabeira: Acredito que ele [o PMDB] já deve ter perdido esse ponto, [acho que] a história já tenha passado e a gente esteja na pergunta do Augusto, quem é que vai conduzir o processo?

Rodolpho Gamberini
: Gabeira, você vai ter oportunidade de voltar a esse assunto, porque vários telespectadores estão fazendo perguntas no rumo político, como a discussão está agora. Mas gostaria que você respondesse a pergunta da Joyce Pascowitch, colunista da Folha de S. Paulo que está me fazendo sinal já há bastante tempo. Por favor, Joyce.

Joyce Pascowitch: Gabeira, eu queria saber se quando você se candidatou ao governo, quer dizer, você achava sinceramente que você tinha condição de ganhar. Porque eu acho que você tem papel muito importante no momento atual brasileiro, e não sei se este papel era mais, na sua opinião, era mais importante você ter uma candidatura vencendo ou não, se você poderia, sei lá, poderia ser candidato à Constituinte, e claro que você ia entrar, e se, acho que é mais ou menos óbvio, então, eu queria saber se era esse mesmo seu papel, se era isso que você queria, levantar toda essa questão em torno das suas idéias, dos seus princípios, ou se seria mais interessante você estar na Constituinte?

Fernando Gabeira
: Olha, nós discutimos isso exatamente como você colocou, chegamos à conclusão que a candidatura ao governo tinha uma possibilidade de suscitar mais iniciativas na sociedade. Tanto que o slogan interno da campanha era "Que floresçam mil flores". Nós queríamos que muita gente viesse atuar junto conosco e queríamos que muitos grupos em fusão se organizassem e procurassem fazer alguma coisa nesse período. Como eram 21 anos de ditadura militar e havia certo torpor, a gente achava que essa candidatura poderia suscitar esse movimento social. Então, nós pensamos: existe uma possibilidade muito grande de não sermos vitoriosos, mas nós conseguiremos suscitar iniciativas na sociedade e, quanto à Constituinte, a gente vai trabalhar pressionando a Constituinte na rua, vamos tentar estimular um processo que se chama "Constituinte de rua", quer dizer, as grandes questões da Constituinte, nós tentarmos atrair gente para manifestações, e em certos momentos chegarmos até a ir a Brasília fazer uma pressão em Brasília. Então, nós pensamos nas duas questões, quer dizer, de como se candidatar ao governo, e potencialmente não vencer, e como influenciar a Constituinte que é realmente uma questão fundamental.

Joyce Pascowitch: Quer dizer, na seqüência assim imediata a partir de março, qual vai ser o seu papel? Quer dizer, nesse processo todo, mas...

Fernando Gabeira: Olha, o papel vai ser um papel... nós definimos mais ou menos claramente, a primeira coisa é que nós continuaríamos visitando as comunidades que foram visitadas durante a campanha, que nós continuaríamos junto ao movimento social, coisa que nós estamos mantendo a promessa. Quando o movimento social surge nós estamos presentes junto ao movimento social. Nós iríamos organizar o Partido Verde em escala nacional, guardados os prazos, porque não é uma coisa a curtíssimo prazo. Íamos manter a nossa solidariedade com os trabalhadores, coisa que foi bastante evidente agora na greve geral onde a gente procurou dar a nossa contribuição, dentro dos limites, não é? E nós pensamos que na medida em que a coisa evolua, que as grandes questões da Constituinte comecem a surgir, nós poderemos dar uma contribuição no sentido de atrair mais gente para discutir a questão. Porque lá no Rio de Janeiro, não sei se aqui em São Paulo foi a mesma coisa, mas houve um grande, acho que foi também, mas grande índice de voto nulo e de voto em branco sobretudo para deputado estadual e para deputado...

Rodolpho Gamberini
: Aqui também. Em todo país, não é?

Fernando Gabeira: Em todo o país, mas nas áreas mais pobres, foi até de 40%, e muita gente, mas muita gente mesmo não sabe sequer o que é Constituinte. Então, nós temos que trabalhar para mostrar a essas pessoas não exatamente o que é uma Constituinte, mas como esses temas que estão sendo discutidos na Constituinte vão interferir no cotidiano delas, e tentar através desse processo atrair uma certa politização, conscientizações desses grupos sociais para fazer com que acompanhem o processo e influenciem o processo.

Rodolpho Gamberini: Gabeira, por favor.

Eduardo Suplicy
: Como fica o PT para você, Gabeira? Você mencionou Partido Verde, organização, e eu tenho lido no jornal, ainda não tive a oportunidade de conversar tanto com você, depois das eleições esta é a primeira oportunidade, mas eu até gostaria que você fizesse uma avaliação do PT, nacionalmente, você teve contato mais com o PV do Rio de Janeiro, com o PT de São Paulo, veio aqui participou, foi muito boa a sua participação no comício aqui em São Paulo, mas como é que você faria uma avaliação do próprio PT, hoje, nacionalmente? E como você vê a sua relação com o PT?

Matinas Suzuki
: Posso acrescentar uma coisinha? Se você acha que o... Quais são as condições essenciais que você acha que tem o PV para crescer em São Paulo, por exemplo?

Fernando Gabeira
: Bem, o que eu acho é o seguinte: nós, no contato cotidiano com PT, nós nos aproximamos muito do PT. Eu, pessoalmente, me sinto de alguma maneira ligado ao PT: eu nasci, me criei num bairro operário, eu sempre considerei que minha tarefa como intelectual era contribuir também para que o papel e a importância dos trabalhadores na sociedade evoluísse. Então, eu acho que minha função sempre foi uma função de proximidade com o PT. E na luta cotidiana eu aprendi a gostar mais do PT, nós lutamos juntos em muitos lugares, estivemos em várias comunidades, juntos, participamos de lutas, corremos da polícia juntos quando foi o caso, fizemos tudo o que realmente companheiros de viagens fazem nessa luta política. E me aproximei muito do partido, e acho que aqui no Brasil a grande tarefa nossa é não deixar que a questão do meio ambiente escape completamente de uma perspectiva de justiça social, nós aqui no Brasil não podemos conceber a luta pela defesa do meio ambiente como se concebe num país do chamado Primeiro Mundo. Nós temos grandes questões sociais e queremos articular a luta pela justiça social com a luta pela defesa do meio ambiente.

José Pedro de Oliveira Costa: Eu queria concordar com tudo isso, eu sou ecologista e estou plenamente de acordo. Agora, eu queria acrescentar uma pergunta também. Em Belo Horizonte houve uma reunião das lideranças ecologistas que achavam que não deveria se concentrar a luta apenas num partido, porque isso iria diminuir a potencialidade da luta do movimento. Então, se você pudesse responder isso junto também, eu te agradeceria.

Fernando Gabeira: Legal. Só queria concluir ainda a resposta do PT, minha relação com PT, e relação dos companheiros que atuaram no PT é uma relação de respeito, de admiração, e nós queremos continuar juntos, queremos manter um trabalho junto com PT. E achamos que o PT, inclusive neste momento em que o ministro da Justiça acusa o PT de todas as coisas que ele acha que o PT teria feito, e que o governo federal pressiona o PT, a própria imprensa, sob certos aspectos estigmatiza o PT, em certos momentos discrimina o PT, é fundamental que a gente esteja juntos. E nós vamos continuar juntos, vamos estar juntos com o PT, contribuindo com o PT, tentando fazer com que ele também cresça nesse processo. E sentimos no Rio de Janeiro que o PT cresceu muito, ele avançou muito sobre vários setores. Agora, aqui em São Paulo, eu não posso te dizer, para responder a tua pergunta, depois eu vou a tua... Eu não posso dizer qual o potencial de um Partido Verde em São Paulo, o que eu posso dizer é que as eleições de São Paulo, [o estado de são Paulo] é registrado, na realidade, como único estado do Brasil [com condições de] eleição de um constituinte, que é um constituinte ecologista que é o Fábio Feldman, é o único estado do Brasil que conseguiu realmente eleger um constituinte nessas condições. A juventude de São Paulo apresenta uma grande abertura para esses temas. Eu acho que o potencial para lutas ecológicas aqui é muito grande, que existe um potencial muito grande. Eu mesmo participei aqui em Santos, em Cubatão de várias lutas ecológicas, eu estive nas eleições para prefeito, eu tive a oportunidade de contribuir na campanha do candidato do PT em Cubatão, que é uma pessoa também interessada em melhorar as condições ecológicas de Cubatão. Na Baixada Santista existe uma luta ecológica, existe interesse ecológico grande. Então, eu acho que existe potencial muito grande que pode se cristalizar num partido ou que pode se expressar num apoio a determinado partido. Isso tudo só realmente a prática, só a evolução dos acontecimentos vai dar. Agora, quanto à pergunta, realmente essa reunião de Belo Horizonte existiu, e a posição das pessoas de Belo Horizonte, que estavam em Belo Horizonte, que eram de todo o Brasil, era que não se deveria formar um Partido Verde e sim influenciar todos os partidos. Agora, eu acho que na realidade é uma falsa contradição. Quer dizer, nós podemos simultaneamente criar um Partido Verde, e simultaneamente influenciar todos os partidos, porque o manifesto da própria criação do Partido Verde diz que ele não pretende ser o único dono das bandeiras que ele defende, as bandeiras do Partido Verde são bandeiras que transcendem ao próprio Partido Verde, e vão estar presentes em outras agremiações.

Augusto Nunes: Como você prefere o PV, o que tem o Partido Verde que falta, por exemplo, ao PT?

Fernando Gabeira
: Bom, esta questão é uma questão muito delicada, não é? Mas a gente vai chegar a ela. Eu acho que existem, existe uma possibilidade, nós pensamos assim, em quatro princípios fundamentais. Um deles é a defesa da ecologia, o outro é a responsabilidade social, opção pelos oprimidos, uma coisa o que o PT... a outra é democracia de base, e finalmente, a última é a não-violência. Se você examinar detidamente no PT, essas questões todas são questões que são aceitas. O PT aceita a luta pela ecologia, aceita mais do que tudo a defesa dos oprimidos, o PT aceita a democracia de base, é um dos partidos mais democráticos que eu já vi no mundo, realmente um partido que discute tudo, tudo se decide em discussão. E é um partido também que aceita a não-violência, pelo menos alguns setores dele aceitam a não-violência como forma de governo. Mas eu acho que é tudo uma questão também de ênfase, nós tivemos a oportunidade pelo fato de estarmos trabalhando fora do PT, de colocar uma ênfase maior na questão das mulheres. E estimular, no Rio de Janeiro mais agudamente, a questão das mulheres. Eu acho que o PT, com toda essa abertura, ainda é um partido que tem uma tendência a considerar... como ele analisa a sociedade ainda pela ótica, sobretudo, pela ótica marxista [referente à teoria social, política e econômica elaborada entre 1848 e 1867 por Karl Marx e Friedrich Engels e que entre outras teses defende que a partir do materialismo histórico os trabalhadores tomarão o poder, triunfando sobre a burguesia], ele entende a sociedade dividida em classes e a sociedade contraditoriamente colocada de uma maneira tal que operários e patrões estão colocados em dois extremos e são a contradição principal da sociedade. E como esta contradição principal se liga a outras contradições, houve muita gente no PT, num determinado momento, que considerou essa contradição principal como a única. Então, foi um pouco impermeável à questão das mulheres, um pouco impermeável à questão negra, um pouco impermeável à questão ecológica, e isso dificultou um pouco esse processo do PT avançar nesse campo, e atrair essas forças...

