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Memória Roda Viva

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Sergio Motta

13/3/1995

Arrimo de perseguidos pelo regime militar nos anos 70, um dos fundadores do PSDB e responsável pela coalizão com o PFL, que elegeu FHC nos anos 90, o ministro diz que os meios de comunicação devem ser administrados em função dos interesses da sociedade

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Matinas Suzuki: Boa noite, ele é tão próximo do presidente da República que chega a repartir com Fernando Henrique Cardoso [ver entrevista com FHC no Roda Viva] o mesmo mal: as dores na coluna. Quem não o reconhece como um dos homens mais fortes da República, também pode se dar mal: o ex-deputado Pimenta da Veiga não o convidou para um jantar e perdeu a presidência do PSDB. Legalmente, ele ainda tem em suas mãos um poder incalculável: o de distribuir concessões de emissoras de rádio e televisão e de outros veículos de comunicação. Esse poder aumenta, quando se observa que ele assume, cada vez mais, um papel de articulador político do governo. No seu ministério passam ainda os serviços públicos mais cobiçados pela iniciativa privada: o uso de satélites e a telefonia celular. No centro do Roda Viva, que começa agora pela Rede Cultura, está Sérgio Roberto Vieira da Motta, 54 anos, ministro das Comunicações.

[Comentarista]: O engenheiro Sergio Motta sempre abominou ser tratado como o tesoureiro de campanha de Fernando Henrique Cardoso. Ele vai gostar menos ainda de ser chamado de “o bom burguês” [nos anos 60, Jorge Medeiros Valle, funcionário do Banco do Brasil no Rio de Janeiro, usou de seus conhecimentos contábeis para desviar recursos para a luta armada contra a ditadura, tornando-se conhecido, por sua atitude contraditória a sua posição socioeconômica, como o “bom burguês”. Em 1982, a história originou o filme O bom burguês dirigido por Oswaldo Caldeira, que deu o nome de Lucas ao personagem principal, vivido pelo ator José Wilker], mas a tentação é grande, afinal, o ministro que militou na esquerda cristã era um empresário de sucesso que dava empregos aos perseguidos pelo regime militar. Na folha de pagamentos da sua empresa, a Hidrobrasileira, já constaram nomes como o do comandante da Aliança Libertadora Nacional (ANL), Carlos Marighella [ativista político morto em 1969 pelo governo militar]. O ministro foi jornalista e garantiu o caixa do jornal Movimento, uma publicação que, nos anos 70, lutava pela volta das liberdades democráticas. Sergio Motta produziu peças teatrais, como A morte do caixeiro viajante [escrita em 1949 pelo autor americano Arthur Miller, percorreu palcos em todo o mundo], mas, sobretudo, fez política. Em 1985, foi o coordenador da campanha de Fernando Henrique à prefeitura de São Paulo. Fernando Henrique não chegou lá, mas não esqueceu o colaborador. Sergio Motta voltou à campanha para a presidência, dessa vez, com resultados sabidamente melhores. De presente, ganhou um poderoso vespeiro. Sergio Motta agradeceu e parece estar disposto a "cutucar várias onças".

Sergio Motta [arquivo Roda Viva]: ”O único interesse final de cada investimento, de cada concorrência, será transparente ao interesse público, só esse será o interesse que deverá ser considerado”.

Matinas Suzuki: Para entrevistar o ministro das Comunicações Sergio Motta, nós convidamos hoje: Ethevaldo Siqueira, diretor de redação da RTN [Revista Nacional de Telecomunicações]; Marcelo Pontes, diretor da sucursal de Brasília e colunista do Jornal do Brasil; Luciano Suassuna, chefe da sucursal de Brasília da revista Isto É; Wagner Barreira, repórter sênior da direção editorial da Editora Abril; Dácio Nitrini, diretor executivo do Telejornal Brasil do SBT [Sistema Brasileiro de Televisão]; Elvira Lobato, repórter especial da Folha de S.Paulo; Marcelo Parada, diretor de jornalismo da Rádio Eldorado e Celso Ming, comentarista de economia do programa Opinião Nacional da Rede Cultura e colunista do Jornal da Tarde. Nós lembramos que o Roda Viva é transmitido em rede nacional por 30 emissoras, entre elas, a partir de hoje, a TVE do Rio de Janeiro. Você também pode participar deste programa fazendo perguntas pelo telefone: (011)252-6525. Eu vou repetir: (011)252-6525. Se você preferir o fax, escreva para: (011)874-3454. Repetindo: (011)874-3454. Para a entrevista com o ministro das Comunicações, o Roda Viva, pela primeira vez na televisão brasileira, abriu uma linha especial através de computador, pelo sistema internet. Chegaram mais de 100 perguntas do Japão, Estados Unidos, Austrália, Canadá, além do Brasil e outros países, as quais serão feitas ao ministro Sergio Motta no decorrer deste programa. Boa noite, ministro.

Sergio Motta: Boa Noite.

Matinas Suzuki: Ministro, hoje, parece que o senhor anunciou ou, pelo menos, deu uma entrevista, dizendo que gostaria de mudar algumas coisas nas concessões. O senhor mencionou uma espécie de leilão das concessões. Como seriam feitos esses leilões, ministro?

Sergio Motta: Eu não dei nenhuma entrevista, eu nunca falei em leilão. O que eu tenho dito sistematicamente é que este governo, logo que assumiu, abriu mão do seu direito, que era o de distribuir concessões por critérios pessoais e políticos, como tem sido feito durante todos esses anos. Por desejo do presidente da República nós revogamos todos os editais que estavam em andamento, que eram 132, mais 20 editais que tinham sido lançados em dezembro do ano passado e, a partir dessa data, não temos mais distribuído nenhuma concessão ou permissão. O que nós estamos preparando é um novo decreto, estabelecendo um critério absolutamente impessoal e econômico. Provavelmente – ainda está em elaboração –, eu acredito que em 45 dias a 60 dias, teremos pronto. Será um decreto que terá um critério, primeiro, de pré-seleção de todos os grupos interessados: pré-seleção técnica, comercial, de tradição. Depois, terá um critério econômico, que estamos discutindo, que não será leilão, e que provavelmente estabelecerá uma base de preço para cada serviço, já que as concessões anteriores, como a TV a cabo, às vezes eram dadas e, depois, vendidas. Isso é um bem da União. E o terceiro critério será um critério de pluralidade de participação, ou seja, obviamente, num determinado local, quem já tiver um determinado tipo de serviço, terá preferência aquele que ainda não tiver.

Matinas Suzuki: Tá, mas ministro, nesse pacote também foi anunciado que o senhor tentou – ou que há estudos no ministério do senhor sobre esse pacote –, dizia também que o senhor pretende limitar participação de grupos. Quando o senhor diz que vai redistribuir, o senhor está pensando em limitar grupos que já têm muita concessão?

Sergio Motta: O problema não é limitar, o problema é criar um critério profissional e impessoal. Nós queremos eliminar intermediários, eliminar o que não é válido. Nós queremos que os profissionais participem.

Matinas Suzuki: Quem são esses intermediários, ministro? Como se dão essas intermediações?

Sergio Motta: São diversos grupos. Nós vamos lançar editais, e os grupos interessados vão se inscrever. Nós vamos pré-qualificar esses grupos por critérios absolutamente técnicos, de potencial financeiro, comercial. Entre os qualificados, nós vamos fazer uma concorrência de preço. Você vai estabelecer por determinada concessão de rádio um patamar de preço, e as empresas vão dar as suas propostas. Entre as propostas mais bem classificadas, você vai estabelecer critérios. O que é critério? Por exemplo: se um grupo já tiver uma rádio numa região, o outro grupo que não tiver vai ter prioridade; isso vale para qualquer tipo de serviço. É uma coisa clara, cristalina, impessoal, democrática e transparente, porque o critério deste governo é entender que os meios de comunicação são bens da União e devem ser administrados em função dos interesses da sociedade.

Matinas Suzuki: Então, em nenhum momento o senhor pretende aproximar as funções de articulador político do governo com as de ministro das Comunicações, como já foi feito em outros governos?

Sergio Motta: Este governo não tem esse tipo de negociação, por orientação expressa do presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. É um governo em que o único critério válido é: nós só negociamos com a sociedade. O único critério válido em todas as decisões é o interesse público; só ele é que vale, ele é o principal, o único decisório deste governo.

Matinas Suzuki: Dácio Nitrini, por favor.

Dácio Nitrini: Pois é, acho que a primeira pergunta que cabe, nesse tema, é se esta não será mais uma trombada no Congresso, porque o mapeamento das propriedades de emissoras de rádio e televisão indica uma grande distribuição entre os parlamentares: senadores, deputados federais ou ex-senadores, que hoje são governadores etc. Como é que isso vai ser articulado no Congresso?

Sergio Motta: Primeiro, eu quero dizer o seguinte: eu quero registrar, que tenho tido, da parte do Congresso – do presidente da República, também –, as melhores demonstrações de defesa do interesse público. Desde que o governo tomou essa decisão.

Matinas Suzuki: Isso deixa o Brasil animado, ouvir essa frase. [risos]

Sergio Motta: Eu acho que nós estamos precisando ficar animados. Eu acho que nós precisamos começar a acreditar no Brasil, porque essa teoria de não acreditar em nada conduz a um país pobre, pessimista e sem projeto. Esse é um governo que acredita no projeto do Brasil. Nós não acreditamos em ironias fáceis, buscando só a repercussão fácil; nós acreditamos num projeto profundo, de interesse coletivo. Esse é o compromisso do presidente Fernando Henrique Cardoso. Então, eu quero dizer que – desde que o presidente da República aprovou essa decisão de interesse coletivo –, não houve nenhuma manifestação contrária. Tanto é que nós vamos propor esse decreto – apesar de que é matéria de decisão do executivo –, nós vamos discutir no Congresso. E nós precisamos entender também que não podemos viver analisando o passado. O país vive revolvendo o passado. Eu sempre digo que o projeto deste governo não é revolver o passado, mas construir um novo futuro, e é o novo futuro o que nos interessa. Eu não quero discutir o que aconteceu no passado, eu quero discutir um futuro novo, onde se tenha um meio de comunicação, um bem do país, que deve ser gerido em função do interesse coletivo. Nós vamos ter, então, critérios democráticos e transparentes. Os meios de comunicação são, hoje, a sociedade de informação; não é o futuro, é o presente. Nós vamos viver uma nova era no mundo, onde toda a forma de organização de trabalho, da economia, vai se modificar. Nós devíamos estar nos mobilizando como sociedade para que o Brasil seja colocado nesse patamar, senão, o Brasil, mais uma vez, ficará como nação de segunda categoria, e isso, este governo não deixará acontecer.

Dácio Nitrini: Perfeito, ministro, essa é uma intenção louvável, conhecida. O que acontece é que está havendo uma resistência muito grande dentro do Congresso – os jornais estão mostrando, estão espelhando isso –, às reformas. Tanto, que há uma crise enorme...

Sergio Motta: Eu acho que as reformas – isso nem é matéria da minha área –. Eu queria ficar restrito porque eu sou ministro das Comunicações, eu queria discutir problemas mais técnicos.

Dácio Nitrini: Infelizmente, o senhor é um dos "três mosqueteiros do rei", o quarto é o Malan [Pedro Malan, ministro da Fazenda dos dois mandatos de FHC].

Sergio Motta: Não, eu não sou. Um mosqueteiro pode acabar sendo ferido. Eu não quero entrar em duelo. Eu não quero correr esse risco. Eu não sou esgrimista para ser mosqueteiro. Então, o que eu quero dizer é o seguinte: eu acho que fomos muito felizes – o governo como um todo –, na ordem econômica. Ter colocado a ordem econômica em primeiro lugar, depois, a ordem previdenciária e tributária. A ordem econômica é um consenso da sociedade. Eu sou daqueles que acham que... bom, vão ser consideradas a lei de concessões, que liberou o setor elétrico para participação de capitais privados, que liberou portos e estradas a um nível, que nós ainda não conseguimos imaginar as coisas que são possíveis de se fazer; uma ordem econômica, que eu tenho certeza – se você pegar, a maioria do Congresso, todas as pesquisas dizem que tem de aprovar –, a sociedade tem de aprovar. Que vai flexibilizar a situação mineral, telecomunicações, petróleo... nós estamos à beira de um amplo surto de progresso no país. É claro que precisamos ter juízo, um pouco de sorte. Esse é um programa de estabilização que demanda uma gestão complicada, mas que a equipe econômica tem feito com muita competência. Então, na realidade, eu tenho certeza de que, no Congresso, esses problemas que nós temos tido são normais do jogo democrático. Eu estranho as pessoas que se assustam com isso, talvez sejam pessoas que tenham saudade da ditadura, tenham saudade do autoritarismo, onde a decisão era tomada no [Palácio do] Planalto e implantada para o país. Esse Congresso é representativo da sociedade que está aí, essa sociedade votou nele, é uma composição social. Eu respeito e digo mais: cabe ao político fazer intermediação dos interesses da sociedade e do executivo. É legítimo! Cabe a você arbitrar, tanto ao legislativo quanto ao executivo, aquilo que é legítimo do interesse coletivo.

