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Memória Roda Viva

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Candido Mendes

8/2/1999

O cientista político e escritor Candido Mendes explica por que o então presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu segundo mandato, poderia ser comparado ao Príncipe, de Maquiavel

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Paulo Markun: Boa noite. Ele acha que o presidente Fernando Henrique Cardoso sonha com O Príncipe, [O Príncipe livro] de Maquiavel, mas oscila entre o deleite do intelectual no poder e a fisiologia do “é dando que se recebe”, que comanda aí o jogo político muitas vezes. No centro do Roda Viva esta noite o cientista político, sociólogo, advogado, escritor, acadêmico, professor e reitor Candido Mendes de Almeida. O carioca Candido Mendes, setenta anos, é membro da Academia Brasileira de Letras, do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco e é reitor da Universidade Candido Mendes no Rio de Janeiro. Considerado um dos mais importantes intelectuais brasileiros, publicou obras sobre desenvolvimento, crise, justiça, tecnocracia e América Latina. Entre essas obras, uma trilogia que vasculha os últimos trinta anos da vida política brasileira. Acaba agora de lançar este livro aqui, A presidência afortunada, um livro sobre o Brasil de hoje, sobre os dilemas de Fernando Henrique, a partir de sua reeleição. O desafio de corrigir nos próximos quatro anos os erros cometidos no primeiro mandato. Para entrevistar o professor Candido Mendes, nós convidamos: o jornalista José Nêumanne, editorialista do Jornal da Tarde; o jornalista Reinaldo Azevedo, editor-chefe das revistas República e Bravo; a socióloga Aspásia Camargo, da Fundação Getúlio Vargas; a jornalista Mônica Teixeira, da TV Cultura aqui de São Paulo e colunista do jornal Gazeta Mercantil; o jornalista Luiz Weis, articulista do jornal O Estado de S. Paulo; o cientista político Gildo Marçal Brandão, professor da Universidade de São Paulo e o cientista político Carlos Novaes. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todo o Brasil, para todos os estados brasileiros e também para Brasília, e infelizmente hoje você não vai poder fazer perguntas porque este programa não está sendo exibido ao vivo. Boa noite, professor.

Candido Mendes: Boa noite.

Paulo Markun: Este título do livro do senhor, A presidência afortunada, o senhor o manteria hoje, é afortunada a presidência de Fernando Henrique Cardoso [FHC]?

Candido Mendes: Eu acho que manteria, porque mais do que nunca é o teste que está aí. Eu acho que a fortuna também persevera quando se consegue responder. Eu acho que já houve muita sorte até agora, para que agora venha a capacidade e a resposta ao muito que foi dado, à expectativa nacional, para que neste segundo mandato a social-democracia possa funcionar.

José Nêumanne: Teria o presidente abusado da sorte, professor? Na sua opinião ele teve essa sorte e abusou dela, por isso a perdeu?

Candido Mendes: Não, eu acho que cabe ao "príncipe" essa capacidade de fazer do fato, fazer da circunstância um ato que passe a ser da sua própria racionalidade. Ele sabe domar o fato. Ele sabe, sobretudo, seduzir.

Luiz Weis: Professor, a sedução exercida pelo presidente Fernando Henrique é sobejamente conhecida. Agora, depois do colapso do real [Plano Real], muito do que se vinha dizendo dele, no primeiro mandato, de uma dificuldade de tomar decisões, de uma espécie de pouco apetite pelo exercício efetivo do cargo e não apenas pela sedução, pela capacidade de gerar compromissos, estaria hoje deixando o Brasil quase que acéfalo. Então, o sociólogo francês Alain Touraine [ver entrevista com Touraine no Roda Viva] disse que o presidente Fernando Henrique está em declínio. Os jornais importantes publicam editoriais dizendo que ele tem que tomar decisões, e o mercado vê um presidente aquém da demanda do momento, o que é, portanto, aquém da condição de príncipe.

Candido Mendes: Neste momento eu diria o contrário. Eu acho que o presidente, a decisão de desvalorizar é uma decisão fundamentalmente dele, eu não discuto o resultado. Digo que não houve pobreza de decisão. Houve uma decisão contundente, extremamente grave e assumida.

Paulo Markun: A sensação que a gente tem não é essa. A sensação que a gente tem é que o presidente foi forçado a fazer isso, pelo menos é o que todo noticiário indica, que todas as análises justificam, e que acabou fazendo isso muito tarde.

Candido Mendes: O depoimento do antigo presidente do Banco Central é de que o presidente estava determinado a isso, já em função também de todas as conversações internacionais. E que no momento em que a coisa teve que se definir, eu acredito que não houve mais postergação...

Luiz Weis: Mas houve uma percepção da sociedade – só para terminar esse capítulo. Nessa semana crucial, inclusive da história moderna brasileira...

Candido Mendes: Crucial na história moderna brasileira.

Luiz Weis: ... o presidente sai de férias e volta, sai de férias e volta. Vai para Sergipe, vai para a fazenda. Quer dizer, há uma vacilação que reforça todo o estereótipo que se cria em torno da imagem do presidente.

Candido Mendes: Houve um protagonismo de modificação. Eu acredito que o presidente tentou ainda naquele momento realizar o cenário de uma relativa calma dentro desse tipo de vendaval que nós tivemos. O que "o príncipe" normalmente faz? O que é que os príncipes renascentistas fizeram? Na hora das principais comoções eles continuaram nos seus jogos, nas suas leituras ou ouvindo Maquiavel. Eu acredito que nesse sentido as saídas em termos de cenários foram ainda alguma coisa que se somou na idéia de tornar ainda rotineiro o momento gravíssimo que se estava atravessando.

Reinaldo Azevedo: Professor, há pelo menos quatro anos, e com mais clareza há um ano, desde Delfim Netto [economista, professor universitário e político, Antônio Delfim Netto (1928-) é conhecido como o ministro da Fazenda que regeu a economia durante o período em que o Brasil apresentou o maior e mais extenso crescimento anual do PIB, o chamado "milagre econômico", época também do forte controle de preços e salários], que simboliza aqui, no meu raciocínio, o pensamento político mais conservador, ou historicamente dado como conservador, a Maria da Conceição Tavares [economista, considerada uma referência do pensamento intelectual brasileiro, também foi deputada federal pelo PT] que vocaliza um pensamento mais progressista, tanto quanto estridente, se falava da bobagem – eu acho que a palavra é essa – de se manter a política cambial da forma como ela vinha. Não se via, exceção feita ao presidente do Banco Central, ou ao então presidente do Banco Central, Gustavo Franco – e me parece que as divergências internas do próprio governo comprovam isso – ele era uma espécie de defensor isolado da política cambial na forma como ela vinha. Ou seja, todo o desastre que se previa, no que diz respeito a essa questão técnica em particular, está acontecendo, está se dando. A minha pergunta é menos se errou ou não – me parece que a essa altura está bastante claro que errou. Em que momento "o príncipe" no poder chega a uma espécie de ponto de inflexão em que ele cega e não consegue mais ver a realidade, portanto, ele é um plebeu, como qualquer um de nós, sabendo quase nada, como qualquer um de nós.

Candido Mendes: Não sei se é um plebeu. Eu sei que o novo mandato foi visto no templo interior do príncipe como a hora de ajustar as questões, resolvê-las. Acho até que aí houve um outro erro. Muita coisa poderia ter sido feita já no pós-eleitoral do 4 de outubro. Hoje mesmo a posição do Don Bush [George Herbert Walker Bush (1924-), foi presidente dos Estados Unidos de 1989 a 1993] que me parece das mais importantes e que está aí vista como...

Reinaldo Azevedo: Que foi satanizada pelo governo o tempo inteiro.

Candido Mendes: Claro. E ele mesmo diz e se coloca a questão: se tivéssemos feito isso logo depois do 4 de outubro, nós teríamos ficado em volta dos 20%, que é o que internacionalmente se imaginava fosse a sobrevalorização do real. Esse atraso é que nos parece veio já dessa obstinação do "príncipe". Obstinação que vem de uma inércia, a idéia de ainda, efetivamente, dar certo o que era a obstinação do seu modelo.

Reinaldo Azevedo: O poder tem algo de shakespeariano homicida nesse caso?

Candido Mendes: No caso dele tem [algo] de uma solidão narcísica, eu diria assim. Eu acho que no caso dele tem [algo] de uma visão, e aí é que vem o afortunado. Eu acredito que os deuses tomaram por demais conta do que foi a sua trajetória até agora e lhe permitiram querer forçar a tentação da fortuna.

Paulo Markun: Há a má fortuna também, não é?

Candido Mendes: Há a má fortuna.

Aspásia Camargo: Candido, será que há lugar neste fim de século para os afortunados e os príncipes? Porque me dá a impressão que não. O poder político está perdendo legitimidade no mundo inteiro, os estados estão se desfazendo, e até os grandes presidentes, com grandes mandatos, como [Bill] Clinton [governou os Estados Unidos por dois mandatos: de 1993 a 2001], estão aí muito mal. Na Inglaterra tivemos o exemplo recente de como é difícil ser grande e ser príncipe neste final de século. A fortuna é realmente uma coisa...

Candido Mendes: Eu acho que o Fernando Henrique é o último grande príncipe, no sentido do que nós pensávamos pudesse ser o resultado daquilo que os franceses estão nos dando muito. Eu acho que príncipe é François Mitterrand [(1916-1996) foi o primeiro presidente socialista da França, que governou por 14 anos, sendo uma das principais figuras da integração européia. Seu governo foi marcado por medidas estatizantes, reformas sociais, combate à inflação e pela integração com a Comunidade Econômica Européia] na sua perfeição e na sua capacidade de... Inclusive o [André] Malraux [(1901-1976), escritor e pensador francês, era amigo de De Gaulle e ativo da resistência francesa durante a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial] dizia isso muito bem. O Malraux não gostava tanto de Maquiavel quanto efetivamente nosso príncipe Mitterrand o fazia. Mas acho que os franceses nessa tradição do principado, [Charles] De Gaulle [(1890-1970), célebre general do exército francês na Segunda Guerra Mundial. Derrotado pela Alemanha, refugiou-se em Londres, onde lançou o movimento de resistência França Livre. Foi presidente da França de 1959 a 1969] aí está, aí está Mitterrand, os espanhóis aí estavam no que poderia ter sido realmente a tradição na seqüência [Adolfo] Suárez [González, governou a Espanha de 1976 a 1981, sendo o primeiro presidente democrático após a ditadura do general Franco], do que poderia ser representado, também, eu diria no mundo ibérico pelo que representou o nosso presidente Mário Soares [um dos mais famosos resistentes ao Estado Novo, pelo que foi preso 12 vezes, foi deportado sem julgamento para a ilha de São Tomé, em 1968, até se exilar em França, em 1970. Governou Portugal de 1986 a 1996]. Realmente essa tradição acabou, que podia começar, que era o nosso Tony Blair [(1953-), foi líder do Partido Trabalhista Inglês de 1994 a 2007 e primeiro-ministro britânico de 1997 a 2007] e vamos voltar a sua colocação ainda de hoje, sobre Touraine, como nos falaram aqui. O Touraine começa a desmascarar já o Tony Blair. O Tony Blair é uma meiga "pantera cor de rosa." [risos] O Tony Blair, na verdade, e é preciso que se reconheça o suave blefe, o Tony Blair, como diz o próprio Touraine, é ainda uma mistificação de centro-direita.

José Nêumanne: Se o Tony Blair é uma "pantera cor de rosa", o que seria então o [Lionel] Jospin [primeiro-ministro da França entre 1997 e 2002, pelo Partido Socialista, durante o mandato de Jacques Chirac], professor?

Candido Mendes: Não, eu tenho a impressão que o Jospin tem a força de um "tenente do diabo". Quero explicar dentro da sua cor: eu acho que ele é um homem determinado, é um homem que vem da absoluta falta de brilho e da absoluta obstinação.

