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Memória Roda Viva

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Maria da Conceição Tavares

21/8/1995

Há quarenta anos militando por um Brasil mais justo, a economista, professora aposentada e deputada pelo PT critica o governo, antigos companheiros de PSDB e também a imprensa

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Matinas Suzuki: Boa noite. Ela é a mãe intelectual da geração que pilota a economia do país depois do regime autoritário, mas como toda mãe boa de briga não economizou puxões de orelha em seus discípulos que participam do Plano Real. No plenário do Roda Viva desta noite está a deputada federal e economista Maria da Conceição Tavares.

[Inserção de vídeo] [Trechos de diferentes entrevistas concedidas por Maria da Conceição Tavares, imagens de outras entrevistas e aulas de Maria da Conceição Tavares, de Dílson Funaro, de José Sarney e do Congresso Nacional]

Maria da Conceição Tavares: [Trecho de entrevista gravada] A inflação cai como? Por milagre de Deus?

Maria da Conceição Tavares: [Trecho de entrevista gravada] Os empresários não podem correr na frente da inflação, não podem descongelar a maluca.

Maria da Conceição Tavares: [Trecho de entrevista gravada] Quem quer estatizar bancos são os conservadores, nós não!

Maria da Conceição Tavares: [Trecho de entrevista gravada] Cada ajuste fiscal é comido um ano depois: já fizemos dez.

Maria da Conceição Tavares: [Trecho de entrevista gravada] Open [diz respeito a aplicações ou transações realizadas com títulos de renda fixa, de emissão pública ou privada] não é aplicação financeira mais!

[Comentarista]: É ela, Maria da Conceição Tavares, quarenta anos de Brasil. Veio de Portugal fugindo da ditadura salazarista e se tornou aqui uma das mais respeitadas figuras da área econômica. Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], foi guru de uma legião de economistas de esquerda. Depois de ficar vinte anos fazendo oposição, ela surpreendeu ao elogiar o plano econômico do ministro Funaro [Dilson Funaro (1933-1989), empresário paulista, ministro da Fazenda de agosto de 1985 a abril de 1987, foi responsável pelo  desenvolvimento do plano de estabilização econômica chamado de Plano Cruzado], quando José Sarney era presidente. Mas não demorou muito, voltou a ser a crítica implacável dos planos e dos governos seguintes. Hoje, 65 anos, avó de dois netos e aposentada da universidade, ela está na política. Deixou seu antigo PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] para se eleger, no ano passado, deputada federal pelo PT [Partido dos Trabalhadores] carioca. As idéias e as polêmicas da professora Maria foram parar no Congresso Nacional.

Matinas Suzuki: Bem, para entrevistar a deputada Maria da Conceição Tavares nós convidamos esta noite o jornalista Rui Xavier, que é coordenador de política do grupo Estado; Carlos Alberto Sardenberg, que é repórter especial da Folha de S. Paulo; o Leonel Rocha, subeditor de Economia da revista Veja, em Brasília; Carlos Marques, editor de Economia da revista IstoÉ; Marco Antônio de Resende, diretor de redação da revista Vip/Exame; José Paulo Kupfer, editor-chefe do jornal Zero Hora, em São Paulo; e o economista Álvaro Zini Júnior, professor de economia internacional da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Nós lembramos a você que o Roda Viva é transmitido em rede nacional por trinta outras emissoras em 13 estados do Brasil. Você também pode participar deste programa fazendo perguntas pelo telefone 252-6525; eu vou repetir para você: 252-6525. Se você preferir, pode enviar as suas perguntas por fax pelo número 874-3454, 874-3454. Boa noite, deputada Maria da Conceição Tavares.

Maria da Conceição Tavares: Boa noite, Matinas.

Matinas Suzuki: A senhora vai agüentar uma hora e meia sem fumar? Está preparada para isso? [risos]

Maria da Conceição Tavares: Isso é que está duro, isso é que está duro. Mas não posso fazer... vai dar mau exemplo. [risos]

Matinas Suzuki: Deputada, como é que a senhora analisa o furacão econômico que passou pela economia brasileira semana passada?

Maria da Conceição Tavares: Foi uma "brabeira", viu Matinas: uma “brabeira”. Mas não foi só o furacão econômico: foi o sentimento de que não tinha governo. E o Congresso ficou num estado de irritação... Eu vi esfacelar na minha frente o bloco do governo, e os tucanos enfurecidos e... E nós na verdade estupefatos, quer dizer, a oposição não conseguia bater com o peso que a situação batia, além de que eu nunca vi uma imprensa - que passou um ano e meio elogiando sem limites o presidente - entrar pesado. Meu irmão, o primeiro editorial do Estadão [jornal O Estado de S. Paulo] eu li e disse: “eu não me atreveria a escrever aquele editorial.”; para você ver. Eu fiquei com um grande sentimento de... Foi muito ruim. A primeira vez que eu... dado que o pessoal que está no governo [...] eles foram meus amigos por muitos anos, a minha sensação foi de uma imensa aflição. Eu me senti humilhada, humilhada [enfatiza].

Rui Xavier: E agora, deputada? Hoje, passada uma semana.

Maria da Conceição Tavares: Agora... Continua tudo embananado no sentido de... Fica aquele estilo brasileiro das elites, não é? Vão empurrando com a barriga, "Vamos conversar...". Por exemplo: eu vinha para aqui, comecei a ler os jornais [faz gesto de folhear] e as notas, os clippings. Malan [Pedro Malan (1943-), economista e engenheiro, foi ministro da Fazenda de janeiro de 1995 a dezembro de 2002] foi ao Rio tentar falar com os empresários, parece que o Loyola [Gustavo Loyola, economista, foi presidente do Banco Central em duas ocasiões: entre novembro de 1992 e março de 1993, e de junho de 1995 a agosto de 1997] veio aqui em São Paulo. Bom, quando eu vejo que os empresários dizem que vão emprestar dinheiro ao governo para bancar os depositantes, emprestar [enfatizando]; eu acho que o pessoal não é sério, meu irmão, não tem que emprestar nada! Tem que regulamentar o Artigo 192 [o Artigo 192 da Constituição Federal trata do funcionamento do sistema financeiro e regula, dentre outros fatores: a autorização para o funcionamento das instituições financeiras; a autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro; as condições para a participação do capital estrangeiro nas instituições nacionais; a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia popular, garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor; a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco Central assim como o funcionamento das cooperativas de crédito] da Constituição e criar um fundo que apóia o depósito, meu irmão, como [em] qualquer país civilizado. Que história é essa de emprestar? Emprestar a que taxa de juros? Você está entendendo, Matinas? É como se a elite brasileira não se desse conta... Houve um verdadeiro vendaval, houve risco de uma crise bancária, o mercado encolheu automaticamente a liquidez... Foi ou não foi?

Rui Xavier: O que [é] que a senhora viu de mais errado nesse episódio todo? Foi a postura do presidente [Fernando Henrique Cardoso]? Foi a questão política? A relação dele com o PFL [Partido da Frente Liberal], do governo com o PFL? O que é que a senhora viu de mais errado no...?

Maria da Conceição Tavares: Olha, se fosse só a do presidente eu ficaria chocada, evidentemente, porque eu não esperava uma coisa tão estranha - como todo a imprensa notou - uma coisa tão pouco adequada, mas não foi só isso, não: o que eu vi foi uma sociedade política, de um pacto gigantesco de poder, uma sociedade empresarial, e, durante meses, uma imprensa, que foi [em] tudo conivente, tudo. E o Banco Central - que estava careca [enfatiza] de saber da situação - que autorizou [n]o ano passado que o presidente do Banco Econômico [Ângelo Calmon de Sá, ex-banqueiro que foi ministro da Indústria e do Comércio entre os anos de 1977 e 1979] tirasse as suas ações da Petroquímica [o Econômico, junto com grandes empresas como Odebrecht e Suzano, era proprietário da Companhia Petroquímica do Nordeste, a Copene], fizesse uma pseudo-empresa não financeira à parte... Enfim, o que me espantou... Olha, eu não tenho boa opinião das elites brasileiras...

[...]: Professora...

Maria da Conceição Tavares: ... eu não tenho. Mas eu te juro que esta semana passada [ulra]passou qualquer limite.

[...]: Está certo, mas professora...

Maria da Conceição Tavares: Eu achei uma versão de cinismo geral, e depois o ataque da imprensa, violento, que eu assinaria embaixo, é como se não soubessem nada. Como é que pode? Se passa um ano e meio, todo mundo sabendo a coisa do Econômico... Quinta‑feira anterior... quinta-feira anterior Malan foi ao Congresso, foi-lhe perguntado sobre o Banco do Brasil, o Banespa [Banco do Estado de São Paulo], o Econômico, a situação bancária, por que não regulamentava [...]. Sabe o que foi que a imprensa me perguntou? Sobre o caso Dallari [Dalmo  de Abreu Dallari (1931-), jurista]. É como se ele não tivesse falado nada [enfatizando] relevante. Aliás, ele não falou nada relevante mesmo, porque não respondeu nada! [discretos ridos gerais] Eu até disse para o próprio presidente do Banco Central, e fiz ironia: “não sei como alguém quer ser presidente do Banco Central neste país.”; ele até riu. Nem isso, nem essa piada, que é uma piadinha, também não saiu. Não saiu nada, você está ouvindo?! Ele foi ao Congresso Nacional, a imprensa lotava a sala da comissão, [e] não saiu uma nota [sequer] sobre o que foi discutido, que foi o sistema bancário. Saiu a piadinha do Dallari, que já se sabia que não tinha que vir ao caso, não vinha ao caso. Ele não foi lá para falar sobre o Dallari, ele foi lá para falar sobre o sistema financeiro, ...

José Paulo Kupfer: [Interrompendo] Professora Conceição, nós estamos hoje...

Maria da Conceição Tavares: ... amigo, e não noticiaram. Vocês me desculpem: eu considero o quarto poder [expressão utilizada para designar a mídia,  ou mais propriamente o poder que a mesma exerce sobre a população em geral] responsável! Vocês me desculpem, eu considero.

José Paulo Kupfer: Nós estamos hoje com um caso [do banco] Econômico, um rombo de três bilhões [de reais], um banco gigantesco, com tentáculos por toda a sociedade, por toda a economia, sem o seguro, sem o fundo, sem nada. Muito bem, isso a gente pode até fazer depois...

Maria da Conceição Tavares: Você concorda que é uma ignomínia, ou não?

José Paulo Kupfer: Não, lógico. Mas o que [é] que a senhora sugere? O que [é] que a senhora recomendaria que fosse feito neste momento? Liquidar o banco...?

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] O que nós pedimos... Perdão. Recomendaria que fizesse o que nós da oposição pedimos: um... E nem foi a oposição. No dia seguinte, terça‑feira, assim que se teve a notícia da intervenção, o presidente da comissão financeira - que é, por sinal, o presidente da comissão de finanças e... O... Oh, meu Deus, [tentando de recordar do nome] como é que chama, que a gente chama [de] Totô?

[...]: Benito da Gama.

Maria da Conceição Tavares: O Ceará.

José Paulo Kupfer: O Gonzaga

Maria da Conceição Tavares: Gonzaga!

[...]: Gonzaga da Mota.

Maria da Conceição Tavares: Fez o requerimento, competentemente, solicitando que o presidente do Banco Central fosse depor - não [se] pode obrigar, porque a gente só pode obrigar ministro, assim mesmo quando eles querem -... fosse depor, esclarecer a situação do Econômico e do Pernambuco. Sabe qual foi a resposta? A resposta foi: "Não tenho informação suficiente sobre o banco.". Mas como, se tinha intervindo?

José Paulo Kupfer: Não, tudo bem. Que solução? Porque há uma situação agora. O que [é] que a senhora acha? Liquida o banco? É feito um acerto?

Maria da Conceição Tavares: Em primeiro lugar, a obrigação do Congresso Nacional é pedir informações e a obrigação moral do presidente do Banco Central é dá-las. Se não for o Banco Central, o ministro da Fazenda. Segundo: tem que instaurar uma Comissão de Inquérito [CPI, ou Comissão Parlamentar de Inquérito], meu irmão...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] A senhora defende a CPI do Banco Central?

Maria da Conceição Tavares: Tem que instaurar uma Comissão de Inquérito! É uma loucura!

[...]: Mas Comissão de Inquérito para o caso Econômico ou para...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Mas meu amigo, não é [...]: todo mundo foi responsável. O ministro da Fazenda foi responsável porque ele já era presidente do Banco Central quando isso começou. O presidente do Banco Central é responsável.

José Paulo Kupfer: [Interrompendo] Professora, perdão. Nesse meio tempo, como é que fica a situação do Banco Econômico?

Maria da Conceição Tavares: Como está... Intervindo. Como está.

José Paulo Kupfer: Parado?

Maria da Conceição Tavares: A dizer a verdade, como está. E a garantia dos depositantes até cinco mil [reais] tem que ser... Agora, você notou uma coisa: até quando era a garantia da caderneta de poupança até julho? Era mais alta. Como é que se atrevem a baixá-la para 5[%], e em seguida fazer a intervenção do Econômico? O que [é] que parece? Má fé, não é verdade? O que eu estou tentando dizer é o seguinte: essa questão do sistema financeiro, da promiscuidade do Banco Central que deixa infiltrar informação, porque deixa, meu [...].

Leonel Rocha: [Interrompendo] A CPI é a solução, deputada? A CPI do sistema financeiro como um todo, ou não?

Maria da Conceição Tavares: Meu irmão, a CPI é fundamental para esclarecer. Se nós nem... Olha aqui: alguém já tornou...  ? Alguém já noticiou a empresa fantasma que tem as ações da Petroquímica que foram negociadas no mesmo dia da intervenção? Alguém já noticiou a eles que aquelas ações estão indisponíveis? Não! Fez-se a intervenção, e no mesmo dia se deixou que aquele pacote de ações entrasse no negócio.

Carlos Marques: [Durante a fala de Maria da Conceição Tavares] Ô deputada, e a senhora acredita...

Maria da Conceição Tavares: Isso é uma indecência, ou não é?

Carlos Marques: É. A senhora acredita...

Maria da Conceição Tavares: Eu estou tão indignada. Realmente, me desculpa, gente: mas eu estou muito indignada!

Carlos Marques: Agora, a senhora viu... Quer dizer, o Banco Central, tempos antes mesmo de acontecer a intervenção, já começou a falar na negociação do próprio Banco com empresas, quer dizer, ele deixou, de alguma forma, vazar isso. A partir desse momento, a senhora acredita que o próprio Banco Central foi culpado, em parte... ?

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Claro que foi, meu irmão!

Carlos Marques: ... por empurrar um banco que já estava perto do buraco, para dentro do buraco? 

Maria da Conceição Tavares: Vem cá, eu leio jornal... leio a imprensa atentamente, não é verdade? Muito bem, olha a quantidade de blefes que se cometeram. Primeiro: quando deu aquela brincadeira cambial, que o Pérsio [Pérsio Arida (1952-), economista, foi presidente do Banco Central de janeiro a junho de 1995] foi ao Congresso explicar, eu até o interroguei e disse: “pôxa, Pérsio, muda a regra, isso é uma maluquice.” - lembra?. Eu disse: “muda, pára, tranca, faz uma quarentena, senão esse negócio... Nem para entrar, nem para sair... com calma, se não vai dar bode.”. Não deu? Saíram cinco bi [bilhões de dólares], em agosto entraram oito bi. Pode, uma coisa dessas? Isso é um perigo danado. Muito bem: deu alguma satisfação? Nenhuma. É como se o Congresso não existisse. Segunda coisa: aí eu o encontrei pessoalmente no aeroporto, e disse: “olha, Pérsio, se você não ficar atento vai estourar o Econômico na tua mão.”.

José Paulo Kupfer: Isso quando foi?

Maria da Conceição Tavares: Isso foi em abril, antes de ele se demitir. [Eu disse:] "Vai estourar.", porque o mercado, no Rio de Janeiro... eu conheço todo mundo, todo mundo foi ou meu aluno ou meu colega.".

Carlos Marques: O banco já estava no redesconto [mecanismo através do qual um banco comercial, ao necessitar de um reforço de caixa, emite uma nota promissória a favor do Banco Central, recebendo o valor da mesma em sua conta de depósito no Banco do Brasil] há um ano.

Maria da Conceição Tavares: Mas é claro, e todo mundo falava... Por que [é] que falavam? Porque consta que o Bradesco [Banco Brasileiro de Descontos S.A, um dos maiores bancos privados do Brasil] - consta [sendo enfática], eu não sei se é verdade ou não, porque é tudo "consta", por isso que tem que fazer uma Comissão de Inquérito - consta que o Bradesco estaria disposto a comprar. Consta também que o Antônio Carlos disse: “Não vamos entregar o banco da Bahia aos paulistas.”. Bom, aí não dá. Não é disso que se trata: ele não queria entregar o Banco da Bahia a gente [de] fora do círculo de influência dele. Segundo blefe: a [revista] Veja publica...

