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Memória Roda Viva

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Aziz Ab'Saber

8/6/1992

Renomado pesquisador da área de ciências ambientais, o geógrafo fala de seu projeto de reflorestamento do território nacional e adverte: o aquecimento global não é uma projeção infundada, e sim realidade

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Jorge Escosteguy: Boa noite. Clima, desenvolvimento sustentado, biodiversidade, nunca essas palavras foram tão repetidas nos meios de comunicação como nesses dias, tudo graças à ECO 92 ou Rio 92, a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. A biodiversidade é um dos pontos centrais e também polêmicos da Rio 92, pois da conferência se pretende que saia um acordo ambicioso, pressionando a criar mecanismos para a preservação e a exploração racional de milhões de espécie de plantas, animais e insetos existentes no mundo – e existentes, principalmente, nos países de Terceiro Mundo. A questão é como preservar e explorar racionalmente essas riquezas. No fundo, tenta-se na Rio 92 uma espécie de grande barganha entre os países ricos e os países pobres. No Primeiro Mundo, os ricos detêm os recursos financeiros e tecnológicos para explorar essa biodiversidade. No Terceiro Mundo, nós, os pobres, possuímos dois terços de todas as espécies de animais e plantas existentes no planeta. Se vivêssemos da década de 1950, talvez não faltasse um nacionalista para dizer que a biodiversidade é nossa. Em troca de facilitar o acesso dos ricos a esses recursos naturais, os pobres querem dinheiro e acesso às descobertas tecnológicas e foi aí que, de certa forma, o “caldo engrossou”.  No Roda Viva que está começando agora, pela TV Cultura de São Paulo, nós vamos discutir essa questão da biodiversidade e outros temas ligados à Rio 92, vamos conversar também sobre os problemas do meio ambiente e o comportamento do homem em relação a ele, o que faz para matar e o que faz para preservar suas riquezas naturais. No centro do Roda Viva está sentado o professor Aziz Ab’Saber, um dos três representantes da Academia Brasileira de Ciências na Conferência das Nações Unidas no Rio de Janeiro. O professor vai nos ajudar a entender um pouco mais essa questão científica e política que concentra as atenções dos participantes da Rio 92. Aziz Ab’Saber é paulista de São Luís do Paraitinga, onde nasceu há 68 anos, bacharel licenciado em geografia e história pela Universidade de São Paulo, tem mais de 250 trabalhos publicados. Foi diretor do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico e Artístico), vice-presidente e diretor da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC. Até 1982 foi professor titular de geografia física da Universidade de São Paulo. Atualmente é pesquisador visitante e voluntário do Instituto de Estudos Avançados da USP, onde coordena a área de ciências ambientais. Para entrevistar o professor Aziz Ab’Saber esta noite no Roda Viva, nós convidamos: Sérgio Brandão, diretor e apresentador do programa Eco Realidade, da TVE do Rio de Janeiro; Mauro Chaves, editorialista e articulista do jornal O Estado de S. Paulo; jornalista Antony de Cristo; Roseli Tardelli, apresentadora do Jornal Eldorado e do programa Espaço Informal, da Rádio Eldorado; Flávio Dieguez, editor-executivo da revista Superinteressante; Luiz Henrique Fruet, diretor de redação da revista Globo Ciência; Luiz Weis, diretor da Redação, Jornalismo & Consultoria; José Paulo de Andrade, diretor de jornalismo da rádio e comentarista da TV Bandeirantes. Boa noite, professor, vamos começar a nossa entrevista de hoje, naturalmente, pela ECO 92 ou Rio 92. Gostaria da sua opinião sobre esse evento, lembrando que, por exemplo, um dos representantes do Greenpeace [organização não-governamental que atua em questões relacionadas à preservação ambiental e ao desenvolvimento sustentável. Desde sua criação, em 1970, realiza campanhas dedicadas à preservação das áreas florestais, clima, nuclear, oceanos, engenharia genética, substâncias tóxicas, transgênicos e energia renovável] disse que essa conferência não passa de uma coisa cosmética e que seria um show de hipocrisia.

Aziz Ab’Saber: Bom, eu tenho um grande prazer de estar aqui nesta noite entre vocês. Eu tenho um pouco de história relacionada com a Fundação [Padre] Anchieta e tenho a maior admiração possível pelo trabalho de vocês. E nesta noite nós vamos discutir algumas coisas que são da minha área e outras coisas que são da minha interpretação. No caso da Rio 92, é  um caso extremamente complexo em termos de que é uma possibilidade única das diferentes vozes do movimento ambientalista no mundo estarem presentes junto com uma grande conferência internacional.  É claro que a conferência internacional já foi iniciada há muito tempo, lá em Genebra e em outros lugares do mundo [em outubro de 1990 ocorreu em Genebra a segunda conferência mundial sobre o clima, na qual a Assembléia Geral da ONU estabeleceu formalmente o início das negociações de uma convenção sobre mudanças climáticas]. Todos os documentos essenciais, com muita participação de cientistas e técnicos e também com muita interferência de lobistas das “raias” de comércio de madeiras e outros tipos de pessoas que sempre se envolvem nas questões científicas. O problema é que a ciência prepara os documentos essenciais, mas os políticos é que têm que dar a última palavra sobre a aceitação ou não e, nesse caso, a ECO 92 tem um problema essencial. Nem todos os homens que estão, em nível de diplomacias nacionais, dentro do Rio de Janeiro são conhecedores do mundo tropical por exemplo. Então, a validade das opiniões de algumas pessoas é um pouco menor do que das outras, no sentido [de] que Chipre não pode entender a Amazônia. Alguns pequenos países de regiões extratropicais não têm noção de espaço suficiente para abranger um domínio de natureza da área e da diversidade subregional da Amazônia. Então, as duas conferências que estão se realizando, a dos ambientalistas e a oficial, elas podem se completar – inclusive elas interagem em certos momentos– mas o principal, ao meu ver, não foi isso: houve a possibilidade de um tripé. Os ambientalistas, agora, em uma reunião que é política, de política ambiental, política ecológica e é de política internacional, os países de todo o mundo representados por gente de boa competência, mas em geral diplomatas que estão evidentemente defendendo os princípios de seus países, e também as universidades. O grande acontecimento foi que a universidade se reuniu antes para conferências excelentes, com muita diversidade temática e com muita garra. Então, se rediscutiu um pouco na Universidade Federal do Rio de Janeiro, junto com a SBPC e junto com a Academia de Ciências, e convocando todo mundo de um modo transparente para discutir os problemas ambientais brasileiros.

Jorge Escosteguy: Agora, na sua opinião, professor, quer dizer, pelas discussões que o senhor acompanhou no Rio de Janeiro, o senhor acha que essa conferência vai frutificar, vai dar resultados objetivos ou pode ser, como disse o representante do Greenpeace, um grande show de hipocrisia?

Aziz Ab’Saber: Eu gostaria de responder isso dizendo o seguinte: nunca mais, depois dessa conferência, vai ser possível discussões apenas em nível oficial e em nível governamental exclusivamente. Essa conferência representa a saída dos ambientalistas das suas trincheiras, que eram consideradas por muitas pessoas e muito – e até mesmo dentro do Brasil– como uma espécie de guerrilha cultural e política. Eu acho que nunca mais vai acontecer isso, porque o mundo inteiro tomou ciência de que isso não é uma guerrilha, isso é uma consciência técnico-científico-social e, sobretudo, ética em relação à natureza e ao futuro. Eu tenho muita esperança nos resultados em projeção dessa grande conferência.

Sergio Brandão: Professor Ab’Saber, como o senhor está vendo o surgimento... o crescimento de movimentos místicos, seitas religiosas que se dizem ambientalistas dentro dessa questão toda envolvendo o meio ambiente? O senhor acha que esses movimentos ajudam ou atrapalham a encontrar soluções para os problemas reais do meio ambiente?

Aziz Ab’Saber: Sérgio, antes de responder eu quero dizer duas palavrinhas para você. A gente está entre amigos e falando coisas que são muito culturais e também muito humanas. Eu já estive com você nos campos de matacões da região de Itu, dizendo alguma coisa sobre a história física e ecológica dessa região. Depois já estive em outras memoráveis reuniões da SBPC em Fortaleza e outros lugares, mas, sobretudo, nós fomos partícipes da grande reunião lá da pequenina Carauari, no médio Juruá. E eu tenho para com a sua pessoa uma impressão sempre muito boa, não é generosidade para se pagar com generosidade, que eu sou incapaz de fazer isso, você sabe, mas a sua pergunta tem que ter uma resposta adequada. Eu acho que o ambientalismo vai entrar em todas as esferas da vida cultural do mundo e é evidente que os religiosos que têm muita sensibilidade para com a natureza e a mística da história da natureza vinculada à história de divindades e de Deus, eles estarão com os ambientalistas, é a coisa mais bonita que vai acontecer. Só que eu espero que não aconteçam aqueles desvios de religiosidade lobista que cria igrejas fantásticas, cobra esmolas de milhares de pobres e envolve a pobreza cultural dentro da pobreza da sua aparente religiosidade.

Sergio Brandão: O senhor assinaria esse documento que mais de 200 cientistas europeus e norte americanos acabaram de lançar, fazendo um apelo aos governantes reunidos na Rio 92 para que não se deixassem levar por teorias ultraconservadoras que querem pregar uma volta do mundo ao seu estado primitivo?

Aziz Ab’Saber: Sérgio, eu lhe respondo na ponta da língua. Eu fui consultado se assinaria e disse que não assinaria, porque podem ser todos os prêmios Nobel do mundo vivos, mas eu não assino um documento que queira criar uma dificuldade no procedimento da conscientização ecológica. É evidente que não vai haver irracionalidade comprovada em nenhum nível, porque os debates são democráticos, são transparentes e a essência das coisas é que vão [dar] as diretrizes [para] governos e intelectuais. Os intelectuais que assinaram aquele documento nunca estiveram à altura de pensar na posição do intelectual, na mudança da sociedade e na mudança da ótica em relação ao futuro do planeta. De forma que aquele documento é de última hora e ele tem uma validade relativa e quem assina é porque não leu muitas bem as entrelinhas de um documento daquele tipo. A minha opinião.

