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Memória Roda Viva

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Emerson Leão

5/6/1989

Entre ataques e contra-ataques, o ex-goleiro da Seleção Brasileira - e na época treinador do Palmeiras - fala de sua carreira e da até então ótima campanha de seu clube

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[Programa ao vivo]

Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva. O convidado do Roda Viva desta noite é o ex-goleiro da seleção brasileira e atual técnico da Sociedade Esportiva Palmeiras, Emerson Leão. Para entrevistar Emerson Leão nesta noite nós convidamos os jornalistas: Regiani Ritter, repórter e comentarista do Mesa Redonda da TV Gazeta; Alfredo Ogawa, chefe de redação da revista Placar; Alon Feuerwerker, editor de esportes do jornal Folha de S. Paulo; Gênia Winitzki, editora da revista Nova; Luis Alberto Volpe, editor de esportes e apresentador do Vídeo Esporte da TV Cultura; José Góes, locutor e entrevistador da TV Cultura; Silvio Luiz, jornalista e comentarista da TV Bandeirantes; Tonico Duarte, editor de esportes do jornal O Estado de S. Paulo. Emerson Leão tem 39 anos, nasceu em Ribeirão Preto e é uma das personalidades mais polêmicas e um dos goleiros mais importantes do futebol brasileiro. Tem 25 anos de futebol, participou de quatro Copas do Mundo e foi tricampeão em 1970 no México. Foi goleiro, entre outros times, do Palmeiras, do Vasco, do Corinthians e do Grêmio. Começou como técnico em 1987, no Sport Club do Recife. Depois foi para São José e o time ficou em terceiro lugar no Campeonato Paulista. Este ano veio para o Palmeiras e a equipe está fazendo uma excelente campanha, não perdeu nenhum jogo durante esse campeonato e tirou do Corinthians a Taça dos Invictos. Leão, você é considerado um técnico bastante disciplinador e isso, aliás, tem sido uma das queixas que se fazem ao seu método de trabalho. Agora você, como goleiro, em certos momentos, não foi muito disciplinado. Você foi colocado na reserva, por exemplo, pelo Telê, você chiou bastante, reclamou, etc. Você como técnico hoje, aceitaria a reclamação de um jogador eventualmente colocado na reserva por sua determinação?

Emerson Leão: O mais importante é que você deve analisar que as críticas não são por parte dos atletas quanto à disciplina, muito pelo contrário, eles estão satisfeitos com o tipo de cobrança que eu faço, porque eles têm recebido muito retorno nessa mesma proporção, então isso me deixa um pouco mais tranqüilo. Com respeito a você ser titular ou não, naquela época em que eu supostamente teria reclamado, eu acho que o atleta deve sempre se empenhar para ser titular, e quando se acha injustiçado, deve dialogar com o treinador, deve conversar com ele, e não exigir do treinador. E através disso nós estamos mantendo um bom relacionamento no Palmeiras e até agora sem problemas maiores. 

Jorge Escosteguy: Na época do Telê [Santana, (1931-2006), como técnico de futebol, foi campeão regional nos quatro principais estados do Brasil e treinador da Seleção Brasileira em duas Copas do Mundo, 1982 e 1986], você procurou o diálogo com ele quando ele o colocou na reserva?

Emerson Leão: Na oportunidade, o Telê, na realidade, em 1982, não me colocou na reserva. Ele simplesmente não me colocou na Copa do Mundo de 82, porque eu entendia e achava que poderia estar presente. Mas como era a única opção do treinador, você tem que respeitar o treinador, sendo ele certo ou errado. Já em 1986, eu estava com 37 anos de idade, foi, antes de mais nada, uma satisfação pessoal, talvez até uma vitória pessoal, ter reconquistado a condição de voltar à seleção brasileira após muito tempo, pelas próprias mãos da pessoa, no caso do Telê, que não teria me convocado em 82. E isso já significou muito para mim. Mas essa Copa que eu fui, ou seja, a última Copa em 86, me marcou também pelo lado de decepção, ao ponto de ao regressar ao país, regressar ao Brasil e definitivamente encerrar a minha atividade profissional como atleta. 

Jorge Escosteguy: Silvio Luiz tem uma pergunta.

Silvio Luiz: Boa noite, o problema é o seguinte: todo técnico tem uma linha, eu quero saber qual é a sua linha: Fidel Castro, [Mikhail] Gorbachev ou [Benito] Mussolini? [ex-presidentes de Cuba, ex-União Soviética e Itália, respectivamente. O primeiro e o último são conhecidos por regimes ditatoriais e o do meio por ter iniciado a abertura da Rússia ao mundo capitalista]  

Emerson Leão: Nenhuma das três. A minha linha é simplesmente a linha “Emerson Leão necessidade de momento”.

Silvio Luiz: E como você encara o problema de ter querido fazer uma espécie de censura ao trabalho de jornalistas durante um treinamento do Palmeiras, quando solicitou a ele o filme de um incidente havido dentro do seu campo de trabalho? 

Emerson Leão: Bom, primeiro nós não recorremos a uma censura dentro do Palmeiras, porque tem vários companheiros seus que estão todos os dias no Palmeiras e sabem que isso não existe. O que existe naquela oportunidade é que eu, como treinador, eu como responsável de uma equipe, deveria, antes de mais nada, tomar todas as providências necessárias e cabíveis para que as coisas funcionassem mais simples e não mais longas. Eu, sabedor de que no meio esportivo tudo o que se faz em curto se torna longo - naquela oportunidade a que você está se referindo foi o fato de uma briga entre o Gaúcho [centroavante, atuou no Palmeiras entre 1988 e 1989] e o Murilo [durante um treinamento. Naquela oportunidade eu estava distante, foi fotografado por um fotógrafo.

Silvio Luiz: Marcos Fernandes. 

Emerson Leão: Por esse... E, na ocasião, na metade do treinamento, eu me dirigi até ele e pedi a ele: “se for possível” - delicadamente ainda, escrito no outro dia pelo Dinoel, no Jornal da Tarde, me parece - “se for possível, gostaria que você me desse o filme porque só você está aqui, você não faz o futebol no dia-a-dia, e isso não vai levar a nada. Nós estamos às vésperas de uma partida, e isso não leva nada. Pense, e se for possível, no final do treino você entrega”. “Ok”- ele falou assim – “Eu vou pensar”. Quando, para minha surpresa, eu fui até ele e disse: “Como é, está sendo possível ou não”? Ele pegou, me entregou o filme e ainda me pediu que não contasse aos companheiros do trabalho dele para ele não ficar mal com os companheiros de trabalho. Então você vê que foi uma solicitação aceita pelo fotógrafo. Muito bem, como já pertenço ao meio há algum tempo, naquele exato momento eu me dirigi a minha diretoria, dizendo: “existe um filme nesse sentido assim e eu acredito não ter nada dentro. Vai acontecer isso e isso e isso". O que também não teria problema nenhum, porque nós não escondemos o fato depois de ele ocorrer, nós lamentamos o fato. E assim foi. Eu acho que ele tentou enganar, apesar de eu não ter enganado ninguém; faltou primeiro, como um homem, a coragem de dizer para mim: “Olha Leão, você vai me desculpar, eu estou realizando um trabalho jornalístico e eu não vou te dar o filme”. Perfeitamente viável! Eu gosto da palavra franca, e ele não o fez, ele faltou com a responsabilidade, não foi homem suficiente para assumir essa atitude e por isso foi isso. E eu não acho isso uma censura à imprensa, eu acho uma solicitação normal de um técnico que se preocupa com a sua equipe.

Tonico Duarte: Há algum tempo, numa entrevista à revista Placar, você disse que os seus amigos no futebol são seus troféus. Você não tem amigo dentro do futebol, você não fez amigos ao longo desse tempo todo que você trabalhou? 

Emerson Leão: Primeiro, eu não dei essa entrevista na revista Placar porque eu não dou entrevista na revista Placar há mais de dez anos. Então, esse é o primeiro caminho.

[Jorge Escosteguy e outro entrevistador fazem a mesma pergunta]: Por que você não dá entrevista à revista Placar

Emerson Leão: Um minutinho só. Segundo, eu tenho muitos amigos, e mais de 90% desses amigos foram feitos através do futebol e não só com o futebol. Então eu acho que futebol é uma abertura muito grande para que você faça novos amigos. Agora, depende de você cultivar ou não essa amizade. A outra pergunta?

Jorge Escosteguy: Por que você não dá entrevista à revista Placar

Emerson Leão: Eu não dou entrevista à revista Placar já desde o tempo em que eu era atleta, mais ou menos uns dez ou 12 anos atrás, por não concordar com a linha de conduta. Eu acho que é uma revista negativa para o futebol, ela vê um outro ângulo...  Digamos que, se nós jogarmos uma partida - “nós”, que eu digo, é a Seleção Brasileira, nós do Brasil -  90%, e nos 10% que restam dessa partida nós perdemos de 1 a 0, pode ter certeza que essa revista vai enaltecer os 10% negativos a favor da outra equipe e não os 90% positivos. Então é uma linha de conduta que eu não concordo e já tive problemas; logicamente se há de convir que em 25 anos de carreira você tem que ter algum tipo de problema. Se você ficar 25 anos dirigindo uma revista, você vai ter problemas com seus companheiros, então aí está explicado o motivo de eu não dar entrevista.

Gênia Winitzki: Nós estávamos falando de brigas entre jogadores, então vamos falar um pouquinho das brigas das torcidas. A do Palmeiras parece que está sendo um pouquinho ou um tanto quanto selvagem. Eu gostaria de saber se você deixaria a sua mulher, no estágio atual das brigas entre as torcidas, presenciar uma partida em campo? E o que você sugere para aplacar ou diminuir essas brigas em campo? 

Emerson Leão: Eu acho que bom... O programa está bem... só falando em agressividade, né? A realidade é que seguindo a linha do programa...

Silvio Luiz: Não, do programa não, é a linha... 

Emerson Leão: Sua?

Silvio Luiz: Não! Sua! 

Emerson Leão: [risos] Ah, é?! Então tá bom. Realmente nós procuramos sempre uma atividade agressiva, mas agressiva sempre no bom sentido para vencer as partidas. Agora eu acho que realmente está difícil você permitir não só sua esposa, mas principalmente uma família, para ir no estádio...

Gênia Winitzki: [interrompendo Emerson Leão] Alguma vez a sua esposa assistiu a uma partida sua? 

Emerson Leão: A minha esposa assistiu a uma partida minha, sim, no Rio de Janeiro, na época em que eu estava começando na Seleção Brasileira, e depois disso ela não assistiu mais. Agora as famílias estão se afastando dos estádios. Então, se você vai com sua família ao estádio e você tem três filhos, pode ter certeza que no futuro nós teremos mais três torcedores buscando alguma coisa melhor. E com esse problema de organização, de torcida organizada, realmente a coisa dificultou um pouco. Eu acho que nós temos, primeiro, [temos] que não dar tanta ênfase como nós damos a qualquer problema negativo no futebol, principalmente  em se tratando de torcida. Nós estamos cedendo um espaço maior do que o necessário para essas torcidas. Acho também que os problemas que têm ocorrido - vide Inglaterra, um mau exemplo – têm refletido negativamente no nosso país. Mas o brasileiro não é para isso, brasileiro não é para guerra. Acho que nós temos a obrigação, cada um no seu setor, de melhorar. O meu setor será dar à minha equipe, consequentemente à equipe do Palmeiras, consequentemente à torcida do Palmeiras, resultados positivos para que eles vão a campo ver o espetáculo, se sentir alegre e não brigar.

Gênia Winitzki: Você tem dado resultados positivos e mesmo assim... 