José Paulo Kupfer: [Fala ao mesmo tempo que Maria da Conceição Tavares] Deixe eu lhe perguntar antes uma coisa.

Maria da Conceição Tavares: ... uma matéria dizendo que vai ter um... vai ter um zaibatsu [palavra japonesa utilizada para designar grandes conglomerados industriais e financeiros], no qual entraria o Odebrecht [fundada em Salvador (BA) no ano de 1944, trata-se de uma multinacional brasileira que atua na área petroquímica e de construção civil], ...

 José Paulo Kupfer: A senhora sabe...

Maria da Conceição Tavares: ... o que é uma piada, porque o Odebrecht não estava nada interessado no banco.

José Paulo Kupfer: A saída do Pérsio Arida teria algo a ver já com o caso Econômico? Correram, enfim, histórias nesse sentido nessa época. A senhora tem alguma informação melhor?

Maria da Conceição Tavares: Nenhuma, porque Pérsio Arida é um homem discreto [e] não ia me dizer uma coisa dessas. Eu é que disse a ele: “você tenha cuidado, até porque, se a situação agravar, ...” - eu disse...

[...]: Agora, deputada, a senhora está [...]

Maria da Conceição Tavares: ... por amizade – “se a situação agravar e você se meter com o Antônio Carlos, [ACM] ele te enrola.”. Pouco depois enrolou, mas eu não sabia: eu não sou inside information do Banco Central, está claro?

Carlos Marques: O Banco Central está com má administração de situações como essa, como a situação também no passado, das bandas [quando da instituição do Plano Real, o Banco Central optou por uma política de banda cambial, ou seja, uma faixa de valor ou banda na qual a taxa de  câmbio  poderia flutuar livremente]...?

Maria da Conceição Tavares: A comissão de fiscalização não funciona.

Carlos Marques: ... quer dizer, há um problema com o Banco Central?

Maria da Conceição Tavares: Há, sim senhor: a comissão de fiscalização não funciona, há indecisão.

Carlos Marques: E há uma solução para isso? Por exemplo: se discute muito - e há anos - aquela questão de um Banco Central independente, e aí seria...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Independente de quem, meu companheiro? Eu é que pergunto: independente de quem?

Carlos Marques: De quem? De governo, eles dizem. É questão política.

Carlos Alberto Sardenberg: Do presidente da República, do Congresso.

Maria da Conceição Tavares: Não me diga! Existe algum Banco Central independente do presidente da República e do Congresso? Independente do sistema financeiro, isso é que devia ser. Amigo, tem que ser independente é dos [...] deste país...

Carlos Alberto Sardenberg: [Interrompendo] Olha, ironias... bom, tudo bem, quer dizer, pelo menos mais independente que os nossos.

Maria da Conceição Tavares: ... independente do sistema.

Carlos Alberto Sardenberg: [Interrompendo] Pelo menos isso.

Maria da Conceição Tavares: Você acha que o Federal Reserve [Banco Central norte-americano], numa ameaça dessas, é independente do Congresso? Mas, gente, o Congresso convocaria... Vamos nos entender: os Congressos do mundo controlam a emissão de títulos da dívida pública. O nosso Banco Central emite dívida, por conta do Tesouro, sem pedir licença ao orçamento. Isso é um escândalo! É essa independência que você quer? O nosso Banco Central é independentíssimo, meu bem: faz o que dá na telha! [aos gritos] Na telha! Endivida o Tesouro sem pedir licença ao Congresso. Você conhece algum Banco Central que faça isso? Eu não. É o único. Dois: [...].. pega um banco desses, falido, que já vem desde o cheque voador:.. Há quanto tempo vem esse escândalo do Econômico? Tomou alguma providência? Nenhuma! [abre os braços, sinalizando indignação]

[...]: O Congresso, deputada...

Maria da Conceição Tavares: Você conhece algum banco do mundo que deixa uma coisa dessas ocorrer? O nosso Banco Central é totalmente irresponsável. O que precisa não é que ele seja independente, é que ele responda politicamente ao Congresso, e publicamente através do Conselho Monetário. Sabe há quanto tempo o Conselho Monetário está reduzido aos três ministros [o Conselho Monetário Nacional é um órgão composto pelo ministro da Fazenda, ministro do Planejamento e pelo presidente do Banco Central. Os três nomes à época eram, respectivamente, Pedro Malan, Antonio Kandir e Gustavo Loyola]? Desde o Plano [Real]. Ora, tudo bem: no plano tudo bem, mas depois do plano já vai quanto? Um ano e lá vai fumaça. O Conselho Monetário não pode ser apenas composto de três ministros. Pode?

Leonel Rocha: [Interrompendo] Deputada, o que [é] que o Congresso Nacional pode fazer para evitar situações como essa que aconteceu com o Banco Econômico?

Maria da Conceição Tavares: O que estamos tentando. Mas acontece que nós temos minoria. Se o PFL não quiser fazer nada, não passará nada.

Leonel Rocha: Sim, mas o que [é] que a senhora está tentando?

Maria da Conceição Tavares: Eu estou tentando várias coisas. Um: informações do Banco Central. Eles têm que dar e não estão dando. Requerimento de informações, já pedimos todas: não dão!

Leonel Rocha: Eu não falo da situação conjuntural. Eu estou falando da situação mais...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Mas não é conjuntural, é requerimento de informações de como vem atuando o Banco Central sobre essa questão. Requerimento de informações sobre a dívida pública, já fizemos “n”; você acha? Há quanto tempo eu reclamo sobre isso, meu irmão? Há quanto tempo? O Zini [Álvaro Zini Júnior, um dos entrevistadores] escreveu outro dia um artigo sobre esse assunto, imputando... Mas faz anos que... eu só não tenho os dados. Mas há quantos anos eu venho dizendo? Esse nosso Banco Central tem uma característica fantástica: ele emite por conta do Tesouro, sem pedir autorização ao Congresso, para fazer uma política cambial selvagem e uma política monetária estúpida.

Leonel Rocha: Mas a pergunta é essa: o que [é] que o Congresso Nacional pode fazer para evitar isso que a senhora está criticando?

Maria da Conceição Tavares: Regulamentar o Artigo 192.

Leonel Rocha: Sim, mas a senhora pode especificar a proposta da senhora?

Maria da Conceição Tavares: Regulamentar o que está lá. 'Uai', está tudo lá. Tem que regulamentar [inicia uma contagem com os dedos] como é que controla publicamente o Banco Central; como é que se compõe o Conselho Monetário Nacional; como é que se elegem os diretores do Banco Central... Tem quarentena ou não tem, depois de o cara sair? Você conhece algum Banco Central do mundo que o sujeito sai de diretor e no dia seguinte esteja dirigindo...

Rui Xavier: [Interrompendo] Diretor de...

[...]: No mercado financeiro.

Maria da Conceição Tavares: Vocês já conhecem algum? Isso não existe, está claro?

[Sobreposição de vozes]

Rui Xavier: [Interrompendo] Isso daí é mais do que...

[...]: Deputada, ...

Maria da Conceição Tavares: O nosso banco está sem nenhuma regra. É um escândalo! Como disse o vice‑presidente do Bundesbank, do Banco Central da Alemanha, quando veio aqui, ele disse a seguinte coisa: “Com este Banco Central que vocês têm, e com o mercado mais sofisticado... dos mais sofisticados do mundo...” - por sofisticado entenda‑se o que todo mundo sabe, está claro? -, “é impraticável controlar [...]. Não é nada...

Rui Xavier: [Fala ao mesmo tempo que Maria da Conceição Tavares, interrompendo-a] Deputada, não é...? O que está acontecendo no Congresso, neste momento, em relação ao Banco Central?

Maria da Conceição Tavares: Nada.

Rui Xavier: Existe uma disposição...

Maria da Conceição Tavares: Disposição de quem?

 Rui Xavier: ... para fazer essa regulamentação?

Maria da Conceição Tavares: Aparentemente. Começamos por pedir duas coisas: que se instalasse a Comissão de Bancos, que estava parada. Por que é que tinham parado a Comissão de Reforma do Sistema Financeiro? Sabe há quantos anos, meu irmão, está instaurado o problema?  Sabe a quantas comissões eu já fui sobre o Sistema Financeiro? Umas três. A primeira, [a] mais importante, eu fui com o doutor [Octávio Gouvêa de] Bulhões [economista (1906-1990), ocupou vários cargos públicos, dentre eles o de ministro da Fazenda (1964 a 1967)], meu... ex‑presidente,  [corrigindo-se] ex-catedrático, falecido, [outra foi com José Luiz] Bulhões Pedreira, autor [da lei] das sociedades anônimas, e [o] auxiliar do [Octávio] Bulhões na reforma bancária de 1967. Vivo... [...]... O nosso depois presidente falecido Tancredo Neves [político (1910-1985), foi o primeiro presidente civil brasileiro eleito depois de 20 anos de ditadura militar]; todos os grandes senadores. Teve uma Comissão de Inquérito enorme, presidida por um deputado do Rio Grande do Sul [de] que[m] nem me lembro mais o nome. As atas são deste tamanho [mostra, abrindo os braços]. Teve alguma seqüência? Zero. Há quanto tempo se sabe que não é possível funcionar a ciranda... Meu irmão, não há nenhum sistema do mundo que tenha bancos múltiplos [instituição financeira que trabalha com mais de um tipo de carteira,  estando entre elas, por exemplo, a comercial, a de investimento, a de crédito imobiliário, a de arrendamento mercantil, etc] e ao mesmo tempo uma ciranda financeira: isso não existe! Ou se tem banco múltiplo, como a Alemanha, e não permite a ciranda financeira, ou você não tem banco múltiplo, como nos Estados Unidos, e permite o overnight, e assim mesmo controlado por uma comissão de liquidez - nomeada - e que intervém todo dia de manhã. Não é essa promiscuidade entre o Banco Central e os dealers [instituições financeiras credenciadas pelo banco Central a participar de leilões informais de câmbio e títulos públicos] do Tesouro...

José Paulo Kupfer: [Interrompendo] Por que isso só não se faz no Brasil?

Maria da Conceição Tavares: Isso já foi explicado por todo mundo! Por doutor Bulhões falecido, autor teórico do Banco Central, ex‑ministro, respeitado por todos eles... Sabe o que [é] que eu digo? É que os mestres parecem que nasceram para serem humilhados pelos alunos. O doutor Bulhões cansou de dizer isso: [disse] ao Mário Henrique [Simonsen] [economista e banqueiro (1935-1997), foi ministro da Fazenda de 1974 a 1979], a todo mundo.

[...]: Deputada, ... Então, deputada, a senhora...

Rui Xavier: [Interrompendo] Não existe um segmento do Congresso, um segmento dos parlamentares que sabia que essa coisa do Econômico ia estourar?

Maria da Conceição Tavares: Sabia, claro que sabia.

Rui Xavier: Isso daí não veio... não era presente nas discussões dos parlamentares, enfim, no Congresso?

Maria da Conceição Tavares: Não, só é presente quando acontece uma catástrofe. Isso é que me irrita. Todo mundo... parece que tinha desabado o mundo. E aí bate no meu ombro [e diz]: “A senhora tinha razão.” Pode uma coisa dessas?

[...]: Deputada, deixa colocar a questão...

Maria da Conceição Tavares: Há cinco meses que eu venho falando.... Aí batem no meu ombro [bate em seu próprio ombro]: “Realmente essa política econômica...”. Porque claro que isso tem a ver com a política econômica. Mas não no caso do Econômico, ele já vinha bichado desde antes...

Carlos Alberto Sardenberg: [Interrompendo] Mas então, deputada, aí eu falei de...

Maria da Conceição Tavares: [Você me diz:] "Então, deputada...". Você me dê uma sugestão Sardenberg.

Carlos Alberto Sardenberg: Qual?

Maria da Conceição Tavares: Com quem que a gente faz aliança no Congresso para conseguir levar a sério essa questão? Me diga, me dê uma...

Carlos Alberto Sardenberg: Não, então... eu gostaria...

Maria da Conceição Tavares: Eu gostaria de ouvir, você me ajudem! [Fala abrindo os braços]

[Risos]

Carlos Alberto Sardenberg: Eu tenho a impressão [de] que é possível encontrar alguma coisa...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Então me diga!

Carlos Alberto Sardenberg: Por exemplo, a gente falou... eu falei...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Eu gostaria que o PSDB tomasse vergonha na cara e apoiasse essa comissão...

Carlos Alberto Sardenberg: [Interrompendo] Eu acho que a senhora conseguiria...

Maria da Conceição Tavares: ... e a presidisse! Mas não vai presidir, sabe por quê? Porque o PFL é majoritário. Então é assim: Reforma Tributária - está lá o pobre do Kandir [Antonio Kandir (1953-), economista e político, foi ministro do Planejamento de 1996 a 1998] que trabalhou seis meses. Vai presidir? Não. Vai ser um senhor do PFL, [de] que[m] nem sei o nome - graças a Deus - mas sei da reputação.

[...]: Deputado Wilson Denis

[Sobreposição de vozes]

Maria da Conceição Tavares: É uma vergonha! Comissão e Finanças; por acaso é um do PSDB? Ou uma comissão? Não. É o ... o do PFL. Se o PFL preside todas as comissões, meu irmão... se o PFL preside todas as comissões e se... - as comissões relevantes - e se um dos [...] do PFL é Antônio Carlos Magalhães, fica um pouco complicado - não é verdade? - ou não?

Carlos Alberto Sardenberg: Mas, então, o que a senhora estava falando...

Maria da Conceição Tavares: Se até o presidente tem medo dele imagina o Congresso Nacional.

[Risos]

[Todos falam ao mesmo tempo]

Maria da Conceição Tavares: Eu não tenho medo nenhum, hein!

Carlos Alberto Sardenberg: A senhora estava falando da questão da independência do Banco Central, e, quando eu estava falando da independência do Banco Central, o que eu estava pensando era em coisas...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Independente é o que ele é hoje. Não faz senão [...].

Carlos Alberto Sardenberg: Não, eu acho que não é. Eu acho que não é.

Maria da Conceição Tavares: Não, é?

Carlos Alberto Sardenberg: Ele fica vulnerável, porque... veja, por exemplo: eu estava vendo hoje a Lei de Intervenção [lei que dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras] - por que [é] que o Banco Central não fez a intervenção no Econômico antes? Lá na Lei de Intervenção, [na passagem do texto] que diz assim: “... motivos que justificam a intervenção do Banco Central...”, a senhora vai ver [que] não tem nenhuma regra precisa... Tem, inclusive, uma pérola assim – entende? -: “Quando o banco violar gravemente [enfatiza] as normas bancárias pode ter intervenção...”; quer dizer que, se violar um pouquinho...

Maria da Conceição Tavares: Eu peço [para] perguntar se ter um patrimônio líquido inferior aos passivos líquidos é violar ou não gravemente... ou não é?

Carlos Alberto Sardenberg: Mas, então... Mas isso aí precisaria...

Maria da Conceição Tavares: O banco está tecnicamente falido. Não é uma violação de regras bancárias?

Carlos Alberto Sardenberg: O que eu estou dizendo é que a falta... O que eu estou dizendo é que falta na legislação regra clara e precisa, inclusive, por exemplo, para nomear diretores no Banco Central. Regra de entrada, regra de saída, essas coisas todas...

[...]: Quarentena...

Maria da Conceição Tavares: Ah não, por favor. A legislação brasileira...

Carlos Alberto Sardenberg: Se a senhora tiver uma legislação mais precisa e mais exata... Por exemplo: por que [é] que o Banco Central ficou enrolando com a ... com a intervenção no Econômico? Porque não tinha uma regra que dizia assim, olha: “Quando o patrimônio negativo [está] em tanto, é obrigatório intervir.”.

Maria da Conceição Tavares: Meu companheiro, em tanto quanto? Essa não é a questão...

Carlos Alberto Sardenberg: Não, mas que tenha uma regra...

Maria da Conceição Tavares: ... ninguém tem leis dessa natureza...

Carlos Alberto Sardenberg: Ah, mas precisa... Tem!

Maria da Conceição Tavares: Não diga! Você como...

Carlos Alberto Sardenberg: Tem regras...

Maria da Conceição Tavares: Está vendo! Isto chama-se “o burocratismo português”. Depois a portuguesa sou eu. [discretos risos gerais] Você acha que é lei que resolve? Você está brincando...

Carlos Alberto Sardenberg: Eu acho que se você tiver regras precisas, funciona melhor do que se não tiver regras.