Luiz Weis: É um juízo extremamente rigoroso que o senhor faz dos seus colegas cientistas quando eles dizem – eu acho difícil discordar deles, embora eu não seja cientista– que o inimigo maior do gênero humano atualmente é a opressão, a ignorância, a fome, a miséria, e não a ciência, a indústria e a tecnologia, mas não era sobre isso que eu gostaria de perguntar. Mas, como cientista, eu gostaria [de] que o senhor... O senhor, ao responder a primeira pergunta do Escosteguy, o senhor estabeleceu uma distinção entre aquilo que o cientista sabe e aquilo que o político aprende. Aquilo que os países são capazes de conhecer, de assimilar uns dos outros. Eu gostaria de trabalhar com esses parâmetros, mas não diante de questões regionais, [e sim] de ordem geral, que é uma das razões pelas quais, até, essa conferência teve tanta divulgação, que é a questão climática. A questão climática, como todos sabemos – o senhor melhor do que nós– se funda na idéia de que esse brutal aumento de emissões de gases carbônico pelo homem gera ou tem um efeito físico-químico que tende aumentar a temperatura da Terra. E, se aumentar a temperatura da terra além de um certo ponto, no curso do século XXI nós teremos uma sucessão de calamidades: as geleiras vão derreter, as cidades litorâneas vão desaparecer e assim por diante. Ora, é sabido que esse efeito estufa, que está na boca de qualquer pessoa hoje, não é uma realidade, é uma projeção, é uma hipótese, mas as pessoas trabalham hoje em dia como se fosse verdade. Há quem diga que não é e dizem, inclusive, que uma das razões pelas quais o governo americano ficou reticente em relação à conversão climática é que foi provado ao presidente George Bush que isso não era um fato pacífico, como, para comparar, [o fato de] que o cigarro dá câncer.  Quer dizer, não se sabe se o efeito estufa terá todo esse efeito e se o aquecimento da terra será da ordem que se supõe e produzirá todas as calamidades. Desculpe-me estender tanto, mas acho necessário...

Aziz Ab’Saber: Eu acho que você está tratando de assuntos essenciais.

Luiz Weis: ...Situar esse problema que todo mundo está falando “efeito estufa para cá, efeito estufa para lá”. Existe o efeito estufa, o senhor aposta nele?

Aziz Ab’Saber: Em primeiro lugar, Weis, eu não vou responder sobre efeito estufa, porque eu não sou um físico, eu sou um geógrafo, um geógrafo interdisciplinar, então eu vou responder, em primeiro lugar, sobre a questão do meu rigor em relação ao documento dos cientistas e dos prêmios Nobel. Eu tenho para comigo que o cientista só fala da região e dos aspectos que ele conhece e, no caso de um cientista que tem preocupações com o panorama desgraçado das desigualdades sociais e dos problemas do Terceiro Mundo, o cientista tem que ter um olho na ciência e um olho na aplicação da ciência. Ao aplicar ciência, ele já é um político, mesmo que não esteja em partidos. E, nesse sentido, o grande problema nosso é de observar bem, ter bons conhecimentos que dêem validade à observação. Ninguém observa sem primeiro ter uma longa experiência de observações e, ao mesmo tempo, de fazer diagnósticos que se traduzam em uma possibilidade de aplicação da ciência. Nesse sentido, a gente tem que ter o maior rigor com os colegas: quem não viu, quem não conhece as regiões, as áreas, os problemas de uma sociedade, os problemas das relações e do mosaico ecológico e de uma série de tipo de espaços de países subdesenvolvidos projetados sobre a herança da natureza, não tem muito direito de falar, tenha a maior especialidade do mundo e tenha recebido por essa especialidade os maiores prêmios da face da terra. Então eu não estou sendo rigoroso, eu estou sendo rigorosamente um cientista que sabe o valor do conhecimento básico, o valor do diagnóstico e a dificuldade da proposta. A proposta é que pode ser ética, não-ética, ou que pode variar segundo algumas possibilidades quase que intuitivas do diagnóstico. Nesse sentido, toda vez que se faz proposta com muita discussão nós temos vantagem, porque são várias óticas que se cruzam para se aperfeiçoar as propostas. Então, a minha primeira resposta para você é sobre essa questão delicada do aparelho de rigor. Eu sei que estou sendo rigoroso, mas estou sendo rigoroso em homenagem à ciência e não em homenagem às pessoas e aos especialistas. Cada vez a ciência terá que se conduzir melhor no campo da interdisciplinaridade, isso é ponto pacífico. [A] Segunda resposta diz respeito ao problema do efeito estufa. Eu sou um velho estudioso do problema das variações climáticas do quaternário na face da Terra [compreende a era do Cenozóico. O marco inicial, segundo geógrafos, se situa 2,5 milhões de anos atrás, na época denominada de pleistoceno] e, sobretudo, em relação à América tropical. Houve tempo em que os cientistas franceses, sobretudo os pré-historiadores, diziam, em relação à África, que teria havido uma sucessão de ciclos em que durante a glaciação a África teria sido úmida e durante os períodos interglaciais [períodos ande a temperatura da terra se eleva] a África teria sido seca. E nós, aqui no Brasil, com muita facilidade de observação ao longo da estrutura superficial da paisagem e à custa de observações que nos foram possibilitadas por uma certa reeducação dos cientistas brasileiros – através de um contato com um mundo científico  internacional, a partir de 1956, de um grande congresso internacional de geografia que houve no Rio de Janeiro – nós invertemos isso. Nós descobrimos que durante um período glacial aconteciam coisas integradas na América tropical, excepcionais: mais estocagem de gelo nos pólos e nas altas montanhas, diminuição do nível do mar... na hora em que o mar começa a diminuir de nível, os dois se estendem por aquilo que era uma plataforma, ao mesmo tempo a corrente fria sobe mais para... até o sul da Bahia, ela bloqueia a entrada da umidade. E eu acrescentei a tudo isso um segundo fato: a grande massa de ar equatorial continental, que é de uma força tão grande que atinge o estado de São Paulo durante o verão. Ela sai da Amazônia, se estende por todo o corpo das terras baixas da América tropical, tanto assim que quando o El Niño entra pelos Andes, lá na Colômbia, ela não consegue entrar na Amazônia e vem bater no sul do país, é isso que explica a dinâmica das grandes chuvas e das inundações aqui no centro-sul extremo do Brasil. Então, nós sabíamos que o controle do nível do mar é dependente do calor ou da glaciação, mais glaciação, nível mais baixo, corrente fria funcionando mais acima, menos potência, não tinha potencialidade da massa de ar equatorial continental. E, em sabendo desses fatos que foram naturais na história da Terra, vivida por questões complexas que escapam à Terra e que são exógenas, nós temos o dever de alertar o mundo sobre o aquecimento global. O global climate change não é uma simples idéia que caiu do espaço, é uma função da projeção dos conhecimentos sobre as variações climáticas, agora não-naturais, determinadas pelo homem e pelas atividades econômicas através de muitos tempos. Então, quando alguém diz “o Bush foi, recebeu informações de grupo de cientistas”, eu fico pensando quem são esses grupos de cientistas que normalmente estão mais próximos de um presidente. Porque é muito mais difícil para o presidente Collor [presidente do Brasil entre 1990 e 1992] receber notícias diretas de um humilde professor da universidade do que receber de mil vozes dos famosos, pelas famosas pessoas – que eu não gostaria de dizer o nome que eu tenho em relações a elas – que rodeiam o poder. Então, não é verdadeiro que seja uma possibilidade vaga. A cidade de São Paulo, que abrange a grande São Paulo... O construtivismo da grande São Paulo, tão plenamente, de todos os espaços, ela já se reduziu de 1900 para 1990, ela aumentou o nível de calor de 18,2, que eram as primeiras medidas da temperatura, para 20,3. Agora, se você somar devastações feitas pelo café, pelos citros, pelas canas, pela instalação do mundo urbano à maior bacia urbana da região e do hemisfério sul, que é a de São Paulo e der uma taxa de aumento de calor para tudo isso – isso é uma quantificação difícil, mas pode ser feita – você vai saber que houve um aquecimento. Então, projete isso para o tempo. Nós estamos cuidando de 1900 para 1990 para São Paulo e houve esse acréscimo de 2,2. Você projete todos esses acontecimentos, queimadas, instalação de bacias urbanas superdensificadas. São Paulo tem seis cidades originadas pelo ciclo do café e tem 1.500 cidades realmente existentes em 600 e poucos municípios, funcionando todas no mesmo modelo, cada uma copiando o modelo da outra, o modelo urbano e industrial do nosso tempo. Então é perigoso o futuro do planeta Terra em função do aquecimento global, eu tenho que jogar isso para o futuro. Eu penso que os dois pontos essenciais, tinha mais um [a] que talvez a gente volte, está bom?

Luiz Weis: Eu voltarei ao tema.

Luiz Henrique Fruet: Ficando um pouquinho em relação a todo o efeito estufa, o senhor acabou de dizer da tragédia que pode se avizinhar com o efeito estufa. Agora, o senhor também tem um projeto conhecido para diminuir, digamos, esses efeitos, que é o projeto Floram [projeto brasileiro de florestamento e reflorestamento de grandes dimensões para seqüestrar parte do excesso de gás carbônico (115 bilhões de toneladas)]. Queria que o senhor dissesse brevemente o que é esse projeto e, segundo, se esse projeto tão maravilhoso não é um sonho só. Onde é que o senhor vai buscar os recursos para instalar esses projetos?

