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Memória Roda Viva

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Pedro Parente

2/11/1998

Programa de Estabilidade Fiscal e seu impacto na organização da economia brasileira é discutido pelo secretário do Ministério da Fazenda durante o governo de FHC

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Paulo Markun: Boa noite. Ele precisa convencer parlamentares, governadores e a opinião pública de que as medidas amargas do pacote fiscal devem ser aprovadas. No centro do Roda Viva esta noite, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Pedro Parente. Carioca, 45 anos, Pedro Parente é engenheiro eletrônico, mas fez carreira no serviço público. Funcionário do Banco do Brasil e do Banco Central, já foi secretário de Orçamento do governo Sarney, presidente do Serpro [Serviço Federal de Processamento de Dados] e secretário nacional de Planejamento do governo Collor. Tornou-se braço direito de Pedro Malan, no Ministério da Fazenda, em 1995, e continua lá. Formulou o projeto de reforma tributária do governo e agora ajudou a elaborar o Programa de Estabilidade Fiscal que o Congresso terá de votar. Para entrevistar o secretário Pedro Parente, convidamos: o jornalista Carlos Alberto Sardenberg, comentarista de economia da Rádio CBN e da TV Globo News e também colunista do jornal o Estado de S. Paulo. A jornalista Vera Souto, correspondente da TV Cultura em Brasília; o consultor de empresas Antoninho Marmo Trevisan, presidente da Trevisan Auditores e Consultores. O economista Celso Martone, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo e sócio da MCM Economia. O jornalista Celso Pinto, colunista da Folha de S.Paulo e do Jornal do Brasil, e o jornalista José Paulo Kupfer, editor e comentarista do programa Negócios CBN, da Rádio CBN e colunista do jornal Diário do Grande ABC. Professor, ou melhor, secretário Pedro Parente, boa noite.

Pedro Parente: Boa noite.

Paulo Markun: Esse ajuste fiscal, segundo os dados que foram divulgados, representa, de alguma forma, um bolo de dinheiro na faixa de 28 bilhões. De um lado, pelo corte de despesas e, do outro, pelo aumento de arrecadação. E só de juros nós vamos pagar algo em torno de 34 bilhões de reais, se os meus números estão corretos. Faz sentido cortar tanto, aumentar tanto imposto para pagar tantos juros?

Pedro Parente: Veja, eu acho que o primeiro ponto a chamar a atenção é de que, na realidade, o que há de mais importante neste Programa de Estabilidade Fiscal não é esse conjunto de medidas de transição que geraria, como você disse, cerca de 28 bilhões de reais. Na realidade, o que há de mais importante nesse programa são as medidas de natureza estrutural. É aquilo que nós estamos chamando de uma verdadeira mudança do regime fiscal. Nós poderíamos aí elencar várias medidas, mas o que é fundamental, e acho muito importante ter presente, porque isso é que diferencia este Programa de Estabilidade Fiscal de qualquer outro que tenha sido feito, é exatamente seu componente estrutural, que vai nos permitir reduzir o déficit público de maneira permanente. Daí então, para voltar a sua questão, ainda que nós tenhamos uma conta de juros dessa magnitude, nós não temos a menor dúvida de que precisamos fazer esse programa. Porque há várias questões ligadas a essa, como, por exemplo, o fato de que esses juros hoje estão elevados por uma contingência, não apenas essa, mas sim, em primeiro lugar, momentaneamente, por uma contingência internacional. Uma dificuldade proveniente da crise da moratória russa, que nos obrigou a fazer uma elevação de taxa de juros quando nós estávamos em uma trajetória decrescente. Mas, sem dúvida nenhuma, a origem do problema, a primeira origem e a razão dessa conta de juros é o déficit público, é o déficit fiscal. E aí nós não temos a menor dúvida de que nós precisamos, sim, fazer esse programa, principalmente, sob o aspecto estrutural, mas também com esse componente de transição que é para nos permitir chegar a esta solução permanente da questão fiscal brasileira.

Paulo Markun: Nenhum desses problemas aí que o ajuste tenta resolver é recente. O problema da Previdência não é recente, a questão das despesas do governo, do governo gastar mais do que arrecada, isso não é recente, são casos antigos. Por que o governo não agiu antes?

Pedro Parente: Em primeiro lugar, acho que tem uma certa injustiça nisso que você está dizendo. A reforma da Previdência está proposta desde 1995. Então, apenas para lhe dar um dado, se a reforma tivesse sido aprovada em 1995, essa reforma que nós temos lá hoje, tivesse sido implementada a partir de 1996, o déficit da Previdência não seria os 8,7 bilhões, seria cerca de dois bilhões de reais. Então já se vê que seria um número muito diferente. Agora, a realidade é que nós temos inúmeras dificuldades, nós temos a questão fundamental de que mudou o padrão de financiamento do déficit público no Brasil com o fim da inflação. Antes a gente financiava, quer dizer, os governos financiavam com a inflação, e isso mudou. E o que aconteceu foi que, com o fim da inflação, se percebeu exatamente o componente estrutural desse déficit, e isso é que está sendo atacado agora.

Celso Pinto: Secretário, se não conseguiu aprovar durante quatro anos, na verdade, está proposta há cinco anos, por que poderia aprovar agora? Na sua opinião, qual seria o componente político novo que poderia facilitar a aprovação?

Pedro Parente: Em primeiro lugar, o simples fato de que já andou um bocado. Nós estamos aí, precisando, possivelmente, de uma última sessão da Câmara dos Deputados para aprovar essa reforma. São três destaques que precisam ser aprovados. Mas depois tem também o fato de que nós estamos vivendo, nesse último período de quatro anos, a terceira crise internacional. E isso deve dizer alguma coisa. Percebemos uma certa sensibilidade dos políticos, principalmente aqueles que apóiam o governo, em relação ao fato de que é necessário tomar providências que, de uma vez por todas, eliminem esta sombra que existe sobre a economia brasileira derivada da situação fiscal. Por isso, nós achamos que desta vez aprova.

Carlos Alberto Sardenberg: Secretário, como ocorreu outras vezes, toda vez que o governo apresenta um elenco de medidas desse, um pacote, a coisa vai daqui, vai dali, negocia e acaba passando pelo menos o essencial. Então, suponha que esse programa também vai acabar passando. A pergunta que eu faço é a seguinte, pensando pelo lado de dar certo. Passou todo o programa, passa a reforma Previdência, aprova-se o pacote todo. O resultado não pode acabar sendo pior? Porque o senhor está em uma economia que já vem bem devagar, já faz tempo; além disso, o senhor vai colocar mais impostos, menos gastos do governo, vai obrigar os estados também a fazerem algum tipo de contenção. O senhor não está parando uma economia que já está parada? No caso de dar tudo certo, não vai acabar saindo... Será ou muito custoso, ou até mais... enfim, uma situação mais complicada do que hoje?

Pedro Parente: Eu acho que nós temos aí duas respostas para a sua pergunta. Em primeiro lugar, é dizer que a questão fiscal precisa ser resolvida independentemente da crise. Os problemas que nós estamos vivendo, como eu já disse, são problemas de natureza estrutural. A Previdência caminha para uma completa inviabilidade, insolvência; se a gente olha a trajetória dos déficits a cada ano, realmente é um caminho de insolvência. Portanto, esses problemas que estão aí têm que ser resolvidos independentemente de a gente estar vivendo uma situação de crise. Agora, há outro aspecto fundamental também que é o seguinte: o que aconteceria na ausência dessas medidas? Qual seria a consequência, ou qual seria o desenvolvimento da economia do país se essas medidas não tivessem sido adotadas? E nós não temos a menor dúvida de que as consequências seriam muito mais graves. Aqui a alternativa não é de fazer o pior; a alternativa é de fazer uma coisa que, no nosso modo de ver, será a mais suave, possivelmente.

Antoninho Marmo Trevisan: Secretário, coloque-se na nossa posição de quem está analisando, nos últimos anos, talvez nas últimas décadas, todo mundo que está aqui, uma série de pacotes. Naturalmente que o tom que o senhor dá, [para quem está] ouvindo, e se eu estivesse em uma sala de aula, eu concordaria plenamente com o senhor. Mas na prática o que se tem verificado é que desde o início da década de 70 todos os pacotes econômicos que os governos têm apresentado têm duas variáveis. Eles colocam um discurso para equilibrar o déficit, e junto com isso, propõem o aumento de receita e uma diminuição de despesa. Na prática, o que se verifica e se verificou nos últimos cinco anos, é que quando se mistura aumento de receita, através de impostos, com uma proposta de redução de despesa, o que acaba ficando é o aumento da receita. E o pior é que todas as vezes que tem aumento de impostos o déficit que, na verdade, anteriormente era menor, se torna crônico. Nós verificamos isso nos últimos anos, nos últimos cinco anos. Exatamente no momento em que o senhor propôs aumentar os impostos e diminuir as despesas, o que acabou acontecendo foi que o tiro saiu pela culatra, ou seja, o déficit aumentou. A pergunta que fica é: rigorosamente, verificado, provado, é que não se pode anunciar aumento de receita para se equilibrar o déficit. E nesse pacote, o governo insiste nessa prática. Parece que tem uma série de pessoas, deputados, senadores que, muito querendo gastar, não suportam o fato de ter imposto novo e eles saem consumindo mais despesas. O resumo da ópera é: sistematicamente, de 1994 para cá, quando o senhor propôs aumentar impostos e diminuir despesas, o senhor aumentou impostos e o déficit aumentou. O senhor não acha que nós vamos cair na mesma armadilha agora?

Pedro Parente: Não, por uma razão simples. Em primeiro lugar, nós temos que olhar o componente da despesa pública. Se nós olharmos os gastos públicos, tirando as despesas de juros, nós vamos ver que 75% desses gastos, em torno de 75%, é com pessoal e encargos sociais, benefícios previdenciários e transferências prestadas aos municípios. São gastos, veja: para pessoal e encargos sociais, o governo federal não dá aumento desde o primeiro ano. Benefícios previdenciários têm o seu aumento determinado pela Constituição, e transferência para estados e municípios também é constitucional. Restam-nos cerca de 25% com os quais, exatamente, o governo pode trabalhar. Onde é que eu quero chegar? Exatamente ao fato de que ou fazemos as mudanças de natureza estrutural ou este comportamento continua. Não é possível reduzir gastos do governo federal sobre 75% desse montante, se não se fizerem as reformas estruturais. Então, este é o ponto chave. Se pegarmos os 25% que restam, teremos uma conta aí que, enfim, vamos falar de números grossos. De 37 ou quarenta bilhões de reais, o governo estará fazendo aí uma redução da ordem de 8,7 bilhões de reais, evidente, sobre o orçamento proposto ao Congresso Nacional. Portanto, veja: é uma redução de gasto. Mas temos que lembrar que esse é um componente que pode diferenciar a ação do governo. Ou seja, é nesse componente que ele pode fazer investimentos, é nesse componente que ele pode melhorar o atendimento social à população. E é sobre ele que nós temos que fazer os cortes e gastos, porque nos outros não podemos fazer.