Dácio Nitrini: Acontece que os políticos, ministro, estão reclamando que não está havendo essa intermediação, que eles não são atendidos. O que é? Eles não estão sendo atendidos nos cargos?

Matinas Suzuki: O governo vem tomando, no Congresso – o senhor me desculpe –, mas derrotas, que são um vexame: o juro a 12%, o salário mínimo de 100... quer dizer, uma série de...

Sergio Motta: Não teve nenhuma derrota. Eu discordo integralmente. Essa proposta dos juros estava na pauta há anos. O salário mínimo já foi declarado pelo presidente da República e já deu 100 reais.

Matinas Suzuki: Mas o momento da votação mostrou que o governo não tinha uma articulação e não tinha uma presença forte, e com os acontecimentos...

Sergio Motta: Não vamos confundir: primeiro, nós tivemos um mês de convivência com o Congresso velho; isso é um erro da Constituição, precisa ser extirpado. Nós realmente só temos convivência com o Congresso, efetiva, a partir de 15 de fevereiro. Nós temos 20 dias, 25 dias de relacionamento com esse Congresso; isso é normal, é ajuste. As lideranças estão assumindo agora, os coordenadores de bancada... é legitimo cada um reivindicar o seu espaço. Nós precisamos entender que esse jogo é legítimo, não é estranho; isso faz parte da sociedade. Em qualquer país do mundo, nos Estados Unidos, na Inglaterra, tem esse jogo. Os interesses do legislativo que representam as suas “mini-sociedades” – vamos dizer assim –, as suas comunidades. É no executivo que dá para preservar o interesse público. Nós temos que encontrar o patamar onde o interesse público seja determinante. Agora, nós temos tido do legislativo... eu na minha área ainda não fui – eu seria mentiroso – pressionado a tomar qualquer decisão que não for de interesse público. Nós não demos nenhuma permissão, nenhuma concessão. Só daremos depois que estiver aprovado pelo presidente da República. Esse novo critério de distribuição – e não houve nenhuma pressão –. Essas coisas a que a gente assiste é busca de espaços legítimos. Tenho certeza, o presidente da República tem absoluta liderança sobre o país, absoluta liderança sobre o governo. Nós temos um governo que está tendo uma ação administrativa – que ninguém pode negar – brilhante, porque está buscando uma nova forma de governar, com câmaras setoriais, políticas integradas e está buscando, agora, uma forma de ajuste político e que chegará a ela. Aliás, eu quero dizer uma outra coisa: eu me sentiria profundamente deprimido se não houvesse contradições com o legislativo. Ou nós aceitamos que isso faz parte do jogo democrático ou nós vamos voltar, de repente, a teorizar sobre o autoritarismo como forma legítima de poder.

Celso Ming: Ministro, o senhor está falando das novas concessões, e uma das mais insistentes propostas das esquerdas – e o senhor é um homem que provém das esquerdas – é de que se reveja aquilo que se chama, que chamam aí, de “monopólio da Rede Globo”. Como é que o senhor vê esse aspecto e o que o governo pretende agora com as concessões já existentes?

Sergio Motta: Bom, primeiro que eu acho que se situar em torno de um grupo é desagradável, até porque eu quero dar um testemunho público de que a Rede Globo conseguiu estabelecer a sua posição predominante em função da sua profunda competência; esse é um dado irrebatível, o resto é papo furado. O que nós temos que estabelecer é uma livre competição, que é o objetivo deste governo. E eu tenho sentido todas as redes – eu também seria mentiroso, se dissesse o contrário –g randes, médias e pequenas, de televisão e de rádio, voltadas a esse projeto de ampliar, de dar mais pluralidade de participação no meio. É essa pluralidade que vai permitir a livre competição. Nós não queremos desregulamentar a economia? Nós não queremos a livre competição? É isso que este governo está oferecendo na área de comunicações: é relação profissional. Ponto! O grupo profissional que tiver competência vai ter condições de se habilitar e ter participação em rádio, TV a cabo. É a única coisa que nós vamos garantir, porque é esse o papel do governo: relação profissional para que todo grupo que quiser, se habilitar. Isso feito, é livre competição! Os outros grupos que tiverem competência que se estabeleçam e terão toda condição para isso, porque este governo, como eu falei, só negocia com a sociedade; não tem o que negociar, a não ser o interesse público.

Marcelo Parada: Uma vez habilitado, ministro, qual é o critério para seguir adiante, para que um grupo venha a adquirir um canal de rádio e televisão?

Sergio Motta: A nossa idéia – como eu falei, nós estamos ainda em fase de preparação, 45, 60 dias; tem um grupo de trabalho fazendo isso – mas a idéia é trabalhar com três critérios. Como eu falei: você solta o edital de um determinado serviço; daí, esse edital estabelece pré-condições: técnico, comercial, financeiro, econômico, tradição de mercado, ou tradição gerencial. Eles apresentam as suas propostas e, segundo esses critérios, é julgada [a proposta]. São pré-selecionados os grupos que preencherem as pré-condições. Do grupo pré-selecionado, uma idéia é fazer uma espécie de bolsa de preços. Estou dizendo tudo isso no condicional, porque leilão, não é. Eu nunca falei em leilão. Não sei de onde surgiu essa história, porque leilão seria uma loucura, porque privilegia grandes grupos econômicos. Quer dizer: o cara vai lá, pega um banqueiro chinês, o cara vem e compra tudo. Não é por aí, entende? Nós vamos estabelecer, provavelmente, uma bolsa de preços, onde você terá [valores] para AM, FM, dependendo da região, entende? Então, nós lançamos uma AM numa região média; então ela custa “xis”; estabelecemos um patamar e abrimos propostas com aquilo. Quem der a proposta mais alta numa faixa que está sendo estudada, daí você classifica por ordem. Aí entra um terceiro critério, que é o critério da não-concentração, em nome da pluralidade: se naquela região a pessoa já tiver uma estação de rádio, terá prioridade a outra.

Ethevaldo Siqueira: Ministro, três pontos que eu gostaria de ouvir o senhor daí: o senhor não falou sobre a revenda das concessões. Há intermediários que simplesmente obtêm essas concessões para fim de revender.

Sergio Motta: Exatamente. Isso é uma vergonha.

Ethevaldo Siqueira: Segundo: o Brasil é um dos raros países do mundo – pelo menos do mundo em desenvolvimento, ou desenvolvido – que não cobram nada pelo uso das freqüências; isso é uma fonte de renda em vários países do mundo. A Austrália, por exemplo, arrecada este ano mais de 2 bilhões de dólares. Uma emissora de rádio, uma de televisão, as empresa telefônicas e todas que usam freqüência recebem a concessão de graça, aqui, e não pagam nada pelo uso da freqüência durante 10 ou 15 anos. O que o senhor pensa disso?

Sergio Motta: Bom, eu acho que você tocou num ponto fundamental e eu tenho uma posição clara. Nem tudo tem decisão porque vai depender do presidente da República, mas primeiro, em relação à revenda que você falou, eu acho uma vergonha. Nós tivemos um verdadeiro balcão de negócios no país, que é bem efetivo, onde, às vezes, as empresas que mal tinham assistência – isso é público – ganharam concessões e revenderam. Nós temos concessões de TV a cabo revendidas por 10 milhões de reais. Você, que é do ramo, sabe da área, sabe disso. Isso, nós vamos quebrar, porque já está absolutamente suspenso pelo novo critério, porque inclusive, um dos critérios que nós colocamos no decreto é um critério automático de punição, não é para ser julgada juridicamente. Se o sujeito vender, automaticamente, está cancelado. Porque daí, você criaria no comprador – mesmo que seja um contrato de gaveta – um receio muito grande, porque sabe que já perdeu, mesmo que for descoberto depois de algum tempo, entende? Então, nós estamos estudando, juridicamente, um critério muito rígido de, automaticamente, perder a posição. Segundo, outra coisa que o senhor falou: efetivamente, os meios de comunicação são bens do país e da sociedade, como energia hidráulica, como são os rios, a água – isso é o universo, isso é o ar –, são as freqüências disponíveis. Nós, inclusive, estamos fazendo um reestudo de todos os aspectos de freqüência no país, porque como você sabe, o código de telecomunicações é de 62 [Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei no. 4.117, de 27.08.1962]! Nós estamos revendo as bandas de trabalho dessa freqüência, estamos revendo todas as concessões de rádio, porque muitas não foram exercidas. Vamos fazer a revogação global, e eu tenho a opinião – pessoal, eu quero deixar claro – de defender que, nas renovações – isso tem direitos adquiridos –, seja cobrada uma taxa pelo uso das frequências. Eu acho isso de uma clareza absoluta.

Matinas Suzuki: Que base teria para o cálculo dessa taxa?

Sergio Motta: Nós estamos estudando. Provavelmente uma taxa para ir formando um fundo para aplicar nas próprias telecomunicações. Em todo o mundo é assim: para modernização, para ampliação, para o próprio uso. Porque isso é da sociedade, não é meu nem seu, é de todos nós. Como é que você pega um negócio, dá para um sujeito, o sujeito pega e vende por 1 milhão, por 2 milhões? Tem sujeito que vivia disso: isso acabou! Então, eu não quero discutir o passado. Isso, no governo Fernando Henrique – e eu acredito que daqui para frente, em todos os governos – acabou! E é isso que eu tenho dito que nós temos tido apoio total do Congresso, não tenho tido nenhuma reação.

Luciano Suassuna: Agora, junto com esse projeto, o senhor pretende também reduzir o prazo das concessões? Já que hoje, são 15 anos para uma televisão...

Sergio Motta: Isso é uma coisa mais complicada. Eu acho que até disse, numa entrevista – parece que à própria Isto É – que eu acho 15 anos uma vida. Eu acho – a minha opinião pessoal –, que precisa mudar o período de reavaliação, entende? Se os serviços de concessão estão sendo bem prestados.

Luciano Suassuna: E aí o governo cobraria em cada um desses períodos?

Sergio Motta: É, por exemplo, uma coisa assim: eu acho que cabe reavaliar. Eu até – depois –, acho que vamos tocar na flexibilização do monopólio que a gente está propondo. O poder da União cresce, não enfraquece, porque o poder concedente da União é forte, e os pactos..


Marcelo Parada: Mas a concessão já é em caráter precário.

Sergio Motta: Mas nos pactos contratuais futuros – por isso que eu tenho dito que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil –, nos pactos contratuais futuros, os critérios de concessão são muito rígidos: se o concessionário não atender, a gente tira e dá para outro, faz outra concorrência.

Dácio Nitrini: Os Estados Unidos não têm nada parecido com a Embratel, ela tem um monopólio...

Sergio Motta: Têm um pouco; eles são mais rígidos do que a gente.

Matinas Suzuki: Vamos ouvir a pergunta da Elvira Lobato, por favor.

Elvira Lobato: Ministro, o senhor fala em democratizar os meios de comunicação e, ao mesmo tempo, fala em não revolver o passado. Quem analisa e quem vê o cadastro do Ministério das Comunicações sobre os titulares de meios de comunicação, rádio e TV, percebe rapidamente que há um grande número de rádios e televisões em nome, hoje, de testas de ferro, isso praticamente em todo o país. Como é que o senhor pode, quer dizer, como que é possível se democratizar sem revolver esse lixo do passado? Você tem, hoje, políticos que têm televisão em nome de mulher, de filho, de cunhado ou de empregados...