Aziz Ab’Saber: Bom, veja bem, eu vou começar a responder pela última questão. Eu não vou buscar recursos em lugar nenhum, eu não sou plantador de árvores, eu não entendo de silvicultura, eu entendo de organização humana dos espaços numa certa lógica. Então, o projeto Floram é uma plataforma, sabe, uma grande plataforma, muito inteligente no seu contexto, eu posso falar isso, porque não sou o único autor. Os meus colegas do projeto certamente estarão me ouvindo e eu tenho para com eles uma amizade cultural excepcional, porque nós trabalhamos a custo zero na universidade brasileira, quando um projeto daquele gabarito, encomendado por esse governo que está aí, seria um projeto de alguns milhões de dólares. Então, foi um presente para a sociedade brasileira e isso me deixa muito contente. A compra do papel vegetal para fazer o mapinha foi feita pelo grupo, a legenda foi feita pela minha filha, que era estudante de arquitetura, então, é um projeto que você, ao me pedir uma informação sobre ele, eu fico muito agradecido. Mas, veja bem, o que é o projeto Floram? Foi pedido para fazer um projeto com o objetivo de seqüestrar o gás carbônico da atmosfera pelo reflorestamento. Uma idéia muito simples, muito simplista, inclusive, já é antiga, desde meados da década de 1970 muitos cientistas diziam: “uma das fórmulas para captar o gás carbônico, seqüestrar o gás carbônico que foi liberado para atmosfera durante o período industrial dos últimos 100 anos seria reflorestar”. Então, diziam “é preciso plantar árvore em tudo”, como se fosse possível, no regime da propriedade privada ou no regime da urbanização, plantar árvore para tudo que é canto de um modo caótico. Então, nós apanhamos essa idéia inicial e repensamos. A equipe era a nossa política. Uma das pessoas nos disse, uma das pessoas, que eu não quero nomear, nos disse “professor Aziz, atenção, se a gente plantasse 13 milhões de hectares de árvores no Brasil – coisa muito difícil, porque são os governantes de empresa e outros grupos que iriam plantar, não somos nós– ainda assim, nós sequestraríamos 5% do gás carbônico da atmosfera”. [Ele] ainda completou “e 5% não é nada, porque em 20 anos, que seria a duração do projeto, as indústrias poluidoras vão soltar 13% e acabou-se o projeto”. O projeto não teve função nisso. Aí nós trabalhamos com o problema do reflorestamento, ou seja, do florestamento que envolve reflorestamento, ou seja, reintrodução de espécies nativas e florestamento que envolve plantação de florestas, florestas plantadas, portanto. Nós trabalhamos em outros níveis, a partir dessas críticas internas, nós transformamos o projeto em uma coisa muito diferente. Outra crítica fundamental que eu faço questão de revelar é a de que, se nós plantássemos árvore no Brasil inteiro, existiria um aviltamento no preço da matéria-prima e os industriais iam ficar muito contentes com o projeto. E nós embarcamos nesse tipo de canoa e dissemos claramente nas discussões com os nossos companheiros industriais – tinha uma pequena equipe que elaborava e uma equipe de controle que envolvia ambientalistas, industriais e cientistas. Então, a partir disso, nós fizemos uma inversão total. Em primeiro lugar, procuramos entender o espaço total do Brasil: onde poderia haver introdução de floresta, onde não podia haver e onde poderia haver outras coisas que não florestas, mas vegetação para defender da evapotranspiração [perda de água para a atmosfera pelo solo e pelas plantas]. Então, no começo, nós isolamos a Amazônia: ninguém em sã consciência vai dizer que a Amazônia seja área de reflorestamento. O problema lá é saber o que tirar e não o que cortar para depois repor com argumentos de subsídios, etc, como já aconteceu. Retiramos [também] o Nordeste seco, que depois foi reintroduzido em outra ótica, na ótica de desenvolvimento regional, de cobertura de vegetais para evitar a evapotranspiração, para reabilitar solos etc. Retiramos também o Pantanal. Por quê? Porque eu tinha terminado um estudo sobre o Pantanal que me dava todas as indicações sobre a não-possibilidade de o Pantanal receber nem agricultura do tipo dura – feita com máquinas e com agropecuárias, do mesmo modelo que estava acontecendo na Amazônia – e nem reflorestamento. É um conjunto de ecossistemas muito frágil, dependentes de águas que vêm dos planaltos circundantes, de serranias e planaltos circundantes e que, em um passado recente – nessa época de clima mais seco e mais frio do passado, um pouco menos quente do passado – essa região recebeu grandes cargas de areia, gigantescos leques aluviais das areias retiradas dos planaltos de Mato Grosso. Esses leques arenosos, durante a fase de recomposição da tropicalidade, eles foram cruzados pela engrenagem de hoje. Um dos leques aluviais é o maior do mundo, é o leque do Taquari, só areias, que depois é cruzado pelo rio Taquari. Entre os outros pequenos leques tem outros rios que fizeram várzeas. Essas várzeas são chamadas pantanais, ninguém chama de pantanal o conjunto: é o pantanal do Itiquira, é o pantanal do Paiaguás, é o pantanal da Nhecolândia, entende? Então, em função disso, nós retiramos também isso aí e aperfeiçoamos nosso processo. Nosso projeto, a nível de reabilitação de solos, ao nível de reaviventação econômica de cada propriedade – a propriedade tendo um pouco de árvore, um pouco de pecuária, um pouco de agricultura, um pouco de avicultura – quando está mais próxima das grandes cidades é mais uma área para a reconstrução da biodiversidade nos pontos críticos, ela é outra propriedade. Então, esse foi o grande fato que recaiu sobre o projeto Floram e nós sofremos muitas críticas, porque alguém lá no alto do governo disse “isso é um projeto tecnocrático”. Pois, olha, é o único projeto que consegue ter substância e integração a nível de tudo isso que eu estou ouvindo lá no Rio de Janeiro, na parte de florestas, que é apenas uma negociação democrática. Infelizmente, eu não posso...

[sobreposição de vozes]

Mauro Chaves: Por que ele não avançou?

Jorge Escosteguy: Um de cada vez, por favor.

Mauro Chaves: Por que ele não avançou?

Jorge Escosteguy: Só um minutinho.

Aziz Ab’Saber: Posso continuar respondendo [sobre] o Floram? Porque, olha, nunca houve uma divulgação pública do Floram.

Mauro Chaves: Estou fazendo uma pergunta elementar.

Aziz Ab’Saber: Então, se o senhor me permite, eu primeiro atendo aqui ao meu amigo Mauro, que deve ter outras questões, para variar um pouco, mas eu volto ao Floram, para que vocês saibam quais os detalhes que podem bloquear um bom projeto, feito com muita garra e com muita consciência e com muito conhecimento de Brasil, em termos de noção de escala e de respostas ecológicas de cada área.

Mauro Chaves: Professor Aziz.

Aziz Ab’Saber: Pois não, Mauro.

Mauro Chaves: Eu queria satisfazer, talvez, à curiosidade de muitos telespectadores. O senhor é um cientista competente, respeitado, que muito antes de qualquer onda ecológica, o senhor tinha publicado uma quantidade enorme de trabalhos que foram citados no início. Eu perguntaria o seguinte: o governo, na ECO 92, era de se esperar que se municiasse dos melhores quadros científicos para se equipar melhor para essa negociação tão importante. Eu perguntaria: o senhor foi convidado pelo governo para participar de algum tipo de negociação importante?

Aziz Ab’Saber: Mauro, você me deixa bastante entristecido. Primeiro lugar, porque a sua pergunta tem que ter uma resposta e, em segundo lugar, é que eu não gostaria...

Mauro Chaves: A intenção não era entristecê-lo!             

Aziz Ab’Saber: Eu não gostaria de poder, de precisar dizer o que eu sinto por essas razões. Você sabe que o governo brasileiro estava mal estruturado. Para poder fazer o seu relatório nacional convocou 150 cientistas de áreas diferentes. Alguns muito bons e que, para ganhar o seu dinheirinho no bolso, fizeram contribuições notáveis, que depois foram concatenadas e costuradas do mesmo jeito que as construtoras concatenam vários recebimentos de projetos e de monografias a favor dos clientes. E, no caso, o grande cliente era o governo brasileiro, que não tinha capacidade para elaborar o relatório. E eu fiquei muito contente porque, pelo menos, ainda que tardiamente, os cientistas foram lembrados e 150 pessoas colaboraram nesse relatório. Eu não fui sondado para nada e depois apareceu no Diário Oficial o seguinte: “pessoas que leram criticamente o relatório” e puseram lá os principais nomes da ecologia brasileira e lá no fim está o meu, como se eu tivesse lido o relatório. Eu quero declarar que eu não li o relatório, eu apenas recebi o índice dos diversos títulos que iriam ser decompostos e fizemos uma reunião do grupo do Floram. Fizemos uma resposta coletiva, eu assinei e mandei dizer: “tem muito de desenvolvimento e pouco de meio ambiente”. Foi a única participação minha em todo esse processo. Agora, dos últimos tempos, quase no fim das negociações para se fazer a ECO 92, a Academia de Ciências, através do doutor Israel Vargas, meu grande colega, que é físico, um físico de grande capacidade, a academia foi listada para ter uma pequena comissão de observadores, três observadores.

Mauro Chaves: Só três?

Aziz Ab’Saber: Três observadores.

Mauro Chaves: O senhor acha que teve critérios políticos?

Aziz Ab’Saber: É muito triste...

Mauro Chaves: Ou que teve critérios políticos para...

Aziz Ab’Saber: ...que sobrem cadeiras para observadores das reuniões, quando temos gente altamente capacitada em diferentes setores para estar lá, inclusive os homens das florestas, que não estavam lá.

Mauro Chaves: O senhor acha que houve critérios políticos para escolher?

Aziz Ab’Saber: Mas não tenha muita dúvida.

Mauro Chaves: Então, o governo está mal equipado para essa negociação?

Aziz Ab’Saber: Eu sou muito cuidadoso na parte política. Eu colaboro com um grupo político de um modo total, no sentido da cultura. Se me pedem para fazer um relatório para a Amazônia, com proposta para a Amazônia, eu trabalho cinco, seis meses e eu ofereço.

Luiz Weis: Qual é esse grupo, professor?

Aziz Ab’Saber: O grupo, no caso, é o "governo paralelo".

Luiz Weis: O governo do Partido dos Trabalhadores?

Aziz Ab’Saber: Do Partido dos Trabalhadores. Então, a minha colaboração voluntária tem sido feita para um partido, mas, veja bem, eu tenho a possibilidade de separar os problemas do Partido dos Trabalhadores do problema da vida acadêmica e da pesquisa. E, se a minha coerência for a mesma dentro do governo paralelo e dentro das temáticas dos organismos para as quais eu colaboro, eu não faço diferença, eu sou o mesmo homem dentro do Instituto de Estudos Avançados da USP e dentro do governo paralelo. Eu tenho a satisfação de ser coerente.

Mauro Chaves: O governo não fez... O governo não fez a separação então?

Aziz Ab’Saber: Não, o governo não faz separações. E, além disso, você sabe que houve esse problema prévio da falta de consideração em relação ao projeto Floram por parte de uma pessoa que sempre mereceu a minha admiração, não gosto muito de citar nomes, que já cria uma certa conturbação. Saindo essa pessoa muito recentemente, entraram outras pessoas que já têm os seus grupos culturais e que, naturalmente, também acharam mais prudente não convocar as pessoas, como é o caso de Aziz Ab’Saber, para certos tipos de trabalho. Tardiamente eu estou lá como observador e obedientemente vou fazer o papel de observador crítico a favor dos interesses culturais do meu país. E, sobretudo, da minha gente, da minha sociedade, da sociedade desigual, sofrida, mal informada, com necessidade de uma educação mais polivalente etc.