Vera Souto: Mas, secretário, o que é que garante à população... os congressistas que daqui a um ano, os senhores não vão estar no Congresso pedindo mais uma vez paciência e cooperação para se aprovar um plano de ajuste? Porque do Pacote 51 [programa de ajuste fiscal lançado em outubro de 1997, que causou arrocho fiscal sobre o segmento social de rendas médias, ao elevar a alíquota de 25% para 27,5% no imposto de renda da pessoa física], cuja meta era a economia de vinte bilhões de reais, conseguiu-se chegar a que resultado neste ano?

Pedro Parente: A primeira parte da sua pergunta: se nós aprovarmos um conjunto de medidas de natureza estrutural, e essas medidas transitórias permitirem a transição do tamanho adequado, então a nossa convicção é de que nós não vamos estar nem daqui a um ano, nem daqui a dois anos, nem daqui a três anos. Mas se fizermos o serviço parcial, se a coisa ficar pela metade, aí sim teremos o prolongamento de uma situação que não é desejável a ninguém. Portanto, a resposta nossa é: tudo vai depender da ação ou da implementação que pudermos dar a esse conjunto de medidas que está aí proposto. E também é importante chamar a atenção: não houve discordância. Eu, pelo menos, não vi qualquer discordância em relação ao diagnóstico que foi feito da situação estrutural. Há sim muito questionamento em relação às medidas transitórias, às medidas da transição. Então, nesse sentido, eu acho que nós podemos até discutir. Agora, sob o ponto de vista estrutural, não houve questionamento. E daí porque eu acho que se aprova, do tamanho que está aí colocado, um programa com essas dimensões e com essas características, nós não vamos estar daqui a um ano, nem dois anos, nem três voltando a discutir o assunto. Coisa que eu também acho que é extremamente desagradável.

José Paulo Kupfer: Secretário, nessa questão toda, há normalmente uma grande confusão em relação aos itens, às rubricas, aos pontos que estão sendo envolvidos. Por exemplo, o senhor acabou de falar aqui no problema da Previdência. E o senhor citou um número relativo ao INSS. O senhor falou oito e poucos bilhões. Certamente o senhor confundiu com o quanto tem que cortar, desde logo, porque pelos números últimos, é 7,8...

Pedro Parente: Você tem razão.

José Paulo Kupfer: Mas isso não tem nada a ver com a Previdência do setor público, em que o problema é de outra natureza e muito mais grave, do ponto de vista do rombo provocado nas contas públicas. Isso jamais foi colocado claramente pelo governo em nenhum momento da discussão do déficit público e das medidas para corrigir a Previdência. O senhor falou: “despesas de pessoal do governo são crescentes”. E o senhor mesmo disse: “mesmo não tendo sido concedido aumento de salário para o funcionalismo há muito tempo”. Porque, ao que consta, o governo também nunca deixou claro que em despesas com pessoal está incluída a Previdência do setor público. Inclusive é uma conta não transparente, os benefícios estão nessa conta, e as poucas contribuições entre as receitas gerais vão para o bolo das receitas. Será que não era a hora de começar a falar mais claro, deixar mais claro quais são realmente os problemas? Porque se isso fosse feito, talvez fosse mais fácil até explicar que o próprio governo central fez um esforço enorme de contenção dos seus gastos da ordem de 5,2% do PIB nos últimos três anos. Isso nunca é dito, nunca se sabe direito, há uma confusão, é uma coisa que parece até deliberada. Estranhamente.

Pedro Parente: Eu concordo com você que não era dito, foi dito desta vez, com toda a clareza, absolutamente, com toda a clareza.

José Paulo Kupfer: Sim, mas durante três anos, quatro anos, discutiu-se a reforma da Previdência. Nunca foi dito.

Pedro Parente: Não, veja, tem um detalhe importante. Esta reforma da Previdência que está lá no Congresso ataca também a Previdência do setor público. Ela coloca, aliás, sobre o ponto de vista de limite de idades. A Previdência do setor público não corre qualquer risco com relação a esses destaques que estão lá colocados ainda para a votação. Então, o primeiro ponto: não se falava e se falou agora, com muita clareza. E você tem razão em chamar a atenção sobre esse ponto, porque se nós olharmos os dados da Previdência do setor público, nós vamos ver que se gastam cerca de quarenta bilhões de reais com benefícios no setor público, para cerca de três milhões de beneficiários, enquanto que a Previdência do setor privado é cerca de cinqüenta bilhões de reais, para cerca de 18 milhões de beneficiários. De fato, aí tem, e esse é um dos grandes problemas que foram apontados desta vez com absoluta clareza e transparência. Não quero com isso deixar de reconhecer que, nas vezes anteriores, não se chamava a atenção com a ênfase necessária sobre esse aspecto. Agora, nunca se escondeu que a conta do governo federal é de pessoal ativo e inativo. E sempre se disse: “Olha, a conta do inativo está aumentando”. Isso foi dito. Agora, concordo com você de que poderia ter sido dito de uma forma mais expressa, mais enfática, para demonstrar exatamente. E tem outro detalhe: nós estamos aí falando de governo federal, de estados e de municípios. Há municípios com menos de cinco mil habitantes que estão montando o seu próprio sistema de Previdência, o que evidentemente não tem viabilidade. Esse é um problema, sem dúvida nenhuma, que está na raiz dessas questões estruturais que nós estamos falando.

Celso Martone: Secretário, o senhor colocou que já não deveria enfatizar tanto a questão dos ajustes de curto prazo agora, que são transitórios, mas os ajustes estruturais. Eu gostaria que o senhor expandisse um pouco essa ideia. Eu imagino que os ajustes estruturais, da forma como estão colocados hoje, são de três naturezas: a reforma da Previdência, essa que está no Congresso, a reforma administrativa, que também já está em vias de ser aprovada a sua regulamentação, e uma coisa que não está muito claro ainda como vai funcionar é a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal. A minha curiosidade é especialmente em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal. De que maneira isso poderia se tornar operacional? E segundo: qual é a agenda estrutural a seguir? Porque nós temos ainda outras coisas. Tem a segunda reforma da Previdência, tem a reforma tributária, que é uma demanda forte do meio empresarial do país e, eventualmente, outras coisas também. Parece-me que o documento divulgado no plano de estabilidade fiscal, realmente é um documento, como o senhor diz, muito preciso, muito franco, de certa maneira, tratando pela primeira vez, de uma maneira clara, certos problemas que eram meio omissos. Mas eu acho que ele peca por uma ênfase muito pequena ainda no aspecto das reformas estruturais, como se o governo estivesse ainda titubeante nessa área, deixando uma agenda em aberto para o futuro, quando, na verdade, o problema é de três anos. Então eu imaginava que a agenda deveria estar muito bem definida nos próximos três anos, com cronogramas e compromissos muito mais firmes do que aquilo que aparece no pacote.

Pedro Parente: Em primeiro lugar vou falar da Lei de Responsabilidade Fiscal. De fato, a coisa foi colocada ainda de uma forma genérica ou geral, porque ela está em elaboração. O objetivo dela é muito ambicioso. A intenção é poder colocar princípios básicos, inclusive, com... Não gosto da palavra punição, mas, quer dizer, com reações ao não cumprimento desses princípios, que vão determinar ao governante federal, aos governantes estaduais e aos municipais certas regras que devem ser observadas em relação a resultados primários, em relação ao endividamento, sempre deixando alguma margem, em primeiro lugar, levando em consideração os ciclos econômicos; em segundo lugar, levando em consideração também a autonomia. Nós não podemos, via governo federal, estabelecer exatamente o que vai ser feito e nem seria adequado. Mas isso, de fato, ainda está em elaboração. Mas é ambicioso, há discussões muito intensas no âmbito do governo ainda com relação a esse assunto. Portanto, o nosso cuidado foi não apressar uma matéria que é fundamental, é extremamente relevante. E essa pressa não levaria a lugar nenhum, porque terá que ser necessariamente muito bem discutida no Congresso Nacional. Então sob esse ponto de vista...

Celso Pinto: [interrompendo] Secretário, só para mudar um pouquinho de assunto, qual é a medida de sucesso do programa? Porque com essa taxa de juros que a gente está praticando hoje, tudo o que se vai arrecadar mais, por exemplo, para a CPMF [Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira, imposto sobre débitos bancários, vigorou de 1997 a 2007], nas palavras do próprio governo, é um imposto muito ruim, que cria distorções, é um imposto de péssima qualidade. Todo o adicional dá para pagar um mês de juros. Evidentemente é uma situação absolutamente insuportável do ponto de vista da taxa de juros. Qual é a medida do sucesso? A hipótese de trabalho que está embutida no programa de ajuste fiscal do governo é uma taxa de juros média de 22% no ano que vem, o que supõe que se terá uma taxa de juros de 30% ou mais durante um período muito longo. Isso é razoável? Quanto tempo a gente tem que imaginar que vamos ter que pagar esses juros como um ônus aí da falta de...

Pedro Parente: Celso, em primeiro lugar, não há qualquer discordância com relação à avaliação de que essa taxa de juros é realmente completamente inviável para qualquer país que tenha a estabilidade monetária que nós temos e queira caminhar para desenvolver plenamente o potencial de crescimento. Tudo existe neste país para que a gente possa avançar. Mas o que realmente atrapalha – e nisso todos concordamos – é a questão da taxa de juros. A questão, eu acho, é que nós estamos claramente numa disputa de credibilidade, um quadro onde o que é fundamental é reafirmar a credibilidade na política econômica brasileira. E nesse sentido não é possível dizer o seguinte: “olha, a medida do sucesso será quando você aprovar tal medida”. A exemplo do que já vimos fazendo nos últimos meses, nós estamos construindo essa credibilidade com fatores e eventos de sucesso, e que aí se espalham por um longo período. Mas é claro que existem fatores fundamentais. A reforma da Previdência é um deles; a questão da CPMF, a aprovação das leis de regulamentação da reforma administrativa. Então, isso será construído numa sequência de eventos, porque também não podemos jogar a sorte de um país em um único evento, o que não faria o menor sentido.

Paulo Markun: Secretário, essa credibilidade de que o senhor fala é junto à banca internacional?

Pedro Parente: Não. Essa credibilidade...

Paulo Markun: [interrompendo] Porque não é junto à população. A população já demonstrou que dá credibilidade ao governo, tanto que elegeu o presidente Fernando Henrique.

Pedro Parente: Não. Veja, a credibilidade que nós estamos tratando aí, é uma credibilidade de longo prazo, na nossa capacidade de sustentar a estabilidade.