José Nêumanne: Seria um anti-Fernando Henrique?

Candido Mendes: No sentido de ser um anti-glamour, no sentido de ser a anti-conversa, e no sentido de não acreditar na fortuna. Ele é um homem que tem até às vezes a volúpia da impopularidade.

Gildo Marçal Brandão: Professor Candido, em seu livro, o senhor faz uma distinção entre o réquiem [na liturgia católica, trata-se da prece que a Igreja faz em favor dos mortos] e a pavana [tipo de dança renascentista, processional, de origem italiana, em andamento lento e compasso quaternário], e diz que a pavana é um cântico para os quase defuntos que podem, que tem a possibilidade de ressurgirem das cinzas. Pareceu-me que o senhor estava se referindo ao príncipe, nesse caso. Quer dizer, o livro tem algo de pavana em relação ao presidente Fernando Henrique.

Candido Mendes: Ao príncipe e à social-democracia, que é a minha namorada.

Gildo Marçal Brandão: Essa é a questão que eu gostaria de colocar: a minha impressão é que no livro tem dois discursos, um analítico e um normativo. O analítico qual é?

Candido Mendes: Eu lhe agradeço essa distinção porque me enriquece no meu entendimento.

Gildo Marçal Brandão: No analítico, me parece, que o senhor mostra como o presidente é um ator consciente do que está fazendo.

Candido Mendes: Excessivamente consciente.

Gildo Marçal Brandão: Excessivamente consciente...

José Nêumanne: Aliás, confesso, não é, Gildo?

Candido Mendes: Terrivelmente solitário, depois do [...] absolutamente só.

Gildo Marçal Brandão: E o senhor aceita a idéia de que o presidente, por exemplo, não é um neoliberal, diz que não é e não é. Mas, ao mesmo tempo, o senhor mostra como a lógica do governo foi levando o PSDB a se descaracterizar, a comprar o programa do seu aliado liberal, etc, etc.

Candido Mendes: E o seu "beijo da morte".

Gildo Marçal Brandão: E o seu "beijo da morte". Ora, nesse sentido, me parece que a análise é muito pessimista. No entanto o senhor mantém a esperança do ressurgimento das cinzas do PSDB, do próprio presidente, de retomar as promessas neste segundo mandato. O senhor concordaria com essa posição e manteria esse otimismo?

Candido Mendes: Acho perfeita e só vou complementar a sua colocação. O que eu acho é que há uma tragédia. O Fernando Henrique é um homem cuja consciência o leva a uma terrível tragédia no exercício do poder. Ele é excessivamente consciente – vou fazer um paradoxo – para ele poder fazer o que quer. Acredito que a tentação da vigência, vigência que foi a de se associar ao PFL – e aí vem o grande testamento do Serjão [(1940-1998) Sérgio Motta, ministro das Comunicações do governo FHC. Foi um dos fundadores do PSDB. Ver entrevistas com Motta (1995) no Roda Viva (1996)] – não era necessário esse "beijo da morte" com o PFL para realizar o sucesso do real e ganhar uma...

Luiz Weis: Como é que o senhor sabe disso? Se a história é contrafactual, como é que o senhor pode saber se era ou não...?

Candido Mendes: Eu estou trazendo o testemunho do Serjão.

Luiz Weis: Sim, mas como é que o Serjão, ou quem quer que seja, pode fazer a história na base do "como se"?

Candido Mendes: O testemunho também é história. Evidentemente nós não pudemos fazer a análise...

Luiz Weis: Eu não estou querendo defender a aliança do PSDB com o PFL. Eu quero entender como é possível dizer a posteriori: “mas não era necessário”. Eu não sei!

Cândido Mendes: Aí é a visão de um companheiro de jornada que o que ele está situando é a questão de como se poderia, já no primeiro mandato, realizar aquilo que o Touraine sugere. O Brasil poderia ter ido para um centro-esquerda e não para um centro-direita.

[sobreposição de vozes]

Luiz Weis: Numa social-democracia onde o governo não tem uma base fluida, onde ele tem que compor interesses – é a história parlamentar desse primeiro mandato, pelo visto – como é que, sem recorrer a saídas autoritárias, seria possível realizar aquilo que o Serjão menciona, se muito menos do que isso não foi possível por obstruções de parlamentares?

Candido Mendes: Numa tríplice colocação. Primeiro, a obstrução parlamentar, alto lá! Nós sabemos muito bem que o governo só precisou do Congresso para emendas constitucionais que, afinal de contas, ficaram muito ao lado do que foi a dinâmica fundamental do governo. E, para isso, ele teve isso, que é o sucesso, e que também é o demérito democrático: o abuso extorsivo da medida provisória. Então não foi o Congresso que atrapalhou ou não atrapalhou, efetivamente, a sua condição de vigência. Foi, sim, o seu cuidado e a sua preocupação de se inserir em um modelo de globalização apoiado em uma âncora cambial, acreditando que a partir de um certo momento, o pote de barro e o pote de ferro estourariam um ao outro, o capital especulativo sairia, e nós teríamos a bonança daquele capital efetivamente produtivo que acaba não acontecendo, mas que estava na miragem crível de Gustavo Franco [economista, foi secretário-adjunto de política econômica do Ministério da Fazenda, diretor de assuntos internacionais e presidente do Banco Central do Brasil]. O Brasil o que é que teve de diferente com os outros países nesse sentido? Essencialmente poder ter realizado, ter vencido a barreira do som do que fosse pela estabilidade cambial conseguir essa confiabilidade internacional. Agora, isso teria sido possível com toda uma política de esquerda relativa. É barato o desenvolvimento a partir de educação, de saúde, de moradia. É barato o desenvolvimento...

Luiz Weis: É barato acertar as contas públicas do Estado?

Candido Mendes: As contas públicas seriam relativamente baratas se efetivamente pudesse ter havido a possibilidade de um controle muito maior do que pudesse ser um pacto – e vamos voltar a isso já – federativo.  O que eu digo é que, num primeiro momento, seria muito possível: um, realizar essa política de desenvolvimento social. Segundo, realizar uma política de garantia de emprego que seria possível dentro daquele esquema, a partir de uma outra situação, do que a que só levou o governo a concentrar os seus recursos na proteção do capital. Um governo que, afinal de contas, nesse sentido, mobilizou os seus recursos, recursos que são do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], recursos que eram do fundo de garantia do emprego, para quê? Para efetivamente organizar no primeiro momento o Proer [Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional], depois com os próprios recursos os bancários, mantê-lo. Mas ao lado disso, já que boa parte dos recursos do BNDES vem do próprio fundo de garantia [FGTS] dos empregados, financiaram até hoje a Telemar e as outras organizações que estão aí surgindo ou saindo do quadro das privatizações.

Paulo Markun: A impressão que dá, professor, é que, na verdade, o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique começou antes dele tomar posse, quando o Brasil ganhou o real [Plano Real]. Aí começou o primeiro mandato, na minha ignorância.

José Nêumanne: Como dizia o [Melvyn] Levitsky [embaixador dos Estados Unidos à época do governo de Fernando Henrique], o Fernando Henrique foi o único presidente que fez o seu antecessor. [risos]

Paulo Markun: E o segundo mandato começa na cena absolutamente insólita, pelo pouco que eu conheço aí de história, que é o presidente da República reunido diante da televisão, junto com o presidente da Câmara e o presidente do Senado para dizer que estava tudo bem, e que a partir de agora vivíamos uma nova era. Foi uma espécie de enterro do real; a sensação que a sociedade tem é essa.

Candido Mendes: A posse entre o vazio e a omissão. A posse no sentido do vazio porque realmente não houve nenhuma determinação nova de mensagem. Ele só pôde foi repetir. Vamos dizer isto: o Fernando Henrique, em sendo um "príncipe", não tem nenhuma frase chave, a não ser o feito kennediano [alusão à política do presidente norte-americano John Kennedy, que lançou entre 1961 e 1970 o programa “Aliança para o progresso”, em toda a América Latina, que, por meio de colaboração financeira e técnica visava conter a pobreza e a desigualdade e o avanço do socialismo] do seu primeiro discurso: “O Brasil tem que ser um país menos injusto”. Só existe essa frase. Em todo o correr desse período só existe essa frase. Eu queria só completar isso: a omissão está em que não há nenhuma renovação, há apenas os testemunhos fúnebres. Eu vou fazer o que garanti a Luís Eduardo [Magalhães, político baiano, morto em 1998, vítima de ataque cardíaco, era filho do também falecido político baiano Antônio Carlos Magalhães (ACM). Luís Eduardo e Sérgio Motta eram os principais articuladores político do governo Fernando Henrique] e o que eu garanti ao Sérgio Motta, e há omissão. A omissão é o seguinte: neste momento já, volto a sua colocação sobre o discurso de posse e confirmando essa idéia, neste momento já, onde a crise do desemprego está aí, se fala de raspão no problema do desemprego e, mais do que isso: vai se dar o Ministério do Trabalho a alguém que foi para casa para ouvir. “Você verá na televisão qual é o ministério que lhe cabe”. Como se fosse a raspadinha [jogo de azar que consiste em uma cartela coberta, em parte, por um material que deve ser raspado para saber se há um prêmio ou não]. Aí está o ministro. Quando se pensa em Ministério do Trabalho deveria ser entregue a alguém que estivesse no coração mesmo dessa equipe de base diante da gravidade do problema e da sua importância.

Aspásia Camargo: Mas deixando "o príncipe" de lado... [O Príncipe livro]

Candido Mendes: Mas "o príncipe" é muito... É preciso, sim, porque "o príncipe" é a chave dentro deste processo político. A solidão, o isolamento, a competência, e hoje a melancolia.

Aspásia Camargo: Deixando "o príncipe" um minuto de lado, pensando no Brasil, nós temos que reconhecer que esse príncipe...

Paulo Markun: Pensando nos súditos...

Aspásia Camargo:... tinha que resolver um problema que ninguém quis resolver. Isso é uma vergonha porque nós estamos... A China, em 1979, tomou uma decisão estratégica de abrir os seus caminhos, fazer a sua abertura, e criou um método que eu não sei se será bom ou ruim a longo prazo, mas que até agora funcionou. É muito original e eu acho que você persegue muito essa idéia de um modelo original. O Brasil empurrou com a barriga durante o tempo todo. Então, na verdade nós chegamos ao limite de ser o último lá da fila que precisava dar uma resposta, de alguma maneira responder às mudanças que estavam ocorrendo no plano internacional e também encontrar um meio de acumular capital que nós tínhamos perdido. O modelo desenvolvimentista não conseguia mais realizar esse processo. É o seguinte, Candido: é possível construir essas reformas sociais antes, ou junto mesmo, de um ajuste econômico que exige coalizões conservadoras? Porque o ajuste econômico infelizmente é um ajuste liberal. Porque ele, de certa maneira, quebrou alguns compromissos, alguns feudos de interesses corporativos que eram pesadíssimos e que na verdade ainda estão aí. Então, eu não quero defender "o príncipe", eu quero deixar "o príncipe" um pouquinho de lado e perguntar...

Luiz Weis: Você quer falar do principado. [risos]

Aspásia Camargo: ... será que seria possível – é, eu quero falar do principado – a gente, no primeiro mandato, pensar isso. Eu acho que, no segundo, quem sabe, mesmo com a crise, a gente possa pensar. Mas eu acho que no primeiro, pelo que eu vi de perto, era impossível. Porque a coalizão que permite você liberalizar o sistema não é a coalizão que permite fazer a reforma social.