Jorge Escosteguy: Professor, antes de passar para a Roseli, que tem uma pergunta, apenas lembrar aos telespectadores Pedro Rodrigues, de São Paulo, que o professor já falou sobre a participação no governo paralelo; Maria Amélia de Porto Alegre sobre a questão do plantio de árvores e Mário del Forte de Belo Horizonte sobre a ECO 92. Roseli, por favor, e o Zé Paulo.

Roseli Tardelli: Professor, aproveitando que o senhor fala um pouquinho dessa questão que o Mauro Chaves puxou, da questão do governo em relação à convocação de pessoas com critérios mais técnicos para estar assessorando o governo, o que o senhor tem a dizer em relação ao desempenho do governo do presidente Fernando Collor de Melo em relação à ecologia hoje, independente[mente] de o governo sediar e estar equipando o Rio de Janeiro, ter construído a Linha Vermelha e tudo mais? Como está o presidente Fernando Collor de Mello para a ecologia hoje no Brasil?

Aziz Ab’Saber: Eu tenho a impressão [de] que o presidente Fernando Collor de Melo, quando assumiu, ele tinha uma atitude muito perturbada. Ele odiava a intelectualidade brasileira, ele odiava os cientistas brasileiros, ele pensava que poderia ser um presidente que não precisaria da cultura e da inteligência. Aos poucos – e foi a ecologia quem determinou isso – ele foi escolhendo pessoas mais capazes para integrar o seu governo e a presença do meu caríssimo colega José Lutzenberger [ecólogo e engenheiro agrônomo, foi pioneiro na busca por novos processos agronômicos para a produção de alimentos isentos de agrotóxicos no Brasil], em que pese o comportamento dele com o Floram, que foi muito difícil. Eu guardo a mágoa, embora tenhamos uma amizade muito permanente e muito cordial. Eu já me encontrei com ele. Lá naquela fórmula gaúcha que você conhece, ele já me telefonou e disse: “precisamos um dia, tomar um chope juntos, acho que nos envenenaram”. Certamente houve envenenamentos, mas na realidade ficou uma mágoa. Mas, veja bem, na medida em que o Lutzenberger foi avocado para uma espécie de ministério, Secretaria de Meio Ambiente de um país de escala continental é mais do que um ministério. O presidente Collor passou a ter a noção da importância das pessoas que o rodeavam e a própria renovação do seu ministério nos últimos tempos já demonstra que ele deu uma volta por cima. Porque ele precisou convocar um Adib Jatene [médico que foi um dos fundadores do Instituto do Coração da USP, já foi secretário da Saúde do município de São Paulo e ministro da Saúde no governo Collor], porque muita gente queria criticar o doutor Adib Jatene no mesmo nível [em] que ele já foi criticado, lá no estado de São Paulo, por um ilustre artista plástico: “é um malufista!” [adepto do governo de Paulo Maluf, prefeito (entre 1969-1971) e governador (entre 1979-1982) de São Paulo. Historicamente ligado à ditadura militar, já foi acusado de corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e crime contra o sistema financeiro, além de adotar política de segurança criticada pelos direitos humanos] Eu nunca fui malufista, mas recebi isso de público [também] só porque um dia eu fui presidente da Condephaat no momento em que era governador do estado uma pessoa de baixo nível cultural.

Jorge Escosteguy: Aliás, o Sérgio de Souza Matos – é um telespectador aqui de São Paulo – pergunta justamente isso, se o senhor foi patrulhado por ter, de alguma forma, pertencido ao governo Maluf.

Aziz Ab’Saber: Eu não acredito que fui patrulhado, eu fui esquecido.

Roseli Tardelli: Eu só queria que o senhor concluísse: e o desempenho do presidente?

Aziz Ab’Saber: O desempenho do presidente será o cruzamento do resultado do que ele desprezava no início do seu governo e que são algumas das melhores cabeças deste país. Eu tenho divergências com alguns deles, mas são divergências culturais e divergências normais entre pessoas que estão em áreas diferentes e que têm enfoques diferentes, o meu enfoque é muito multidisciplinar.

Luiz Weis: O senhor tem divergências com o professor José Goldemberg, por exemplo?

Aziz Ab’Saber: Eu sabia que essa pergunta viria.

[risos]

Roseli Tardelli: Era a seqüência, era a seqüência do raciocínio.

Aziz Ab’Saber: O professor José Goldemberg é uma das pessoas que eu sempre admirei, eu tenho um trato, para com ele, fraternal, mas eu tenho divergências fundamentais com ele e em um plano muito cordial. Eu, por exemplo, não acho que as declarações que ele tem feito na ECO 92 mereçam o aplauso do nosso país.

Jorge Escosteguy: Por exemplo?

Aziz Ab’Saber: Ele tem se filiado muito diretamente à linhagem dos norte-americanos, a posição dos norte-americanos. Ele tem falado muito na tecnologia, ele não tem demonstrado aquele conhecimento que seria necessário para entender as exigências de um país de escala continental. Então, as nossas divergências são quase culturais e certamente de posturas em termos de aplicações de essências.

Jorge Escosteguy: O que as mantêm no "quase", professor: não são apenas culturais?

Aziz Ab’Saber: Eu digo "quase culturais", porque é muito difícil que as pessoas entendam como vai ser entendida uma declaração de público. Basta ser feita uma declaração pública por parte de uma pessoa como eu, que sou um humilde professor universitário, mas tenho uma certa coerência nas minhas atitudes, para que as pessoas interpretem como inimizade e outras coisas mais, que eu não quero destacar. Então, é muito delicado, eu gostaria de ter tempo para conversar sobre os meus pontos de vista com o meu colega professor Goldemberg e, sobretudo, eu vou pedir para parar aqui esse assunto e dizer a ele que uma das coisas mais importantes no mundo é saber escolher bem as pessoas que estão ao seu redor em termos de cultura e de aplicações de políticas. Ponto final sobre esse assunto.

José Paulo de Andrade: É, eu acredito que vai se dar oportunidade agora para o professor Aziz Ab’Saber falar um pouco mais do Floram.

Aziz Ab’Saber: Pois não.

José Paulo de Andrade: Já se disse que não há vazios demográficos, que há vazios econômicos, que as populações tendem a acompanhar o ciclo da economia. Assim foi com o açúcar, com o ouro, com o café, de novo com o ouro na região Centro-Oeste do país. O senhor acha que é possível planejar novos pólos de atração, para que as populações não se concentrem muito nas regiões metropolitanas, que estão com a sua qualidade de vida totalmente degradada?

Flávio Dieguez: Posso pegar carona nessa pergunta aí?

Aziz Ab’Saber: Pois não.

Flávio Dieguez: Eu gostaria [de] que o senhor comentasse um problema que aconteceu, especialmente no final do governo Sarney [presidente do Brasil entre 1985 e 1989], que foi um problema de ocupação de vazio, na minha opinião, que foi aproveitar aquela massa imensa de nordestinos que migrou para a Amazônia, especialmente para o Pará, para cortar lenha e queimar nas siderúrgicas. Em que pé isso está, professor?

Aziz Ab’Saber: Está certo, eu vou responder em primeiro lugar, em continuação ao que eu vinha falando sobre o Floram. Nós eliminamos a área amazônica como um todo, menos as áreas devastadas – as áreas devastadas logicamente precisam e carecem de re-enriquecimento de espécies nativas de boa condição econômica. E as áreas devastadas podem receber... em alguns casos, onde a devastação foi muito grande e não [se] comprovou nenhuma rentabilidade, podem receber uma grande massa de florestas plantadas a favor do quê? A favor de matéria-prima para tipos de indústrias específicas, não há como sair da questão da celulose, do papel, não é? Se você faz florestas plantadas produtivas, um dos clientes dessa biomassa será a indústria de papel e celulose, que, inclusive, é uma indústria muito importante nos trópicos por causa da auto-sustentação do crescimento dessas árvores: é mais rápido e cresce muito. Se o Brasil tem uma tecnologia muito boa de fazer rodízio de exploração e de espécies de crescimento rápido, tem um sistema que foi aperfeiçoado, talvez até descoberto no Brasil, que é o da clonagem diferencial... Então, existem todas as qualificações e uma parte das áreas devastadas podem receber isso. Outra parte é para a questão da siderúrgica. Ora, depois que se fez esse projeto Ferro Carajás, eu conheço bem, eu ajudei a Companhia Vale do Rio Doce durante sete anos a controlar a organização do espaço no Alto da Serra. E só saí dessa organização graciosa, absolutamente graciosa, trabalhosa e muito responsável, quando eu percebi que nós estávamos cuidando da Serra, que é um paraíso, que é um... como dizem as pessoas da região, uma espécie de "ilha da fantasia". E não tivemos cuidado com um corredor de 890 quilômetros entre Carajás e São Luiz, onde aconteceu de tudo na parte final do governo Figueiredo [João Figueiredo, presidente do Brasil entre 1979 e 1985, foi o último presidente militar da ditadura instalada pelo golpe de 1964] e no governo Sarney. Então, eu estou ciente das coisas que devem acontecer nessa faixa. Se você tem o minério de ferro da melhor qualidade da Terra sendo transportado em grandes comboios ferroviários, em uma ferrovia magnífica, muito modernizada, muito rápida até o porto de Ponta da Madeira, você pode parar um pouco daquela matéria-prima em qualquer lugar e fomentar o começo de uma industrialização, a fim de que nós não continuemos a ser fornecedores de matéria-prima, como por muito tempo nós fomos em vários tipos [de sistemas] econômicos. Então, a minha idéia é de que a plantação de florestas em áreas devastadas seja de florestas produtivas em três níveis: para matéria-prima; para questões energéticas em nível de pequenas localidades e de lenha para a população. Ninguém vai me convencer [de] que uma rede de distribuição de energia de [com uma extensão de 11 Km e capacidade para gerar 8.370 MW (megawatts), é considerada a maior usina hidrelétrica do Brasil. Para construir a usina foi necessário alagar aproximadamente 4.430 km² do entorno municipal de Tucuruí, localizada a 400 Km de Belém] colocada em toda parte da Amazônia não vai ser o fim da Amazônia, porque devasta mesmo, forma frentes de devastação qualquer abertura de uma estrada, de um caminho vicinal, de uma ferrovia ou de qualquer outra coisa que também ocasiona a penetração de apossadores de território. Na Amazônia não existe nenhuma vocação global de fronteira agrícola. A fronteira é puramente fundiária e provocada e incentivada e não-controlada e não-gerenciada por ninguém. Uma tragédia.