Emerson Leão: Não temos conseguido retorno. Mas já nesse último domingo, como eu soube hoje, eles foram até à missa em Novo Horizonte, tiveram um comportamento muito bonito, realmente é isso que nós esperamos. Esperamos também para essa próxima partida, que será quarta-feira, um comportamento agressivo sim, mas agressivo na medida do incentivo, na medida do espírito vencedor.

Alfredo Ogawa: Na verdade eu tenho uma colocação e uma pergunta em relação à violência. Quanto a você não falar com a Placar, isso é histórico para nós, mas eu queria dizer que se você não concorda com a linha editorial da revista é um direito seu. Mas isso também não quer dizer que nós vamos mudar a linha editorial que a gente faz... 

Emerson Leão: Perfeitamente. Não pedi isso.

Alfredo Ogawa: A gente não está aqui só para elogiar... 

Emerson Leão: Não, muito pelo contrário, senão eu não viria aqui só para receber elogios.

Alfredo Ogawa: Mas também não só para criticar, a gente pondera o que é bom e o que é ruim dentro da nossa linha. Criamos problemas, mas a gente assume esses problemas. Agora, em relação à violência da torcida, quando houve aquele problema em Sorocaba, contra o São Bento, o presidente da Federação Paulista, Eduardo José Farah, disse que puniria o clube cujas torcidas causassem problemas no estádio. Em Bragança houve esses problemas e falou-se que haveria uma punição ao Palmeiras, e no fim essa punição não aconteceu. Você teme que isso talvez aconteça, a partir de agora, e isso prejudique não só quem vai ao estádio, mas ao Palmeiras na sua reta final, por exemplo, mudando o [...] de jogo? 

Emerson Leão: Primeiro, a Placar, a linha de conduta da Placar deve ser mantida, porque se a Placar está com uma boa vendagem já, iniciou em 1970, na época do [...], na época do Vital Bataglia, e está até agora, por quê? Ela tem mérito, antes de mais nada. Então, nós não vamos mudar a nossa linha, mas vamos conviver juntos, nós convivemos [em] paralelo. Não quer dizer que eu não saia na sua revista, e que a sua revista não coloque coisas minhas. Agora, com respeito à punição do Palmeiras, realmente a Federação ia tomar algumas atitudes, porque estava no regulamento. Só que eu não vejo como tomar uma atitude contra a entidade Palmeiras porque nós entramos em campo, e dentro do campo não teve nada entre os jogadores, não foi um problema criado pela parte diretiva, ou pela parte técnica, ou pela parte dos atletas. Então não tem como punir o Palmeiras e muito menos porque não era no seu estádio. Sei também que a recíproca seria verdadeira, sei também de que não é o certo. Agora o Palmeiras não deve ser punido por uma coisa que não fez; a sua torcida, sim. Nós não podemos classificar como torcida do Palmeiras todos os que estão de verde, nós temos que entender isso. Acho que houve excesso, acho que houve exagero, acho que algumas coisas foram acertadas e acho também que não teremos mais esse tipo de repetição negativa.

Luis Alberto Volpe: Esse estado de alerta permanente que você cobra dos jogadores - vitória sempre - essa tensão toda não desgasta a relação entre os jogadores, entre você e os jogadores? E você acha que de alguma forma essa tensão, esse estado de espírito pode passar para o torcedor, para a clientela? 

Emerson Leão: Eu não parei ainda para pensar desse jeito, ou nesse sentido. Realmente eu cobro um estado de alerta, guarda alta, como eu costumo dizer a eles, sempre. Eu acho que o atleta profissional tem condição de trabalhar no seu limite máximo de rotação ou de capacidade. Então nós temos que estar sempre cobrando desse atleta, mas a cobrança é uma cobrança saudável, uma cobrança de posicionamento de ordem individual, um posicionamento de ordem coletiva dentro do campo. Eu acho que isso pode até desgastar o atleta em alguns aspectos, mas não desgasta o relacionamento entre a parte diretiva e a parte do atleta, porque ele gosta de ser cobrado. Você há de convir que você já cansou de ouvir falar “eu não faço nada, aquele treinador não me cobra”. O atleta gosta de ser cobrado, porque ele está sabendo que tem alguém ou algumas pessoas interessadas numa produção maior do que aquilo que ele possa dar. Eu acho que todo jogador tem reserva de qualidade, e a nossa obrigação é extrair essa reserva de qualidade que ele tem, inclusive no seu subconsciente, que talvez esteja adormecido ou esperando alguém despertar. Eu lido muito com isso, trabalho nessa rotação alta que você falou. Mas não tenho sentido um desgaste maior e não procuro com isso passar para a torcida, porque eu peço até que a torcida nos cobre empenho, dedicação, comparecimento, mas não necessita cobrar resultados positivos, porque se você tiver condição, comparecimento, esforço, sacrifício, o resultado vai chegar.

Regiani Ritter: Voltando ao aspecto da torcida, eu acho que o clube tem uma certa responsabilidade no que faz hoje o torcedor do Palmeiras. Isso porque até bem recentemente havia torcedor do Palmeiras, de torcida uniformizada, registrado como atleta do Palmeiras. Foi feita uma denúncia de conhecimento público e isso pela atual diretoria. Havia torcedor com carteirinha de atleta treinando no Palmeiras, inclusive.  Há um espaço no Palmeiras que a atual diretoria tenta desocupar, tenta desalojar torcidas uniformizadas que usam esse espaço, que pleiteiam esse espaço definitivamente, até em usucapião, já foi falado. Então acho que a diretoria do Palmeiras, a entidade, tem sim um vínculo. Pode ser erro do passado, mas vivemos pagando, a exemplo do país, por erros do passado, mas tem [que pagar]. Agora gostaria de falar da sua trajetória como técnico. Fala-se muito no Sport, quando o Leão estreou como técnico, e foi muito bem, [no] São José foi muito bem, mas houve uma passagem curta e rápida pelo Coritiba antes de o Emerson Leão assumir o Palmeiras - onde vai muito bem. O que aconteceu no Coritiba, Leão? Nós nos esquecemos, a passagem foi muito rápida ou não foi boa? 

Silvio Luiz: Passou rápido pelo Guarani também, entrou de manhã e saiu à noite, foi uma passagem rapidíssima...

Regiani Ritter: Exato, Sílvio, boa lembrança, entrou de manhã e saiu à noite no Guarani. Então essas duas passagens- foi boa lembrança do Sílvio - Coritiba e Guarani. 

Emerson Leão: Talvez tenha sido uma parte de desamor, podemos assim dizer. No Coritiba eu passei quase três meses. Cheguei lá pensando, tentando inovar, [com] uma concepção mais realista do futebol atual. E na realidade o Coritiba - [como] dito antes de ontem por um repórter que passou por São Paulo e me telefonou para me cumprimentar pela campanha do Palmeiras - que o Coritiba não estava preparado para o tipo de profissionalismo que eu queria realizar dentro do Coritiba. E então nós começamos substituindo algumas peças, tentando implantar um regime profissional e o Coritiba não estava preparado para aquele teste. E foi um teste não só para o Coritiba, mas também para mim. Eu acho que nós temos que procurar, às vezes, os lugares para se identificar. Apesar de não ter sido muito duradoura, essa passagem me levou a algumas coisas interessantes em termos de observação. E quando saí do Coritiba o time estava classificado no quarto lugar do Campeonato Brasileiro. Então o resultado estava bom, mas em relação à conduta não estava. Eu não estava satisfeito, eu estava atrapalhando uma diretoria que queria exercer um outro tipo de trabalho, e esse trabalho eu não permitia, então existiu um conflito de pensamentos, de critério. E é mais fácil, logicamente, sair uma pessoa do que sair todo mundo.

Regiani Ritter: Mas você não saiu brigado de lá? 

Emerson Leão: Não, nós decidimos... nós decidimos, não, eu pedi uma reunião com o presidente. Fui de manhã, às 8 horas, e falei: “gostaria de comunicar ao senhor que eu não vou mais continuar”. Ele falou: “Quando”? Eu falei: “agora. Eu estou indo para São Paulo à tarde”. “Por quê?” “Porque fica mais fácil para o senhor”, aquele negócio todo. “Ah, tá bom, Leão, e tal”. E foi assim que nós resolvemos a situação.

Regiani Ritter: É que parece que ele teria dito depois que você deixou o Coritiba no meio do caminho. 

Emerson Leão: Não, porque o Coritiba estava na sétima rodada e em quarto lugar; nós tínhamos mais vinte e poucas rodadas, eu acho que isso não quer dizer “no meio do caminho”, acho que nem no princípio estava chegando.

Jorge Escosteguy: E no caso do Guarani? 

Emerson Leão: Com o Guarani eu não cheguei, não entrei. O presidente naquela oportunidade achou melhor nós não iniciarmos porque ele pensava de uma maneira e eu pensava de outra; ele disse que nós não íamos combinar. E eu achei interessante e verdadeiro [da parte] dele, desejei boa sorte para que o Guarani conquistasse o mais rápido possível um título. Depois, por força do destino, nós fomos disputar, o Guarani acabou ficando em segundo lugar, e a equipe de São José que eu dirigia na época acabou ficando em terceiro lugar. Mas o Guarani continua sendo um grande clube, um excelente time e que um dia vai chegar novamente a ser campeão.

Jorge Escosteguy: O Alon queria fazer uma pergunta, depois o Góes, e a gente completa a roda. 

Alon Feuerwerker: Gostaria de voltar um pouco ao assunto da disciplina. Você procura sempre veicular, sempre colocar o ponto disciplina como central no seu trabalho. Mas os jogadores do seu time, no Palmeiras, até agora em 22 jogos do campeonato, têm 60 cartões amarelos, uma média de quase três por jogo. Entre os 12 finalistas do campeonato seu time é o que teve mais jogadores expulsos até agora, teve cinco jogadores expulsos. O que acontece, Leão? Você não consegue transmitir essa necessidade da disciplina ou a disciplina é só no treinamento e deixa de haver no momento em que eles entram em campo para jogar?

Silvio Luiz: É de uso interno? 

Emerson Leão: Respondo para você [Alon] ou para o Sílvio?

Silvio Luiz: Para ele, eu fui na esteira, no vácuo...

Emerson Leão: Nós temos que entender o seguinte, você fez uma estatística para fazer essa pergunta, correto?

Alon Feuerwerker: Uma estatística que está disponível aí para qualquer um. 

Emerson Leão: Tudo bem. Vamos partir do princípio que são os números, só que esses números não dizem ou não informam como esses cartões amarelos foram conseguidos. Na realidade, 20% desses cartões amarelos foram por uma agressividade para com o adversário, outras foram ou por um chutinho a mais na bola, [por]que agora os árbitros estão mais rigorosos, ou por uma indisciplina de ter respondido ao árbitro do futebol. Enfim, 20% foram conquistadas através de jogadas mais violentas, no caso interpretadas pelo árbitro; outros por cartões necessários, para uma queima, para completar o ciclo de três cartões. E as expulsões: o Gaúcho foi expulso em dois jogos por um problema pessoal com seu marcador, então, um fato isolado. Fora isso, eu acho que está perfeitamente respondido e, acredito eu, compreendido.

Alon Feuerwerker: Agora, uma dúvida que me ficou.  

Emerson Leão: Vamos esclarecer a sua dúvida.

Alon Feuerwerker: Vamos imaginar o Leão [como] técnico da Seleção Brasileira. Você sabe que numa Copa do Mundo com esse índice de cartão amarelo você iria ter que jogar a final com um time reserva. 