Sergio Motta: Eu acho que aí é o seguinte, quando eu digo “não revolver o passado” – deixa eu deixar claro o seguinte – eu acho que o nosso compromisso, para o qual o presidente Fernando Henrique foi eleito e seu governo foi votado, é para construir um futuro novo, é isso que eu quero dizer. Porque no teu critério não teria nem anistia política, nós estaríamos vivendo – espera, deixa eu acabar –, nós estaríamos vivendo os problemas, aí, é uma espécie de anistia. Eu não vou discutir. O meu problema não é construir um passado, eu sou uma pessoa... eu vivi 30 anos de militância, com alguns companheiros meus numa dificuldade brutal e tivemos a grandeza de estabelecer uma anistia, de construir um país que está hoje aí, democratizado, com um presidente eleito com o perfil do presidente Fernando Henrique Cardoso, que é uma liderança, hoje, mundial. Quer dizer, surpreendentemente, um país como o Brasil elege uma pessoa como o presidente Fernando Henrique. Então, no caso de comunicações, não me interessa, eu vou ser absolutamente rigoroso sob o ponto de vista legal e formal. Quer dizer, se determinado grupo, você constatar que são grupos que têm testa de ferro e não obedecem – aliás, a própria Constituição já estabelece aquele outro decreto, critérios de participação –, nós vamos tomar providências legais. Agora, nós não vamos ficar revolvendo. Nós vamos tomar atitude legal e formal, ou seja, os que já têm concessão, nós estamos atualizando aquele cadastro; ele tinha falhas, nós vamos pedir para comprovar cada vez que renovar, a estrutura acionária, vamos ser mais rigorosos, nos que constatarmos, efetivamente, daí a gente cassa.

Matinas Suzuki: Ministro, o senhor tem um companheiro de ministério, o ministro da Agricultura, Andrade Vieira [José Eduardo Andrade Vieira, proveniente de família de banqueiros, senador, também foi ministro da Indústria, do Comércio e do Turismo no governo de Itamar Franco], que disse que comprou uma televisão. Como é que o senhor analisa esse caso, por exemplo?

Sergio Motta: Por exemplo, ele, como o ministro José Eduardo...

Matinas Suzuki: Ele não tem a concessão.

Sergio Motta: Ele comprou 49%, encaminhou os documentos para o ministério. Para você ter transferência de concessão, tem dois procedimentos...

Elvira Lobato: Ministro, ele não encaminhou, ainda, não.

Matinas Suzuki: Elvira Lobato está dizendo que ainda não encaminhou.

Elvira Lobato: Até ontem, pelo menos, não tinha encaminhado, ainda, não. Porque a legislação diz o seguinte: televisão, só o presidente da República pode autorizar se for mais de 50%; até 49%, na delegacia. Mas na delegacia, não foi.

Sergio Motta: É isso que eu ia responder, mas você está bem informada, então diz. Tem o direito de encaminhar direto para o ministério. Você está enganada, eu ia dizer isso, mas responda, você está mais informada do que eu.

Elvira Lobato: Me informaram o seguinte – até, a própria empresa – me informou o seguinte: como ele tem muitas dívidas, as empresas, eles estão tentando ainda uma solução interna. O que eu ia perguntar para o senhor é o seguinte: o Código Brasileiro de Telecomunicações é uma ficção, ele diz que nenhuma televisão pode ser vendida...

Sergio Motta: Espera, vamos responder primeiro a pergunta dele, porque você mudou de pergunta. Então, agora eu posso responder?

Elvira Lobato: Pode.

Sergio Motta: Obrigado, menina. O problema é o seguinte: ele diz o seguinte, você, para transferência de concessão, se é mais de 50%, tem que fazer um determinado procedimento; menos de 50%, é outro procedimento. O ministro preparou os documentos, encaminhou para o ministério – o que é perfeitamente legal, esse é um direito que ele tem –, os documentos comprobatórios de que ele negociou só 49%. É isso: ele comprovou que é 49%. Quer dizer, ficar agora, fazendo induções, se é 49% ou não é, isso é outro problema. Nós temos que nos ater às documentações legais.

Matinas Suzuki: Agora, o governo tem condições de investigar isso, por exemplo? O senhor está dizendo que o repasse não vai ser permitido daqui para frente. Quais os mecanismos legais que se têm nisso?

Sergio Motta: Como é sociedade – isso que eu estava dizendo para a Elvira –, nós estamos sendo absolutamente transparentes nos critérios. Então, por exemplo, nós estamos atualizando com detalhes o cadastro. Tem um cadastro lá – que ela sabe porque ela cobre a área –, que é muito mal conduzido. Você vai ter todas as renovações. Para vocês terem uma idéia, o ministério tinha 4 mil e 500 processos parados de multa de outorga, 1 mil e 300 e tantas concessões não renovadas, algumas há 10 anos paradas, na delegacia, você sabe disso. Nós estamos revendo tudo. Estou com um grupo, nós mobilizamos – não sei quantos –, acho que 10 ou 12 advogados de todas as teles [denominação reduzida para as companhias que operam no setor de telecomunicações]. Formamos pessoal, primeiro, para atualizar 4 mil e –sei lá – 500 processos, multas e irregularidades pequenas, que vieram tudo parado.

Matinas Suzuki: Vamos à pergunta do Wagner.

Sergio Motta: Tem uma frase que eu digo: “A confusão gera esculhambação”.

Wagner Barreira: O senhor pretende criar um órgão normatizador e fiscalizador nos moldes da FCC Americana [agência norte-americana de regulação administrativa de telecomunicações], por exemplo, que é uma coisa muito rigorosa?

Sergio Motta: Eu acho que você fez uma pergunta-chave. Eu queria até responder mais amplamente: eu acho que, nas emendas da ordem econômica, na parte de telecomunicações, a proposta é muito simples: ela propõe claramente que a exploração dos serviços públicos pode ser feita por empresa de qualquer composição de capital, pública ou privado. É isso que ela milita. Então, nós vamos ter uma flexibilização no monopólio. Aí, o que você vai ter? Você vai ter que o poder concedente da União permanece e permanece de uma forma forte e rigorosa. Então, a União passa a ter um poder concedente, regulador e fiscalizador. Nos pactos contratuais de concessão – que isso que eu disse que não é exercido atualmente, que não é uma esculhambação –, você tem que ser rigoroso ao estabelecer os critérios para o concessionário. Aí, o que você vai ter? Você vai ter que ter um órgão regulatório forte, que é como há de ser feito.

Wagner Barreira: Qual é a composição desse órgão?

Sergio Motta: Nós vamos estudar. Eu, por exemplo, tenho defendido que no limite do cenário, você tem a Telebrás [Telecomunicações Brasileiras S.A.], que deixa de ter o caráter de holding [empresa que encabeça um grupo de organizações que operam em determinado setor ou vários deles] e seja, no fundo, um órgão executor do poder concedente da União. A partir da Telebrás, se mantém a Embratel [Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A.] como órgão, empresa estratégica, podendo abrir capital para participação privada. Mas sempre precisa se ter um órgão público para regular o que eu chamo de tráfego nas “supervias” de informação. Você sabe que nessas supervias de informação, hoje, você transita com dados, voz, imagem, num conceito de multimídia em que se faz o que quer. Então, numa supervia dessas você precisa garantir, democraticamente, que qualquer grupo que quiser transitar possa transitar e pagando um pedágio. Aí, você precisa ter um órgão regulador, que seria mais o papel da Embratel.

Wagner Barreira: O senhor disse a respeito das concessões para rádio e televisão que quem tem competência vai se estabelecer; no caso da telefonia, vai ser a mesma coisa? Com a Embratel?

Sergio Motta: Eu acho que também, eu defendo. Vamos estabelecer: em telefonia, a grande crise que a população sente, não é da Embratel, porque a Embratel faz as ligações interurbanas, interestaduais; são até eficientes. A grande crise está nas teles, que é a telefonia básica cabeada [rede de telefonia convencional, suportada por fios]. Eu defendo absoluta liberação para livre competição. Eu não defendo é o monopólio, é a privatização com o monopólio, como aconteceu com outros países, que eu acho equivocado porque você não estabelece a livre competição. Em alguns países, eu estou sentindo a angústia deles, lá, estou mandando gente. Eu estabeleço a mais absoluta livre competição de mercado. Pena que não possa ser como nos Estados Unidos, entende? Mas eu acho que vale competição na área física para telefonia cabeada, porque aí se tem o problema da estrutura física, mas você pode pôr no mesmo local, no mesmo estado, dividir em regiões.

Elvira Lobato: Você tem, hoje, as redes de TV a cabo também. Os cabos das TVs podem levar telefonia?

Sergio Motta: Você pode. Aliás, o ideal é até que se pudesse pensar num sistema que – até eu brinco - é do Japão pré-terremoto. Porque eles iam fazer tudo com fibras ópticas. Eu não sei se no pós-terremoto, porque isso é muito caro, mas o ideal é ter um sistema completo, porque daí, você passa tudo. Mesmo esse sistema MMDS microondas [em português: Serviço de Distribuição Multiponto Multicanal, ou wireless, “sem fio”], pode enviar o sinal pelo cabo de fibra óptica, e ele vira TV a cabo, um meio tecnológico...

Matinas Suzuki: Quem não fez pergunta ainda, por favor.

Marcelo Pontes: Ministro, por favor, telefone é uma tragédia neste país, uma grande complicação. O senhor falou um dia desses que há um déficit de 8 milhões de telefones no Brasil, mais ou menos, e a taxa de queda de ligação é uma coisa também assombrosa, muito alta, em torno de 10 a 12%, parece que em dezembro. Além da privatização, o que pode melhorar, que providência o governo toma, o que vai melhorar a vida do cidadão nesta área, de telefone?

Sergio Motta: Deixa eu até falar uma resposta mais ampla. Você fez uma pergunta muito importante. Eu acho que, como eu disse, a flexibilização do monopólio é fundamental para nós, porque mantém um poder forte de Estado, concedente, regulatório, fiscalizador. Nos permite abrir para livre competição.

Marcelo Pontes: Inclusive nas áreas já exploradas pelas empresas estatais?

Sergio Motta: Eu acho que o cenário que nós devemos trabalhar é um cenário, um limite, onde você só tem a Telebrás: perdendo mais poder em holding do que esse que você falou, o critério de ser um órgão regulador do poder concedente, forte; e a Embratel: estratégica, abrindo para capital privado, mas tendo poder de regular o tráfego nas supervias de informação para democratizar o acesso. Dentro desse cenário limite, a transição, vale tudo. Primeiro, nós vamos ter que abrir as áreas de demanda crítica, essa é a intenção do governo. O que é a demanda crítica? Telefonia cabeada é essa em que você tem fios. É verdade que você tem uma demanda, você tem o quê? Oito, oito e poucos telefones por cem habitantes. É verdade que você tem uma demanda muito grande, mas nós estamos, agora, definindo o que nos interessa. Por exemplo, em telefonia cabeada, interessa o quê para o Brasil? Trabalhar com que densidade? O país é muito grande. Qual é o papel que nós vamos dar para a telefonia celular? A telefonia celular vai substituir a cabeada? Em grandes centros urbanos você tem um problema, mas ela pode em médios centros urbanos. Ela é mais barata para se instalar; mas a operação é mais cara; mas talvez, você possa reestruturar as tarifas. A telefonia rural: você vai atender com telefonia celular, ou vai atender com outros critérios? Então, a nossa idéia, de cara, é atender às demandas críticas. Por exemplo, você pega áreas, com que objetivo? É melhorar a prestação de serviço à população, isso é o objetivo. Então, isso vai implicar o quê? Você vai ter que abrir essas áreas para livre especulação, pelos capitais privados e empresas, as teles existentes. Eu acho que vai ser um processo, primeiro, de descarte de algumas que são pequenas. Eu tenho a impressão de que você vai ter que agrupá-las – eu não falo em regionalização porque é uma palavra equivocada –, agrupar de quatro para seis empresas, para dar viabilidade econômica. Agora, a tele pública é uma empresa estatal, estadual. Competir com uma privada é como Mike Tyson [boxeador norte-americano cinco vezes campeão dos pesos pesados] que lutar com Maguila [Adilson "Maguila" Rodrigues, o primeiro brasileiro a tornar-se campeão mundial peso pesado, que obteve 64 vitórias no ringue], porque é absolutamente covardia e, mais que covardia, seria irresponsabilidade do poder público, porque você dilapidaria em seis meses. Para haver competição como você tem no Canadá – eu estou querendo colocar todo o cenário; no Canadá se compete, deram condições – você precisaria desregulamentar todas as teles. Desregulamentar: você não pode ter orçamento vinculado à União, não pode ter concorrência pública. Então, no meu cenário, eu acho que a gente, de cara, vai ter que abrir a área de demanda crítica. Tem que pegar a Telesp [Comunicações de São Paulo S.A.], por exemplo, provavelmente pegar partes de São Paulo ou regiões, e colocar em concorrência, para especulação privada, a telefonia cabeada. Eu acho que vai ter que fazer isso. E no meu cenário, eu acho que a transição leva à privatização de todas, ficando no cenário limite com a Embratel com aquele papel e a Telebrás, aquele outro papel.