José Pedro de Oliveira Costa
: Mas não teria outra contradição aí...? Só rapidinho... [sendo interrompido]

Rodolpho Gamberini: Só uma questãozinha, eu prometo que a gente volta aí, mas temos que fazer intervalo neste momento, Gabeira. Eu peço que você espere um pouquinho, a gente volta retomando essa questão que nós colocamos agora. Intervalo, nós voltamos daqui a pouquinho. Até já.

[intervalo]

Rodolpho Gamberini: Voltamos, então, com o Roda Viva, esta noite entrevistando Fernando Gabeira, o candidato da coligação Partido Verde/Partido dos Trabalhadores ao governo do Rio de Janeiro. E quando eu chamei o intervalo, o secretário José Pedro de Oliveira Costa, que é o secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo, estava com a palavra. Eu pediria ao senhor que retomasse.

José Pedro de Oliveira Costa: Só para completar o raciocínio, realmente esta questão do Partido Verde é uma questão que interessa a nós todos, nos preocupa a todos, e realmente há uma decisão, como foi mencionado, das lideranças de Belo Horizonte, no início de 86, mas há uma questão que talvez interesse também ao PT. O Verde é basicamente uma conjunção de várias coisas, e você ainda soma a justiça social que eu concordo inteiramente. Agora, o Verde é saúde também, digamos, basicamente como uma luta contra a poluição. E aí não sei se conviria, quer dizer assim, não sei se teria dificuldade ter um partido que seja partido da justiça social apenas, ou partido apenas da saúde, não sei se isso seria talvez a dificuldade dessa questão. Eu lembro que na Alemanha onde o Partido Verde é melhor sucedido, e não é tão bem sucedido, é mal sucedido em alguns países europeus onde tentou se implantar, ou se implantou de uma maneira fraca, a Alemanha tem cinco milhões de inscritos no Partido Verde de militantes oficialmente colocados. Então, fica essa dificuldade de verificar se é conveniente na nossa luta no momento, que é a pergunta que eu vou fazer pra você esclarecer, se esta luta do Partido Verde, sintetizando a luta num único segmento partidário, daria a impressão que, se o partido não ganhasse, aquelas bandeiras não teriam repercussão social?

Fernando Gabeira
: É, eu acho que essas lutas significam lutas que o Partido Verde pode desenvolver, mas são lutas de toda a sociedade. Nós achamos que essas lutas pertencem a toda a sociedade e achamos que, no caso de ligar justiça social à questão ecológica, é porque nós estamos também no Terceiro Mundo, temos que dar uma resposta singular à questão do meio ambiente. E ela [a resposta], no Terceiro Mundo, passa também por uma resposta à questão da injustiça social. Então, nós achamos que isso é uma possibilidade. Agora, nós não pensamos em transformar o Brasil apenas a partir do Partido Verde. No nosso manifesto nós dissemos que nós nos uniremos às forças que vão participar da transformação do Brasil. E consideramos essas forças como forças mais amplas o que Partido Verde, mais amplas que o Partido Verde e o PT, mais amplas o que Partido Verde, o PT e o PDT e o PMDB, nós consideramos que o processo vai transcender a essas agremiações políticas que existem hoje. Mas nós consideramos apenas uma parte do processo.

Rodolpho Gamberini
: Gabeira...

Marcos Faerman
: Uma questão importante. Eu estive agora em Brasília, num congresso da Unicef [Fundo das Nações Unidas para a Infância, criado em 1946 como um fundo de emergência para ajudar as crianças vitimizadas pela Segunda Guerra Mundial e que, em 1953, assumiu o caráter de uma instituição permanente de amparo a crianças de todo o mundo ameaçadas pela miséria, pela fome e pela doença]. Jornalistas, não muitos, foram até esse congresso, eu acho que não era tão importante que muitos jornalistas fossem ao encontro porque lá se discutia a questão da criança brasileira, e da criança no mundo. Um dado importante que eu queria que vocês gravassem, está escrito neste papel, entre 90 países do mundo, o nosso país, no trato da infância está neste lugar aqui, número 73. É uma coisa que eu queria colocar aqui. Prioridade número um neste país qual é? Claro que a questão da ecologia é uma questão ampla, e quando explodir uma usina nuclear ali em Angra dos Reis, por exemplo, vai tudo por água abaixo, tá legal. Agora, eu acho que você, por exemplo, até agora não tocou na questão da infância brasileira, eu acho no que Rio de Janeiro, o trabalho dos Cieps [Centros Integrados de Educação Pública, criados no primeiro governo de Leonel Brizola no Rio, em 1983, foi idealizado pelo antropólogo Darcy Ribeiro, destacando-se entre suas propostas a integração escola-comunidade, oferecendo atividades de lazer em bairros carentes] respondeu em parte a uma proposta de se preocupar prioritariamente com infância. Esta é uma questão. Outra questão que eu queria te lembrar agora, que nós estamos no fim de 86 e ressuscitaram as lutas estudantis no mundo: França, Itália e China, graças a Deus, estudantes voltam às ruas.  Então, são algumas questões que eu queria te colocar: questão da volta das lutas estudantis, e a questão da prioridade para a infância. Por que não se colocar uma proposta, por exemplo, de criação de uma "secretaria da infância"? Inclusive em São Paulo, coisa que eu não via no programa do governador Quércia, que prometeu escola em dois turnos, eu quero saber o que vai ser feito disso.

Rodolpho Gamberini
: Por favor, Gabeira, sua resposta.

Fernando Gabeira
: Eu não falei em criança aqui, mas também não falei em velho, não tive tempo ainda de falar, mas durante a campanha nós falamos muito, e nós tentamos levar uma reflexão sobre a defesa da criança no Rio e a defesa da criança no Brasil através da Constituinte. E, para me inspirar, para estudar um pouco melhor a questão, eu fiz algumas viagens a São Paulo, entrevistei um psiquiatra aqui de São Paulo, Haim Grünspun [médico especialista em psiquiatria infantill, autor de diversos livros sobre o tema e professor na Pontifícia Universidade Católica, PUC, São Paulo] que é uma pessoa que trabalha com isso há muito anos. Ele me deu uma série de dados e, a partir dessas conversas com ele, nós formulamos alguns direitos fundamentais das crianças, e eu apresentei no Rio de Janeiro como uma proposta para os constituintes, os dez direitos fundamentais das crianças. E lá no Rio de Janeiro, também, nós trabalhamos muito com a questão das crianças, inclusive com as crianças de rua, porque algumas das pessoas que participaram da campanha eram pessoas que trabalhavam com comunidades de crianças de rua. Então, houve realmente uma preocupação muito grande com essa questão. E quanto aos estudantes, eu acho fundamental que eles tenham se movido na Espanha, na França e na China, eu acho ótimo que tenham se movido, porque mais uma vez eles destroem uma série de mitos com seu movimento. Nos anos 60, não sei se você se lembra, a Folha de S. Paulo publicou uma entrevista de um sociólogo que nos anos 60 dizia que a ideologia acabou, e surgiu em 68 um grande movimento ideológico, agora, diziam que estudantes eram egoístas que estão lutando contra uma lei, que era uma que ia dificultar a entrada deles na universidade e lutando até pelos restaurantes "de coração", que é como chamam os restaurantes dedicados a pessoas que não têm muito dinheiro para pagar os restaurantes, quer dizer, eles são muito menos egoístas do que se atribuía a eles nas análises dos sociólogos, e tudo mais. Então, mostra, realmente, que a juventude está em movimento, que os ideais não acabaram, que a vontade de mudar, a luta contra o conformismo continua no mundo. Isso eu acho fundamental, porque ela pode mostrar para nós que os tempos ainda vão nos trazer novas surpresas. E a luta na China também é fundamental, porque você teve, um pouco antes de 68 você teve a revolução cultural [chinesa], e agora é o primeiro grande movimento e um movimento que se move, não estimulado pelo governo, mas um movimento que se move contra o governo. E que vai implicar em uma série de repressões, como já implicou segundo o noticiário.

Rodolpho Gamberini: Gabeira, eu gostaria que você respondesse agora uma pergunta de um telespectador, que não tem absolutamente nada a ver com o que estamos falando agora. Pergunta do senhor Marco Aurélio dos Santos, ele mora no Paraíso, no bairro do Paraíso, aqui na capital. A pergunta dele é: “Por que o senhor não matou o embaixador americano quando o seqüestrou?” [risos].

Fernando Gabeira
: Olha, senhor Marco Aurélio, eu tenho uma dificuldade enorme de matar até mosca, não sou de matar ninguém e, além disso, o nosso objetivo não era matar o embaixador, mas salvar a vida de 15 companheiros que estavam presos.

Rodolpho Gamberini: Gabeira, vamos fazer uma coisa... Provavelmente muitos telespectadores não sabem exatamente a que episódio você está se referindo, queria que você contasse rapidamente o ano que aconteceu, o que foi esse seqüestro do Charles Elbrick?

Fernando Gabeira
: Nosso passado, constantemente. Foi em 1969, foi um seqüestro do embaixador americano, nós participamos do seqüestro do embaixador americano, e ele esteve conosco durante alguns dias, foi trocado por quinze companheiros que estavam presos e sendo torturados nas prisões da ditadura. O nosso objetivo não era matá-lo, nosso objetivo era soltar os companheiros, os companheiros foram soltos e nós soltamos o embaixador que deu uma entrevista muito simpática a nosso respeito, foi convidado a deixar o Brasil pelos militares e lá nos Estados Unidos, ainda no fim da sua vida, ele deu uma outra entrevista pedindo a nossa anistia. Portanto, esse homem se transformou num amigo nosso, e é uma pessoa que, independente do que ele simbolizava, um governo conservador que apoiava uma ditadura, é uma pessoa respeitada sobre todos os sentidos.

Rodolpho Gamberini: Gabeira, se você fosse seqüestrado por um grupo de extrema-direita armado, que fizesse luta armada hoje, você ficaria amigo dos fascistas, por exemplo, que os seqüestrassem?

Fernando Gabeira: Olha, eu não, não sei, eu não posso te dizer, não é? Eu passei por lugares na minha vida onde nem sempre eu podia escolher as companhias. E nesses lugares, nessas situações, às vezes me transformei em amigo das pessoas, às vezes não. Eu não posso te dizer. Eu acho difícil eu ser amigo de um fascista, porque existe já uma contradição muito grande entre visão de mundo, perspectiva de mundo. O que eu posso, é chegar ao ponto de compreender um pouco melhor as opções dele, respeitar as opções dele, mas combatê-lo.