Emerson Leão: Por isso que eu treino todos os atletas, não só os 11 titulares. Eu acho que a necessidade de ter na Seleção Brasileira 22 capazes é justamente por isso. [Para] Nosso país conseguir 22 jogadores capazes não é difícil. Agora, também não gostaria de ser campeão moral.

Jorge Escosteguy: Góes tem uma pergunta para você. 

José Góes: Antes, como atleta, e agora como jogador, você sempre teve a preocupação de se apresentar bem diante do público, aparecer bonitinho, [com] roupas de grife, sapato, cabelo arrumadinho. É uma questão de vaidade pessoal ou marketing que você procura formar para vender a sua imagem dentro do esporte? E até que ponto a sua família participa dessa sua preocupação, a esposa, as filhas, dando conselho, ajudando na escolha da roupa, da cor?

Emerson Leão: A minha preocupação são os dois lados. Primeiro com a imagem, eu sou realmente uma pessoa que se preocupa com a imagem, uma pessoa que vende uma imagem, eu participo dessa imagem. Eu faço parte, dentro da minha profissão, de uma atividade paralela ao público, nós temos uma responsabilidade muito grande. Outro dia eu estava citando um exemplo aos jogadores de que se um filho seu, de dez anos de idade, ou uma filha vai ao estádio para ver um atleta, e esse atleta é esperado com tanta ansiedade, e quando ele deixa o vestiário ele deixa o vestiário travestido, e não vestido - essa que é a verdade, pode ter certeza - vai causar uma decepção muito grande nesse jovem, nessa criança que tem o ídolo como um fator maior do seu momento no esporte. Uma má figura representa logicamente má imagem, então me preocupo sempre com esse tipo de imagem. Logicamente faz parte do marketing também, porque andar bem vestido... 

José Góes: Impõe mais respeito?

Emerson Leão: Dá uma alegria na pessoa que o vê, e dá um respeito logicamente, até um sabor de - como eu poderia dizer para você? - de satisfação em ver o seu ídolo corresponder à sua expectativa. 

José Góes: O seu pessoal ajuda na sua escolha?

Emerson Leão: O pessoal da minha casa tem o seu lado positivo nisso, mas só o de casa é meio difícil, porque eu pouco paro [em casa]. Eu sou um pouco mais conservador, e a juventude de hoje é um pouco mais moderna. 

Jorge Escosteguy: Temos aqui várias perguntas da torcida do Palmeiras e boa parte delas... eu tenho aqui seis perguntas: o Murilo de oito anos, de Cerqueira César; o Sílvio César de Paula, da Vila Carrão; Edson Martins, de Santo André; Marcos Grape, não diz de onde é; Luciano Reolon, do Alto da Lapa; e João Luis Borin, de Jundiaí. Eles querem saber o seguinte: se você protege o Gaúcho e por que você tira tanto o Neto do time se ele joga tão bem?

Emerson Leão: Eu acho que eu não fui a nenhum lugar que eu não tenha respondido a essa pergunta ou não tenha sido feita essa pergunta... 

Jorge Escosteguy: Quer dizer então que a dúvida sobre essa questão continua.

Emerson Leão: Vamos tentar pelo menos esclarecer em partes, se for possível. Nós não protegemos ninguém lá. Nós temos uma condição de igualdade, e isso que dá ao atleta a importância dele, isso que dá a preocupação de nós termos mais de 11 atletas, porque a igualdade existe e nós precisamos cultivá-la em todos. O Gaúcho é um centroavante definidor. Realmente não atravessa a melhor das suas fases, mas mesmo não atravessando sua melhor fase tem conferido, fez dez gols, é o terceiro artilheiro do campeonato, tem uma presença. Ontem, por exemplo, nós não vencemos a partida, mas nós tivemos a possibilidade de gol, por três vezes, no pé do Gaúcho. Isso significa uma presença de área muito grande. 

Jorge Escosteguy: Significa eventualmente que ele perdeu três vezes o gol também. 

Emerson Leão: Perdeu, mas ele só perdeu porque esteve próximo ao gol. Eu fico chateado – eu sou um pouquinho diferente talvez – eu fico chateado no dia em que ele não perde nenhum, porque ele não compareceu à área, não esteve presente na sua zona de trabalho. Então um dos motivos é esse [por]que eu não tiro o Gaúcho. E quando necessita, ele pode sair aos cinco minutos de jogo, como pode não sair. A respeito do Neto, que eu também acho um craque de bola, nós não temos que ver só o craque de bola individualmente, nós temos que ver o craque de bola coletivamente. E o Neto, quando saiu, é porque estava devedor. Agora nós sabemos que ele é o titular da equipe, mas nós precisamos ter mais de 11 titulares. E quando nós necessitamos mudar a condição tática da equipe... ou sai o Neto, ou sai o Gaúcho, ou sai o Caçapa, como saiu ontem, e pode sair qualquer um.

Jorge Escosteguy: O Silvio Luiz, por favor, tem uma pergunta. 

Silvio Luiz: [primeiro bebe um bom gole de água] Você falou que não gostaria de ser campeão... [alguém observa que ele está com sede] A sede era... calor, comi agora uma pizza de aliche, [estava] meio salgada [risos]. Você falou que não gostaria de ser campeão moral, mas você tem esse título. Em 1978, afinal de contas, o Brasil foi campeão moral na Argentina, quer dizer, você não pode negar o título, já o tem. Agora, a pergunta não é bem essa, não,  isso foi apenas um lembrete.

Emerson Leão: É uma crítica, né? 

Silvio Luiz: Não é uma crítica não. Imagine!, quem sou eu para criticar o Leão? Pelo amor de Deus! Quando você jogava...

Emerson Leão: Obrigado, Silvio. 

Silvio Luiz: ... e eu me lembrava de determinados gols que você sofria, você nunca teve culpa em nenhum gol que você tomou, segundo suas declarações após os jogos. Se era de noite, [era] a luz do refletor, [era] o zagueiro que ficou na sua frente - coitado do Luís Pereira! - ou o campo, [por] que tinha lá um morrinho. Quero saber se no instante em que você perder no Palmeiras, você é daqueles técnicos que dizem o seguinte: “eu ganhei, nós empatamos e eles perderam”?

Emerson Leão: Silvio, eu me lembro de você apitando também, e que várias vezes você declarou que não estava impedido e estava, que não tinha pênalti e tinha... 

Silvio Luiz: Mas eu reconhecia. O problema é que você nunca... Qual foi o grande frango da sua vida, vamos simplificar a pergunta.

Emerson Leão: Não, agora não vamos, agora vamos esclarecer a pergunta. [risos] Eu lembro também de vários jogos em que aconteceu inversão de resultado por uma falha sua. 

Silvio Luiz: Resultado não. Quero que você aponte uma inversão de resultado por minha causa agora. Eu aponto 200 gols...

Emerson Leão: Por uma falha sua, por uma falha sua e que você achava que não era falha, mas que o outro lado achava. O mais importante é você achar que falhou. 

Silvio Luiz: O que você nunca achou...

Emerson Leão: Só que tem poucas pessoas capazes para julgar um goleiro. 

Silvio Luiz: É que você nunca achou.

Emerson Leão: Deixa eu acabar de falar, Sílvio! 

Silvio Luiz: Pode, desculpe.

Emerson Leão: Tem poucas pessoas capazes de julgar um goleiro. Por exemplo, você é uma pessoa que não tem condição de julgar um goleiro... 

Silvio Luiz: Também acho.

Emerson Leão: ... porque é específico, é difícil, eu não estou querendo agredi-lo. Eu estou falando uma coisa sincera. 

Silvio Luiz: É a mesma coisa dizer que você não tem condições de julgar uma arbitragem, porque é específico, é a mesma coisa.

Jorge Escosteguy: Sílvio, um minuto só, deixe o Leão responder, e depois... 

Silvio Luiz: Já tomei cartão um cartão amarelo, [risos] tá vendo, por sua causa, dentro dos 20%, [por] agressividade.

Emerson Leão: Então é o seguinte... mas às vezes é bom. Eu já tomei muitos gols, muitos gols mesmo. É que nem sempre nós estamos podendo explicar a toda hora. Eu acho que existe uma diferença entre você tomar um gol e ser um frango de uma falha. Falha todos nós podemos cometer; às vezes, frango, ninguém desejaria tomar, mas ele acontece. Então eu tomei,  por exemplo, no jogo – já que você quer um frango meu...  

Silvio Luiz: Um frango, não.  Quero [um exemplo] em que você tenha a culpa. Frango é uma coisa muito difícil porque você era um bom goleiro.

Emerson Leão: A culpa eu tive num jogo contra o Atlético Mineiro em que eu deixei a bola passar debaixo das minhas pernas em um chute de longe. Por que eu fui culpado? Porque eu me preocupei, primeiro, em repor a bola para um companheiro, para pegar o contra-ataque, e muito menos em tentar defender uma bola muito fácil. E que naquela circunstância, até me lembro, e você deve se lembrar, eu falei: “poxa, hoje eu tomei um frango que até uma mulher grávida defenderia”. 

Silvio Luiz: Foi uma frase que ficou na história.

Emerson Leão: Tá vendo? Então você vê que você lembra que eu reconheci.  

Silvio Luiz: Mas era difícil de reconhecer. [risos]

Emerson Leão: Está vendo que você lembrou?

Silvio Luiz: Mas era muito difícil.

Emerson Leão: O mais importante é que você lembrou, eu estou satisfeito. 

Silvio Luiz: Aliás, você só lembrou desse fato porque foi pelo meio da perna.

Emerson Leão: E não foi um só, foram vários. 

Silvio Luiz: Esse da mulher grávida eu lembrei porque foi pelo meio da perna.

Tonico Duarte: No vácuo do eco do [...] do Sílvio... Leão, quando você jogava no Grêmio, você ganhou de alguns zagueiros, seus companheiros de equipe, o apelido de Jesus Cristo, por quê? 

Emerson Leão: Não é verdade. Por exemplo quem?

Tonico Duarte: O Baideck [Jorge Baideck, jogou pelo Grêmio no início da década de 1980. Foi campeão intercontinental em 1983].

Emerson Leão: O Baideck no meu tempo era juvenil, não jogava comigo, você está enganado.

Silvio Luiz: Não falei que ele não tinha culpa? 

Emerson Leão: Estou esclarecendo, ele que é mal informado neste exato momento.

Tonico Duarte: Não seria porque quando você tomava gol, você abria os braços [abre os braços na horizontal]? 

Emerson Leão: Não, vamos ao outro zagueiro.

Tonico Duarte: Leão, essa história me foi contada por um zagueiro. 

Emerson Leão: Ah, bom, então não sabe! Está certo [com ironia], agora eu posso te explicar. Talvez até por [eu] ser de origem italiana, nós gesticulamos muito. Você vê aqui estou falando e estou abrindo os braços, é uma característica minha. Eu gostaria que você continuasse observando todos os jogos que você acompanha, e você vai ver que é uma característica dos goleiros, e todo goleiro deve se preocupar em alertar, em comandar a defesa porque faz parte da necessidade dele. E hoje os treinadores de goleiro também treinam esse tipo de orientação.

Luis Alberto Volpe: Você mudou muito passando de jogador a técnico? Hoje você é um cara mais flexível, menos durão? O que é que mudou na sua cabeça? 