Maria da Conceição Tavares: Precisas, não. Você tem que ter regras que permitam o controle. Eu te insisto...

Carlos Alberto Sardenberg: Porque quando a senhora diz...

Maria da Conceição Tavares: Eu te insisto. Se [enfaticamente] o Conselho Monetário tivesse um representante do Congresso da situação [e] outro da oposição, um empresário [e] outro [membro] da Central [Única] dos Trabalhadores [CUT – organização sindical fundada na cidade de São Bernardo do Campo (SP) no ano de 1983]...

Carlos Alberto Sardenberg: [Durante a fala de Maria da Conceição Tavares] Mas já teve antes e não funcionou...

Maria da Conceição Tavares: ... um funcionário do banco, um... Está claro? Agora, vocês só põem lá os empresários...

Carlos Alberto Sardenberg: [Interrompendo] Mas antes era assim, e continua igual...

Maria da Conceição Tavares: ... coniventes, que levam... Tenho razão ou não tenho? Assim não é possível! Você tem que botar... O controle supõe que tem uma parte, e a outra parte. Se você não tem as duas partes para que entre elas controlem... Se você só põe os apaniguados do poder, ninguém controla nada, com qualquer lei, meu bem!

Matinas Suzuki: Deputada, ...

[...]: Professora, ...

Matinas Suzuki: Deputada, ...

Maria da Conceição Tavares: Tudo bem.

Matinas Suzuki: ... por favor. O nosso telespectador Renó Vilela, lá de Salvador, a propósito, lá da Bahia...

Maria da Conceição Tavares: Coitado.

[Risos]

Matinas Suzuki: ... pergunta para a senhora o seguinte: o PT está ao lado do Antônio Carlos Magalhães sobre a intervenção do Banco Econômico?

Maria da Conceição Tavares: Claro que não, meu bem. Claro que não. Isso é uma das coisas que me dão mais tristeza: é ver o senador envolvendo o seu povo, que tem toda razão em estar nervoso... Se o senador Antônio Carlos Magalhães for amanhã... amanhã, terça‑feira, [quando] estamos todos no Congresso, se ele for amanhã e propuser uma lei, o regulamento 192, uma lei dizendo que os depósitos têm que estar garantidos, por exemplo, por participação conjunta do sistema financeiro, e mais uma parte da reserva monetária do Banco Central, e mais etc, eu apóio  o senador Antônio Carlos Magalhães, e o povo da Bahia. Agora, eu não posso apoiar o que ele fez, porque ele fez vários blefes e sabia - está claro? - que o que ele estava pedindo era impossível. Alguém dirá: “Bom, mas o presidente prometeu.”. Eu não ouvi a fita, mas é capaz que tenha [prometido]. E daí? E daí? Prometeu o quê? O impossível? A lua? Matinas, se alguém te prometer a lua, você acredita? [Matinas ri]

Maria da Conceição Tavares: Logo, é uma coisa muito atrapalhada o que fez o senador. Eu estou dizendo o seguinte: se ele amanhã propuser uma lei que permita regular a situação dos depositantes, contribuir, regular o Banco Central, controlá-lo, terá o meu aplauso! Eu não tenho nada pessoalmente contra o senador, que nunca me fez mal nenhum na vida. Agora, eu tenho visto como é que ele opera - e não é legal - e como o seu partido opera, nomeando gente que ele bota lá e que não responde. Há muito tempo que eles podiam ter regulado isso. Se sabe que o Banco Econômico está como está - e ele sabe há muito tempo – por que não pediu que o seu deputado do PFL, presidente da Comissão Financeira [Comissão de Finanças e Tributação - comitê da Câmara dos Deputados que trata de projetos ligados a questões orçamentárias], regulasse? Ele que regulasse; já não estaríamos nisto. O senador é poderoso, o PFL é poderoso, é o maior partido! Eles podiam ter regulado. Se eles tomarem a iniciativa de regular o fundo...

Carlos Alberto Sardenberg: Agora, a senhora está pedindo a regulamentação?

Maria da Conceição Tavares: Mas eu estou pedindo - é claro! - o regulamento do fundo. Mas como é que não estou pedindo a regulamentação? [Você] Ouviu o que eu disse no começo?

Carlos Alberto Sardenberg: Então, são as duas...

Maria da Conceição Tavares: Eu estou pedindo: regulamenta o Artigo 192 todo!

Carlos Alberto Sardenberg: E mais as regras de entradas e saídas...

Maria da Conceição Tavares: E o que mais? Basta regulamentar isso. É isso que está... Aquele Artigo está na Constituição desde [19]88: por que foi que ninguém regulamentou até hoje? Por quê?

Carlos Alberto Sardenberg: Exatamente, para deixar a coisa vaga...

Maria da Conceição Tavares: Para poder [...].

Carlos Alberto Sardenberg: Isso.

Maria da Conceição Tavares: Por que foi que não regulamentaram até hoje [o fato de] a questão da seguridade social não poder ser tocada? Para poder tocar! Para poder pegar... fazer um Fundo Social de Emergência [criado a partir da Emenda Consitucional no 10, de março de 1994, estabeleceu a desvinculação de verbas do orçamento da União, criando assim um fundo que seria utilizado para estabilização econômica através do custeio dos sistemas de Saúde e Previdência] e levar o dinheiro da Saúde para pagar aposentado da União. Vocês sabem que eu descobri ultimamente que eu virei gigolô da Saúde? Você acha que é legal, na minha idade?

[Risos]

Maria da Conceição Tavares: Porque não estão me pagando [com recursos] do orçamento, estão me pagando do Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social; imposto cobrado sobre a receita bruta de pessoas jurídicas]. Este país está uma indignidade, meus irmãos, é só isso [o] que eu quero dizer.

Carlos Marques: A senhora disse que o presidente não prometeu a lua. O que [é] que, na sua opinião, o presidente prometeu ao senador Antônio Carlos Magalhães? Porque ele...

Maria da Conceição Tavares: E eu lá sei!

Carlos Marques: Pois é. Porque ele, de certa forma... Havia um rombo no banco; são três bilhões de dólares...

Maria da Conceição Tavares: Sim, senhor.

Carlos Marques: ... quer dizer, e o governo estadual, o governo da Bahia, não tinha - nem em termos de arrecadação - como ter esse dinheiro.

Maria da Conceição Tavares: Não.

Carlos Marques: Quer dizer, a partir do momento em que foi feito um acordo...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] O que o senador disse que o presidente prometeu é que estadualizaria [o Banco Econômico] e com isso teria os mesmos privilégios do Banespa e do Banerj [Banco do estado do Rio de Janeiro]. Isso foi o que ele disse. O presidente diz o contrário. Eu não tenho por que dar preferência à palavra de um ou [do] outro, e não ouvi as fitas. Vocês [que] são da imprensa podem. [Mas nós vamos] Requisitar as fitas? Até podemos, resta saber se nos dão. Vocês entenderam? As comissões têm poderes limitados. Eu estou lhe dizendo: a primeira coisa que fizemos - em particular ao presidente da comissão - foi pedir ao presidente do Banco Central, em sessão secreta, que esclarecesse a situação para que nós pudéssemos ajudar. E ele não foi.

Carlos Marques: Porque nem o pessoal... Nem o pessoal do Banco Central entendeu o que o presidente prometeu, quer dizer, nem o presidente do Banco Central, nem a equipe econômica, ninguém entendeu nada.

Maria da Conceição Tavares: Ali parece que ninguém entendeu nada. Trata-se de uma trapalhada...

[...]: Ou entendeu e não gostou, né?

Carlos Marques: E não gostou... [risos]

Maria da Conceição Tavares: É, pois é. Então é uma tremenda trapalhada.

Carlos Alberto Sardenberg: Por falar nisso, deputada, o governador Marcelo Alencar...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Vocês precisavam ouvir -  que é impublicável - o que o ex‑ministro Delfim Netto [economista (1928-), foi ministro da Fazenda de 1967 a 1974, e do Planejamento de 1979 a 1985] estava dizendo bastante alto e em bom som no Congresso naquele dia. Impublicável. Impublicável...

[...]: Em relação a quê?

Maria da Conceição Tavares: Em relação aos técnicos todos, e aos gestores... Está claro?

José Paulo Kupfer: [Interrompendo] Traduzindo para uma coisa publicável, ...

Maria da Conceição Tavares: Não vou traduzir nada!

José Paulo Kupfer: ... o que [é] que ele estava dizendo?

Matinas Suzuki: [Em meio à fala de Maria da Conceição Tavares] Vamos ouvir... Vamos ouvir a pergunta do Marco, por favor.

Maria da Conceição Tavares: Estava dizendo, enfim, que são incompetentes. Agora ele tem razão, porque d’antes, no tempo dele, eles separavam – né? -: quando era para fazer business [faz gesto de separação com as mãos, colocando-as em lados opostos], negócio era negócio, competência era competência. Misturou tudo! Irmão, não se pode misturar negócios com política [e] com competência técnica: e misturou tudo.

Leonel Rocha: Estão misturando negócios com governo ultimamente?

Maria da Conceição Tavares: Estão misturando tudo... Pois é: então isso não é um negócio, meu bem? O que é que é?

Marco Antônio de Rezende: [Interrompendo] Professora, ...

Maria da Conceição Tavares: É uma confusão. Eu estou dizendo que isso é para o governo aproveitar... Nada! Nem Fernando Henrique [FHC], nem Malan, nem Serra [José Serra, economista (1942-), foi ministro do Planejamento de janeiro de 1995 a abril de 1996, e da Saúde de março de 1988 e fevereiro de 2002], nem o presidente do Banco Central... Estão levando dinheiro, isto é um absurdo, não é disso que se trata: o problema é tolerar [enfatiza] uma situação, porque se tomassem a iniciativa de levar ao Congresso [e impor:] "Regula o Artigo 192"... Não fizeram mil e tantas MPs [medidas provisórias]? O governo não fez quase mil ou mil e tantas medidas provisórias, que são votadas a toque de caixa naquele Congresso? Chega lá a oposição, faz a obstrução. Eu já estou tão cansada de fazer obstrução que eu vou ficar aleijada... Está claro?

[Risos]

Marco Antônio de Rezende: Professora, ...

Maria da Conceição Tavares: Eu quero dizer é que se o governo quisesse poderia ter regulamentado, de partida, em junho, quando fez a MP do Real [a instituição do Real deu-se através da Medida Provisória 1053, de 30/06/1995]... Sabia e anunciou que os bancos tinham que se ajustar a uma nova situação. Anunciou ou não anunciou? Se ali tivesse tomado providências para regulamentar o Artigo 192, o Congresso teria [...]. Não fez tanta MP? Por que não fez uma MP criando um fundo compulsório [no caso da criação e um fundo compulsório, os bancos são obrigados a depositar em uma conta corrente do Banco Central parte dos valores captados de seus clientes. O montante fica resguardado para ocasiões de baixa liquidez, ou nos quais se reduzam as fontes de crédito] para assegurar a liquidez dos bancos?

Marco Antônio de Rezende: Esse episódio da semana passada...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Não tem desculpa para o que aconteceu, não tem desculpa. Nós, se não for feito algo, vamos a uma crise bancária no estilo da Argentina! E isto é uma coisa desnecessária. Quando a gente diz: "não somos a Argentina e não somos o México", sei lá, ser não somos, mas estamos indo para lá. E esse negócio de ir para um desastre anunciado, morte anunciada, eu não acho graça nenhuma, entendeu? Eu acho que devia tomar providências logo, isso é o que eu acho. Não é pedir por favor aos bancos [para] que emprestem dinheiro ao governo. Isso é um absurdo! Tem que regulamentar, está claro? Todo o sistema bancário tem que contribuir para um fundo que garanta a liquidez dos depositantes. Ou não? Ou é só o Banco Central, e a viúva, que paga!

Marco Antônio de Rezende: Eu queria lhe fazer a seguinte pergunta, professora: esse episódio da semana passada - na minha opinião, aparentemente paradoxal - eu acho que ele esconde mais do que revela o que se passa na aliança que sustenta o presidente da República.

Maria da Conceição Tavares: É provável.

Marco Antônio de Rezende: Pelo andar da carruagem, na sua opinião, como vai terminar essa aliança? Ou, se a senhora conseguir profetizar, como termina esse governo?

Maria da Conceição Tavares: Não - Deus me livre! -, não sou profetiza... Olha aqui: eu sou uma modesta professora universitária que, apesar de falar muito alto - porque eu sou temperamental -, [de] me apaixonar, de brigar, não tenho nenhum dom de profecia, a não ser aquelas coisas que são morte anunciada. Então, quando você faz uma política cambial como se fez no começo da passagem do Real, eu não só anunciei como eu briguei pessoalmente com o Franco [Gustavo Franco (1956-), economista, presidente do Banco Central de agosto de 1997 a março de 1999]. Briguei, fui lá no Congresso brigar com ele, ele ainda não estava no Congresso – não é? - e não adiantou nada, porque eles não ouvem.

Marco Antônio de Rezende: Eu queria a sua opinião política sobre...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] A minha opinião política eu escrevi tão pronto foi feita a aliança. Eu tenho um amigo meu, um cientista político, Luciano Martins [sociólogo, foi acessor especial do presidente Fernando Henrique Cardoso, além de ter exercido a função de embaixador do Brasil em Cuba], amigo comum meu e do Fernando Henrique, e que escreveu um artigo na Folha [jornal Folha de S. Paulo] dizendo [que] precisa engolir sapos; não sei se alguém se lembra. E eu escrevi um dizendo que... chamado “O sapo e as [...]”, dizendo: “olha, esse negócio de engolir sapos não dá resultado.”; até porque você só engole sapos se você for o sapão rei, ou for uma cobra, ou for um jacaré. Como é que engole sapo? Engole sapo como? O partido do governo é menor: vai engolir um PFL? Mas é impossível, não é verdade? [Matinas ri] É o contrário. Todo mundo não viu? Bom, agora é provável que rache o próprio PFL, porque o que eu notei é que metade do PFL, no Congresso, ficou descontente com a atitude do senador. Achou que ele tinha feito um ato... Ele provavelmente [fez] até por amor à Bahia, eu não nego, porque ele é uma pessoa passional também, então nisso até somos parecidos.

Carlos Marques: [Interrompendo] Incoerente até com a bandeira privatista do próprio...

Maria da Conceição Tavares: Isso. [assente com a cabeça]

Matinas Suzuki: Deputada...

Maria da Conceição Tavares:  Ça va sans dire [Expressão francesa que significa "é evidente" (tão evidente, que nem precisa dizer)], meu velho! Mas o que eu estou dizendo é que essa coisa de ele ter pisado em cima, [ter] ido na garganta do presidente [toca seu pescoço, na direção da garganta], é um negócio insólito, é ou não é? Você tem um aliado que te expõe... Aquela marcha, às três da tarde, do Congresso Nacional ao Planalto é uma coisa insólita, está claro? Tanto é insólita que a imprensa reagiu pesadamente. [Antônio Carlos Magalhães liderou uma caravana de parlamentares baianos, que marchou até o Palácio do Planalto para tentar salvar o Banco Econômico. Na época, ACM ainda ameaçava dizendo que tinha um dossiê contra a diretoria do Banco Nacional, de propriedade da família da nora de FHC]

Matinas Suzuki: Deputada, a propósito desse fato...

Maria da Conceição Tavares: Por que ele fez isso?

Matinas Suzuki: ... há uma análise...

Maria da Conceição Tavares: Não é uma coisa de overdose, quer dizer, o senador não exagerou? Exagerou.

Matinas Suzuki: Há uma análise, que apareceu na imprensa, de que foi muito mais uma reação da sociedade que não aceitava esse fato, que conduziu uma reação do presidente ou que pressionou a uma reação do presidente, do que propriamente uma reação espontânea do presidente, e que a sociedade brasileira teria dado uma demonstração de que não está querendo mais esse tipo...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Se por sociedade você entende a repercussão que teve na imprensa; se, nesse caso, como em outros, a imprensa reflete [a opinião das pessoas], é verdade...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Mas [os] leitores também.

Maria da Conceição Tavares: Também, meu bem. Mas o importante foram os editoriais, Matinas.

Matinas Suzuki: Sim.

Maria da Conceição Tavares: Você há de [me] desculpar, eu estou te dizendo: os editoriais da Folha [de S. Paulo], os editoriais do Estadão [jornal O Estado de S. Paulo], os próprios artigos do JB [Jornal do Brasil] - menos os editoriais, porque o JB não é de fazer editoriais tão pesados - as matérias da Gazeta [Mercantil] - que também não é de fazer editoriais tão pesados -, o próprio O Globo! Ué! Quando a Globo... quando a TV Globo me entrevista, meu bem, é porque a coisa está preta...