Candido Mendes: Eu acho que a gente tem que voltar e ver se estamos naquela mesma questão. O futurível como é que pode ser provado a partir do contrafactual. Esse que é o problema que surge aí. Eu lhe diria só o seguinte: acho que nós todos concordaremos que houve dois anos de inércia grandiosa dentro dessa expectativa. Com o que se poderia ter acumulado através dos ingredientes que já foram formados antes – o próprio fundo de garantia [FGTS], o próprio FAT, a organização a que chegou o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] – podia ter permitido, independentemente de qualquer coalizão, de centro ou de direita, que nós tivéssemos feito uma impressionante alteração do ponto de vista da mudança social no plano da saúde, da habitação, no plano da moradia. Isso em um plano. Eu acho mais o seguinte. O governo teria, trabalhando com essa mão fisiológica e com um pouquinho de determinação social democrática, o governo poderia ter permitido se libertar dessa prisão sob palavra do PFL.

[sobreposição de vozes]

Gildo Marçal Brandão: A conseqüência dessa sua análise é que tudo passa a depender do presidente, quer dizer, se o presidente assume com coragem uma determinada política, essa política poderá ser feita. Se não...

Candido Mendes: Eu acho que, para se entender bem o que está sendo o Brasil, o que pode ser a tragédia, e aí eu volto ao normativo. Mas o que pode ser também a sua solução é a de que o governo conseguiu se concentrar excessivamente, demasiadamente na cabeça de um homem cujo desígnio, inclusive, não é totalmente desenvolvido. Há uma distância com o ministério. Todo o primeiro quadriênio se fez com ministérios batidos, no fundo. E o presidente agora, nesse famoso discurso, com réquiem, não sei, não há menção a nenhum ministro. E em um momento se usa o “nós”, mas é o eu majestoso que funciona.

Gildo Marçal Brandão: Mas o ministério do segundo mandato reproduz o jogo de forças do primeiro, isso que é grave.

Candido Mendes: Reproduz o jogo de forças do primeiro na mesma medida em que o presidente considera que tudo isso são peças de um jogo de xadrez cujo desfecho só ele sabe.

Aspásia Camargo: Mas isso também não é um pouco assim nos EUA?

Candido Mendes: Vamos deixar os EUA um pouquinho de fora. O que eu quero dizer é que esse coeficiente é que geralmente não é entendido. Nós estamos diante de uma pauta política onde o excesso de voluntarismo, combinado com um excesso de planejamento totalmente pessoal, do príncipe, tem que ser entendido dentro desse jogo político.

Mônica Teixeira: Mas o Maquiavel, professor, falava também na astúcia do príncipe. O Fernando Henrique não tem essa...

Candido Mendes: Aí que entra a grande questão: a astúcia – e para pegar o Touraine – a astúcia no momento da fortuna. E como é a astúcia no momento do infortúnio? Esse que é o problema que nós temos que começar a ver. No momento há uma solidão, no momento há a absoluta falta do momento adiante.

José Nêumanne: Essa solidão vem da tragédia da morte do “Maquiavel Motta”, da substituição pelo “Maquiavel Magalhães”, que vive rezando, cantando a pavana para o filho defunto do qual ele é herdeiro?

Candido Mendes: [risos] Isso realmente do ponto de vista da genética simbólica é absolutamente novo, e eu lhe agradeço a contribuição.

Reinaldo Azevedo: Professor, parece que o Fernando Henrique, num dado momento – seu raciocínio às vezes me leva a isso ou o que eu entendi dele –, controlada a inflação, ele chegou a um ponto tal que, ou ele optava por um caminho redistributivo, ou ele optava pelas reformas. Ocorre que as reformas, o tempo inteiro, foram vendidas para a opinião pública e foram entendidas por muitos, talvez até este bobo aqui [apontando para si mesmo], como uma forma redistributiva, mas uma forma redistributiva que trazia no seu bojo a reestruturação do Estado também. Então se disse assim: a melhor forma de a gente redistribuir é refazer este Estado que está aí, com seus interesses corporativos e tudo mais.  Quer dizer, das duas uma: ou a gente acredita que esse era realmente o caminho e, portanto, o Fernando Henrique fez a coisa certa, ou então, desde o começo, já estava se vivendo um monumental engano, com o beneplácito do PSDB e dos partidos aí que apóiam o presidente, não só da sua ala conservadora, do PFL, mas também da ala progressista. O tempo inteiro as reformas foram vendidas como sendo o caminho redistributivo. O Fernando Henrique, ao contrário, desqualificava com uma energia bastante clara qualquer forma de redistributivismo direto, digamos assim, para sintetizar a idéia. De um investimento direto neste ou naquele setor. Então, se falava muito: é preciso que se refaça o Estado.  Com o que, em linhas gerais, eu estou de acordo. Então, desde aí já se vivia uma espécie de ilusão?

Candido Mendes: Aí é que entra um fato objetivo que desarmou essas expectativas. Jogar a regra do jogo da globalização em 1995, 1996, era se condenar a uma desestruturação, a um esvaziamento.

Luiz Weis: A alternativa seria a autarquia?

Candido Mendes: Não, a alternativa seria se manter a presença do Estado como variável estratégica da mudança, seria levar a privatização até um determinado ponto, seria manter uma condição de controle efetivo do investimento público para poder realizá-lo em  diversas áreas do desenvolvimento social. Volto, por exemplo, ao exemplo espanhol que me parece muito importante, ainda dentro do fim do governo Suárez, quer dizer... Eu estou falando do Suárez para pode chegar ao González, porque quem preparou a possibilidade efetivamente de se realizar esse processo de relativo controle dessa economia, que depois, por González, conseguiu se transformar em uma política de redistribuição e de manutenção do investimento foi, efetivamente, Adolfo Suárez.

Reinaldo Azevedo: Então a opção do Fernando Henrique foi ditada pela agenda externa?

Candido Mendes: Eu acredito que, sem dúvida nenhuma, houve um momento do bom comportamento. O sucesso do modelo nos dois primeiros anos foi de tal ordem, o dinheiro entrou de tal maneira, o sucesso estava tão ao alcance do que se estava realizando, que praticamente o resto foi zerado. O Estado brasileiro se esvaziou. Esvaziou-se a tal ponto que agora, na hora do infortúnio, quais são os instrumentos até de controle que este governo ainda pode ressuscitar para segurar a retomada da inflação? Não há "nem o laço nem o helicóptero para pegar o boi no pasto".

Gildo Marçal Brandão: Então, quais seriam os passos que precisariam ser dados para retomar isso que seria a promessa da social-democracia?

Candido Mendes: Voltamos a esse aspecto normativo que o livro também situa necessariamente. Mas para isso eu tenho que acabar de colocar aqui. O que eu acho é que houve uma euforia demasiada pelas notas de bom comportamento com que nós nos transformamos em discípulos tão atentos, tão exitosos do que foi a primeira experiência de globalização no Brasil. Eu acho que a inércia se deu na seqüência dessa situação, e aí resultou o fato de que nós ainda tentamos, na hora do primeiro aviso, na hora do aviso de Hong Kong, o que nós tivemos foi a resposta mais clássica possível daquele bom comportamento. Qual é? O de efetivamente aumentar os juros e entrar nesta situação tão dramática em que agora, quando nós estamos entrando – e vamos voltar a isso – ingressando nisto que vai ser ainda a tentativa dramática de sobrevivência pelo cumprimento dos acordos do ministro [Pedro] Malan [ministro da Fazenda durante os dois mandatos de Fernando Henrique] negociados a partir de outubro e novembro do ano passado. Nós estamos entrando em um esquema em que o Brasil só vai poder realmente sobreviver na medida em que restabelecer praticamente a cláusula ouro.
 
Reinaldo Azevedo:
O senhor acha que, simbolicamente, o ministro Malan é um ministro acabado?

Candido Mendes: Não acho não. O que é acabado é a fórmula brasileira que neste momento precisa ter um teor de conseqüência e até de memória para negociar o que sobra dentro desse quadro. E o que sobra é dramático. Por quê? Porque o Brasil vai fazer o seguinte: se as nossas reservas chegarem àqueles vinte bilhões, nós vamos passar a ser administrados pelas mesinhas e pelas fórmulas do Fundo Monetário Internacional. Isso responde ao que o ministro Malan já pressentira, o que é: nós estamos em um sistema em que nós vamos deixar o câmbio flutuante e nós vamos aumentar a taxa de juros. Noves fora, o que é que sai? O que desaparece? Como é que podemos pensar ainda em desenvolvimento?

Paulo Markun: Professor, nós vamos fazer um rápido intervalo, o Roda Viva, com o professor Candido Mendes, volta daqui a instantes.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o cientista político e reitor da universidade Candido Mendes, professor Candido Mendes, que acaba de lançar A presidência afortunada: depois do real, antes da social-democracia. Professor, se eu não estou enganado, nos principados modernos aí, embora sobreviva toda a lição de Maquiavel, os súditos também têm vez de dar palpite no jogo. De alguma forma, a população é composta por atores políticos mais ou menos conscientes do que está se passando no reino. O livro do senhor fala do PSDB, fala do PFL, fala muito do presidente, fala da oposição. O senhor acha que a população como um todo tem alguma coisa a fazer nesse novo cenário do país?

Candido Mendes: Não, eu acho que eu acompanho aqui a posição do Fernando Henrique no primeiro momento. Quando nós temos a cesta básica, quando nós temos a possibilidade de chegar com o salário até o fim do mês, quando nós estamos entrando em uma possibilidade de outra garantia econômica, o laço político se distende. Realmente a cidadania se reduz, não há a grande movimentação normal dessa cidadania.

Paulo Markun: E qualquer iogurte resolve a história?

Candido Mendes: Não. Mas vai mais longe ainda. Eu acho que neste quadro, onde inclusive nós entramos na globalização, por ela no acerto da tecnologia, por ela na melhoria da produtividade. Mas vamos nos entender. Só daquele capital produtivo 50% – vamos pôr os dados da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] – porque realmente se comportaram como trazendo nova tecnologia, como trazendo essa nova produtividade que, por sua vez, é um castigo ao proletariado porque o tira do mercado de trabalho...

Luiz Weis: Essa é uma tendência universal.

Candido Mendes: É uma tendência universal, não estou dizendo aqui o contrário. O que eu estou dizendo é que o Brasil entrou nessa tendência universal passando a sofrer da eliminação do poder de pressão do proletário. Há quantos anos não há greve séria no Brasil? Qual é o número de greves no governo Fernando Henrique, frente aos anteriores?

José Nêumanne: Isso é um fenômeno mundial também, professor? A decadência do sindicalismo...

Candido Mendes: Estou chegando lá. É o que o Luiz está dizendo: o Brasil entrou tardiamente nesse mesmo fenômeno. O que eu quero dizer é que está se falando em movimentação, mobilidade social. Ela tem base sindical e tem base comunitária. A comunitária se desarruma na medida em que o poder de compra é percebido como crescente. A comunitária sim. A organizacional se desmonta na medida em que o trabalho perde o seu poder de pressão, até nós chegarmos às colocações de hoje de um [Jorge] Luís Martins [sindicalista ligado à CUT – Central Única dos Trabalhadores], na sucessão das grandes atividades sindicais do ABC. Não se aumenta mais o valor do pagamento de salários desde que a garantia do emprego esteja aí. O Brasil está vivendo agora o contrário da greve: 2600 operários no parque da Ford dizendo “quero trabalhar”.

Luiz Weis: O que contribui ou atrapalha mais a cidadania: a existência de uma cesta básica garantida ou a explosão da inflação?

Candido Mendes: Eu acredito que, sem dúvida nenhuma, o que está em causa na pergunta é a desmobilização social que a presidência afortunada criou. É isso que eu estou dizendo. Não há dúvida nenhuma de que os movimentos sociais que são o resultado da carência, da pobreza, dessa mesma inflação, caíram relativamente no Brasil de agora.

[sobreposição de vozes]

Reinaldo Azevedo: Caíram porque liquidez da esperança, que é uma expressão que o senhor usa no livro, aumentou.