Sergio Brandão: Você acha que os ambientalistas vêem com bons olhos a queima dessa madeira, mesmo que seja madeira plantada lá em Carajás?

Aziz Ab’Saber: Eu fiz um teste, quase todo mundo está de acordo em reflorestar a faixa de Carajás a São Luiz, em áreas devastadas.

Sergio Brandão: Qual é a área, professor?

Aziz Ab’Saber: 50,3%, na última avaliação do Iben [Instituto Brasileiro de Bioenergia], há 13 anos. Todos estão de acordo, então, existem algumas seqüelas de um problema insolúvel. Pensar em reflorestar com essência nativa esse mundo, porque é uma área de 50 quilômetros dos dois lados da estrada de ferro e depois se interconecta com as outras devastações. Eu espero poder falar sobre isso. Tentar reflorestar com essências nativas, além de impossível, leva um tempo enorme. Além do que, as regiões já estão inteiramente dominadas por propriedades privadas, já estão legalmente registradas. Então, é muito difícil, mas aí o Floram dá um modelo tripartido - você me dá licença só de terminar isso, porque completa o estudo que a gente fez no Instituto de Estudos Avançados da USP: cada propriedade deveria receber uma certa taxa de plantações de árvores, de espécies de crescimento rápido, que podem ser homogêneas.

Sergio Brandão: Eucalipto, por exemplo?

Aziz Ab’Saber: 35% de eucaliptos, pinos ou outras, eu não sou especialista, quem vai determinar a árvore são os homens das ciências florestais das diversas universidades e faculdades brasileiras; 30% deveriam ser reservados para reconstrução de biodiversidade e no caso lá era custo zero, porque essas áreas têm ainda força de reconstituir capoeiras, não são como as áreas de terras baixas, com solos muito fracos que estão recebendo más ervas, quer dizer, ervas daninhas e que muito dificilmente teriam uma capoeira naturalmente reconstruída em agropecuária. Então, veja, 30% para reconstrução de biodiversidade na área devastada; 35% a nível de cada propriedade com florestas plantadas e o corpo da propriedade para a pecuária um pouco melhorada e outros processos econômicos, como a avicultura, em alguns casos, e agricultura onde for possível. E, com isso, cada fazenda teria um tripé de orçamento, em que venderia árvores e cultivaria com carne verde através da criação da pecuária e ao mesmo tempo estaria contribuindo para reconstruir a biodiversidade e seria bloqueada a invasão no restante da mata amazônica regional.

Jorge Escosteguy: Professor, eu gostaria de tocar em um assunto que não é a sua especialidade, não é exatamente ecologia, mas, enfim, nós comentávamos sobre isso um pouco antes do programa. O senhor sabe, um dos grandes ausentes na ECO 92, que está se realizando no Rio de Janeiro, é o índio Paulinho Paiakã [índio caiapó da aldeia Aukre que foi condenado a seis anos de prisão por estupro], que ocupou os jornais nesse começo de semana com a denúncia. Ele está fugido, escondido na selva com a denúncia de que ele e a mulher, ele teria espancado, torturado e estuprado uma jovem de 18 anos. Isso, de certa forma, causou um estupor, uma surpresa a todos, ninguém consegue explicar o comportamento dele, que não tem nada a ver com a história dele nesses últimos anos todos. Inclusive, [estamos] esperando uma oportunidade de ouvi-lo, ou seja, ele ainda não foi depor sobre o que realmente aconteceu e eu gostaria [de] que o senhor nos desse a sua opinião a esse respeito.

Aziz Ab’Saber: Bom, é uma questão muito delicada. Eu tenho a maior admiração possível pelas lideranças indígenas atuais do nosso país e o Paulinho Paiakã é um dos líderes aculturados, semi-aculturados dos grupos indígenas brasileiros. Eu me lembro, com muita satisfação, o nome dele, o nome do Krenak [líder indígena e ambiental descendente da tribo dos botocudos], do Terena [líder da tribo Terena] etc, mas, note bem, em primeiro lugar, eu não acredito que a notícia esteja inteiramente correta. Eu recebi essa notícia por acaso no avião, porque eu estive envolvido em muitas coisas e não tive a oportunidade de saber desse fato, mas eu queria apenas lembrar o seguinte: não espere do índio semi-aculturado atitudes muito românticas, ele é um bravo e ele tem alguns valores de periculosidade totalmente diferentes do que a gente possa imaginar.

Jorge Escosteguy: Mas desse tipo, professor?

Aziz Ab’Saber: Mas não, espera um pouquinho, eu gostaria de lembrar que os índios, para defender o seu território, no passado, entre eles próprios, eles foram sempre muito perigosos. Agora está havendo uma revisão do papel social da guerra entre os grupos arcaicos do Brasil. Em um livro chamado Florestas tropicais, a Berta Ribeiro reviu as questões relacionadas com o porquê da existência da guerra entre os grupos indígenas arcaicos do Brasil. Então é preciso sempre deixar de lado uma visão romântica do índio, a gente tem que ter uma noção da sua cultura em termos dos valores, que são místicos, que são extraordinários, dos seus valores sociológicos, dos seus valores ecológicos muito simplórios, com baixo nível de tecnologia, dos seus valores lúdicos e de seus valores artísticos. Mas há um valor sobre quem pouca gente... sobre qual pouca gente quer falar, é a extrema periculosidade e atitude primária em relação a certos acontecimentos. A irmã do Paulinho Paiakã chegou a ameaçar o presidente da Eletronorte com um facão, certo? Então, nós temos quer ter uma noção do índio polivalente. Eu não acredito que essa selvageria que está sendo dita pela imprensa – e você sabe como eu prezo a imprensa– esteja inteiramente adequada, é preciso examinar isso. Agora, quais as razões por que um índio acompanhado da sua mulher e transportando uma jovem de uma fazenda indígena para a cidade teria tido essas atitudes tão belicosas pessoais? Isso não é comum.

José Paulo de Andrade: Está ligada ao ritual da fertilidade, não é, professor?

Aziz Ab’Saber: Pode estar, pode estar.

Jorge Escosteguy: Como assim?

Aziz Ab’Saber: Eu não aceito o termo estupro no sentido da coisa.

José Paulo de Andrade: É o ritual da fertilidade, [em] que seria preciso se banhar com sangue...

Aziz Ab’Saber: Mais atenção.

José Paulo de Andrade: ...de uma virgem.

Aziz Ab’Saber: Mais atenção às pessoas aculturadas. [Elas] têm que aprender que esse tipo de belicosidade não vai adiantar nada na defesa de seus valores e na defesa dos seus propósitos em relação ao país. Porque eles todos, para se entender entre si, os grupos indígenas falam em português, estão todos integrados em uma sociedade, menos aqueles que estão lá no coração da selva vivendo ecologicamente a sua subsistência.

Luiz Weis: Portanto, professor, não haveria nenhuma razão para que Paulinho Paiakã não fosse julgado como qualquer cidadão branco no país que cometesse o mesmo delito?

Aziz Ab’Saber: Aliás, ele já foi julgado uma vez, porque ele tem razões de concentração de ódios que são comuns na mente do índio, ele já foi julgado uma vez em Belém do Pará por causa daquela visita aos Estados Unidos, feita em companhia de um grande antropólogo, que é o Darrel Posey [(1947-2001) antropólogo e ativista americano, foi um dos primeiros a trabalhar com o termo etnoecologia. Também foi um dos criadores do projeto Kayapó, desenvolvido junto à tribo dos Kayapó, no Pará, onde se promove a prática da economia sustentável]. E foi considerado uma pessoa não-grata ao governo daquela época, tudo isso me deixa com dúvidas sobre a realidade dessa agressão.

Luiz Weis: A pessoa agredida deu uma entrevista...

Aziz Ab’Saber: Provavelmente, há uma...

Luiz Weis: ...na televisão hoje.

Aziz Ab’Saber: Eu não sabia.

Luiz Weis: ...relatando os terríveis detalhes, o horror pelo qual ela passou nas mãos dessa pessoa.

Aziz Ab’Saber: E ela relatou o porquê.

Mauro Chaves: E houve testemunhas, professor, houve testemunhas também.

Aziz Ab’Saber: É isso que eu queria saber.

Mauro Chaves: Houve testemunhas.

Aziz Ab’Saber: Vocês é que poderiam até me orientar, ela estava viajando com uma pessoa que pediu algum recurso.

Mauro Chaves: Não, ele convidou.

Jorge Escosteguy: Ela estava participando de um churrasco na fazenda dele.

Mauro Chaves: Um piquenique, um churrasco na fazenda dele, então a levou e estava acompanhado da mulher, inclusive, uma criança, filho dele de 5 anos que presenciou tudo.

Aziz Ab’Saber: É uma coisa tão lamentável, que eu preferia não...

Mauro Chaves: O senhor seria contra a aplicação do Código Penal nesse caso, se ficar comprovado a culpa dele?

Aziz Ab’Saber: Olha, o nível de aculturação do Paiakã é muito alto, portanto o Código Penal pode ser aplicado, mas, atenção: essa minha opinião é em função de informações, algumas das quais estou recebendo aqui e eu não gostaria... 

Mauro Chaves: Nós não podemos prejulgá-lo.

Jorge Escosteguy: Por favor, o Antony tem uma pergunta para o senhor.

Antony Cristo: Professor, eu queria voltar à questão do Floram para esclarecer uma história que pode ser a história que diz se o Floram vai para frente ou não. O Floram teria nascido a partir de conversas em que o senhor participou [com] o doutor Werner Zulauf, que é colaborador do Floram, inclusive o professor Lutzenberger. O professor Lutzenberger assumiu a Secretaria do Meio Ambiente do governo federal e convidou o doutor Werner para ser o presidente do Ibama. E o doutor Werner, supostamente, foi tirado da presidência do Ibama, porque na primeira entrevista que ele deu foi a favor do Floram. Bom, o professor Lutzenberger foi embora e chegou o doutor [José] Goldemberg [professor e pesquisador do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo], que foi um dos apoiadores do Floram e chamou o doutor Werner...

Aziz Ab’Saber [interrompendo]: Citou duas vezes o Floram no discurso do UFRJ, na semana passada.

Antony Cristo: E chamou o doutor Werner, que está de novo, não como presidente do Ibama, mas como diretor de Recursos Naturais do Ibama, que é quem define, em última análise, as políticas florestais e de recursos naturais.

Aziz Ab’Saber: Perfeitamente.

Antony Cristo: Então, como fica: avança ou não avança? Ou é mais uma questão política?