Rodolpho Gamberini
: Mas o embaixador naquele ano, era representante do imperialismo, era... Por que o embaixador americano e por que não outro embaixador?

Fernando Gabeira: Ele era representante do imperialismo, mas nós aprendemos, e no dia que você se envolver num seqüestro, espero que você não se envolva...

Rodolpho Gamberini
: Nem como seqüestrador e nem como seqüestrado [risos].

Fernando Gabeira: Mas a gente aprende... Você aprende logo que uma coisa é o símbolo do imperialismo, então, determinado homem é o símbolo do imperialismo. Outra coisa é a pessoa que fala, que anda, que vai tomar água, que vai fazer pipi. Esse é um ser humano e, com o tempo o ser humano começa a ganhar uma dimensão maior do que o símbolo, e você começa a distinguir o símbolo do imperialismo daquele ser humano com quem você está convivendo.

Rodolfo Gaberini
: Você perdoaria o ser humano que tem o símbolo, por exemplo, do torturador? Homens, por exemplo, que mataram, torturaram amigos seus, companheiros de luta seus?

Fernando Gabeira: Eu sou plenamente favorável, plenamente favorável à punição dessas pessoas.

Rodolfo Gaberini
: E o ser humano que existe neles?

Fernando Gabeira
: O ser humano que existe neles vai ser recapturado, eu não sou favorável à pena de morte e não sou favorável a uma punição que não reeduque as pessoas, eu sou a favor da recuperação de pessoas. Eu não tenho nenhuma visão punitiva, minha perspectiva de mundo não é punitiva, a minha concepção de mundo não é para punir as pessoas, é para recuperá-las e reintegrá-las, nós não somos torturadores do universo, nós vamos dar a eles as condições de defesa e de vida que não nos deram, isso é claro...

Augusto Nunes: Gabeira, sobre o episódio do seqüestro, você me desculpe, mas você mesmo disse que o passado não se persegue. Eu acho que você relatou de forma um tanto amena essa convivência, você usou expressões extremamente agradáveis, “ele esteve conosco, ficamos amigos”, mas, na verdade, se tratou de um seqüestro dramático, como qualquer seqüestro. E eu queria te perguntar, não é verdade que se a casa fosse invadida, vocês estavam dispostos a executar o embaixador?

Fernando Gabeira: É verdade, é verdade. Nós éramos gentis, cordiais, mas não estávamos brincando. Se nós realmente seqüestramos e dissemos que se não soltassem os companheiros ele seria morto, ele seria morto.

Alex Solnik
: Gabeira, o que você achou desse último seqüestro aqui em São Paulo? Dos quatro milhões de dólares?

Rodolpho Gamberini
: Martinez, o vice-presidente do Bradesco [Antônio Beltran Martinez foi seqüestrado no dia sete de novembro de 1986, ficou 41 dias em poder de seqüestradores e foi libertado no dia 17 de dezembro, depois que foi pago o resgate de quatro milhões de dólares. Foi o seqüestro mais longo da época e somente seis meses após a sua libertação Martinez se manifestou e apresentou suas declarações à imprensa].

Fernando Gabeira: Olha, esse... Eu respeito muito o sofrimento da família, não é? Eu acho... Agora, realmente, eu não posso entender muito bem a situação, porque a imprensa não publicou muito, não é? A imprensa começou a publicar agora. E eu não conheço bastante os dados. Eu respeito o sofrimento da família, eu acho que eles tiveram possibilidade de soltá-lo, fico feliz e ele está vivo, mas eu acho que as pessoas com quatro milhões de dólares poderiam... de repente, talvez não valha a pena ter tanto dinheiro assim. De repente, num determinado momento, a família pode ter um intro-visão de que realmente foi uma aventura, foi uma conquista muito grande, foi uma dádiva dos céus por ele ter sobrevivido, mas que agora é tempo de pensar realmente numa sociedade em que há pessoas que acumulam quatro milhões de dólares e, também, o convite a esse tipo de seqüestro fica permanente, não é? E eu também não sei, outra coisa que para mim me intriga é como é que as pessoas conseguem quatro milhões de dólares no Brasil! Também não sei, porque realmente... [Risos]

Fernando Gabeira
: Agora, de qualquer maneira, estou feliz porque ele sobreviveu, fico feliz porque sobreviveu.

Eduardo Suplicy: Aqui nestas eleições, nós estivemos cercados de candidatos, por exemplo, aqui em São Paulo três candidatos estimou, por exemplo, a Folha [de S. Paulo] um dia, gastando cem milhões de dólares cada um... seus partidos... Nós tivemos que nos defrontar com eles gastando, não sei se exatamente, gastando duzentas, quinhentas ou mil vezes menos do que isso, porque qualquer valor entre vinte e cinco e cem milhões de dólares foi o que, de um lado, Paulo Salim Maluf [empresário, dono da Eucatex, político partidário da Arena (Aliança Renovadora Nacional) partido da situação no regime militar, foi governador de São Paulo no período de 1979 a 1982, pelo PDS (Partido Democrático Social), que sucedeu a Arena, candidato às eleições estaduais de 1986 perdeu para Orestes Quércia] e seu partido, Antônio Ermírio de Morais [empresário, dono do Grupo Votorantim, concorreu ao governo do estado de São Paulo em 1986, pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), perdendo para Orestes Quércia] e seu partido, e Orestes Quércia [político paulista do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro ) eleito governador do estado de São Paulo nas eleições de 1986, governou no período de 1987 a março de 1991] e o seu partido e a máquina administrativa governamental de São Paulo gastaram. Nós sabemos e podemos prever que nas próximas eleições também vamos ter o PT, o PV, que nos defrontaremos outra vez com o extraordinário abuso do poder econômico, com provavelmente o uso desigual do horário gratuito na televisão. Mas, em vista do que aprendemos nestas eleições, o que devemos fazer nas próximas para ganharmos? Porque, algumas vezes na história do mundo, o menos poderoso venceu o mais poderoso: Davi venceu Golias [personagens da luta descrita no Antigo Testamento, da Bílblia, que teria ocorrida há mil anos antes de Cristo, envolvendo o jovem e franzino pastor judeu Davi e o gigante filisteu Golias], o Vietnã venceu os Estados Unidos [os Estados Unidos apoiaram o Vietnã do Sul, capitalista, no conflito armado contra o Vietnã do Norte, comunista, numa intervenção desproporcional que se estendeu de 1964 a 1975 e que terminou com a constrangedora retirada das tropas americanas do sudeste asiático e o reconhecimento de sua primeira derrota militar], a Maria Luiza Fontenelle [prefeita eleita de Fortaleza pelo PT, em 1985, foi a primeira mulher a administrar uma capital no Brasil, derrotando Antônio Paes de Andrade, do PMDB, detentor de vasta experiência política] venceu os coronéis no Nordeste, e talvez seja possível ao PT, quem sabe com o PV, nas próximas eleições, vencer. Mas, pensando na nossa experiência, na sua opinião, o que precisa ser feito desde já para ganharmos as eleições nas circunstâncias que provavelmente serão outra vez semelhantes a essas?

Fernando Gabeira
: Olha, pela minha experiência, não posso falar pela experiência do PT nacionalmente, mas pela minha experiência, ajuda muito ficar perto do povo. Eu não estive tão perto do povo ao longo desses anos porque foram dez anos de exílio também. Eu acho que se a gente está perto do povo as coisas melhoram muito. A gente tem que freqüentar as comunidades, a gente tem que ir lá, tem que visitar, tem que compreender, tem que lutar junto. Eu acho que o PT faz isso muito, mas ainda assim é preciso fazer mais, é preciso participar mais das lutas sociais, é preciso estar mais presente nas comunidades. Acho que isso vai nos ajudar. A outra coisa é que a gente não pode esperar é que a imprensa conservadora seja simpática à nossa proposta. Nunca! Então, nós temos que, desde agora, começar a estabelecer pelo menos o princípio de uma imprensa alternativa, de uma televisão alternativa, de uma rádio alternativa, de jornais alternativos, que possam num determinado momento fazer frente a essa situação. Eu acho também...

Alex Solnik: Você acha que toda imprensa é conservadora, atualmente?

Fernando Gabeira
: Não, não acho necessariamente que toda, mas a tendência da imprensa, quando se trata de uma proposta como a do PT, é de ficar um pouco, digamos assim, ou indiferente, ou hostil. E acho que é necessário preparar uma imprensa onde a definição da linha editorial seja feita pelas pessoas que trabalham nela, e não pelos donos.

Alex Solnik
: Quem seriam esses jornais ou revistas ou televisões que se enquadram? Que não são conservadores?

Fernando Gabeira
: Eu não diria, quer dizer, o que eu diria é que nós precisamos construir isso, não é? Nós precisamos criar jornais, precisamos ampliar a legislação ou pelo menos revolucionar a legislação através da Constituinte para que as pessoas possam fazer suas estações de televisão, e que grupos possam ter suas estações de televisão, para que rádios possam surgir, novas emissoras de rádio, com grupos sociais falando nessas rádios, o que nós chamamos hoje indevidamente de rádios piratas e TVs piratas, que não são propriamente piratas porque não estão atrás do ouro, não é? Isso tudo tem que... Esse movimento todo tem que explodir no Brasil, porque isso vai garantir democracia. Hoje, no Brasil, existe muito pouca gente falando e muita gente ouvindo, na medida em que a gente avança nesse processo, a gente consegue quebrar isso. A outra coisa...

Marcos Faerman
: Você fala de concessão das rádios, por exemplo?

Fernando Gabeira: Exatamente, exatamente, mudar isso. Mudar isso para que o UHF [sigla usada para designar ultra high frequency (freqüência ultra alta) faixa de radiofreqüências de 300 MHz até 3 GHz, comum para propagações de sinais de televisão, rádio e transceptores] possa funcionar, possa ter estações de televisão locais funcionando, para que possa haver emissoras de rádio, entende? Mais livres e mais...