[Muitos risos gerais]

Maria da Conceição Tavares: Não é normal o doutor Roberto Marinho mandar me entrevistar sobre coisa nenhuma, a não ser no antigo Cruzado [Plano Cruzado].

José Paulo Kupfer: Quer dizer que a senhora só aparece na televisão quando a coisa está preta?

Maria da Conceição Tavares: Ah, é. Eu diria, meu irmão. Também não tenho notícias de que tenham me convidado para o programa [...]...

[Risos]

José Paulo Kupfer: Quer dizer que hoje a coisa está preta?

[Todos falam ao mesmo tempo]

José Paulo Kupfer: Quer dizer que hoje a coisa está preta?

Matinas Suzuki: A situação está grave...

Maria da Conceição Tavares: É porque a situação está preta.

José Paulo Kupfer: Está difícil hoje, professora?

Maria da Conceição Tavares: É a tal coisa: chamam a velha dona Maria da Conceição Tavares quando a coisa está preta. Eu me lembro, aliás, que o [...] já disse isso. Quando as coisas começavam a complicar [dizia]: “Deixa eu ouvir o que a portuguesa anda dizendo.”. É isso. Parece que eu virei uma velha tia da pátria, porque quando as coisas ficam pretas [dizem]: “Vamos lá chamar a portuguesa para ver o que ela pensa.”.

Matinas Suzuki: Eu acho bom a gente prestar muita atenção no que a senhora está dizendo hoje.

[Risos]

Maria da Conceição Tavares: Acho bom mesmo, meu irmão. Acho bom.

Rui Xavier: No Congresso, parece que o...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Havia que ter prestado atenção no que eu disse um ano atrás. Isso ninguém prestou.

Rui Xavier: No Congresso, parece que o presidente da República... foi vista também esta interpretação - de que ele estaria... ele teria feito isso, enfim, esse acordo pelo Econômico etc, para ampliar as bases dele no Congresso e passar mais facilmente as reformas.

Maria da Conceição Tavares: Eu não creio, meu amigo:  eu acho tudo isso uma falsa interpretação. Posso dar uma opinião?

Rui Xavier: Pode.

Maria da Conceição Tavares: Posso fazer um pouco de sociologia...

Rui Xavier: Pode, é claro.

Maria da Conceição Tavares: ... roubando um pouco a especialidade do meu amigo presidente? Olha aqui: esta semana, no Congresso, de novo - toda semana tem ministro no corredor da morte, como o pessoal chama, que é o corredor das comissões - foi o Bresser-Pereira [Luiz Carlos Bresser-Pereira (1934-), economista e cientista político, foi ministro da Fazenda de abril a dezembro de 1987] explicar para a Comissão de Trabalho e Social a questão da reforma administrativa. O Bresser começou o discurso dizendo: “Antes era o Estado patrimonialista, depois, o Estado burocrático. Está na hora de ter o Estado gerencial.”. Eu tive um ataque. Mas como isso...? Em cima da coisa do... Eu disse: “mas como, Bresser? Por acaso passou o Estado patrimonialista?”. Ao contrário, você acaba de ver uma briga entre o Estado patrimonialista, representado pelo vice-reinado da Bahia, e o Estado burocrático, a República independente do Banco Central - porque aquilo é independente, não há a menor dúvida. Os dois. E, no meio, nenhuma eficiência gerencial do executivo da República. “Agora, por que você...” - eu disse para ele – “... que foi... trabalhou com o governador Montoro [André Franco Montoro (1916-1999), advogado, filósofo e pedagogo, foi governador do estado de São Paulo de 1983 a 1987] e foi até discípulo dele, e é social-democrata - pelo menos assim se diz - e é uma boa gente, como é que você não põe na sua reforma nenhuma menção à chamada gestão participativa, que é característica da democracia cristã, da social-democracia?”. “O que é isso?” - eu falei para o Bresser – “acabou?”. Primeiro... É por ordem: primeiro patrimonial, depois burocrático, depois... o que não é verdade. Segundo: gerencial? Não se pode chamar gerencial uma coisa patrimonialista. Eu não posso dizer que os bancos estão bem geridos só porque eles têm os lucros fabulosos. Eles não estão bem geridos, não é verdade? Eles estão apenas recebendo uma renda patrimonialista. De quem? Do Estado brasileiro. De quem? Do povo brasileiro. Isso é ser bem gerido? Onde? “Porque o setor privado é eficiente!” [fala com uma voz mais grave, como se fosse o discurso de outra pessoa] Não me diga! Eficiente onde? Agüenta a concorrência? Não agüenta nada! Abriu-se a economia e deu um bode danado.

Rui Xavier: Mas o que é mais eficiente: setor público ou setor privado, no Brasil?

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Eu estou dizendo ao senhor que eficiência é uma palavra relativa. É eficiente para quê? Você pode ser eficiente para o patrimonialismo... O senador da Bahia é eficientíssimo. Ou não? Em matéria de [eficiência] patrimonialista, ele é de uma eficiência total. Ele combina o que há de mais atrasado com o que há de mais moderno. Ou não? Ele tem gerido um condomínio de poder, entre os quais se contam um dos maiores oligopólios do Brasil, e dos mais modernos. Ou não? Agora é que fracassou. Portanto, ele foi eficiente até agora. As condições externas mudaram. Eficiente para quem? Para o condomínio de poder dele. Para o povo, temos nossas dúvidas. Está claro gente?

José Paulo Kupfer: Professora, ... Professora, ...

Maria da Conceição Tavares: E onde é que fica a questão participativa? Onde fica a representação da sociedade? Onde fica o controle do Congresso sobre tudo isso?

José Paulo Kupfer: Professora, eu queria lhe fazer uma pergunta que é sob hipótese. A senhora me desculpe, mas da sua parte eu não vou ouvir aquilo “Não raciocino sob hipótese”, porque a senhora lida com os modelos e certamente poderá funcionar sob hipótese.

Maria da Conceição Tavares: Não, há muito tempo que eu não lido com modelo. Tenho horror, aliás, em lidar.

José Paulo Kupfer: A senhora disse que há um ano, ou seja, quando o Plano Real, enfim, apareceu, a senhora já disse tudo isso que está [dizendo] agora aqui. Me pareceu, eu posso estar...

Maria da Conceição Tavares: Não, o que está agora aqui não. Eu disse a seguinte coisa: "com esta taxa de câmbio sobrevalorizada, com esta abertura brusca, nós vamos ter uma enorme complicação. Uma enorme complicação.".

José Paulo Kupfer: Tudo bem. Foi mais ou menos como eu entendi...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Mas isso é raiz de tudo isso [que se vê agora].

José Paulo Kupfer: Tudo bem. Sem discordar do que a senhora diz, eu lhe pergunto...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] E com o endividamento. E quando o Pérsio [Pérsio Arida (1952-), economista, foi presidente do Banco Central de janeiro a junho de 1995] disse: “Vou subir as taxas de juros.”, eu disse: "Pérsio, não vai adiantar nada, porque você não controla senão as reservas bancárias. Você não vai controlar o crédito ao consumidor.”. Controlou? Não controlou.

José Paulo Kupfer: Mas tudo isso ainda parece que é para o futuro. No momento, o que se tem é uma situação relativamente... boa...

Maria da Conceição Tavares: Não me diga! [arregala os olhos, ironizando]

José Paulo Kupfer: O plano, mais ou menos, resiste...

Maria da Conceição Tavares: Hoje? Não, o plano resistiu muito bem um ano.

José Paulo Kupfer: Exatamente. A minha pergunta é a seguinte: se a eleição do ano passado fosse hoje, a senhora acha que o Lula ganharia, neste momento, hoje?

Maria da Conceição Tavares: Eu não tenho a menor idéia, meu bem. Neste momento, hoje, dado o massacre da imprensa, dado o fato [de] que o PT está reduzido a ele mesmo, sem aliança nenhuma, dificilmente. Hoje. Agora, pode ser que daqui a um ano...

José Paulo Kupfer: Mas não pelo que a população considera sobre o plano?  

Maria da Conceição Tavares: A população não considera nada sobre o plano, porque a população - então [no passado], como agora - só tem uma coisa que ela considera sobre o plano: é a inflação, [se] vai explodir ou não. Ora, enquanto a taxa de câmbio...

José Paulo Kupfer: Vai explodir?

Maria da Conceição Tavares: Não, meu bem. Como na Argentina também não. Enquanto se mantiver a taxa de câmbio lá embaixo, ela não vai explodir, meu bem.

[...]: Agora, a senhora identifica no...

Maria da Conceição Tavares: O que não quer dizer que se não esteja [inicia contagem nos dedos] com uma crise financeira de inadimplência - não é verdade? -, uma crise de crédito brutal, uma tendência recessiva, [enfatiza] uma tendência recessiva brutal - e não me venha com a coisa do calendário, não é? Porque eu falei isso para o Malan também e ele disse “Não, [...]...”. Você não vai poder baixar a taxa de juros, senhor Malan, enquanto não tiver a situação de balanço de pagamento equacionada. Se está com um déficit potencial de vinte bi[lhões de reais], e não está de vinte e cinco, é porque provocou uma recessão deliberada: eles não fizeram isso por acaso. Você não está achando que eles estão mandando para o espaço a economia só para se divertir. Eles não são loucos. Você não está achando que o governo da República quer que as empresas quebrem, [que] os bancos quebrem,  [que] haja inadimplência. Não. É porque ele precisa [enfatiza] ajustar o balanço de pagamentos para evitar o erro que foi feito em junho do ano passado. Erro que o doutor Gustavo Franco sabia que era erro, mas ele disse – disse, porque eu soube de gente amiga  comum [amigos dele e meus] - que era para garantir um ano de tranqüilidade ao presidente. Pronto, já garantiu o ano de tranqüilidade do presidente. Agora, daqui em diante, o presidente vai ficar intranqüilo todas as semanas, todas, porque um dia vai ser a agricultura, outro dia vai ser a indústria, daqui a pouco a automobilística começa a abandonar os planos...

[...]: Varejo.

Maria da Conceição Tavares: ...porque está sobrando automóvel, não importa mais, não sabe o que fazer.  

José Paulo Kupfer: Quer dizer que, então, a [Rede] Globo vai falar com a senhora toda semana.

[Risos]

Matinas Suzuki: Deputada, deputada.

Maria da Conceição Tavares: Eu não digo toda semana, mas uma vez por mês... [é] capaz que eu apareça outra vez na mídia.  

Matinas Suzuki: Deputada, o telespectador Waldemir de Araújo, de Campo Limpo, aqui em São Paulo, pergunta para a senhora o seguinte, a propósito do plano: “Para estabilizar a moeda será necessário passar por uma recessão forte?”.

Maria da Conceição Tavares: Ai, meu Deus. A recessão forte tem que ver com a obrigação, com a necessidade que esse governo tem de escapar da armadilha em que se meteu. Fez uma abertura brusca, sobrevalorizou o câmbio, abriu um boqueirão [abre os braços] e desandou a importar que nem um doido. E isso arrebentou. Como é ainda a passagem para a tal banda, que não é banda nenhuma, porque isso não é banda nem aqui nem na China, o que eles fizeram, está claro? Que banda? Andamos de banda, mas não tem banda alguma. [discretos risos gerais] Por causa disso sempre teve perda de reservas. Aí você mandou a taxa de juros para o espaço [ergue um dos braços] para atrair capital, e ao mesmo tempo dar uma crise de crédito [bate com força uma das mãos na outra, como se estivesse socando algo] e liquidez para que o consumo caísse bruscamente [ergue e desce os braços, representando uma queda] e a economia também. Para quê? Para ajustar o balanço de pagamentos. E foi tão brusca - não é? - que já ajustou. E já ajustou por quê? Tirando o petróleo, que foram as duas coisas, a Petrobras etc, o que é que caiu? Automóveis - que era [uma queda] esperada - e matérias-primas. Ainda não caíram os bens de capital [máquinas e equipamentos para investimento produtivo], gente, porque os investimentos estão encomendados, os bens estão sob encomenda. Agora, o que é que eu ouvi dizer outro dia no aeroporto, encontrando o Alkimar [Alkimar Ribeiro Moura, economista, foi diretor de Política Monetária do Banco Central de 1994 a 1996], coitado, que fica todo... Cada vez que eu encontro um deles eu fico prensando. [risos gerais] Eles são muito bem-educados. Sou velha amiga, todo mundo me conhece, eles sabem que é pelo bem do Brasil. Eu sempre pergunto: “vocês ficam danados comigo?”. [E eles respondem]: “Você bate muito duro.”. Mas a gente sabe que é para o bem do país. Eu não estou batendo duro por encomenda de ninguém, gente. Está claro? Estou batendo duro para ver se acordam. E se, também, no meu ponto de vista, a opinião pública acorda. Só que agora está difícil. Por que [é] que está difícil? Porque você obrigou a uma recessão, e não é tão fácil soltar a liquidez e sair dela. Até porque, se sair dela muito bruscamente, volta o [problema com o] balanço de pagamento.

José Paulo Kupfer: Agora soltaram bruscamente, né?

Maria da Conceição Tavares: Soltaram porque houve uma crise de crédito endógena, ...

José Paulo Kupfer:  Soltaram 20%...

Maria da Conceição Tavares: ... porque houve... porque o mercado interbancário encolheu por conta própria.

José Paulo Kupfer: E o que [é] que vai agora, enfim, acontecer com essa torneira aberta?

Maria da Conceição Tavares: Graças a Deus que soltaram. A propósito, não se trata de nenhum idiota, hein! A incompetência, é o Delfim quem diz. Eu não acho que sejam incompetentes. Eu acho que se meteram numa armadilha e acho que têm uma aliança péssima. Quer dizer, qual é o problema dessa equipe que está aí, que são dos melhores economistas deste país - o resto é conversa - ou tem muito melhor que o Malan, que o Serra, que... ? Não tem! Não é essa a questão?

[Todos falam ao mesmo tempo]

[...]: Mas deputada, a senhora só está criticando a equipe econômica...

Maria da Conceição Tavares: Eles se meteram numa armadilha e têm uma aliança de interesses perversa, e vão ter que dar a essa aliança os benefícios. Não basta privatizar, até porque privatizar é difícil, como eles já verão. Eu até uma vez perguntei no Congresso: “neste jogo de dar, de benesses, quantos barões ladrões vão ser feitos?”. Nos Estados Unidos, no século XIX, foram cem. Sabe qual foi a resposta de um deputado? “Não dá para 25.” Ah, bom, se não dá para 25, o pau vai cantar, né, amigo? O pau vai cantar, porque o pessoal está todo esperando benesses. O primeiro a cantar foi o nosso senador, que ficou danado, porque não deu o que ele queria. E é impossível dar! Eu não posso dar três e meio bilhões [de dólares] e mais um e meio, e mais oitocentos lá fora: é impossível, não é verdade? A viúva não agüenta. Então, esse foi o primeiro grande [enfatiza] choque. Eu tenho grandes esperanças [de] que esse choque, em primeiro lugar, obrigue a sociedade a tentar controlar, e o Congresso a ter vergonha e forçar a barra sobre o controle do Banco Central. E regular. Um. Dois: que o presidente Itamar tenha tomado um tamanho susto, um tamanho susto, que, em vez de ficar ouvindo os áulicos da corte, ele mesmo plote, cheque como é que estão as coisas. Dois: que realmente cobre dos seus aliados um comportamento um pouquinho mais – né? - civilizado, porque senão não é possível andar para lugar nenhum. Se eles fizerem isso, Matinas, eu passarei a uma oposição tranqüila e não à beira do infarto e da angústia todo dia, como eu tenho estado nas últimas duas semanas.

Matinas Suzuki: Deputada, olha: nós fazemos os votos para que a senhora possa fazer uma oposição mais tranqüila...

Maria da Conceição Tavares: Eu também acho. Até porque eu não vou agüentar.

Matinas Suzuki: ... e até para isso vamos fazer um intervalinho...

Maria da Conceição Tavares: [Durante a fala de Matinas Suzuki] Um intervalozinho para tomar uma água. Isso.

Matinas Suzuki: ... para a senhora descansar um pouco e tomar uma água. E nós voltamos daqui um pouquinho com o segundo round da entrevista da deputada e economista Maria da Conceição Tavares essa noite. Até já.

Maria da Conceição Tavares: [Durante a fala de Matinas Suzuki] Essas duas últimas semanas foram uma “brabeira”.