Candido Mendes: Perfeito, porque ela aumentou. Ela aumentou na fase afortunada...

Paulo Markun: Ou seja, o senhor não imagina que o segundo mandato pode ter aí, de alguma forma, o ressurgimento desse fator?

Candido Mendes: Eu acho que a situação é muito grave, porque nós não temos, em termos de sociologia e de psicologia social, uma resposta à reversão desse capital simbólico de credibilidade. É terrível! O real [Plano Real] criou a confiabilidade do presidente. A menor falha nessa garantia vai criar o quê?

Gildo Marçal Brandão: No entanto o senhor mantém uma simpatia ostensiva, me pareceu, pelo PT, a expectativa de uma coligação de centro-esquerda entre PSDB, PT, PDT, e a esperança de um renascimento da social-democracia. Ora, esse tipo de análise não inviabiliza esse programa do ponto de vista da sua efetividade?

Candido Mendes: O que está em causa é a perda da liderança pessoal de Fernando Henrique dentro desse tipo de opção. O que está mais do que nunca em causa é uma opção de centro-esquerda neste momento, onde de fato... Primeiro, a tradição de disciplina desse núcleo de 101 deputados da esquerda que não entrou na corrupção, não entrou no “toma lá, dá cá”, e não entrou no “dou para que recebas”, esse grupo tem condições e já mostrou nessas eleições, de vencer a sua qualificação dogmática, de vencer o gueto da pureza, para de fato entrar em algumas coalizões. O novo no Brasil de hoje vai ser muito mais a possibilidade dessa esquerda responder ao seu momento histórico, para atender ao que seja uma política de centro-esquerda no Brasil.

[sobreposição de vozes]

Luiz Weis: Tarso Genro [advogado e político brasileiro filiado ao PT. Além de prefeito de Porto Alegre, foi ministro da Educação, das Relações Institucionais e da Justiça durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2010, foi eleito governador do Rio Grande do Sul] é um exemplo para as esquerdas?

Candido Mendes: Não, eu acho que ele já exorbitou, do ponto de vista do que seja a exequibilidade, e a normalidade, e a prática desse processo. A crítica de hoje ao que ontem Tarso Genro disse para o José Dirceu [político e advogado brasileiro, com base política no estado de São Paulo, foi um dos fundadores do PT. Além de deputado federal, também foi Chefe da Casa Civil no governo Lula] é bastante definida quanto a um marcador das duas áreas que estão efetivamente em causa. O que está em causa sim, se nós formos já para esse problema que eu pensava em ir mais adiante, como é que vai de fato neste momento se situar o problema desta centro-esquerda, eu vejo o perigo que é Itamar [Franco, político do PMDB, foi vice-presidente de Fernando Collor de Mello e teve que assumir a presidência do país depois do processo de impeachment do presidente em 1992], castigo das oposições. Eu vejo o problema gravíssimo de nós perturbarmos as prioridades com a bobagem deste pacto federativo neste momento, sem se saber o que é, e fora inteiramente do alinhamento dessas prioridades. A oposição tem diante dela um cavalo selado: assumir uma iniciativa histórica. Mas estão a confundi-lo com um pangaré mineiro, mesmo teimoso. Gravíssimo para a esquerda hoje é cair em dois lobos: acreditar que o pacto federativo queira dizer alguma coisa, além do esforço brilhante de José Aparecido [de Oliveira, governou o Distrito Federal de 1985 a 1988, foi ministro da Cultura do governo de José Sarney [1985-1990] e embaixador do Brasil em Portugal] [risos], de transformar um estabano em um ato de um homem de Estado, digamos assim. E de outro lado, não se cair no "nheco, nheco, nheco", da união nacional. Quer dizer, é evidente que dentro disso há um prato envenenado para a esquerda. Mas a lucidez que eu acredito nessa longa militância de um PT que, exatamente, nessas eleições – e falo do Rio, e falo do Rio Grande, e falo do Mato Grosso do Sul – mostrou que é mais uma prática social do que a necessidade de dar um recado rigorosamente do...

Reinaldo Azevedo: O Lula apoiar o Itamar não ajuda muito, ajuda?

Candido Mendes: Não. Mas eu acho que o caminho é mais largo. Efetivamente o que está em causa aí é se evitar esse erro histórico. Porque o maquiavelismo mineiro é sempre linear. Isso é que me preocupa muitíssimo...

Aspásia Camargo: Mas não é uma fatalidade quando duas vezes São Paulo emplaca dois mandatos, aparece Minas reclamando. Isso aí já desde 1930 é assim...

Candido Mendes: Mas o que acontece é que no maquiavelismo complexo, me parece que há algo mais sério dentro disso. E eu acho que a própria esquerda... Isso me preocupa muito. 

Gildo Marçal Brandão: Mas me surpreendeu que o senhor no livro praticamente não toca, por exemplo, no governo do [Anthony] Garotinho [governou o Rio de Janeiro de 1999 a 2002 e, em sua vida política, passeou por diversos partidos: PT, PDT, PSB, PMDB e PR] no Rio de Janeiro, que tem um pouco esse perfil, PT, PDT.

Candido Mendes: Eu não poderia tocar porque esse livro acabou no dia 4 de outubro.

Gildo Marçal Brandão: Mas quando o senhor você fala apenas “neopopulismo”, “populismo”... O governo Garotinho hoje tem aparentemente – falo de fora – tem o PT no governo, o primeiro governo dirigido por não petista onde o PT o aceita e tem seis secretarias...

Candido Mendes: Muito bem observado.

Gildo Marçal Brandão: Segundo, ele está atraindo, pela primeira vez no Rio de Janeiro, os intelectuais, que estão participando. Intelectual carioca, acho que desde o Chagas Freitas [(1914-1991), apesar de diplomado em direito, trabalhou como jornalista, foi deputado federal e governador do Rio de Janeiro de 1979 a 1983], não participa dos governos estaduais. Então tem elementos novos que podem, talvez, eu não sei, provavelmente... Ele é populista, mas...

Candido Mendes: Isso só se soma com o que eu disse. O fato novo é que uma esquerda está permitindo superar o espantalho brizolista, está permitindo exatamente o que era o populismo crasso ir mais adiante. Eu diria até, inclusive, com a intuição, abertura de Leonel Brizola [(1922-2004), influente político gaúcho, lançado na vida pública por Getúlio Vargas, foi o único político eleito pelo povo para governar dois estados diferentes (Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro). Exerceu também a presidência de honra da Internacional Socialista] diante disso. Não sei se é o mesmo caso de Miguel Arraes [(1916-2005), foi deputado estadual e federal, por três vezes governou Pernambuco, e foi presidente do Partido Socialista Brasileiro] dentro do PSB, mas sem dúvida é o caso de um PT que despersonalizou-se dentro desse quadro.

Mônica Teixeira: Agora, professor, o senhor está dizendo que o que é esquerda, quer dizer, o cavalo que está passando selado...

Candido Mendes: Estou falando de um pangaré mineiro que não pode ser montado como o cavalo da história.

Paulo Markun: E nem [Domingo] Cavallo [político argentino, foi ministro da Economia durante o governo Menem (1989-1999)] com dois eles...

Mônica Teixeira: Mas o que resta ao [...]?

Carlos Novaes: Ao que parece esse risco não existe. A burocracia petista é muito ciosa de seu papel, e eu diria o seguinte: eu tenho um pouco de dificuldade de seguir o senhor, às vezes, porque o senhor, por exemplo, fala do voluntarismo do príncipe, mas ao mesmo tempo, o senhor colocou uma quantidade de expectativas imensas em torno do príncipe. Ao mesmo tempo em que o senhor reclama de um certo voluntarismo, de uma certa solidão, de um certo cone unilateral, por outro lado, o senhor depositou grandes esperanças, e deposita agora; fala de gestos que o príncipe tem que tomar, que o príncipe tem que agir, de possibilidades de construir alianças diferentes daquelas que marcaram a ascensão dele ao poder. E aí eu estou inteiramente de acordo com o que o Weis diz. Dava para dizer perfeitamente que não dava para fazer diferente. Por quê? Porque o PFL votou coisas importantíssimas no governo Itamar que se ele não tivesse votado, como a contribuição social, por exemplo, não tinha real nenhum. A idéia de dizer que o Fernando Henrique poderia ter feito um outro governo com uma outra aliança, que poderia ter feito sem o PFL, não é verdade, ele não tinha saído nem do chão sem o PFL. Então, voltando, eu acho que o senhor coloca uma série de expectativas em relação ao Fernando Henrique, ao mesmo tempo em que o senhor critica um certo voluntarismo nele. Ficamos sem saber muito bem por onde ir. Ou bem esperamos tudo dele, ou bem o colocamos dentro de uma moldura de forças e determinações. Por outro lado, o senhor coloca muitas esperanças na burocracia petista, que tem uma vocação para o poder muito grande, está demonstrado, só cresce de eleição para eleição, desde que nasceu. Agora, há alguma possibilidade real dessa burocracia...

Candido Mendes: Democracia petista, não. Eu acredito no fenômeno PT, partido...

Carlos Novaes: Mas isso é uma burocracia...

Candido Mendes: Isso é uma relação que eu não faço.

Carlos Novaes: Não, mas isso aqui não é no sentido negativo da palavra, é no sentido neutro, técnico. É uma burocracia no sentido de que ela tem uma malha institucional no Brasil inteiro, tem uma vocação de poder... O senhor acha viável que esse pessoal vá imaginar um caminho para o poder que não seja galopando sobre Fernando Henrique? Como é que pode se pensar hoje uma aliança com o Fernando Henrique seja qual for? Na verdade, o Fernando Henrique está dando demonstrações de fraqueza neste momento, quando quer conversar com esse pessoal.

Candido Mendes: Eu estou falando de uma centro-esquerda no Brasil, que terá uma condução necessária, e aí aceito a sua colocação do lado positivo, a noção da burocracia petista como um aparelho disciplinado que atravessa marchas do [...], digamos assim, e que sabe ter o momento da tristeza, o momento da chuva e o momento do sol. Agora, acredito que esse partido venceu o teste de sua mesmerização, venceu o teste de seu fixismo lulista, se assim eu pudesse dizer. Está apresentando no Rio de Janeiro – volto ao que eu acho que é o grande laboratório para isso – uma abertura muito grande. Porque até, inclusive, uma parte desses intelectuais, eu diria que não estão ainda com o Garotinho, porque ficaram na facção radical do partido, quer dizer...

Carlos Novaes: Deixe eu perguntar uma coisa sobre isso: por que o senhor apoiou o Vladimir [Palmeira, político petista, foi um dos principais líderes do movimento estudantil na década de 60. Como presidente da União Metropolitana dos Estudantes, liderou a manifestação dos 100 mil no Rio de Janeiro, tendo sido preso três vezes pela ditadura] tão enfaticamente quando da...

Candido Mendes: Eu não apoio o Vladimir, isso é uma informação errada. Ao contrário...

Carlos Novaes: Não, no momento em que o Vladimir lançou a candidatura, o senhor era contra que o PT interviesse no sentido de tirar a candidatura do Vladimir.

Candido Mendes: O que eu queria era que a situação se definisse do ponto de vista dos jogos de forças, e que efetivamente o Rio de Janeiro pudesse chegar a uma completa definição do que seriam as duas propostas. Agora, ficou muito claro que, de repente, o vírus do purismo e a desintegração, do ponto de vista do enlace, com o que seria o populismo do Rio de Janeiro, que tem evidentemente a sua banda petista na extraordinária [... – só um carioca pode entender o que é Benedita da Silva [iniciou na vida política em 1982, como vereadora, no Rio de Janeiro, pelo PT. Tornou-se a primeira mulher negra a atingir os mais altos cargos da história do Brasil: deputada federal constituinte, reeleita para um segundo mandato em 1990, senadora, em 1994, e vice-governadora do Rio de Janeiro no pleito de 1998]. Mas eu digo isso do ponto de vista do que é este PT em que eu estou acreditando e que é o PT do milênio.