Aziz Ab’Saber: Já que o senhor fez a crônica da primeira parte da reação do governo sobre o Floram, eu me vejo na obrigação de contar a história um pouco mais completa. O Werner Zulauf, viajando em várias partes do mundo, logo depois que saiu da Cetesb [Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental], trouxe a idéia de um reflorestamento maciço. Junto com ele, o professor Goldemberg, que também estava viajando muito como reitor [da USP] e ouvindo em muitos lugares a questão do reflorestamento, para o qual se dizia que as autoridades mundiais, a ONU e outras organizações, teriam o maior carinho se o Brasil se envolvesse nisso. Então, foi solicitado ao professor Jacques Marcovitch [professor da FEA/USP, foi reitor entre 1997 a 2001], uma pessoa excepcional, que propiciasse um projeto dentro do instituto e eu, como estava lá nas ciências ambientais, fui escalado, quase [como] ex-ofício, para pensar nisso. E daí nos reunimos em um grupo muito pequeno, propiciado também pelas amizades culturais do professor Jacques, o professor Werner Zulauf. E foi com esse pequeno grupo e mais grupos de assessoramento, que fizeram críticas muito pertinentes, que nós elaboramos o Floram. E foi colocado numa primeira reunião oralmente, perante um comitê. Bom, quando o Lutzenberger foi para Brasília, toda a comunidade ambientalista se sentiu muito contente, porque o Lutzenberger é um profeta da ecologia. Ele ainda tem a fala do "small is beautiful", do problema que não se pode utilizar muita água nas grandes cidades, é preciso fazer economia em tudo, na energia e na água etc. E ele tem uma fala impressionantemente bem recebida no mundo, ele é muito mais acatado em qualquer parte do mundo do que, talvez, entre a comunidade ambientalista e ecológica brasileira, que sempre tem lá suas divergências, como em toda parte. E o Werner, que é uma pessoa magnífica, ele tem um espírito muito saudável, enfia embaixo do braço o Floram, porque ele era um dos colaboradores, um dos homens que deu todo apoio ao Floram e trabalhou junto conosco, durante 37 dias, sem interrupção – nem sábado nem feriado–  para fazer os primeiros documentos do Floram, que saíram mimeografados. E ele levou para Brasília pensando que aquilo seria uma grande coisa para a política do Lutzenberger. O Lutzenberger ficou enciumado, essa é a palavra. Os cientistas têm alguns defeitos essenciais, eles podem caminhar para a multidisciplinaridade plena, achando novos horizontes por conhecimento da matéria ou do universo, mas eles são homens e são ciumentos, é uma coisa triste.

Roseli Tardelli: Todos, professor?

Luiz Weis: O senhor também?  

Aziz Ab’Saber: Eu me controlo.

[risos]

Aziz Ab’Saber: Um dia desses eu dizia para a minha mulher, com toda a sinceridade: eu tenho ciúmes das boas idéias, não de quem as faz.

Jorge Escosteguy: Quando o senhor não consegue se controlar...

Aziz Ab’Saber: Para me controlar.

Jorge Escosteguy: ...do que o senhor tem ciúmes?

Aziz Ab’Saber: E tanto assim que eu me controlo, que eu não tomei em consideração a ofensa do professor José Lutzenberger de dizer que o projeto Floram era um projeto de tecnocratas. Eu não me considero um tecnocrata. Eu lutei na base, eu produzo na base, eu nunca estive em áreas executivas do poder e, portanto, não quis receber a pecha de tecnocrata. Foi essa a única grande dificuldade de entendimento que houve entre nós. Mas quando alguém veio me dizer “ataque o professor Lutzenberger”... Não, ele tem uma grande imagem de credibilidade e eu jamais ataquei o professor Lutzenberger em palavras, com palavras tão desagradáveis. Então, o Werner chegou lá com o projeto e o Lutzenberger teve essa fala e 15 dias depois os jornais noticiaram “um grande projeto feito para USP, na USP etc.”. E me disseram que o Lutzenberger tremia com o jornal na mão e no outro dia colocou o Werner Zulauf para fora. É uma história que se conta, talvez existam outras variáveis que eu não conheça, porque política é uma coisa labiríntica, não é? E o Lutzenberger se diz...

Jorge Escosteguy: Conhecedor dos labirintos?

Aziz Ab’Saber: ...envenenado etc. De forma que eu não entro nos labirintos, eu estou defendendo a idéia do Floram. Um ano depois da feitura do Floram, nós regionalizamos o Floram, colocamos o Floram nas diversas faculdades que têm ciências florestais em um grande movimento, com muito apoio do professor Goldemberg, que deu verbas para poder trazer todo mundo para pensar no Floram regionalmente. Conseguimos um convênio com o Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] para obter todas as imagens de satélites referentes àquelas áreas que, empiricamente, em 37 dias, eu escolhi. Porque só eu podia, pelo conhecimento que tenho de Brasil, de quase 45 anos de pesquisa de campo, dizer “essa área pode, essa área não pode etc.”. Então, nós retiramos a Amazônia, retiramos o Pantanal, retiramos o Nordeste, [que acabou] sendo depois reincluído, porque os nordestinos, com muita razão, disseram: “não, é preciso ser reintroduzido, ainda que seja em outra direção” e retiramos todas as áreas rentáveis do país: nenhuma área que é sede regional, que é espaço regional de cana-de-açúcar, de citros, de café, de soja foi incluída no Floram. E o que restou... Nós trabalhamos para identificar áreas e agora nós temos as imagens de satélite através de um convênio com o Inpe de São José dos Campos, um convênio de irmãos institucionais. E, como eu me dedico às fotografias aéreas há mais de 30 anos, eu domino um pouco a técnica de interpretar fotos aéreas, tanto ao estetoscópio quanto em mosaicos, passei da interpretação de aerofotos para interpretação de imagens de satélite.

José Paulo de Andrade: Como ficam as cidades, professor?

Aziz Ab’Saber: Eu tenho um grande prazer.

José Paulo de Andrade: As cidades, como ficam aí, nesse projeto Floram?

Aziz Ab’Saber: Nós introduzimos três coisas fundamentais. Primeiro, o projeto Floram tem uma diretiva relacionada ao bloqueio da desertificação, que foi acontecer lá perto do Livramento, em Alegrete, no bairro rural de São João, e não no Nordeste como nós esperávamos, por razões muito particulares que depois...

José Paulo de Andrade: Com erosão e tudo.

Aziz Ab’Saber: Porque tem arenitos, cuja areia é redonda, fosca dentro do arenito e, com a subutilização dos solos nesses arenitos – primeiro por pecuária extensiva e depois por soja com maquinário – houve uma escarificação laminar do solo e começou uma eolização criando dunas. Quando se criam dunas, é o começo da desertificação e é uma desertificação exclusivamente provocada pelos homens e pela economia através de ciclos que se sucedem. Eu não posso falar muito nisso, porque eu já fui advertido para que eu não seja muito técnico, mas, veja, então o Floram se dedicou a bloquear a desertificação, reabilitar solos, fazer um modelo de social forest [ou floresta social, é um método de reflorestamento que associa o plantio de eucalipto com o de espécies nativas da região para proporcionar a oferta de madeira para a população local], que não existia no Brasil. Era uma palavra que todo mundo tinha como impossível de ser realizada, mas com essa história de ocupação tripartide das propriedades pequenas, médias etc, nós conseguimos incluir um ideário do social forest. Eu não sei se vocês estão acostumados com essa expressão, mas eu posso explicar muito rapidamente. Se você tem um pequeno sítio e quer que seja rentável, lá na região do alto do Paraíba, em Cunha, Lagoinha, São Luís do Paraitinga, minha queridíssima terra, você, naqueles dez ou 15 hectares acidentados, com morros arredondados, com pastagens muito degradadas, você pode colocar uns 12, 15% de árvores em lugares que não sejam as cabeceiras de drenagem. O governo pode fomentar a replantação de espécies nativas na cabeceira de drenagem no canal de escoamento, onde você deixa algumas aberturas para o gado continuar a chegar à água. E, depois, você continua fazendo pecuária e agricultura e, talvez, avicultura – se tiver o resto de um meandro abandonado, até piscicultura. Então, você pega uma propriedade, que era rasa em termos de diversidade e de produtividade e transforma em uma coisa revitalizada, isto é social forest. Porque os filhos daquelas pessoas, para poderem fazer a reintrodução das espécies, eles deverão ter uma escola e as espécies têm que ser doadas, por isso é que precisa ter uma base de economicidade nos outros grandes empreendimentos para que se possa fazer a difusão por níveis de fazendinhas pilotos que aceitem a idéia de revitalização. E se um dia aquele proprietário, que conseguiu ter árvores e vende madeira e sabe tratar da madeira, não deixa a madeira encostada no chão para que os microorganismos da tropicalidade façam apodrecer a madeira, de repente pode surgir um carpinteiro na família e, se um dia surgir um marceneiro, houve a ascensão social que a gente deseja. Isso é o social forest, está certo? Eu sou obrigado [a falar]... é uma história que me agrada muito, quer dizer, transformar as áreas degradadas dos mares de morros que serviram para o café e que perderam a batalha do café por causa do vigor da sua topografia, por causa do sistema de plantar de baixo ao alto e que, de repente, foram transformadas em pastagens extensivas. Eu me lembro que, quando eu morava em Caçapava, segunda terra de minha adolescência, as pessoas que desciam de outras áreas onde existia pecuária mais intensiva, eles achavam que uma boa propriedade era aquela que não tivesse nada de árvores, de arbustos, que fosse limpa e composta apenas de pastos. Só que isso não deu certo nos morros arredondados, com rochas profundamente decompostas e com chuvas bastante grandes, que fizeram a escarificação laminar do solo e, também, fizeram sulcos gigantescos, com as tais voçorocas em alguns lugares. Então o negócio me agrada muito: pensar em revitalizar esse quadro herdado de um passado de várias interferências do homem e da economia sobre a natureza.

Luiz Weis: Infelizmente o mundo e o tempo são finitos.

Aziz Ab’Saber: Exato.

Luiz Weis: Vamos voltar... Eu [pelo menos] gostaria de voltar a falar sobre a ECO 92.

Aziz Ab’Saber: Pois não.

Luiz Weis: Países como os Estados Unidos, quando rejeitam a fixação de metas quantitativas para a diminuição e estabilização das emissões de dióxido de carbono, gases carbônicos causadores do efeito estufa, quando fazem isso invocam explicita ou implicitamente o conceito de soberania nacional: “nós fazemos como nós bem entendemos sobre o nosso território”. Países como a Malásia, que são grandes devastadores de florestas, dizem “não se metam conosco, porque nós continuaremos a abater as florestas que julgarmos necessárias para a economia do país”. Países como o Brasil, quando discutem biodiversidade ou a convenção sobre biodiversidade, invocam também a soberania nacional sobre o controle da biodiversidade compreendido no território brasileiro. Eu gostaria de saber a sua singela opinião, professor.