Paulo Markun: [interrompendo] Sim, mas a credibilidade junto ao mercado externo. Não é junto à população brasileira.

Pedro Parente: Eu quero chamar a atenção no seguinte sentido: não é dos mercados esse tipo... Quer dizer, dos mercados que se conhecem que é aquele de curto prazo, de bolsas, de operação, de mesa, de bancos... O que mais?

Paulo Markun: De FMI [Fundo Monetário Internacional], G7 [grupo que reúne os sete países mais industrializados e desenvolvidos economicamente do mundo: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e o Canadá.].

Pedro Parente: Não. Nós estamos falando daqueles mercados que são fundamentais para o país no médio e longo prazo, que são aqueles investidores, aqueles que querem vir para o país, querem investir, ou aqueles que estão dentro do país e querem aplicar o seu dinheiro aqui dentro, e precisam ter uma demonstração muito clara de que este país tem estabilidade no médio e no longo prazo e, principalmente, solvência fiscal no médio e longo prazo. Ou seja, tenha a capacidade de pagar a sua dívida no médio e longo prazo. Coisa que, como estamos hoje, não conseguimos demonstrar.

Antoninho Marmo Trevisan: Secretário, com essa taxa, eu só queria enfatizar esse ponto olhando do setor privado. Eu posso garantir ao senhor – eu sou auditor – que trezentas mil empresas médias e dois milhões e meio de micros e pequenas empresas não têm nenhuma condição de continuar existindo ao se manter a essa taxa nesse patamar. E aí é que eu me pergunto: que credibilidade é esta que se busca manter a taxa que nós estamos falando de 40%, que é uma taxa do governo, mas na prática, no setor privado, ela é de 80% e 90%? Rigorosamente, quem pretende emprestar algum dinheiro e, se emprestar, sabe que não vai receber, e quem toma sabe que não vai pagar. O senhor não acha que está jogando o país num caos? Porque rigorosamente não há como sair, é como se você estivesse numa areia movediça. Eu estou me afundando, o senhor me diz que para ter credibilidade, o senhor tem que manter essa taxa de 40%, 49%, 80% no setor privado. As pessoas não conseguem entender o que o senhor está dizendo, porque o senhor não vai conseguir credibilidade com essa taxa. Eu duvido que um investidor externo está sendo atraído por essa taxa. E eu duvido que o setor privado está olhando o governo com credibilidade ao se manter essa taxa. O senhor não acha que é o oposto?

Pedro Parente: Não, não. Eu não disse que a credibilidade virá da manutenção das taxas. O que eu estou dizendo o tempo todo é o seguinte: a credibilidade virá da implementação de um programa estrutural de mudança na área fiscal.

Antoninho Marmo Trevisan: Mas não há tempo.

Pedro Parente: Tem que haver tempo. Agora, eu concordo com você de que nós precisamos fazer isso o mais rapidamente possível. Nós estamos tratando aqui de uma questão de poupança, de utilização da poupança. O que acontece? Existe uma determinada poupança disponível, somando-se aí a poupança interna com a poupança externa. E o governo, o setor público, que deveria estar contribuindo para disponibilizar essa poupança para o setor privado, permitindo que o setor privado utilize essa poupança – as taxas de juros são mais baratas –, tem um déficit, portanto, ele precisa consumir parte dessa poupança. E o pior: o seu déficit é no gasto corrente, ou seja, em pessoal, em pagamentos de benefícios previdenciários, pagamento do custeio da máquina. Isso que é o pior, e é isso que nós precisamos mudar. Portanto, não se deve dizer que a credibilidade vem da manutenção da taxa de juros. Já disse aqui e volto a dizer: o governo acha que é insustentável para a economia do país a manutenção dessas taxas de juros. Mas a forma de resolver não é através de uma redução artificial da taxa de juros, e sim através das mudanças que façam com que o governo deixe de depender da poupança interna ou externa como vinha dependendo antes. Isso que é fundamental.

Vera Souto: Secretário, se for aprovada na próxima quarta-feira, então, a Reforma da Previdência, na próxima reunião do Copom [Comitê de Política Monetária], agora no dia 11, o senhor acredita que pode haver uma sinalização de queda ou algum resultado mais expressivo em termos de juros?

Pedro Parente: Não. Você sabe que quem define as taxas de juros é o Banco Central. Quer dizer, eu não participo do Copom, não posso...

Vera Souto: [interrompendo] Mas o senhor tem uma avaliação?

Pedro Parente: Eu não posso falar em nome do Copom. Mas o que eu posso dizer com muita tranquilidade é o seguinte: aprovada a Reforma da Previdência, a sinalização que isso vai trazer em termos daquela sequência de eventos que eu falei, que são necessários para que a gente possa antecipar o sucesso futuro do programa, e com isso já começar a baixar as taxas de juros, sem dúvida nenhuma, existirá.

Vera Souto: E qual a avaliação que se faz do governo diante das altas taxas de juros e da constante saída de dólares?

Pedro Parente: Mas aí, de novo, a gente volta à questão de credibilidade. Nós estamos em uma briga importante, em uma disputa importante de credibilidade. Existe um problema que não é só do Brasil, é um problema que derivou da moratória russa, mas com causas ainda derivadas das crises na Ásia, a questões relativas no Japão e tudo mais. Então, esse é um problema que afeta os mercados emergentes como um todo. E nesse contexto, no âmbito dessas discussões, se falou em muitas coisas que absolutamente foram sequer cogitadas pelo governo, como a questão do controle de importações, do controle de movimentação de capitais, da mudança do regime cambial. E nada disso foi cogitado pelo governo. É exatamente essa queda ou essa continuação dessa saída de dólar, que já está em um ritmo muito inferior, decorre do fato de que essas questões só estarão completamente afastadas a partir do momento em que o país puder anunciar o seu acordo com a comunidade financeira internacional.

José Paulo Kupfer: Secretário, por que não discutir, colocar em debate, aceitar o debate de questões como estas: o controle cambial, o controle de importações? Enfim, afinal há uma relação clara entre o problema dos juros e o problema do câmbio. Quer dizer, há quem diga que há. E é gente boa, com capacidade técnica e, interessantemente, de direita e de esquerda. Mas o governo se recusa a essa discussão. O máximo que ele faz é desqualificar a discussão, dizendo que é ação dos lobistas, dos vendidos. Isso, para começar, é uma ofensa à lógica. Porque se o lobby dos vendidos é para mexer no câmbio, o lobby dos comprados – porque se tem vendido, também tem comprado – [risos] é para não mexer no câmbio. Então, por que desqualificar essa discussão e não enfrentá-la claramente para tentar convencer que a posição de não mexer na política de câmbio... E eu não tenho nenhuma posição, pelo amor de Deus! Como o senhor diz: “Depois de três crises externas, é a melhor para nós”.

Pedro Parente: Veja, eu não acho que o governo tenha desqualificado a discussão. O que nós temos dito, com muita ênfase, repetidamente, é que nós não acreditamos em mecanismos artificiais. Nós não achamos que controle de câmbio, por exemplo, ou controle de capitais, seja um mecanismo que se possa implementar e que venha a substituir qualquer outro tipo de situação ou de relacionamento do país com o exterior no que diz respeito ao câmbio. Tanto que nós dizemos o seguinte: isso sempre será temporário, nunca será uma coisa permanente e não resolve a raiz do problema. Então, exatamente porque isso não resolve os nossos problemas, vamos partir para aquilo que nós achamos que resolve. Estamos debatendo, estamos lançando isso ao debate, que é uma vez mais a questão estrutural fiscal. Isso é o que nós dizemos. Então, nós não fugimos da discussão. E eu acho que você nunca me viu dizer, por exemplo, ou outras pessoas do governo, este tipo de colocação: de comprado e vendido.

José Paulo Kupfer: O ministro Pedro Malan dizia que era uma coisa dos vendidos, era o lobby dos vendidos em dólar. Já ouvi dizer, lamento.

Pedro Parente: Eu não quero desmentir, mas eu não o ouvi dizer. Então não posso confirmar.

Celso Martone: A questão da taxa de juros aí, vamos colocar claramente a coisa. Existe um prêmio embutido na taxa de juros que reflete de um lado a desconfiança no país e reflete o risco de câmbio. Como é que o governo está tratando disso? Eu acho que corretamente, primeiro, está fazendo um ajuste fiscal. Essa é a primeira perna da solução. Mas tem uma segunda perna da solução – acho que é o que José Paulo está tentando colocar – de que não é o momento, talvez, de se considerar isso seriamente agora, mas é uma mudança no regime cambial brasileiro. Porque nós estamos em um não-regime. Nós não somos nem um regime de taxa flutuante de câmbio, nem um regime de taxa fixa. Nós ficamos no meio do caminho, tentando uma política de ajustamento espaçada no tempo que, como o próprio ministro disse no seu pronunciamento do pacote, a época do gradualismo acabou. Ora, se acabou a época do gradualismo, e resolvido o problema fiscal, equacionado o problema fiscal, vai se impor a segunda perna da solução, que é a questão do regime de câmbio.

Pedro Parente: Você está com esse regime de câmbio permitindo uma desvalorização do real em relação ao dólar em cerca de, dependendo da inflação, 5% a 6% ou mesmo 7% ao ano. Isso em relação ao dólar. Se considerar outras moedas como, por exemplo, o iene [moeda usada no Japão], considerando o que aconteceu recentemente, tem ainda uma desvalorização maior do real. Nós achamos é que essa é a forma correta de tratar dessa questão, que está permitindo um ajuste do real, ao mesmo tempo em que dá, em termos de ganhos de produtividade, que decorrem desse novo paradigma produtivo ou de investimentos que nós estamos incrementando em nosso país. Nós não temos dúvida. Não se trata de dizer o seguinte: “Por enquanto”. Não é por enquanto! Esse é o regime cambial que nós achamos adequado. E achamos adequado porque ele está permitindo esse ajuste do real de uma forma correta, de uma forma equilibrada e permitindo mudanças reais da taxa de câmbio. Porque essa é uma questão fundamental. Quando se fala em desvalorizações, a questão que sempre sobra é a seguinte: quanto dessa desvalorização que é nominal restará como desvalorização real? E é isso que ninguém consegue responder. As experiências recentes que nós temos visto aí são experiências muito ruins. E nós então achamos que a forma de fazer essa desvalorização real do real é exatamente nesse regime cambial que nós estamos utilizando, que nos parece que está permitindo esse ajuste ao longo do tempo de forma real.

Carlos Alberto Sardenberg: Mas nesse assunto ainda, secretário, a maioria dos críticos, ou boa parte dos críticos diz o seguinte: “Faz o ajuste fiscal porque precisa fazer, porque precisa equilibrar as contas públicas, porque há vários problemas que tem que ser resolvidos, como esse da Previdência, como a ineficiência geral do setor público, com crise ou sem crise. Enfim, tem que fazer isso e resolver isso de algum modo”. Agora, isso feito, aí você tem espaço para fazer mudanças no regime cambial. O senhor já disse que o nosso regime cambial é o mais correto, é esse mesmo que vai ficar, mas o senhor concorda que é verdade que é mais fácil mexer no regime de câmbio depois de feito o ajuste fiscal.