José Nêumanne: Agora, cadê o PT, agora, na hora do infortúnio, professor? Onde é que está o PT na hora do infortúnio? Cadê a proposta do PT, de opção a esse infortúnio?

Candido Mendes: Eu acredito que a proposta do PT está surgindo muito pequena ainda, a partir de algumas propostas que foram resultado do PT exitoso em diversas máquinas municipais. O PT tem as suas propostas. O orçamento participativo é um exemplo bastante claro do que pode ser esse tipo de política. Mas o importante dentro da articulação do PT são duas idéias que eu acho que ele tem que enfrentar. A primeira é a possibilidade de, de fato, se credenciar uma organização, que ainda tem o risco da corporação, mas que é uma organização que sai do pressuposto da corrupção e do situacionismo. Isso para o eleitor...

Carlos Novaes: Mas, professor, se o Fernando Henrique é o centro, se nós concordarmos que o Fernando Henrique hoje tem uma posição de centro, nesta situação em que ele está, ele é o centro, o que é a centro-esquerda, incluindo o PT? Quem é que está à direita do PT na... Quem é a força política importante que o senhor divisa como possível aliado do PT num jogo de centro do PT? Quem é a força...? O Fernando Henrique está nisso? O PSDB está nisso? Qual é a possibilidade real que existe disso hoje e que exista isso no horizonte? Vamos ter eleição em 2000 já.

Candido Mendes: Graças a Deus não há pessoas providenciais. O partido identificado à pessoa – PSB com Arraes, ou PDT com o Brizola, ou mesmo o PT com Lula – foi derrubado.

Paulo Markun: O PSDB com Fernando Henrique também?

Candido Mendes: E eu acredito que o novo... Por exemplo, tem toda razão de dizer que o Garotinho é o novo. Ele é o novo no sentido de que se conseguiu, através de um esforço que é rigorosamente solidário, entre o populismo e o PT da Benedita, uma nova força social no Rio de Janeiro, que tem condição de poder apresentar propostas que, do ponto de vista nacional, podem ser o começo dessa centro-esquerda.

Carlos Novaes: Como é que se pode supor que a aliança no Rio é do Garotinho com a Benedita, com o PT da Benedita, quando se vê que quem está todo poderoso na Fazenda é o [Jorge] Bittar [foi deputado federal pelo PT, e secretário de Planejamento do governo estadual de Garotinho, de 1999 a 2000, quando o PT rompeu aliança com o governador]? O Garotinho, ao que parece, fez uma manobra muito inteligente. Ele trouxe a Benedita, que é um populismo revisitado... Eu não vou nem dizer que não seja um conceito...Vamos definir, então, o que eu estou chamando de populismo: uma relação com baixíssima ou quase nenhuma mediação institucional do líder com as massas.

Candido Mendes: Perfeitamente, obrigando ele a ser carismático... É o fenômeno Arraes, é o fenômeno Brizola.

Carlos Novaes: E a Benedita também é, em larga medida, isso, por quê? Porque, Benedita, para quem conhece o PT do Rio de Janeiro, está em oposição, em atrito interno claro, com certos setores mais duros da burocracia petista, como Jorge Bittar, que é o homem da Fazenda.

[sobreposição de vozes]

Candido Mendes: Não é verdade. Isso não é verdade. Bittar foi o eixo da luta contra o radicalismo do Vladimir. Não é verdade que o Bittar seja...

Carlos Novaes: O Vladimir foi um "cimento dessa solda".

Candido Mendes: Não, por favor. Aí eu estou falando do meu pedaço [risos]. Eu posso lhe garantir que Bittar e Benedita são um eixo bastante claro do que foi a explosão deste átomo corporativo no Rio de Janeiro.

Reinaldo Azevedo: Professor, o senhor me permite fazer uma meta-discussão? Aqui foi interessante que assim que nós começamos a discutir a esquerda, se chegou a tantas divisões, não é isso? De quem briga com quem nos bastidores, que a Benedita não se dá com o Bittar: “não, não é verdade”, “mas publicamente...”

Carlos Novaes: Não, mas podemos falar do ACM [(1927-2007), Antonio Carlos Magalhães, empresário e político com influência muito grande na Bahia, mas também em nível nacional, marcado pelo uso de métodos coronelistas na aquisição e condução do poder e pela proximidade com o poder federal desde a ditadura militar] brigando com o [Jorge] Bornhausen [foi ministro-chefe da Casa Civil no governo Collor, governador de Santa Catarina, ministro da Educação e presidente nacional do PFL], com o [Jaime] Lerner [foi prefeito de Curitiba, governador do Paraná], agora...

Reinaldo Azevedo: Quase sempre, como dizia Paulo Francis [(1930-1997), jornalista, crítico de arte e escritor carioca. Foi no jornalismo político que encontrou maior reconhecimento por parte do público. Ver entrevista com  Francis no Roda Viva]: “tem menas importância”. O que me ocorre é o seguinte. Eu penso no PT quando Itamar ganhou poder praticamente por outorga do povo, mas de qualquer modo houve a mediação dos líderes ali. Então o [Orestes] Quércia [político do PMDB paulista, foi governador de São Paulo] na época ainda líder político importante...

José Nêumanne: Torra do Senado, do povo não, do Senado. Foi uma conspiração do Fernando Henrique, do [José] Sarney...

Reinaldo Azevedo: Sim, podemos discutir se foi golpe ou não, mas de qualquer modo, houve uma manifestação popular clara pela derrubada do presidente, isso acabou acontecendo. O PT tinha todas as condições de integrar o governo então e não integrou. A [Luiza] Erundina [foi prefeita de São Paulo de 1989 a 1993] acabou indo para um ministério e foi expulsa do partido. Agora ocorre essa declaração de moratória do Itamar, independentemente da situação dos estados, até compreendo que os estados realmente não têm dinheiro para pagar, e não têm mesmo, agora a moratória... Dívida se negocia, não se paga, mas não se declara, não é isso? A não ser que se queira fazer um gesto político e foi o que o Itamar fez. E contou com o apoio do Lula, que foi lá, subiu em palanque com o Itamar e fez essa coisa toda. Mas essas divisões que começam: “ah, não, a Benedita com não sei quem, não sei quê...” O senhor acha mesmo que o PT está maduro para aceitar administrar essa crise do Estado que está aí? Por que estaria agora e não aceitou antes... a situação talvez fosse até melhor. Por que antes não aceitou e aceitaria agora?

Candido Mendes: Veja bem, nós estamos em um quadro em que pela densificação, pela criação da tensão do Brasil, nós estamos anos luz de 1º janeiro de 1999. O que existe é a possibilidade de se tomar uma diretriz de centro-esquerda no Brasil...

José Nêumanne: Por que o senhor esqueceu o Mário Covas [Mário Covas político] que foi o primeiro a falar isso?

Candido Mendes: Eu não esqueci Mário Covas. Eu tenho um artigo na Folha de S. Paulo falando da undécima hora de Mário Covas, pedindo a Mário Covas que exatamente centralize esse movimento. Mário Covas que teria perdido essa eleição para a senhora [Marta] Suplicy [foi deputada federal à época da entrevista e eleita prefeita de São Paulo posteriormente, em 2001, e senadora, em 2010] se efetivamente os dados do crescimento de um e outro tivessem definidos. São Paulo estaria hoje sendo governado pelo PT de Marta Suplicy. É preciso que se entenda a força do PT também aqui na paulicéia. E este fenômeno é fundamental porque o senhor Mário Covas sem a força do PT no seu ministério, no seu secretariado, não vai dizer a que vem. A undécima hora de Mário Covas. 

[sobreposição de vozes]

Luiz Weis: Poderíamos estar sendo governados pelo senhor Paulo Maluf.

Candido Mendes: Aí chegamos ao outro grande...

Luiz Weis: A rejeição de boa parte do eleitorado de classe média paulista ao candidato do PT, ainda que não fosse o Lula, e sim dona Marta Suplicy, que é infinitamente mais palatável, quer dizer pelo menos...

José Nêumanne: Mas o dado real é que o Mário Covas é o governador e que ele foi o primeiro a falar nessa questão de centro e de esquerda, e a convocar o Fernando Henrique para isso.

Candido Mendes: Muito bem, e o que é um centro-esquerda no Brasil hoje? Vou responder, vou dar três posições imediatas. O Brasil perde por sonegação quase um trilhão [repete com ênfase a mesma frase]. Um governo de centro-direita corrompido no situacionismo não corrige a máquina arrecadadora. O PT no poder corrige. Não existe caso na passagem histórica do PT no poder, um PT corrupto. Só a sonegação acaba e a sonegação é dar um trilhão de reais ao Brasil.

[sobreposição de vozes]

Candido Mendes: A primeira colocação é a seguinte: o Brasil, para a nossa vergonha, no que está aí, pela corrupção fiscal, perde quase um produto interno bruto [PIB] por falta de arrecadação. Não precisa de mais nenhum imposto. Esta situação que está aí arrecada esse quase trilhão? 980 bilhões? Não arrecada. O PT passou pelo poder em todo o Brasil, municípios e já dois estados, Qual é alegação de corrupção que existe no poder do PT? Nenhuma! Há uma modificação qualitativa dentro deste quadro. Eu estou falando de situações de dificuldade.

Aspásia Camargo: Para haver um governo de centro-esquerda, vamos imaginar...

Candido Mendes: Eu não estou falando do PT. Eu estou dizendo que há certas colocações de exigência de mudança que envolvem um outro padrão de conduta política. Esse novo padrão de conduta política tem um manancial: chama-se PT.

Aspásia Camargo: Ele tem que ter uma aliança... Esse projeto tem que ter uma aliança – isso que nós estamos discutindo – e há várias possibilidades. Várias. No Brasil a gente tem muitas possibilidades porque são muitas forças organizadas. Agora, eu acho que por trás disso está a idéia, a sua idéia básica, que nós devíamos discutir aqui mais, que é a questão da social-democracia. Eu não acredito que a gente possa ressuscitar aquela social-democracia que foi montada nos anos 1930, do trabalhismo inglês que já acabou há muito tempo. O grande problema nosso é saber que nova social-democracia nós podemos inventar, porque os países que construíram a social-democracia estão derrubando a sua social-democracia, procurando outros caminhos. Nós, como nós não tivemos nem essa que eles tiveram, até porque não tínhamos um sistema econômico maduro para isso, estamos hoje nesta encruzilhada. A gente não sabe se quer copiar a social-democracia que já acabou ou se vamos inventar uma nova. E aí eu tenho uma discordância de alguma coisa que você disse aqui com respeito ao pacto federativo. Eu não acredito que a nova social-democracia possa ser gestada pelo "príncipe" dentro da cloaca federal, do governo federal. E você falou no orçamento participativo, é um exemplo muito claro de como essas coisas novas, ágeis, que envolvem a cidadania, partem de baixo. Então, eu penso o seguinte: há duas coisas nessa nova social-democracia. Primeiro: descentralizar. Em um país em que o presidente da República é obrigado a resolver todos os problemas que ocorrem em todos os lugares, não funciona. Para mim, pacto federativo é isso. Não é um governador não pagar a dívida, o outro pensar se vai pagar ou não. Eu acho que é o acordo; o pacto federativo quer dizer fidelidade, que todos estejam de acordo para seguir isso.

Candido Mendes: Pacto federativo é um tema constitucional [...] nós no exercício do poder.