Matinas Suzuki
: Queria fazer uma pergunta relacionada a isso, eu até escrevi isso quando eu cobri a campanha do PT no Rio. Duas questões que eu chamaria de semiologia [estudo das significações que podem ser atribuídas aos fatos da vida social concebidos como sistemas de significação: imagens, gestos, sons melódicos, elementos rituais, protocolos, sistemas de parentesco, mitos, etc] do cotidiano, vamos dizer assim, que é uma preocupação sua, a questão da política no miúdo do cotidiano, essas coisas todas, como isso se revela. Uma é a crítica acirrada, ideologicamente, aos veículos de comunicação, criou dentro da sua campanha um efeito inverso, aquele efeito de você ter que se utilizar de astros da Globo para trabalhar na sua campanha. Isso era muito visível no último convite de encerramento [da campanha] da Cinelândia [trata-se da Praça Marechal Floriano Peixoto localizada ao final da Avenida Rio Branco, conhecida como Cinelândia porque, a partir da década de 20, ali estavam concentradas as melhores salas de cinema do Rio de Janeiro], por exemplo, em que 90% das pessoas que falaram, tiveram voz no microfone, eram ou artistas, ou cantores, essa coisa toda, pessoas consagradas pelos veículos de comunicação. E o que se agrava com o fato, a meu ver, de você sempre falar da necessidade de se aproximar das camadas populares etc e tal e das camadas populares não terem ido ao comício, quer dizer, não ter respondido a isso, quer dizer... Então eu queria que você esmiuçasse um pouco essa questão, esta seria uma questão. A outra, que é um fato que eu acho interessante na política brasileira, é de você ter que se apresentar muito elegante, muito bem vestido em todos os lugares, você indo a favelas, você indo a comícios, você indo a reuniões de intelectuais, esta coisa toda, quer dizer, eu sei que isso não é inocente na sua cabeça, quer dizer, que você tem preocupação com isso, então quer dizer, como é que você vê isso também? Quer dizer, é preciso mudar o design do político do ponto de vista da roupa que ele veste também, não só o discurso?

Fernando Gabeira: Bem, primeira questão: no caso da Globo, eu vou te dizer como nós utilizamos, por exemplo, o trabalho da Lucélia Santos [atriz conhecida mundialmente por causa das novelas exportadas pela Rede Globo, destacando-se  Escrava Isaura, sucesso em cerca de 130 países, além de sua importante participação na TV, no teatro e no cinema, a atriz é também um dos nomes mais politizados de sua geração, com militância nas Diretas Já, no PT e no Partido Verde]. A Lucélia Santos, no momento que ela decidiu se incorporar à campanha, ela contribuiu enormemente com a campanha. Os lugares onde nós íamos de caminhão, a Lucélia subia no caminhão, começava a falar, aparecia gente, aí eu entrava para falar depois. Nós, eu pegava o microfone e explicava à população porque que uma pessoa da Globo estava presente ali. E eu dizia: “Olha, vocês estão vendo aqui a Lucélia Santos, na televisão ela faz uma personagem, a Sinhá Moça, que luta contra a escravidão. A escravidão no Brasil acabou, mas as injustiças sociais não. E ela [Lucélia], na vida real, ela é contra essas injustiças sociais, o que ela está fazendo aqui com vocês hoje, é um prolongamento do trabalho que ela faz na Globo. Então, evidentemente que eu estava utilizando a Globo, mas, de uma certa maneira, utilizando contra ela, é assim que a gente apresentava, dessa maneira que a gente apresentava. Evidentemente que nós temos uma visão crítica do próprio personagem Sinhá Moça, entende? Que é uma personagem das classes dominantes, era a própria branca, através daquela pessoa branca que as coisas iam se passar...

Marcos Faerman: Complicada a tua posição aí, hein, Gabeira?

Fernando Gabeira
: Hein?

Marcos Faerman: Eu acho bem complicada sua explicação sobre o papel da Lucélia aí. Como tu mesmo está admitindo aí, acho meio complicado isso.

Fernando Gabeira
: A única coisa que você... O povo não achava, entende? Eu quero ver qual é a tua complicação para poder... O povo não achava, vamos ver como você...

Marcos Faerman
: É que você mesmo está admitindo que Escrava Isaura não era bem isso e tal...

Fernando Gabeira
: Não é Escrava Isaura, é Sinhá Moça!

Marcos Faerman: Digo, Sinhá Moça! [Risos] Você a usava de uma maneira, na hora do palco, mas você tem toda uma outra análise em cima!

Fernando Gabeira
: Olha, lá as pessoas adoravam ela, entende? As pessoas, os negros...

Marcos Faerman
: Você fazia uma mea-culpa...

Fernando Gabeira:...adoravam ela porque viam naquele papel dela uma identificação com a causa negra. E nós explicávamos isso: olha a abolição da escravatura já houve, mas os negros continuam sendo explorados, existem problemas. Falávamos do preconceito, falávamos de todas as questões, e mostrávamos que ela estava fazendo um prolongamento do trabalho dela. No comício final, em que foram todos os astros da Globo para dar uma contribuição ao comício, nós não tínhamos nenhuma intenção de explicar aquilo, não havia nenhuma explicação sobre aquilo, mas eu acho razoável, considerando a desproporção da situação, que algumas pessoas que apoiavam a campanha e eram ao mesmo tempo artistas da Globo, fossem apoiar a campanha. Eu não acho, ainda mais porque a própria Globo impediu que eu desse um debate final onde nós íamos apresentar as questões. Porque se nós utilizássemos os astros da Globo, e quando nós fôssemos à Globo, nós falássemos uma linguagem que não fosse uma linguagem realmente de transformação, até que seria questionável, mas nós só aceitamos a participação usada, porque a Globo não nos deixou ir lá, porque se nos deixa falar na Globo, os astros da Globo iam ficar desnecessários porque teríamos o espaço para falar o que nós queremos.

Rodolpho Gamberini
: Gabeira, ele não respondeu ainda, a do... Deputado, ele não tocou ainda na segunda parte da questão do Matinas Suzuki, que é questão da roupa.

Fernando Gabeira: É, questão da roupa, eu posso dizer o seguinte, eu subo, já subi praticamente quase todos os morros do Rio e quando eu subo o morro do Rio, eu quero subir o mais bonito possível, porque não vou chegar para o favelado e fingir que eu sou favelado, porque ele nem gosta disso! Eu vou como eu vou, com todo o respeito que eu tenho por eles. Agora, não acho que o político tenha que mudar o design, político tem que ficar à vontade. E você... o Jânio Quadros [entre outros cargos da sua longa carreira política, foi prefeito e governador em São Paulo, presidente da República com extraordinária votação, tendo renunciado, num evento que marcou a história política brasileira, em 1961, após sete meses de mandato], uma pessoa que deu muito certo politicamente e não é, digamos assim em termos clássicos, um protótipo de elegância, no entanto as pessoas votaram com todo fervor, porque ele pura e simplesmente se apresentava como ele achava que ele era, e convencia as pessoas de que era assim porque passava alguma coisa de dentro que ele era assim. Então, eu acho que os políticos, as pessoas e tal, eu não acho que única regra seja como você é, seja aproximadamente o que você é, entende? Mas não acho que exista nenhuma relação entre política e elegância como você possa colocar.

Rodolpho Gamberini: Mas o Matinas, na questão dele, tocou na questão da distinção do político convencional; não foi isso, Matinas?  Agora, isso é uma coisa que se a gente for ver, por exemplo, algumas piadas que surgiram durante a campanha do Rio de Janeiro, as piadas que te envolviam, elas justamente tocavam na questão de você ser muito distinto, muito diferente dos outros candidatos. Tinha piadas que tocavam homossexualismo, piadas que tocavam uso de drogas, você certamente conhece...

Fernando Gabeira
: As publicáveis e as não-publicáveis [risos]. Mas olha...

Rodolpho Gamberini: Dessas piadas todas, dessas piadas todas, qual você achou melhor, das publicáveis ou das não-publicáveis? Na sua... Você, tornando públicas, elas passam a ser publicáveis neste momento.

Fernando Gabeira: Todas as piadas tem uma função social, não é? Elas tem uma função crítica... [sendo interrompido]

Rodolpho Gamberini: Vamos lembrar uma piada sua, porque o telespectador pode estar ouvindo falar de piada e ele não conhece nenhuma. Tem uma piada, por exemplo, que fala da droga, questão da droga. Você, governador do Rio de Janeiro, senhor Fernando Gabeira, excelentíssimo governador do Rio de Janeiro, tem uma audiência marcada para dia 16, para o dia seguinte a sua posse. A pessoa que vai ter audiência com o governador chega ao gabinete, se apresenta, e diz: “Tenho uma audiência com governador, o governador está?”. E o chefe do gabinete que representa o governador: “Está, mas está 'viajando'” . [Risos]

Rodolpho Gamberini
: Essa piada, o que você acha dessa piada? Ela é uma piada que toca justamente, vai mais ou menos ao encontro ao que o Matinas estava falando, da questão da distinção, você era apresentado como uma candidato distinto dos outros, as piadas já te distinguiam, o que você acha dessa piada?

Fernando Gabeira: Essa foi uma piada escrita no Jornal do Brasil, quer dizer, foi uma piada num jornal conservador, feita com objetivo de boicotar minha candidatura. Então, esse tipo de piada tem o objetivo de distanciar as pessoas da possibilidade, porque evidentemente que se você coloca assim, cria insegurança muito grande nas pessoas: "essa pessoa que está nos governando não tem condições de nos governar". E você sabe que os seres humanos, nem todos se movem pela justiça, nem todos buscam a justiça, nem todos buscam a igualdade. Muitos seres humanos buscam segurança, a segurança é o grande objetivo deles. E isso dá uma certa insegurança nas pessoas, não é? Quer dizer, uma insegurança, você sabe que é muito maior do que se você chegasse, se você se referisse a uma situação etílica, porque estar viajando já significa que está fora daqui. Completamente fora daqui. Eu acho que foi uma tentativa de sabotar a minha candidatura.

Rodolpho Gamberini: Você diz que há piadas e piadas, dessa você não gostou, você disse que foi uma tentativa de sabotagem.

Fernando Gabeira: Não é que eu não tenha gostado, entende? Não é que eu não tenha gostado, eu acho, eu posso achar nos adversários, também, humor, e achar nos adversários, também, eficácia, ela teve eficácia, como teve uma frase que circulou...

Rodolpho Gamberini
: Ela teve eficácia contra sua candidatura?

Fernando Gabeira
: "Quem bebe, fuma e cheira, vota no Gabeira".

Rodolpho Gamberini: Tinha mais um verbo, bebe, fuma, cheira, mais um verbo, vota no Gabeira.

Fernando Gabeira: Suponhamos que na versão que eu vi tinha isso. Mas a gente pode acrescentar um ou mais outros pra ampliar o espectro.

Rodolpho Gamberini: Ampliar.

Fernando Gabeira
: Eu acho que são piadas que visam praticamente estigmatizar, entende? Então, eu passava na rua, muitas vezes, as pessoas gritavam isso: “Quem bebe, fuma, e cheira, vota no Gabeira". Isso é ... As pessoas ficam assustadas. Agora, eu sou candidato e serei candidato no Brasil...

Rodolpho Gamberini: Mas veja... Só, só...

Fernando Gabeira
: Deixa eu concluir, dá licença.

Rodolpho Gamberini
: Deixo, claro.