Pedro Parente: Não. O que eu quero dizer é o seguinte: essas coisas não são alternativas. O ajuste fiscal estrutural é fundamental. Agora o que nós sempre dizemos é o seguinte. Se nós temos o ajuste fiscal, o caráter estrutural, e temos os ganhos de produtividade, em um país que está no início de um ciclo de expansão, que tem uma grande parte de sua pauta de importações constituída por bens de capital, investimentos que estão incorporando tecnologia à nossa produção, então a combinação desses fatores é que nos faz crer na sustentação dessa política cambial a longo prazo.

Carlos Alberto Sardenberg: Enfim, tendo feito o ajuste fiscal, contas públicas ajustadas, ganho de produtividade, aí mesmo é que não precisaria mexer no câmbio, é isso?

Pedro Parente: Porque este regime está nos permitindo fazer um ajuste real da taxa de câmbio da forma que nós consideramos adequado.

Celso Pinto: Esse regime tem explicado por que a taxa de juros a cada crise externa vai para a lua. Portanto, o custo embutido nesse regime é absolutamente brutal, do ponto de vista da economia real. O senhor concorda com isso?

Pedro Parente: Uma vez mais a gente volta à questão da poupança, Celso. O que está acontecendo com o nosso país a cada crise externa? O que se verifica é que o governo é um consumidor de poupança. E consome poupança para gastar, vamos chamar, entre aspas, de uma forma ruim, com gastos correntes. Então, não só sobrevive a desconfiança, porque ao invés de estar utilizando para investimentos, está utilizando para gastos correntes, como em um quadro como este em que abruptamente cessam as fontes de poupança externa, é evidente que tenha um problema como este que nós estamos vendo.

Celso Pinto: Sim. Mas, secretário, são duas coisas que se somam, não se excluem. Uma é não ter poupança interna e estar usando de forma errada para gastos correntes, através de um déficit público. Agora, a outra é o seguinte: nós estamos defendendo um regime de câmbio com juros altos. Se nós não defendêssemos o regime de câmbio os juros não precisariam estar nas alturas. Outra coisa é discutir se havia, se o custo era maior ou menor, não defendendo. Não há dúvida de que é preciso botar os juros na Lua a cada crise externa, porque nós estamos defendendo um regime cambial. Se nós deixássemos livre a flutuação ou fixássemos inteiramente como na Argentina a taxa de juros seria dada por outros fatores. O senhor concorda com isso ou não?

Pedro Parente: A questão que fica é aquela que nós tratamos no início do programa: o que aconteceria com o país num caminho alternativo a esse? Que é uma questão muito difícil. Porque é contra-fato. Como é que você pode justificar ou dizer o seguinte: “olha, a política é ruim, mas ela seria melhor ou seria pior do que aquilo que aconteceria em outro sistema político?”

Celso Pinto: [interrompendo] O custo de manter o regime cambial é nós, a cada doze meses, jogarmos os juros nas alturas e não conseguirmos baixá-los de uma forma rápida e que permita fazer o país crescer.

Pedro Parente: Mas eu não concordo que você possa fazer a discussão [de forma] desconectada da questão fiscal...

Celso Pinto: [interrompendo] Também, mas é também uma questão externa. Concorda?

Pedro Parente: Eu concordo no seguinte sentido. Resolvida a questão fiscal, haveria um custo muito menor para a manutenção dessa política cambial.

Carlos Alberto Sardenberg: Então, voltando a falar da questão do tempo. O senhor comentou agora há pouco aqui, em uma das respostas, que tem que dar tempo. E isso claramente é uma coisa de urgência. O que eu estou entendendo, como muita gente, é que nós temos pouco tempo para resolver essas dificuldades pela própria situação externa, pela própria situação interna. E agora o senhor também disse que a Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo elaborada ainda, é uma lei complicada, vai ser colocada e tal e tal. O senhor não acha que tem um problema com o governo Fernando Henrique, que é esse problema de demorar para fazer as coisas e de relaxar toda a vez que a situação dá uma melhorada? Porque tem sido assim nas outras crises, né? Piorou no caso do México, aí depois deu uma melhorada, todo mundo... No caso da reforma da Previdência, por exemplo, até já iam deixando para o outro mandato, para outra legislatura etc. Depois que veio a crise da Ásia, aí corremos atrás de novo da reforma da Previdência. O senhor não acha que, de novo, está tendo esta questão de falta de urgência?

Pedro Parente: Não, eu não acho que esteja havendo agora a falta de urgência. O que eu estou fazendo questão de separar é o seguinte. Existem questões como, por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que demandam sim, tempo para o seu preparo, que no entanto não é tanto assim, terá que ser enviado ao Congresso Nacional até o dia 4 de dezembro. Nós queremos fazê-lo antes. Mas existem outras questões como a reforma da Previdência que já está para ser votada; existe a regulamentação da reforma administrativa. Existe uma, aliás, que já está em vigor, uma medida provisória, que é aquela que regulamenta os regimes de Previdência no setor público. Essa é fundamental, essa é absolutamente fundamental! Já foi feita por medida provisória. Há uma particularidade deste país que eu prezo muito, que é o fato de sermos uma democracia. Nós não podemos ter a pretensão de o poder executivo vir e baixar um conjunto de medidas, todas elas imediatamente em vigor, porque existem regras que têm que ser seguidas. O que nós precisamos fazer é ter condição de convencer o Congresso Nacional, convencer as bases políticas do governo, da importância, da necessidade e da urgência dessas medidas.

Paulo Markun: Nessa democracia, secretário, é o Banco Central quem determina uma porção de coisas. O Banco Central que não é sequer independente, como em muitos outros países democráticos. E a sensação que se tem, lendo aí o que a imprensa traz de críticas em relação à política adotada – aqui no próprio Roda Viva teve o cientista Ignacy Sachs [ver entrevista em http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/551/Ign%E1cio%20Sachs/entrevistados/ignacy_sachs_1998.htm], que é um dos críticos da política adotada pelo governo – é que o governo só raciocina a partir do modelo que ele estabeleceu. Modelo esse que diz: abertura para importação, esse câmbio relativamente engessado, uma proposta de país que muita gente define como sendo um modelo neoliberal. Modelo esse, que essa crise asiática, da Rússia e esses novos acontecimentos mundiais colocou em xeque. Quando há quem diga que os chamados países baleias – a Índia, a China, o Brasil, a Rússia, mais ou menos, pois é uma baleia mais forte um pouco, mais cheia de arma nuclear, mas baleia ainda – teriam condições de agir de uma maneira um pouco diferente. Quer dizer, preservando o mercado interno, valorizando esse mercado, salvando setores industriais que hoje em dia foram liquidados por essa política. O governo, ao que tudo indica, não admite esse outro caminho.

Pedro Parente: Veja. Incomoda-me um pouco, algumas vezes, ao passar neste programa, a idéia de que o governo não aceita discutir. Aceita sim! Tanto é que eu, por exemplo, estou aqui hoje, discutindo.

Paulo Markun: E nós ficamos felizes com isso.

Pedro Parente: Exatamente. Agora, outra questão fundamental é o seguinte: nós sabemos que há um enorme valor, uma coisa que este país tem que é o seu mercado. Mercado interno que ainda tem um potencial enorme a ser explorado. Nós sabemos que o mercado é constituído de consumidores. Aliás, eles é que consomem por definição. E nós sabemos que atender bem esse consumidor é uma necessidade. E nós achamos que a forma de atender melhor a esse consumidor é permitir que a nossa produção, a produção interna, se submeta ao teste de qualidade, ou seja, que tenha condições de competir com uma produção internacional. Se isso acontecer, todos saem ganhando. Essa é a base daquilo que nós estamos discutindo e fazendo.

Paulo Markun: Só que a França, por exemplo, os Estados Unidos, o Japão em muitos aspectos, têm todo esse raciocínio, mas preservam determinados setores industriais. Estabelecem ou cotas de importação, ou estabelecem determinadas alíquotas de importação que protegem a indústria nacional. Não foi esse o caminho adotado pelo Brasil.

Pedro Parente: Nós estamos praticando a abertura de mercado desde 1990 ou 1991. Estamos aprendendo. Quer dizer, nós não tínhamos o controle aduaneiro, a valoração aduaneira. Isso foi implementado a o quê? Há um ano, se tanto, e começa a dar os seus resultados agora. A própria questão dos processos anti-dumping [contrários à prática comercial utilizada pelas empresas que vendem seus produtos por preços extremamente baixos em outro país, visando prejudicar e eliminar a concorrência local]. É verdade que a nossa forma inicial de trabalhar foi uma forma um pouco burocratizada. Isso tudo estamos aprendendo e vamos aperfeiçoar. Agora, isso decorre da prática. Não existe outra forma de aprender a não ser através da experiência prática. Não tenhamos dúvida, no mercado internacional não há inocentes. Você tem toda a razão em chamar atenção de determinados países que falam de discurso, de aberturas e tudo mais, mas tem em prática, pelo menos, em alguns setores, um procedimento diferente. Isso nós temos que combater, não tenha dúvida de que temos que combater. Mas nós achamos uma vez mais que não é com o fechamento completo da nossa economia, que nós vamos beneficiar a imensa maioria da população brasileira, aquela que é consumidora.