Aspásia Camargo: Exato. Outro ponto que eu acho fundamental é o seguinte. A social-democracia se construiu no binômio capital trabalho com o Estado mediatizando isso. Ora, o Estado está se esvaindo, vai mudar... Eu não sei que modelo vai [entrar]... Espero que venha logo, antes que o mundo acabe. Por enquanto estamos sem Estado. E, decididamente, os movimentos sociais não são mais esses movimentos sindicais unívocos. Nós temos amplas parcerias: ONGs, vários tipos de etnias, de grupos sociais diferenciados. Então, eu pergunto a você o seguinte: para construir este Brasil novo, será que a gente não tem que pegar esse tipo de coisa mais heterogênea, mais complexa, que não seja o populista? Porque eu acho que o populismo não resolve. O grande tema do seu livro, para mim, sabe qual é? A história de um país que não tem institucionalidade suficiente para andar sozinho. E você traz uma velha idéia sua, muito importante, quando no livro fala da economia periférica e se pergunta sobre esse desenvolvimento inconcluso que é esse desenvolvimento que está nas mãos da globalização, porque não consegue andar sozinho. Eu queria saber o que você pensa disso. Porque eu acho que não é a globalização em si a fonte de todos os problemas. O problema é este Brasil, neófito da globalização, você diz isso no livro, é muito bonita essa idéia. E que você, inclusive, foi um que globalizou a cultura deste país, quando trouxe cinquenta dos mais eminentes cientistas políticos do mundo para o Brasil em um espaço de três anos. Então não há nada de errado com a globalização. Agora, o que há, sim, é um país neófito e um país que tenta ser desenvolvido e não consegue. Será que o problema não está aí, na economia que nós vamos construir?

Luiz Weis: Um país, se você me permite acrescentar, em que dois governadores do mesmo partido do presidente da República, por se julgarem prejudicados na alocação de verbas para irrigação nos seus estados, recorreram ao Supremo Tribunal Federal e perderam, mas recorreram para impedir a votação do orçamento da República enquanto não fossem atendidos. Os senhores Dante de Oliveira [(1952-2006), governou Mato Grosso de 1995 a 2002, ficou nacionalmente conhecido pela autoria de uma emenda constitucional que levou seu nome, propondo o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República, que culminou na campanha das Diretas Já] e o senhor [Marconi] Perillo [foi deputado federal e estadual, governou Goiás de 1999 a 2006], de Goiás.

Candido Mendes: Globalização, economia neófita. Vocês vão me perguntar: até onde hoje? Economia neo-nata. Porque a verdade é a seguinte: o que está em jogo? A disparidade entre o que está em jogo, em termos de capitais, o que é que está girando no mundo nessa pestilência esvoaçante dos gafanhotos? Quanto é esse capital? No mínimo, 186 bilhões. O governo já acha que é alguma coisa em torno de quinhentos a seiscentos bilhões. Ninguém sabe, nem os EUA sabem, porque isso é a grande peste bíblica! Nós não sabemos o valor do que está aí e nós não temos condição, inclusive, de fazer hoje apostas de futuro sobre o modo pelo qual essa situação se faz. Esta globalização está em cima de um pântano, ela está em cima de uma areia movediça, você diz muito bem... Nós pensávamos, quando ainda era "verde o vale", e havia proporção entre o trilhão a que nós vamos chegar com o produto interno bruto e ainda essa circulação internacional... Mas quando um país de um tri tem que sair atrás de 186 bi, isso indica realmente o que está em jogo dentro dessa desproporção [...]. E aí vem a pergunta fundamental, agora, já. Não estou falando de pessoas. O que é uma política de emergência fora do blá, blá, blá da união nacional para se realizar uma centro-esquerda? Primeira colocação: eu vi o ministro [Celso] Lafer [foi ministro das Relações Exteriores (1992) e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (1999)] sensível a isso com outras palavras. Está aí a tensão do capital e do trabalho que você colocou tão bem. Por que não voltamos às câmaras setoriais? Porque em função das câmaras setoriais... e ninguém pode dizer que isso não era genuinamente um esquema da nova social-democracia, e só existiu na tradicional social-democracia.

Luiz Weis: A câmara setorial é um instrumento corporativo.

Candido Mendes: É corporativo no momento afortunado. Ela é corporativa quando abrirem espaço para se negociar de fato a condição de captura sobre a renda nacional de salário ou lucro. Agora, na baixa – e aí eu volto ao Touraine – a câmara setorial é a maneira de a gente saber qual é a capacidade de força global que tem o trabalho, para sentar à mesa de negociações e forçar a manutenção da sua força produtiva, e capital para saber como é que vai de fato dimensionar esses lucros. Isso aqui tem dias para ser feito, porque com a volta da inflação o empresariado não está mais preocupado [batendo o dorso de uma mão na palma da outra, exemplificando a despreocupação do empresariado] em tirar lucro de produtividade, ele vai entrar na velha ginga e ciranda que nós sabemos. Há um prazo curtíssimo para isso. Segundo ponto, Fernando Henrique disse isso em setembro, no único grande discurso do "suor, sangue e lágrimas" que o "príncipe" pôde realizar. Ele falou nesta palavra tabu, para a centro-direita, que é taxação das grandes fortunas. Quem vai fazer isso no Brasil? Só a centro-esquerda. E a taxação das grandes fortunas num país onde 5% da população tem 50% da renda, nós estamos partindo para uma outra condição, volto à expressão que me deu o carinho de repetir, “a liquidez da esperança”. Isso o PFL não pode fazer. O PFL está interessado em manter há quarenta anos a impunidade fiscal do setor da agroindústria cujo eufemismo nós conhecemos. O PFL não faz taxação de grandes fortunas. E é possível até para o FMI mais rigoroso imaginar que o Brasil vai fazer um ajuste fiscal sem entrar na palavra proibida para a direita que é taxação das grandes fortunas. Esse problema, ao lado da recuperação da arrecadação, ao lado essencialmente do problema das câmaras setoriais na "baixa touraineana", já tem algo a dizer do ponto de vista do que pode ser uma centro-esquerda. Meu Deus! Nós perdemos muito tempo. A âncora cambial destruiu a formação da cabeça política do Brasil para o milênio. É paupérrima a proposta da situação. E a oposição ainda está querendo às vezes o rigor de um modelo teórico para a alternativa quando a alternativa começa dizendo-se: daqui não se passa. Por que o Jospin criou muito mais do que a "panterinha", uma nova posição social democrática na Europa? Porque ele chegou e disse: “Vou manter sim a condição de pagamento aos pensionistas franceses. Vou manter e não se discute”. A partir de um “não se discute”, roda um novo projeto, e o sistema se faz de dentro do que passa a ser um ponto fixo. Nós vivemos a destruição das ideologias. Mas isso não quer dizer que nós vivemos também a podridão prematura das utopias. Não. A utopia não sai de nenhuma cabeça de Zeus, não é nenhuma Minerva armada. A utopia nasce de certos momentos em que se resiste irracionalmente. Jospin fez, e eu acho que neste momento, se segurar o nível de emprego brasileiro, apesar de todas as exigências da produtividade, que vão desaparecer, o empresariado vai voltar à ciranda já. Por que está começando a subir o preço do frango?

Aspásia Camargo: O que o senhor quis dizer com “utopia obsoleta do petismo”? Você fala, num momento, uma frase muito forte: “a utopia obsoleta do petismo”. Eu queria saber o que era.

Paulo Markun: Aspásia, nós vamos retomar a utopia depois de um pragmático intervalo de poucos instantes. O Roda Viva volta já.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o professor Candido Mendes, cientista político, sociólogo, autor de diversos livros. Eu queria usar a prerrogativa do entrevistador para fazer uma pergunta que imagino estar na cabeça de muitos telespectadores. Aqueles filmes que a gente assiste de cowboy, principalmente os antigos, quando o mocinho estava cercado pelos índios no desfiladeiro, aparecia a cavalaria e resolvia o problema. O sétimo da cavalaria, com as suas dragonas, a sua cavalgada para a vitória. Nós já pedimos ajuda para o sétimo da cavalaria, já veio aí em função...

Candido Mendes: Pedimos em fins de outubro, começo de novembro.

Mônica Teixeira: Na pessoa do FMI, vocês estão dizendo.

Paulo Markun: E o mocinho como é que fica? Em outras palavras. O senhor acredita que existe algum tipo de possibilidade de que a solução dos problemas do Brasil neste momento passe pela compreensão desse mercado mundial que diz: “opa, o Brasil não pode naufragar”.

Candido Mendes: Eu acho que para esse mercado internacional, o Brasil já naufragou. O que precisa ficar bem claro é que o Brasil está pagando a conta do risco internacional que não foi coberto nas Hong Kongs, nas Malásias, nas Tailândias, nas Rússias. Isso quer dizer o seguinte. Nós estamos com 35 bilhões ainda de reservas, mas isso está caindo. Quando nós chegar a 21, nós perdemos a nossa soberania, nós passaremos a ter, ao mesmo tempo...

Luiz Weis: [interrompendo] E os trinta que o FMI nos prometeu? Dos 41, vieram nove, são 31, são 32.

Candido Mendes: Admitamos que isso nos dá...

José Nêumanne: O Malan está dizendo que não tem nenhum tostão de reserva indo embora.

Candido Mendes: Veja bem. Quem é que disse que não ia flutuar o câmbio, quem é que falou em centralização cambial e no dia seguinte disse que isso nunca passou pela cabeça? O problema aí é que nós conhecemos o vocabulário da crise. O que acontece é que num modelo globalizante, as condições de seguro para o sustento do que está aí, o pobre, morno e porco sustento do que está aí já estão definidas. Nós vamos ter o juro que for necessário, para assegurar o que for necessário, para manter essas reservas como o mínimo de trânsito internacional...

Luiz Weis: O senhor não tem nenhuma dúvida íntima em relação ao que o senhor está dizendo. O senhor está fazendo afirmações extremamente categóricas sobre algo que depende ainda da ação dos agentes, das instituições...

Candido Mendes: O que eu estou dizendo é o que está aí definido como a possibilidade de o governo não explodir. Ele não vai explodir. A mecânica da globalização já previu essa situação.

Mônica Teixeira: Mas isso exclui qualquer aliança com a centro-esquerda.

Candido Mendes: Estou colocando o problema da cavalaria, eu estou respondendo primeiro à questão da cavalaria. A cavalaria já existe, ela está montada e acertada.

Luiz Weis: E os índios já ganharam? É isso que o senhor está dizendo?

Candido Mendes: Agora, o que acontece é o seguinte: como viver nesse intervalo dos 35 para não cair para os 21? Essa que é a faixa que eu acho hoje da virada e da possibilidade efetiva de se realizar alguma mudança. Primeiro, em dois quadros. Há um muito grave que torna ainda o cenário mais difícil. É uma decisão do ministro Carlos Velloso [foi presidente do Supremo Tribunal Federal de 1999 a 2001], na semana passada, que diante do depósito do governador Olívio Dutra, considerou admissível a tese de que existe força maior para garantir o não pagamento da dívida pública. Se o Supremo Tribunal decidir por essa idéia, nós temos um pandemônio fiscal estabelecido no Brasil. E aí não tem mais saída. Nós vamos encontrar uma situação única. O Supremo Tribunal que não é um supremo tribunal rooseveltiano [que diz respeito a Franklin Delano Roosevelt, estadista americano (1882-1945)], digamos assim, se continuar dentro dessa tese, nós temos, por decisão, legitimada a impontualidade fiscal sobre a dívida [...].

José Nêumanne: [interrompendo] A substituição do príncipe pelo mico.

Luiz Weis: Sim, mas para não antecipar a desgraça, como diz o presidente Fernando Henrique...

Candido Mendes: Aqui o cenário do nosso moderador foi: o que vai se fazer? Eu tenho que falar sobre o bad end [final ruim] e sobre o possível good end [bom final]. Nós talvez teremos nas próximas semanas o Brasil com a impontualidade de Itamar transformada em regra do jogo para a impontualidade maciça, geral, criando um problema.