[intervalo]

Matinas Suzuki: Bem, nós voltamos com o Roda Viva, que entrevista esta noite a deputada e economista Maria da Conceição Tavares. Eu lembro mais uma vez que você pode participar deste programa enviando suas perguntas através do telefone 252-6525. Repetindo para você: 252-6525. Se você preferir o fax, use o número 874-3454; 874-3454. Deputada, mudando um pouquinho o rumo da nossa conversa, até para a senhora poder...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Até para eu me acalmar? [risos]

Matinas Suzuki: ... [se] acalmar um pouquinho [risos]. Existe aí... está sendo discutida uma lei para fazer uma reserva ou uma cota de 30% do Congresso destinado às mulheres. O que é que a senhora pensa? A senhora, que está lá em Brasília participando das atividades do Congresso federal, o que a senhora acha dessa idéia?

Maria da Conceição Tavares: Acho que isso foi de iniciativa da Marta – né? – da Marta Suplicy [psicóloga e política (1945-), ligada ao PT, foi deputada federal de 1995 a 1998, e prefeita da cidade de São Paulo de 2000 a 2004]. Isso é uma iniciativa que vários Congressos no mundo tomaram, e também executivos: na França, ademais do Congresso tinha a questão do executivo. Tanto que quando foi o primeiro governo Mitterrand [François Mitterrand (1916-1996),  até hoje o único presidente eleito pelo Partido Socialista Francês, ocupou o cargo de 1981 a 1995], primeiro governo socialista, tinha 30% de mulheres no ministério. Eu me lembro, inclusive, uma da Economia.

[Risos discretos]

Maria da Conceição Tavares: Foi antes da nossa, né? [referência a Zélia Cardoso de Mello, economista que foi ministra da Fazenda de Fernando Collor entre março de 1990 e maio de 1991] Acho que é triste ter que fazer isso [Matinas ri] porque era legal que se reconhecesse essa possibilidade. Mas como é muito difícil de o pessoal querer ir para o Congresso, e é muito considerado ainda o mundo de homens, provavelmente isso ajudará, permitirá que os partidos estimulem as suas candidatas, não é? Porque eu me lembro que tem muitas candidatas boas nos partidos todos, que tem muita gente nas burocracias dos partidos, muitas mulheres na executiva etc. Mas é difícil subir nos partidos.  Eu mesma me lembro [de] que para chegar à executiva do PMDB, em 1980, foi preciso as mulheres irem pressionar o doutor Ulysses [Ulysses Guimarães (1916-1992), uma das maiores figuras da política brasileira, teve importante participação no movimento de redemocratização do país]: ele não estava muito a favor de me levar. [risos]

Matinas Suzuki: O Congresso é machista, deputada?

Maria da Conceição Tavares: Meu amigo, é uma sociedade tradicional em certo sentido, né? Então, uns são [e] outros não são. Então o Congresso é muito representativo da sociedade brasileira. Tem para todos os gostos...

[...]: [Durante a fala de Maria da Conceição Tavares] Professora, ...

 Maria da Conceição Tavares: ... para todos os gostos naquele Congresso. Mas poucas mulheres.  Então, acho que é uma boa. A propósito: eu estou francamente ficando... estou quase aderindo ao matriarcardo, se continuar assim...

[Risos]

Maria da Conceição Tavares: ... porque as mulheres daquele Congresso são muito mais combativas do que os homens.

Matinas Suzuki: Mas que não venha uma Margaret Thatcher, por exemplo.

Maria da Conceição Tavares: Ah bom, isso desde logo. Mas até ela é uma mulher combativa: eu não estou de acordo é com a... Amigo, entre uma Margaret Thatcher - está claro? – e um...

[...]: E um ACM... [risos]

Maria da Conceição Tavares: ... presidente – bom, o ACM eu nem estou falando – mas um presidente bem-educado, amável, soi-disant [adjetivo em francês que significa "pretenso", aquele que se diz ou se pretende (ser alguma coisa ou alguém)] social-democrata, que faz um programa econômico idêntico ao da Margaret Thatcher, prefiro logo o original, não vejo por que a cópia, ora!

[Risos]

Matinas Suzuki: Original de saia.

Maria da Conceição Tavares: Eu, desde logo, até prefiro.

Álvaro Zini Jr.: Professora, ...

Maria da Conceição Tavares: Se bem que não é  verdade que eu prefiro brigar com homem do que com mulher.

[Risos]

Álvaro Zini Jr.: ... a senhora acha que tem clima para reforma fiscal este ano?

Maria da Conceição Tavares: Pois é, Zini, vê se pode uma coisa dessas: há seis meses que estamos ali naquele Congresso, essa sua amiga e vários amigos, e tome reforma tributária, e recebe as comissões, e discuto... Hoje mesmo estava falando no Rio de Janeiro, para a Câmara Municipal, sobre a reforma tributária. Pronto. Vai sair uma reforma tributária nada! Vai sair um remendo tributário - não é, Zini? -, o que é muito ruim, muito ruim; não sei como é que fazem uma coisa dessas. Também não entendo; não se entende! Alguém entende? Quero saber se aqui alguém entende por que é que aconteceu esse treco com a reforma tributária. Alguém entende? Para quê disseram que iriam fazer? Há um ano que dizem que vão fazer.

Carlos Marques: E o governo já acredita que só em [19]97 ou 98 é que ela vai começar a vigorar.

[...]: [Em] [19]98.

Maria da Conceição Tavares: O negócio não se entende, e é um remendo. Nós não estamos carecas de saber que não é tributário, é fiscal? Nós não sabemos que não é apenas...? E muito menos a reforma constitucional [ergue e abre os braços , dando sentido de grandeza]. Isso não é tanto a reforma constitucional, é infraconstitucional. Eu estou com o projeto das Grandes Fortunas [prevista pela artigo 153 da Constituição de 1988, a tributação sobre grandes fortunas encontra-se ainda não regulamentada pela legislação brasileira] parado. Vai passar? É até do presidente da República. Mandei reformular, reestudei tudo, pedi assessoria da legislativa do Congresso, está prontinho, tinindo. E agora? Passa? Não, não está considerado. Mas é do presidente, meu Deus!

José Paulo Kupfer: A senhora falou que o problema é fiscal. A senhora concorda com os conceitos, com as teorias que dizem que é preferível desonerar as empresas e taxar as pessoas físicas, coisa que não é feita no Brasil?

Maria da Conceição Tavares: Amigo, para desonerar as empresas e taxar as pessoas físicas, era preciso identificar o patrimônio e a renda das pessoas físicas.

José Paulo Kupfer: Sim, tudo bem. Mas a senhora concorda...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Tudo bem coisa nenhuma! Porque para isso, uma das maneiras é tributá-las através das empresas. Alguém paga...? Alguns dos executivos da empresa paga alguma coisa? Não! Por exemplo: era completamente lógico que o pró-labore [valor pago ao titular, sócio, diretor ou administrador de uma empresa a título de remuneração por serviços prestados] dos grandes executivos fosse pagar Imposto de Renda. Não pagam nada!

José Paulo Kupfer: Não, não, tudo bem: claro!

Maria da Conceição Tavares: Tudo bem? Tudo bem!

José Paulo Kupfer: Mas como pessoa física: não a empresa pagar imposto.

Maria da Conceição Tavares: Eu estou dizendo: a empresa deveria pagar sobre lucro de qualquer maneira, e se porventura - porque é uma forma de renda -... e se por ventura se quiser que a empresa invista prioritariamente...

José Paulo Kupfer: [Interrompendo] Sobre o lucro distribuído, professora.

Maria da Conceição Tavares: Não, meu bem...

José Paulo Kupfer: Não?

 Maria da Conceição Tavares: De jeito nenhum. Que sobre o lucro distribuído? Imagina! Sobre o lucro. Sobre algum conceito... e te diria mais: sobre o lucro bruto antes dessas malucas dessas isenções. Você está doido? Olha, você tem isenção... Por que é que ninguém paga imposto nenhum? Sabe quanto pagam as... impostos no Brasil? [Corrigindo-se] As empresas? As empresas - os bancos ainda pagam menos. As empresas [pagam] 400 reais por mês. Você está brincando? Por quê? Porque você permite deduzir prejuízos eventuais nos exercícios anteriores ou futuros. Dois: o patrimônio líquido...

José Paulo Kupfer: Já não permite mais, professora, perdão: tanto que está dando uma [...] agora, exatamente por isso, e é uma situação muito esquisita, ...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Sem dúvida.

José Paulo Kupfer: ... que foi mudada em cima do laço no fim do ano passado.

Maria da Conceição Tavares: Agora, se você quer me perguntar... Sem dúvida, sem dúvida. Eu quero dizer é o seguinte: se você está me perguntando se eu concordo com a alíquota marginal das empresas, que estão altas, eu não concordo: não precisa nada daquilo. Aquilo induz... Vamos nos entender: do meu ponto de vista, enquanto você não cruzar a sério, a sério [enfatiza], renda e patrimônio de pessoas físicas e jurídicas, não cruzar, não há a menor possibilidade de fazer auditoria fiscal de nenhuma espécie. Um. Enquanto você não cruzar os cadastros de todas as formas de patrimônio, do IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], o IPVA [Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores], a coisa rural, os ativos líquidos nos bancos - que não se sabe o que é, porque os bancos não autorizam -. [...]: é uma vergonha. A situação brasileira, em matéria de cobrança de impostos dos ricos e das empresas, é uma vergonha [exalta-se]! É pior que a África. Logo, como é que eu não vou concordar... ?

José Paulo Kupfer: [Interrompendo] O que a senhora...?

Maria da Conceição Tavares: Olha, eu não concordo é com a legislação tal como está: tem que mudar a legislação, sim. Para quê? E mais do que isso: cruzar os cadastros. E mais do que isso: aperfeiçoar a Receita Federal. E mais do que isso: ter vontade política de cobrar!

Leonel Rocha: Só assim a pessoa física vai pagar menos imposto?

Maria da Conceição Tavares: Sem dúvida.

[...]: Simplificação de impostos.

Maria da Conceição Tavares: A pessoa física, quer dizer, nós aqui, os infelizes aqui.

Leonel Rocha: Nós, os assalariados.

Maria da Conceição Tavares: Ah, claro: só assim...

Leonel Rocha: O imposto incidente sobre o salário é muito alto no Brasil.

Maria da Conceição Tavares: O problema não é só o salário. Se você se der conta [de] que o infeliz [que recebe] de zero a três salários mínimos tem uma carga tributária de 33%...

Leonel Rocha: [Interrompendo] Direta.

[...]: Direta.

Maria da Conceição Tavares: ... direta. Você sabe - e dos impostos indiretos - quanto é que pagam os 5% de cima? Nada. Nada. É capaz - eu não quero ofender ninguém - mas é capaz... Não vou citar, porque é muito chato. Alguns desses grandes empresários notórios, dadas as suas fundações também notórias, pagam – aliás eu tenho certeza, porque o velho Piva [Pedro Franco Piva (1934-), empresário, membro da Fundação Bienal de São Paulo] uma vez falou com um amigo meu [qu]e me disse - pagam menos Imposto de Renda que eu. Tem cabimento uma coisa dessas?

Leonel Rocha: A média de pagamento...

Maria da Conceição Tavares: [Durante a fala de Leonel Rocha] Tem cabimento? É uma vergonha!

Leonel Rocha: ... do Imposto de Renda Pessoa Física [IRPF] é mais alta do que Pessoa Jurídica [IRPJ].

Maria da Conceição Tavares: Sim, meu bem: mas quem paga somos nós, porque os 400 maiores ricos deste país não pagam nada.

Rui Xavier: [Interrompendo] A senhora hoje...

Maria da Conceição Tavares: Nada. Porque [eles] têm fundação, porque deduz[em] para isto, porque deduz[em] para aquilo, porque... Está claro? É uma vergonha.

Leonel Rocha: E o governo hoje não mandou na proposta de reforma tributária?

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Isso não é nada constitucional, o problema. Isso é infraconstitucional. Não precisa fazer nenhum reforma. Está dito na Constituição que é para pagar as pessoas; está dito que deve ser progressivo nas pessoas [o Imposto de Renda]; está dito quais são os limites de tributação das empresas. E não é feito nada.

Leonel Rocha: O governo mais uma vez adiou - não é? - o envio da proposta...

[...]: [Fala ao mesmo tempo que Leonel Rocha] Deputada, deixa fazer uma pergunta aqui que está me chamando a atenção...

Maria da Conceição Tavares: A mim é tão cansativo. Olha, a reforma constitucional de [19]88 prevê justiça fiscal, justiça tributária, seguridade social à parte, para ninguém tascar, etc etc etc...

Rui Xavier: [Interrompendo] Agora, deputada...

Maria da Conceição Tavares: Nada foi regulamentado. Dois: a Receita Federal, que aos tempos do velho Bulhões, e até do Dorneles [Francisco Dorneles (1935-), advogado, foi ministro da Fazenda de março a agosto de 1985], do tempo do Delfin [Netto], funcionava, não funciona; e não é reaparelhada não se sabe por que, porque não custa tão caro. Dois: não se cruzam os cadastros, de maneira que é impossível. Três: mesmo quando se aplicou o IPMF [Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira], os bancos disseram que não iam entregar os dados à Receita [Federal] porque isso era violar o sigilo. Isso é uma mentira...

Rui Xavier: [Interrompendo] Deputada, a senhora...

Maria da Conceição Tavares: Sigilo fiscal para a Receita não existe em parte nenhuma do mundo... parte nenhuma do mundo. Sigilo bancário, para quê? Para filtrar. Ah, isso por suposto. Agora, para a Receita, não precisa nem estar na Constituição...

[...]: Mas está.

Maria da Conceição Tavares: ... basta uma lei ordinária.

Rui Xavier: [Interrompendo] Olha aqui, deputada...

Maria da Conceição Tavares: Mas é isso que eu lhe digo: está tudo na Constituição, meu amigo! Logo, que diabo de reforma constitucional [se] precisa? O que [se] precisa é [de] leis infraconstitucionais e [d]a vontade política dos governantes de fazer operar.  

Rui Xavier: Nesse lado aí da vontade política...

Maria da Conceição Tavares: Mas ninguém pode esperar que a vontade...

Rui Xavier: Nesse lado da vontade política, a senhora hoje...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Amigo, quando se faz o pacto de poder que se fez, não é para cobrar impostos do rico.

[Risos]

Rui Xavier:  Não, tudo bem, mas olha só: a senhora hoje falou, num artigo no Estadão, [a respeito] da reforma fiscal. Estava lendo esse artigo hoje e estava pensando aqui, agora, já no programa... a senhora falando do Banco Central. O Brasil tem Receita, tem Receita Federal, tem instrumento para colocar e operar essa filosofia fiscal que a senhora prega?

Maria da Conceição Tavares: Tinha, tinha, meu amor: quando foi feita a reforma de [19]67, tinha.

Rui Xavier: E hoje: o que é a Receita Federal hoje?

Maria da Conceição Tavares: Não tem, mas não tem, porque o executivo não quer fazer nada com ela, 'uai'. O Osíris [Osíris Lopes Filho (1940-2009), secretário da Receita Federal nos anos de 1993 e 1994] não avisou, não viu, não achou os 400, não almoçou com eles, não foi à televisão, não fez os programas, não disse quais eram os programas que iam ser feitos? Hoje de novo eu estive com ele. Aliás, agora vivo eu e o Ozires. Aliás, eu até o cumprimentei: “pôxa, Ozires, finalmente: seja bem vindo aos panfletários.”, porque agora [ele] também virou panfletário.

[Risos]

Maria da Conceição Tavares: Neste país as pessoas honestas, honradas e patriotas, acabam virando panfletárias.

Rui Xavier: Mas o que é pior: é o Banco Central...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Eu não sei o que é pior. O que eu sei é que a...

Rui Xavier: ... ou a Receita Federal?

Maria da Conceição Tavares: Aí eu diria que está difícil. [...]

[Risos]

Maria da Conceição Tavares: Vamos fazer aqui uma pergunta na mesa: o que é que é pior? Porque é difícil...

[Todos falam ao mesmo tempo]

José Paulo Kupfer: Quer entrevistar a gente...

Maria da Conceição Tavares: Por que é difícil desempatar, não é verdade?

[...]: Deputada, ...

Maria da Conceição Tavares: Vamos entrevistar vocês. O que vocês acham: Banco Central ou Receita?

Rui Xavier: Deputada, a senhora falou do Banco Central; então fala um pouquinho da Receita Federal.

Maria da Conceição Tavares: Quem dá prejuízo? O Banco Central dá prejuízo ao Tesouro. Quem não arrecada? Do lado da Receita, é claro que é a Receita Federal. Do lado do gasto, é o Banco Central. O Banco Central gasta adoidado, meu bem [sorri] , para [fala com voz grave e cadenciada, ironizando] “remunerar o capital financeiro de curto prazo, para aumentar as reservas do país”. É uma piada, ou não é? Se não fosse uma tragédia, era uma piada. Só que é uma tragédia também.

Rui Xavier: Mas aí, desculpe deputada...

Carlos Alberto Sardenberg: [Interrompendo] Professora, se pudesse mudar um pouco de assunto...