Emerson Leão: Hoje sou bem mais velho também, essa é que é a verdade. Nós já percorremos uma distância muito grande dentro do futebol. Só o fato de eu ter, como profissional, 25 anos na minha carteira, já me dá um conhecimento e um lastro para você observar. Na minha condição hoje de treinador eu sou obrigado e tenho por necessidade ser um pouco mais flexível, um pouco mais compreensivo. Porque, na realidade, dentro de uma equipe, eu passo a ter um escalão de chefe, na parte da equipe de treinador. Então você tem que entender, às vezes, algum jovem, um atleta que não está num dia favorável, que ele tem o direito de errar. Que ele às vezes se torna rabugento na medida em que até não compreende a situação de momento, ou às vezes de reserva, ou às vezes titular. Então o treinador precisa ter um pouco disso, ter mais flexibilidade, ser mais compreensivo, ter um pouco de psicólogo, um pouco de amigo, um pouco de chefe. Enfim, eu acho que isso faz parte dos requisitos necessários para ser um treinador de futebol.

Gênia Winitzki: O José Góes fez uma pergunta a respeito de vaidade, eu gostaria de voltar a isso. Você fez uma declaração, há algumas semanas, a uma revista, dizendo que quando você se olhava no espelho não se importava em ser bonito ou feio, você queria mais era ter cara de homem. Homem não tem cabelo branco? [risos] 

Silvio Luiz: Vai mexer com a experiência aqui eu vou botar a baiana pra rodar.

Gênia Winitzki: Porque eu acho absolutamente contraditório você dizer isso e tingir o cabelo. 

Emerson Leão: Vamos tentar explicar essa contradição toda. Você é italiana? Não, né? Pelo seu sobrenome, acho que não, mas fala bem com a mão também.

Gênia Winitzki: Não, não, mas meu avô materno é grego, então eu acho que eu gesticulo bastante também. 

Emerson Leão: Tudo bem. Realmente eu disse, não disse para o espelho, não, eu disse para o repórter. Ele me disse: "Leão, você se acha bonito? Leão, você se acha feio"? Eu disse: “olha, eu não me acho nem feio nem bonito, eu me acho com cara de homem”. O que é cara de homem? Cara de homem é aquele que não tem um rosto para manequim, que está toda hora passando base, que não pode tomar sol porque a fotografia não fica legal. Então acho que homem é aquele do dia-a-dia, aquele que marca sua presença com o passar do tempo e não enche os olhos na primeira olhada e depois esquecem, entendeu?

Gênia Winitzki: Não. 

Emerson Leão: Não entendeu ainda? Então está difícil de explicar.

Gênia Winitzki: Por favor. 

Emerson Leão: Recapitulando, vai. Eu acho que eu me sinto não uma pessoa muito frágil. Pronto, está respondida sua pergunta.

Gênia Winitzki: Mas você é um homem vaidoso. 

Emerson Leão: Sou. Aliás, por eu ser vaidoso, na época em que comecei a escurecer o cabelo... que por sinal já faz 14 anos, muito prematuramente o cabelo branco apareceu, quando eu tinha 25 anos de idade, uma herança do meu pai, eu sou o mais novo da família e o que tem o cabelo branco. Eu trabalhava com o público, tinha 25 anos de idade e era goleiro do Palmeiras e goleiro da Seleção Brasileira. Como um jovem ia entender uma pessoa de 25 anos de cabelo totalmente branco? Poderiam pensar até que eu era Papai Noel em época diferente.

Gênia Winitzki: O Silvio Luiz vai se matar. 

Emerson Leão: Então, esse tipo de preocupação, essa vaidade me levou a escurecer meu cabelo.

Silvio Luiz: Ele acha que eu tenho cara de Papai Noel aqui. 

Emerson Leão: E também hoje eu tenho na minha casa duas filhas que não gostam de ver o pai de cabelo branco, então eu estou ajudando os dois lados.

Jorge Escosteguy: Aproveitando essa questão de vaidade, Marcio Monteiro, do Paraíso, ele aproveita também essa mesma entrevista que você deu à revista Veja, se não me engano, em que você declarou que é elegante porque é culto. Ele pergunta o que você acha da cultura do Antônio Ermírio de Moraes [empresário brasileiro, dono de um dos maiores grupos empresariais do Brasil, o Grupo Votorantim. Fala-se que ele usa sempre um velho terno surrado]? 

Emerson Leão: Não, eu não me lembro de ter respondido... [mostra-se confuso, hesitante]

Gênia Winitzki: Essa é a pergunta que eu iria fazer também. 

Emerson Leão: Eu não o conheço, assim, pessoalmente, mas eu não me lembro de ter respondido esse tipo de pergunta. Agora, se eu respondi esse tipo de pergunta, devo ter sido mal interpretado. Eu acho que ser elegante... talvez nós estivéssemos falando de outro nível de elegância, de comportamento, de ser cavalheiro ou alguma coisa assim, e não em relação à  roupa ou qualquer outra coisa assim.

Alon Feuerwerker: Em 1982 você foi para a Espanha, não como goleiro mas foi como comentarista, escreveu como colunista. Eu lembro de duas coisas que você disse: um dos seus grandes dramas foi ver o Batista e o Paulo Isidoro, que eram seus companheiros de Grêmio naquela época, no banco. E você disse também que nunca mais iria a uma Copa se não fosse como jogador de futebol. Naquela época você foi - vamos dizer assim - um pouco jornalista. Você aceitaria, como aquele jornalista que você foi naquele momento, se o Telê dissesse para você “pode escrever isso ou pode deixar de escrever isso”, comparando um pouco com o que você procurou fazer, da forma como você descreveu, com o repórter fotográfico que fotografou a briga do Gaúcho com o Murilo no treino do Palmeiras? 

Emerson Leão: Eu não entendi a sua pergunta.

Alon Feuerwerker: Você procurou evitar que o repórter fotográfico levasse para o jornal dele uma fotografia retratando uma briga do Murilo com o Gaúcho. Você procurou, de uma certa forma, influir na atividade profissional daquele repórter fotográfico. Mudando a situação, você como um jornalista na Copa de 82, aceitaria que o Telê lhe dissesse: “Leão, eu acho que você deve escrever aquilo ou deixar de escrever aquilo sobre a Seleção Brasileira”? 

Emerson Leão: Não, não aceitaria, só que não mentiria a ele.

Silvio Luiz: Não mentiria em que sentido? Dar um filme sem nada? 

Emerson Leão: Apenas não deixaria de assumir a minha condição de repórter. Eu estava trabalhando, eu ia trabalhar como repórter até o final. As conseqüências na época não estavam importando, ou na hora não estavam importando, somente isso.

José Góes: Com toda a sua postura de técnico disciplinador, que exige tudo certinho, se num momento de concentração, véspera de um jogo importante, se algum atleta solteiro chegasse e pedisse a você o seguinte: “Olha, eu tenho uma festinha de aniversário da colega de faculdade ou uma garota me convidou para tomar um lanche na esquina. Posso sair e tal?" Você daria sinal verde ou vermelho? 

Emerson Leão: Primeiro, nós precisamos ver o grau de relacionamento que nós teríamos na época. Eu acho que isso não levaria à morte de ninguém. Isso é perfeitamente viável, desde que nós possamos estabelecer e conseguir uma confiança mútua. Eu não gostaria de ver traída minha confiança por um atleta.

José Góes: Você estabeleceria um horário para ele chegar? 

Emerson Leão: Para simplificar mais, se eu tivesse um atleta que estivesse concentrado para uma partida que será realizada amanhã à noite, e nesta noite aparecesse, digamos, uma namorada ou uma mulher sensacional que ele quisesse conhecer um pouco mais, talvez essa mulher fosse a Brooke Shields [atriz norte-americana, cujo filme mais conhecido é A lagoa azul (1980)] – por eu ser fã dela, estou citando como exemplo. Eu acho que não teria nada de mais, eu daria liberdade a ele porque teria a confiança e seria sabedor de que ele não iria exagerar nessa confiança dada pelo treinador. Eu acho que isso é perfeitamente viável dentro do diálogo, eu acho que não iria fazer mal nenhum.

José Góes: Uma vez proibiram o Zico, que estava concentrado no Embu, de fazer exames na faculdade no Rio. 

Emerson Leão: Eu acho que isso...

José Góes: [interrompendo Leão] Você consentiria? 

Emerson Leão: ... seria ignorância, é um pouco diferente.

Alfredo Ogawa: No futebol deste país, no Brasil, é muito fácil você ver dirigente gostar de um jogador calmo e tranqüilo, que não dê problemas. É o caso que... eu acho que você não se encaixa nesse aspecto. Você tem consciência de que, desde 1965, quando você iniciou a carreira de jogador, até hoje, 1988, muitas portas ou muitas oportunidades podem ter sido fechadas para você por causa do seu temperamento, fora a sua personalidade forte? E se isso aconteceu, quais seriam esses casos? 

Emerson Leão: Pode até ser. Quanto tempo você está no Placar, só para saber?

Alfredo Ogawa: Desde 1986. 

Emerson Leão: Desde 1986, tá bom. Eu acho que cada um fecha e abre portas de acordo com a sua capacidade, seu relacionamento. Eu posso até aceitar que talvez algumas portas tenham sido fechadas a princípio, mas depois que você consegue através de diálogo, através do trabalho, demonstração, essas mesmas portas se tornam mais abertas do que estavam anteriormente. Desde que conheçam sua personalidade, desde que conheçam sua maneira de trabalhar e principalmente a sua honestidade.

Alfredo Ogawa: Você pode citar algum caso? 

Emerson Leão: Se eu posso citar algum caso? Olha, a minha volta para o Palmeiras, a minha volta para a Seleção Brasileira são casos específicos. Eu trabalhei a princípio nove anos no Palmeiras, deixei o Palmeiras, e depois voltei, cinco anos mais tarde, para voltar a trabalhar no Palmeiras. Eu trabalhei, ao todo, treze anos no Palmeiras, e hoje fui novamente convidado a ser o técnico do Palmeiras. Então... esse tipo de fechar portas, entre aspas, aconteceu na época. O mesmo com a Seleção Brasileira: se eu não fui convocado, por uma opção, em 1982, isso não quer dizer que eu não poderia voltar em 1986. Então eu fiz um trabalho novamente, de reconstrução, reprogramação para voltar. Então eu acho que são dois exemplos bons para você.

Jorge Escosteguy: Aqui três telespectadores: o Pedro de Oliveira, da Vila Sônia; Luiz Roberto, de Pinheiros; e o Cláudio Rocco, do Morumbi, querem saber por que você brigava tanto com o Serginho Chulapa [foi centroavante do São Paulo, Santos e Corinthians], se aquilo era só dentro de campo ou vocês se odeiam, principalmente depois que ele deu aquele pisão em você. 

Emerson Leão: Por incrível que pareça, nunca briguei com Serginho. Ele era uma pessoa que eu respeitava como atleta, era um adversário difícil de ser enfrentado, era um centroavante canhoto e todo o centroavante canhoto é perigoso. Serginho tinha seu temperamento irreverente, irrequieto dentro do campo, mas era boa gente. Naquela oportunidade que ele me agrediu dentro do campo, com um chute não muito forte, numa final de campeonato, ele estava mais transtornado pela derrota do que pela razão. Posteriormente a isso, nós seguimos dialogando e até hoje, quando nos encontramos, conversamos. Eu acho que não tem nada além do normal de uma prática do futebol.

Jorge Escosteguy: O Serginho sempre foi um pouco indisciplinado, você acha que ele poderia jogar no seu time, no Palmeiras, se ele jogasse hoje ainda? 

Emerson Leão: Eu acho que poderia. E nós estamos, logicamente, sempre dispostos a jogadores que trabalham e que fazem gols. O Serginho era centroavante que não trabalhava muito, me parece, mas que fazia gol. Então, nós iríamos estabelecer um meio-termo com ele, nós tentaríamos alguma coisa de interessante com ele.