[sobreposição de vozes]

Reinaldo Azevedo: Mas é uma Suprema Corte endossando a medida de uma das estrelas do PT. O Olívio Dutra é uma das estrelas do PT. E esse PT que...

Candido Mendes: Veja bem, voltando à questão do PT multifacetado, múltiplo e dentro de uma situação de contestação, começada pela declaração da moratória. As moratórias não se reenterram dentro disso. Então, o que eu quero dizer é que vai se criar talvez um cenário muito mais agudo para que uma situação emergencial se defina. Porque veja bem: o Brasil tem estado de sítio, mas o Brasil também tem algo que a Constituição de 1988 prudentemente chamou o estado de defesa. E eu pergunto: dentro de um quadro como este, o problema da baderna na rua, o problema do avanço a palácio, é muito menos sério do que essa baderna que está aí, e para a qual existe teoricamente um remédio constitucional. Eu pergunto: uma crise dessa ordem que surgirá dessa decisão do Supremo não vai levar a se pensar em algum quadro de um estado de defesa? Se isso acontecer, o mocinho continua, mas a regra do jogo é outra e também não é a do FMI, nem é a dos vinte milhões. Mas é uma situação – eu vou usar uma palavra ruim – muito lôbrega para a democracia. Porém não há precedentes para essa situação, já que a globalização nos colocou pendentes de uma situação tão dramática entre dívida interna e credibilidade externa.

Luiz Weis: Professor, se a voz do ministro Velloso for uma voz solitária ou minoritária, qual é o outro cenário?

Candido Mendes: O outro cenário, neste momento, é de fato se partir para o ajuste fiscal suscetível de se transformar, ele sim, em uma prática de união nacional. Eu não tenho dúvida de que nesse acerto isso se pode realizar. Eu não tenho dúvida de que na hora em que o Brasil entrar em um programa rigoroso de taxação das grandes fortunas, que na hora em que o Brasil sinalizar com o programa distinto do que seja efetivamente a possibilidade de se conseguir, pelos ajustes fiscais, resolver o problema – que  a Espanha exatamente entre o Suárez e o González, chegou a essa situação. Num quadro desses...

Carlos Novaes: Mas que Congresso faria isso? 

Candido Mendes: ... o assalariado segura a sua reivindicação se vir tangivelmente a possibilidade de uma alteração do quadro. Isso é possível.

José Nêumanne: Isso amainaria o espírito vingativo do Itamar, por exemplo? Resolveria o problema psicológico do Itamar?

[sobreposição de vozes]

Candido Mendes: O mal que o Itamar fez já está refeito. Ele não pode piorar.

José Nêumanne: Ah, o senhor não perde por esperar...

Candido Mendes: Eu acho que a situação já exorbitou do que poderia ter sido a sua ação. Eu acho que os Rasputins [referência ao místico russo Grigori Rasputin (1869-1916), figura influente no círculo restrito da corte imperial russa, a quem julgavam ter poderes sobrenaturais] do pão de queijo de Juiz de Fora já disseram o que podiam dentro deste quadro.

Carlos Novaes: O que o Congresso conseguiria fazer a isso? Porque o problema é o seguinte. Eu estava olhando hoje a renovação que houve no Congresso. Então, foi uma renovação de mais ou menos 36%, e eu fui olhar que novos parlamentares... Eu estou falando da Câmara, me expressei mal, não é o Congresso, é a Câmara. Então, 36% de renovação na Câmara. E eu fui olhar que novos parlamentares são esses. Primeiro que não é bem 36%, por quê? Porque destes 36%, apenas 31% nunca tiveram mandato. Os outros já tiveram mandato, ou de deputado estadual, ou de federal em tempos anteriores, ou foram vice-prefeitos, ex-governadores, ex-vice-prefeitos, ex-vice-governador, ex-senador, está na Câmara agora e tal. Gente experimentada. Entre os novos, ou seja, aqueles que eram a renovação líquida, são 59 deputados federais, dos quais 25% são empresários, ligados ao PFL, ligados ao PPB, ao PTB. Apenas 1,2% é de gente com escolaridade de primário ou de secundário. Então eu fico me perguntando, depois de olhar esses números, com algumas outras informações, que eu não vou tomar o tempo aqui dizendo, eu cheguei à conclusão de que o Congresso vai ser mais favorável ao Fernando Henrique do que este atual. Ele vai ter mais facilidade de construir maioria ou, dizendo de outro modo, ele vai ter menos dificuldade de construir maioria agora, no próximo, do que no anterior. E aí eu fico pensando: que Congresso é esse que vai votar, por exemplo, o imposto das grandes fortunas? Ou que Congresso é esse que vai permitir ao governo fazer uma inflexão na direção daquilo que ele não fez até agora? Em 1º de fevereiro assumem os novos deputados, assume o novo Congresso. De onde vai vir a força política para isso?

Candido Mendes: Nós não estamos no "verde vale" da recuperação do poder do Congresso. Nós estamos tratando um cenário ou outro, ou o cenário que for, nós estamos tratando de um cenário emergencial. Para isso é que existe o artigo 62 da Constituição [reza o artigo que, em caso de relevância e urgência, o presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional], mal-sinadamente prostituído no abuso do seu exercício. Mas para isso é que existe medida provisória.

[sobreposição de vozes]

José Nêumanne: Ah, mas agora é para o bem?

Candido Mendes: Não é para o bem ou para o mal. Ela agora realiza a sua tarefa. Em casos de grave risco e comoção intestina, ou perturbação econômico-financeira, "paft". O consideranda [é a parte do preâmbulo de lei ou decreto que tem por objetivo justificar o ato legal e caracterizar o cenário do desastre] para um quadro desse... e isso, querido amigo, dentro de três colocações, nós temos tanta coisa e vamos "morrer na praia". Qual é a maior fonte de dinheiro não inflacionado e vivo no Brasil? São os fundos da Previdência. As previs da vida. As previs da vida é que hoje seguraram a privatização, as previs da vida é que conseguiram... É este o paradoxo: a maior fonte de capital hoje no Brasil é o capital proletário. É o capital dos fundos de assistência a proletários. Eu tenho a certeza de que uma centro-direita nunca conseguirá isso. Mas uma centro-direita colocando num plano de emergência a articulação entre a preservação do salário e a aplicação social dos fundos de Previdência, nós estamos aí no que exatamente Felipe González [importante figura da  história política da Espanha, foi secretário geral do Partido Operário Espanhol de 1974 a 1977, e primeiro-ministro, de 1982 a 1996.] fez na Espanha e deu a ela o seu sentido de se salvar dos riscos da globalização.

Mônica Teixeira: E quem vai conduzir isso é o presidente da República?

Candido Mendes: Meu Deus! [falando com ênfase] Fundos de pensão dando aí essa sopa! E podendo ser utilizados de outra maneira. A riqueza que está aí sempre, a boa riqueza. Porque o Brasil vai se capitalizar através do dinheiro da acumulação operária.

Mônica Teixeira: Mas é o presidente que vai conduzir isso? O presidente não está muito...

Candido Mendes: Veja bem, eu estou falando sobre um ultimato de uma centro-esquerda ao presidente. Eu não estou falando de pessoas. Num quadro de crise de gravidade se fala de desempenhos. O que é que há a fazer no Brasil hoje?

Luiz Weis: Esse “o que há a fazer” inclui honrar os compromissos com os credores externos?

Candido Mendes: Nós não vamos poder fazer isso porque o Supremo Tribunal vai dizer que não podemos fazer essa situação...

Luiz Weis: O senhor é a primeira pessoa que sabe o que se passa na cabeça de um juiz! [risos]

Candido Mendes: Não, por favor. Nós estamos aqui, entramos no campo dos cenários. O que é que vai ser se, o que é que vai ser se sim; se sim, o que é que vai se fazer lá. A conversa toda aqui está no jogo da prospecção.

Luiz Weis: Eu pedi uma opinião sua, o seu ponto de vista, se o Brasil deve, nesta conjuntura, cercado de todos esses elementos que o senhor incorporou no quadro, se o Brasil deve ou não – é uma pergunta normativa – honrar os seus compromissos externos?

Candido Mendes: O Brasil deve honrar os seus compromissos externos. Essa frase é uma frase elementar dentro do quadro, inclusive, da estratégia que nós estamos. E, inclusive, o governo federal vai ter historicamente a oportunidade de se eximir disso na medida em que for o judiciário que disser que nós não temos que cumprir. Esse é que é o cenário que está podendo surgir aí. O que eu quero só dizer é que, neste momento, a solução é capitalista, a solução é usar as acumulações que nós temos. A solução é manter uma mobilização de recursos que não seja inflacionária, por um lado, e que não acredite no merífico recurso externo que não vem mais. O Brasil tem esses recursos. Por que o recurso da Previdência vai ter que ser utilizado como um “d-x” das privatizações a continuar, ao invés de eles se colocarem dentro de um plano de defesa efetiva da remuneração do trabalho num novo tipo de pacto que a própria Espanha nos deu? Isso é o que a Aspásia está dizendo. Isso é a nova social-democracia.

Aspásia Camargo: Mas o PSDB pode conduzir isso aí?

Candido Mendes: O PSDB pode.

Aspásia Camargo: Porque o tucanato é o grande personagem do seu livro, só que eu não sei o que é o tucanato.

Candido Mendes: O PSDB não tem os compromissos situacionistas da direita e do capital empresarial brasileiro que o PFL tem.

Carlos Novaes: Mas ele não tem credenciais para propor. Por exemplo, ainda que eu estivesse de acordo com o senhor sobre o papel possível do PSDB, ainda assim eu teria dificuldade de seguir o senhor na esperança de que o PT viesse a aceitar que o PSDB capitaneasse qualquer projeto. O PT aprendeu porque o eleitorado o ensinou que se trata de cumprir as mediações da hierarquia eleitoral brasileira e não curto-circuitar através do Lula, mas de ganhar prefeituras, governos e tal, e o PT está esperando sabe o quê? As eleições de 2000. Para ganhar a prefeitura de São Paulo, recuperar Ribeirão Preto, ganhar possivelmente no Rio de Janeiro, ganhar em Porto Alegre de novo. O PT está esperando 2000 e depois vai esperar 2002. O PT não vai embarcar nem na canoa furada do PSDB, mesmo que seja com um homem de uma estatura do Mário Covas. Nem assim ele vai. Quer dizer, se o senhor tem esperanças no PT, tudo bem. Mas esperança que o PT faça uma inflexão, não.

Candido Mendes: Tenho esperança numa prática social de centro-esquerda, num quadro em que o Brasil está em um terremoto político e econômico, e que ainda nós não vimos, o que foi a perda de toda a base do tucanato nesses primeiros 15 dias que aí estão.

Gildo Marçal Brandão: Deixe-me fazer uma questão inteiramente fora disso.

Candido Mendes: E o governo não tem força para segurar um novo surto inflacionário e o governo não tem mais credibilidade para sair do acordo de Washington [alusão ao acordo de cessar fogo entre as repúblicas da Croácia e da Bósnia, assinado em Washington, em 1994]. Então a situação não é do "casamento do ratão com a baratinha". Não vai ter PT ganhando o poder em 2002 porque a dona baratinha já... a presidência já acabou.

Carlos Novaes: Nós chegaremos a 2002, professor.

Candido Mendes: Chegaremos se agora fizermos o "dote da dona baratinha" na centro- esquerda.

José Nêumanne: Mas vamos situar bem o que é o PT, porque tem o PT do Tarso Genro, que está querendo tocar o fogo agora. Não está querendo esperar 2000 nem nada. Porque tem o PT que perde a eleição e quer dar o golpe.

[sobreposição de vozes]

Candido Mendes: Graças a Deus o PT de hoje já é um PT diferenciado. Tucanato é o seguinte...