Antoninho Marmo Trevisan: Secretário, eu queria voltar a essa questão da democracia. Eu acho interessante a gente talvez aprofundar um pouco mais. Eu vou tratar aqui de discutir a questão interna. A mim me preocupa a questão interna. Eu noto que o pacote foi muito cuidadoso, até porque o FMI, seguramente, não permitiu que o governo, por exemplo, taxasse com o IOF, ou importação, ou que estabelecesse barreiras, ou que taxasse, por exemplo, as viagens ao exterior, que era uma pretensão do governo, uma vez que essa conta vai consumir cinco bilhões de dólares este ano. Então, se é para a gente falar de democracia, eu queria também tentar esclarecer por que o governo optou democraticamente em taxar através da Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social], taxar através da CPMF, as empresas do Brasil, naturalmente os contribuintes, e não democraticamente aumentou a alíquota do Imposto de Renda. Eu queria entender o seguinte: eu suspeito que houve duas coisas aí. A primeira é que havia um interesse muito grande em manter esse fluxo de pessoas viajando. O que me parece muito interessante; a Disney World vai continuar cheia de pessoas lá. Esse é o primeiro ponto. E eu não vou receber o IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] relacionado com esses dólares. Com relação a por que o governo optou por taxar o faturamento, e por que ele optou por taxar a movimentação financeira, eu acho que ele optou por conta do seguinte. As empresas vão fazer prejuízo, portanto não vai haver Imposto de Renda a ser pago, a ser arrecadado. E as pessoas físicas porque vão perder o emprego e vão diminuir a renda, também não vão poder pagar o Imposto de Renda. Eu entenderia que essa questão democrática da discussão de um pacote, já que foram tantos pacotes, precisaria ser melhor colocada. Primeiro, obviamente esse pacote tem muito daquilo que o FMI prefere e gosta. Eu acho que isso é muito claro. Os jornais norte-americanos, todos os dias, The New York Times, Washington Post, o Financial Times, tratam, aliás, com muita clareza. Eles chamam de: “O pacote do FMI, do Tesouro norte-americano”. Eu também não veria nenhum problema em tratar, para colocar os pingos nos “is”. Mas eu não me conformo, secretário, que o governo insiste em ir buscar até a última gota das empresas e da pessoa física. Eu sou só um técnico, eu percebo isso, eu analiso há mais de vinte anos essa questão. Parece-me uma crueldade esse negócio de o governo dizer que ele não vai mais cobrar Imposto de Renda. É claro que ele não vai cobrar, não tem como cobrar mais Imposto de Renda. Mas ele vai buscar na Cofins e na CPMF. O senhor não acha que a gente tem que explicar bem esse assunto?

Pedro Parente: Em primeiro lugar, eu queria dizer o seguinte: para nós não é um pacote. Isso é muito importante ficar claro. Para nós é um Programa de Estabilidade Fiscal.

Antoninho Marmo Trevisan: Correto.

Pedro Parente: Se não ficar claro este componente estrutural, nós falhamos na nossa comunicação. E olha que nós temos feito um enorme esforço nesse sentido e temos dito: o componente fundamental desse conjunto é o seu componente estrutural. É um Programa de Estabilidade Fiscal. Em segundo lugar, não houve discussão prévia com Fundo Monetário de nenhuma das medidas. O que houve com o Fundo Monetário – e quem está dizendo isso é quem participou e quem liderou a missão – foi a discussão daquilo que nós chamamos de ponto de partida. Qual é a situação fiscal hoje sobre a qual deveremos ter mudanças estruturais e mudanças transitórias que nos permitam mudar este quadro fiscal? Essa é outra observação que precisa ficar muito clara. Nós não discutimos medidas. Essas medidas e esse programa foram feitos no Brasil, preparados pelo governo brasileiro, apresentados em primeiro lugar à política, ou seja, aos políticos, aos partidos que apoiam o governo, depois à imprensa brasileira. E agora o […] está lá agora, no Fundo Monetário, exatamente discutindo esse conjunto de medidas. Portanto, a ordem foi aquela que nós consideramos adequada num regime democrático. A segunda observação que eu queria fazer é a seguinte. Em primeiro lugar, nós temos que lembrar um aspecto fundamental que muitas vezes é esquecido. Se nós precisamos, transitoriamente, para 1999, de 28 bilhões de reais, e destes 28 bilhões de reais, nós temos aí cerca de 8,7 cortes de gastos e 3,5 provenientes das reformas estruturais, basicamente a reforma da Previdência; mais uns dois a três bilhões de reais provenientes da redução do déficit da Previdência, mediante pagamento de contribuições dos beneficiários, resta uma parte ainda bastante importante. Enfim, números da ordem de 13 ou 14 bilhões de reais que têm que ser provenientes de aumento de arrecadação. Se nós operarmos com o Imposto de Renda, para termos os 13 ou 14 bilhões de reais no governo federal, nós temos que taxar a sociedade dobrado, porque nós precisamos transferir metade para estados e municípios. Portanto, a rigor, o que nós estamos fazendo é uma forma de evitar taxar a sociedade adicionalmente àquilo que é efetivamente necessário. Porque tanto o Cofins quanto a CPMF não são transferidos para estados e municípios. Então isso é um dado importante.

Antoninho Marmo Trevisan: [interrompendo] Claro, claro! Nós sabemos disso.

Pedro Parente: Outro dado relevante. Essa ampliação da Cofins não pega nenhuma empresa que está no [imposto] Simples, não pega nenhuma empresa que está no lucro presumido. E pega parte das empresas que estão no lucro real, aquelas que pagam de Imposto de Renda um valor que é inferior a um 1% do seu faturamento anual. Não me parece que seja uma coisa exagerada, está certo? Está dentro daquilo que disse o senhor presidente da República: “Vamos tratar com essas medidas de cobrir brechas”. Elevação de imposto, pra valer, atingindo toda a sociedade, sem dúvida nenhuma, é a CPMF. E é um imposto que todos...

Antoninho Marmo Trevisan: [interrompendo] Mas de qualquer forma, o senhor só vai poder cobrar a partir de março, não é?

Pedro Parente: Bom, aí tem questões. Eu lhe confesso que eu não sou a melhor pessoa para discutir o lado jurídico. Mas como se trata de uma emenda constitucional, se admite que essa emenda possa minorar um pouco essas questões relativas à chamada noventena, ou seja, aquele prazo de noventa dias que é necessário para entrar em vigor uma nova contribuição. Mas como eu lhe disse, eu não posso afirmar nada taxativamente com relação a essa questão.

Paulo Markun: Secretário. Nós vamos fazer um rápido intervalo aqui no tiroteio e voltamos daqui a alguns instantes com o segundo round.

[intervalo]

Paulo Markun: Bem, voltamos com o Roda Viva, hoje entrevistando o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Pedro Parente. Eu tenho aqui algumas perguntas de telespectadores, duas delas relativas, mais ou menos, ao mesmo assunto, uma de José Flávio Araújo e a outra de Ciro, enviada pela Internet. Eu não tenho o nome completo, ele diz que é engenheiro, funcionário público federal, e que recebe mensalmente um salário cerca de 40% abaixo do que ele ganharia na iniciativa privada. Os descontos do salário dele estão hoje em 30% dos rendimentos brutos, e com o aumento do INSS ele vai ter descontado 35% do salário bruto. A pergunta dele: “Por que o aumento da arrecadação cai sempre em cima da classe assalariada, e por que não aumentar a fiscalização nas empresas multinacionais que sonegam impostos descaradamente, e por que não taxar as grandes fortunas?” Que foi um tema que chegou a ser discutido e que acabou ficando fora do programa de ajuste.

Pedro Parente: Bom, em primeiro lugar para começar por essa última pergunta, a experiência internacional com relação ao imposto sobre grandes fortunas não é muito auspiciosa, quer dizer, não é muito favorável. Não é um imposto arrecadatório, não é um imposto que se possa pretender com ele substituir uma dessas medidas. Na realidade, o que nós estaríamos possivelmente promovendo seria fuga de capitais do país, uma vez mais. Em segundo lugar, com relação às empresas que ele mencionou, as grandes empresas, eu já mencionei aqui a questão da Cofins, a elevação da Cofins em 1%. E um dos objetivos, naturalmente, é exatamente que as empresas que hoje não estão pagando, ou que pagam menos Imposto de Renda, possam também contribuir, portanto, atingindo parcialmente ou, pelo menos, pelo que entendi, o objetivo que ele mencionou. Nós estamos trabalhando muito duramente para reduzir sonegação. Não é uma coisa simples, até porque um dos fatores é a complexidade do nosso sistema tributário. Portanto é fundamental. Isso nos ajuda a introduzir na nossa discussão a questão da reforma tributária, que é uma das reformas estruturais relevantes; ela é fundamental para que se possa reduzir a sonegação. Outra medida que está sendo adotada nesse sentido é a reestruturação da Secretaria da Receita Federal que passa a ser agora um órgão à parte, ainda vinculado ao Ministério da Fazenda, mas com a autonomia e com a possibilidade de se estabelecer um contrato de gestão com um responsável pela Receita Federal, que permitiria a ele, então, arrecadar de acordo com determinadas metas preestabelecidas.

José Paulo Kupfer: Secretário, falando nisso – sonegação, Cofins – o senhor sabe quantas empresas realmente pagam a Cofins? Quantas empresas, normalmente as grandes, contratam bons escritórios e ficam suspendendo esse negócio na Justiça, indefinidamente, e não pagam a Cofins? Quem paga, no caso aí, não é a classe média, mas é a classe média empresarial, e essa não tem condições de contratar bons escritórios para defender. Dois. Tem certeza que nós estamos combatendo duramente a sonegação? Eu conheço, e se o senhor quiser, quando a gente sair daqui, eu digo para o senhor dez empresários que sonegam historicamente. Aliás, eu e o mundo conhecemos, porque o nome deles sai nos jornais todo ano perto de março. E continuam aí, continuam com concessões de coisa pública, tipo televisão, secretário. Quem vai acreditar em uma balela dessas?

Pedro Parente: Em primeiro lugar, se você me permitir encaminhar esses nomes à Receita Federal, eu quero sim que você me dê os nomes. Se eu escutar esses nomes...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Eu trago os jornais que publicam.

Pedro Parente: ... eu não tenho outra alternativa, se você me disser os nomes, eu quero escutar, eu tenho que encaminhar imediatamente à Receita Federal. Agora, de novo, nós estamos aqui – e você tem razão – existe um número grande de empresas que recorrem à Justiça para questionar o pagamento de determinados impostos. E Cofins é um deles. Existem aí empresas importantes questionando o pagamento de Cofins. Não tenha dúvida de que isso está acontecendo. Agora, nós precisamos diferenciar o que é questionamento legal de um imposto daquilo que é uma sonegação. Essas empresas estão buscando, pelo caminho adequado, discutir com o governo o pagamento de determinado imposto. Se vamos ganhar ou não, só a Justiça...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Eu não misturei. Eu só quis dizer que somando é um bom dinheiro que a gente poderia estar arrecadando sem precisar taxar mais uma vez todo mundo.

Pedro Parente: Não tenho dúvida. Concordo integralmente. Acho que você tem razão nesse sentido. Se a gente pudesse evitar o questionamento judicial e a sonegação, sem dúvida nenhuma, nós estaríamos reduzindo ou nem precisando...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Não pode evitar?

Pedro Parente: É claro que o governo faz tudo o que ele pode, faz todo o esforço para poder evitar. Se ele dissesse que não está fazendo, então teríamos que demitir ou o ministro da Fazenda ou o secretário executivo, ou o secretário da Receita Federal, porque não pode haver dúvida de que todo o esforço está sendo feito. Agora, existe o problema, que eu já mencionei aqui, da complexidade do nosso sistema tributário. Quer dizer, isso é um fator fundamental para evitar nem tanto a sonegação, mas também a sonegação, evitar o planejamento fiscal, evitar a corrupção. Porque quando você tem uma legislação muito complexa, você tem um espaço para a corrupção. Então isso tudo, sem dúvida nenhuma, tem que ser trabalhado para poder melhorar. Mas eu quero fazer distinção entre a sonegação e o questionamento judicial das medidas. Agora, eu queria só um minutinho, só para acrescentar um ponto. Veja que no conjunto das medidas que foram aqui encaminhadas, uma delas, que me parece bastante interessante, é aquela que diz respeito ao depósito judicial. Não há qualquer prejuízo para o demandante, aquele que vai à Justiça. Não há qualquer modificação no relacionamento da Justiça com as partes na disputa, ou seja, com o demandante e com o governo. Isso tudo permite, com a proposta que foi feita, antecipar a arrecadação de impostos evitando que a gente esteja olhando...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Os tributaristas dizem que isso é um confisco. Que não se pode mexer em um dinheiro que está em julgamento. É um confisco!