Rui Xavier: Claro.

Carlos Alberto Sardenberg: A senhora tem quarenta anos de Brasil, de militância econômica, política e tal. Como é que a senhora vê... a senhora acha que o país melhorou?

Maria da Conceição Tavares: De política é mais recente, como você sabe.

Carlos Alberto Sardenberg: Mas a militância...

Maria da Conceição Tavares: Foi a partir da redemocratização, quando o senador Fernando Henrique Cardoso fez essa sua campanha e nos convenceu a todos que devíamos - os intelectuais - nos meter nisso.

Carlos Alberto Sardenberg: Ainda bem: a senhora está aqui agora.

Maria da Conceição Tavares: [Nós nos] Metemos, agora ele ganha de vez em quando algumas espetadas...

[Risos]

Carlos Alberto Sardenberg: Mas, na sua visão, o país hoje é melhor ou pior?

Maria da Conceição Tavares: Do [que o] quê? Em relação a quê?

Carlos Alberto Sardenberg: Do que... Ele melhorou de uns tempos...?

Maria da Conceição Tavares: Do que em relação [a] quando eu cheguei?

Carlos Alberto Sardenberg: É.

Maria da Conceição Tavares: Ah: mas muito pior, meu irmãozinho.

Carlos Alberto Sardenberg: Muito pior, a senhora acha?

Maria da Conceição Tavares: Meu irmão, você acha que se estivesse assim eu me naturalizaria? Você está maluco! Eu pensaria duas vezes...

[...]: Deputada, ...

[Risos]

Maria da Conceição Tavares: Eu estou dizendo: eu me mantenho de teimosa. Porque eu escolhi este país, eu amo este país, porque tenho quarenta e tantos anos de luta...

[...]: Agora, nesses quarenta anos a senhora...

Maria da Conceição Tavares: ... senão, eu te digo... Esta semana eu fiquei envergonhada. Irmão, vê se entende: eu cheguei aqui e levei um susto, porque o Getúlio morreu logo depois e deu-se aquela confusão. Eu disse: “pronto: vim, julguei que era uma democracia – vindo lá da ditadura do Salazar - e me enganei.”. Já fiquei meio escabreada, porque o país é atrapalhado. Mas depois, meu irmãozinho, tivemos o Juscelino, lembra? Aí íamos construir Brasília, uma democracia nos trópicos, o desenvolvimento... Eu fui para o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]; eu fiz parte do primeiro grupo executivo [os grupos executivos foram equipes de trabalho compostas por representantes públicos e privados, que tinham como objetivo a formulação e a aplicação de políticas industriais que estivessem de acordo com o Plano de Metas estabelecido pelo governo Juscelino Kubitschek. Dentre os mais importantes estavam o Geia (indústria automobilística), o Geicon (construção naval) e o Geimar (máquinas agrícolas e rodoviárias)] de máquinas e equipamentos de base deste país. Eu conheci o de Santa Barbara d’Oeste, como é que se chama? O [Américo Emílio] Romi.

José Paulo Kupfer: Romi.

Maria da Conceição Tavares: O velho Romi. Eu tive o prazer de ver o velho Romi me explicar como é que ele fazia lá aquelas coisas que ele fazia.

[...]: [Em meio à fala de Maria da Conceição Tavares] Então, nesses quarenta anos, a senhora nunca foi... Do Juscelino para cá, piorou.

Maria da Conceição Tavares: Então [...] que eu vi que eu, naquela altura, jovem estudante de economia e matemática... Sabe qual foi o primeiro susto? Eu fui lá para calcular o adicional de Imposto de Renda para o BNDES, e fiz uma curva de distribuição de renda, uma [curva de] Pareto [Vilfredo Pareto (1848-1923), filósofo, sociólogo e economista italiano, foi autor de uma lei econômica – expressa numa equação - sobre a distribuição de renda, a qual informa - em última análise - que cada vez que se duplica o montante de riqueza, o número de pessoas que a detém diminui num fator constante. A representação gráfica conseguida através da aplicação da lei produz a chamada “Curva de Pareto”], e descobri que a distribuição era horrível, mesmo com os dados da Receita. Já levei aquele olho arregalado [faz gesto de olhos arregalados com as mãos] e disse para os meus colegas: “que ruim que é a distribuição de renda neste país!”. Eu era novata. Só piorou daí para cá, meu irmão.

Carlos Marques: Só aumentou o bolo e piorou.

Maria da Conceição Tavares: Exatamente. Você imagina: em [19]58 eu fiz o primeiro exercício de distribuição de renda deste país, conhecido e registrado, que era base para cálculo do adicional.

[...]: Professora, ...

Maria da Conceição Tavares: Piorou tanto, meu amigo! Por que eu sou uma fanática [...]? Porque desde então... Eu já achava horrível em [19]58, imagina hoje! Amigo, o doutor Bacha chamou este país [de] Belíndia [Edmar Bacha (1943-), economista, cunhou em 1974 a expressão "Belíndia" a fim de exemplificar a questão da distribuição de renda no Brasil, país que seria uma mistura entre a pequena e rica Bélgica, e a imensa, populosa e pouco desenvolvida Índia], não foi?

[...]: Foi.

Maria da Conceição Tavares: Mas a gente está indo para a África rapidamente, não está? E nós estamos pegando uma parte da Bélgica, da classe média, dos trabalhadores organizados que tanto lutaram nesse período, e jogando eles no lixo. O país está muito pior, querido. Aliás, esta é, provavelmente - dada a escala - a maior crise que esse país já teve. É parecido com o fim do Império [período entre a declaração de independência (1822) e a proclamação da República (1889), e que é dividido entre o Primeiro Reinado (1822 a 1831), no qual o Brasil foi governado por D. Pedro I, e o Segundo Reinado (1840 a 1889),  no qual o imperador foi D. Pedro II]? Sim. Ou com a regência [período intermediário entre o Primeiro e o Segundo Reinado (1831 a 1840) no qual o Brasil, por conta da abdicação de D. Pedro I e a impossibilidade de D. Pedro II assumir o trono por conta da pouca idade, foi governado por regentes escolhidos por senadores e deputados]? Sim. Só que a escala [abre os braços] é muito maior...

Carlos Alberto Sardenberg: Essa que a senhora fala é a destes dias?

Maria da Conceição Tavares: Esta que estamos vivendo. É. [...]

José Paulo Kupfer: A senhora fala do ponto de vista...

Maria da Conceição Tavares: Estrutural. Não estou culpando...

José Paulo Kupfer: E da economia, claro.

Maria da Conceição Tavares: Não, não: da sociedade. Que da economia? Da sociedade. Não estou culpando o presidente...

José Paulo Kupfer: Mesmo nos anos 70? Mesmo nos governos autoritários a senhora acha que era melhor, que funcionava mais?

Maria da Conceição Tavares: Mas é claro, mas é isso. Mas voltamos: a única coisa que, outro dia, de novo conversando com o Delfim [Netto], ele deu razão, é o seguinte: ele fez crescer o bolo e não distribuiu; no que fez muito mal, porque quando cresce é mais fácil distribuir. Então, fez muito mal. Mas ele montou, com o milagre dele [milagre econômico], e depois o Geisel [Ernesto Geisel (1907-1996), quarto presidente do regime militar, governou o país de 1974 a 1979], montaram indiscutivelmente uma economia capitalista com alguma pujança, vigor, e uma razoável completude. Qual é a situação agora? Agora é que está desmontando a economia...

[...]: Porque é [...] o país?

Maria da Conceição Tavares: Agora estão desmontando a economia. Está aumentando o desemprego... Ainda não chegamos, é claro, aos níveis argentinos e do México [dá três socos no braço da cadeira, no gesto típico de se isolar da má sorte]: Deus nos [livre]...

José Paulo Kupfer: Vamos chegar?

Maria da Conceição Tavares: Espero que não.

José Paulo Kupfer: Mas podemos chegar?

Maria da Conceição Tavares: Ah podemos: é só continuar disparatando que chegamos mole, mole.

Carlos Marques: Essa equipe está na mesma cartilha do Delfin, professora?

Maria da Conceição Tavares: É só aprontar uma crise bancária, uma crise de balanço de pagamentos... chegamos. Agora, eu espero que não, ...

José Paulo Kupfer: Sim.

Maria da Conceição Tavares: ... porque, como já somos o último, espero que os últimos sejam os primeiros a recuperar uma trajetória melhor do que a que tem vindo até hoje.

Carlos Marques: Essa equipe ainda está na mesma cartilha do professor Delfim [Netto], quer dizer: ela continua também pensando em aumentar o bolo e não está planejando distribuir?

Maria da Conceição Tavares: Ah, não, não. Mas que 'aumentar o bolo'? Não aumentou bolo nenhum...

Carlos Marques: Não aumentou, mas distribuir também não fez, né?

Maria da Conceição Tavares: Aumentou o consumo e, induzidamente... Vamos nos entender: no período do Delfim, fim do milagre, do Geisel, aumentou o investimento, meu bem.

Carlos Marques: Exato, a entrada.

Maria da Conceição Tavares: O investimento é que puxou. Agora quem está puxando é o consumo...

José Paulo Kupfer: [Interrompendo] Mas isso está crescendo. Não é igual àquele tempo, mas já está um pouco maior. Teve 13% do PIB [Produto Interno Bruto] três anos atrás, [e] este ano parece que vai dar dezoito e pouco. Não são os 26[%] da época do milagre, nem 22[%] de poupança interna...

Maria da Conceição Tavares: Perdão, 13% do quê?

[...]: Participação do salário...

José Paulo Kupfer: Do PIB, a taxa de investimento, formação bruta de capital fixo.

[...]: Taxa de investimento.

José Paulo Kupfer: Foi 13% e...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Mas é uma porcaria, 'uai'. [risos]

José Paulo Kupfer: Mas está agora chegando já a quase 20[%]; [está em] 18%...

[...]: Depois do Real.

Maria da Conceição Tavares: [É] Isto que eu estou dizendo: se mantiver aí, a gente sai. Agora, se você mantém as tendências recessivas, pára. Meu irmão, ...

José Paulo Kupfer: [Interrompendo] Isto pára?

Maria da Conceição Tavares: Mas é claro que pára! Voltamos. Encontrei no aeroporto o Alkimar...

[...]: Não, deputada, subiu com o Real.

Maria da Conceição Tavares: ... discuti o Banco Central, como é que está essa coisa da moeda, vocês não controlam nada e nem podem controlar agora a liquidez; muito bem. Disse... E a coisa está ruim, vem a desaceleração [gesto descendente com os braços] [e] é muito difícil, soltando a liquidez, repicar... O país fez assim [gesto com os braços de subir e descer]: aquela coisa típica do Brasil nos últimos anos; [inspira e exspira de forma forçada, como se fosse um asmático] um espasmo. Muito bem: eu estou falando, chega um cara da Fiat. Aí eu perguntei... Cheguei [e lhe disse]: “como é que está?”. [Ele respondeu:] “Não, está ruim, porque os pátios [estão] cheios... porque eu não sei se posso importar mais Tipo [carro produzido pela Fiat, importado entre 1993 e 1995; foi produzido no Brasil nos anos de 1996 e 1997].”. Eu digo: “e o investimento?”. [Ele] Disse: “Bom, eu até estava com planos, mas ainda não está resolvida a coisa da automobilística com a Argentina e com o Mercosul.”. Ainda não está resolvido.

José Paulo Kupfer: Parece que sim, né? Há uma...

Maria da Conceição Tavares: Ah, parece? Mas de parecer em parecer, nós estamos achando...

José Paulo Kupfer: Há anúncios, professora, de 10 bilhões [de dólares] de investimento, daqui até o ano 2000...

Maria da Conceição Tavares: Amigo, ...

[...]: De novas fabricantes.

Maria da Conceição Tavares: ... eu estou lhe dizendo o que duas semanas atrás [me] disse o executivo da Fiat ,[que ele] está parado esperando.

José Paulo Kupfer: Tudo bem. Hoje mesmo a GM [General Motors Corporation, empresa automobilística norte-americana, é a segunda maior montadora de veículos do mundo] demitiu mais de mil funcionários.

Maria da Conceição Tavares: Pois é, meu bem.

José Paulo Kupfer: Mas tem uma tendência.

Rui Xavier: [Interrompendo] O presidente da República hoje...

Maria da Conceição Tavares: Amigo, vamos nos entender: nós temos um prazo para decidir esta parada que é dar indícios de que recontrolamos a situação daqui até o fim do ano. Se a gente conseguir fazer isso, ...

Rui Xavier: O presidente da República hoje...

Maria da Conceição Tavares: Se a gente conseguir fazer isso...

[...]: A senhora não acha que eles controlaram de novo?

Maria da Conceição Tavares: Amigo, se a gente conseguir fazer isso... Eu estou rezando. Você está achando que eu estou querendo o quê? Quero mais é que governem! Já insisti: ter um governo conservador que governe bem é o ideal para a esquerda, porque ela empurra. Agora, ter um governo conservador que não governa, é uma droga. Você faz o quê? Penetra nas brechas, levanta a opinião pública, mas a opinião pública está exausta. Lembra, amigo, as Diretas [Diretas Já]? Lembra quantos anos de espasmo? Quantas vezes a massa deste país já foi às ruas, meus senhores, quantas vezes?

[...]: Olha aqui, professora...

Maria da Conceição Tavares: Quanta coragem mais vocês querem que esse povo tenha? Tem tido uma coragem infinita. Quanto mais vocês querem que a gente resista? Era bom que este governo tomasse tino, e fizesse o possível para estabilizar, não apenas nas expectativas, mas se deslocasse para o centro e deixasse, tivesse isenção, deixasse que a sua banda direita operasse lá os negócios, que a sua banda esquerda, raivosa ou não raivosa, conversasse - está claro? -, porque senão nós não vamos a lugar nenhum, meu irmão, a lugar nenhum: essa que é a verdade.

[...]: Deputada, ...

Maria da Conceição Tavares: E se nós não formos a lugar nenhum, os investimentos não virão. Eu quero mais é que venham os [investimentos] diretos, produtivos. Por isso, cada vez que pára um projeto eu fico nervosa. Vai sair a Sepetiba, eu quero que saia a Sepetiba [região do estado do Rio de Janeiro na qual se encontra um porto, modernizado e ampliado em 1998 com o auxílio do governo federal], quero que saia o Teleporto [inaugurado na cidade do Rio de Janeiro em 1995, o Teleporto é um local no qual empresas que demandam serviços de telecomunicações de alta performance encontram estrutura para a sua instalação e funcionamento], quero que saiam os projetos do Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro está parado, gente!

Carlos Alberto Sardenberg: [Interrompendo] É, mas está saindo...

Maria da Conceição Tavares: Parado! Está saindo onde? No papel.

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Deputada, ...

Maria da Conceição Tavares: No papel.

Carlos Alberto Sardenberg: Não: já escolheu o lugar da fábrica, já trouxe gente e tal.

Maria da Conceição Tavares: Pronto. É tudo no papel, meu amigo. Escolher o lugar da fábrica não quer dizer nada: precisa inaugurar a fábrica.

Carlos Alberto Sardenberg: Eu sei que precisa, mas isso leva tempo.

Maria da Conceição Tavares: Mas não se decide sequer quais são os grupos que vão fazer.

Carlos Alberto Sardenberg: Mas estão tomando todas as...

[...]: O que o presidente da República disse hoje que não temos?

Maria da Conceição Tavares: Então você me diga qual é o grupo que vai fazer a Sepetiba, meu bem, me diga.

Carlos Alberto Sardenberg: Ah, eu não estou falando de...

Maria da Conceição Tavares: Mas como não está falando, se ainda nem está escolhido o grupo?

Carlos Alberto Sardenberg: Deputada, está havendo toda uma série...

Maria da Conceição Tavares: Ô Zini, você já viu fazer investimento apenas porque o governador já escolheu o terreno?

Álvaro Zini Júnior: Não.

Maria da Conceição Tavares: Isso tem cabimento, você que é economista?

Álvaro Zini Júnior: Não.

Matinas Suzuki: Deputada, por favor.

Maria da Conceição Tavares: Você não escolheu o grupo, não tem o pacote financeiro...

Carlos Alberto Sardenberg: Ah, deputada: é claro que não é isso! É claro que tem uma quantidade de pessoas que está aqui...

Maria da Conceição Tavares: Ah, é claro que não é isso.

Carlos Alberto Sardenberg: ... e empresas e tal, tudo se instalando, vindo, fazendo investimento e isso está todo mundo fazendo.

Maria da Conceição Tavares: O que você está falando? Você está brincando, Carlos Alberto?

Carlos Alberto Sardenberg: A Volkswagen não vai investir?

Maria da Conceição Tavares: Ah, vai é? Onde, hein meu bem?