Fernando Gabeira: Eu sou candidato... eu estou aqui falando, eu sou o entrevistado, então, olha, eu sou candidato de seres humanos, e como candidato de seres humanos eu aceito voto de todo mundo, de quem bebe, quem fuma, quem cheira, dos outros verbos que você possa incluir, eu aceito voto de todo mundo. Eu não sou candidato a Deus e sou candidato de seres humanos, então aceito esses votos, devem ter votado em mim, quem bebe, quem fuma e cheira, e deve, votou também muita gente que não bebe, que não fuma, que não cheira. Tive apoio da Igreja da Libertação, uma igreja importantíssima no mundo inteiro, mas isso ninguém menciona, porque mencionar isso daria um pouco mais de seriedade à minha proposta. E dar seriedade à minha proposta significa ameaçar um pouco outras propostas que estão ruindo de velhas, hipócritas, [tentativas de interrupção] e caindo aos pedaços, mas nada disso pode, por isso que os jornais existem também, por isso que eles trabalham febrilmente para criar os mitos e as possibilidades das classes dominantes continuarem aí.

Rodolpho Gamberini: O governador Brizola, quando foi eleito governador do Rio, tinha várias piadas ou vários slogans que o associavam ao consumo de cocaína, Brizola na cabeça, por exemplo, era uma associação clara, qualquer pessoa sabe disso. Brizola na cabeça era uma associação e isso não o derrotou, não o estigmatizou como, tanto é que foi eleito.

Fernando Gabeira
: Não estigmatizou porque havia uma distinção muito clara, Brizola na cabeça significava Brizola na cabeça. E no Rio de Janeiro existem três significados para isso: Brizola na cabeça pode ser cocaína na cabeça; Brizola na cabeça pode ser o resultado no jogo do bicho, primeiro na cabeça, entende? Quer dizer, cada uma dessas coisas tinha uma linguagem, você descodificava de um jeito, ao passo que, quem bebe, fuma e cheira não tinha outro significado, é um significado único, ao passo que Brizola abria uma série de possibilidades. Inclusive a do slogan vencedor, apresentava a pessoa como vencedora. Então, acho que isso são questões fundamentais, não é? Eu acho que você se importou muito com esses temas, você tem enfatizado...

Rodolpho Gamberini
: Eu me importei muito e o telespectador, é claro, não é?

Fernando Gabeira: Exatamente, deve ser reflexo da preocupação dos telespectadores...

Rodolpho Gamberini: Sim, tem telespectadores que fazem... Tem muitos telespectadores que fazem perguntas simpáticas a você, mas você no meio de suas respostas já vai tocando, então eu estou aqui fazendo uma certa arbitragem.

Fernando Gabeira
: Eu considero todas as perguntas simpáticas em princípio, não é? Eu estou tentando te explicar o processo que houve no Rio de Janeiro, porque esse processo é interessante para as pessoas conhecerem aqui em São Paulo. Aqui em São Paulo é primeira vez que eu tenho oportunidade de dar um balanço dessa situação. E se eu venho dar aqui em São Paulo, é porque eu acredito que aqui em São Paulo é o espaço que existe melhor possibilidade disso também... É um lugar deste Brasil onde o diálogo possa fluir com mais tranqüilidade, eu não venho a São Paulo pura e simplesmente para ficar, para ser objeto pura e simplesmente de observações cômicas a respeito da campanha. Eu venho falar de um processo importante de mostrar como os jornais do Rio de Janeiro funcionaram, e os jornais do Rio de Janeiro produziram essas piadas exatamente com o objetivo de evitar que minha candidatura avançasse, exatamente com o objetivo de evitar que nós ameaçássemos o poder, porque nós tínhamos um minuto de televisão, nós não tínhamos dinheiro e, no entanto, nós ameaçávamos, quando houve o primeiro debate na televisão, onde nos encontramos todos, cara a cara, o Ibope nos deu um avanço grande em relação aos outros. Por que não fizeram outro debate? Eles precisavam eliminar os debates de televisão, precisavam fazer campanha contra nós e, além disso, lançaram uma série de piadas que impedisse o povo de se encontrar conosco. O resultado... [sendo interrompido]

[Falam simultaneamente]

Rodolpho Gamberini: Quer dizer que você não gostou de nenhuma?

Augusto Nunes: Produziram ou veicularam? Você está atribuindo aos jornais a criação dessas piadas ou a reprodução delas?

Fernando Gabeira
: No caso dessa piada que ele contou, do governador está viajando, ela foi produzida pelo Zózimo Barroso do Amaral [jornalista carioca, trabalhou cerca de 25 anos no Jornal do Brasil, através de um estilo bem humorado modernizou o colunismo social brasileiro, construindo um estilo que além de trazer os acontecimentos sociais, passou a inserir também notícias exclusivas, particularmente de política e economia], publicada na segunda página do Caderno da Cidade e não havia na sociedade, não estava circulando, e ele que disse, ele que apresentou pela primeira vez.

Matinas Suzuki: Gabeira, quando eu cobri a eleição, eu conversei com assessores e tal, havia uma expectativa muito grande entre 10, 13% dos votos e a eleição de pelo menos dois deputados, um deputado federal. Você acabou com sete e poucos, não sei a porcentagem exata, e acabou não elegendo deputado.

Fernando Gabeira: Não elegendo?

Matinas Suzuki: Verde, Verde. Essa situação é... Não, eu estou dizendo da constituinte, não é? Esta situação coloca o partido numa situação, veja bem, porque houve uma certa conjuntura favorável ao Partido Verde nessas eleições, que pode não haver em outras eleições, quer dizer, como é que você faz um balanço da situação do partido dentro do Rio de Janeiro atualmente? Quer dizer, como você vai puxar, então, sem uma certa projeção maior nacional e tal, a legalização do partido? Quer dizer, a andança pelo país para levar o Partido Verde para outros estados, essa coisa toda.

Fernando Gabeira
: Tudo bem. A primeira coisa que eu queria te informar, quer dizer, nós elegemos um deputado estadual verde, e os dois deputados da constituinte, nós consideramos perfeitamente representantes das nossas idéias, um é Vladimir Palmeira, ex-líder estudantil do Rio de Janeiro, que colocou a questão anti-nuclear basicamente ao longo de toda sua campanha, e outra é Benedita da Silva, uma mulher favelada, uma líder favelada, uma mulher negra que coloca essas questões, todas as questões que nós defendemos muito claramente e possivelmente será uma das baluartes na própria constituinte, na luta pelo rompimento de relações diplomáticas com África do Sul. Então, nós nos sentimos representados. Nós achamos que o resultado final não foi tão bom quanto poderia ser, porque no último dia, nos últimos dias, houve um grande avanço da idéia do voto útil. Muitas pessoas votaram num candidato com medo do outro. Muitos votavam no Moreira com medo do Darcy, e outros votavam no Darcy com medo do Moreira. Mas as conjunturas favoráveis para as nossas propostas virão muito facilmente. Não se pode esquecer que a cada dia alguém faz 18 anos no Rio de Janeiro, e quando alguém faz 18 anos, nós já temos mais eleitores, entende? Não precisamos nem contar com rebaixar a votação para a idade de 16 anos, no momento. Mas a juventude do Rio de Janeiro, ela aceitou muito bem a nossa proposta. As crianças do Rio de Janeiro aceitaram enormemente. Um dado que talvez os espectadores de São Paulo, sobretudo os mais preocupados com questão de droga, de sexo, então não percebe que, no Rio de Janeiro, a nossa candidatura foi a candidatura que ganhou um apoio maciço das crianças, que muitos pais e mães votaram porque criança de quatro, cinco, seis, sete anos decidiram que nossa candidatura era melhor, nas escolas do Rio de Janeiro quando fizeram as enquetes, as crianças nos davam como candidato favorito, eu praticamente venci em todas as enquetes escolares que houve no Rio de Janeiro.

Matinas Suzuki
: Mas esses dados que você está oferecendo... [sendo interrompido]

Jorge Escosteguy
: Mas não corre o risco de uma nova piada, de você ser considerado o candidato infantil? Que não conseguiu pegar os adultos, só as crianças?

Fernando Gabeira
: Olha, nós corremos o risco de todas as piadas, mas você sabe que não tenho nenhuma, eu não tenho em relação às crianças, o preconceito que essa piada pode encerrar. Eu considero as crianças muito clarividentes, elas sabem distinguir bastante bem quem está dizendo a verdade em vários aspectos, não é? E as crianças para mim sempre foram objeto de muito respeito. Se algum dia me considerarem candidato infantil, vai ampliar muito meu orgulho em ser candidato, entende? Minha relação com as crianças sempre foi relação de considerá-las como sujeito, e nos grandes debates que tivemos o Rio de Janeiro sobre os Cieps, que você mencionou, uma das críticas que eu fazia ao Darcy Ribeiro é que os Cieps, no meu, entender, em muitos casos foram construídos para os pais e para as mães, porque o anúncio na televisão era de uma criança que aparecia roubando uma bolsa e depois aparecia no Ciep, sendo recuperada. E eu dizia que isso era traumatizante para as crianças. Elas entrando no Ciep, se sentiam realmente como se estivessem num reformatório. Então, eu não tenho medo dessas piadas, virão centenas de novas piadas, se não for o homossexualismo, se não for a droga, virá no futuro sobre o aborto, a eutanásia, vão sempre inventar uma nova piada! Porque o choque entre o progresso e o conservadorismo, o choque entre os conservadores e os progressistas, sempre vai existir no Brasil, e tanto conservadores quanto progressistas vão lançar mão do humor como arma de luta, isso é uma coisa inevitável. O único problema é você acreditar nas piadas quando elas estão localizadas no campo conservador.

[Falam simultaneamente]

Rodolpho Gamberini: Deputado, por favor.

Eduardo Suplicy
: Há uma pessoa de humor, mas ao mesmo tempo é um dos símbolos mais queridos do PT e da luta... democratização do país, das Diretas Já, porque até cunhou a campanha Diretas Já com o nome do seu livro, o Henfil, que eu até imaginava ver no comício final da campanha quando eu fui ao Rio de Janeiro. Se de um lado você teve o apoio constante até o final de uma pessoa também progressista como Leonardo Boff [ex-padre, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, doutor em teologia e filosofia, conhecido como o criador da Teologia da Libertação, que mistura marxismo e catolicismo, pela qual foi expulso da Igreja Católica, publicou mais de 70 livros], eu fiquei surpreendido com a entrevista do Henfil, que é uma figura certamente querida de todos nós, até está passando por uma situação crítica e difícil, eu o visitei no hospital sexta-feira, ele está passando por uma situação realmente difícil, mas como é que você viu a entrevista dele no O Nacional, do Tarso de Castro [jornalista, nascido em 1941, em Passo Fundo-RS, atuou incialmente no jornal O Nacional, de propriedade de sua família, no Zero Hora e Última Hora, em Porto Alegre, e no Rio de Janeiro atuou em jornais tradicionais e alternativos, foi editor de O Pasquim, faleceu precocemente em 1991], em que ele fez uma avaliação crítica da postura sua, e do Partido Verde em relação ao PT, e por essa razão, na última semana deu o apoio ao Darcy Ribeiro?