Pedro Parente: Não, não é um confisco pelo seguinte...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] E dizem mais. Dizem que a volta desse dinheiro, se o demandante ganhar a causa, em certos casos, na maioria deles, só seria possível no próximo orçamento, ou seja...

Pedro Parente: Não. Está absolutamente errada essa avaliação, porque nós estamos tratando de restituição de imposto. A restituição de imposto entra diretamente debitada na conta da arrecadação de imposto. Nós aqui não precisamos de dotação orçamentária que é  para despesa. Nesse caso é redução de receita. É o que já acontece hoje quando nós restituímos o Imposto de Renda da pessoa física. Nós não precisamos ter dotação orçamentária para restituir o Imposto de Renda da pessoa física, isso não é uma despesa do governo. Isso é uma devolução do imposto, portanto entra deduzindo na conta do imposto.

José Paulo Kupfer: Mas quando está em pendência judicial não é a mesma coisa?

Pedro Parente: Não é, veja. O texto do documento legal diz exatamente isto: determinada pelo juiz a devolução, ela é feita independentemente de qualquer outra providência.

José Paulo Kupfer: Sabe qual é o problema que eu queria perguntar ao senhor, porque o senhor está tão tranqüilo. Por exemplo, o Pacote 51 previa lá... Eu até trouxe um negocinho velhinho, um monte de coisa engraçada, eu acho que não vai dar tempo de a gente falar sobre ela [lendo um bloco de folhas]. Mas previa a demissão de 33, um número muito interessante, 33 mil, talvez, 152 servidores não estáveis do governo. Aí foi se ver aquilo legalmente, acho até que foi o senhor que falou, não era possível legalmente, tinha um problema de legalidade nessa história. E deixamos isso para lá. Será que no caso desse depósito judicial e outros tantos, de repente, vai se perceber que legalmente não era possível e vamos ficar de novo sem essas parcelas?

Pedro Parente: Não tem essa hipótese. Está muito claro na medida legal. Determinada pelo juiz a devolução desse recurso, a Caixa Econômica Federal tal como faz hoje, imediatamente procede à devolução a débito da conta única do Tesouro Nacional no Banco Central.

Celso Pinto: Mas se o governo usar um dinheiro que está sob pendência judicial e acrescentar a sua receita, o governo não pode estar usando um recurso ilusório, de que ele vai ter que abrir mão e engordar a receita de forma inapropriada?

José Paulo Kupfer: Fazer dívida?

Pedro Parente: Não, veja. A questão que se coloca é a seguinte: uma pequena parte dos contribuintes questiona o seu pagamento de imposto. A maior parte dessa pequena parte questiona legitimamente. E existe uma pequena parte que só questiona para protelar o pagamento. A questão que se coloca é uma questão de justiça. É justo com aqueles que não questionam que o seu recurso entre imediatamente na conta da Receita, e daqueles que questionam não entre? Depois tem um detalhe adicional. Esses depositantes vão se beneficiar da medida também. Não é uma medida que beneficia somente o governo e não é uma medida que beneficia somente o conjunto da sociedade, porque ao fazer esse tipo de medida, nós estamos deixando de fazer uma outra medida de Receita. Por isso é que nós achamos que ela é interessante. O depositante também é beneficiado porque na hipótese de ele ganhar a causa, o seu dinheiro é devolvido com correção Selic. E isso é porque quando nós parcelamos o imposto, é também a Selic que nós cobramos. É uma questão de simetria, nós não podemos proceder de forma diferente, enquanto que hoje esse depositante recebe TR. Então é difícil encontrar nesta medida alguma coisa que possa, de fato, representar,  vamos chamar assim, de um defeito. Porque do ponto de vista operacional, é exatamente o mesmo. O depositante faz o depósito judicial por determinação do juiz, que encaminha isso à Caixa Econômica Federal que procede, como procede antes, e por determinação do juiz para liberação desse depósito, este é feito imediatamente. Isso é que precisa ficar claro. E o depositante nesta situação em que recebe o dinheiro de volta, ele tem o pagamento com correção via Selic.

Vera Souto: Secretário, fala um pouquinho da situação dos estados. Alguns governadores eleitos, alguns não, os governadores eleitos de oposição se reuniram em Brasília e propuseram ali algumas medidas para tentar encarar esse pacote, ou essa situação que vem aí quando eles tomarem posse. Uma das medidas que eles propuseram é retirar do cálculo da Lei Camata [Lei Complementar nº 82/95 que estabeleceu um teto máximo de 60% das receitas líquidas para custear despesas com pessoal (servidores públicos)] a despesa com o pagamento do pessoal do legislativo e do judiciário. Certamente, isso já foi encaminhado ao governo. Eu queria saber: dá para negociar alguma coisa nesse sentido de mudança de cálculo na Lei Camata?

Pedro Parente: Olha, eu lhe confesso que nós não recebemos essa proposta colocada concretamente. Mas eu não sei o que isso refresca para o estado, quer dizer...

José Paulo Kupfer: Mas eles dizem também que querem tirar desse negócio os inativos. E aí, refresca pra burro!

Pedro Parente: Não, mas aí vai ser de novo. Eles vão deixar de pagar os inativos? Quer dizer, vão deixar de pagar...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Não, eles não vão precisar ter 60%...

Vera Souto: [interrompendo] Não entra naquele limite...

José Paulo Kupfer: Da folha...

Pedro Parente: Então eles vão ter 60%. Isso é pior para eles. Porque eles vão ter que ter 60% com o pessoal ativo. Sobre isso tem que somar o pessoal inativo, mais as despesas com o legislativo, judiciário e outros poderes, como eles chamam, que é a procuradoria, o Tribunal de Contas, acima dos 60%.

Antoninho Marmo Trevisan: Vai dar uns noventa aí.

Pedro Parente: Consumindo recursos...

Antoninho Marmo Trevisan: [interrompendo] Isso significa que eles não vão pagar a União.

Pedro Parente: Não, a União...

Celso Pinto: Mas já tem proposta. O que eles querem de fato, e todos eles já disseram ou, pelo menos, três governadores – do Rio Grande do Sul, de Minas e do Rio – já disseram claramente que eles querem, na verdade, é renegociar a renegociação da dívida deles com o governo federal. Ou seja, não querem pagar o que foi assinado no ano passado, aliás, como era muito previsível que fosse...

Antoninho Marmo Trevisan: [interrompendo] Aliás, secretário, já estão de olho na Cofins e na CPMF. Por isso, eu continuo achando que é um erro meter imposto nessa brincadeira.

[risos]

Pedro Parente: Espera aí. Vocês estão falando várias coisas aqui, vou responder uma de cada vez. Em primeiro lugar, eu quero voltar ao ponto anterior. Não vejo qualquer vantagem para os estados, nenhuma vantagem. O que vai fazer é com que hoje, coisas que eles poderiam ter alguma pressão para segurar, que é o gasto com os poderes e os gastos com os inativos, deixando de fora do limite da chamada Lei Rita Camata, eles vão deixar de ter esse instrumento que os ajuda como administradores públicos. Porque eu não acredito que o principal objetivo dos políticos de carreira que estejam administrando estados não seja atender a sua população através de investimentos e de obras sociais. Eles vão ter cada vez menos dinheiro para fazer esse tipo de coisa. Portanto eu não acho que essa seja uma solução para nada. Eu, sinceramente, não consigo entender qual é a lógica dessa proposição. Com relação aos contratos...

Celso Pinto: [interrompendo] A menos que o governo federal pague essa conta.

Pedro Parente: Não, veja. O governo federal não tem como pagar essa conta. Aliás...

Celso Pinto: [interrompendo] Não tenho dúvida, mas os governadores querem aparentemente.

Pedro Parente: Eu acho que é fundamental essa discussão, porque nós precisamos, de fato, avaliar todos os aspectos que caracterizam uma federação. Quer dizer, a federação, no meu modo de ver, é uma figura que cabe mão dupla, ou seja, não é só do governo federal para os estados, é fundamental também que eles apresentem um procedimento que justifique a sua autonomia. É evidente, eu não quero aqui dar lições a ninguém, ainda mais para pessoas que foram ungidas nas urnas. Mas o que eu penso, o que eu interpreto, o que eu considero é que não é possível imaginar que esses contratos foram assinados com a pessoa física do governo anterior. Isso me parece um pouco primário até. Na realidade, nós fizemos contratos com os governadores eleitos naquela ocasião, contratos esses aprovados e negociados sem qualquer coação com esses governadores, aprovados pela sua Assembleia Legislativa, portanto, com todos os requisitos formais e de legitimidade aí colocados. Portanto, nós não vemos porque se possa imaginar...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Secretário, o que iria acontecer se eles resolvessem não pagar? Se dessem um calote no governo federal? Tropas [risos] para tirar o dinheiro do fisco?

Pedro Parente: Não acho que chegaria a... Nessas renegociações que foram feitas, há algumas questões, algumas particularidades que são interessantes a gente relembrar aqui. Em primeiro lugar, o fato de que elas foram sendo aperfeiçoadas ao longo do tempo. Nenhuma renegociação renegociou o que já havia sido objeto da renegociação anterior. Então, esse é um dado importante. Nós nunca renegociamos o já renegociado, o que nos parece um princípio absolutamente fundamental. Em segundo lugar, nós fomos aperfeiçoando, por exemplo, os mecanismos de garantia. Passou-se a ter mecanismos de liquidez ou de auto-liquidação da dívida, que é constituído pelo bloqueio dos recursos dos estados nos fundos de participação e mesmo de recursos próprios provenientes da sua arrecadação de ICMS, portanto. Neste último caso, nós incorporamos ao contrato um programa de ajuste fiscal e também um processo de estímulo à privatização, tendo em vista ganhos de eficiência para a economia como um todo. O que acontecerá se eles não pagarem, como já acontece hoje, é o fato de que nós teremos que utilizar esses mecanismos. Quero frisar muito esta palavra: teremos. Não cabe ao administrador público, não cabe ao funcionário público, ao responsável por este setor lá na Secretaria do Tesouro Nacional, o direito de determinar se aplica ou não a sanção. Ele tem que aplicar, senão ele é responsabilizado pessoalmente por gestão indevida de recursos públicos. E não cabe uma decisão, quer dizer, não há discricionariedade nesse momento. Como já fazemos, bloqueiam-se os recursos dos fundos de participação e se necessário bloqueiam-se os recursos próprios.