Jorge Escosteguy: O Volpe, por favor, faz uma pergunta e em seguida a gente faz um intervalo. 

Luis Alberto Volpe: Aqui no Brasil é costume o técnico que está dirigindo a Seleção, antes e durante as eliminatórias, cair antes da Copa. Você tem esperança de chegar à Seleção Brasileira na Itália e você sabe se o seu nome é bem aceito na CBF [Confederação Brasileira de Futebol]?

Emerson Leão: Eu não tenho esperança, não. Eu acho que nós não podemos pensar assim, nós não temos que pensar na queda de um companheiro, na falta de ética. Eu só posso dizer que estou satisfeito pelo [Sebastião] Lazaroni dirigir a Seleção Brasileira, independente de conhecer seu trabalho ou não, por ser um técnico da nova geração. Isso me deixa muito satisfeito, sinal de que os dirigentes também estão pensando de uma maneira mais jovem, mais cedo. Eu acho que, com respeito à aceitação do meu nome, o meu nome algumas vezes foi falado, não sei se foi cogitado em relação à Seleção. Isso, para um treinador que não tem nem dois anos de atividade como técnico, é gratificante também. Agora, sinceramente, eu estou à disposição do Lazaroni e não contra o Lazaroni. 

Jorge Escosteguy: Faremos um rápido intervalo e o Roda Viva volta daqui a pouco com a entrevista com o técnico do Palmeiras, Emerson Leão, até já. 

[intervalo]

Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva que hoje está entrevistando o técnico do Palmeiras, Emerson Leão. Leão, duas perguntas aqui para você dos telespectadores. Primeiro, o Marcos Bagatella, da Vila Mariana; Claudio “Corintiano”; de Santo Amaro, Ari [...] de Santo André; Sebastião Reinaldo da Força [...], do Parque São Lucas; Hélio Ricardo Macaro, de Pirituba; e Josafá Pinto, de Franca, São Paulo. Eles querem saber por que o Silvio Luiz tem tanta bronca de você [risos]. Em seguida, Mônica Martins, de Indaiatuba, pergunta: “Já que você é conhecido como técnico de linha-dura, de muita disciplina, em quem você votaria para presidente da República”? Primeiro sobre o Silvio Luiz, por favor. 

Emerson Leão: O Silvio Luiz, eu acho que ele não é muito contra. Ele gosta mais de tirar as coisas que eu possa oferecer para ele quanto a perguntas, contestação. Eu não acho que ele seja contra, não. Eu acho que ele é implicante, isso eu acho, isso é um outro problema. Agora, contra não, e ele disse que depois vai explicar. Com respeito a em quem eu votaria para presidente, sinceramente hoje eu não voltaria para ninguém, porque dos que estão se apresentando, eu não tenho candidato.

Regiani Ritter: A gente projeta o futuro, vive o momento e volta ao passado. Eu gostaria que você contasse, primeiro, como você administra o rótulo de arrogante e prepotente. Em segundo, como foi exatamente que você saiu do gol do Palmeiras, quando encerrou carreira como goleiro. E por que houve um desgaste tão grande na sua relação com o Nelson Duque [presidente do Palmeiras em 1988] e com o [José Luiz] Carbone [técnico do Palmeiras em 1986]? 

Emerson Leão: Respondendo pelo final. Não houve desgaste no relacionamento com Nelson Duque, que na época era o presidente do Palmeiras. Simplesmente ele...

Regiani Ritter: Ele disse que enquanto ele estivesse lá, você não voltaria ao Palmeiras sobre nenhuma condição. 

Emerson Leão: Gozado, depois disso ele chegou a me convidar, inclusive, para dirigir o Palmeiras, como treinador, e ele era presidente. Na realidade, houve uma opção; ele concordou com a minha saída, requisitada talvez, ou endossada pelo treinador, na época o Carbone, e eu também aceitei. A outra pergunta...

Regiani Ritter: Como é que você administra o rótulo de arrogante e prepotente? 

Emerson Leão: Como eu administro o rótulo de arrogante e prepotente? Simplesmente eu não desminto. Eu acho que faz tanto tempo que falam isso, que já faz parte do dia-a-dia. Eu só posso responder das pessoas que convivem comigo, eu acho que isso é mais importante. Como também convivo com o mesmo rótulo de honesto e bom profissional.

Alon Feuerwerker: Quem é o melhor goleiro do Brasil hoje? 

Emerson Leão: Eu acho que nós não temos um melhor goleiro, eu acho que nós temos vários goleiros buscando uma definição. Se você notar, de algum tempo para cá, de alguns anos, o gol do Brasil ficou vago e alguns postulantes estão disputando...

Alon Feuerwerker: Ficou vago desde que você largou? 

Emerson Leão: Não, desde que o Waldir [Peres, goleiro titular da Seleção Brasileira em três Copas do Mundo: 1974, 1978 e 1982] ou o Carlos [Roberto Gallo, goleiro titular da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1986] largou, porque ele foi o último titular. Eu fui até um pouco antes e, na última Copa, eu não cheguei a jogar por uma preferência técnica, jogou o Carlos. Mas nós podemos dizer, se você comparar em termos de década, sim, eu acho que nós temos alguns bons goleiros aparecendo, mas ainda para se definirem. Espero que a Seleção Brasileira logicamente passe a eliminatória e chegue à Copa do Mundo, aí sim nós teremos uma definição. Eu posso dizer que o [Cláudio André Mergen] Taffarel [como goleiro do Internacional, levou seu time às finais da Copa União de 1987 e 1988, sendo eleito o melhor goleiro nas duas competições] é um bom goleiro, que precisa um pouco mais de reafirmação no Brasil do que no exterior. O [Wagner Fernando] Velloso [destacou-se como goleiro no Campeonato Paulista de 1989] é um jovem goleiro no Palmeiras que tem qualidades para que possa ser um futuro goleiro da Seleção Brasileira. Mas, para que isso seja possível, ele precisa ser convocado o mais rápido possível, o mais jovem possível, para adquirir um know-how, adquirir experiência. E não acontecer o que aconteceu em 1986. Naquela oportunidade, eu fui com 37 anos de idade. Se nós tivéssemos levado um goleiro com 20 anos de idade, talvez já tivessem a definição para o gol do Brasil para a próxima Copa do Mundo, uma vez que eu não joguei e eu não representava mais nada para o futuro como atleta.

Alon Feuerwerker: Eu queria entender: você acha que em 1986 você não deveria ter sido convocado para a Seleção Brasileira? 

Emerson Leão: Eu acho que não deveria ser convocado para ficar na reserva. Eu tinha condição de jogar, é bem verdade, mas se fosse para ficar na reserva, eu gostaria que tivessem levado um jovem. Como o [Mário Jorge Lobo] Zagallo [treinador da Seleção Brasileira por dois períodos: 1970 a 1974 e de 1995 a 1998] naquela oportunidade me levou à Copa do Mundo de 1970. Eu tinha 18 para 19 anos de idade, aprendi muita coisa. Ali, sim, foi o início da minha carreira, na observação; sem jogar, eu aprendi muito.

Alon Feuerwerker: Se você prega tanto a sinceridade, por que você não disse isso para o Telê e não pediu para ser desconvocado e ele convocar alguém mais jovem no seu lugar? 

Emerson Leão: Porque eu achei que seria titular.

Silvio Luiz: Primeiro, quero dizer o seguinte - não há nada pessoal, muito pelo contrário. Eu acho que o Leão deu certo como técnico, embora ele tenha me preparado uma [situação] uma vez, eu vou explicar por quê. Eu tinha um programa na TV Record, chamado Cartão vermelho - mais ou menos como é este aqui, na TV nada se cria tudo se copia, que também era uma cópia do Quem tem medo da verdade - e tinha acertado com o senhor Leão uma entrevista. A entrevista foi acertada assim com a questão de uma semana de antecedência; o programa era gravado na segunda-feira para ser exibido no domingo. Voltando do Rio, de um jogo da Seleção, encontro com o Leão no aeroporto, e digo assim: “Leão, então, amanhã, 10 horas, tudo certo”. Ele falou: “Tudo certo, não. Ou você me dá um aparelho [de televisão] colorido para o meu irmão, que vai casar esta semana, ou eu não vou”. Eu falei: “Então você não vai”. 

Emerson Leão: Não foi bem assim.

Silvio Luiz: Foi bem assim, que tem testemunhas [...] 

Emerson Leão: Eu explico também.

Silvio Luiz: Então explica, vamos ouvir a sua verdade... 

Emerson Leão: Na oportunidade, Cartão vermelho, né?

Silvio Luiz: Cartão vermelho

Emerson Leão: Era bem parecido com esse programa. Um rapaz foi estabelecer um convite, eu aceitei o convite, disse que ia, falei assim: “olha, então tudo bem". "Como cachê, é um televisor".

Silvio Luiz: Só que ele não me deu o recado do cachê. 

Emerson Leão: Ele falou “só que o cachê é um televisor”, a pessoa que foi me contactar. Eu falei “tá legal, tudo bem”. Agora, eu jamais poderia imaginar que, naquela circunstância, a televisão não fosse a cores, né, Sílvio? Essa que é a verdade.

Silvio Luiz: Não sei, depende do gosto, tem gente que gosta do branco e preto, você gosta do verde e branco... 

Emerson Leão: É verdade, Sílvio, então foi isso. Agora, sinceramente, eu não tenho você como um inimigo, uma pessoa que me persegue; muito pelo contrário, eu acho que nós dois demos certo.

Silvio Luiz: Claro, graças a Deus, você na sua e eu na minha. 

Emerson Leão: Perfeitamente.

Luis Alberto Volpe: Leão, você gosta do espírito de equipe. Mas e quando pinta dinheiro? Você, por exemplo, já desrespeitou alguma norma de clube para cumprir algum contrato publicitário? 

Emerson Leão: Que eu me lembre, não.

Jorge Escosteguy: Aliás, Leão, você hoje acha que ainda teria condições atléticas de fazer aquela mesma propaganda de cueca que você fez alguns anos atrás? [No início da década de 1980, Emerson Leão estrelou diversos comerciais de cuecas, de grande repercussão, em que aparecia vestindo apenas o produto]

Emerson Leão: [risos] Eu acabei, por coincidência ou não, de fotografar novamente repetindo essa mesma propaganda, só que agora com uma perspectiva mais familiar. Ali nós passávamos, naquela oportunidade, a imagem de uma pessoa só, digamos, até solteira, visando um outro tipo de vendagem. Hoje eu fotografei para o Dia dos Pais e para o Natal, vai sair já com um layout diferente, com uma criança, como se fosse um pai recebendo um filho em sua cama, e de cueca.

Silvio Luiz: Tinha que ser de minhocão, né? 

Emerson Leão: Aí que eu vou chegar...

Silvio Luiz: Vai chegar no minhocão. [risos] 

Emerson Leão: Talvez quando eu estiver um pouco mais velho, eu possa estar fazendo [comercial] da família. Aquele que está hoje fotografando como meu filho será o pai e eu serei o avô. É bem verdade que aí será uma samba-canção.

Jorge Escosteguy: Edson Luis Oliveira, do Parque São Domingos; o Jesus Matos, do Embu; o Pé de Pato, de Batatais; e o Luis Carlos Carvalho, do Tatuapé; querem saber o que aconteceu entre você e o Marinho Chagas na Copa de 1974, em que você teria dado um tapa no Marinho. E o Edson Luis, aliás, disse que, em 1984, houve um jogo entre Corinthians e Palmeiras e o Corinthians perdeu. Você era o goleiro na época do Corinthians. Nesse dia, diz o Edson, “eu estive no vestiário e chamei você de frangueiro, e você me deu um tapa. Você sempre parte para a agressão quando perde o jogo? Ou você me considera violento, por ter chamado você de frangueiro”? 