Carlos Alberto Sardenberg: Vai.

José Paulo Kupfer: Em Resende, né?

Maria da Conceição Tavares: Aquela fabriqueta de caminhões lá no “coiso”?

Carlos Alberto Sardenberg: Vai; não vai investir? A GM não vai investir?

Maria da Conceição Tavares: É uma fabriqueta de caminhões...

Carlos Alberto Sardenberg: Não está fazendo uma outra fábrica lá em São José dos Campos? Vai fazer.

Maria da Conceição Tavares: Amigo, vai fazer ou não?

Carlos Alberto Sardenberg: As fábricas de cerveja investiram, a Rhodia investiu, está todo mundo...

Maria da Conceição Tavares: Claro que investiu. Agora é que eu não sei se vão continuar investindo.

Carlos Alberto Sardenberg: Ah, está em processo, várias coisas.

Maria da Conceição Tavares: Amigo, eu estou lhe dizendo que se você...

Carlos Alberto Sardenberg: É estranho a senhora colocar assim como.. num tom [...]. Tem processos.

Maria da Conceição Tavares: Sardenberg, tomara... Olha aqui, presta a atenção. Só vai investir se não tiver uma crise de crédito sinalizada - está claro? - uma crise bancária, uma crise no balanço de pagamentos e não tiver uma recessão prolongada: senão, não vai investir. Ou são malucos?

Carlos Alberto Sardenberg: Não, não é maluco,...

[...]: É uma posição estratégica...

Carlos Alberto Sardenberg: ... mas é óbvio que eles estão no controle.

Maria da Conceição Tavares: Alguém está investindo na Argentina e no México?

José Paulo Kupfer: [Interrompendo] Mais ou menos. Estão. Até estranhamente, até estranhamente. Quando dizem que os recursos voltaram...

Maria da Conceição Tavares: Não voltou: isso é só coisa de modernização, 'nêgo'.

José Paulo Kupfer: ... até dá para perguntar: isso é bom ou isso é mal?

Carlos Alberto Sardenberg: Então por que cresceu a importação de matéria-prima e bens de capital? Só pode ser por causa de investimento.

Maria da Conceição Tavares: Meu amor, os bens de capital foi para modernizar, é isso que eu estou te dizendo.

Carlos Alberto Sardenberg: Tudo bem, é investimento.

Maria da Conceição Tavares: Não foi para fazer fábrica nova.

Carlos Alberto Sardenberg: Sim, mas é para ampliar a produção.

Maria da Conceição Tavares: Não, meu bem, não é: é para aumentar a eficiência e poder concorrer.

Carlos Alberto Sardenberg: Mas quanto que aumentou a produção nossa?

Maria da Conceição Tavares: Isso custa emprego. A produção aumentou e já caiu.

Carlos Alberto Sardenberg: Mas caiu, mas continua alta.

Matinas Suzuki: Deputada, ...

Carlos Alberto Sardenberg: Aumentou a produção de automóvel.

Maria da Conceição Tavares: Continua alta em relação a quê? Sardenberg, pelo amor de Deus: olha o nível de produção industrial em que estamos hoje - está claro? -, compara com o começo da crise dos [anos 19]80 e vê quanto cresceu.

Carlos Alberto Sardenberg: Deputada, é claro que a situação não é clara e não é equilibrada, mas também se as coisas não andaram... evoluíram muito positivamente do Real para cá, é evidente que evoluiu.

Maria da Conceição Tavares: Sardenberg, quem começou o investimento foi o Plano Collor, porque eles avisaram...

Carlos Alberto Sardenberg: Como no Plano Collor? Teve uma recessão brutal antes...

Maria da Conceição Tavares: Presta atenção. Com uma recessão brutal, exatamente porque eles avisaram que era... Cortaram a gordura, simplificaram... Então, mesmo durante o governo Collor houve investimento. Em quê? Em modernização.

Carlos Alberto Sardenberg: Houve no começo - e depois - uma brutal recessão. Começou tudo depois, com o Real.

Maria da Conceição Tavares: Não, você está enganado. Foi depois da brutal recessão e durante... Você está enganado Sardenberg!

Carlos Alberto Sardenberg: Não estou, 'uai'.

Maria da Conceição Tavares: Estou te falando que investimento [...]...

Carlos Alberto Sardenberg: [Interrompendo] Pois a balança do comércio piorou por causa do quê? Porque entraram bens de capital e matéria-prima.

Maria da Conceição Tavares: Você está brincando. Os bens de capital pesam isto [aproxima os dedos polegar e indicador, sinalizando que algo é pequeno] na balança.

Carlos Alberto Sardenberg: Imagina, muito...

Maria da Conceição Tavares: Foram as matérias-primas. Matéria-prima pesa 50%. Matéria-prima e bens de consumo...

Carlos Alberto Sardenberg: E bens de consumo, dez [%]. É, então: e bens de consumo 10%.

Maria da Conceição Tavares: Amigo, bens de consumo 10%? Que 10%? [São] 10% os não automóveis, [corrigindo-se] os não duráveis. Sardenberg, ...

Carlos Alberto Sardenberg: Não, 10% de bens de consumo. O resto é petróleo...

Maria da Conceição Tavares: ... não vai discutir comigo a balança de pagamentos, vai? Você, olha... 10% é os não-duráveis.

Carlos Alberto Sardenberg: É que nós não temos o número aqui, mas o grosso da importação...

Matinas Suzuki: Deputada, eu...

Carlos Alberto Sardenberg: ... é bem de capital e petróleo.

Matinas Suzuki: Mudando um pouco o rumo da nossa...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] Já era o petróleo, já era.

Matinas Suzuki: Mudando um pouco o rumo da nossa conversa e também para fazer...

Maria da Conceição Tavares: [Interrompendo] O grosso da importação foi [em] matérias-primas, exceto o petróleo, e bens de consumo.

Carlos Alberto Sardenberg: E bens de capital. Então. Não, bem de consumo [...].

Matinas Suzuki: Mudando um pouco o rumo da nossa conversa, e como nós falamos muito do Banco Econômico e falamos muito da Bahia, eu acho que é justo - e alguns telespectadores nos lembram a esse respeito. O Victor Carvalho, que é advogado, de Brasília; o Ricardo Meirinho, que é daqui de São Paulo, e o Avelaudo Lopes, de Recife [perguntam:] "Como é que a senhora vê a questão do Banespa e do Banerj?".

Maria da Conceição Tavares: Complicadas também; complicadas também, não é? Porque nem pelo fato de serem bancos públicos e, portanto, teoricamente, não poderem quebrar... não poderem quebrar desde que o Estado os possa assegurar. Não creio que o estado de São Paulo possa assegurar nenhum: nem o Banespa e nem o outro. Então, é claro que foi a intervenção que segurou. Agora, voltamos: eu acho, há anos... há anos que eu acho a política de endividamento do estado de São Paulo um disparate. Dois: acho que cada vez que [se] renegocia com a União você cobra juros sobre juros, o que é até ilegal do ponto de vista jurídico, e que sempre cresce a bola de neve. Uma vez eu me lembro de ter dito ao Serra, quando ele ainda não era ministro, era deputado, e concordava comigo nessa altura - eu não sei agora, eu também não quero meter o pobre do Serra em mais aflições com que ele já deve ter nessa confusão geral -... a verdade é que eu me lembro de ter dito: “escuta, Serra, mas isso daqui é uma loucura, porque nós não aplicamos aos nossos estados sequer as condições que pedimos aos banqueiros internacionais para o governo federal.”. Isso eu venho dizendo desde o início. Cada vez que [se] negocia dá vontade dizer: “olha, escuta: pelo menos uma carência pra valer, um cap na taxa de juros [o cap é um contrato no qual se firma um limite para a taxa de juros, evitando assim riscos que poderiam decorrer pela flutuação da mesma], no mínimo...”. Quer dizer, uma União que aplica aos seus estados regras mais draconianas que as que pediu aos banqueiros internacionais, é uma demência mesmo. Cadê o tal do pacto federativo  [acordo entre os estados, municípios e o governo federal, a partir do qual se estabelecem as obrigações e direitos de cada uma das instâncias de governo, que devem agir conjuntamente para garantir o bem-estar do cidadão]? Você está entendendo? Como é que chega em cima do Covas [Mário Covas (1930-2001), governou o estado de São Paulo de janeiro de 1995 a janeiro de 2001]... ? Eu acho indescritível. O Covas é governo do PSDB ou não é? O do Rio, idem. Você consegue entender? Vocês me expliquem, [por]que eu não consigo entender. Como é que se chega e pede a um governante do maior estado deste país - está claro? - um refinanciamento de uma dívida que é pública e que já foi negociada “n” vezes com a União, com juros sobre juros, pede condições de financiamento que são piores que as que os bancos internacionais deram ao governo da União?

Rui Xavier: A senhora achou correto a intervenção do Banespa e do Banerj?

Maria da Conceição Tavares: Claro, 'ué'! Senão, como é que ficava? Mas não dessa maneira. Não dessa maneira! Eu te insisto: você não intervém num banco público dessa maneira.

[Sobreposição de vozes]

[...]: O que deve acontecer com os bancos estaduais, deputada?

Maria da Conceição Tavares: A razão pela qual o Banespa não vai ter uma corrida bancária do estilo que teve o Econômico é porque é um banco público. Se não fosse isso, teria.

Rui Xavier: Mas o governador fala hoje o seguinte, quer dizer, é voz corrente no governo do estado de São Paulo: que se não tivesse tido a intervenção hoje, o banco estaria melhor...

Maria da Conceição Tavares: É claro.

Rui Xavier: ... do que está agora, com a intervenção.

Maria da Conceição Tavares: Mas, sem dúvida.

Rui Xavier: Então foi errado o quê?

Maria da Conceição Tavares: [Foi] Errado ter intervindo sem propor esquema nenhum. Como é que você me intervém num banco público... ?

Carlos Marques: [Interrompendo] Administração temporária, né?

Maria da Conceição Tavares: Administração temporária, e não propõe nada?

Carlos Marques: Está aberta agora.

Maria da Conceição Tavares: Exceto que o banco tem que arrumar cinco bilhões [de dólares] no exterior, cinco bilhões... Meu irmão, vê se entende: o presidente da República furou [com o dedo em riste] o Artigo 192, que não permitia participação de capital estrangeiro nos bancos além da que existia, até ficar regulamentado. Ele furou com o abrigo no parágrafo terceiro, tanto quanto me lembro, no que ele poderia fazer para o Banco do Brasil - não é verdade? – para o Banco do Nordeste, para a Caixa Econômica, mas não para o Banespa. O Banespa não é federal!

Rui Xavier: Mas agora o que fazer, agora?

Maria da Conceição Tavares: Como é que pode fazer uma coisa dessas? E fez.

[...]: Deputada, ...

Rui Xavier: E o que fazer agora? 

Maria da Conceição Tavares: E sugeriu que os bancos estrangeiros comprassem o Banespa. O que foi que respondeu o Banco de Boston? "Eu compro se a dívida for para a União e se o banco continuar a receber os salários do estado de São Paulo.". 'Ué'?!  Mas assim eu também compro! [risos]

Rui Xavier: Claro.

Maria da Conceição Tavares: Assim deixa com o estado, deixa com o governo de São Paulo, está claro?

Rui Xavier: Claro.

[...]: Deputada, ...

Maria da Conceição Tavares: O que eu estou lhe dizendo é o seguinte: intervenção sem regras, sem regras de reescalonamento do reequilíbrio patrimonial do banco, é um erro. Nesse sentido, o Antônio Carlos tem toda razão de estar danado com o Banco Central. Tem toda razão. Só que ele primeiro blefou, e depois intervieram. Mas a intervenção é muito ruim, ou não é? Ou não é?

Leonel Rocha: [Interrompendo] Deputada, se fizer uma avaliação técnica...

Maria da Conceição Tavares: Agora o Econômico está falido de vez.

Leonel Rocha: Se fizer uma avaliação técnica dos bancos estaduais...

Maria da Conceição Tavares: [Durante a fala de Leonel Rocha] Pronto: lá vem a avaliação técnica.

Leonel Rocha: ... vai se perceber que muitos estão quebrados. O que deve acontecer com esses bancos na opinião da senhora?

Maria da Conceição Tavares: Estão quebrados mesmo. Vamos nos entender: estão quebrados de que ponto de vista? Quem deve a quem? Quem é o acionista majoritário do Banespa? É o governo de São Paulo.

Leonel Rocha: É o governo de São Paulo.

Maria da Conceição Tavares: Quem deve ao Banespa? Vamos, vamos [mexe na orelha direita, indicando querer ouvir uma resposta]: qual é o maior devedor?

Leonel Rocha: O governo de São Paulo.

Maria da Conceição Tavares: O governo de São Paulo. Então como é que está quebrado? Se é uma coisa... Não é o caso do Econômico [porque] quem deve ao Econômico - está claro? - não é aquele a quem o Econômico deve. Esse está quebrado, porque o patrimônio... quer dizer, o passivo e o ativo não são do mesmo dono. Agora, no Banespa, imagina: o sócio majoritário é o governo do estado! Quem deve ao Banespa é o governo do Estado, e está quebrado! É do peru! É realmente fantástico!

[Todos falam ao mesmo tempo]

Carlos Alberto Sardenberg: É [o] governo que está quebrado.

Leonel Rocha: Então a situação é pior ainda do que está.

Maria da Conceição Tavares: Se você está dizendo que o governo do estado de São Paulo está quebrado... ele está quebrado, também é uma malucagem. O governo do Estado tem uma dívida que tem que renegociar forçosamente. Sabe por quê? Porque ela é pública, não é privada.

José Paulo Kupfer: Deputada, ...

Maria da Conceição Tavares: E, a menos que vocês achem que o direito público é igual ao direito privado, o que, naturalmente, com o privatismo reinante neste país e a alucinação, e o disparatório geral que assola a nação, não me espantaria que as pessoas achem que direito público e direito privado é a mesma coisa - mas acontece que não é. Acontece que não é.

Leonel Rocha: Deputada, o que fazer, então, com os bancos estaduais, estatais?

Maria da Conceição Tavares: Tinha que ter feito aquilo que há muito tempo tinha que ter feito, que era sanear as relações "intra", quando... Há pouco eu vi ali o nosso ex-ministro Dílson Funaro. Não foi a ele que eu assessorei... eu assessorei praticamente de graça...

[...]: Quem?

Leonel Rocha: Dílson Funaro.

Maria da Conceição Tavares: ... ao João Sayad [economista, ministro do Planejamento de 1985 a 1987] por um ano. Sabe o que eu pedi ao João Sayad, e ao Parente [Pedro Parente, engenheiro (1953-), foi ministro do Planejamento (1999) e ministro chefe da Casa Civil (1999-2003)], porque eu torrei a paciência deles? Que fizessem o favor de sanear as relações de endividamento “intra” [enfatiza] setor público, porque elas estão carreando dívidas... Você sabe [de] quanto é a dívida “intra” setor público, só entre o nível federal? Cem bilhões [de dólares]. Cem bilhões. Imagina se fosse cobrar? [risos]

Carlos Alberto Sardenberg: Isso é verdade. Isso é uma antiga luta da senhora [...]...

Maria da Conceição Tavares: Lembra, Sardenberg? Lembra ou não lembra, Sardenberg? Lembra como eu torrei a paciência de todos.

Carlos Alberto Sardenberg: De fazer o... Como é que a senhora chamava? Encontro de...

[...]: Encontro de contas.

Maria da Conceição Tavares: Faz o encontro de contas, limpa, saneia. Você acha que se tivesse havido o encontro de contas entre o governo de São Paulo, o Banespa e a União para limpar relações...?

Leonel Rocha: Tem que contratar uma agência de casamento.

José Paulo Kupfer: Desculpe, deputada...

Maria da Conceição Tavares: Amigo, essas são as relações “intra” setor público; não dizem respeito ao setor privado. Não dizem respeito. E é melhor, de uma vez por todas, que entendamos que a eficiência do setor público não é o mesmo que a eficiência do setor privado.

Leonel Rocha: [Interrompendo] A senhora, por favor...

Maria da Conceição Tavares: [Em tom de voz exaltado] E é melhor que entendamos, de uma vez por todas, que o direito público é uma coisa e o direito privado é outra! E que essa promiscuidade [enfatiza] entre o público e o privado é que tem levado o país à desgraça. Se vocês não lutarem - vocês da imprensa - não lutarem corretamente, e compararem o Banespa com o banco da Bahia, vocês não estão sendo realmente decentes.

[...]: O que deve acontecer com os bancos estaduais?

Maria da Conceição Tavares: [Em tom de voz exaltado, balançando um dos braços] O banco da Bahia é uma picaretagem do dono!