Paulo Markun: Vamos supor aqui que o senhor fosse o governador de Alagoas, o ex-prefeito da capital, Ronaldo Lessa do PSB, que foi eleito e pegou lá um estado que gasta 92,6% da receita com pessoal. Gastava mais, gastava 114%, houve uma redução e hoje está em 92,6. E o senhor, como governador de Alagoas, visse que no pacote, no programa que o governo apresentou, há um aumento e uma prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal de 20% para 40%. O senhor não acha que ficaria meio chateado com isso?

Pedro Parente: Eu ficaria chateado se eu não procurasse estudar a proposição com profundidade e não verificasse exatamente do que se trata. Um aumento de 20% para 40% que está se discutindo é sobre as vinculações de receitas federais, ou seja, é um assunto de economia interna do governo federal.

Paulo Markun: Tudo bem. Só que o governo estadual não tem economia interna. É isso o que eu digo. Como é que alguém que gasta 92% pagando pessoal, que não foi ele que contratou. Como é que ele resolve o problema?

Pedro Parente: Uma vez mais. Esse tipo de visão – se não foi ele que contratou – dá a ideia de que isso é um problema de pessoa física, e não é. É o problema da pessoa jurídica do governador do estado, que sempre existiu. Foram governadores, não ele, outros, mas ainda sim governadores, que de alguma forma causaram o problema que ele vive hoje. Mas eu quero fazer ligação com o FEF [Fundo de Estabilização Fiscal, formado por recursos mantidos pelo governo federal para permitir o fechamento de suas contas. Originalmente seriam transferidos a estados, municípios e alguns ministérios]. A proposta que está aí colocada, em primeiro lugar, não precisa ser discutida imediatamente, porque o Fundo vai até o final do ano que vem. Mas ela é uma proposta em que o aumento de 20% para 40% diz respeito a receitas federais, não afeta as receitas dos estados. No que diz respeito aos estados e municípios, melhora para eles na prorrogação em relação à situação que existia antes. Não melhora em relação à situação em que não existia FEF nenhum, porque eles deixariam de transferir ao governo federal uma parcela que hoje é de 100%. Deixando de existir o FEF, não se transferiria nada, e com essa proposta que estamos fazendo eles transferem cerca de 55%. Portanto, melhora para os estados essa proposta. Agora, o problema do estado de Alagoas, independentemente disso, você tem toda a razão, persiste. Porque um estado que paga noventa e tantos por cento, 92%, como você mencionou, com pessoal, fica em uma situação extremamente difícil para poder prestar à sociedade daquele estado, os serviços de que tanto necessita. Aliás, é um estado muito carente.

Carlos Alberto Sardenberg: Então, como é que ele resolve isso? Que assessoria o senhor daria? Porque a pergunta não é simples assim, a ideia é a seguinte: o que tem a ver com a questão federativa? O que está mais ou menos na cabeça dos governadores é que há certos tipos de problemas tem que ser resolvidos pelo governo federal e não pelos governos estaduais, porque estes não são culpados disso. Por exemplo, eles falam: “A dívida cresceu muito por causa da taxa de juros.” A taxa de juros não é determinada pelos governos estaduais, então a culpa não é deles. Eles tiveram problemas oriundos de um evento sobre o qual eles não têm controle. Ou por outras razões sempre há essa ideia de que tem que resolver em Brasília, e tem sido assim, essa é a verdade. Embora existam, por exemplo, várias regras e existissem sempre regras de controle do endividamento dos estados, sempre havia um meio de conseguir uma exceção...

Paulo Markun: [interrompendo] Sempre tinha um precatório aqui...

Carlos Alberto Sardenberg: Um meio de conseguir exceção, as tais excepcionalidades que o Senado aprovava e que acabava em si permitindo que a solução do problema estadual fosse levada para Brasília. O que eu estou perguntando é o seguinte. O que o senhor está dizendo agora é que não vai renegociar e que teremos que cumprir as cláusulas; que isso aí mudou, ou seja, que a posição agora é que os problemas dos estados sejam resolvidos lá nos estados. Por exemplo, o governador de Alagoas que se vire lá com a sua assembléia, com seus eleitores e com seu partido para resolver o problema lá dos 92%?

Pedro Parente: Em primeiro lugar, você perguntou: “Como é que ele resolve isso?” É fundamental que a gente aprove a regulamentação da reforma da Previdência. É fundamental que a gente aprove esta lei que trata do regime de Previdência do serviço público. São esses instrumentos que estarão colocados à disposição dos senhores governadores para que eles possam atuar no sentido de resolver problemas dessa natureza. Porque o problema de uma folha muito grande não é um problema que afeta só Alagoas. Afeta grandes estados da nossa federação, são problemas graves. Agora, com relação aos juros que você mencionou, quero lembrar que essa questão ficou superada a partir do momento em que se renegociou, porque foi renegociada com uma taxa de 6% ao ano, mas com correção pelo IGP [Índice Geral de Preços]. E o Celso se lembra quanta discussão isso deu de cálculos de subsídio, uma série de coisas...

Carlos Alberto Sardenberg: [interrompendo] Sim. Mas a dívida estava grande, no caso de São Paulo, estava grande por causa do...

Pedro Parente: Exatamente para não prejudicar os estados com discussões que necessariamente seriam longas, nós fixamos uma data de corte, que foi dia 31 de março de 1996. Então toda essa elevação de taxa de juros que ocorreu em 1997, e ocorreu agora de novo, não afetou de forma nenhuma a dívida dos estados. E um detalhe adicional é que as prestações que os estados pagam são um percentual da sua receita, não é uma prestação fixa. Ao contrário do que é, por exemplo, uma despesa de pessoal. Portanto, caindo a receita, cai também o valor da prestação, porque ela é um percentual da receita.

Antoninho Marmo Trevisan: Agora, essa dívida, secretário, de alguma forma, é o governo federal que aparentemente absorveu. Talvez o senhor poderia explicar melhor como é que se formou nesses quatro anos a dívida mobiliária. Nós saímos de perto de sessenta bilhões, estamos aí com 340. É uma novidade para o Brasil, porque a gente se acostumou a olhar a dívida com contrapartida de ativos, investimentos. Hoje nós tivemos uma dívida que se multiplicou por cinco, por seis, é de 310, 340, dependendo do dia ou da semana que a gente possa medir. E a questão que fica é, primeiro: como é que ela está composta? O que é dívida formada por déficit? O que é dívida formada por transferência, por exemplo, de dívidas dos estados? O que é dívida de juros? E a segunda pergunta que eu faria é: o senhor acha que dá para pagar essa dívida?

Pedro Parente: Não tenho a menor dúvida de que dá para pagar a dívida. A dívida interna do Brasil nunca teve problemas de rolagem, nem mesmo quando tínhamos os períodos mais agudos de inflação. Portanto não temos a menor dúvida com relação a isso.

Celso Pinto: Desde que a taxa de juros comecem a cair, não é? E rápido, senão vamos inaugurar mais um problema.

Pedro Parente: O problema da taxa de juros para nós é um problema muito mais amplo, já discutimos aqui hoje, diz respeito a nossa própria condição de crescer, de se desenvolver, de permitir investimentos, de geração de empregos e de renda. Voltando à questão de dívida, em primeiro lugar, você sabe que o conceito que é fundamental é o da dívida consolidada do setor público, ou seja, a dívida total. E aí é sempre importante, o ministro Malan sempre chama atenção para isso, é o seguinte. Não existe no mundo um conceito de dívida pública que seja mais abrangente do que aquele que nós utilizamos no Brasil. Nós aqui incluímos no conceito de dívida pública o governo central, onde tem Banco Central, tem o Tesouro Nacional e a Previdência Social, estados e municípios e empresas estatais. Você pode encontrar subconjuntos desses, mas não uma estatística que seja tão ampla e tão transparente quanto esta estatística de dívida pública que nós utilizamos. Então, primeira observação: nós temos que olhar, na realidade, o total da dívida, e aí olhando todos os componentes, inclusive a dívida externa. Você tem razão que a dívida interna aumentou muito, mas ela aumentou por algumas das coisas que você já mencionou. Em primeiro lugar, pela própria redução da dívida externa decorrente da acumulação de reservas. Isso fez com que houvesse um aumento de dívida interna. Outro detalhe importante é o fato de que nesse período, nós reconhecemos uma série de responsabilidades do governo chamada de esqueletos, quer dizer, dívidas que existem, mas que estavam escondidas, que não eram registradas, não eram mencionadas. E aí nós temos várias a mencionar. A questão do FCVS [Fundo de Compensação de Variações Salariais], a questão dos débitos ruins do Banco do Brasil, que forçou o governo a fazer uma operação de capitalização, a operação de renegociação da dívida dos estados que transferiu – você tem toda razão – dívida mobiliária dos estados para o governo federal, e o déficit. Claramente o déficit era financiado antes de 1994 pela inflação. Agora, depois do fim da inflação, passou a ser financiado por expansão de dívida. Esse é um dos fatores mais importantes...

Antoninho Marmo Trevisan: [interrompendo] E é de curto prazo, não é secretário? Vence setenta bilhões agora?

Pedro Parente: Na realidade nós temos conseguido, mesmo no período recente, expandir o vencimento médio da dívida interna. Com a dívida externa, nós não temos problema de prazo. A dívida interna, no tempo da inflação, vencia diariamente, era rolada diariamente. Nós começamos um trabalho de alongamento dessa dívida utilizando títulos pré-fixados até a crise de novembro, outubro, novembro do ano passado. Fomos obrigados a encurtar a dívida, depois começamos a utilizar papéis ligados à taxa da Selic, papéis pós-fixados. E com isso então voltamos a alongar o perfil da nossa dívida, do vencimento da nossa dívida.

Carlos Alberto Sardenberg: Voltando à questão dos governadores, então, o que eu estava querendo colocar era a questão mais política. Quer dizer, sim, houve toda a negociação, todas essas garantias etc, mas a prática comum tem sido a de toda a vez renegociar, toda a vez voltar ao assunto e recolocar o problema quando ele aparece. A pergunta que eu faço de novo, então, é esta: desta vez, qual é a ideia? Mudou? Que agora vai valer a federação? Os estados têm que se resolver etc?

Pedro Parente: Veja, Sardenberg, eu não poderia dizer uma coisa diferente para você, a partir do momento em que o senhor presidente da República falou nisso, e o senhor presidente do Congresso Nacional deu a sua opinião também. Esses contratos não podem ser renegociados. Isso foi expressão do senhor presidente da República e do senhor presidente do Congresso Nacional, com a qual eu concordo.