Elvira Lobato: Como é que o senhor define qual é a área crítica? Porque em São Paulo, no interior de São Paulo, o ano passado, um cara morreu numa fila em Bauru.

Sergio Motta: Não, mas disso daí, nós temos todos os indicadores.

Elvira Lobato: É a cidade de São Paulo?

Sergio Motta: Não, Rio, por exemplo. Rio para mim é uma tragédia grega, eu tenho dito. No Rio, já era para montar uma outra empresa. Fechar a Telerj [Telecomunicações do Estado do Rio de Janeiro] e começar outra.

Matinas Suzuki: O senhor é a favor de fechar a Telerj, ministro?

Sergio Motta: Eu não sou a favor, isso é uma forma de expressão. Eu acho que seria mais fácil fechar a Telerj e começar outra, porque a Telerj está um desastre. A população tem todo o direito de reclamar e reivindicar; a prestação de serviço é de baixo nível. Nós, agora – não sei se vocês viram –, nas ligações interurbanas, estão com uma dificuldade de por técnico. Nós colocamos uma estação lá em operação que tirou do [estado] crítico as ligações interurbanas, por causa das operações financeiras de bolsa. Isso, já tiramos do crítico. Mas a Telerj é um desastre mesmo, tem que reconhecer isso no Brasil, isso tem que ser dito para a população: ela tem direito, o serviço público é uma droga, o telefone é uma droga, isso é papel do governo resolver. Ele elegeu o serviço pra isso.

Wagner Barreira: Qual é o tamanho do nosso atraso tecnológico?

Luciano Suassuna: Não, não, oh, Wagner, por favor. Ministro, o serviço público é uma droga, o telefone é uma droga, a Telesp...

Sergio Motta: Eu falei a Telerj! Espera, não começa a ampliar! Vamos ser precisos porque essa onda de querer ampliar declaração...

Luciano Suassuna: Da Telerj, me desculpe.

Sergio Motta: Vamos fazer um acordo, porque senão eu também vou fazer isso...

Luciano Suassuna: Sem problema, sem problema. Mas é que o senhor que está falando aí, se referindo à Telerj. Ok, sem problema, o senhor está falando, está gravado. Mas de qualquer jeito, apesar de todas essas mazelas aí, o senhor disse que pretende aumentar o preço das tarifas telefônicas, porque no preço de hoje...

Sergio Motta: Onde eu falei isso?

Luciano Suassuna: O senhor disse...

Sergio Motta: Onde eu falei isso? Onde está declarado isso? Pergunto se tem aspas. Eu quero comprovação pública e quero gravado! Eu nunca falei isso. O que existe no Brasil, a resposta correta – que tem que ser dita com franqueza para a população –, vamos instaurar no Brasil uma espécie de jogo da verdade de criança. É Pollyanna [referência à personagem principal do romance escrito pela inglesa Eleanor H. Porter em 1915, a órfã Pollyanna, que recusava-se a mentir e praticava o tempo inteiro o “jogo do contente”, brincadeira que obrigava a ver sempre o lado bom de todos e de tudo] agora, o governo de Fernando Henrique é um “momento de Pollyanna”. Tem que dizer a verdade, e a verdade é a seguinte: a estrutura tarifária do país é equivocada. Ela parte de um princípio de subsídios cruzados, ela até teve um papel social que foi para disseminar a telefonia. O telefone interurbano é caro, o telefone celular é caro, a telefonia básica é barata, então, o que vai acontecer? Não vai ter privatização. Por que não vai ter privatização? Escuta e depois você acha pra me cobrar, entende? [dirigindo-se ao entrevistador] Não vai ter privatização... senão, aí sai errado. Então, o negócio da telefonia é o seguinte: nós queremos fazer um re-estudo da estrutura tarifária para que cada serviço... é assim: telefonia cabeada é um preço, telefonia celular é outro preço, comunicação de dados é outro preço; cada serviço tem que ter um preço, senão você não consegue nem privatizar. Porque todo mundo vai querer fazer telefonia celular. Aliás, a concorrência da banda B...

Luciano Sussuna: Nesse jogo da verdade, então, vamos simplificar a pergunta: afinal, as tarifas estão abaixo do preço que deviam estar ou não?

Sergio Motta: Eu não sei. Nós estamos estudando a estrutura tarifária. Pode ser que o mix da tarifa fique o mesmo. Nós precisamos alterar, para cada serviço que os serviços públicos de telecomunicações prestam: ele presta serviço de telefonia cabeada etc. Cada um tem que ser um preço real. Como se preserva a população? Como? Ampliando a telefonia... vamos ser francos: você não vai dar telefonia cabeada para o país inteiro, isso é impossível, isso nem nos Estados Unidos. Você vai ter que ampliar telefonia comunitária, você vai ter que ampliar telefones públicos brutalmente, entende? Você tem que ampliar esse tipo de serviço. Você vai manter a tarifa básica nossa, que é baixa, todo mundo sabe.

Ethevaldo Siqueira: Sessenta e um centavos por mês é o residencial, e cada impulso, cada ligação no Brasil, custa dois centavos. E com 61 centavos, o assinante residencial pode fazer 90 chamadas de três minutos cada uma. Nenhum país no mundo, aliás, o único que é mais barato que o Brasil é o Kuwait, que dá de graça o serviço local.

Elvira Lobato: Canadá, também: a ligação local é grátis.

Ethevaldo Siqueira: Sim, mas não a assinatura básica. A chamada é de graça, o Kwait dá zero...

Sergio Motta: Podemos até chegar, estamos estudando isso. Tem um grupo no ministério estudando.

Ethevaldo Siqueira: Agora, em compensação, para compensar essa bondade, esse paternalismo nas tarifas locais, nós temos tarifas internacionais e de longa distância e de comunicação de dados lá na estratosfera que, enquanto uma chamada dos Estados Unidos para o Brasil custa, hoje, em torno de um dólar por minuto, a da Embratel custa dois dólares e 40.

Sergio Motta: Por isso que tem aquele problema.

Ethevaldo Siqueira: Do call back [sistema que redireciona as chamadas, buscando rotas mais curtas entre os sinais] que nós chamamos um número do computador...

Sergio Motta: Chama para lá e automaticamente..


Ethevaldo Siqueira: ... ele reverte a ligação...

Sergio Motta: ... caindo a conta lá, e nós não temos como atuar sobre isso.

Ethevaldo Siqueira: Então, há tarifas, há serviços, que têm tarifas aviltadas no país.

Sergio Motta: Exatamente, os serviços de comunicação de dados, mesmo, são coisas novas que aconteceram. Já a estrutura tarifária é antiquíssima. O Código Brasileiro é de 62, ele não tem nada a ver com o desenvolvimento tecnológico. É que nem eu brinco: saiu telefonia, TV a cabo, tem que fazer uma lei; saiu MMDS, já querem fazer uma lei; vai sair o LMDS [sistema semelhante ao MMDS, porém, operando em banda larga]... para cada coisa vai fazer uma lei? Tem que ter um código novo, que, aliás, tem um grupo preparando um código que nós pretendemos, no máximo em 12 meses, chegar a uma proposta. Aliás, não é um código: a idéia está sendo fazer mais que um código, provavelmente um código para serviços de radiodifusão e um código para serviços especiais e limitados. Isso está sendo decidido, mas será mais ou menos isso. Inclusive, nós estamos pegando todo um conhecimento antigo, pegando pessoal mais antigo do setor, aquele pessoal da Telebrasil [Associação Brasileira de Telecomunicações], mobilizando outros conhecimentos, tendo contato com áreas externas. Nós temos um grupo estudando tarifas no ministério, re-estudando a estrutura; tem um grupo estudando esses problemas dos códigos, entende? Se nós conseguirmos chegar – um grupo estudando esse decreto que acabamos de discutir para estabelecer a forma de distribuição de concessões –, se nós conseguirmos, nós estabelecemos uma nova era nas telecomunicações, que é o nosso objetivo neste governo.

Matinas Suzuki: Ministro, sobre a privatização, nós temos aqui várias perguntas de leitores que enviaram fax ou de telespectadores que enviaram fax ou telefonaram, como a senhora Valdete Rodrigues, da Vila Leopoldina; o senhor Lohan Moel ,de Pinheiros; o senhor Gustavo de Souza, de Campinas; senhor Paulo Rodrigues, de São Paulo, senhor Jaime Souza, do Jardim Bonfiglioli... mas eu gostaria de dar ao senhor o privilégio de responder à primeira pergunta feita ao vivo, em televisão brasileira através da internet. O senhor Cláudio Chives, que usou o serviço de internet, ele é de Recife e pergunta para o senhor o seguinte: “Eu sou funcionário da Telpe [Telecomunicações de Pernambuco]. Gostaria de saber como andam as privatizações e quebras de monopólio relativas à minha empresa. Sou novo contratado, serei escolhido, caso haja demissões?”.

Sergio Motta: Eu acho o seguinte, primeiro – eu acabei de colocar –, na realidade, nós temos uma proposta que nós estamos elaborando, que é o novo programa para o setor. Será um programa de ampliação e recuperação do setor de telecomunicações e da ECT, que é a Empresa de Correios e Telégrafos – que é o nosso conceito: tratar comunicações como ente único –, esse programa, mais que uma programação de investimentos, ele está estabelecendo políticas. Por exemplo: política de satélites, que não tinha até hoje, – isso não é matéria da Embratel, do ministério; é matéria de concentração no presidente da República –, nós estamos estabelecendo qual é a política de Estado para satélites no Brasil e vamos levar ao presidente da República. Estamos estabelecendo a política de desenvolvimento tecnológico, que tem algumas alterações tecnológicas do desenvolvimento do sistema, estamos estabelecendo uma política. Para cada área de opticalização de redes, por exemplo, nós podemos fazer como o Japão, que fez micro-rede de fibra óptica? Isso seria o ideal, mas isso é caríssimo. Mas eu defendo a tese de que a gente lide, como já estamos programando todas as grandes capitais e mesmo cidades pólos, e dentro dessas cidades de um determinado porte, você faça a rede básica de distribuição, como estamos fazendo em Brasília. Estamos estabelecendo a política para telefonia convencional: com que densidade vamos trabalhar? Até que nível de população vamos atender? A política de telefonia para celular, por exemplo, existe agora uma solução que é o pager, [aparelho de comunicação móvel utilizado nos anos 90 no Brasil, antes da introdução do telefone celular] que é aquele bip, com mensagem alfa numérica, que agora tem voz nos Estados Unidos e que hoje pode ser uma solução para atender à pressão de telefonia celular de pessoal de renda menor. Isso custa 30 dólares nos Estados Unidos, por mês. Ou seja, isto vai gerar uma programação de quatro anos, enlaçada com mais quatro, e o objetivo é colocar a comunicação, o Brasil, na nova era. Como eu disse, a sociedade da informação está aí. No conceito de multimídia nós vamos ter novas formas de organização econômica da sociedade. O Brasil precisa disso rápido. Então, o objetivo do governo é essa programação para colocar o país nesse patamar. Bom, essa programação atinge uns 30 bilhões de reais nos próximos quatro anos, aproximadamente. Isso leva a um volume de investimento, que é óbvio que precisa ter capital privado. Não pode ser só capital público. É o óbvio ululante em qualquer país do mundo. Outra coisa: não tem mais conceito do monopólio. Hoje, nós temos desenvolvimento tecnológico, nós vamos ter essa banda K1, que logo nós vamos ter aqui no Brasil, que atinge diretamente as casas. Aqueles filmes que nós víamos, como Alphaville [filme do cineasta francês Jean-Luc Godard, de 1965, que narra a história de uma cidade futurista onde foram abolidos os sentimentos por um computador que assume o poder] – não sei se vocês lembram – que parecia uma coisa de especulação, é real. O controle da sociedade, se não fizermos, inclusive, regulamentos, critérios, isso é real. Então, dizer em monopólio, quando pode o satélite estar cobrindo tudo, não tem, com certeza. Então, concluindo, o nosso objetivo é estabelecer uma política voltada para... nós temos que cobrir a área, então a proposta da telecomunicação é flexibilizar o monopólio: mantém o poder concedente, mas abre para a livre competição, o que pode levar à privatização da teles. As teles privatizadas, elas vão ter que estabelecer um critério de competência, livre competição. A siderurgia não deu certo? E vou dizer mais: os dados da siderurgia foram excepcionais na privatização, e aumentou a oferta de emprego. Essa psicose de dizer que o desenvolvimento econômico pode levar à redução de trabalho, que tem uma tese que diz que não pode desenvolver muito porque acaba o emprego, daqui a pouco, nós vamos adotar o lema de que o desenvolvimento é o atraso! Esse não é o lema deste governo: o desenvolvimento é o desenvolvimento real buscando a melhoraria de vida da população.