Fernando Gabeira
: Olha, eu vi a entrevista do Henfil como um equívoco. O Henfil achava que nós iríamos atuar com o PT, iríamos abandonar o PT, o PT continuaria na luta cotidiana e nós iríamos cuidar do nosso partido. Não aconteceu isso, passaram as eleições, já estive em várias lutas com o PT e na greve geral éramos nós do Partido Verde junto com os dirigentes da CUT [central sindical ligada ao PT], estávamos tentando tirar pessoas da polícia federal, cercados pelo exército. O Henfil tem, como alguns intelectuais brasileiros um problema que eu considero muito sério, eles viram o povo nas manifestações do Darcy, em algumas manifestações nossas não viram o povo, e eles atribuem ao povo um poder mágico, o Henfil chega até a dizer: “Não, mas eu vi lá o povo desdentado, pobre, estava naquela manifestação.” Logo a posição justa era aquela. Eu acho que é um erro você pensar isso, em primeiro lugar porque havia povo em todas as manifestações e em segundo lugar porque o fato de você ser povo, ser pobre não te dá o poder da verdade pura e simplesmente, porque do lado do Moreira Franco havia gente do povo, pobre também, que votou num candidato conservador. Eu acho que isso é um erro, porque, você atribuindo um poder mágico ao povo, quando o povo se equivoca ou toma uma posição que você não concorda, você fica com raiva dele, e diz como o Henfil disse depois, que povo era o PDS. São movimentos do mesmo processo, mitificar o povo e execrar o povo, eu convivo com o povo, eu vivo com povo, então para mim não é nada de especial, não é nem um rei, entende? Não é nada de especial, o povo são seres humano como nós, que erram, que acertam, o simples fato de ter povo numa manifestação para mim não é sintoma que isso é verdade total.

Rodolpho Gamberini: Gabeira...

Fernando Gabeira: Então, eu acho os intelectuais populistas, entende? Não percebem esse processo, eles tendem a mitificar o povo e odiar o povo quando o povo segue os caminhos que estão praticamente no que eles planejaram para eles. Eu acho que o equívoco foi esse, teve uma posição populista que não foi à toa que ele convergiu para posição do PDT no final e que eu acho que essa posição o conduziu ao equívoco total, porque povo por povo, ao analisar os resultados das eleições no Rio de Janeiro, o povo pobre votou no PMDB, também, em alguns lugares votou majoritariamente no PMDB. Então eu acho que o fato do povo estar com o candidato não comunica candidato nenhum...

[Falam simultaneamente]

Marcos Faerman
: Você disse que você e Darcy Ribeiro são a mesma coisa?

[Falam simultaneamente]

Rodolpho Gamberini
: [levantando o braço direito] Só um instante, Gabeira, por favor, Marcos...

Fernando Gabeira
: Hein?

Marcos Faerman: ...foi isso o que você disse?

Fernando Gabeira
: Não disse isso não.

Marcos Faerman
: Eu só queria saber.

Rodolpho Gamberini
: Gabeira, por favor, o Dagomir Marquezi está há tempo querendo fazer pergunta para você.

Dagomir Marquezi: Obrigado. Eu vou aproveitar e fazer duas então.

Rodolpho Gamberini
: Pode [risos]. Depois, deixa eu garantir o direito da Joyce que está também há bastante tempo querendo fazer, por favor, por favor.

Dagomir Marquezi: São duas perguntas ligadas: uma é o seguinte, acabou a ditadura militar, não é? E as pessoas no Brasil tendem a ver os militares como uma situação... ou estão no poder ou fora do poder, quando estão no poder são maus, quando estão fora do poder são bons. E atualmente eles estão fora do poder, assim, pelo menos do poder político civil, não é? E, no entanto, estão fazendo a bomba atômica brasileira e só quem é muito cego que não vê que eles já tem a forma da alimentar essa bomba atômica, já tem lugar para fazer, já tem lugar para testar, na Serra do Cachimbo [localizada ao sul do Pará, limite com Mato Grosso onde, desde 1981, vêm sendo realizados levantamentos geológicos e hidrológicos, havendo uma previsão de que seria a área de testes] e estão construindo um míssil que vai fazer a bomba atômica chegar até Buenos Aires ou qualquer lugar que eles queiram jogar, que eu não sei bem qual é a intenção deles. Então, a primeira coisa, eu já vi, inclusive, um famoso jornalista brasileiro, um monumento do jornalismo brasileiro que fala que é favor da bomba atômica brasileira, porque enquanto os militares tiverem um brinquedinho, eles não vem tomar o poder e eu achei isso... Fiquei chocado com isso. A primeira pergunta é o que você acha disso? Se os militares, o que você acha de bomba atômica brasileira e o que fazer para parar ou não essa bomba? Agora, a segunda pergunta é a seguinte, você é uma pessoa que deixou muito claro aqui na sua campanha e aqui na entrevista, que você tem um pé na ecologia e outro no marxismo, o senhor tem uma formação... Eu queria saber se você, a ecologia ela vê o mundo, pelo menos do jeito que eu vejo, como um planeta a beira extinção, pela própria ação irresponsável do homem como um todo, povo ou não, é um planeta a beira da extinção da vida aqui no planeta, e, portanto, tenta ter uma visão mais ampla do que a simples atualidade. Qual é a nossa responsabilidade, dos milhares de anos que o homem está sobre a Terra e onde vai dar isso aí. Nosso direito de extinguir a vida aqui na Terra. E por outro lado, o marxismo, pelo que eu vejo, ele continua vendo o mundo com outra visão que Marx tinha no fim do século passado [século XIX], quando não existia bomba atômica, quando as florestas estavam mais ou menos intactas, não existia aids, não existia rombo na camada de ozônio. Enfim o mundo como foi visto pelo [Karl] Marx [(1818-1883) teórico do socialismo e revolucionário alemão, autor, entre outras obras, de O capital, sua obra prima e referência até a atualidade. O conjunto de idéias filosóficas, econômicas, políticas e sociais, elaboradas por Karl Marx e Friedrich Engels, deu origem ao marxismo] não é o mundo do fim, suscito no século XX. Então, a segunda pergunta é essa, se é possível ser marxista neste fim de século.

Marcos Faerman: Bela pergunta.

Dagomir Marquezi
: Obrigado, obrigado!

Fernando Gabeira: Bem, essa questão é uma questão importante. Eu acho que se eu dissesse para você que eu sou marxista, o Marx ia se rolar no túmulo e dizer: “Mas não faça isso, por favor, invente outro caminho. [Risos] Eu já morri, muita coisa se passou depois de mim, aproveite as coisas boas que eu por acaso tenha levantado, mas trate de se vincular a seu tempo, trate de achar respostas para questões do seu tempo.” Evidentemente que nós temos uma imensa dívida com as propostas do Marx, nós temos uma imensa dívida com a maneira como ele analisa a sociedade, mas existem questões que ganharam corpo depois da morte dele. Algumas questões que para nós se transformaram em coisas importantíssimas, a ecologia é uma delas. A dominação das mulheres pelos homens é outra questão fundamental, não é? A questão das minorias raciais, as questões de minorias étnicas que apareceram também no mundo, passaram a ser questões importantes. Com tudo, isso passa a ser objeto de novas reflexões, de novos tratamentos, e a própria visão do Marx sobre algumas questões tem que ser, claramente, reformuladas. Eu costumo dizer, quer dizer, quando ele dizia que religião é o ópio do povo, a gente tem que reexaminar essa situação, porque não é assim, a situação histórica não nos coloca assim, existem movimentos religiosos que hoje são progressistas e mantêm sua perspectiva religiosa. Existiram religiões, revoluções no mundo contemporâneo que só foram possíveis através de uma grande força religiosa, como no caso da revolução do Irã. Eu não concordo, evidentemente, com as premissas todas da revolução no Irã, mas é inegável que a força revolucionária ali foi religião, foi uma força espiritual. Então, acho que, evidentemente, que nós temos que renovar, nós temos que repensar o mundo, e que se você disser hoje que é marxista, ignorando essas transformações e as adaptações das mudanças que precisam ser feitas, você nega, até o Marx nega, até a frase “tudo o que é sólido se desmancha no ar”, se...

Rodolpho Gamberini: Gabeira, então... Você ia terminar o raciocínio?

Fernando Gabeira: Não, falta os militares e a bomba atômica, que não é coisa desprezível, não é? [Risos] No caso dos militares, quer dizer, existe uma coisa fundamental, os militares saíram do poder aparentemente, mas os militares estão muito atentos. Eu sei disso na carne. Outro dia na greve geral, no dia 12 nós fomos tentar tirar alguns companheiros da prisão, e em dez minutos os militares foram comunicados que nós estávamos na porta da polícia federal, vieram cinco caminhões do exército, com elmos, com rádios de campanha...

Rodolpho Gamberini
: Walk talks?

Fernando Gabeira: Não, rádio mesmo de guerra, os rádios falando, com cachorros policiais, cães policiais, metralhadoras, fuzis e tal, nos cercaram, fizeram todo um aparato, quer dizer, onde já se viu num país... E o pior é o seguinte: que a Veja [revista semanal brasileira publicada pela Editora Abril desde 1968] disse que foi um fracasso, o Jornal de Brasil disse que foi um fracasso, O Globo disse que foi fracasso, todo mundo disse que foi um fracasso, e sai exército para rua, alguém está louco neste país. Ou o exército ou a imprensa, alguém está louco, nunca vi uma greve geral que é um fracasso, num país civilizado e que o exército vai para rua, para quê? Para que colocar o exército na rua?

Jorge Escosteguy: O exército foi antes do fracasso... [ao fundo]

Fernando Gabeira: Não, o exército estava todo na rua, quer dizer...

[Falam simultaneamente]

Fernando Gabeira: Ocupou pontos principais, entende? E isso é uma coisa que nós observamos que é, na realidade, é uma volta atrás. Não é nenhuma... [sendo interrompido]

Alex Solnik
: A intimidação militar também contribuiu para o fracasso, o fracasso foi que o país não parou.

Fernando Gabeira: É, não parou, depende de como você vê.

Alex Solnik
: São Paulo, Rio...

Fernando Gabeira: Porque o país não é só São Paulo, Salvador parou, Goiânia parou, quer dizer, pararam algumas capitais, pararam alguns setores importantes, não é?

Alex Solnik
: Não foi, quer dizer...

Fernando Gabeira
: Não foi uma greve total.

Alex Solnik: Perto da bronca do pessoal de fogo cruzado, a greve geral até que foi... Não é?

Fernando Gabeira: Mas a verdade, o que eu quero dizer é o seguinte, não havia nenhuma explicação para o exército estar na rua, não havia nenhuma justificativa, fosse ou não bem sucedida a greve, não há justificativa num país democrático para você mobilizar o exército com uma greve, e eles foram. Então, na realidade, a legislação, a Nova República ainda usa muito a linguagem da Velha República, quando falta uma solução política, ela pensa com os reflexos da Velha República. Então, nós precisamos combater isso, mostrar que realmente o país pode conviver com greves gerais sem que o exército seja mobilizado, sem que venha cercar um grupo de quinze pacíficos, pacíficos militantes.

Rodolpho Gamberini: E a bomba atômica, Gabeira?