Aziz Ab’Saber: É singela mesmo.

Luiz Weis: Se, enquanto continuar... enquanto vigorar o conceito de soberania nacional, será possível salvar o planeta?

Aziz Ab’Saber: Eu vou ser muito claro nisso. Essa tecla da soberania é dos Estados Unidos e é nossa. Por anos e anos nós vivemos, inclusive, sobre a pressão desse conceito. Eu tenho para comigo que a grande soberania é a da cultura e da inteligência. Nunca a França se perdeu, apesar de ter perdido guerras e de ter sido invadida. Mesmo países dotados de muitos grupos ignorantes, eles vão perder muitas batalhas no campo da diplomacia e, se eles provocarem tensões nas fronteiras, vão receber alguns resultados negativos. A política de fronteira da Amazônia é tão ruim, que quase desestabilizou a Venezuela.

Luiz Weis: Pois é, professor, como se pode avançar na salvação do planeta...

Aziz Ab’Saber: Então, então, escute bem.

Luiz Weis: ...diante do conceito de soberania?

Aziz Ab’Saber: Então, escute bem. O problema da soberania é o mesmo problema da propriedade privada, que é outra soberania. E o problema é ter boas idéias para que, através e além da questão da soberania, se imponha uma ética planetária. Não existem condições mais no mundo para se pensar apenas no passado e no presente. Eu aprendi com pessoas que eu gostaria de citar, como Roger Bastide [(1898-1974) sociólogo francês. Veio para o Brasil em 1938 integrar o corpo docente da recém-criada Universidade de São Paulo, ocupando a cátedra de sociologia. Escreveu importantes trabalhos sobre o país, dentre eles O candomblé da Bahia e As Américas negras: as civilizações africanas no Novo Mundo], por exemplo, que o grande atributo do homem é a capacidade de registrar o seu passado. Os animais de todas as partes da Terra não têm registro de nada do que aconteceu nos cupinzeiros, dizia o Roger Bastide. E eu penso que o grande atributo do homem nesse fim de século vai ser o de ter capacidade de restaurar o passado, de registrar e pensar sobre o passado, de fazer diagnósticos sérios do presente, regionais e globais. Da escala planetária até a escala do ambiente de uma fábrica, da rua, do bairro, do quarteirão, da cidade da fábrica e da atmosfera. E, nesse sentido, o grande atributo vai ser pensar o futuro. O governador Mestrinho [ex-senador pelo PMDB do Amazonas. Já foi prefeito de Manaus e três vezes governador do estado do Amazonas], que é uma pessoa que teve uma porção de idéias muito pequenas...

Jorge Escosteguy: A Marilei Rodrigues Franco, de Belo Horizonte, pergunta qual a sua opinião sobre as idéias do governador Gilberto Mestrinho.

Aziz Ab’Saber: Eu vou dizer com toda a sinceridade: eu até o admiro muito pessoalmente, sabe. Ele tem uma filha que é bióloga, eu dedico grande admiração por ela, mando as publicações do Floram diretamente em mãos dele para a sua filha, que eu me lembro muito bem dela lá de Manaus. Mas, note bem, as idéias do professor Mestrinho são as idéias do saber comum "pontualizado" - um pouquinho disso, um pouquinho daquilo. Então, não é uma coisa articulada. Se ele diz assim, como disse no Memorial da América Latina ... E aí eu não o perdoei, e olha que sou muito... Eu até tenho simpatia por ele, mas ele dizia: "olha",  no discurso inaugural, perto das autoridades e de um grupo de 300 cientistas ou mais. Eu não sei calcular quanta gente tinha lá, foi a maior reunião científica do Memorial da América Latina, perto do governador Fleury [governou o estado de São Paulo entre 1991 e 1995], que, aliás, fez um discurso de estadista. Deu um contraste grande. Mas ele disse o seguinte: “daqui a 500 anos, as pessoas que viverem por lá, nessa profundidade de tempo, que resolvam os problemas do mundo que eles herdarem”. Aí acaba a ética pessoal, compreende, quer dizer, todos aqueles conhecimentos sobre a integração das cadeias alimentares, faz isso, faz aquilo, tudo aquilo cai por terra. Ninguém,em sã consciência nesse país... quem é que pode dizer que o índio não pode fazer caça, pesca e coleta?

Luiz Weis: E a nossa soberania, professor?

Aziz Ab’Saber: Bom, agora, quanto à soberania. A inteligência que determina novos padrões e os padrões econômicos já quebraram a soberania. Há muito tempo essa questão do mercado aberto, essa questão do capitalismo nas suas relações internacionais já invadiram os espaços nacionais. Agora, quando se trata de questões de preservação do meio ambiente para muito tempo, aí até mesmo as bases ficam do lado da soberania. Eu vou narrar o meu ponto de vista sobre isso como cidadão e também cruzado com um ponto de vista da minha noção de tempo. Quando eu era aluno da universidade diziam coisas absurdas e que hoje a gente já sabe que não podem ser mais reproduzidas. E uma das coisas que se dizia era que a gente planejava para 15 anos , todo mundo achava que o planejamento precisa ser feito até 15 anos, visando o cenário de 15 anos. Bom, os economistas foram reduzindo isso: cinco anos, três anos, dois anos, agora eles prevêem a economia de amanhã para a tarde, dada a alta sensibilidade e erram e fazem as pessoas errarem. Então, eu não estou criticando os economistas, é a complexidade do mundo econômico de países que estão em dificuldades inenarráveis e que não têm mais como utilizar os princípios econômicos ganhos em Harvard ou ganhos na Inglaterra. Porque é outro mundo de ordem econômica e pressionado pelo Primeiro Mundo em todos os níveis, quanto à dívida e quanto à sua falta de possibilidade de sair do lodaçal econômico. Então, veja bem, a minha noção de tempo é ecológica. Eu não penso – e acho que todo mundo que está aqui não vai pensar nisso – eu não penso que os homens possam planejar a sua vivência no planeta terra para 15 anos ou para 50 anos ou para 100 anos. Eu penso na escala desse tempo geológico para o homem e acho, veja bem, que no futuro as tecnologias têm realmente um papel. Eu não sou um homem que adote tecnologias ou que faça a prédica da tecnologia. Nós no Brasil precisamos dosar tecnologia, temos que ser pluralistas, porque senão nós [vamos] fazer morrer uma imensa quantidade de brasileiros que só tem braços. Isso são substituições radicais sobre tecnologia, no eliminar a mão-de-obra, e o pleno emprego será uma utopia. Mas, vejam bem, no futuro, algumas tecnologias sobre alimentos, melhoramento de uma situação atmosférica e ambiental complexas, elas terão um pouco a sua vez, mas o problema não está aí só. O problema está no como nos preparamos eticamente para garantir o futuro das gerações que hão de nos suceder por 15 anos, 50 anos, 100 anos, mil anos, 10 mil anos. A última glaciação foi há 10 mil anos.

Luiz Weis: E a minha soberania, professor?

Aziz Ab’Saber: E complicou toda a história. Então, eu acho que os países têm que encontrar uma negociação em que a sua soberania seja resguardada e que as idéias em relação ao planeta como um conjunto sejam éticas e que favoreçam, em função da própria ética, o reerguimento da pobreza nos países do Terceiro Mundo. É evidente que a pobreza é o maior problema atual do Terceiro Mundo e, sobretudo, do Brasil, um país com 50 milhões de pobres é um país que não tem saída. E sabem como interpretam lá fora os 50 milhões de pobres, dito em uma reunião que eu assisti, um cidadão que é um dos maiores industrialistas de um grande país da Europa Ocidental? Ele dizia “se é que vocês dizem que tem 50 milhões de pobres, é uma maravilha para a industrialização, porque esse pessoal vai oferecer serviço a preço de...”

[...]: Banana?

Aziz Ab’Saber: Eu não quis dizer banana, mas veja, é triste essa falta de ética. Então, nós estamos em um momento em que a adoção de uma ética planetária, que também é uma ética do social; o acabou em função, acabou provisório ou transitoriamente em função do Leste Oeste e, sobretudo, da quebra da organização humana que ele fez na União Soviética. Mas atenção, os princípios do socialismo estão presentes em tudo, todo mundo fala que o primeiro problema a se tratar é a pobreza, mas a pobreza é uma desigualdade dentro da pirâmide, está certo? Então, o socialismo, agora, tem que ser outro e tem que ter outras éticas e outros estilos de negociação. Não pensem os direitistas do mundo inteiro que o socialismo morreu como ideal e como utopia, apenas as estratégias que serão diferentes.

Roseli Tardelli: O senhor acha que essa ética vai vir...

Jorge Escosteguy: Um minutinho, por favor, Roseli, desculpe, eu preciso só abrir uma janela aqui para os telespectadores, que eu estou cheio de perguntas aqui. Eu preciso atendê-los de vez em quando. É o seguinte, professor, são duas perguntas e eu gostaria que o senhor fosse breve. O Sérgio Fortes, a Ana Célia e o Victor querem a sua opinião sobre a questão da destruição da camada de ozônio. O Nilo Condessa e o Luiz Carlos Vieira, também de São Paulo, perguntam a sua opinião sobre energia nuclear, se é de fato ou não uma energia limpa, que evita problemas de poluição?