Matinas Suzuki: Nós vamos a um rápido intervalo com o Roda Viva, que entrevista hoje o ministro das Comunicações Sergio Motta, e a gente volta rapidinho.

[intervalo]

Matinas Suzuki: Bem, nós voltamos com o programa Roda Viva, que hoje entrevista o ministro das Comunicações Sergio Motta. Nós lembramos que você pode participar deste programa fazendo perguntas pelo telefone (011)252-6525. Repetindo, (011)252-6525. Se você preferir fazer perguntas por escrito, use o fax: (011) 874-3454; (011) 874-3454. Como nós dissemos na abertura, pela primeira vez na televisão brasileira, o Roda Viva abriu uma linha especial através de computador, pelo sistema internet. Chegaram mais de 100 perguntas de diferentes países, além do Brasil. Ministro, eu queria fazer uma pergunta que nos chegou via internet de um amigo seu, o Betinho [ver entrevista com Betinho no Roda Viva]. Ele e o Carlos Afonso do Ibase [Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas] enviaram a seguinte pergunta para o senhor: “Como anda, concretamente, a proposta de democratização dos meios de comunicação? Qual a proposta do ministro em relação às concessões de rádio e TV já existentes?”. O senhor já falou um pouco sobre esse assunto, mas o senhor poderia voltar, para o Betinho, a esclarecer de novo?

Sergio Motta: Primeiro, é um prazer falar com um velho companheiro. Ele continua nas lutas, na busca de um país melhor. É isso que nos estimula a continuar: ver a luta do Betinho.

Matinas Suzuki: Quem diria, hein ministro, que depois de tanto tempo vocês se falariam via internet?

Sergio Motta: Via internet e tem mais uma coisa: buscando a transformação, porque só terá valido a pena chegar ao governo, como chegamos, se for possível construir um país diferente. Senão, não terá valido a pena. Mas em relação às concessões, eu já disse que as concessões futuras serão objeto de um decreto com aquelas características que eu falei, absolutamente impessoal e com um critério técnico. Em relação às concessões já concedidas, nós vamos ter um procedimento formal mais rigoroso – como eu falei para a Elvira –, de tal forma, que nas revogações, digo, nas renovações, você faça uma reavaliação mais adequada e mais detalhada dos critérios de concessões, que devem ser comprovados. Nós não temos outra saída. Em relação à democratização dos meios, nós defendemos aquela tese de que os meios de comunicação são bens da sociedade, devem ser exercidos em função do interesse coletivo. Então, todo o critério vai ser estabelecer uma relação profissional e buscando a pluralidade da participação. Eu acho que mais do que a pluralidade, nós temos que ter critérios gerais que estabeleçam essa participação. Hoje, em qualquer sociedade democrática –juro que eu fico muito frustrado –, quando eu vou ver a documentação da Espanha, é um tijolo; quando eu vou ver a do Canadá, é um tijolo; quando é do Brasil, não tem legislação, entende? Isso me frustra porque é um pouco... isso é uma relação unívoca com o nível de desenvolvimento do país. Então, se nós queremos ser um país desenvolvido, uma sociedade democrática, aberta, pluralista e sem medos, nós não deveremos ter medo de estabelecer critérios gerais que busquem que os meios de comunicação defendam o interesse da sociedade, isso, sob o ponto de vista educacional, sob o ponto de vista do interesse público, do interesse moral. É isso que este governo busca, e é isso que este governo vai discutir com a sociedade. Ele não imporá; será uma ampla discussão dentro da sociedade, que deverá depois chegar a uma discussão no Congresso, para chegar a uma proposta para o Congresso aprovar.

Celso Ming: Eu gostaria de ver melhor essa questão da livre competição. O senhor disse que precisa realmente haver uma nova competição dentro do espaço, digamos aí, da telefonia, mas ao mesmo tempo, o senhor disse que, se deixar vir a livre competição, as atuais teles morrem, são asfixiadas e tudo mais. Eu não consigo entender bem o que o senhor quer dizer, porque, veja bem, a única maneira de salvá-las é botar essas empresas para competir. Agora, se o senhor vai defender, não deixar chegar a competição, como é que faz?

Sergio Motta: Eu não falei isso. Eu acho que você está certo, mas na realidade, o que eu disse é o seguinte: eu defendo a livre competição de mercado entre as empresas, tanto é que a nossa idéia é estabelecer áreas de demanda e colocar em concorrência para todas as empresas interessadas em competir. O que eu disse é que na transição, você vai ter uma etapa de convivência entre a privada e a pública, e é uma covardia porque a pública não compete. Então, ou a pública deveria se desregulamentar, deveria atuar como empresa privada – poderia até concorrer, para poder competir –, ou ela terá que também sofrer um processo de privatização.

Celso Ming: Qual é a sua idéia?

Sergio Motta: Vai ter uma tendência a serem privatizadas, obviamente. Só que precisa preparar isso; nós não vamos entregar um patrimônio público assim... isso vai levar a um processo de preparação, daí é que eu citei que eu acho que se vai ter que agrupá-las em cinco ou seis empresas maiores, vai ter que fazer saneamento financeiro, não é nem regionalizar.

Celso Ming: Mas isso demora; o senhor tem quatro anos para fazer isso.

Sergio Motta: Isso é um processo que todo país do mundo fez. Nós não vamos fazer nada de afogadilho. Os que fizeram estão aí chorando por terem dado, e hoje não têm nem o bem, nem o dinheiro em caixa.

Elvira Lobato: O senhor está se referindo à Argentina, especificamente?

Sergio Motta: Não sei qual é o país.

Marcelo Pontes: Esse processo de transformação...

Sergio Motta: Só uma coisa: não é um processo fácil, não. Nós estamos constituindo um conselho consultivo no ministério, do qual estão participando consultores independentes, industriais, proprietários de meios de comunicação, profissionais autônomos, para estabelecer como vai ser esse processo de transição. Ele não é fácil, ele envolve critérios, vai ter que abrir capitais, tem que ver interesses do ponto de vista minoritários – que a Elvira sempre lembra –. É um processo complicado, só que é um processo que vai ter esse cuidado: abrir demanda crítica. Nós queremos garantir rapidamente uma melhoria de atendimento à população. O que eu chamo de demanda crítica? Eu posso pegar um pedaço da Telesp e colocar em concorrência, uma área de atendimento, entende? Agora, o processo de transição das teles existentes é uma coisa complicada. Tem tele que nem deveria existir; tem tele que antes era uma superintendência; tem tele que, antes, era um diretor superintendente que era diretor de uma tele regional; tem tele que tem conselho de administração.

Marcelo Pontes: Onde que é isso? Dá um exemplo.

Sergio Motta: Isso é uma bobagem, porque vai ser uma proposta pública, depois. Tem tele que tem conselho de administração e não deveria ter porque é sociedade de economia fechada, e isso o presidente já aprovou. Nós vamos reduzir conselho de administração já, agora. Na formação das novas nós vamos eliminar conselho de administração e eliminar quantidade de cargos. Tem tele que tem seis cargos, umas titicas... a tele de Xiririca tem seis cargos, porque foi feita para atender a todas as fontes, formas de composição possíveis, e a solução para a direção das teles é profissional. Nós acabamos de formar a Telebrás, a Embratel, e eu tenho orgulho de dizer que foi absolutamente profissional, com apoio integral do presidente da República.

Marcelo Parada: E a Telesp, ministro?

Sergio Motta: Será um critério profissional.

Elvira Lobato: Para presidente, um nome cotado é o do Sampaio Dória [Carlos Eduardo Sampaio Dória, eleito deputado federal pelo PSDB em 1998, foi presidente da Telesp, entre 1993 e 1998], que segundo se comenta, é indicação do governador Mário Covas [ver entrevista com Covas no Roda Viva].

Sergio Motta: Eu não estava sabendo.

Elvira Lobato: Em Minas também se fala que o presidente será por indicação do Azeredo [Eduardo Brandão de Azeredo, governador de Minas Gerais no período de 1995 a 1999].

Sergio Motta: Mas você tem formas de fazer gestão profissional, mesmo que você tiver pessoas que têm uma visão geral de administração. Você pode estabelecer formas: a maioria da diretoria, ser profissionais, tem vice-presidentes executivos.

Marcelo Pontes: Como nos Correios?

Sergio Motta: Nos Correios nós temos a participação rica do presidente Henrique [trecho inaudível] que é uma pessoa com experiência de vida suficiente para conduzir a gestão geral e ele tem uma diretoria tecnicamente qualificada para conduzir...

Elvira Lobato: O senhor tem como resistir a pressões do próprio PSDB?

Sergio Motta: Eu não tenho como resistir porque quem resiste é o presidente da República, e eu quero ter o orgulho de falar o seguinte: isso pode parecer balela, mas como agora é um “jogo de Pollyanna”, eu acho que precisamos começar a acreditar um pouco no que os outros falam, porque senão, este país vai acabar. O presidente da República, mesmo nas reuniões mais íntimas, profissionais, com grupos de ministros, tem defendido insistentemente o processo de reforma e de avanço, sempre, nas questões de Estado. Em relação às composições, ele teve a coragem pública de defender uma solução técnica, ele aprovou a Telebrás, ele aprovou a Embratel. Foi uma decisão do presidente da República e não deu nenhum problema político. E quero dizer mais: que como já houve privilegiamento político também, é uma solução ótima. Este é um modelo, aliás, de preenchimento de cargos neste governo: soluções profissionais apoiadas pelos esquemas políticos locais.

Dácio Nitrini: Voltando à questão difícil, já que é um jogo da verdade, ministro, seria importante que o senhor nos explicasse detalhadamente porque o senhor não quis a continuidade do deputado Pimenta da Veiga [o suposto desentendimento teria iniciado ainda na campanha de Fernando Henrique Cardoso à presidência, com recorrentes intervenções de Pimenta da Veiga, à época presidente do PSDB, quanto às decisões do coordenador Sergio Motta. Mais tarde, Pimenta da Veiga assumiu o Ministério das Comunicações, assim como a posição de principal articulador político do governo, tendo sido nomeado por FHC, após a morte de Sergio Motta, em abril de 1998] no PSDB e criou uma crise partidária que ainda está sendo administrada?

Sergio Motta: Eu pensei que o assunto fosse comunicações!

Dácio Nitrini: É impossível dissociar, o senhor é político também.