Fernando Gabeira
: A bomba atômica é que é o último tema nosso, eu acho que a bomba atômica é uma insanidade, e eu acho que nós temos que lutar contra, acho que a bomba atômica foi, no mundo, ela foi construída a partir de paranóias mútuas, não é? Os Estados Unidos lançaram no Japão, a União Soviética fez a bomba atômica, a China fez, os israelitas fazem com medo dos árabes, os árabes fazem com medo dos israelitas, a Índia faz com medo do Paquistão, o Paquistão faz com medo da Índia e nós agora vivemos esse processo com a Argentina. Eu acho que o caminho para desmontar esse processo é união dos movimentos pacifistas do Brasil e da Argentina. Ainda não existem, não são sólidos, mas temos que estreitar os vínculos dos movimentos democráticos do Brasil e da Argentina, e tentar conjuntamente conduzir o processo onde os nossos vínculos sejam tão fortes que a própria idéia de guerra seja uma idéia bem pálida, que os militares não possam invocar esse perigo permanente da Argentina como perigo para o Brasil, e Brasil como perigo para Argentina. Nós temos que exatamente criar uma situação diferente, uma situação em que a amizade dos povos, a colaboração mútua e tal, impeça esse processo, acho que é o único caminho, quer dizer, a democracia no Brasil, a democracia na Argentina, a vinculação dos movimentos democráticos, a gente vai poder mostrar a essas pessoas que existe uma possibilidade da América Latina se "desnuclearisar". Isso é um sonho que o europeus têm...[sendo interrompido]

[Falam simultaneamente]


Matinas Suzuki
: Você admite a hipótese de utilização de tecnologia nuclear para geração de energia?

Fernando Gabeira
: Elétrica?

Matinas Suzuki: É.

Fernando Gabeira
: Não.

Matinas Suzuki: Não porque o Brasil não precisa ou não na hipótese de uma necessidade você admitiria? 

Fernando Gabeira
: Olha, eu acho o seguinte o Brasil não precisa, nós temos condição de até o ano 2015... a energia nuclear que está sendo produzida no Brasil está sendo produzida em condições de segurança precária, que a [jornal] Folha de S. Paulo tem denunciado, nós sabemos o que é usina de Angra dos Reis [a Usina Angra 1 entrou em operação em 1985, sendo construída, posteriormente, a Angra 2, ambas fazendo parte da chamada Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto], ela começa a funcionar, pára, começa a funcionar, recentemente a [revista] Veja publicou um trabalho interessante sobre os próprios meandros da Constituição, a maneira como foi comprada a usina, tudo isso mostra que realmente não tem sentido você ter, e nos países mais avançados nesse campo, como caso da Alemanha Ocidental, a própria social democracia já incorporou no seu programa desmontar todas as usinas nucleares no prazo de dez anos, e são países que tem mais problemas até de buscar energia alternativas. Mas, nos próximos dez anos, eles pretendem desmontar todas as usinas nucleares a partir do resultado...

Matinas Suzuki
: Mas, como você colocou, não pode fazer isso.

Rodolpho Gamberini: Vamos deixar a Joyce falar que eu tinha prometido, tenho que cumprir a promessa, não é Joyce?

Joyce Pascowitch: Obrigada, mudando um pouco, Gabeira, quem são os homens e mulheres no Brasil assim, no momento atual, que Fernando Gabeira acredita, que você acha que esteja fazendo alguma coisa? Tem alguém no Brasil?

Fernando Gabeira
: Fazendo alguma coisa?

Joyce Pascowitch
: De...

Fernando Gabeira
: Tem gente demais! Lógico, tem gente demais!

Joyce Pascowitch
: Fala alguém aí.

Fernando Gabeira
: Aqui em São Paulo tem o Lula, o Lula [na época ativista sindical, liderança das greves do ABC paulista, um dos fundadores do PT e da CUT, em 1986, ano da entrevista, participou ativamente do movimento Diretas Já e foi eleito o deputado federal mais votado do país para a Assembléia Nacional Constituinte, continuando sua carreira política até ser eleito (2002) e reeleito (2006) presidente do Brasi] está fazendo muita coisa, tanto que teve 600 mil votos, Lula é uma pessoa que tem grande repercussão lá no Rio de Janeiro. O Suplicy foi também junto conosco, também é muito...

Rodolpho Gamberini
: Você conhece o Afanásio Jazadji [advogado, jornalista e radialista que obteve uma expressiva votação para deputado estadual [PFL] de São Paulo em 1986, quando estava no auge de seu programa sobre criminalidade], Gabeira?

Fernando Gabeira
: Hein?

Rodolpho Gamberini
: Você conhece o deputado estadual Afanásio Jazadji?

Fernando Gabeira
: Conheço, acompanho o processo dele.

Rodolpho Gamberini: Como é que você compara a votação dos dois? Você citou o caso do Lula, eu te lembraria do caso do Jazadji. [Jazadji é considerado o oposto político de Lula, por posições ideólogicas consideradas de direita, e teve também, como Lula, expressiva votação]

Fernando Gabeira
: Eu acho que votação dele é uma votação que se deve, em grande parte, à utilização de um grande instrumento de comunicação de massa que é o rádio. Não é? Se você observar as eleições do Brasil, os grandes campeões de voto em vários pontos do Brasil tiveram uma grande influência nos meios de comunicação de massa. Você vê no Rio Grande do Sul, temos um candidato...

Rodolpho Gamberini
: O Antônio Brito [Jornalista gaúcho, trabalhou na Globo cobrindo as campanhas das Diretas Já e foi convidado por Tancredo Neves para ser secretário de Imprensa do governo. Com a doença de Tancredo fez as comunicações dos boletins médicos e foi quem comunicou o falecimento do mesmo. Convidado por Ulysses Guimarães para se lançar na carreira política foi deputado federal e governador do estado do Rio Grande do Sul].

Fernando Gabeira: Esse aí não, o outro candidato, candidato... Tem o rádio. No Espírito Santo teve, no Rio de Janeiro, estado do Rio, em Campos teve um candidato, em quase todos os lugares você ter acesso a programa de rádio popular é praticamente...

Rodolpho Gamberini
: Garantia de eleição... 

Fernando Gabeira
: É, próximo das eleições. E no caso aqui em São Paulo, ele conseguiu mobilizar porque essa questão da segurança num grande, na grande cidade, é um grande problema para o Brasil. Hoje, ainda viajando com Paulo Sérgio Pinheiro [pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, membro de comissões dos direitors humanos, inclusive da ONU], me lembrei de ter dito para ele no encontro que tivemos com Tancredo enquanto presidente, que nós dizíamos: “Olha, a questão de segurança, da violência, ela vai ser utilizada muito brevemente pela direita nos grandes centros urbanos, como grande tema eleitoral, nós precisamos dar uma resposta para isso.” Como não houve nenhuma resposta política efetiva para questão da violência urbana em nenhum estado importante do Brasil, a direita se aproveita disso.

Rodolpho Gamberini
: Apelo foi... 

Fernando Gabeira
: O apelo à pena de morte, o apelo à violência maior, é um apelo que tem grande ressonância, que atinge um nível de consciência baixo. E neste nível de consciência ele fica, ele diz: “Matamos os assaltantes, está resolvido o problema”.  E muita gente acredita efetivamente que essa é uma solução.

Rodolpho Gamberini
: A Joyce, acho que...

Fernando Gabeira: Lá no Rio de Janeiro, um candidato que defende a pena de morte teve uma excelente votação como constituinte, que é o Amaral Neto, estava politicamente morto, e com a defesa da pena de morte, conseguiu se eleger.

Rodolpho Gamberini
: A Joyce gostaria de terminar, seguindo o raciocínio.

Joyce Pascowitch
: Queria, algumas pessoas, não é preciso ser só políticos exatamente, sei lá, pessoas que estejam no Brasil que estejam fazendo coisas que você admira desde, sei lá. Você gosta da [Marilena] Chaui [filósofa, professora universitária, autora de vários livros, ajudou a fundar o PT - ver entrevista com Marilena Chaui no Roda Viva]?

Fernando Gabeira: Olha, eu admiro centenas de pessoas...

Joyce Pascowitch
: Gente de peso mesmo.

Fernando Gabeira:...Que estão fazendo coisas, entende? Gosto muito dela, acompanho o trabalho dela, é um exemplo que você me deu, você quer que cite nomes? 

Joyce Pascowitch: É, de quem faz a sua cabeça. No momento, no Brasil.

Fernando Gabeira: Muita gente está fazendo coisas, e se eu citar pra você nomes, eu corro o risco de omitir outros nomes, não tenho condições de citar pessoas.

Joyce Pascowitch: Só para conhecer o Gabeira no momento atual, o que você ouve, o que você lê, o que você... Sabe? Qual é teu momento? 

Fernando Gabeira
: Olha, meu momento é momento de estudo, eu tenho estudado, não é? Neste período de fim de ano, eu tenho estudado, eu sou uma pessoa que fiz uma campanha eleitoral e como não fui vencedor, passei quatro meses sem trabalhar, não é? Agora se coloca que...

Joyce Pascowitch: Qual seu trabalho, Gabeira, o que você faz atualmente?

Fernando Gabeira
: Hein?

Joyce Pascowitch
: Qual o seu trabalho?

Fernando Gabeira
: Eu trabalho na televisão, sou companheiro de trabalho do Augusto, temos um programa, o Dia D, mas como o programa vai acabar, não temos mais o programa, então eu tenho que resolver o problema da sobrevivência, eu tenho que trabalhar, não é? Eu tenho que buscar trabalho neste princípio de ano, tenho que organizar politicamente o que tem que ser organizado, tenho de estudar para responder as questões que surgem, novas, e ainda sou pai de uma criança, vem outra aí. Então, eu tenho múltiplas funções.

Augusto Nunes: Você tem livro projetado ou escrevendo? 

Fernando Gabeira: Eu tenho um livro projetado, mas não consigo realizá-lo no momento.

Augusto Nunes
: Não tem nenhum em andamento, pra escrever?

Fernando Gabeira
: Não, não, tenho projetado.

Rodolpho Gamberini: Você não consegue por excesso de trabalho?

Fernando Gabeira: Excesso de trabalho, excesso de trabalho...

Eduardo Suplicy: Gabeira, a Maria Morato [Edwiges Maria Morato, professora do Departamento de Lingüística do Instituto de Estudos da Linguagem/Unicamp. Graduada em lingüística (Unicamp) e em fonoaudiologia (Puccamp), é mestre e doutora em lingüística pela Unicamp na área de neurolingüística, autora de livros] está a sua procura para que você escreva o diário das eleições.

Fernando Gabeira
: Das eleições? É, mas eu não creio que as eleições sejam passíveis de diário não, eu acho que eleições são passíveis de uma reflexão, o que poderíamos fazer aqui, talvez, seria um seminário sobre as eleições, passar três ou quatro dias tentando... Eu não respondi sua pergunta, como nós vamos vencer no futuro, não é?  Mas porque eu falei uma coisa da imprensa.