Aziz Ab’Saber: Olha, eu não sou especialista de estudo da estrutura e da funcionalidade da atmosfera, mas o problema da ampliação do vazio, do "buraco" – como se diz na gíria – da camada de ozônio, é de que ela facilitará a penetração direta de raios que são nocivos, de raios ultravioleta que diretamente vão interferir na saúde pública. Sobretudo na saúde dos homens que são obrigados a trabalhar fora das sombras, fora dos lugares fechados ou cobertos. E, nesse sentido, há uma diferença de intensidade da agressividade dos raios ultravioleta em função da ampliação da camada de ozônio. É isto o principal problema: ela pode provocar câncer de pele, pode... Aquilo que nós vemos nas pessoas muito brancas, que são muito sardentas e que têm um ódio pela sarda quando vivem na região tropical, vai acontecer em termos de câncer de pele e os cientistas sobre isso não têm nenhuma dúvida. Porque eles sabem dos efeitos de radiações em diferentes níveis, desde a radiação de uma tomada radiológica ou radiográfica dentro dos hospitais. Então, a questão da camada de ozônio é periculosidade para o homem no futuro, sobretudo os homens. Ou porque não têm muita informação ou porque não têm muita cultura, eles ficaram mais expostos ao ataque. Quanto à [energia] nuclear, eu queria dizer a vocês algumas coisas. Eu pertenço a um grupo que resistiu à compra de pacotes nucleares no Brasil e fui muito marcado por isso. Eu comecei a trabalhar contra as usinas nucleares que iriam ser instaladas aqui no nosso estado, perto da Juréia e na região de Peruíbe, e eu fiquei marcado, porque não se podia falar mal de uma energia sobre a qual ninguém ainda podia avaliar a sua periculosidade, era uma questão militar, estávamos em plena ditadura. Na véspera de uma reunião que nós tivemos em Peruíbe, os militares desceram em Peruíbe, na Câmara dos Vereadores aperolar [falar bem; embelezar] sobre a vantagem da [energia] nuclear. Então, era uma coisa extremamente delicada, porque nós estávamos, inclusive, um pouco a mercê de uma pressão, que era de um período de recessão. Mas, note bem, nessa ocasião, eu era muito mais "barragista" [a favor da energia movida pela força da queda d’água da barragem]. Um país tropical, em que as precipitações por 92% do espaço total do país são da ordem de 1.500 a 3.500 milímetros, em alguns lugares um pouco mais, da Amazônia até o Rio Grande do Sul, 1.300 milímetros para cima. É um país chuvoso, com rios perenes e com muita possibilidade de barramentos fluviais, sobretudo nas áreas planálticas, mas eu não tinha noção ainda dos problemas da Amazônia. E agora, nesse fórum da UFRJ, eu coloquei os meus pontos de vista. Uma coisa é você pensar em um quadro geográfico muito particular, como é o de São Paulo, e outra coisa é pensar na Amazônia. A Amazônia, apesar de ter baixo relevo, tem áreas que podem ser barradas [para] produzir Tucuruvis gigantescas [refere-se a hidrelétrica de Tucuruvi situada no rio Tocantins], acontece que precisa saber para quem vai vender e quem recebe o impacto do barramento. A história da Amazônia – eu refiz isso algum tempo em termos de espaço – houve uma história pontual e estratégica quando Portugal invade a bacia do Amazonas através de navegação fluvial e de uma epopéia triste e dramática de dominação de um território e dominação de populações regionais e indígenas. Mas, depois do pontual, só depois do século XIX, a partir de 1830, 40, é que houve a expansão dos homens por toda a beira de rios e igarapés da Amazônia. Então, [ao] fazer barramentos você está barrando o lugar da população tradicional, certo? E os solos brasileiros foram muito duros contra barramentos fluviais que, inclusive, não tinham a garantia de ter clientes para a compra daquela energia. A energia tem sido vendida para algumas instalações altamente subsidiadas e aviltadas, enquanto imensas áreas, muito próximas dos próprios barramentos, ainda não têm luz elétrica.

Jorge Escosteguy: Quer dizer, o senhor mudou a sua opinião e agora...

Aziz Ab’Saber: Eu não, eu aperfeiçoei a minha opinião.

Jorge Escosteguy: Mas sobre a energia nuclear, o senhor...

Aziz Ab’Saber: ...Enquanto a energia nuclear...

Jorge Escosteguy [interrompendo]: Não o pacote da energia nuclear, mas a energia nuclear como um...

Aziz Ab’Saber: Vou ser o mais sincero do que eu seja capaz. Como planejador, eu não tenho nenhuma dúvida de que no momento  [em] que algumas nações não puderem mais contar com outros tipos de energia e nem encontrarem energias mais baratas e fartas. Porque a energia solar é muito cara, é extremamente cara e depende de um país de grande nível de vida.  O Japão pode usar energia nuclear e, no entanto, tem 22 mil barragens. Aliás, é um problema que me perguntaram um dia desses :“vocês, ecologistas, não querem barragens no Brasil, mas o Japão tem 22 mil barragens”, só que as barragens lá saem das montanhas e os rios são bastante escavados, então, elas têm altura, mas não têm volume e nem produtividade. E o Japão recorre à energia de três tipos: a energia por barramentos fluviais; a energia nuclear e a energia solar. Eles podem fazer isso, nós não estamos nas circunstâncias de fazer isso para quase nenhuma região do país, a não ser aquelas que já têm energia hidráulicas suficientes. Então, em São Paulo, por exemplo, os barramentos fluviais foram formidáveis, eu acompanhei muito a política energética de alguns governadores desse estado, que não eram políticos e por isso nunca foram considerados como deviam. E eles fizeram o milagre de ocupar os fundos de vales mais pobres do país. No fundo de vales de alguns rios e estirões de rios existiam arenitos paupérrimos, não tinha nenhum ciclo econômico implantado lá. Ao mesmo tempo, tinha doenças tropicais. Então, o conjunto das megausinas hidroelétricas do estado de São Paulo, como eu sempre lembro, elas fizeram o aproveitamento de um solo que não era bom e, além disso, sanearam o fundo de vales e incorporaram o espaço ao espaço social total do estado de São Paulo.

Jorge Escosteguy: Professor, eu vou ter que interromper.

Aziz Ab’Saber: Portanto, veja...

Jorge Escosteguy: Só se o senhor pudesse completar a questão nuclear, porque nós estamos a três minutos do final.

Aziz Ab’Saber: No futuro... no futuro a energia nuclear, certamente, nas circunstâncias [de] que eu lhe falei, ela será utilizada. Só que eu... como brasileiro, eu devo te dizer que o Brasil é um dos poucos países do mundo – e isso eu escrevi em um artigo sobre não à energia nuclear... o Brasil é um dos poucos países do mundo que pode esperar, porque tem outras fontes que podem ser mais diretamente aproveitadas, desde que haja negociações entre os ambientalistas e os técnicos sejam menos tecnocráticos e os ambientalistas sejam menos radicais. Eu não vou falar em “xiita” [facção muçulmana majoritária no Irã, o termo passou a ser usado como sinônimo de radical e intransigente depois de algumas ações incentivadas por seus líderes religiosos], porque não soa como eu gostaria, então dentro dos 500 anos, de 200 talvez ou até de 100, a energia nuclear, em outra fase de tecnologia, deverá ser aproveitada por muitos países.

Jorge Escosteguy: Desculpe, eu pediria, eu pediria aos dois...

Aziz Ab’Saber: Em regiões do mundo.

Jorge Escosteguy: Me desculpe, mas eu não posso... Tivemos vários comerciais sem fazer perguntas, mas o programa está chegando ao final. Mauro Chaves e a Roseli, curto, por favor, e o professor também.

Mauro Chaves: Rapidinho, eu queria aproveitar neste final de programa, porque o senhor é um observador especial da Rio 92.  Quem sabe se o senhor nos desse três informações bem curtinhas, bem rápidas... Por exemplo, com relação ao acordo secreto que estaria sendo tratado entre o Brasil e os Estados Unidos, que levou a desautorização pública do representante norte-americano. A segunda coisa, as acusações que surgiram contra o presidente do Fórum Global que teria desviado recursos para a sua própria entidade, que se chama Our Common Future [nosso futuro comum], quer dizer, ele teria transformado isso em "our private future" [nosso futuro privado]. E, em terceiro lugar...

Aziz Ab’Saber: Our present [nosso presente]...

Jorge Escosteguy: Em primeiro os tópicos, nós estamos em minutos.

Mauro Chaves: Bem rapidinho.

Jorge Escosteguy: Menos minutos do que os seus tópicos, por favor.

Mauro Chaves: E... só uma cifra: qual a expectativa global do dinheiro que se espera que os países pobres? Porque se fala muito em “no money”, então qual o total de dinheiro que se espera para os países pobres nessa conferência?

Aziz Ab’Saber: Você me pede três coisas e eu vou dizer rapidamente. Primeiro, que eu não tenho quase que informação nenhuma.

Mauro Chaves: Do acordo secreto.

Aziz Ab’Saber: Eu só posso lhe dizer que o representante dos Estados Unidos, ao chegar na reunião e observar a amplitude da reunião, a inteligência das pessoas que estavam reunidas, ele mudou um pouco a sua ótica, mas não conseguiu mudar a ótica do presidente Bush. Só isso que eu posso dizer.

Mauro Chaves: Da corrupção?

Aziz Ab’Saber: Da corrupção, eu não acredito diretamente em corrupção, mas acredito em uma coisa de uma certa imperícia, eles estão devendo muito e estão fazendo coisas absurdas, estão cobrando pela entrada de pessoas, de jovens que querem assistir ao Fórum Global... 50 mil cruzeiros, para brasileiro, no momento, que é um desempregado crônico, dentro da mocidade brasileira, isso é uma tristeza, não aumenta a clientela.

Mauro Chaves: E a cifra global?

Aziz Ab’Saber: E a cifra global é um problema muito difícil. O capitalismo é selvagem em toda a parte e quando alguém impede de países de Primeiro Mundo com uma certa taxa do seu PIB [Produto Interno Bruto]... Precisa lembrar que o PIB deles não é o PIB do Terceiro Mundo, então é muito dinheiro e eles são extremos.

Mauro Chaves: Bilhões de dólares.

Aziz Ab’Saber: Bilhões de dólares por ano. Então eles, depois de terem avançado algumas cifras em algumas áreas, como na Alemanha... os alemães estavam dispostos a propor isso, os Estados Unidos estão com muitos problemas. E eu acho o seguinte, os Estados Unidos venceram uma guerra do petróleo [refere-se à Guerra do Golfo] em condições também não muito transparentes, que eu não gostaria de comentar aqui. Mas a guerra contra os ecologistas e ambientalistas do mundo, sobretudo por causa das estratégias, da sinceridade e da globalidade da consciência ecológica, é mais difícil de ser vencida por um país, mesmo que se trate de um grande país da América do Norte.

Jorge Escosteguy: Professor, desculpe interrompê-lo, nós agradecemos muito a sua presença hoje a noite aqui no Roda Viva. Infelizmente o nosso tempo está esgotado e nós estamos em rede. Agradecemos também os companheiros jornalistas e aos telespectadores, lembrando sempre que as perguntas que não puderam ser feitas ao vivo ao professor Ab’Saber, serão entregues a ele após o programa. O Roda Viva fica por aqui e volta na próxima segunda-feira às nove da noite. Até lá, uma boa noite e uma boa semana a todos!

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