[...]: O Econômico.

[...]: Banco Econômico.

Maria da Conceição Tavares: O estado de São Paulo...

Leonel Rocha: [Interrompendo] Banco Econômico, a senhora quer falar.

Maria da Conceição Tavares: ... pode responsabilizar os governadores anteriores. Pode... pode. Eu não estou dizendo o contrário. Responsabiliza os governadores anteriores, os diretores, quem você quiser. Agora, limpa - e já deveria ter limpo há muito as relações “intra” setor público de endividamento -, porque não limpando você encontra [batendo várias vezes as costas de uma mão sobre a palma da outra] juro sobre juro sobre juro. E o que o governo federal está exigindo do Banespa é mais draconiano do que os banqueiros estrangeiros exigiram do governo federal. É fantástico!

José Paulo Kupfer: [Em meio à fala de Maria da Conceição Tavares] Quem recebe esses juros? Professora, quem recebe esses juros?

Maria da Conceição Tavares: Nós não negociamos a nossa dívida externa com carência? Agora, o doutor Malan, que negociou a dívida externa, por que ele não negocia essa brincadeira direito? Isso é que me espanta!

Leonel Rocha: A senhora é a favor de que cada governador fique com um banco?

José Paulo Kupfer: [Interrompendo] Professora, quem recebe esses juros sobre juros?

Maria da Conceição Tavares: Que cada governador fique com um banco! Eu sou a favor é que mantenha o Banespa, a menos que vocês, como estados... Olha, eu fico pensando que a classe paulista tem vocação para o suicídio. Tudo aqui é paulista [apontando para os entrevistadores], não é verdade?

Leonel Rocha: Não, eu não sou paulista.

Maria da Conceição Tavares: Ah, você não. Então está bem, você está perdoado.

Leonel Rocha: Eu sou baiano.

[...]: Eu também não sou.

Maria da Conceição Tavares: Ah, não! então está perdoado! Se ele é baiano...

José Paulo Kupfer: Professora, ...

Maria da Conceição Tavares: ... ele tem o direito de fazer uma assimilação com o coração.

Leonel Rocha: Não estou fazendo assimilação nenhuma, deputada. Eu estou fazendo uma pergunta.

Maria da Conceição Tavares: Mas está fazendo, é claro, só pode ser baiano.

José Paulo Kupfer: Professora, ...

Maria da Conceição Tavares: Só um baiano acha que o Banco Banespa e o [banco da] Bahia é a mesma coisa.

Leonel Rocha: Não, não, não. Em momento nenhum eu disse isso.

José Paulo Kupfer: [Interrompendo] Por favor, quem recebe esses juros sobre juros?

Maria da Conceição Tavares: Quero dizer o seguinte: se os paulistas quiserem abrir mão do seu papel público...

José Paulo Kupfer: [Durante a fala de Maria da Conceição Tavares] A senhora ouviu o que eu perguntei? [risos]

Maria da Conceição Tavares: ... todos têm o direito de se suicidar, não têm? Pois bem, o pobre do Antônio Carlos tinha razão: ele bem que gostaria de ter um bom banco estatal, quebrado ou não, porque ele sabia que se fosse estatal, algum jeito  [se] daria. Por isso que ele propôs. Razão ele tinha. Do ponto de vista de quem? Deles, dos depositantes. Tanto que não é por acaso que o receberam bem. O problema é o que ele fez antes.

Leonel Rocha: O que eu quero perguntar é o seguinte: é bom para o contribuinte que cada governador tenha um banco?

Maria da Conceição Tavares: Cada governador...

Leonel Rocha: Sim, [que] cada estado tenha um banco? Na opinião da senhora.

Maria da Conceição Tavares: ... não tem que ter um banco. Só os estados que tenham dimensão econômica para tanto. Quero dizer que um estado que tenha o tamanho de São Paulo, o funcionalismo em São Paulo, que movimenta, é claro que tem que ter um banco. Aqui, como em toda parte...

[...]: Um bilhão e meio também.

José Paulo Kupfer: Um bi e meio.

Maria da Conceição Tavares: Aqui, como em toda parte. 

José Paulo Kupfer: Professora, ....

Maria da Conceição Tavares: Aliás, os primeiros Citibanks apareceram assim.

José Paulo Kupfer: [Interrompendo] Professora, eu queria saber, estou muito interessado...

Maria da Conceição Tavares: O fato de o Citibank de hoje ser uma potência internacional não quer dizer nada.

José Paulo Kupfer: Professora Conceição, quem recebe esses juros sobre juros do setor público, que têm que ser rolados?

Maria da Conceição Tavares: Ninguém - isso que é o divertido -: fica no balanço, acumulando, dá um desequilíbrio patrimonial incobrável, incobrável!

José Paulo Kupfer: Não é o setor privado? Não são os bancos?

[...]: Não, a dívida cresce, ela continua crescendo.

Maria da Conceição Tavares: Não, ela continua crescendo: você não paga.

Carlos Alberto Sardenberg: [Interrompendo] É a dívida de São Paulo com a Eletrobrás: ela fica...

[...]: É só escritural isso.

Maria da Conceição Tavares: Você nunca paga a dívida, meu bem. A gente paga as nossas dívidas no exterior? Não. Agora a gente vai pagar um pouquinho.

Matinas Suzuki: Deputada, ...

Maria da Conceição Tavares: Este ano vamos pagar dez bi[lhões de dólares]. A gente rolava.

Matinas Suzuki: Deputada, ...

Maria da Conceição Tavares: E ao rolar é dívida sobre dívida sobre dívida.

[Todos falam ao mesmo tempo]

José Paulo Kupfer: Mas quando o estado de São Paulo rola a sua dívida, rola com quem?

Matinas Suzuki: Por favor, Zé: estamos falando muito em cima um do outro e atrapalha o telespectador em casa. Deputada, os telespectadores de Minas, dois mineiros aqui, o Rômulo Garcia, de Belo Horizonte, e o Wesley Bredós, de Juiz de Fora, o primeiro pergunta como está a relação da senhora com os meninos do PT. 

Maria da Conceição Tavares: Está boa agora, também.

Matinas Suzuki: E o segundo pergunta como vai ficar o partido da senhora a partir de agora, que tem um novo presidente, o José Dirceu?

Maria da Conceição Tavares: Eu espero que fique bem. A verdade é que o conclave lá, o nosso seminário, foi bravo, foi pesado, porque tinha... todo mundo tem os seus filhotes tortos: lá tinha a questão da Paraíba, cada um..., não é?

Leonel Rocha: E tinha uma outra questão complicada.

Maria da Conceição Tavares: A da Paraíba foi complicada. Essa que foi complicada, a outra não foi complicada.

Leonel Rocha: A outra foi a Odebrecht.

[...]: As declarações do César Benjamin [cientista político e jornalista (1954-), é um dos fundadores do PT], como é que estão?

Maria da Conceição Tavares: Não, isso...

[...]: Tem um terceiro meneio aqui.

Maria da Conceição Tavares: Não, a Odebrecht não foi nada complicado, complicado foi ver o pobre Sérgio [...], que é um bom menino, perder as estribeiras porque não gosta do Zé [José Dirceu]. Isso são coisas humanas: um pouquinho desagradáveis, mas humanas. Amigo, em todo este país há uma situação de grande susto, de grande angústia, de grande desestruturação, e no mundo também. Está aí o velho Hobsbawm [historiador egípcio de origem judaica (1917-), um dos mais influentes pensadores do século XX] que não me deixa mentir, que acabou de mostrar aí e a gente vê. O PT não tem porque ser imune à angústia, todos estão muito tensos. Ninguém acha, ninguém sabe qual é o melhor caminho para o Brasil. Obviamente, sempre tem uma banda mais nervosa – né? - dita mais revolucionária e que acha que tem que ir [...]. Os outros, como sabem que não é bem assim... Ganharam os outros, ganharam os mais moderados. O José Dirceu tem a vantagem que trafega nas duas bandas, tem tradição. É a primeira vez que vamos ter um presidente que não é propriamente de extração operária, [...] uma novidade. Eu, naturalmente, gostava muito do antigo PT, mas não entrei para ele quando eu [lhe] era simpática, então é neste que eu estou. Estou bem, os meninos me tratam bem - como você diz, eu sou uma espécie de tia velha, falo com todas as tendências, todo mundo me quer bem, dou “esporro” em todo mundo quando é o caso...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Uma tia velha que pelo jeito está muito mais disposta a lutar do que muito menino por aí, né?

[...]: Professora, ....

Maria da Conceição Tavares: Ah, sim. [Mais] Do que os meus meninos do PT nunca, porque aquela malta é boa de lutar, boa de luta. Foi por isso que eu escolhi [a] eles. Você imagina, Matinas: eu, com esta idade - está claro? -,  aturando os burocratas dos economistas meus amigos.

[Risos]

Maria da Conceição Tavares: Não dá para aturar. O sujeito acha que está tudo bem, que está uma maravilha, que eu é que não estou entendendo nada...! Imagine-se. Aí não dá paciência, está claro? Eu vim para este país e amo este país, e desde que me formei em economia que tenho lutado na minha profissão, vocês são testemunhas. Não minto, faço o possível... Sou apaixonada? Sou. Eu sou uma reformista convicta, continuo onde sempre estive. Agora, acho que a reforma do Estado não é a reforma da administração pública que o Bresser está propondo: aquilo ali é uma perfumaria. Acho que a reforma fiscal não é esse remendo que aparentemente vão apresentar. Acho que a reforma da Previdência é uma coisa séria, da qual deve participar todo mundo, discutir, e deve ser única, pública, universal, complementada depois como queira. Se o setor privado quer fazer o privado, faz. O setor público deve ter direito a uma complementação pública, está claro? Acho que o país precisa ser reformado sim, mas acho que se a sociedade deste país não levar a sério os seus próprios problemas, escapar para frente tapando os olhos ou enfiar a cabeça na areia, não vai legal. E aí, Matinas, a imprensa tem uma responsabilidade central [enfatiza]: não pode desinformar, não pode ser apaniguado do poder, não pode passar um ano e meio dizendo que está tudo bem e depois bater pesado. Pode bater pesado porque mereceu - o que aconteceu era para bater pesado -, mas aí logo se recompõe, [parece que] está tudo bem. Não está tudo bem. A obrigação da imprensa é pesquisar, divulgar, e não ficar igual à economia do país [faz gesto com o braço como se estivesse representando algo que subiu rapidamente, e depois despencou de maneira repentina]. Não pode! Quer dizer: tem que ter uma atitude serena - não eu, porque eu não sou serena - mas eu digo [que] a imprensa [tenha essa atitude] - mas, escrevendo, eu até que sou serena; falando é que é difícil - serena, e ter o mínimo de compromisso com a verdade, que é difícil, ou com a veracidade pelo menos.

Leonel Rocha: Mas quem desvendou essa história do Econômico foi a imprensa.

Maria da Conceição Tavares: Não tenho a menor dúvida. Estou dizendo que a imprensa brasileira como... Como é que eu posso dizer? Como desvendadora, como [buscando a palavra mais adequada]...?

[...]: Investigadora.

Maria da Conceição Tavares: ... investigadora, é ótima! Agora, como formadora de opinião, meu companheiro, tenha paciência. Como formadora da opinião você ouvir todos os editoriais massacrando [ao dizerem] que o problema do Estado brasileiro é que  [ele] é muito gordo é uma palhaçada! O próprio ministro reconheceu - o Bresser -: nós somos um Estado federal desse tamaninho, desse tamaninho, vergonhosamente pequeno e, ademais, cheio de inativos. Aí vem e diz: “Não, mas ademais disso... ademais disso tem muitos impostos”. A imprensa deste país divulgou aquela tonteira do Ives Gandra [(1935-), advogado e jurista brasileiro], [que disse] que o Brasil tem cinqüenta e tantos impostos. Qual é, cara-pálida? Como é que se desinforma dessa maneira?

Rui Xavier: Falava em cem.

Maria da Conceição Tavares: Lembra?

Marco Antônio de Rezende: Professora, ...

Maria da Conceição Tavares: Portanto, vocês têm - agora que está grave, e agora que está claro, e que este governo está aí, que a sociedade está aí, está aberto -... vocês têm obrigação de informar, informar e debater...

Marco Antônio de Rezende: Professora, ...

Maria da Conceição Tavares: E eu fico muito grata de me terem dado essa chance hoje.

Marco Antônio de Rezende: Uma pergunta ainda.

Maria da Conceição Tavares: Fala.

Marco Antônio de Rezende: O atual líder trabalhista inglês [Tony Blair (1953-), foi líder do Partido Trabalhista Inglês de 1994 a 2007; primeiro-ministro britânico de 1997 a 2007], ele se confessou recentemente mais “tatcheriano” que madame Tatcher, e nós vimos até há pouco, na França e na Espanha, o presidente Mitterrand e o Felipe González [(1942-), filiado ao Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), foi presidente da Espanha de 1982 a 1996] adotando medidas, remédios liberistas, tipicamente liberistas.

Maria da Conceição Tavares: Sem dúvida.

Marco Antônio de Rezende: Saiu recentissimamente um livro aqui, do filósofo Norberto Bobbio [(1909-2004), filósofo político italiano], no qual ele ensina que ainda faz muito sentido a distinção entre direita e esquerda na filosofia. Eu lhe pergunto: a senhora acha que também na economia a distinção entre direita e esquerda ainda faz sentido?

Maria da Conceição Tavares: Mas se é a mesma que ele deu.

Matinas Suzuki: Deputada, ...

Maria da Conceição Tavares: É a mesma. A economia que não se preocupa com a justiça social é uma economia que condena os povos a isso que está ocorrendo no mundo inteiro: uma brutal concentração de renda e de riqueza, com o desemprego e a miséria. E isso está acontecendo até no norte. Não é só no Brasil, não. É no norte também, nos Estados Unidos, na França, na Alemanha. Isso para mim não é economia: isso é coisa,  honradamente... - [sorri] quase que eu digo - do demo. Isso é coisa de tecnocrata alucinado que acha que está tudo ok; e não está nada ok.

Matinas Suzuki: Deputada, ...

Maria da Conceição Tavares: Eu [batendo no peito] pertenço à esquerda tradicional, e é a do Bobbio mesmo. Eu me preocupo desde que nasci, praticamente - porque a minha mãe e meu pai também se preocupavam, e é sempre os pais que ensinam, antes da escola - com a justiça social. Uma economia que diz que precisa primeiro estabilizar, depois crescer, depois distribuir, é uma falácia. E tem sido uma falácia.

Matinas Suzuki: Deputada, ...

Maria da Conceição Tavares: Nem estabiliza, cresce aos solavancos, e não distribui. E essa é a história da economia brasileira desde o pós-guerra, ou não é? E ver os meus queridos amigos, que junto comigo, durante anos, disseram que isso não era correto, que tinha que fazer ao mesmo tempo estabilização, crescimento e distribuição, ver esses meus queridos amigos que lutaram comigo no movimento de economistas dizerem hoje o contrário do que disseram é uma das maiores dores da minha vida! E é isso: é dor, mas também é raiva. E, portanto, energia para lutar por aquilo que o velho Bobbio e todos os jovens, este menino que está aqui [refere-se a Álvaro Zini Júnior] caladinho, quase não falou, e muitos ainda acreditam. Você, se não se preocupa com a justiça social, com quem paga a conta, você não é um economista sério, você é um tecnocrata.

Matinas Suzuki: Deputada, infelizmente o nosso tempo acabou.

Maria da Conceição Tavares: Você me desculpe Matinas. Eu te agradeço muito.

Matinas Suzuki: Imagine, eu que gostaria muito de agradecer, agradecer muito a presença da senhora.

Maria da Conceição Tavares: Realmente eu agradeço muito por ter me deixado desabafar a minha angústia, a minha ira, mas a minha esperança é que vocês ajudem a clarificar. As coisas são claras, não tem tal coisa como tapar o sol com uma peneira.

Matinas Suzuki: Nós ajudaremos.

Maria da Conceição Tavares: Não está legal, precisa trabalhar para que fique.

Matinas Suzuki: Nós ajudaremos. Eu gostaria só de informar a senhora que desde que eu estou aqui no comando do Roda Viva, há alguns meses, a senhora recebeu um número recorde de faxes parabenizando e estimulando a senhora a continuar na sua luta.

Maria da Conceição Tavares: Muito obrigada.

Matinas Suzuki: Eu agradeço muito a presença da senhora esta noite, agradeço a presença da nossa bancada de entrevistadores, agradeço a sua atenção e a sua participação através das perguntas enviadas por fax ou por telefone. Eu lembro a você que todas as perguntas serão encaminhadas à deputada Maria da Conceição Tavares. Eu lembro você também que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite. Até lá, uma boa semana para todos e uma boa noite. 

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