Eduardo Suplicy: O estigma, você estava falando do estigma a seu respeito, relativamente a questões, como o Rodolfo colocou, das drogas.

Fernando Gabeira
: Mas outros ?

Eduardo Suplicy: Mas eu também queria lhe fazer uma pergunta sobre o estigma que colocaram sobre o PT. Desde a entrevista do Lula no ano passado a respeito do trabalho, da forma de chegar ao poder quando distorceram aquela frase dele, quando desde a questão do assalto ao Banco da Bahia, desde a questão do Leme, uma distorção após outra foi criando entre a opinião pública, nacionalmente e com prejuízo para o PT, um extraordinário estigma. Nós, eu gostaria de lhe colocar como é que você, no Rio de Janeiro, sentiu isso, além daquilo que você estava mencionando? Do estigma pessoal para o candidato...

Rodolpho Gamberini: Só vou me antecipar um pouquinho, você vai responder a pergunta do deputado, mas depois eu queria que você respondesse a pergunta do Jair Meneghelli, presidente da CUT, já avisando a todos que depois da resposta o Jair vai fazer pergunta, por favor.

Fernando Gabeira
: Bem a questão mais importante sobre isso, é que realmente o governo trabalhou na criação desse estigma. Começou com o assalto a banco em Salvador, então ligou-se a idéia do PT a grupos que iriam fazer a luta armada. Que passou por Leme, não é? E seguiu todos os incidentes que aconteceram, houve um processo de estigmatização do PT. Eu acho que nós temos que trabalhar de um lado denunciando isso, mas de outro lado, também, a gente tem que buscar no nosso discurso, no nosso comportamento uma série de atitudes que possam tranqüilizar as pessoas sobre as nossas verdadeiras intenções, não é? Eu acho que é preciso em cada momento, também, buscar a maneira de se comunicar com a população e tentar quebrar essa, esse estigma, não é? Eu não acho, no Rio de Janeiro não foi difícil esse aspecto, você se lembra, por exemplo, e você se lembra perfeitamente bem, que no dia dos acontecimentos de Leme, o Geraldinho, Geraldo Siqueira, deputado aqui, que foi acusado de estar com o carro, ele estava conosco numa manifestação pacifista em Angra dos Reis, e nós ficamos perplexos como é que os jornais atribuíam ao Geraldinho a participação naquele incidente. Quer dizer, o fato da gente começar a trabalhar com a questão do nuclear, o fato de se começar a trabalhar a questão ecológica, o fato de se começar trabalhar com questão da mulher, da questão negra no Brasil, tudo isso vai abrindo um horizonte maior e vai permitindo que a gente mostre que nossa perspectiva é uma perspectiva muito mais ampla do que aparece, que nós podemos com o tempo irfazendo progressivamente esse trabalho.

Eduardo Suplicy: Se você tivesse oportunidade de conversar com sete assaltantes do Banco do Brasil em Salvador, o que você perguntaria para eles?

Fernando Gabeira
: Se estavam sendo bem tratados, se precisavam de alguma coisa, porque eu trabalho na comissão de direitos humanos, a primeira coisa que eu tenho que falar com os presos é isso, a segunda é que realmente existe um dos presos que é meu amigo, eu conheço bem, eu acho que ele é uma pessoa que, atribuiu-se a ele o fato de ser da polícia, de ser um provocador e tal, mas não creio não, ele é apenas uma pessoa teimosa, ele continua achando que o caminho é esse, e eu acredito que vai continuar achando algum tempo, até... É uma pessoa teimosa, eu diria: “Você é uma pessoa teimosa!”. Mas o que eu tenho a dizer a ele é que o caminho não é esse, é pessoa que admiro pessoalmente, ele não é pessoa má... apenas teimosa.

Rodolpho Gamberini: Por favor, Gabeira, vamos passar para pergunta do Meneghelli? Ela entra pelos mesmo monitores, por favor.

[VT de Jair Meneghelli]: Companheiro Gabeira, sabe da minha profunda admiração pela sua pessoa e sua inteligência, a pergunta que eu gostaria de fazer ao companheiro Gabeira é porque o PV e não PT? [Risos]

Fernando Gabeira
: Jair, esta pergunta já foi feita aqui, e eu vou responder a você com todo o carinho que eu tenho a você e pelo que você representa hoje no Brasil. Nós achamos que o PV no Brasil vai surgir e muitas pessoas que participam do Partido Verde, que querem participar do Partido Verde não querem participar do PT. Então, nós consideramos que é importante estar junto nesse processo de organização do PV para mantê-lo o mais próximo possível do PT ao longo dessas lutas. Hoje, no Brasil, existem duas possibilidades da organização desse partido, uma possibilidade que pode conduzi-lo para uma posição conservadora, e outra possibilidade que pode mantê-lo ao lado dos trabalhadores que, no meu entender, são seus verdadeiros aliados. Então, se a gente está também nessa luta, se está conduzindo esse processo é para garantir também que esse processo seja um processo que nos mantenha sempre unidos, o PV e o PT.

Rodolpho Gamberini: Gabeira...

José Pedro de Oliveira Costa
: Existe o estigma antiecológico, Gabeira? Você falou em vários outros...

Fernando Gabeira: Existe, existe o estigma antiecológico que ele funciona muito em termos do progresso, não é? Nós somos apresentados como românticos, e houve no Brasil num determinado momento uma luta muito grande, existe.. Havia duas posições, uma posição da esquerda, que dizia que a ecologia ia dissolver um pouco a luta principal, já tocamos. E existe outra, que dizia que nossa posição ecológica, no fundo, era a posição dos europeus e norte-americanos que queriam bloquear o processo de industrialização no Brasil. Houve um momento na história contemporânea do Brasil que se buscou até o capital estrangeiro como uma proposta de flexibilidade com relação à poluição, que eram aqueles famosos anúncios publicados no período Geisel, ainda fora do Brasil, quando o ministro do Planejamento era João Paulo Luiz Veloso que se chamava: “Bem-vindo à poluição!”. Que se propunha aos países de fora, estrangeiros, trazer capital para o Brasil porque aqui no Brasil os controles de poluição seriam bem mais brandos, nosso problema era emprego e dólar, pelo menos era o que dizia a propaganda. Pra mim isso já revelava uma posição antiecológica e um estigma antiecológico, no sentido que nós estamos querendo bloquear o progresso, nós estamos querendo fazer com que a roda o progresso ande para trás. Não é essa nossa posição, nós achamos que existe uma compatibilidade entre o progresso e a defesa do meio ambiente, e até já dissemos no início do programa, que sem os recursos que o desenvolvimento vai gerar, nós não podemos defender o meio ambiente. Você que já trabalha no setor, você sabe que a própria defesa do meio ambiente é cara, envolve dinheiro, além de envolver evidentemente o trabalho da população, consciência da população, envolve dinheiro. Muitas grandes empresas, elas argumentam exatamente com isso, pra não colocarem os seus filtros, porque o alumínio está correndo o Ouro Preto, o alumínio corrói as plantas de Ouro Preto, mas os canadenses dizem que não, que eles não têm dinheiro para colocar um filtro, que deve custar...

José Pedro de Oliveira Costa
: Um escândalo que deve ser resolvido logo.

Fernando Gabeira: É lógico, não é? Em Ouro Preto é lamentável.

Fernando Gabeira
: Lamentável, mas eles estão correndo Ouro Preto argumentando que não têm dinheiro para comprar o filtro. Então nós sabemos que não há possibilidade de você fazer o progresso avançar e, ao mesmo tempo, porque, inclusive, do ponto de vista do próprio capitalismo, a indústria da qualidade de vida pode aprofundar o capitalismo, abrir para ele um novo campo, não é? Você começa a produzir filtros, você começa a produzir equipamentos especiais que são fundamentais nesse tipo de trabalho. Então, é questão toda da gente buscar compatibilizar isso. O que eu acho que é difícil num país como o Brasil é que, é compatibilizar um tipo de desenvolvimento do capitalismo com a defesa da ecologia porque é uma coisa muito cega, é uma perspectiva de lucro completamente alheia às reivindicações populares, às lutas populares. Acho que isso é que a gente pode...

Rodolpho Gamberini: Gabeira, são onze e meia ou onze e vinte e nove, qualquer coisa assim, o que significa que você está, que nós estamos na entrevista há mais de duas horas, então eu gostaria de fazer a última pergunta do Roda Viva desta noite. Você, quando você voltou da Europa, você revolucionou o verão carioca por causa da tanga, você tem alguma idéia revolucionária? O que tem na cabeça do Gabeira no verão que vem aí pela frente. Começou ontem, não é? Começou ontem.

Fernando Gabeira
: Olha, para te dar a última resposta tranqüilamente, quer dizer, quando eu vim da Europa eu não revolucionei o verão carioca, quando eu vim da Europa estava voltando ao Brasil na anistia, fui à praia de Ipanema de tanga porque na Europa na realidade eu ia à praia nu, na Grécia nas férias a gente ia à praia nu, muita gente ia à praia nu, famílias inteiras e era uma coisa normal, mas em Ipanema eu fui de tanga e aconteceu uma grande coisa, uma grande comoção em torno desse assunto. Eu não tinha a mínima intenção disso, este verão se você quiser saber, eu procurando trabalho, eu tenho muita coisa para escrever, tenho muita coisa para cuidar, não estou absolutamente preocupado com o verão carioca, estou preocupado com algumas questões que podem ser importantes para o verão carioca, não é? São questões ligadas a própria situação do Rio de Janeiro hoje, nós temos uma série de problemas seríssimos para serem resolvidos, e esses problemas vão me solicitar muito ao longo do verão, não é?  Eu estarei presente nele. Se puder ir à praia, irei também, mas não com intenção, eu acho que ninguém...

Rodolpho Gamberini: Mas quem disse que você foi com intenção de revolucionar?

Fernando Gabeira: Eu acho... Quando você diz uma coisa dessas, eu sinto que você não gosta de verão, admitir a hipótese...

Rodolpho Gamberini: Não, adoro, adoro, só não gosto quando eu sinto esse calor que eu estou sentindo, mas na praia adoro.

Fernando Gabeira: Verão a gente usufrui, não se revoluciona. Se eu visse um lindo verão pela frente eu não ia pensar em revolucionar, eu ia pensar em usufruir. Se eu tiver um tempo, ao longo de todo o trabalho que eu terei neste verão, pretendo gozá-lo, é coisa que todo mundo deve fazer com verão.

Rodolpho Gamberini: Está ótimo, muito obrigado então, Gabeira, por esta entrevista, muito obrigado a todos vocês que participaram desse Roda Viva. O Roda Viva volta segunda-feira que vem às nove e vinte da noite, apresentando um programa especial, em que vão ser mostrados os melhores trechos de todos os Roda Viva que nós fizemos neste ano de 86, programa do Gabeira incluído, os melhores momentos de todos os programas que fizemos. Voltamos na segunda-feira, nove e vinte da noite. Até lá, obrigado.

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