Emerson Leão: Se for um chato como você, deve ter merecido, essa é que é a verdade. [risos] Agora ele deve estar um pouco equivocado, porque em 1984 eu não jogava no gol do .... Eu joguei no gol do Corinthians em 1983, naquela oportunidade o Corinthians foi campeão. Logicamente que eu não considero agressivo, hoje eu sou... Até as pessoas que já me conheceram brincam comigo que eu sou: “Pô, Leão, você ficou tranquilo demais, ficou muito bonzinho”.

Silvio Luiz: [...] virou gato. 

Emerson Leão: Pode até ser Sílvio, por isso que eu ainda continuo tentando melhorar a cada dia. Agora, com respeito ao Marinho Chagas, nós tivemos uma discordância de opinião profissional.

Jorge Escosteguy: Mas essa discordância foi às vias de fato? Você não chegou a dar um tapa nele? 

Emerson Leão: Não, não chegou a ter exagero nenhum.

Tonico Duarte: Não chegou a ter tapa, Leão?  

Emerson Leão: Não chegou a ter exagero nenhum.

Tonico Duarte: Um empurrãozinho só. 

Emerson Leão: Ah, isso pode ser.

Tonico Duarte: Escuta, Leão, você considera normal pedir a um repórter que lhe dê um filme, assim como você considerou normal ter assinado o Manifesto de Glasgow em 1973, que estabelecia uma lei de mutismo dos jogadores da Seleção Brasileira em relação à imprensa. Isso de certa maneira dá um indício da sua personalidade. Dentro dessa linha, eu gostaria de saber o que você pensa da democracia corintiana e por que você saiu do Corinthians. Por que você se deu mal dentro daquele esquema de trabalho mais liberal, digamos assim? 

Emerson Leão: Vamos por parte, você vai me lembrando porque você fez cinco perguntas em uma só, eu preciso ir respondendo aos poucos para você. A primeira delas? Qual foi?

Silvio Luiz: Do filme, da lei, da democracia, foram três. 

Tonico Duarte: Do filme, Glasgow e a democracia. Foram três.

Emerson Leão: Você é do jornal... 

Tonico Duarte: O Estado de S. Paulo.

Emerson Leão: Por coincidência o fotógrafo era seu. 

Tonico Duarte: Era do Estado de S. Paulo.

Silvio Luiz: Marcos Fernandes, lembre bem esse nome. 

Emerson Leão: Já responde bastante... não precisa me apontar o dedo Sílvio [apontando o dedo para Silvio Luiz], porque você não é árbitro mais. 

Silvio Luiz: É a caneta. É que eu sou descendente de italiano, [mexendo as mãos e braços] eu falo muito com as mãos [risos].

Emerson Leão: Então tá explicado. 

Silvio Luiz: Descendente de italiano é um perigo.

Emerson Leão: Com respeito ao filme, eu considero normal fazer uma solicitação educada para qualquer tipo de pessoa. Pedir as coisas educadamente nunca será demais. O máximo que você pode receber é um sim ou um não. Com respeito ao Manifesto de Glasgow, naquela oportunidade eu tinha 21 anos, foi em 1973, e o motivo do Manifesto de Glasgow foi nada mais do que uma defesa para os atletas casados. Porque disseram... estava saindo aqui no país [na imprensa], no Brasil, que nós estávamos frequentando ilha de nudismo na Suécia. E as esposas dos casados telefonavam para lá de maneiras agressivas para com eles. E na realidade aquilo não era verdade, e já estávamos no final da excursão. E, se fosse verdade, eu até senti que eu gostaria de observar  [a câmera focaliza Silvio Luiz, que faz uma cara de “me engana que eu gosto”] porque isso também é uma forma de ensinamento. Se já em 1973 aquilo existia na Suécia, por que eu não poderia participar para ver tudo aquilo que se faz, né? Então eu, se convidado, iria perfeitamente para observar. Eu me lembro que isso [o manifesto] foi na Escócia. Eu estava sentado, me solicitaram a presença... acho que aquilo não foi formado, foi apenas para defender os colegas. E as coisas tomaram um rumo muito maior e, acredito eu, de uma maneira desagradável. Se tivesse uma pessoa de bom senso na oportunidade, se a Seleção Brasileira tivesse o que alguns clubes têm hoje, um assessor de imprensa, aquele tipo de manifesto não teria saído, como também não teriam saído as notícias mentirosas naquela oportunidade. Então eu acho isso realmente tudo normal. 

Tonico Duarte: E por que você se deu mal na democracia corintiana?

Emerson Leão: Eu não me dei mal. Eu não me lembro de ter me dado mal na democracia corintiana, primeiro porque democracia é uma coisa um pouco complexa. 

Tonico Duarte: O que é democracia para você?

Emerson Leão: Até hoje é um pouco complexa. Eu acho que tive um ano de trabalho no Corinthians, procurei trabalhar e muito no Corinthians. Aprendi a andar com minhas próprias pernas; conseguimos o resultado naquela oportunidade e [era] aquilo que o torcedor queria, nós demos aquilo que o torcedor queria, que naquela oportunidade era o bicampeonato. Terminado o campeonato, eu fui para minha região de férias, fui para o Nordeste, e me surpreendi – Porto de Galinhas – com alguns comentários que eu estava saindo do Corinthians por uma desavença. Nada disso, foi apenas uma reposição de peça, o Corinthians entendeu que deveria comprar o Carlos - que na oportunidade era um excelente goleiro - mas a torcida do Corinthians não ficou satisfeita com minha saída, e isso me deixou muito mais satisfeito ainda. Então, eu convivi com a chamada democracia por um ano só, com sucesso. Naquela oportunidade, em 1983, eu não me lembro da equipe do Corinthians ter recebido uma única vaia da sua torcida, então eu tive um ano de sucesso no Corinthians.

José Góes: Se, por acaso, hoje a direção do Palmeiras entregasse a você, em condições imediatas de jogo, o Casagrande [Walter Casagrande Júnior, atuou principalmente como centroavante do Corinthians. Integrou a Seleção Brasileira na disputa da Copa do Mundo de 1986], que está na Itália, você aceitaria? 

Emerson Leão: A condição imediata do Casagrande, na época... Se ele jogasse igual a 1983, quando estava jogando no Corinthians, mais do que depressa. Eu acho que o Casa é um excelente jogador, muito bom goleador. Hoje a cabeça do Casa – outro dia encontrei com ele – está diferente, hoje ele está pensando mais no aspecto pessoal e profissional, e também coletivo dentro do campo. E nisso a Itália ajudou bastante, as cabeçadas ajudaram bastante, a vida ajudou bastante. Então, ele teria lugar, sim, no Palmeiras.

Regiani Ritter: O que acontece verdadeiramente entre você e o Dulcídio Wanderley Boschilia?

Emerson Leão: Nada. O Dulcídio, eu repito, é muito bom árbitro, ele tem a sua maneira de conduzir dentro do campo; às vezes excede, quando excede eu não concordo. Mas nós não temos nenhum problema, eu acho que o Palmeiras não tem também nada contra ele, não fez nenhum veto a ele. Eu acho que ele é um dos principais árbitros do nosso país e de São Paulo, só isso.

Regiani Ritter: Vocês tiveram problemas no jogo de Jundiaí contra a Ferroviária. Se não me engano, antes do jogo começar, ele ameaçou você, que colocaria você para fora na primeira atitude sua? 

Emerson Leão: Verdade.

Regiani Ritter: Depois vocês tiveram problemas no jogo entre Palmeiras e São Paulo, ele teria [“Não é verdade”, diz Leão] ofendido o Eraldo [meio-campista]? Teve problemas com o time, com o Palmeiras. 

Emerson Leão: Ah, com o time. Tá certo.

Regiani Ritter: E há um processo em andamento. E por isso a bolinha do Dulcídio foi retirada. Deveria ter sido retirada do sorteio para a rodada passada, não foi retirada; por infelicidade, caiu o Dulcídio. Tira o Dulcídio, sorteia outro árbitro. E o Velloso disse ontem para a gente no Mesa Redonda, na TV Gazeta, que houve um pênalti a favor do Palmeiras claríssimo contra o Novo Horizontino. E o árbitro – me parece que o Fidalgo, é o Fidalgo? - não teria dado, foi fora da área. O Velloso disse que foi dentro porque os jogadores do Palmeiras, em consenso, decidiram que foi dentro. Você acha que se fosse o Dulcídio apitando esse jogo, ele estaria melhor colocado, teria condição de dar o pênalti? 

Emerson Leão: Pode até ser, você colocou um ponto realmente certo. Mas o Dulcídio foi retirado do jogo não por pedido do Palmeiras, mas pelo bom senso da Federação. Porque, na realidade, o Dulcídio está com problema no Tribunal de Justiça Desportiva em relação ao atleta Eraldo, que é atleta do Palmeiras. No domingo ele estava dentro da competição também, então poderia. Digamos que o Dulcídio não desse esse pênalti, e fosse o Dulcídio.  Iam falar que o Dulcídio estava marcando o Palmeiras. Digamos que tenha sido fora da área,  e o Dulcídio desse dentro da área, iriam falar que ele estava protegendo o Palmeiras. Então o bom senso prevaleceu. E hoje, na hora do almoço, assistindo ao Sílvio, o Sílvio falou que foi bem feito para o Palmeiras. Talvez tenha sido até bem feito para o Palmeiras, com o bom senso da Federação, e nós temos que entender. Agora o que nós não esperávamos é que depois de uma arbitragem infeliz do Fidalgo, no jogo do Santos, ele caísse em seguida com o Palmeiras e o Novo Horizontino. Dito pelo presidente do Novo Horizontino: se fosse eu não aceitaria um juiz que teve, há 40 ou 72 horas antes, um problema com outro time grande. Mas o Palmeiras acatou a decisão normalmente. Nós estamos chateados, mas nem por isso totalmente decepcionados. Nós demos o direito até ao árbitro de errar. Infelizmente ele errou contra nós.

Regiani Ritter: Só na esteira desse empate com o Novo Horizontino, gostaria de completar o seguinte: o Bragantino venceu o Novo Horizontino no primeiro jogo da terceira fase; o Palmeiras apenas empatou com o Novo Horizontino. 

Emerson Leão: Só que o Bragantino jogou dentro da sua casa.

Regiani Ritter: Qual a diferença, Leão, os atletas não são os mesmos? 

Emerson Leão: Os atletas são os mesmos.

Silvio Luiz: Ela [referindo-se à Regiani] nunca foi juiz de futebol, ela não sabe a pressão em cima da cabeça. 

Regiani Ritter: [fala ao mesmo tempo que Leão] Eu já fiz muitos jogos [...]

Emerson Leão: Os atletas são os mesmos, mas a casa não é a mesma. Visita é visita e tem que ser tratada como visita, dono da casa é o dono da casa. Essa que é a verdade. Tem por obrigação fazer prevalecer a sua condição de dono, respeitando o adversário. Mas você acha que, por exemplo, se fosse um pênalti como nesse jogo, dentro do Palmeiras, ele não poderia ter dado? Seria mais fácil, não seria? 

Regiani Ritter: Seria.

Emerson Leão: Então, pronto, você respondeu à sua própria pergunta. 

Regiani Ritter: O Góes disse que foi fora. Foi dentro ou foi fora?

José Góes: No [VT] mais mostrado hoje pela [TV] Cultura, o lance foi fora. 