Sergio Motta: Deixa eu dizer o seguinte, eu sou, há três anos e meio, indo para quatro, secretário geral no PSDB. Participei de toda a construção, sou fundador do partido. Segundo: em relação ao companheiro Pimenta da Veiga, eu tenho por ele o maior respeito político. Ele é um quadro de respeito, teve papel político preponderante na história política deste país, foi líder do PMDB na Câmara, num processo difícil, foi prefeito do nosso partido, disputou a liderança do estado e sempre merece o meu respeito, e ainda o considero meu amigo. O que existem, às vezes são divergências de condição política, que são formas de atitudes diferentes. Só isso que houve. Em relação ao episódio do partido, foi um episódio simples. Eu acho até que ele não foi determinante para a saída do deputado Pimenta da Veiga. Eu, quando saí, me licenciei no dia 30 de dezembro – porque isso é uma prerrogativa do estatuto do partido; porque a lei partidária permite eu me licenciar; você só tem que renunciar quando são cargos públicos com mandato, tipo o governador Almir Gabriel [governador do Pará pelo PSDB entre 1995 e 2003, em 1989, foi candidato a vice-presidente da República como companheiro de chapa de Mário Covas], que era primeiro vice e teve que renunciar, mas quem vai para um cargo de confiança tem direito à licença –, eu me licenciei e, dentro desses meses, nós não tivemos oportunidade de voltar a discutir politicamente isso. A minha proposta que permanece hoje, que aliás, foi feita antes da reunião de diretório, é que eu estou licenciado e o cargo não está vago, como os jornais têm dito. É um desrespeito dizer que está vago, porque dentro do estatuto, quem hoje ocupa a secretaria geral é a ex-deputada Moema São Thiago, de tradição de luta política neste país, luta política corajosa, que já deu parte da sua vida nesse processo, entende? Então, nós temos que respeitar o papel da deputada. É ela hoje a secretária geral em exercício, segundo o estatuto, desde o dia 30 de dezembro, quando eu me licenciei. Então, o partido não está vago, nem está perdido. Eu defendi a tese de que ou eu continuava licenciado ou me propunha a renunciar em favor de um nome de São Paulo, já que é a executiva de São Paulo, a quem eu sou ligado, filiado. Reivindicava o cargo para São Paulo. Só isso. Tanto é que eu continuo a reivindicar. E o partido não é uma empresa, onde você determina a equipe: num partido, a executiva expressa a correlação de forças políticas do partido e, se possível, até regionalmente. Muitas vezes, você até põe pessoas num cargo com condições políticas de outro, para que o vetor do órgão dirigente esteja mais dentro do que o partido tem, isso é normal. O partido não é uma equipe, não é uma coisa que você determine; o partido é um jogo democrático, de divergências, disputas e debates. É isso que faz o crescimento democrático num partido. O partido é uma estrutura dialética de poder; o resto não existe, é uma coisa que fica autoritária. Então, o que a gente defende no partido? Ele vai reunir a executiva amanhã, o presidente Artur da Távola [(1936-2008) escritor, jornalista e radialista, Artur da Távola foi o nome adotado por Paulo Alberto Monteiro de Barros, político carioca, deputado federal e senador] deve assumir a presidência que vai ser declarada vaga e, assumindo a presidência, eu sou daqueles que defendo isso: vai haver um processo de discussão interna, tem que ver a posição do nosso governador. Mas rapidamente tem que fazer uma reestruturação da executiva, buscando agora uma estrutura, uma direção que represente a correlação de força atual, a bancada federal, as bancadas do Congresso no Senado, as bancadas estaduais, e que seja uma direção forte. Eu tenho certeza de que chegaremos a essa solução, a uma direção forte afinada com o governo e voltada para um projeto de crescimento do PSDB, sem inchaço. Porque o PSDB tem uma proposta social democrata clara, de apoio integral a este governo, e para isso tem que ter uma posição agressiva, altiva e autônoma no Congresso, e isso é o que PSDB fará, vem fazendo e fará agora com mais força.

Luciano Suassuna: Ministro, em relação a essa nova diretoria, primeiro, o senhor pretende, dessa vez, abrir mão do cargo de secretário geral?

Sergio Motta: Dessa vez não, eu quero dizer que desde dezembro eu coloquei o meu cargo à disposição, até para renúncia num processo de reestruturação global, como agora coloquei de novo. Só que ainda esperava que viesse alguém de São Paulo, é normal...

Luciano Suassuna: E o senhor vai colocar uma terceira vez e quem é o candidato do senhor?

Sergio Motta: Não é candidato, a idéia é fazer uma reestruturação mais ampla.

Luciano Suassuna: E quem é o nome de São Paulo?

Sergio Motta: Não tem, isso vai ser discutido. Amanhã tem reunião da executiva. Isso é uma decisão coletiva, isso é um partido democrático, ninguém impõe decisão pra ninguém. Provavelmente, aqui em São Paulo, tem que passar por liderança, como a liderança do governador Mário Covas, liderança fundamental nesse partido. Sem o Mário Covas ser ouvido em São Paulo nada acontece, é isso. Vai ser uma atitude coletiva, democrática, aberta, que vai chegar a uma direção que representa o governo...

Luciano Suassuna: Ministro, o senhor disse que o partido precisa apoiar mais o governo, então.

Sergio Motta: Eu não falei “mais” – pode até ouvir a gravação [dirigindo-se ao entrevistador] –. Eu disse o seguinte: que ele continuará, – não, Luciano –, continuará a fazer, talvez agora com mais veemência. Até acho que, como você estava dizendo, realmente está precisando ter uma atitude forte no Congresso, presença vibrante, marcante, o crescimento das bancadas, com uma posição altiva, altaneira, dentro da coligação de partidos que apoiam o governo.

Luciano Suassuna: O senhor acha que deve haver um enquadramento a quem se revelar esse tipo de apoio ao governo?

Sergio Motta: Eu sempre defendo, brutalmente...

Luciano Suassuna [interrompendo]: Porque são 62 pessoas que não necessariamente pensam da mesma forma sobre todos os assuntos.

Sergio Motta: Eu concordo integralmente. Eu defendo uma lei partidária dura. Este país tem que ter partidos com programas, com uma postura programática, com programas que tenham caráter mais ideológico, e a fidelidade partidária é básica. Eu acho que devia perder o mandato, pessoalmente, eu acho. Acho até que é a posição quase predominante do nosso partido. Eu acho que hoje nós elegemos este governo. Todo o partido, quer dizer, todo o montante partidário, deputado, tem direito internamente de divergir, de discutir o que quiser. Mas, decidida a posição partidária, ele tem que cumprir. Eu acho que é dever de todos os militantes, de todos os deputados federais. Obviamente que eles têm que ser ouvidos, tem que se criar um processo. Neste início de governo, é isso que está se aprimorando agora, ouvindo as bancadas, participando do processo de decisão: tem que haver uma unidade de defesa das propostas do governo. Este é um governo de coligação, mas tem uma posição de condição preponderantemente social democrática...

Luciano Suassuna: Mas, por causa disso, o senhor acha que por causa dessas pequenas resistências que aconteceram dentro do PSDB, o senhor acha que o PFL tem sido mais governo que o PSDB?

Sergio Motta: Não acho. Eu acho que na coligação – primeiro a coligação –, vamos esclarecer o seguinte: quando se formou a coligação de apoio eleitoral ao candidato Fernando Henrique Cardoso, todo mundo duvidava. Todo mundo apostou na briga. Até a imprensa! Ficaram esperando a semana que vem, a outra, e nada aconteceu. Nós conseguimos construir uma relação democrática na coligação – difícil –, porque havia divergências, obviamente, como ainda existem divergências. Às vezes eles têm uma posição em relação à matéria econômica, mais liberal do que a nossa, é normal. Eu acho até acho que a convivência dialética das opiniões contrárias é fundamental para o país, volta àquele meu tempo. “Me surpreenda”, como eu me surpreendi. Eu acho que quanto mais divergências tiver no processo democrático é fundamental, porque só vai avançar o país. Então, eu acho que nós criamos uma coligação, ganhamos as eleições, daí falaram assim: “Agora a próxima briga vai ser na formação do governo”, ou não? Bom, formou-se o governo, surpreendentemente ampliou-se a coligação com o PMDB e, de repente, todo mundo começou: “Não, agora a briga vem nas eleições da Câmara”. Elegemos o ex-deputado Luís Eduardo [Luís Eduardo Magalhães, político baiano, morto em 1998, filho do também falecido político baiano Antônio Carlos Magalhães (ACM)], esmagadoramente, com a maior votação na Câmara. Agora, estamos descobrindo: “Não, agora vai ser no exercício do poder”. Vai ficar essa especulação até o fim dos quatro anos, porque nós vamos ter capacidade democrática de conviver com problemas, com divergências – às vezes, com irritações –, mas conviver tendo como objetivo a execução do projeto social democrático do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Marcelo Pontes: Mas ministro, há muita reclamação dentro do Congresso em relação a uma suposta falta de articulação política do governo. O que o senhor acha disso?

Sergio Motta: Eu não gostaria de opinar muito porque eu sou ministro das Comunicações.

Marcelo Pontes: Pois é, mas até atribuíram ao senhor esse papel de articulador, que eu...

Sergio Motta: Isso é papel de cada ministro.

Marcelo Pontes: Está certo. Quem deve ser o articulador? Há necessidade de um articulador?

Sergio Motta: Primeiro, eu acho que cada ministro tem papel político, que aliás, o presidente da República cobra isso: cada ministro tem que defender sua política de Estado na sua área, cada ministro tem que defender a proposta de governo, tem que dar a cara para bater mesmo, porque está envolvido com o projeto.

Marcelo Pontes: Tem ministro que não está dando a cara para bater? Tem ministro que não está dando a cara fora?

Sergio Motta: Pelo contrário, acho que é isso que está dando uma certa frustração coletiva: todos assumem, é um ministério de livre... é... tem uma unidade programática, eu diria quase ideológica – parece um pouco forte –, mas uma unidade ideológica da proposta do governo, e cada ministro tem que articular mesmo. Eu articulo na minha área, eu tenho uma ampla área de relacionamento no Congresso, não só porque eu fui secretário geral do partido – estou licenciado –, como porque... bom, então, eu acho o seguinte: aquilo que eu falei, Marcelo, se você for contar que dia 15 de fevereiro, que é quando realmente começou o Congresso, e hoje é dia 13, ‘né? – Belo dia para fazer o programa, hein? – Se fosse o Tasso [Tasso Jereissati, senador cearense pelo PSDB – ver entrevista no Roda Viva], ele não faria! Não faria, o Marcelo sabe, ele não faria. [risos]

Marcelo Pontes: Ele não faz nada no dia 13. [risos]

Sergio Motta: Nada, nem assina cheque! Sendo dia 13, então, 28 dias, você tem deste Congresso. É claro que está dando divergências, deu briga. Os coordenadores de bancada foram brigar para serem eleitos coordenadores, e os líderes, agora estão defendendo os interesses de seus liderados. No Palácio mesmo, tem que fazer ajustes. Este é o primeiro presidente a prever ajustes. Este governo está fazendo algo que o outro governo não tinha: tem um plano de governo, tem uma coordenação de plano de governo. Eu fico entusiasmado, eu participo de câmaras setoriais [instâncias estabelecidas em 1991 para a discussão entre o governo, empresários e trabalhadores acerca de políticas para determinados setores produtivos] com o ministro Malan, com o ministro Serra, com o ministro Brito da Energia, discutindo coletivamente políticas. É um programa de trabalho: o pessoal trabalha 15, 16 horas. Então, isso envolve problemas.

Marcelo Pontes: Mas quem leva isso para o Congresso? Quem faz a ponte com o Congresso?

Sergio Motta: Tem problemas na administração? Tem!

Matinas Suzuki: Quais problemas, ministro?

Sergio Motta: Não sei... só tem aqueles que estão comprometidos com a administração, mas tem – algumas medidas provisórias foram encaminhadas de forma, às vezes... – tem! Então, o presidente foi o primeiro a reconhecer essa medida provisória da previdência. Vamos ser claros: eu, como ministro das Comunicações, o Paulo Renato [Paulo Renato de Souza, ministro da Educação entre 1995 e 2002], cada um tem um papel político, tem que defender a sua política e fazer a sua articulação. Eu faço articulação como ministro das Comunicações, e cada ministro só articula em torno do interesse do presidente da República, em torno do interesse público. Só tem um coordenador político neste governo – isso é bom você entender – e ele se chama presidente Fernando Henrique Cardoso. O resto não existe: ele é.

Marcelo Pontes: Nem o conselho político?

Sergio Motta: Claro – não –, nem o conselho político. O conselho político é um órgão de staff acessório. A coordenação política, de quem emana, é em torno do presidente da República. Eu sou daqueles que mais defendem uma presidência forte. Nós precisamos abandonar anos e anos de presidência que não exercia integralmente o seu papel.

Matinas Suzuki: Ministro, mudando um pouco de assunto, eu gostaria de contemplar os nossos” interneteiros” que estão aqui, compareceram com muitas perguntas, como o Fernando Cortês de Rondônia – para o senhor ter uma idéia –; o senhor Roni de Oliveira, que é diretor do IBMEC [Instituto Brasileiro de Mercados e Capitais], de São José dos Campos; o Renzo Gallupo Fernandes, do Rio de Janeiro; o Daniel Miranda, e nós temos também as perguntas enviadas pela internet, por exemplo, o senhor Armando Fulin, de Vancouver, no Canadá, pergunta para o senhor o seguinte: “Como o senhor vê o monopólio da Embratel sobre o serviço de comunicação eletrônica, especificamente internet?”. O senhor Fernando César Carreira, de São João da Boa Vista, pergunta: “A Embratel pretende monopolizar o acesso do Brasil para a internet?”. O Claude Russ pergunta de Tókio para o senhor o seguinte: “Não seria melhor essa entrada ser restrita em termos da Embratel só fornecer infraestrutura, e não o serviço de entrada na internet?”. O senhor Fernando Stefans, de Adelaide, na Austrália, diz o seguinte: “Embora eu não esteja no Brasil para ouvir a resposta, eu gostaria de saber do ministro: qual é a intenção do governo no gerenciamento do acesso à internet?”. O senhor Fábio Ferrari, de Florianópolis, pergunta o seguinte: “Caso a Embratel centralize as operações da internet, ela não poderia ser um entrave no crescimento da rede?”. Ou seja, ministro, a Embratel entrar na internet não é um retrocesso?