Paulo Markun: Secretário, há três perguntas aqui na mesma linha. De Roy e Viviam, e Fausto Junqueira, de Poá São Paulo, e de Marcos Carvalho, contador de Santo André. Querem saber qual foi a resultado do Pacote 51, sem contar o aumento de impostos.

Pedro Parente: A questão é uma boa pergunta realmente, porque se nós olharmos o conjunto de medidas, aquelas que previam impacto fiscal, nós poderíamos chegar à conclusão – e sobre isso nós temos levantamentos, eu posso apresentar os levantamentos, eu não tenho aqui comigo, mas eu posso apresentar – de que esse conjunto de medidas, incluindo o aumento de impostos, mas também corte de gastos, foram, na sua maior parte, implementados. Tem a questão já levantada da demissão...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Deixe eu dar uma ajuda ao senhor aqui, se me permitir. A extinção de setenta mil cargos efetivos civis vagos no poder executivo federal. Foi feita?

Pedro Parente: Foi feita.

José Paulo Kupfer: Limitação ao provimento de novos cargos públicos civis no poder executivo federal a um terço do total das aposentadorias concedidas e demais vacâncias.

Pedro Parente: Foi feita, e agora passamos para  um sexto.

José Paulo Kupfer: Vedação da concessão para ocupante de cargos em comissão ou função de confiança quando no seu exercício de adicional de serviço extraordinário.

Pedro Parente: Foi feita também para o poder executivo.

José Paulo Kupfer: Foi feito tudo?

Pedro Parente: Exatamente, eu queria chegar ao ponto seguinte. A questão que se coloca exatamente é esta: se essas medidas, a maior parte delas, não todas – e a demissão, como você mencionou, não foi feita – se elas de fato foram implementadas, o que aconteceu? O que aconteceu é que a situação de partida era pior do que se imaginava. E nós tivemos também, portanto, um conjunto de medidas que deveria produzir um resultado fiscal, e não produziu, porque o ponto de partida era muito pior do que aquilo que se imaginava. Lembrando que quando nós trabalhamos com os dados consolidados do setor público, ou seja, não apenas governo federal, mas incluindo estados, municípios e empresa estatal, nós temos uma defasagem de dois a três meses pelo menos. Então, o que se verificou no final do ano, que foi um déficit muito acima do esperado, eu quero confessar com muita tranquilidade que também nos surpreendeu; para nós foi, sim, uma coisa inesperada. Foi decorrente também de uma utilização muito grande de recursos de privatização por parte dos estados para outras finalidades que não o pagamento de dívidas. Mas aqui eu quero fazer uma ressalva: alguns estados utilizaram para pagar dívidas, mas estas não eram dívidas contabilizadas como, por exemplo, dívidas com empreiteiros, com funcionários. Esse tipo de dívida não é capturado nessa estatística do Banco Central, porque ela trabalha basicamente com dívidas junto ao sistema financeiro. Então, a realidade é que o conjunto de medidas proporcionou um resultado importante, uma vez mais vamos preparar uma demonstração disso, mas a situação ficou muito pior do que se imaginava exatamente porque o ponto de partida era pior do que aquele que imaginávamos.

Paulo Markun: Só para seguir aqui na linha das perguntas dos telespectadores. Fábio Damasceno, de São Paulo; Valdênio Nogueira Caminha, advogado de Fortaleza; Eli Ramos, de Belém do Pará, e Marli de Lima, funcionária pública aposentada de Recife, Pernambuco. Eles perguntam basicamente a mesma coisa. “Por que o pacote não vai atingir os militares?”

Pedro Parente: Em primeiro lugar, eu diria o seguinte: não se pode afirmar que esse conjunto de medidas – e eu interpreto que a pergunta...

Paulo Markun: [interrompendo] Quando se trata da questão basicamente da Previdência.

Pedro Parente: Questão previdenciária. No conjunto da Previdência, o problema básico é que houve uma mudança constitucional recente, que determinou a criação de um novo regime para os militares. E nesse novo regime estará contemplada exatamente a constituição de um sistema de Previdência que observa os princípios condicionais de equilíbrio financeiro e atuarial.

Paulo Markun: Enquanto isso não acontecer, não mexe nada?

Pedro Parente: Até porque hoje tem um novo mandamento constitucional, que não pode operar sobre o regime anterior, que, aliás, é um regime extremamente complexo regulado por uma centena de leis ou mais de uma centena de leis. Então, é um detalhe importante dizer exatamente o seguinte. Quando da apresentação desta lei, que está em estudo, está em preparação, está em trabalho, naturalmente, está sendo a proposta inicial, virá da área militar; essa questão do seu sistema de Previdência terá que estar adequadamente tratada, porque este comando constitucional determina que os sistemas de Previdência, mesmo os do serviço público, têm que ter um equilíbrio atuarial e financeiro.

José Paulo Kupfer: Secretário, desde o começo do programa, o senhor fala na necessidade de mudança do regime fiscal como forma até de ganhar credibilidade, confiabilidade para o futuro da nossa economia. Levando em conta que CPMF e Cofins são anti-regime fiscal, eu queria perguntar para o senhor – o tempo está terminando – sobre a sua reforma tributária. Quando é que vai baixar lá no Congresso? Quando a gente vai ao Congresso para perguntar o que é que tem lá, não tem nada. Tem um substitutivo todo remendado do deputado Mussa Demes [substitutivo Mussa Demes] e não tem mais nada. Fora de lá, consistente, tem a Proposta Fipe, uma proposta que parece que foi até contemplada na sua minuta. Bom, eu estive aqui no ano passado, com o senhor mesmo, e a discussão era sobre a sua proposta de reforma tributária. Aí hoje, eu voltei aqui, busquei lá no site do próprio Ministério, e está lá a mesma proposta até com as coisas que já foram vencidas. Eu sei, o senhor vai dizer que tem um item aqui, que diz que as coisas podem mudar, não sei o quê... Enfim, quando é que esse negócio vai chegar lá?

Pedro Parente: Bom, eu acho boa a pergunta, até porque me dá a oportunidade de fazer um esclarecimento com a observação inicial. Essa proposta não é minha. Ela parte de um conjunto de ideias, é uma proposta do Ministério da Fazenda...

José Paulo Kupfer: Está escrito Pedro Parente aqui em cima! Olha! [mostra a todos a folha com a proposta] Vai ver que o senhor assumiu o negócio. [risos]

Pedro Parente: Não, não, não. A apresentação feita pelo secretário executivo do Ministério da Fazenda, Pedro Parente, na Câmara dos Deputados...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Isso, na comissão especial.

Pedro Parente: Se continuar lendo, você vai perceber que tem um parágrafo que diz aí: “é uma proposta técnica do Ministério da Fazenda baseada em...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Discussões internas. Já sabe de cor.

Pedro Parente: Discussões internas baseadas em ideias preparadas pelo secretário [da Receita Federal] Everardo Maciel. Exatamente?

José Paulo Kupfer: Primeiro parágrafo.

[risos]

Pedro Parente: Para continuar, acho fundamental a pergunta. E eu quero aproveitar para esclarecer que para nós, essa proposta de reforma tributária – e está colocada no Programa de Estabilidade Fiscal – é fundamental exatamente pelos problemas que mencionamos anteriormente...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Quando é que ela vai chegar lá, secretário? Quando é que ela vai entrar em discussão pelo menos?

Pedro Parente: Deixa eu concluir a resposta.

José Paulo Kupfer: Eu estou ficando nervoso, porque o tempo está terminando.

[risos]

Pedro Parente: Então, vamos começar pelo fim, para você ficar mais tranquilo.

José Paulo Kupfer: Isso.

Pedro Parente: Ela deve estar encaminhada ao Congresso Nacional ainda no mês de novembro. O que nós estamos fazendo agora...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Formalmente, pra valer.

Pedro Parente: Formalmente. O que nós estamos fazendo é permitir exatamente um espaço para discussão com os estados, com alguns secretários de Fazenda, para permitir que a gente possa, adaptando as ideias que estão aí colocadas, evitar as restrições iniciais que apontavam problemas ligados ao federalismo em decorrência de uma concentração da arrecadação no âmbito do governo federal. Portanto o que nós fizemos e estamos fazendo é essa discussão, e pretendemos apresentar uma proposta que vai preservar integralmente os pontos básicos, aqueles que nós consideramos fundamentais e vai procurar também reduzir, ou mesmo, eliminar as resistências iniciais dos estados em relação a essa proposta.

Vera Souto: Secretário, sobre o acordo Brasil e FMI, tem gente no governo que diz que seriam necessários cinquenta bilhões de dólares para financiar o déficit em conta-corrente no ano que vem, que seria o período estimado para resgatar a confiança dos investidores. Quais são as possibilidades dos recursos liberados pelo fundo serem superiores aos trinta bilhões que é o que tem sido comentado?

Pedro Parente: Eu acho que o ponto de partida da questão, se me permite, é errado. Porque sendo um programa preventivo, é um programa que está sendo desenhado para um país que não tem uma insuficiência corrente de reservas, o cálculo do valor desse programa não pode partir exatamente de se dizer: “Olha, falta tanto hoje, temos que pagar tanto no futuro”. Não é esse o caso. Nós estamos aí exatamente preparando um programa preventivo, um programa que tem que lidar com a questão de credibilidade, confiança de mercado e, portanto, o cálculo, como eu disse, não é esse.

Vera Souto: Pode ser superior ou não?

Pedro Parente: Não. Essa discussão já está em andamento. Exatamente, por ser uma coisa nova, ela está sendo construída a cada etapa. Portanto não há o que dizer de valor. Mas eu queria deixar registrado que não é dessa forma que é calculado. Não existe uma equaçãozinha simples como aquelas que ocorreram nos países asiáticos, por exemplo, que estavam completamente exauridos em suas reservas e que permitiu então que eles fizessem esses cálculos.

Paulo Markun: Secretário, o nosso tempo acabou. Antes de encerrar aqui o programa, informo que todas as perguntas, e foram muitas, serão encaminhadas ao senhor, para a eventualidade de o senhor ter interesse de responder diretamente para as pessoas que fizeram as questões. E gostaria de dizer que eu, sinceramente, espero que a tranquilidade e a certeza que o senhor tem no caminho adotado pelo Brasil sejam, efetivamente, comprovadas na prática. Não porque acho que esse seja mais correto, ou menos correto, mas porque eu acho que o Brasil precisa acertar. E as dúvidas são inúmeras, não só aqui da gente, da bancada, mas dos telespectadores; há questionamentos importantes em relação a esse programa. Mas eu honestamente espero, para o bem do Brasil, que essa sua tranquilidade se comprove na vida real, porque se isso não acontecer, a situação vai se complicar muito evidentemente. Obrigado pela presença do senhor aqui, dos nossos participantes debatedores, e de você que está aí em casa.

 

 

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