Gildo Marçal Brandão: Permita-me uma questão. Existe uma simpatia pelo PT ostensiva no livro, perfeito. Por uma política de frente esquerda. Ao mesmo tempo, o livro tenta, sobretudo a primeira parte, uma análise do tucanato, uma análise do possível PSDB. Do PSDB, por exemplo, do sonho do senhor, contrastado com a realidade em que o PSDB comprou o pacote neoliberal. A minha questão é a seguinte. No caso do PSDB, dizer que ele comprou o pacote neoliberal tem um problema, do ponto de vista factual. Quem executa a política econômica do governo federal são os militantes do PSDB, ou filiados ao PSDB, não é o PFL – primeiro dado. Segundo, a equipe do Fernando Henrique... Aliás, eu estava me lembrando de um livro Memento dos vivos, [subtítulo: a esquerda católica no Brasil, de autoria de Candido Mendes], que foi a primeira análise sobre a esquerda católica. A equipe íntima do Fernando Henrique é toda originária da esquerda católica, quase todos os integrantes. E essa equipe continua com ele até hoje. Seria interessante até refazer a análise da tradição do que foi a esquerda católica. Agora, o senhor faz parte da Igreja Católica, tem uma função institucional na Igreja Católica, tem uma certa esperança de que a Igreja possa contribuir para esse projeto social-democrata. Enfim, o que é que seria esse PSDB que o senhor está esperando que assuma a tarefa de reconstruir o capitalismo brasileiro?

Candido Mendes: Há mais um dado no meu livro aí, e eu volto à questão de que cenário de ciência política acaba sempre em uma prospectiva e acaba um pouco no exercício desse futurível. Então, eu vou dizer isso com esses mesmos riscos. Eu acho que historicamente o Brasil viveu uma defasagem histórica. A mensagem social-democrata – e eu digo na saída do meu livro – é muito possível por esse atraso histórico. E o Fernando Henrique se comprometeu mais ainda em estabelecer as bases desse atraso, vai caber historicamente ao PSDB realizar um neoliberalismo, e vai caber ao PT realizar a social-democracia. Esse é o problema que historicamente é o nariz, é a cabeça, é o recado e é o espirro do meu livro. Eu acho que nós vivemos uma situação de defasagem. Eu criei em 1994 o movimento dos tucanos vermelhos. Não fiquei sozinho não. Tunga [...], Lídice da Mata [economista baiana, foi a primeira mulher a assumir a prefeitura de Salvador (BA)], Paulo Hartung [foi deputado federal, prefeito de Vitória (ES) e senador. Em 2002, foi eleito governador do Espírito Santo]... Em vários lugares do Rio de Janeiro, do Brasil, nós vimos sair isso, e nós vimos a eminência do "beijo da morte" ali, em Contagem: 386 votos a favor da ligação com o PFL, e três votos contra ela. Um do Tunga, e o outro, o meu voto. Quer dizer, eu sou um dos três votos que não deu unanimidade à adesão histórica do PSDB ao PFL na convenção de Contagem que homologou essa aliança.

Mônica Teixeira: Quem foi o terceiro?

Candido Mendes: Não se sabe.

Carlos Novaes: O Tunga sequer candidato foi à Câmara agora, o Tunga desistiu de ser candidato por absoluto desencanto com as possibilidades do PSDB.

Candido Mendes: Você está apenas dizendo que a minha tese – eu vou usar uma palavra difícil – é um castigo histórico, quer dizer, é uma nêmesis [ato ou efeito de retaliar]. No Brasil o PSDB realizou a tarefa para que a social-democracia pudesse ser encampada pelo PT. A social-democracia tem chances, hoje, através de outros atores. Eu não acredito que o meu partido majoritariamente chegue à outra ponta da ponte, mas acho também que dentro de outras lideranças que estão aí, novas, não há só tubaronato [diz respeito ao caráter voraz de alguns políticos que querem usufruir ao máximo das regalias do poder] vindo para o exercício do poder não, há muito mais gente ligada a isso. E, de outro lado, vamos também verificar o seguinte: há um movimento comunitário brotando no Brasil. Toda a imprensa bem comportada disse que o Papa João Paulo II ia "enterrar com pá de cal" a Teologia da Libertação no México. Caluda [faz o gesto de silêncio com o indicador sobre os lábios]. Não houve nada disso. Há uma Igreja que sabe qual é a sua mensagem na América Latina, que sabe que o Espírito Santo às vezes arrebenta as vidraças das catedrais, outras vezes fica quietinho. Mas a verdade é que há uma movimentação que se desenvolve. Há um movimento de comunidade no Brasil que continua muito fiel a essa colocação, ainda que, em determinados focos hierárquicos, nós tenhamos que viver o pêndulo [move o braço de um lado para o outro] pelo qual a igreja se encarna na história e que é um pêndulo necessário para que ela vá adiante dentro disso. Isso me leva a considerar que de fato, neste momento, a exasperação das contradições não impediu que Fernando Henrique cumprisse um determinado roteiro histórico. É um roteiro histórico defasado, mas que permite, nas contradições homogêneas que propôs, que se possa ir para um outro marco. Eu acho que o PSDB parou na terra prometida que ele está vendo do outro lado da social-democracia.

Gildo Marçal Brandão: Olha, o velho Karl Marx tem uma observação que é terrível para essa análise do seu livro. Ele diz o seguinte: “infeliz o partido que chega cedo ao poder e é obrigado a realizar o programa de seu adversário”. Quer dizer, é uma tragédia isso.

Candido Mendes: Eu acho que o PSDB...

Gildo Marçal Brandão: O Marx e o Friedrich [Engels], na análise sobre as guerras camponesas na Alemanha. Infeliz um partido que chega cedo ao poder e as tarefas históricas acabam fazendo com que ele realize o programa do adversário. O que ele quer realizar ele não pode. O que ele pode é contra ele. Seria esse o dilema da social-democracia?

Candido Mendes: Eu acredito que sim. Eu acredito que neste momento, o Brasil é um país de história trágica, de história interrompida. O Brasil é um país que teve a virtude, a educação de ter um suicídio romano de Vargas. O Brasil que sobreviveu à renúncia de Jânio. O Brasil que conseguiu superar o governo militar sem os dramas da guerra suja argentina. O Brasil que sobreviveu a Collor [primeiro presidente da República eleito pelo voto direto após o regime militar, em 1989. Em 2 de outubro de 1992, renunciou ao cargo em razão de um processo de impeachment fundamentado em acusações de corrupção].

José Nêumanne: À morte do Tancredo Neves.

Candido Mendes: Há alguma história mais fascinante? É o contrário da história da Nova Zelândia, é o contrário da história da Austrália. O Brasil é essa história fantástica, em que, de fato, há, primeiro...

Luiz Weis: [interrompendo] Como dizem os chineses quando odeiam alguém: tomara que o senhor viva tempos interessantes... Eu preferia a experiência neozelandeza...

Candido Mendes: Eu acho que o filme nosso... É uma maravilha nós sermos contemporâneos disso tudo. Quem conseguiu viver a dramaticidade de uma aventura política que dá uma extraordinária força ao Brasil.

José Nêumanne: O senhor acredita nas chances que o infortúnio dá. Quer dizer, o infortúnio vai nos dar uma grande chance.

Candido Mendes: O infortúnio superável... Meu Deus. Nós resistimos ao suicídio, à renúncia, resistimos ao Collor, quer dizer... Aí o que eu acho...

Luiz Weis: Não pagamos preço nenhum por isso?

Candido Mendes: Pagamos o preço da presidência afortunada. Exatamente conseguimos um período de normalidade, onde de fato se pode restabelecer a colocação dos jogos e o baralho voltou. Agora, foi cortado no que podia ser. Não havia naquele momento solução diversa do que a opção de Fernando no quadro da globalização voracíssima, que aconteceu aí e aconteceu mesmo...

Aspásia Camargo: Essas regressões permanentes, constantes? É uma fatalidade que nós não podemos nos livrar dela?

Candido Mendes: Não é uma fatalidade, é o resultado da qualidade de um tipo de formação social que nós temos, onde de fato existe, primeiro: uma enorme consciência de protagonismo de lideranças. Isso não se pode deixar de considerar. Segundo: a enorme importância de organizações. O quadro da ação militar no Brasil não pode deixar de ser considerado dentro desse quadro na sua individualidade. Existe o quadro extraordinário em que o Brasil conseguiu sair do sindicalismo pelego, do varguismo, para o sindicalismo do ABC de Lula. Isso é outro fenômeno extremamente importante como organização de tantas identidades brasileiras que estão aí. O Brasil é um país acordado. E, por aí, um país com condição de poder até se permitir isto: a enorme importância de Fernando Henrique, da democracia do sistema, da sua capacidade de ter vivido muito bem a lua-de-mel para cima, a lua-de-mel da prosperidade curtinha, mas realizada. E muito bem administrada, e que inclusive lhe permitiu, para chegar neste momento, até ter o sonho da presidência hegemônica. O sonho da presidência hegemônica estava aí, quando de repente, nós vimos isso tudo cair por terra.

Paulo Markun: Professor, nosso tempo está acabando, tem uma última pergunta só...

Candido Mendes: Mas que pena!

Paulo Markun: Pois é. É aquela história: quando a conversa é boa, o tempo passa rápido. A pergunta é a seguinte: o senhor não acha que esse jogador afortunado que o senhor vê aí, solitário e habilidoso, uma figura que o senhor menciona como sendo uma das grandes lideranças mundiais, que é o presidente Fernando Henrique...

Candido Mendes: Talvez a maior pessoalmente hoje.

Paulo Markun: ... o senhor não acha que, na calada da noite, ele lá, com os botões dele, pode alguma hora pensar: “puxa vida, e se eu não tivesse inventado essa história de reeleição?”

Candido Mendes: Não, eu acho que isso não lhe passa pela cabeça, porque a reeleição estava na cabeça dele como uma necessidade de vir à forra no ponto de vista de realizar o que ele queria. Houve foi uma superestimação do tempo de implante, através da aliança com o PFL, e houve a idéia... Se nós formos pelo livro esplêndido de Roberto Pompeu de Toledo [escritor e jornalista], vamos ver que ele diz que nunca foi um neoliberal, que não aceita o neoliberalismo, que não quer o Estado mínimo, que quer encontrar a solução social democrata. Ele fala, nesse sentido, da sua convivência com essas lideranças com as quais ele quer [...] e das quais ele tem um respeito internacional. Aí é que eu volto a um tema fundamental do livro. Fernando Henrique não é apenas o "rei filósofo". Ele é alguém que encontrou o sentido da vigência, da manipulação, da realização do indiscutível sucesso político, afortunadamente. Mas fica – e isso eu saliento muito no livro – e é a saída para todas as repartidas. Ele mantém íntegra a consciência do intelectual, de um grande intelectual. E aí vem o que lhe rói mais: ser culpado do que ele não foi. Evidentemente isso é que nos dá a condição da possível repartida. Não há um homem acabado, nem um homem destruído, nem um homem pulverizado; há um homem com uma profunda noção do seu resgate histórico. E é por isso que eu acredito na sua posição, que ainda é hegemônica, da vinda para o centro-esquerda, em uma convocação do que é a raiz de seu próprio partido, do que é aquilo a que Montoro lhe convocou – e o Montoro ainda está vivo. E é aquilo que Sérgio Mota lhe disse, antes de entrar na anestesia sem volta: “Seja capaz de cumprir o seu destino, não se apequene”.

Paulo Markun: Tomara que a gente tenha tempo e possibilidade de ver essa realidade se consumando, seja qual for o ponto de vista dos telespectadores, dos entrevistadores, disso o Brasil está precisando. Eu agradeço a presença do senhor, a presença dos  nossos entrevistadores e a você que está em casa.

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