Sergio Motta: Primeiro, vamos deixar claras algumas coisas. Primeiro, a Embratel não entrou, ela quer colaborar para que se tenha o mais amplo acesso ao sistema de internet. Rapidamente, para o telespectador, a internet é um sistema informal – anárquico, até, porque não tem administração –, tem uns 3 milhões de computadores interligados, diversas sub-redes interligadas numa rede que atinge o quê? Umas 30, 35 milhões de pessoas. Isso foi formado, até anarquicamente, justamente para ser alternativa a sistemas de segurança, para a área de educação, entende? Só podia ser coisa de origem americana, é uma alternativa para uma eventual guerra-fria, qualquer coisa assim. Então, um sistema que foi se desenvolvendo descontroladamente, e isso que é bonito nele: esse acesso democrático. Bom, nos diversos países, eles têm um convênio com as entidades. Aqui no Brasil é com a Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] e CNPQ [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], através do que ela faz uma espécie de gestão da conexão, vamos chamar assim. Para fazer isso, aconteceu um pequeno episódio no Rio – que eu que não quero explicar muito detalhadamente porque é muito técnico –, que algumas empresas que faziam a BBS [bulletin board system, sistema informático que permite a conexão via telefone a um sistema por intermédio do computador, precursor da internet], que são as empresas que exploravam comercialmente, usando o canal do Ibase, que é do Betinho, que é um canal grátis. Então, o detalhe é isso, o que se determinou foi por isso, e foi feito um convênio da Fapesp, do CNPQ com a Embratel. Esse convênio está em pleno andamento, cuja idéia é você definir os nós de interligação de acesso, é isso. Está tendo um pequeno probleminha contratual de atendimento, mas eu sou o primeiro – inclusive hoje que vai inaugurar – para flexibilizar, acelerar esse processo. Tem um outro problema que é o custo de tarifas: foi feita num decreto uma redução muito grande, porque a grande maioria no Brasil reduz tarifa, reduziu pra 90%, quer dizer, “de” 90%, não é?

Ethevaldo Siqueira: Mas no mundo inteiro é assim.

Sergio Motta: Então, eu sei. Qual é o meu critério? Estabelecer um critério equivalente a tarifas no mundo inteiro, porque o bonito da internet é ser barato, democratizar o acesso, então, esse vai ser o critério da Embratel. Ela assinou agora, há pouco tempo. Agora, tinha um pequeno problema administrativo, na outra administração. Eu estou esta semana resolvendo para acelerar a solução, ampliar os acessos, os nós, e trabalhar com tarifa...

Ethevaldo Siqueira: O que vem da outra administração é que eles estão burocratizando, estão tutelando. Nenhuma operadora do mundo faz uma fila e exige inscrição prévia e aprova. Eu estou inscrito lá, só que não me aprovaram, quer dizer, eu não estou reivindicando nada, há 25 mil pessoas.

Sergio Motta: Tem mais: minha filha queria e não conseguiu. Eu sou o mais interessado.

Matinas Suzuki: Ministro das Comunicações não conseguiu entrar na internet! [risos]

Sergio Motta: Pra você ver o país novo que nós estamos vivendo, onde o ministro não usa o privilégio de ser ministro. Esse é o "país de Pollyanna" que nós queremos, que espero que todos acreditem. Porque eu não vou usar o meu privilégio, eu quero ter o mesmo direito que todos têm. Havia, há uma tendência da burocracia. O que nós precisamos entender da burocracia é o seguinte: a burocracia é um mal, é um câncer, porque no fundo, você pega uma determinada... você sabe, o conjunto de empresas estatais, quanto deu de dividendos para o governo? Chegou a 120 milhões de dólares! Você pega a Vale do Rio Doce, deu 21! Quer dizer, essas empresas são todas ineficientes? Nem todas são. Algumas dão, mas uma parte vai para o fundo de pensão, ou seja, é o interesse de uma minoria muito pequena da população que é preservado em detrimento dos interesses públicos. Eu não me assusto quando eu vejo um anúncio na televisão de uma corporação, eu não tenho medo, porque o nosso interesse são 130 milhões de trabalhadores, de brasileiros, vamos deixar isso claro: assustar, levar carro lá para a porta do ministério, do Congresso, este governo não tem medo, porque o compromisso dele é com o enorme conjunto da população. Esse problema de ter compromissos com 50 mil, realmente nós não temos. Porque isso é uma loucura, o conjunto das empresas estatais deu esse tipo de dividendos. Então, a proposta deste governo – a única coisa a escrever –, é que em bens de serviços, este Estado não vai entrar mais. Neste governo, tudo que é produção de bens de serviço, o governo fará o maior esforço para sair. A única coisa que é diferente – que às vezes dá essa divergência que a gente vem a discutir –, precisa diferenciar o que é privatização de bens de serviço e o que é privatização de serviços públicos que envolvem concessão, porque às vezes, dá essa confusão até com alguns editorialistas tradicionais da Folha [de S.Paulo], que falam, quer dizer, um não mais recente, um antigo economista que confunde o que tem na Itália.

Matinas Suzuki: O senhor está se referindo ao Roberto Campos? [ver entrevista com Roberto Campos no Roda Viva]

Sergio Motta: Não sei se é ele.

Matinas Suzuki: Aliás, ele disse que existe nas bolsas o “efeito telemotta”, que toda vez que o senhor dá declarações sobre privatizações, as bolsas baixam. O que o senhor tem a dizer sobre isso, ministro?

Sergio Motta: Eu acho ótimo o especulador perder dinheiro! Isso não tem nenhum efeito sobre o patrimônio brasileiro. Subiu de novo a Telebrás. Isso é jogo de especulação. Eu nunca – primeiro –, dei aquelas declarações. Eu lamento que os meios de comunicações, às vezes inocentemente, ou inconscientemente, sirvam ao jogo de especulador. Quando você põe uma versão parcial – eu cheguei até a pedir para a Folha, para o Estado, para a Isto É, para todos os jornais, para a [revista] Veja, cheguei a pedir para dar interpretação correta –, por que diz agora que a Telebrás subiu? Isso é um outro problema: eu passei a ser agora o rei do especulador? É que este governo não compactuou - eu estou pouco me lixando! –, eu estou preocupado com o pequeno investidor! Quando houve a reclamação, eu falei que a Bolsa de São Paulo deveria estar preocupada em criar um mecanismo de proteção ao pequeno investidor, porque agora, com a ordem econômica abrindo, você já pensou quanto vão valer as ações dessas empresas? A Bolsa deveria estar preocupada em trazer o pequeno investidor, e não o grande especulador: o grande especulador faz jogo de mercado! Nós não vamos nos render a pressões, como o presidente da República tem dito, nós vamos caminhar entendendo que nós temos um bem público que nós devemos preservar, que são as empresas e concessões. Não vamos entregá-las a qualquer preço! Vamos fazer, como fizemos, uma privatização correta, tranqüila, ponderada e preservando a qualidade da prestação de serviços públicos e buscando a livre competição de mercado, é isso.

Elvira Lobato: Como se vai resolver o problema das telecomunicações?

Sergio Motta: Eu tenho uma posição – primeiro, a idéia é um testemunho como cidadão, não é ministro –, como eu disse antes, eu acho que, com a lei de concessões e com a ordem econômica, nós estamos à beira de um surto de progresso brutal no país, aumento de emprego, faz fila no ministério... o único problema que nós temos – e você sabe disso –, é que tem uma certa visão gelatinosa de que na América Latina é tudo igual para esses grandes capitais. Você tem um volume brutal de capital transitando no mundo sem ter onde aplicar, o único problema vai ser a nossa capacidade de mostrar para o mundo, e isso, nós temos que sair para os mercados. E este governo vai sair demonstrando que este país é diferente, que tem uma oferta diferente! Bom, então, na realidade, eu acho que é tão brutal, que se não passar, obviamente, nós vamos continuar a administrar. Eu tenho que sair! Eu acho que, primeiro, é um atraso de 30 anos para o país. É uma declaração como cidadão: 30 anos, com os outros disparando, é 30 anos atrás...

Ethevaldo Siqueira: Mas a tecnologia está superando isso...

Sergio Motta: Isso. Fora que se fala em monopólio, quando você tem hoje um satélite que transmite direto para as casas, ou quando você... você sabe esse negócio de celular? Aqui não é digital, é analógico. Agora, saiu já um digital que é o PDMA [packet division multiple access]. Os Estados Unidos, que é um país que tem um enorme capital de investimento, não consegue acompanhar, e agora, está saindo CDMA [code division multiple access], que está à disposição, já, em algumas experiências na Coréia, que vai começar a funcionar em Los Angeles, agora. É uma loucura esse negócio de tecnologia! Nós temos que investir para o Brasil! Satélite: o presidente está aprovando uma política de colocar o Brasil na política mais flexível de aderir à constelação de satélites, para garantir a mais ampla participação do país no sistema de comunicação. Porque o Brasil está na posição estratégica – você sabe –: passa por aqui o Mercosul; através do cone sul, todo o Mercosul se liga com o mundo pelo Brasil e a América Latina. O Brasil tem uma posição privilegiada – não sei se você percebeu –, pega, inclusive, em termos de latitude e longitude. Quase todas as coberturas de satélite passam aqui. De novo, acho que a gente tem uma certa ajuda – é que a gente atrapalha às vezes este país, né? – então, o país tem que ter uma política de satélite agressiva, que é o que nós estamos formulando.

Ethevaldo Siqueira: Privatizando também, né?

Sergio Motta: A participação com privada pode ser em tudo. Eu só acho que na transmissão de satélites e nas grandes infovias – os grandes sistemas de redes de fibras óticas, as grandes redes –, você precisa ter posição de Estado, porque precisa regulamentar a passagem, é que quem nem uma estrada.

Ethevaldo Siqueira: O senhor não prevê o monopólio da Embratel?

Sergio Motta: Não, eu acho até que abre capitais. Você pode até ter infovias de participação, você precisa ter capacidade de regular.

Ethevaldo Siqueira: Mas ela pode competir? A Embratel?

Sergio Motta: Eu acho que a União precisa ter uma capacidade de regulação, controle do uso, vamos chamar assim.

Ethevaldo Siqueira: Por que a Telebrás regulamentando?

Sergio Motta: Não estou falando a Telebrás.

Ethevaldo Siqueira: O senhor disse que o futuro papel da Telebrás...

Sergio Motta: Não, não, não. Eu estou dizendo que é preciso ter um órgão regulador do poder concedente. Eu imagino que isso pode ser formado pela própria Telebrás, ela deixa de ser uma holding e passa a ser uma empresa.

Ethevaldo Siqueira: Mas tem 2 mil pessoas, hoje.

Sergio Motta: Não, ela tem oitocentas, vamos ser honestos. Tem oitocentas. Mil e duzentas, no CPQD [Centro de Desenvolvimento e Pesquisa da Telebrás]. Você é contra o CPQD?

Ethevaldo Siqueira: Não, absolutamente.

Sergio Motta: O CPQD é uma área de excelência, você é o maior defensor disso! Tem oitocentas – o que eu acho muito, hein?–, eu acho que deveria ter 200.

Ethevaldo Siqueira: A AT&T [American Telephone and Telegraph Company], nos bons tempos de holding, nos Estados Unidos, tinha 150 pessoas.

Sergio Motta: A minha proposta – eu vou dizer mais, eu vou falar isso porque eu falei no discurso –, nas três posses que nós demos até 16 de fevereiro, digo, de março, para as três empresas fazerem três propostas. Da Embratel, quero uma proposta onde ela sai das áreas em que está competindo equivocadamente – que você sabe –: disputa com tele, disputa com área privada, passa a exercer o papel de operadora básica; eu quero ver o que é que vem. Segundo: os Correios e Telégrafos fazem uma proposta mudando o papel do correio, onde cada agência de correio passa a ser um grande centro de serviço ao cidadão, como é o modelo alemão, até mais que o francês; o cidadão vai lá e paga água, luz, impostos, deposita poupança, recebe aposentadoria, o sentido é fazer uma proposta para a área econômica e financeira mais...

Ethevaldo Siqueira [interrompendo]: Além de telecomunicações?

Sergio Motta: Exato.

Ethevaldo Siqueira [interrompendo]: O serviço vai ser integrado?