Emerson Leão: Góes, eu vi. O que eu achei fora foi o carrinho iniciado pelo beque para derrubar o Marcus Vinicius [jogador do Palmeiras]. Isso não quer dizer que, na hora em que ele colocou o seu bumbum chão, tenha feito ali a sua primeira infração. Quando deslizou, pegou o Marcos dentro da área, ele iniciou fora da área. Então é um momento. Eu só acho que primeiro de tudo, o Fidalgo estava mal colocado, ele estava no meio do campo, esse foi o maior problema

Jorge Escosteguy: Você disse há pouco que se considera mais conservador. Você tem duas filhas. Que opinião você tem a respeito da virgindade, você acha que ela é importante até o casamento? 

Emerson Leão: Tá aí uma coisa que eu penso todo dia, viu. [risos] É uma situação difícil, desagradável para os pais, mas nós temos que enfrentá-la, principalmente no mundo de hoje. Eu tenho conversado, não com as minhas filhas ainda, mas com a minha esposa, de que é um problema que eu penso e ainda não consegui a solução. Eu acho que nós estamos retornando às origens; acho também que a liberdade sexual da juventude foi mais do que a própria juventude desejava, e por isso se perdeu. Então, o retorno às instituições, o retorno ao casamento, o retorno à família está começando a prosperar de uma forma positiva. Então eu acho que o próprio homem, a própria mulher, vai saber se dar, vai saber se respeitar muito mais do que acontece hoje.

Alon Feuerwerker: As suas opiniões sobre a democracia que você já manifestou aqui, e agora suas opiniões sobre o comportamento, você se considera um homem conservador, um homem politicamente de direita? Você em 1978 foi cogitado para ser candidato a deputado pela Arena [Aliança Renovadora Nacional, partido político de apoio ao governo militar, fundado em abril de 1966], naquela época, se eu não me engano. Você se considera um homem de direita e você pretende seguir carreira política? 

Emerson Leão: Eu não sei se eu posso me considerar um homem de direita; eu me considero um homem, digamos, de centro. Porque eu acho que nos dois lados existem os excessos, e eu não sou homem de estar buscando sempre os excessos. Eu realmente fui convidado para participar da política na oportunidade pela Arena, agora mais recentemente pelo PDS [Partido Democrático Social], pelo PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], pelo PL [Partido Liberal]...

Alon Feuerwerker: Se você fosse candidato hoje, você seria por qual partido? 

Emerson Leão: Hoje eu não seria candidato, mas tenho aqui a franqueza de dizer para você que [embora] eu goste de política também, eu não estou diretamente ligado à política...

Alon Feuerwerker: Mas qual o partido de sua preferência? 

Emerson Leão: ... mas se eu fosse hoje escolher a política... eu iria escolher uma política até para daqui a uns dois anos. Eu iria começar a ler um pouco mais, a me interessar um pouco mais, conhecer um pouco mais o que está acontecendo. Porque você não vive a política no dia-a-dia, eu vivo esporte no dia-a-dia, então eu não seria o homem ideal para diferenciar o certo do errado. Mas eu iria procurar me informar, me educar mais nessa área. E eu não tenho preferência por partido, eu acho que talvez seria o Partido Verde, por ser ecologista ou coisa assim...

Gênia Winitzki: Eu tenho uma observação. Você se diz conservador, no entanto você cultiva uma imagem sexy, eu acho isso uma coisa completamente contraditória. 

Emerson Leão: Você já me disse isso hoje, é a segunda vez que você me diz que eu sou contraditório.

Gênia Winitzki: Eu acho isso contraditório. Você é do tipo que cria fantasias eróticas nas mulheres, isso não é uma postura de um homem conservador. E isso parece que é uma coisa deliberada, como se você fosse um produto de marketing, é o seu marketing. 

Emerson Leão: Eu acho que cada mulher deve pensar na sua cabeça.

Gênia Winitzki: Eu estou perguntando de você! Como é que se coaduna com a sua imagem de conservador essa venda da sua imagem? Você vende a imagem de um homem sexy? 

Emerson Leão: Olha, eu não penso assim, sabia?

Gênia Winitzki: É mesmo?! Mesmo?! 

Emerson Leão: Depois desses dois cartões amarelos que você me deu, eu vou começar a pensar nisso.

Gênia Winitzki: Você se posiciona como um homem vaidoso, você gosta de se ver bonito, você não tem pudor nenhum de exibir suas pernas nem seu corpo, e sabe que tem corpo bonito. Isso é uma venda de uma imagem e isso não é nada conservador. 

Emerson Leão: Gozado, eu não penso por esse aspecto. Acho que a venda da imagem é a venda de um homem talvez saudável, de um atleta, agora de um ex-atleta, que está passando uma mensagem saudável para o público. A interpretação pessoal, o erotismo, vai muito das pessoas; às vezes o seu é um pouco maior do que a sua amiga ou coisa assim, entendeu? Agora, o fato de eu ser conservador... eu acho que, antigamente, também, na época do cinto de castidade, eles eram tão conservadores que por isso criaram o cinto de castidade, é um problema maior para pensar.

Gênia Winitzki: Eu ainda não me convenci com a sua resposta... 

Emerson Leão: Talvez daqui a pouco.

Gênia Winitzki: Eu tenho mais duas perguntas para lhe fazer. O que é que você acha sobre sexo durante a concentração, você acha que realmente pode prejudicar um jogo importante? 

Emerson Leão: Não, não acho. Acho que o excesso pode prejudicar.

Gênia Winitzki: O que seria o excesso? 

Emerson Leão: Você passar a noite em claro fazendo sexo, usando logicamente do cigarro, usando da bebida, isso é um excesso.

Gênia Winitzki: Então você liberaria um jogador seu, antes de um jogo importante, para voltar para casa? 

Emerson Leão: Só que o antes do jogo importante, isso se você está falando de 24 horas antes...

Gênia Winitzki: Vinte e quatro. Exatamente. 

Emerson Leão: Eu acho que não tem problema nenhum.

Silvio Luiz: Experiência própria? 

Emerson Leão: Algumas vezes sim, Sílvio.

Gênia Winitzki: Eu teria mais uma perguntinha para aproveitar. Ao que parece, para você a competência profissional não é a chave para ganhar o jogo, tanto que você tem alguns fetiches como a camisa amarela, tem até algumas superstições como não cumprimentar. E isso como técnico. E quando você era goleiro, o que você fazia? Acendia vela? 

Emerson Leão: Não, eu nunca fui um atleta por esse lado, eu sempre fui um atleta pelo lado do dia-a-dia. Eu acho que eu poderia me apresentar bem, tinha confiança de que eu iria me apresentar bem, porque eu trabalhei bem durante a semana. Eu me sentia capaz daquilo que eu iria resolver, naquilo que eu iria competir. E se eu fosse um atleta individual, eu tinha certeza que eu poderia vencer uma partida. Apesar do adversário ser tão bom quanto, porque aí eu punha uma dose de estímulo naquela reserva de qualidade que eu falei para você. Agora, é bem verdade que todo brasileiro tem o seu lado pessoal, sua mística pessoal. Se hoje eu uso camisa amarela, a princípio eu comecei usando camisa amarela para uma melhor identificação do atleta para comigo, porque o treinador de futebol fica numa trincheira abaixo do nível do futebol e o jogador quase não observa, não sabe quem grita, quem gesticula. Então aquilo foi uma forma de identificação e aquilo passou a ser meu, eu passei a usar e me identifiquei com a cor, e através disso continuo. Nunca acendi vela, mas sempre tenho logicamente o meu momento de solidão.

Gênia Winitzki: Nenhuma superstição como goleiro, você não se concentrava, não rezava não fazia alguma coisa? 

Emerson Leão: Aquele momento de solidão, aquele momento de tranquilidade, aquele momento de ausência me transportava a um outro período. E aí eu pedia realmente alguma coisa para que pudesse dar condição a mim, para que eu pudesse terminar a partida do jeito que eu entrei, como eu entrei, como me preparei para entrar. Então eu me preparei para entrar com condicionamento psicológico, técnico e físico muito bons, e esperava sair da partida da mesma maneira, independente de acertar ou errar.

Jorge Escosteguy: O Alfredo tem um pergunta, Leão. Antes eu só gostaria de observar que está respondida então à pergunta sobre a camisa amarela, dos telespectadores Antônio Vendramini, da Vila Santa Maria; e do Milton Jurandir Pederigue, do Tatuapé. 

Alfredo Ogawa: Só voltando um pouco ao assunto que você tratou agora, que é aquele negócio de você aparecer bastante e cultivar a sua imagem. Agora, ao mesmo tempo em que você aparece bastante, ao contrário do que acontece com muitos jogadores e muitos técnicos, a sua família aparece muito pouco. É difícil até você conseguir uma entrevista sobre qualquer assunto com a sua esposa ou com suas filhas. É verdade mesmo que você teme que elas sejam seqüestradas?

Emerson Leão: Não. Isso é desagradável falar aqui, e vou dizer porque é desagradável. Principalmente na revista Veja, quando o rapaz me solicitou para tirar fotografia da minha família. Eu disse a ele que eu não gostaria que a minha família fosse fotografada, mas que ele tinha a liberdade de telefonar para minha esposa, para tentar receber dela uma entrevista ou não. Mas a minha esposa não dá entrevista, por quê? Porque no primeiro dia em que ela deu entrevista foi o dia do casamento dela. Quando ela casou, ela deu entrevista para um repórter, e esse repórter simplesmente colocou tudo ao contrário do que ela falou, e ela não estava acostumada àquilo. Então foi um choque muito grande para ela e ela jurou nunca mais dar entrevista. E logicamente está cumprindo com aquilo que ela jurou. Com respeito a ter medo de seqüestro na minha família, das minhas filhas, isso nem é bom falar, isso não leva a nada. Porque só o fato de ser mencionado na revista que eu tinha medo de seqüestro... eu disse ao repórter que eu não gostava que a minha família fosse fotografada, porque eu acho que são duas coisas completamente distintas. Eu sou uma pessoa pública dentro da minha profissão; fora da minha profissão, eu sou uma pessoa normal, tenho as minhas filhas, que levo ao colégio, que sofro junto, que ensino a tarefa, que vou ao supermercado, uma pessoa comum. E ele colocou que eu também tinha medo de seqüestro. Eu falei que o país atravessava um momento muito difícil, a humanidade hoje era maldosa, conversamos sobre vários aspectos, e que isso poderia levar a uma série de coisas. Nós estamos vendo vários seqüestros hoje, na televisão aparece todos os dias. E ele colocou na revista Veja. Simplesmente eu recebi vários telefonemas após essa entrevista, na minha casa, atendidos por mim, de que iriam seqüestrar as minhas filhas. Eu acho isso um absurdo, desagradável, isso não leva a nada. Ao ponto de eu ter que trocar o meu telefone em menos de 24 horas. Isso para mim foi a maior decepção causada por essa entrevista na revista Veja

Jorge Escosteguy: Tonico, você tinha uma alguma pergunta a fazer ao Leão? Depois a Regiani.

Tonico Duarte: Voltando um pouco ao futebol. Você, como jogador e como técnico, nessa sua ainda curta carreira como técnico, você ter sido um vencedor. A gente tem visto técnicos aí que acham, que pregam uma moral ao time, uma moral um tanto rígida. Você acha que um time vencedor, pela sua vivência, tem que ser também, necessariamente, um time um pouco malandro ou não? Tem que ser um time de paz, não pode ser um time - como se pregava em 1982 – certinho, que não dava pontapé... 