Sergio Motta: Por satélite, tudo. Inclusive nós estamos tentando tratar tudo. Então, eles vêm com uma proposta preliminar. E terceiro, a Telebrás. Eu quero uma proposta onde ela saia de tudo que está executando, rede inteligente, já anulamos telefonia rural, não tem nada que se meter, pô! Eu dei até dia 16, vou sentar, ver até onde vai a proposta. Tem que retirar, voltar à condição de holding, e a minha idéia é enxugar a Telebrás, começar a enxugar. No CPQD tem que ser um trato diferente: esses 800 – eu concordo, por mim, 200 daria; 250, senão é aquele festival – a minha idéia é transformar a Telebrás nessa agência reguladora contemporânea, e a Embratel tem que ter uma posição estratégica no controle. Porque é um problema do bem, você precisa garantir, democraticamente. Porque o que é infovia? É um lugar que precisa passar e trafegar, e paga um pedágio, é só isso. Todo mundo que quiser deve trafegar.

Ethevaldo Siqueira: Mas há alternativas, além de uma empresa estatal como a Embratel...

Sergio Motta: Você pode pegar uma empresa que faça um acordo.

Ethevaldo Siqueira: O senhor não vê uma exclusividade da Embratel.

Sergio Motta: É isso! Eu acho que pode abrir o capital! O problema é só o Estado manter, através da Embratel – a União manter através da Embratel –, o controle total. Isso tem que deixar claro. Eu sempre digo: eu quero para o Brasil o que tem nos Estados Unidos. Já que o Matinas ressuscitou o caso do Roberto Campos, para mim, eu quero "o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil" – você sabe disso, conhece lá –. Lá eles são mais rigorosos do que aqui, aliás, essa idéia de ter um discurso liberal para fora e um protetor para dentro, para os interesses públicos, eu também acho ótimo, entende? Agora, eu quero que o liberal não seja para cima de nós, entende? Então, isso mesmo, na relação que nós temos tido com os Estados Unidos, tem que ser uma relação muito ampla com o FCC [Federal Communications Commission]. Você sabe que está liberalizando, né? O senhor sabe que o FCC tem posições muito duras e está liberalizando. É nisso que nós estamos entrando, a minha única preocupação é garantir a democracia na circulação nas infovias, porque eu tenho muito medo de um cara – você imagina – um grupo privado pegar um consórcio, a “infovia São Paulo/Belo Horizonte”, por exemplo: o cara cria um bloqueio e não deixa o cara passar, isso não pode.

Marcelo Parada: Perdão, ministro, eu estou aqui espantado com essa quantidade de novas tecnologias que nós estamos aí no limiar, mas aqui em São Paulo tem milhares de pessoas que estão na fila de espera para receber um telefone, quer dizer, elas não estão nem preocupadas com a internet, com a infovia, estão preocupadas com o telefoninho delas, que muitas vezes ela já pagaram, inclusive. O que o senhor diz para este contribuinte brasileiro?

Sergio Motta: Primeiro, eu acho que ele deve reclamar.

Celso Ming: Custa de 3 a 4 mil dólares um telefone.

Sergio Motta: Primeiro, ele deve reclamar, tem total direito. O cidadão neste país precisa exercer o direito do berro, de reclamar. Porque quem é eleito está lá para cumprir o seu papel, de administrar bem; o negócio de não roubar é compromisso público, isso não é favor nenhum. Quer dizer, então, para um o governo ético, como o presidente Fernando Henrique, não é favor, é compromisso nosso com a população! E a telefonia de São Paulo é uma droga, mesmo! Eu não digo que é uma droga, é razoável até perto de outros locais, precisa melhorar, o telefone é caro...

Marcelo Parada: Qual é a expectativa que essa pessoa tem que ter?

Sergio Motta: A expectativa é essa: cenário melhor. Cenário melhor é você passar na ordem econômica a flexibilização do monopólio, daí, imediatamente, você vai tratar as áreas críticas, que uma delas é de telefonia cabeada. Você divide isso em – eu estou especulando – em quatro ou cinco regiões do Estado, estabelece concorrência, corta, tira a Telesp de um lugar – juro! –, estabelece concorrência. O que eu digo livre competição é isso: não dá para uma empresa única; estabelece política. Juro que em dois anos tem telefone pra todo mundo! Não para todo mundo, mas mais barato. Bom, o outro cenário – que é o que você me perguntou, que eu acabei fugindo – é o pior, não passa ou demora. Tem saídas? Tem. Não é que você fica sem, mas são muito mais difíceis. Por exemplo: essas parcerias que estão sendo feitas, eu sou contra. Essas parcerias são uma espécie de leasing disfarçado.  Porque no fundo a empresa pega, faz, cobra um preço lá em cima, isso vai afetar o usuário. Nós estamos vendo se é possível, dentro dos limites da restituição constitucional, fazer o que eu chamo de co-gestão. Co-gestão é você fazer uma concorrência com a participação privada e pública e gerir conjuntamente. Nós estamos achando que é possível. Então, você não faz concorrência, você faz co-gestão: entrega para um grupo, faz concorrência, ele entra junto com a [empresa] pública e recebe parte do rendimento.

Marcelo Parada: E como garantir bons serviços para um mercado não tão atraente?

Sergio Motta: Mas aí é que eu digo que você precisa rever a estrutura tarifária, aquela discussão... porque realmente...

Marcelo Parada: Porque em São Paulo está tudo bem, todo mundo vai querer entrar aqui.

Sergio Motta: Ah, por isso que eu digo da área de demanda crítica. Quem vai armar os bolos somos nós!

Elvira Lobato: Para levar São Paulo tem que levar uma região...

Sergio Motta: É uma idéia. Ou então, por exemplo: o cara é obrigado a atender telefonia rural – rural não, telefonia cabeada –; o cara é obrigado a fazer telefone público, fazer telefone comunitário, que é esse que pega recado; obriga-se o cara a uma cota. Aliás, o sistema tinha esses indicadores de desempenho, que abandonaram. Aliás, o sistema teve um nível de excelência bom numa época de profissionalismo. Nós estamos retomando esse profissionalismo. Então, o que eu tenho a dizer para o cidadão: reclame, berre, vá ao Congresso e exija que ele vote pela aprovação da ordem econômica. Essa é a posição de cada cidadão. Até, outro dia, um amigo meu falou: “eu sou nacionalista convicto”. Eu falei: “vamos conversar sobre o que é essa história de nacionalista convicto. Porque, se nacionalista convicto for querer melhor qualidade de serviço para a população, serviços de preço mais baixo, de competição e de atendimento, de melhoraria do bem-estar social, então você é privatizante, mais do que eu!”. Daí o cara ficou meio perplexo. Porque é verdade: nacionalista convicto não é defender uma tese de 50 anos atrás. O petróleo não é mais nosso, o petróleo tem que ser usado em função do interesse da sociedade. Daqui a pouco, nós vamos deixar um volume brutal de reserva, a tecnologia se desenvolve, nós vamos morrer com isso daqui! Tem coisas desse tipo. Com o desenvolvimento tecnológico, se pode tudo hoje, e o país tem que optar pela única opção, a opção de abraçar integralmente, aderir a todas as alternativas tecnológicas mais avançadas, porque senão o país vai ficar de novo como nação... isso só será possível com a livre competição e com o Estado saindo da produção. Porque deixa eu dizer mais uma coisa: o Estado, produção de bens e serviços, ele não é; o Estado só deve ser concedente de serviço público. Porque da égide do programa de Fernando Henrique, acho que eu poderia dizer o seguinte: quem faz o crescimento econômico é o capital; quem faz a luta pelo bem-estar social do Estado é a miséria. Este é o papel do Estado. E o governo Fernando Henrique caminha para redimensionar o papel do Estado com esse objetivo, voltado para o bem-estar social da população. Quem faz produção de bens de serviço e explora serviços públicos em regime de competição sob a condição do Estado é a área privada.

Wagner Barreira: Ministro, no primeiro bloco, o senhor disse aqui que em oito anos, o senhor espera colocar o Brasil num patamar dos países de primeiro mundo. Isso não parece uma corrida de fundo com corredor de...

Sergio Motta: Eu acho que não, viu Wagner. Deixa eu te dizer, o que precisamos reconhecer...

Wagner Barreira [interrompendo]: Só para completar a minha pergunta: dentro desses oito anos, em que a gente sai de uma situação de ter oito telefones para cada cem habitantes, para chegar num estágio razoável, em que ano uma pessoa vai poder ter, em 48 horas, um telefone instalado em sua casa?

Sergio Motta: Deixa eu falar primeiro o seguinte – você colocou uma situação concreta, mas eu preciso reconhecer –: quem é do setor sabe, que nós temos áreas de excelência no Brasil. O país – é gozado, eu tenho empresa de engenharia, e é surpreendente, a minha empresa ia para o exterior, isso vale para telecomunicação –. Então, na área de satélite, nós estamos já quase no patamar, entende? Na área de tecnologia também, nós estamos precisando muito é volume de investimento - isso é importante! –, não é conhecimento. Até porque conhecimento, hoje, você compra, você entra, não vai inventar a roda. Tem o que, diria – sob o ponto de vista de desafio tecnológico –, isso é fácil. O problema é investimento, e investimento você só faz com entrada de capital privado.

Wagner Barreira: O senhor tem um plano para isso, inclusive, que fala em 30 bilhões de dólares.

Sergio Motta: Claro, por isso que nós estamos fazendo um programa de quatro anos, que é a nova era, e eu estou enlaçando com mais quatro. Mas eu acho que em quatro anos, se a gente tiver a flexibilização do monopólio, em São Paulo, se você conseguir fazer – vamos dizer em São Paulo –, se você estabelecer uma livre competição, é um programa para dois anos, três anos, você ter telefonia a curto prazo: o cara pegar e instalar na hora.

Matinas Suzuki: Ministro, nós estamos chegando ao final do programa. Eu gostaria de fazer uma última pergunta que foi enviada pelo senhor Antônio Cruz aqui de São Paulo: “Que tal incluir no projeto a ser encaminhado ao Congresso, o fim da obrigatoriedade da transmissão da Voz do Brasil?”.

Sergio Motta: Eu vou dizer o seguinte: isso é uma coisa sobre a qual existe muita dúvida no governo, né? Porque quando você vai, no caso, você sabe que ainda tem local do país que não tem sinal de AM que cobre, de FM, então...!

Ethevaldo Siqueira: Mas precisamos de duas mil e quinhentas emissoras, transmitir ao mesmo tempo?

Sergio Motta: Essa é que é a dúvida. Eu vou dizer as dúvidas: eu não tenho certeza – tanto é que precisamos lançar um monte de editais para atingir todas essas áreas – em relação à Voz do Brasil, ela tem um papel muito grande, é enorme, por isso que os deputados falam, é uma forma de comunicação. Cabe, talvez, re-estudar um pouco a rede que cobre a Voz do Brasil, isso é que talvez caiba. Eu acho até que – e eu tenho uma postura democrática, até porque a minha geração foi tão punida, tão autoritariamente reprimida, no sentido até físico do termo, que eu me sinto muito livre quando alguém me fiscaliza –, eu sou contra esse negócio de fiscalização, norma, é a tendência da minha geração. Eu sou meio contra esse negócio de ter norma, em princípio, entende? Precisamos encontrar uma forma que preserve interesses de regiões onde isso é importante, sem parecer, como a legislação eleitoral, o programa obrigatório. Ela tem aspecto positivo no sentido de democratizar o acesso, mas negativo porque parece uma coisa impositiva. É isso que eu acho, que precisa ter uma nova legislação eleitoral partidária e eu acho que a Voz do Brasil entra dentro desse quadro.

Matinas Suzuki: Bem, o Roda Viva se despede, tendo entrevistado hoje o ministro das Comunicações Sergio Motta. Nós agradecemos a presença do ministro, a colaboração dos jornalistas e a atenção dos telespectadores. Nós tivemos aqui, só de internet, mais de 130 perguntas, fora os fax e os telefonemas. Essas perguntas serão encaminhadas para serem respondidas a todos. O Roda Viva estará de volta na próxima segunda-feira, às 10 e meia da noite. Até lá! Uma boa semana para todos e uma boa noite!

Nascido em São Paulo, em 1940, Sergio Motta, conhecido também pelo estilo "trator", faleceu vítima de uma doença crônica que provocou infecção pulmonar,  no mesmo ano, 1998, em que foi concretizada a privatização do sistema de telecomunicações brasileiro defendido por ele.

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