Emerson Leão: Eu acho que depende muito do seu grupo de trabalho. Você tem que procurar de um grupo heterogêneo, tornar homogêneo através do dia-a-dia. Felizmente, no Palmeiras, nós tivemos a possibilidade de levá-los 30 dias para uma estância, para fazermos uma pré-temporada. Isso deu uma condição de relacionamento entre os atletas, um conhecimento da comissão técnica e dos atletas também, e um relacionamento entre eles. Agora, eu acho que você deve jogar de acordo com a necessidade; uma necessidade que não chegue aos extremos. Não é o fato de você precisar impedir que um atleta adversário faça um gol, nem por isso você precisa quebrar a sua perna. Mas você pode obstruir esse atleta, você pode segurar esse atleta, você pode, logicamente, até receber um cartão vermelho quando a necessidade se faz presente, desde que aquele cartão vermelho vá dar à sua equipe uma condição - como você disse - de liderança, de vencedor e de campeão.

Tonico Duarte: Colocando a coisa em termos mais concretos, vamos voltar ao dia 5 de julho de 1982, naquele fatídico, que é o Maracanazzo [referência à final da Copa do Mundo de Futebol de 1950, entre Brasil e Uruguai, quando o Brasil sofreu inesperada derrota, jogando em casa, no estádio do Maracanã] da nossa geração, temos mais ou menos a mesma idade. Se você fosse técnico do Brasil ali, como hoje você é técnico, se acontecesse hoje uma situação daquela com você, você vendo que a coisa estava engrossando, qual a orientação que você passaria para o seu time, principalmente em relação ao Paulo Rossi?

Emerson Leão: Naquela realidade... aquilo era uma realidade em que todos nós esperávamos um tipo de comportamento diferente do nosso país. Nosso time era essencialmente técnico e com muitas estrelas, essa que é a verdade. E com estrelas capazes mesmo. Nós podemos ver que, do meio para a frente, eram todos excelentes jogadores, cada um ídolo da torcida, ídolo do seu país, e por isso não abdicaram da sua vaidade para conseguir um resultado. A primeira - falando hoje, como treinador - a primeira atitude que eu tomaria, naquela oportunidade, eu escalaria o Batista [volante, jogou pelo Internacional, grêmio e palmeiras, entre outros] também, naquela partida, desde o princípio. Eu acho que nós entramos em campo, campeões, porque o empate dava o suficiente para o Brasil se classificar, então nós não precisávamos exceder; nós tivemos, por três vezes, uma passagem quase à finalista, mas a habilidade, a criatividade foi exercida de um modo muito forte. Então eu acho que ali faltou um pouco mais de bola parada, um pouquinho mais aquilo que você pediu agora há pouco, um pouquinho de malandragem, um pouquinho até de rabujice dos atletas e, consequentemente, de jogadores mais pegadores.

Alon Feuerwerker: Você não acha que a crítica ao Telê é injusta? O Batista estava machucado, ele tinha levado uma entrada violenta do [Diego Armando] Maradona [ex-futebolista argentino, um dos melhores jogadores do mundo] no jogo contra a Argentina. [Nesse jogo, o Brasil eliminou a Argentina e Maradona foi expulso pela falta em Batista] 

Emerson Leão: Eu não fiz crítica ao Telê, eu respondi uma pergunta a ele. [apontando para Tonico Duarte]

Alon Feuerwerker: Você disse que escalaria um jogador que não tinha condições de jogo naquele dia? 

Emerson Leão: Não é verdade.

Alon Feuerwerker: Ele tinha? 

Emerson Leão: Ele tinha. Ele era uma preferência técnica, e estou dizendo eu como técnico, entendeu? Se eu estou ganhando, necessito do resultado, é o suficiente.

Silvio Luiz: E se ele estivesse machucado? 

Emerson Leão: Paciência, aí tinha razão o Telê. Não estamos contra o Telê.

Tonico Duarte: Qual sua opinião sobre o Telê? 

Emerson Leão: Sobre o Telê como treinador?

Tonico Duarte: Como treinador. 

Emerson Leão: Eu acho que ele é um treinador que tem uma doutrina pessoal muito grande, tem um tipo de personalidade. Eu acho que o Telê é uma pessoa muito só. Que, apesar de ter equipe de trabalho, na hora de conversar ele conversa consigo mesmo. Tem capacidade, tem provado ao longo [do tempo] a capacidade dele, com os resultados conseguidos, só que eu acho que a era Telê na Seleção Brasileira já foi passada. Ele teve suas duas oportunidades, esteve quase ao ponto de conseguir, teve equipes muito boas dirigidas por ele, mas ele pegou a geração que não venceu. Mas ele continua sendo um bom técnico.

Alon Feuerwerker: Qual foi o melhor técnico que você teve? 

Emerson Leão: É difícil você classificar o melhor técnico. Eu posso dizer que o técnico com que eu me identifiquei bastante foi o técnico, o capitão Coutinho. Identificação, não disse que ele era o melhor.

Regiani Ritter: A gente falou sobre política e você se deu, ou pediu uns dois anos mais para pesquisar, para ler, para entender melhor a política brasileira, ou num nível até mundial. Nós falamos sobre virgindade e você disse que não encontrou ainda uma solução para a sua cabeça. Sobre a aids e sobre drogas, como se posiciona o Emerson Leão, homem que faz questão de ter cara de homem? Aids e as drogas estão intimamente ligadas, assim como o homossexualismo também. Mudou o comportamento dos atletas? No que mudou? E o que os atletas que alcançam projeção, e também os técnicos que alcançam projeção através do esporte, poderiam fazer para colaborar com as fracas campanhas de orientação sobre aids, drogas e homossexualismo? 

Jorge Escosteguy: Aproveitando o que a Regiani falou sobre o homossexualismo, o telespectador José Lauro de Albuquerque, de Ermelino Matarazzo, pergunta: “Há algum tempo comentava-se muito sobre casos de homossexualismo no futebol”. Ele quer saber se houve um caso no qual sua posição como técnico, como homem tivesse sido contestada, a fim de você ter que intervir. E se isso ainda ocorre hoje no meio futebolístico?

Emerson Leão: Respondendo ao pessoal do Ermelino Matarazzo, eu nunca vi um caso no futebol assim confirmado. Eu acho que nunca tive esse tipo de problema com os atletas que eu dirigi, eu nunca vi quando jogava. Eu acho que o próprio meio ambiente se encarrega de afastar, se isso ocorrer. Com respeito às drogas, Regiani, e à aids, eu acho que, infelizmente, esse é um mal da humanidade, o mal da década; acho também que vai matar mais do que todas as guerras juntas. Infelizmente nós pertencemos a este mundo e temos que conviver e combater esse mal. Eu acho que a juventude não estava preparada, como eu disse anteriormente, para a abertura que teve, excedeu demais, está chegando às raias da mediocridade, às raias do abandono. As famílias se desfizeram e agora estão tentando buscar através de uma necessidade... porque no caso da aids, hoje, existe uma necessidade de um esclarecimento. Eu acho que o esclarecimento do jovem poderá salvar, antes de mais nada, o futuro. Nós não podemos mentir sobre a aids, ela existe, é uma doença perigosíssima, é uma epidemia, e nós temos que trabalhar o mínimo possível cada um. Como? informando seu filho, informando sua filha, informando seu vizinho e acatando as decisões de quem sabe mais. 

Regiani Ritter: Agora o surgimento desse vírus trágico teria ocasionado essa volta à família, à reconstrução da família?

Emerson Leão: Eu acho que isso está ajudando também a observar as origens. Acho também que o casal hoje já está se encontrando mais, a procura ou a escolha de parceiros está sendo feita mais delicadamente, a subdivisão está terminando. E eu acho que nós iremos conseguir. 

Regiani Ritter: E em que as pessoas que se projetam através do esporte, como você e seus atletas, podem fazer para ajudar uma população como a nossa que é muito carente?

Emerson Leão: A princípio nós estamos procurando resolver os nossos problemas num nível pessoal, isso já é um bom caminho. Quando solicitado e quando possível, como nós estamos fazendo agora, nós entregamos a mensagem ao público de que a droga, logicamente, não leva a nada, não é saudável, não faz bem a ninguém. Logicamente isso gera uma série de coisas negativas que só prejudicam, então essa é alguma coisa que nós podemos passar. 

Jorge Escosteguy: Por favor, o Volpe tem uma pergunta. Em seguinda, eu vou encerrar com duas perguntas dos telespectadores

Luis Alberto Volpe: Leão, eu queria saber que mudança você considera essencial de filosofia entre os treinadores mais veteranos - o Cilinho, Ênio Andrade, Telê Santana - e os treinadores de sua geração, que estão tendo sucesso, estão dando certo: você, o Palhinha, o Nicanor [de Carvalho, então treinador do Santos], o Jair Picerni... O que mudou na filosofia? 

Emerson Leão: Eu acho que a mudança de filosofia, antes de mais nada, foi assimilada por esses que você citou como mais velhos. Nós convivemos num meio... por incrível que pareça, esses quatro treinadores que você citou foram ex-atletas, então eles aprenderam a conviver no meio e daquilo retirar o que de bom eles aprenderam e viram. De todos os treinadores, até um treinador que você poderia entender que não sabia nada, ele estava lhe ensinando ou passando alguma mensagem de como não fazer. Então ele lhe ensinou alguma coisa, você tem que ser agradecido a ele. Se você pegou todos esses ensinamentos, colocou nos dias de hoje... logicamente, em relação ao diálogo, o mais jovem tem uma característica melhor, talvez seja até mais informado, às vezes até mais culto, e ele tem no seu condicionamento físico também o seu sucesso. Ele convive com o atleta no dia-a-dia, ele pratica com o atleta, ele demonstra para o atleta, ele mostra uma filosofia, ele exige. Enfim, além de ser um técnico, ele também é um prático, e isso ajuda bastante.

Jorge Escosteguy: Para encerrar, a torcida do Palmeiras, naturalmente, quer saber se, finalmente, você e o Palmeiras vão ser campeões. O Pedro Bordô, da Vila Guarani, diz que apesar do Palmeiras continuar invicto, "por que ele não demonstra segurança em campo?". E o José Roberto, da Vila Alpina, disse se você está preparando psicologicamente a equipe para a síndrome dos 13 anos, ou seja, há 13 anos o Palmeiras não consegue ser campeão e tem todas as condições agora de chegar pelo menos à final. 

Emerson Leão: A síndrome dos 13 anos existe para o Palmeiras, mas não existe para todos os atletas, a maioria dos atletas são novos no Palmeiras. Eles estão conscientes da sua capacidade; quem tem capacidade não precisa temer síndrome de 13 anos. Eu acho que com capacidade se consegue muita coisa, e o Palmeiras garantiu o direito de tentar ou postular esse título. O Palmeiras tem segurança, sim, dentro do campo. Um time que faz 22 partidas invicto é porque confia na sua capacidade. Então essa segurança tem sido demonstrada através da sua regularidade alta. O time do Palmeiras é um time regular, mas um regular alto, no seu limiar máximo daquilo que pode ser qualificado como regularidade. Acho também que, com o apoio da torcida, essa torcida que está sendo combatida hoje, através de uma violência, mas que vai comparecer em campo todos os jogos nesta final... porque eu entendo que o Bragantino, nesta quarta-feira, é uma final, e já estou logicamente trabalhando a equipe não só psicologicamente, mas em todos os setores, para conseguir o máximo de rendimento para um bom empenho e um resultado positivo.

Jorge Escosteguy: Agradecemos a presença no Roda Viva de Emerson Leão, técnico do Palmeiras, agradecemos os nossos convidados jornalistas e aos telespectadores que fizeram perguntas pelo telefone. Infelizmente, não foi possível fazer todas as perguntas, mas elas serão entregues ao Leão.
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